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UNIVERSIDADE DO MINHO

ESCOLA DE DIREITO
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
ADMINISTRATIVO

Direito Processual Administrativo

COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CENTRAL


ADMINISTRATIVO NORTE
PROCESSO 00474/20.3BECBR DE 27/11/2020 –
INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIA

BRAGA
Abril de 2021

KARINA SIMÕES LOPES PINHEIRO FAJARDO


1. Introdução

Buscamos dentre as matérias de Direito Administrativo Processual explorar e


aprofundar o estudo da Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias
(IPDLG), como ferramenta processual célere e eficaz única no ordenamento jurídico
português, capaz de responder de forma definitiva determinadas situações que envolvam
direitos, liberdades e garantias.
Assim, dado o desafio proposto para análise e comentário a um acórdão,
aproveitamos para trazer um caso de procedência da referida intimação, ultrapassando
argumentos jurisprudenciais restritivos da sua aplicação, sejam de direito material ou
processual, bem como elucidando a característica de exclusividade que tal solução
jurídica detém para plena e adequada tutela de direito que não possa ser respeitado por
qualquer outra providência.
Desde já, salientamos que dada a necessidade de seleção de jurisprudência atual,
infelizmente não foi uma atividade simples a seleção de um acórdão de procedência da
IPDLG e que podemos extrair que a maioria da jurisprudência opta pelo não acolhimento
do mecanismo, seja por não entender se tratar de direitos aptos ao objeto da Intimação,
seja por entender que existem outros meios processuais possíveis de solucionar a lide,
normalmente sugerindo a convalidação em cautelar.
Contudo, passamos ao estudo do acórdão e desde logo, data venia à
imparcialidade necessária da pesquisa académica, deixamos registrado a nossa ampla
adesão ao entendimento relacionado pelo douto Tribunal, com a esperança de que seja
cada vez mais consolidada a sua aplicação na tutela efetiva do Direito.
Ademais, a doutrina que fundamenta a decisão faz ocorrer o melhor dos dois
mundos, quais sejam, do mundo acadêmico e do mundo profissional, onde é visível a
aplicação dos ensinamentos recebidos ao longo do presente curso de mestrado, dando
especial valor aos esforços realizados na incansável busca pela melhor aplicação do
Direito.

2
2. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte – Processo
00474/20.3BECBR, de 27/11/2020

2.1. Das alegações iniciais

O Recorrente intentou a Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e


Garantias contra a UNIVERSIDADE DE COIMBRA e contra a FACULDADE DE
MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, formulando os seguintes pedidos na
inicial:

2.1.1 Que liminarmente, de modo a acautelar a possibilidade de maior


agravamento da situação do ora Recorrente, em face da urgência da definição do direito a
acautelar, com fundamento no disposto no art.º 110.º, n.º 3, do CPTA, que o Tribunal
optasse pelo processamento dos autos nos termos estabelecidos no preceito, e determinasse
que o Recorrente pudesse se inscrever, provisoriamente até à prolação de decisão final, no
quarto ano do Mestrado Integrado de Medicina, de tal modo que fosse garantida a
frequência às aulas que estavam a decorrer e o acesso aos elementos necessários a essa
frequência;

2.1.2 Que a ação fosse julgada procedente, por provada, e, consequentemente, que
fosse reconhecido que o ora Recorrente tinha direito a inscrever-se no quarto ano do
Mestrado Integrado de Medicina, garantindo que não decorresse qualquer prejuízo ou
consequência na sua avaliação em face dessa inscrição só ocorrer naquele momento.

2.1.3 Alegou, para tanto, em síntese, que com a intimação pretendia assegurar, em
tempo útil, o exercício do direito fundamental à educação, nos termos dos artigos 73.º e
74.º da CRP, porquanto a lesão do seu direito, concretizada na não permissão da sua
inscrição no 4.º ano de medicina, era naquele momento já efetiva, uma vez que se
encontrava impedido de proceder a essa inscrição e, desse modo, de poder frequentar o ano
letivo já em curso, havendo, ainda, sérios riscos de se agravar, de um modo definitivo e
irreversível, esse seu direito, como também os danos que decorriam dessa lesão, quer em
termos de privação do acesso efetivo às aulas e materiais disponibilizados, quer, ainda, e
de modo significativo, em termos anímicos e psicológicos, pelo sofrimento e angústia que
a situação lhe tinha causado.

2.1.4 Mais referiu que o decretamento provisório e a própria tutela cautelar, no


caso, eram inadequados à salvaguarda do exercício do direito fundamental em crise, uma
vez que esse exercício, projetando-se e efetivando-se ao longo do tempo, não seria passível
3
de ser reparado de modo retroativo, ou seja, recriando as condições que ocorreram
anteriormente, sendo que, caso fosse decretada provisoriamente a providência cautelar e
caso o ora Recorrente viesse a aceder provisoriamente ao 4.º ano do mestrado integrado de
medicina, tal não se traduziria em garantir a plena efetividade do exercício dos direitos
consequentes.

2.1.5 Conclui, por isso, que o único meio processual adequado a prevenir a
possibilidade de manutenção da lesão do seu direito fundamental é a intimação para
proteção de direitos, liberdades e garantias.

2.2.Da decisão a quo

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra proferiu despacho liminar do qual


consta o seguinte segmento decisório:

“Em face de todo o exposto, nos termos das disposições conjugadas dos art.os
110.º-A, n.os 1, 2 e 3, e 131.º, n.º 1, do CPTA:

determina-se a inscrição e admissão imediata e provisória do A. a frequentar o 4.º


ano do mestrado integrado em medicina ministrado pelas RR.;

convida-se o A. a substituir a petição inicial apresentada, para o efeito de requerer


a adoção da(s) providência(s) cautelar(es) que entenda adequada(s) à salvaguarda dos seus
direitos, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de caducidade do decretamento provisório da
providência, nos termos que antecedem.

Custas do incidente pelo A., fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC, nos
termos do art.º 527.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPC (aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA), e do art.º
7.º, n.º 4, do RCP e tabela II-A anexa.

Notifique de imediato, da forma mais expedita (art.º 131.º, n.º 5, do CPTA)”.

2.3.Das razões de recurso

Inconformado com a decisão proferida, o apelante interpôs recurso jurisdicional


da mesma, formulando que a decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos
artigos 109.º e 110.º, n.º 1, do CPTA, artigos 2.º, 20.º, n.º 5, 73.º e 74.º, da CRP, artigo 6.º
da Lei n.º 38/2020, de 16 de agosto, e artigo 4.º, n.º 2, al. b), do RC, requerendo a revogação
4
da decisão proferida, determinando o prosseguimento do processo como de intimação para
proteção de direitos, liberdades e garantias.

Dentre as alegações, elucida que o decretamento provisório de tutela cautelar, é no


caso insuficiente e inadequada à salvaguarda do exercício do direito fundamental em crise,
porquanto esse exercício, projetando-se e efetivando-se ao longo do tempo, assim em cada
um dos dias em que, quer durante o presente ano letivo quer nos posteriores, se nega ao
recorrente o seu exercício efetivo, não é passível de ser reparado de modo retroativo, ou
seja recriando as condições que ocorreram anteriormente, de modo a permitir que nessas
pudesse desenvolver efetivamente o seu direito à educação, pois mesmo que venha a ser
decretada provisoriamente a providência cautelar (artigo 110.º-A, n.º 2, do CPTA),
podendo com isso vir a aceder provisoriamente ao 4.º ano do mestrado integrado de
medicina, tal não se traduzirá, efetivamente, em garantir a plena efetividade do exercício
dos direitos consequentes, assim para além do mais quanto a quaisquer atos que venha a
praticar, incluindo avaliações e sua repercussão no prosseguimento regular do curso. Alega
que a decisão recorrida não teve em devida atenção as caraterísticas concretas do caso,
sendo que devem ser estas aquelas que deverão servir de mote para o julgador verificar da
adequação ou não do meio processual utilizado, assim no que ao caso importa da ação de
intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias.

Alega se trata de questão que se tem de resolver de modo célere e que, por isso, a
sua resolução não pode ser alcançada satisfatoriamente através de uma medida cautelar
antecipatória, isto porque se houver convolação desta intimação numa providência cautelar
poderá suceder o seguinte: - se a medida cautelar for deferida e, a final, o direito reclamado
não for reconhecido o requerente irá frequentar o curso de medicina por vários anos e, no
limite, licenciar-se mas sem qualquer proveito pois que, com a declaração de que o acesso
ao 4.º ano do curso foi irregular, vê perdidos esse e os anos seguintes e terá de refazer a
sua vida académica universitária; - se a medida cautelar for indeferida mas, a final, o seu
direito for reconhecido concluir-se-á que o mesmo também perdeu o tempo em que esteve
impedido de frequentar o curso.

Arrazoa ter presentes os próprios fins visados com a Lei n.º 38/2020, de 16 de
agosto, cuja aplicação se reclama, que pretende consagrar como resulta do seu artigo 1.º,
um conjunto de medidas excecionais e temporárias para salvaguarda dos direitos dos
trabalhadores e estudantes do ensino superior e no Sistema Científico e Tecnológico
Nacional. Estabelecendo o legislador nessa lei medidas concretas e específicas diretamente
dirigidas à sua concretização no período temporal concreto a que se destinam, assim como
5
resposta às consequências derivadas da denominada “pandemia covid” para os estudantes
do ensino superior (fundamento aliás que sequer o Tribunal a quo teve em conta, pois que
sobre o mesmo não se debruçou na decisão recorrida), o simples decretamento provisório
do direito do recorrente, que se julgou suficiente na decisão recorrida, estando em causa a
aplicação dessa lei, especial como se disse e com vigência também limitada no tempo
(assim enquanto se mantiverem as medidas de resposta à denominada “pandemia covid”),
não cria na prática as condições que o legislador com essa lei especial teve em vista
alcançar.

Alega que deve no caso ter presente o regime estabelecido, de modo especial e
extraordinário, no seu artigo 6.º, ao estabelecer-se, citando, o seguinte: “1 - As candidaturas
em ciclo de estudo para a obtenção de mestrado ou doutoramentos podem,
excecionalmente, ser realizadas sem a conclusão do ciclo de estudos anteriores e durante o
período de tempo necessário para a conclusão do mesmo. 2 - A admissão no ciclo de
estudos a que o estudante se candidata é condicional, passando a definitiva no momento da
conclusão do ciclo de estudos anterior. (...)”

Além disso, também alega estar em causa a violação do princípio da confiança,


princípio esse que se tem por ínsito no artigo 2.º da CRP, pois que, tendo ingressado no
ano de 2015 no mestrado integrado de medicina (MIM), ministrado pela recorrida FMUC,
considera que não pode ser-lhe imposto, pelas recorridas, o denominado “ano barreira”,
como impeditivo da sua inscrição no 4.º ano do MIM, pois este apenas foi criado no ano
seguinte, através do Despacho n.º 9881/2016, num momento em que já havia concluído o
1.º ano do curso.

Por último, recorre de ter sido condenado em custas pelo Tribunal a quo, e clama
a isenção de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º do RCP.

2.4 Da fundamentação e dispositivo do acórdão

O Tribunal ad quem considera que a situação constitui um caso que reclama uma
decisão urgente e definitiva que se pronunciando sobre o mérito da causa julgue os
fundamentos em que o requerente funda a sua pretensão de tutela, decidindo se lhe assiste
ou não o direito à inscrição e frequência do 4.º ano do mestrado integrado de medicina na
FMUC.

Na situação em discussão, é imperativo tomar-se em consideração as concretas


particularidades do caso e, bem assim, o tempo de desenvolvimento da ação principal de
6
que a decisão cautelar seja instrumental em ordem a que a decisão do Tribunal se optar pela
tutela cautelar, o decretamento tenda a ficar prejudicado e a tornar-se definitivo. Ou seja, a
situação não se compadece com uma sentença provisória que se revela inidónea do ponto
de vista estrutural, antes reclamando uma sentença de mérito.

A situação do apelante não se compadece, a nosso ver, com uma inscrição a título
provisório no 4.º ano do mestrado integrado de medicina na FMUC, uma vez que,
considerando o tempo em que normalmente são decididas as ações administrativas
principais, o apelante não veria a sua situação estabilizada dentro de um prazo razoável à
tutela dos seus legítimos interesses, de tal modo que, não é ficcional perspetivar-se que, só
após concluído os 6 anos do curso de medicina, quiçá o próprio ano comum, ou até o
ingresso no internato médico para efeitos de formação especializada, aquele poderia vir a
ser notificado da decisão final.

Para além da instabilidade e insegurança a que o apelante se veria sujeito durante


o período em que estivesse a aguardar pela decisão final, as consequências decorrentes de
uma decisão final negativa, prolatada meses ou anos após a decisão provisória que o
habilitou a prosseguir o curso, seriam insuportáveis para quem quer que fosse que se
estivesse colocado na situação do apelante, que veria destruído anos de trabalho e de
sacrifício e quiçá, hipotecado um projeto de futuro para o qual despendeu o melhor da sua
energia.
Acresce dizer que também não é ficcional admitir-se que o apelante viesse a
praticar atos médicos, quando na sequência de eventual prolação de decisão desfavorável
perderia a qualidade de médico e, com isso, praticaria atos médicos para os quais não
dispunha efetivamente, da necessária habilitação, com todas as consequências nefastas daí
decorrentes.

Em suma, no caso, tendo presente que a intimação para proteção de direitos,


liberdades e garantias constitui um meio contencioso subsidiário de tutela destinado a ser
utilizado apenas nas situações em que as outras formas de processo não se mostrem, ou não
se apresentem, como meios adequados ou aptos à realização e efetiva proteção dos direitos,
liberdades e garantias, assegurando uma efetiva e plena tutela jurisdicional, funcionando,
assim, como uma válvula de segurança do nosso sistema de garantias contenciosas, em
face dos contornos do caso concreto, não temos dúvida em concluir que o meio processual
adequado a tutela das necessidades e exigências reclamadas para e na defesa do direito do
apelante a ser inscrito no 4.º ano do mestrado integrado de medicina na FMUC, apenas pode
ser eficazmente ( plenamente) salvaguardado com a prolação de um decisão de mérito
7
urgente.

Assim, acordam em conceder provimento à apelação, revogar a decisão recorrida


e determinar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, para
prosseguimento dos autos, se a tal nada mais obstar.

Sem custas por isenção objetiva, em ambas as instâncias – artigo 4.º, n.º 2, alínea
b) do Regulamento de Custas Processuais.

3. Da Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias – questões de


admissibilidade

Sabemos da grande dificuldade de ser possível na prática a utilização dessa


ferramenta jurídica na proteção dos direitos, liberdades e garantias aqui em Portugal e,
consideramos tratar-se de uma ferramenta célere e justa na proteção básica individual, que
merece total atenção e estudo para ampliar a sua aplicação, bem como sua aceitação por
parte dos tribunais.
Importante destacar que antes da reforma do contencioso administrativo em 2002,
não existiam mecanismos processuais que assegurassem uma efetiva tutela jurisdicional dos
direitos interesses legítimos dos cidadãos com as soluções que o ordenamento jurídico
processual criminal e civil já facultava aos cidadãos, como por exemplo, o habeas corpus e
as providências cautelares disponíveis no âmbito da lei processual civil.
Eis que o legislador realizou uma profunda reforma do contencioso administrativo,
preenchendo-o de mecanismos processuais adequados a assegurar o preceito constitucional
do art.º 20.º, nº 5 da CRP, através da consagração da intimação para a Proteção de Direitos,
Liberdades e Garantias.
Assim, decorre do disposto no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, na sua versão atual,
dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro que “A intimação para proteção de direitos,
liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere
emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta
positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo
útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas
circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar”.
Conforme ensina Carla Amado Gomes, o novo meio processual criado pelos
artigos 109º a 111º do CPTA é o resultado de um processo de maturação, legislativa e
doutrinal, sobre o tema da proteção jurisdicional específica de direitos fundamentais, que
8
tem como pretexto a longa aspiração à instituição de um recurso de amparo no ordenamento
jurídico português1.
Inicialmente a jurisprudência manteve uma interpretação restritiva no que dizia
respeito a quais direitos, liberdades e garantias seriam suscetíveis de IPDLG. O que a
doutrina e a melhor jurisprudência sustentam é que o mecanismo processual não cobre
apenas a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, e sim, além disso,
outros direitos, liberdades e garantias devem ser assegurados através deste meio processual
célere e prioritário, como os direitos, liberdades e garantias de participação política ou dos
trabalhadores e os direitos análogos.
Registramos que o acórdão objeto de estudo adota o entendimento mais
amplo de acordo com o qual o meio processual principal urgente do artigo 109.º do CPTA
ancora a defesa de todo e qualquer direito, liberdade ou garantia acolhidos na CRP e aquelas
situações que resultem da concretização legislativa de direitos fundamentais. O
entendimento predominante deve ser o de que legislador não restringiu este meio processual
aos direitos, liberdades e garantias pessoais como estabelece o art.º 20.°, n° 5 da CRP, mas
também os direitos, liberdades e garantias do Título II, da Parte I da CRP, incluindo
os de natureza análoga (art.º 17.° da CRP), pelo que se consideram incluídos
os direitos de natureza análoga dispersos na CRP e fora do catálogo.
Ainda assim, lamentavelmente, como ensina Jorge Reis Novais, existem
dificuldades pelos juízes administrativos em densificar o conceito de direito, liberdade ou
garantia, ou por adotarem concepções clássicas de distinção construídas pela doutrina e
jurisprudência e assim adotarem decisões absurdas ou adotarem decisões justas no sentido
material, mas com dificuldades de fundamentação à luz dos critérios tradicionais2.
Nessa linha, Gomes Canotilho e Vital Moreira sustentam que este direito incorpora
uma vertente negativa, liberdade de entrar nas escolas e aprender, semelhante aos “direitos,
liberdades e garantias3”.
Também há jurisprudência no que diz respeito a utilização de IPDLG ao acesso ao
ensino superior, entendido como direito fundamental inserido constitucionalmente
nos direitos sociais suficientemente preponderante e, na sua vertente negativa,
constitucionalmente densificado de modo a reclamar uma tutela principal urgente, senão

1
GOMES, Carla Amado. Pretexto, contexto e texto da intimação para proteção de direitos, liberdades
e garantias, Instituto de Ciências Jurídico-políticas, Lisboa, 2003, p. 9.
2
NOVAIS, Jorge Reis. Direito, liberdade ou garantia": uma noção constitucional imprestável na
justiça administrativa? – Anotação ao acórdão do TCAS de 6.6.2007, P. 2539/07», CJA, n.º 73,
Fevereiro, 2009, pp. 44-59.
3
CANOTILHO, José Joaquim Gomes / Vital MOREIRA, Constituição da República Portuguesa
Anotada, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014. 9
vejamos:
(…) Viabilizando o recurso a esta intimação para defesa do direito
fundamental de acesso ao ensino superior, ainda que não o qualificando
expressamente como direito, liberdade e garantia análogo, mas como um
direito fundamental inserido constitucionalmente nos direitos sociais
suficientemente preponderante e, na sua vertente negativa,
constitucionalmente densificado, para merecer a tutela contenciosa
principal urgente de forma a que os interessados que reclamam o acesso
à universidade de acordo com a lei e a CRP poderem ter certezas
jurídicas sobre o seu futuro académico.4 (…)

Quanto aos pressupostos da IPDLG temos (i) A necessidade de emissão


urgente de uma decisão de fundo do processo que seja indispensável para proteção de um
direito, liberdade ou garantia; (ii) Que o pedido se refira à imposição de uma conduta
positiva ou negativa à Administração ou a particulares; (iii) Que não seja possível ou
suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de uma ação
administrativa normal (comum ou especial), ou seja, que a defesa deste direito, liberdade
ou garantia não possa eficazmente ser assegurado por outra.
Dentre os requisitos, sem sombra de dúvida o terceiro pressuposto é onde
encontramos maior relevância para a admissibilidade da IPDLG. Trata-se da conhecida
subsidiariedade contida no nº 1 do artigo 109º do CPTA.
Pelo entendimento de Carla Amado Gomes, a intimação para proteção de direitos,
liberdades e garantias em geral só será admissível se o direito que, em concreto, se encontra
ameaçado, não puder ser tutelado com mais eficácia (leia-se: adequação e plenitude) por
outra qualquer providência especificamente orientada para a sua defesa5.
Assim, não basta a prova de ameaça ou violação de direito, liberdade ou garantia,
mas a prova de que a IPDLG é o único mecanismo capaz de assegurar aquele direito, que
está em iminência de lesão ou ameaça. Certamente depende muito do caso concreto e o que
se observa é a aceitação deste mecanismo quando exista uma lesão de iminência e
irreversibilidade.
A IPDLG é admitida apenas nas situações em que a prolação de uma decisão de
caráter provisório não seja suficiente para a tutela efetiva, ou seja, qualquer outra forma de
ação contenciosa não é suficiente para a proteção necessária, exatamente como no acórdão

4
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 12 de janeiro de 2018, processo nº
00774/17.0BEAVR.
5
GOMES, Carla Amado. Pretexto … cit, p. 20. 10
em análise. Uma decisão provisória que permita a inscrição no mestrado integrado, e a longa
espera por uma decisão definitiva no processo principal, acarretaria danos irreversíveis ao
Recorrente.
Ou seja, parece que a ideia central para a viabilidade da IPDLG está na necessidade
amplamente comprovada de interferência em caráter definitivo, com decisão de mérito da
ação. Pela via cautelar haverá sempre o caráter provisório da decisão, o que pode implicar
em danos irreparáveis, sem contar na sobrecarga que gera ao sistema judiciário nacional.
Como nos ensina Isabel Celeste Fonseca a intimação será necessária quando para
proteger direitos fundamentais, a necessidade de proteção seja tão intensa ao ponto de não
ser possível em tempo útil o recurso a outro meio processual, que seria o meio adequado ou
o meio próprio para resolver definitivamente a questão existente6.
A subsidiariedade diz respeito a incapacidade da cautelar definir definitivamente
uma situação e não a urgência em si. Uma tutela urgente para proteção de direitos,
liberdades e garantias que necessite de decisão definitiva, não pode ser sanada por processos
comuns, pela lentidão característica desses processos e tampouco por uma medida cautelar,
pela sua característica central de ser provisória. A existência da necessidade de tutela
urgente a direitos, liberdades e garantias está relacionada a necessidade de decisão definitiva
em um determinado espaço de tempo, e requerendo a emissão de decisão de mérito, torna
uma medida cautelar impossível ou insuficiente.
É por essa razão que se torna imperioso que o requerente apresente inicialmente
prova robusta que sustente o cumprimento dos pressupostos necessários para a
admissibilidade do pedido de intimação, bem como a sua procedência em tempo útil e
definitivamente, com resolução de mérito. Nesse sentido, nos ensinamentos de Carla
Amado Gomes cabe ao juiz da intimação avaliar da impossibilidade ou insuficiência
hipotéticas do decretamento provisório, alegadas pelo requerente, antes de admitir o
pedido7.

6
FONSECA, ISABEL CELESTE M. Dos novos processos urgentes no contencioso administrativo:
(função e estrutura), Lisboa, LEX, 2004, pp. 76 ss.
7
GOMES, Carla Amado. Pretexto… cit. pp. 20. 11
4. Conclusões

O presente estudo objetivou uma análise de um acórdão que tratasse a Intimação


para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, com procedência dos pedidos, de forma
a vislumbrar na prática, através de jurisprudência extremamente atual, o posicionamento
dos tribunais acerca dos requisitos de admissibilidade que envolvem o presente mecanismo
processual.
Resta cristalino que a IPDLG é um meio célere de tutela efetiva de direitos
fundamentais e que tanto a doutrina como a jurisprudência têm adotado o posicionamento
de que são passíveis à referida proteção por esse meio, os direitos, liberdade e garantias
para além do que estabelece o art.º 20.°, n° 5 da CRP, englobando também os direitos,
liberdades e garantias do Título II, da Parte I da CRP, incluindo os de natureza análoga (art.º
17.° da CRP), pelo que se consideram incluídos os direitos de natureza análoga dispersos
na CRP e fora do catálogo.
Quanto à subsidiariedade da IPDLG, concluímos que esse requisito ultrapassa a
figura de urgência, também caracterizada nos processos de natureza cautelar, estando
relacionado embrionariamente com a necessidade de julgamento de mérito, de caráter
definitivo em período de tempo exíguo, o que faz com que seja afastada a obtenção de
proteção de direitos em ameaça ou lesão por outro meio processual.
Percebemos que, desde a inclusão do mecanismo processual de IPDLG com a
reforma do CPTA de 2002, vem sendo aceito esse instituto processual de imensa eficácia e
celeridade a passos muito lentos por parte do Judiciário. Entretanto, já existem inúmeros
conceitos que circundam a matéria pacificados, tanto na doutrina, como na jurisprudência.
Diante de todo o exposto, concordamos com a posição adotada pelo Tribunal
Central Administrativo Norte no referido acórdão, e esperamos que ocorram cada vez mais
decisões nesse mesmo sentido, para uma evolução jurisprudencial robusta para a aplicação
de tutela jurisdicional cada vez mais efetiva.

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5. Bibliografia

▪ CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição,


7ª ed., Almedina, Coimbra, 2003.

▪ CANOTILHO, José Joaquim Gomes / Vital MOREIRA, Constituição da República


Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014.

▪ FONSECA, ISABEL CELESTE M. Dos novos processos urgentes no contencioso


administrativo: (função e estrutura), Lisboa, LEX, 2004.

▪ GOMES, Carla Amado. Pretexto, contexto e texto da intimação para proteção de direitos,
liberdades e garantias, Instituto de Ciências Jurídico-políticas, Lisboa, 2003.

▪ NOVAIS, Jorge Reis. A Dignidade da Pessoa Humana, Dignidade e


Inconstitucionalidade, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2016.

▪ NOVAIS, Jorge Reis. Direito, liberdade ou garantia": uma noção constitucional


imprestável na justiça administrativa? – Anotação ao acórdão do TCAS de 6.6.2007, P.
2539/07», CJA, n.º 73, JaneiroFevereiro, 2009, p. 44-59.

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