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Maioridade Penal Introdução
Maioridade Penal Introdução
1
FALEIROS, Vicente Paula. Impunidade e Inimputabilidade, Artigo. Serviço Social e Sociedade. Ano 24, fl.77.
São Paulo: Cortez, 2004.
2
Ibid.
Em recente Nota Técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada –IPEA, as
autoras Enid Rocha Andrade da Silva e Raíssa Menezes de Oliveira3, trazem a necessidade de
chamar a atenção para alguns aspectos da desigualdade social e de renda, realidade em que
vivem milhares de crianças e adolescentes em todo o Brasil, mas de forma ainda mais
acentuada nas periferias das grandes cidades.
Segundo as autoras, as crianças e adolescentes inseridos nesse contexto, ainda em
tenra idade já estudam e trabalham e muitos deles abandonam precocemente a escola para
trabalhar em mercados informais sem qualquer proteção social. E também há aqueles que não
estudam e nem trabalham e estão vulneráveis à margem da sociedade.
Portanto, segundo as autoras, antes de trazer á baila a discussão acerca da redução da idade
penal é necessário fazer grandes reflexões sobre quem são esses adolescentes infratores e
quem tanto querem punir; quantos são os jovens adolescentes infratores; quais são os
principais delitos cometidos por eles; a quais sanções estão sujeitos aos adolescentes que
cometem ato infracional; onde cumprem as medidas socioeducativas de privação de liberdade;
qual é a situação dessa instituição de execução das meninas de privação de liberdade dos
adolescentes em conflito com a lei e em que condições estão sujeitos os menores que
cumprem as meninas socioeducativas e como são aplicadas as meninas em meio aberto.
Diante desse contexto, há duas correntes a respeito da redução da maioridade penal no
Brasil. De um lado aqueles que acreditam que não é a redução que dará solução aos
problemas já existentes; e do outro lado, aqueles que asseguram que com enrijecimento das
leis para estes jovens infratores, serão minimizados os problemas enfrentados por suas ações
delituosas.
Vicente de Paula Faleiros4, explica que, em relação aos projetos do Congresso
Nacional, alguns vislumbram mudanças na Constituição Federal e outros pretendem
mudanças para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O Governador do Estado de
São Paulo Geraldo Alckimin, por exemplo, apresentou projetos de mudanças no Estatuto da
Criança e do Adolescente objetivando exceder o tempo das medidas impostas a adolescentes
infratores que cometam os crimes considerados hediondos.
Porém, cabe reflexão quando se constata as péssimas condições de instituições como
e já falida FEBEM e da Fundação Casa de São Paulo, com frequentes rebeliões e sequestro de
funcionários, tanto que a primeira veio a ser abolida depois de tantos casos enfrentados nesse
sentido, perdendo totalmente a sua credibilidade aos olhos da sociedade.
3
4
FALEIROS, Vicente de Paula. Op. Cit. Nota 37.
Vicente de Paula Faleiros5, lembra que situações de violência contra adolescentes em
cumprimento de medidas socioeducativas de internação são frequentes nas instituições que na
verdade ao invés de cumprirem seu papel de ressocialização dos adolescentes, acabaram por
torna-los mais rebeldes e agressivos devido às falhas do sistema de falta de estrutura de
recuperação adequados.
Denúncias feitas á Promotoria da Infância de da Juventude de São Paulo,
apontam que três adolescentes são espancados por dia nas Unidade da
FEBEM e que 20 ex internos são mortos por mês na capital paulista. De
acordo com análise dos inquéritos instaurados na Promotoria, realizada pela
Comissão de Direito Humanos da OAB/SP e Associação de Mães de
Crianças Adolescentes em Risco ( AMAR), a média de torturas permanece
inalterada desde 2000.6
O assunto é tão polêmico na sociedade atual que envolve até mesmo lideranças
religiosas. Segundo o citado autor, o Arcebispo de Aparecida, contrariou a orientação da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, e com a repercussão do assassinato de Liana e seu
namorado em Embu Guaçu, manifestou-se em defesa da redução da maioridade. Na ocasião,
o Rabino Henri Sobel, de São Paulo, chegou a propor a pena de morte, vindo a retratar-se
posteriormente por ter manifestado uma opinião em plena efervescência do clamor social.
Ante a repercussão do Caso Liana, envolvendo uma barbárie cometida pelo
adolescente Xampinha, que confessou e cocou à sociedade por sua frieza, todas as autoridades
brasileiras tiveram que se manifestar para atender ao clamor da sociedade. O presidente do
Supremo Tribunal Federal á época, apoiou a iniciativa do Governador Alckimin sobre a
necessidade de aumentar o tempo das medidas previstas do ECA. O Então Presidente da
República, Luís Inácio Lula da Silva, declarou ser contra a redução da maioridade, mas
também defendeu a necessidade de maior punição para os jovens infratores. O então Ministro
da Justiça, Márcio Thomas Bastos, manifestou-se claramente contra a redução da
imputabilidade penal, alegando inconsistência jurídica e inutilidade prática.
Portanto, é possível verificar que as manifestações favoráveis à redução, por parte das
autoridades políticas e religiosas diante de crimes bárbaros dão respaldo à opinião pública no
sentido de aumentar a punição aos jovens que cometem atos infracionais praticados com
violência ou grave ameaça à pessoa, mas isto não quer dizer necessariamente que se deva
reduzir a idade penal.
5
FALEIROS, Vicente de Paula. Op. Cit. Nota 37
6
Ibid.
7
Enid Rocha Andrade da Silva e Raíssa Menezes de Oliveira em pesquisa,
identificaram que grande maioria dos delitos cometidos por adolescentes são roubo e tráfico
de drogas e não atos contra a vida que, para esses movimentos em favor da redução da idade
penal justificariam a redução da idade penal visando uma punição mais severa. Nas palavras
das autoras:
As infrações contra o patrimônio e o tráfico de drogas,
constituíram-se nos principais delitos praticados pelos adolescentes em
cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade no Brasil
nos últimos três anos.
7
SILVA, Enid Rocha Andrade da; OLIVEIRA, Raíssa Menezes de . Op. Cit. Nota 39, p.37
8
Ibid.
rigor da Lei com a redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, alguns até sugerem a
redução para os 14, não acreditam que seria esta a solução dos problemas envolvendo
adolescentes em conflitos com a lei do país.
9
Estatuto da Criança e do Adolescente disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm.
Acessado em 05 de agosto de 2020.
III CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
10
BRASIL, Op. Cit. Nota 1
11
Ibid.
12
Ibid.
IV ESTATUDO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – ECA
13
CHAVES, Antônio. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª Ed. São Paulo. LTr, 1997, p.41-
42.
14
SILVA, Antônio F. do Amaral e. O Estatuto, Novo Direito da Criança e do Adolescente e da Justiça da
Infância e da Juventude.
15
Brasil. Op. Cit.Nota03
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente
poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de
cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de
trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão
tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.
Ao analisar este contexto, paira uma grande discussão tema deste estudo, onde se
pergunta se: “as medidas impostas serão suficientes frente às condutas graves cometidas pelos
menores infratores?”
Para os que defendem a redução da maioridade penal, a medias impostas pelo ECA
são quase que irrelevantes diante de certas condutas de jovens infratores, tal como no caso de
sequestros, homicídios e tráfico de drogas.
O que gera repercussão ainda maior é que, o jovem infrator, próximo aos 18 anos,
poderá cometer um crime e ser respaldado na idade penal prevista na lei, pois, ficará internado
ou irá cumprir medida socioeducativa pelo período de 03 anos no máximo ou até completar
21, que fará jus à sua liberdade compulsória.
João Batista Costa Saraiva16, explica que o ECA se compõe a partir de três grandes
sistemas de medidas: I – Sistema Primário: políticas públicas de atendimento à crianças e
adolescentes (artigos 4º e 85/87); II – Sistema Secundário: das medidas de proteção dirigidas
a crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social, não autores de atos
infracionais. De natureza preventiva, ou seja, crianças e adolescentes enquanto vítimas,
enquanto violados em seus direitos fundamentais (especialmente artigos 98 e 101) e III-
Sistema Terciário – das medidas socioeducativas, aplicáveis a adolescentes em conflito com a
lei, autores de atos infracionais, ou seja, quando passam à condição de vitimizadores ( artigos
103 e 112).
Ainda conforme o autor, pela hierarquia dos sistemas de medidas citadas, quando a
criança ou adolescente evadir-se do sistema primário de prevenção, incorpora-se ao sistema
secundário, onde o agente operador é o Conselho Tutelar, e por fim, estando o adolescente em
conflito com a lei, sendo-lhe atribuída a prática de ato infracional, é então ativado o terceiro
sistema de prevenção, operacionalizando-se as medidas socioeducativas (repressivas).
Há diversos países onde a maioridade penal inicia-se aos 16 anos, como Argentina,
Espanha, Bélgica e Israel, e em outros, aos 15 anos, como Índia, Egito, Síria, Honduras,
Guatemala, Paraguai, Líbano e aos 14 anos na Alemanha e Haiti. 17 E por incrível que pareça,
na Inglaterra o indivíduo é considerado imputável a partir dos 10 anos. Muitos defensores da
redução da idade penal no brasil se argumentam nas legislações desses países.
O fato é que o tema da idade penal tem enorme relevância em todos os países do
mundo, tanto que a Organização das Nações unidas (ONU), estabeleceu orientações mínimas
16
SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral: uma
abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.62.
17
UNICEF.
para a imposição da responsabilidade penal aos jovens infratores da Resolução 40/33 18 em 29
de Novembro de 1985, as chamadas Regras de Beijing, que estabelece que nos sistemas
jurídicos que reconheçam o conceito de responsabilidade penal para jovens, seu começo não
deverá fixar-se numa idade demasiado precoce, levando-se em conta as circunstâncias que
acompanham a maturidade emocional, mental e intelectual.
19
O texto da ONU traz disposições pertinentes aos direitos dos jovens, à proteção da
intimidade, cláusula de salvaguarda, investigação e processamento, remissão, prisão, decisão,
medidas, dentre outras voltadas á questões que envolvem crianças e adolescentes, inclusive
quando em conflito com as leis.
De acordo com o item 17.1 da Resolução 40/33 da ONU, a autoridade deve dispor de
um amplo leque de medidas passíveis de aplicação visando atender da forma mais eficaz
possível o princípio da proporcionalidade e a individualização da pena, assim, a resposta á
infração cometida por jovens deve ser sempre proporcional não só ás circunstâncias, mas
também á gravidade da infração, mas considerando-se as circunstâncias e as necessidades do
jovem bem como as necessidades da sociedade.
Para a ONU (1985), as restrições á liberdade pessoal de jovens só devem ser impostas
após um cuidadoso estudo e devem ser reduzidas ao mínimo possível. Ou seja, não deve ser
imposta a privação de liberdade pessoal se o jovem não tiver praticado ato grave, que envolva
violência contra a pessoa ou por reincidência em infrações sérias, e a menos que não haja
outra medida apropriada para o caso, desse modo, o bem estar do jovem deve ser o fato
preponderante no exame dos casos.
O item 17.2, 17.3 e 17.4 da citada resolução, estabelecem, respectivamente, que a pena
capital não será imposta por qualquer crime cometido por jovens, que estes são serão
submetidos a penas corporais e que cabe á autoridade competente suspender o processo em
qualquer tempo que haja necessidade.
Segundo Benedito Teixeira20, desde 2009 na Argentina, há tentativa de aprovar a
redução da maioridade penal para 14 (quatorze) anos, a qual já foi aprovada pelo Senado,
porém ainda aguarda aprovação pela Câmara.
O citado autor explica ainda, que a proposta de redução da maioridade penal é
aprovada pela população argentina, portanto, o projeto é uma resposta aos clamor social.
18
ONU. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude adotada
na Assembleia Geral da ONU em sua resolução 40/33 de 29 de Novembro de 1985.
19
Disponível em < http://crianca.mppr.mp.br/pagina-1074.html> acessado em 10 de agosto de 2020.
20
TEIXEIRA, Benedito. Redução da maioridade penal gera polêmica entre argentinos. Disponível em:
<http://site.edital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=77701. Acesso em 10 de Agosto de 2020.
Segundo ele, uma pesquisa publicada em 2011 apontou que 71% dos argentinos se colocam a
favor da redução da maioridade penal de 16 (dezesseis) para 14 (quatorze) anos de idade.
As autoridades argentinas, assim como também no Brasil, demonstram que o índice de
participação de jovens em crimes no país não é tão relevante, porém mesmo assim, a
sociedade é a favor da redução, muitas vezes motivada pela repercussão de crimes violentos
envolvendo adolescentes. 21
Em Portugal também a maioridade penal está estabelecida para os 16 (dezesseis) anos,
no artigo 9º do Código Penal Português, que também estabelece em seu artigo 9º, um
tratamento específico aos infratores com idades entre 16 (dezesseis) e 21 (vinte e um) anos.
A Lei Tutelar Educativa equipara-se ao Estatuto da Criança e do Adolescente
brasileiro, e regula o regime aplicado aos infratores com idades entre 12 (doze) e
16(dezesseis) anos.
22
Segundo Américo Taipa de Carvalho , há em Portugal também um movimento
daqueles que defendem a diminuição da maioridade penal para os 14 (quatorze) anos de
idade.
Em contrapartida, há posicionamentos contra a redução. Inclusive ensejando o
aumento da idade para 18 (dezoito) anos ou 21 (vinte e um) anos, com argumentos que dão
ênfase às questões humanistas e á busca de um tratamento mais adequado para jovens
infratores que consideram estarem inseridos em verdadeiras escolas do crime ao serem
criminalizados e expostos ao mesmo tratamento que criminosos mais velhos.
Nos Estados Unidos da América, por exemplo, a legislação autoriza que cada Estado
estabeleça suas próprias regras penais, inclusive, definindo a idade mínima para que se
responda criminalmente por atos praticados. Assim é possível identificar no território norte-
americano diversos posicionamentos da política criminal. A imputabilidade penal varia entre
06 e 12 anos em alguns Estados e em outros não há idade mínima estabelecida para a
imputabilidade penal, adotando-se o direito consuetudinário.
Nota-se pela leitura do das idades imputáveis em outros países, uma grande
diversidade de aplicações, de modo que o debate é efervescente quando se busca comparar o
Brasil com outros países, já que se têm exemplos de vários tipos de adoções que viriam
conforme a cultura e critérios adotados em cada país, quando não, por cada Estado do país.
21
LOPES, Mares Rogers. Argentina: maioridade penal em debate. Disponível em <http:// dialogo-americas.com.
acessado em 10 de Agosto de 2020.
22
CARVALHO, Américo Taipa de. Diário de Notícias. Juiz quer aumentar a idade penal para 18 anos.
http://www.dn.pt/inicio/portugal acessado em 11 de agosto de 2020.
Portanto, as idades estabelecidas para a maioridade penal pelo mundo são dispares,
mesmo porque elas refletem a cultura e os costumes de cada localidade, sendo ainda muito os
fatores envolvidos na definição da idade penal, fatores estes que vão desde religião até as
formas como são estabelecidas as hierarquias do poder do Estado em cada país.