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CAPÍTULO II – I ASPECTOS SOCAIS DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL

A questão de redução da maioridade penal está totalmente vinculada a questões sociais


e democráticas no Brasil. É bastante comum encontrar o assunto como tema de artigos e
trabalhos acadêmicos justamente por ser um assunto de bastante repercussão no país, ora pelo
choque com crimes bárbaros envolvendo adolescentes, ora pelos escândalos envolvendo as
instituição de acolhimento de crianças e adolescentes e o próprio sistema prisional.
As questões sociais sobre a redução da idade penal é facilmente vista quando um
crime ganha repercussão e se pode ver as famílias atingidas brutalmente por jovens infratores,
o que sensibiliza, sobre maneira, a sociedade quando sabem que estes adolescentes que
vitimaram estas famílias são serão penalizados e poderão continuar a cometer barbáries,
mesmo porque eles continuarão sem estrutura e possibilidades de se recolocarem na sociedade
da maneira devida, portanto, trata-se de uma questão jurídica e social, cujas reflexões devem
ser cautelosas.
Neste sentido, Vicente de Paula Faleiros 1, cita que pesquisas trazem à baila a reflexão
da questão do rebaixamento da idade penal de 18 ( dezoito) anos para 16 (dezesseis) anos para
adolescente infratores, mostrando que esta é amplamente apoiada pela opinião pública. Por
exemplo, uma pesquisa realizada em novembro de 2003, pela Confederação nacional dos
Transportes (CNT/Sensus) e divulgada em 08 de Dezembro de 2003, constatou que 88,1%
dos 2.000 entrevistados apoiam a redução da imputabilidade penal de 18 para 16 anos, e
apenas 9,3% são contra a redução, com uma margem de erro estimada em até 4%. Vicente de
Paula Faleiros2, acrescenta ainda a grande repercussão do caso do assassinato de Liana
Friedenbach, morta pelo adolescente Xampinha em Embu-Guaçu, em novembro de 2003 e a
campanha feita pelo pai da vítima junto a autoridades dos três poderes da República,
clamando por maior punição.
Segundo o mencionado autor, esse tipo de manifestação da sociedade tem acentuado
esse tipo de opinião, pois, há anos, tramitam no Congresso Nacional projetos buscando esta
mudança. O referido autor cita ainda que em um determinado levantamento do Instituto de
Estudos Socioeconômicos- INESC sobre “ A proposta do Congresso Nacional para crianças e
adolescentes”, intensificou a existência de projetos nesse sentido desde 1993.

1
FALEIROS, Vicente Paula. Impunidade e Inimputabilidade, Artigo. Serviço Social e Sociedade. Ano 24, fl.77.
São Paulo: Cortez, 2004.
2
Ibid.
Em recente Nota Técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada –IPEA, as
autoras Enid Rocha Andrade da Silva e Raíssa Menezes de Oliveira3, trazem a necessidade de
chamar a atenção para alguns aspectos da desigualdade social e de renda, realidade em que
vivem milhares de crianças e adolescentes em todo o Brasil, mas de forma ainda mais
acentuada nas periferias das grandes cidades.
Segundo as autoras, as crianças e adolescentes inseridos nesse contexto, ainda em
tenra idade já estudam e trabalham e muitos deles abandonam precocemente a escola para
trabalhar em mercados informais sem qualquer proteção social. E também há aqueles que não
estudam e nem trabalham e estão vulneráveis à margem da sociedade.
Portanto, segundo as autoras, antes de trazer á baila a discussão acerca da redução da idade
penal é necessário fazer grandes reflexões sobre quem são esses adolescentes infratores e
quem tanto querem punir; quantos são os jovens adolescentes infratores; quais são os
principais delitos cometidos por eles; a quais sanções estão sujeitos aos adolescentes que
cometem ato infracional; onde cumprem as medidas socioeducativas de privação de liberdade;
qual é a situação dessa instituição de execução das meninas de privação de liberdade dos
adolescentes em conflito com a lei e em que condições estão sujeitos os menores que
cumprem as meninas socioeducativas e como são aplicadas as meninas em meio aberto.
Diante desse contexto, há duas correntes a respeito da redução da maioridade penal no
Brasil. De um lado aqueles que acreditam que não é a redução que dará solução aos
problemas já existentes; e do outro lado, aqueles que asseguram que com enrijecimento das
leis para estes jovens infratores, serão minimizados os problemas enfrentados por suas ações
delituosas.
Vicente de Paula Faleiros4, explica que, em relação aos projetos do Congresso
Nacional, alguns vislumbram mudanças na Constituição Federal e outros pretendem
mudanças para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O Governador do Estado de
São Paulo Geraldo Alckimin, por exemplo, apresentou projetos de mudanças no Estatuto da
Criança e do Adolescente objetivando exceder o tempo das medidas impostas a adolescentes
infratores que cometam os crimes considerados hediondos.
Porém, cabe reflexão quando se constata as péssimas condições de instituições como
e já falida FEBEM e da Fundação Casa de São Paulo, com frequentes rebeliões e sequestro de
funcionários, tanto que a primeira veio a ser abolida depois de tantos casos enfrentados nesse
sentido, perdendo totalmente a sua credibilidade aos olhos da sociedade.

3
4
FALEIROS, Vicente de Paula. Op. Cit. Nota 37.
Vicente de Paula Faleiros5, lembra que situações de violência contra adolescentes em
cumprimento de medidas socioeducativas de internação são frequentes nas instituições que na
verdade ao invés de cumprirem seu papel de ressocialização dos adolescentes, acabaram por
torna-los mais rebeldes e agressivos devido às falhas do sistema de falta de estrutura de
recuperação adequados.
Denúncias feitas á Promotoria da Infância de da Juventude de São Paulo,
apontam que três adolescentes são espancados por dia nas Unidade da
FEBEM e que 20 ex internos são mortos por mês na capital paulista. De
acordo com análise dos inquéritos instaurados na Promotoria, realizada pela
Comissão de Direito Humanos da OAB/SP e Associação de Mães de
Crianças Adolescentes em Risco ( AMAR), a média de torturas permanece
inalterada desde 2000.6

O assunto é tão polêmico na sociedade atual que envolve até mesmo lideranças
religiosas. Segundo o citado autor, o Arcebispo de Aparecida, contrariou a orientação da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, e com a repercussão do assassinato de Liana e seu
namorado em Embu Guaçu, manifestou-se em defesa da redução da maioridade. Na ocasião,
o Rabino Henri Sobel, de São Paulo, chegou a propor a pena de morte, vindo a retratar-se
posteriormente por ter manifestado uma opinião em plena efervescência do clamor social.
Ante a repercussão do Caso Liana, envolvendo uma barbárie cometida pelo
adolescente Xampinha, que confessou e cocou à sociedade por sua frieza, todas as autoridades
brasileiras tiveram que se manifestar para atender ao clamor da sociedade. O presidente do
Supremo Tribunal Federal á época, apoiou a iniciativa do Governador Alckimin sobre a
necessidade de aumentar o tempo das medidas previstas do ECA. O Então Presidente da
República, Luís Inácio Lula da Silva, declarou ser contra a redução da maioridade, mas
também defendeu a necessidade de maior punição para os jovens infratores. O então Ministro
da Justiça, Márcio Thomas Bastos, manifestou-se claramente contra a redução da
imputabilidade penal, alegando inconsistência jurídica e inutilidade prática.
Portanto, é possível verificar que as manifestações favoráveis à redução, por parte das
autoridades políticas e religiosas diante de crimes bárbaros dão respaldo à opinião pública no
sentido de aumentar a punição aos jovens que cometem atos infracionais praticados com
violência ou grave ameaça à pessoa, mas isto não quer dizer necessariamente que se deva
reduzir a idade penal.

5
FALEIROS, Vicente de Paula. Op. Cit. Nota 37
6
Ibid.
7
Enid Rocha Andrade da Silva e Raíssa Menezes de Oliveira em pesquisa,
identificaram que grande maioria dos delitos cometidos por adolescentes são roubo e tráfico
de drogas e não atos contra a vida que, para esses movimentos em favor da redução da idade
penal justificariam a redução da idade penal visando uma punição mais severa. Nas palavras
das autoras:
As infrações contra o patrimônio e o tráfico de drogas,
constituíram-se nos principais delitos praticados pelos adolescentes em
cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade no Brasil
nos últimos três anos.

Para as autoras citadas, a sociedade apontada pelos defensores da redução de idade


penal, o faz sem respaldo em dados concretos, muitas vezes motivada por casos eventuais
fortemente explorados pelas mídias, que apesar de chocarem, não podem ser suficientes para
subsidiar uma medida tão complexa no ordenamento jurídico brasileiro como a redução da
maioridade penal.
Poliana Olívia Salami Prado8, narra que a fase da adolescência é a passagem do
indivíduo da infância para a vida adulta, uma fase marcada por grandes transformações na
qual é indiscutível a necessidade de educar esses adolescentes para a vida em sociedade. Nas
palavras da autora:
O trabalho da sociedade atual é de educar os seus jovens, que
permitirá a construção dos papeis sociais para a constituição de uma melhor
sociedade amanhã. A inscrição do jovem no mundo externo ocorre neste
momento quando sai do seio da família e entra no seio da sociedade.
Começam a partir daí novas experiências descobertas, mudanças, e a vivência
e relações com novos círculos sociais. Além de toda essa mudança, um marco
familiar também ocorre, estruturando fortes alterações de personalidade.

O acompanhamento do adolescente enquanto ele estabelece novos contatos e forma


seu grupo de identificação social é fundamental porque é a partir daí que surge uma maior
influência desses novos contatos sobre suas ideais e opiniões, e que podem determinar
comportamentos muitas vezes inadequados, como serem induzidos ao uso de drogas e a
delinquência.
A questão que mais gera polêmica e discussão no meio da sociedade brasileira na
atualidade é com que idade deve-se responsabilizar o adolescente por seus atos criminosos.
O fato é que esse assunto é alvo da mídia, dos meios de comunicação que veiculam
como certa periodicidade atos de extrema violência cometidos por jovens inimputáveis pela
lei penal, e diante desse triste cenário, muitos cidadãos se posicionam favoráveis ao maior

7
SILVA, Enid Rocha Andrade da; OLIVEIRA, Raíssa Menezes de . Op. Cit. Nota 39, p.37
8
Ibid.
rigor da Lei com a redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, alguns até sugerem a
redução para os 14, não acreditam que seria esta a solução dos problemas envolvendo
adolescentes em conflitos com a lei do país.

II – ASPECTOS LEGAIS DA MAIORIDADE PENAL

Os principais aspectos legais pertinentes à questão penal partem, inicialmente da


Constituição Federal de 1988 e são ratificados e melhor abordados pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente.
O Código Penal Brasileiro, aborda apenas transferindo a questão do envolvimento de
crianças e adolescentes ao tratamento da legislação especial. A lei brasileira é protecionista à
criança e ao adolescente ao estabelecer no art.3º do ECA9, que:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta
Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades
e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Esse caráter protecionista do ECA ratifica as previsões da Constituição Federal de


1988, arts.5º, 6º, 7º, XXV e XXXIII, e 227 e 229, que dispõe sobre a proteção integral às
crianças e adolescentes e seus direitos garantidos para um desenvolvimento saudável em
todos os aspectos.
O art.27 do Código Penal, por vez, profere:
Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis,
ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

No item 23 também do Código Penal, o então Ministro da Justiça Ibrahim Abi-


Ackel1 justificou a opção legislativa aduzindo que:
"De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o
Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinquente, menor de
18 (dezoito) anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do
delinquente adulto, expondo-o à contaminação carcerária".

Nota-se que o legislador deixa por conta do Estatuto o estabelecimento de medidas


socioeducativas aos adolescentes infratores com a intenção de evitar o contato destes com
outros criminosos adultos no ambiente carcerário, que contribuiria para uma rápida integração
de adolescentes em grupos de criminosos de maior periculosidade.

9
Estatuto da Criança e do Adolescente disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm.
Acessado em 05 de agosto de 2020.
III CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A imputabilidade penal é abordada no Capítulo VII pela Constituição Federal


de 1988, onde discorre sobre as questões de família, da criança, do adolescente, do jovem e do
idoso. O legislador constituinte trata a questão considerando, sobretudo, que a família é o
alicerce de uma sociedade e por isto é necessário assegurar condições dignas e adequadas ao
desenvolvimento da criança e do adolescente, estendendo esta obrigação á sociedade e
também ao Estado.
Nesse sentido, afirma-se o interesse do Estado na manutenção de adequadas condições
para o desenvolvimento da criança e do adolescente na concepção de integração da base
familiar brasileira.
O artigo 277, § 3º, da Constituição Federal10, traz garantias específicas às crianças e
adolescentes, dentre as quais: I idade mínima de quatorze anos estabelecida para admissão do
trabalho; II garantia do acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; III garantia de
pleno e formal conhecimento de atribuição de ato infracional; IV Igualdade na relação
processual e defesa técnica por profissional habilitado, conforme a legislação tutelar
específica; V obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento na aplicação de qualquer medida privativa da
liberdade; VI programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e
ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à


criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.11

O artigo inaugurado pela Constituição Federal prevê um modelo baseado em direitos,


fundamentando-se na doutrina da proteção integral.
Em relação à idade penal, o artigo 288, da Constituição Federal12, estabelece que:
São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos
às normas da legislação especial.

10
BRASIL, Op. Cit. Nota 1
11
Ibid.
12
Ibid.
IV ESTATUDO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – ECA

Antônio Chaves13, afirma que as constituições brasileiras anteriores à Constituição


Federal de 1988, não estabelecem de forma abrangente a questão dos direitos da criança e do
adolescente, segundo o autor, em nenhuma das legislações anteriores havia preocupação em
estabelecer princípios voltados especificamente aos direitos da criança e do adolescente.
Porém, segundo o citado autor, diante de uma tendência mundial, a questão
envolvendo crianças e adolescentes passou a ser considerada relevante em muitos países que
já haviam estabelecido normas legais específicas aos direitos das crianças e adolescentes,
sendo, inclusive, objeto de discussão da Declaração Universal dos Direitos da Criança de 20
de Novembro de 1959, documento internacional do qual o Brasil é signatário.
Antônio do Amaral e Silva14 explica que a Constituição Federal de 1988 trouxe um
modelo baseado em direitos, fundamentando-se na doutrina da proteção integral das crianças
e adolescentes, situação que conflitou com o Código de menores de 1979, exigindo a
elaboração de um novo diploma legal sobre a infância e a juventude que se fundamentasse na
perspectiva da enunciação dos direitos previstos constitucionalmente. O doutrinador afirma
ainda. Que esse novo sistema legal poder ser “caracterizado pela coercibilidade”, passando a
dar às crianças e adolescentes garantias de todos os direitos fundamentais inerentes á pessoa
humana, assegurando-lhes oportunidades e facilidades que lhes possibilite o desenvolvimento
físico, mental, moral, espiritual e social, em condições e dignidade, conforme dispôs o art.3º
do ECA.
Para compreender melhor a legislação em vigor, passa-se a analisar os artigos do ECA
que comtemplem a questão do adolescente infrator.
Vale ressaltar que a Lei 8.069/9015, trouxe diversas inovações, dispondo sobre as
medias aplicáveis ao adolescente infrator que variam desde sua advertência, obrigação de
reparar dano causado, prestação de serviços comunitários, liberdade assistida, semiliberdade,
até a internação em uma instituição educacional, ou medidas de assistência à família, ou
outras, as quais são definidas no artigo 110 do ECA.
As crianças menores de 12 anos estão sujeitas apenas às medidas de proteção
conforme artigo 101 do ECA. Já ao adolescente infrator, as medidas socioeducativas estão
previstas no artigo 112, qual seja:

13
CHAVES, Antônio. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª Ed. São Paulo. LTr, 1997, p.41-
42.
14
SILVA, Antônio F. do Amaral e. O Estatuto, Novo Direito da Criança e do Adolescente e da Justiça da
Infância e da Juventude.
15
Brasil. Op. Cit.Nota03
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente
poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de
cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de
trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão
tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

O artigo 122 do ECA estabelece:

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:


I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência
a pessoa;
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente
imposta.

Já o artigo 106 do ECA traz direitos sobre sua liberdade:

Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em


flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da
autoridade judiciária competente.

Portanto, a autoridade judiciária competente, os pais e qualquer outra pessoa


indicada pelo adolescente infrator, devem ser comunicados imediatamente da
apreensão e do lugar onde o menor se encontra recolhido, conforme disposto no
parágrafo único do mesmo artigo supra mencionado.
Vale salientar que o artigo 121, § 3º do ECA estabelece que:

Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos


princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento.
§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três
anos.

Ao analisar este contexto, paira uma grande discussão tema deste estudo, onde se
pergunta se: “as medidas impostas serão suficientes frente às condutas graves cometidas pelos
menores infratores?”
Para os que defendem a redução da maioridade penal, a medias impostas pelo ECA
são quase que irrelevantes diante de certas condutas de jovens infratores, tal como no caso de
sequestros, homicídios e tráfico de drogas.
O que gera repercussão ainda maior é que, o jovem infrator, próximo aos 18 anos,
poderá cometer um crime e ser respaldado na idade penal prevista na lei, pois, ficará internado
ou irá cumprir medida socioeducativa pelo período de 03 anos no máximo ou até completar
21, que fará jus à sua liberdade compulsória.
João Batista Costa Saraiva16, explica que o ECA se compõe a partir de três grandes
sistemas de medidas: I – Sistema Primário: políticas públicas de atendimento à crianças e
adolescentes (artigos 4º e 85/87); II – Sistema Secundário: das medidas de proteção dirigidas
a crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social, não autores de atos
infracionais. De natureza preventiva, ou seja, crianças e adolescentes enquanto vítimas,
enquanto violados em seus direitos fundamentais (especialmente artigos 98 e 101) e III-
Sistema Terciário – das medidas socioeducativas, aplicáveis a adolescentes em conflito com a
lei, autores de atos infracionais, ou seja, quando passam à condição de vitimizadores ( artigos
103 e 112).
Ainda conforme o autor, pela hierarquia dos sistemas de medidas citadas, quando a
criança ou adolescente evadir-se do sistema primário de prevenção, incorpora-se ao sistema
secundário, onde o agente operador é o Conselho Tutelar, e por fim, estando o adolescente em
conflito com a lei, sendo-lhe atribuída a prática de ato infracional, é então ativado o terceiro
sistema de prevenção, operacionalizando-se as medidas socioeducativas (repressivas).

V – A IDADE PENAL EM OUTROS PAÍSES

Há diversos países onde a maioridade penal inicia-se aos 16 anos, como Argentina,
Espanha, Bélgica e Israel, e em outros, aos 15 anos, como Índia, Egito, Síria, Honduras,
Guatemala, Paraguai, Líbano e aos 14 anos na Alemanha e Haiti. 17 E por incrível que pareça,
na Inglaterra o indivíduo é considerado imputável a partir dos 10 anos. Muitos defensores da
redução da idade penal no brasil se argumentam nas legislações desses países.
O fato é que o tema da idade penal tem enorme relevância em todos os países do
mundo, tanto que a Organização das Nações unidas (ONU), estabeleceu orientações mínimas

16
SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral: uma
abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.62.
17
UNICEF.
para a imposição da responsabilidade penal aos jovens infratores da Resolução 40/33 18 em 29
de Novembro de 1985, as chamadas Regras de Beijing, que estabelece que nos sistemas
jurídicos que reconheçam o conceito de responsabilidade penal para jovens, seu começo não
deverá fixar-se numa idade demasiado precoce, levando-se em conta as circunstâncias que
acompanham a maturidade emocional, mental e intelectual.
19
O texto da ONU traz disposições pertinentes aos direitos dos jovens, à proteção da
intimidade, cláusula de salvaguarda, investigação e processamento, remissão, prisão, decisão,
medidas, dentre outras voltadas á questões que envolvem crianças e adolescentes, inclusive
quando em conflito com as leis.
De acordo com o item 17.1 da Resolução 40/33 da ONU, a autoridade deve dispor de
um amplo leque de medidas passíveis de aplicação visando atender da forma mais eficaz
possível o princípio da proporcionalidade e a individualização da pena, assim, a resposta á
infração cometida por jovens deve ser sempre proporcional não só ás circunstâncias, mas
também á gravidade da infração, mas considerando-se as circunstâncias e as necessidades do
jovem bem como as necessidades da sociedade.
Para a ONU (1985), as restrições á liberdade pessoal de jovens só devem ser impostas
após um cuidadoso estudo e devem ser reduzidas ao mínimo possível. Ou seja, não deve ser
imposta a privação de liberdade pessoal se o jovem não tiver praticado ato grave, que envolva
violência contra a pessoa ou por reincidência em infrações sérias, e a menos que não haja
outra medida apropriada para o caso, desse modo, o bem estar do jovem deve ser o fato
preponderante no exame dos casos.
O item 17.2, 17.3 e 17.4 da citada resolução, estabelecem, respectivamente, que a pena
capital não será imposta por qualquer crime cometido por jovens, que estes são serão
submetidos a penas corporais e que cabe á autoridade competente suspender o processo em
qualquer tempo que haja necessidade.
Segundo Benedito Teixeira20, desde 2009 na Argentina, há tentativa de aprovar a
redução da maioridade penal para 14 (quatorze) anos, a qual já foi aprovada pelo Senado,
porém ainda aguarda aprovação pela Câmara.
O citado autor explica ainda, que a proposta de redução da maioridade penal é
aprovada pela população argentina, portanto, o projeto é uma resposta aos clamor social.

18
ONU. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude adotada
na Assembleia Geral da ONU em sua resolução 40/33 de 29 de Novembro de 1985.
19
Disponível em < http://crianca.mppr.mp.br/pagina-1074.html> acessado em 10 de agosto de 2020.
20
TEIXEIRA, Benedito. Redução da maioridade penal gera polêmica entre argentinos. Disponível em:
<http://site.edital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=77701. Acesso em 10 de Agosto de 2020.
Segundo ele, uma pesquisa publicada em 2011 apontou que 71% dos argentinos se colocam a
favor da redução da maioridade penal de 16 (dezesseis) para 14 (quatorze) anos de idade.
As autoridades argentinas, assim como também no Brasil, demonstram que o índice de
participação de jovens em crimes no país não é tão relevante, porém mesmo assim, a
sociedade é a favor da redução, muitas vezes motivada pela repercussão de crimes violentos
envolvendo adolescentes. 21
Em Portugal também a maioridade penal está estabelecida para os 16 (dezesseis) anos,
no artigo 9º do Código Penal Português, que também estabelece em seu artigo 9º, um
tratamento específico aos infratores com idades entre 16 (dezesseis) e 21 (vinte e um) anos.
A Lei Tutelar Educativa equipara-se ao Estatuto da Criança e do Adolescente
brasileiro, e regula o regime aplicado aos infratores com idades entre 12 (doze) e
16(dezesseis) anos.
22
Segundo Américo Taipa de Carvalho , há em Portugal também um movimento
daqueles que defendem a diminuição da maioridade penal para os 14 (quatorze) anos de
idade.
Em contrapartida, há posicionamentos contra a redução. Inclusive ensejando o
aumento da idade para 18 (dezoito) anos ou 21 (vinte e um) anos, com argumentos que dão
ênfase às questões humanistas e á busca de um tratamento mais adequado para jovens
infratores que consideram estarem inseridos em verdadeiras escolas do crime ao serem
criminalizados e expostos ao mesmo tratamento que criminosos mais velhos.
Nos Estados Unidos da América, por exemplo, a legislação autoriza que cada Estado
estabeleça suas próprias regras penais, inclusive, definindo a idade mínima para que se
responda criminalmente por atos praticados. Assim é possível identificar no território norte-
americano diversos posicionamentos da política criminal. A imputabilidade penal varia entre
06 e 12 anos em alguns Estados e em outros não há idade mínima estabelecida para a
imputabilidade penal, adotando-se o direito consuetudinário.
Nota-se pela leitura do das idades imputáveis em outros países, uma grande
diversidade de aplicações, de modo que o debate é efervescente quando se busca comparar o
Brasil com outros países, já que se têm exemplos de vários tipos de adoções que viriam
conforme a cultura e critérios adotados em cada país, quando não, por cada Estado do país.

21
LOPES, Mares Rogers. Argentina: maioridade penal em debate. Disponível em <http:// dialogo-americas.com.
acessado em 10 de Agosto de 2020.
22
CARVALHO, Américo Taipa de. Diário de Notícias. Juiz quer aumentar a idade penal para 18 anos.
http://www.dn.pt/inicio/portugal acessado em 11 de agosto de 2020.
Portanto, as idades estabelecidas para a maioridade penal pelo mundo são dispares,
mesmo porque elas refletem a cultura e os costumes de cada localidade, sendo ainda muito os
fatores envolvidos na definição da idade penal, fatores estes que vão desde religião até as
formas como são estabelecidas as hierarquias do poder do Estado em cada país.

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