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ANO XIII JUL/AGO/SET 1980 NO35/36. Cr$50 EMBRAFILME es Paulo Emilio }% Nelson Rodrigues A Nacionalismo § Psicandlise Censura Nordeste a FILME CULTURA ANO XIII JUL/AGO/SET 1980 NO35/36 Cr$50 EMBRAFILME CINEMA: TRAJETORIA NO SUBDESENVOLVIMENTO 2 IvG0, Antonio Candide, Ismail Xavier, Jean-Claude Bernardet © Mauricio Segall debatem o ajetérle no subdesenvalvimente de Paulo Emilio Salles Gomes. NORDESTE, CINEMA E GENTE 21 José Umberto Dias CONSELHO SUPERIOR DE CENSURA 26 Zolmira Ribeiro Tavares ‘A MAQUINA ANTES DE CEZANNE 34 Ronaldo Brito © CURTA - METRAGEM JA E NOSSO? 38 Daniel Castano A PREPARACAO DE UM CURTA-METRAGEM al Arthur Omer IVAN CARDOSO 45 sum ostude fotografico © CORPO DA OBRA 52 Jean-Claude Bernardet PERSPECTIVA 80 ae 58 19 capa Ectivoragio de Empresa Programagao Visual: José Umberto Dias, civeasta Senco Senne Gira Brasiira de Filmes Funarte ~ Sihia Stenberg e ecrtico de cinema em Tee ors Boon (Embrafime), égdo do Noni Geiger Sahador, BA Perot Clade Senne Ministerio da Eiueigdo © Produgio: Antonio Seara e Paulo Augusto Gomes, eau SS altura Sergio de Garcia curtametrgistae critica de ‘Titdirte Noronbe Dinctenia © Redesto: Impressio: Graphos ‘cinema em Belo Hortzonte, Neton Rodrigues ‘Rua Maprink Veiga 28 Industriel Grifco Leda MG Mandar Riode anero — RI Paulo Rodrigues, pesqusador Paso Emit Seles Gomes Colaboraram neste nimero: ¢ ertico de cinema se Consetho de Redagio: David \Tthur Omar, emai, Raquel Gerber, socibiog, Zoo ino de ert Bularae ‘Neves, Femanto Ferrera, cesta e professor de cinema doctmentarsta¢ Stee Nontr Tama Xavier, Jean-Claude Sync Cactaves carta peat rene a eee as at metragisa rasa Oc anvs 3K ~ 1980de psd el elena ‘Eduardo Mascarenhas, Ronaldo Brito, critioo de Ste en Zutmire Ridero Tavarese abate Maser ae ata Carpe Reape proditor de cinema ‘Sérvulo Siqueira, Jodo Silvério Trevisan, curtametragista€ ertico ‘scritor,jornalista ecineasta de cinema omen iiny Reprodustes Fotogifics: ‘eponabidde os 36 Joss Mauro, Fernando Aes soo @ Litcio Mendes CINEMA: trajetoria no subdesenvolvimento ‘Transcrigo de material gravado por ocasiso da mesa redonda sobre Paulo Emf- lio, realizada no Museu Lasar Segal (S. Paulo), em 27-10-77, com a participasio, de! Antonio Candido de Mello e Souza, Maria Rita Galvlo, Ismail Xavier, Jean- laude Bernardet © Maurfcio Segall. gravagdo foi feita por Sidnel Paiva Lopes, A transcricfo foi revista pelos partcipantes, que acrescentaram observagSes que Jjulguram pertinentes. A intervengio de Zulmira Ribeiro Tavares foi feta poste- ‘ionmente, por escrito, A mesa redonda foi orgunizada pela evista CINEMA BR, tendo em vista um némero especial que ndo chegon a ser publicado. Agradece- ‘mos aos onganizadores da mesa a cessio deste material que ora publicamos como ‘contribuigdo de FILME CULTURA ao debate sobre os textos de Paulo Emilio reunidos no livro Cinema: Trajetiria no Subdesenvolvimento, recentemente lan- «edo pela Editora Paz e Terra, em colaboracto com a EMBRAFILME. MARIA RITA — Quando Séigio Muniz nos procurou, & mim ea Zulmira, pedindo sugestdes para a eaborapio de um aimero especial de Cinema BR dedicado a Paulo Emilio, e mim encoatro entre nds ts supa a idea de republe- cat “Cinema: Trajetéria'no Subdesemvolvimento” acompanhado de um debate em toro do texto, pensamos em levantar alguns temas que nos pareciam Bisicos que podesam seivir de pontos de partida para a dscdsso, Hava em primeira Jugar una qustéo sugerida pela Zulmira: « existéncia de uma série de conceitos mplicitos no texto ~ tas como os de ocupante e ocupado, o de superversfo em Ingar de subversfo, e fundamentaimente um conceited cinema subdesenvalido Amplicado nos diferentes exemplos de cinemas nacionais que o Paulo dé ~ con- ctilos estes que precisariam ser destrnchados e debatidos, Hava em seguida a questo gral da idéia de caturasubjacente a todo o texto, que diz respeito, nfo semente a0 cinema brasileiro, mas 3 cultura brasileira como um todo, N6stnha- ‘mos pensado em tomar ests © algumas outras questBes que nos preocupam como pontos de putida para abc o debate; mas & claro que deve haver outros Pontos igualmente importantes que outias pessoas poderdo sugeri. Neste cato, guém gostaria de comegar a falat? BERNARDET — Um dado hist6rico que acho importante € que pouco depois da publicidade do texto houve um semindrio chamado “Vai chover na ‘aatinga organizado por um cineclube da PUC e para esse semingrio os estudan- ‘es haviam convidado uma série de cineastas e particularmente muita gente ligada ‘0 Cinema Novo como Luiz Carlos Barreto, Joaquim Pedro de Andrade, Arnaldo Jabor e outros. E logo.no primoiro dis (o semindcio estava previsto para quatro dias) alguém disse que 0 texto do Paulo Emilio havia dito tudo o que havia para dizer ¢ colocedo tudo aquilo que cada uma das pessoas gostaria de colocar, Entdo um primeiro dado & que esse texto sensiblizou tremendamente um certo grupo de cineastas, que estava por volta dos 35/40 anos e todos eles provindo au Iigados a0 Cinema Novo, Quer dizer, houve uma identificagto total a ponto de ruitas vezes em suas intervenges as pessoas lerem trechos do texto como se fosem suas proprias palavras, Um dado importante, inclusive para entender 0 ‘texto ma sua &poca, 6 que cle representava umn certo momento de conscincia de tum certo grupo de cincastas, No segundo dia, 0s cineastas perceberam o seguinte: ‘que apestr de conhecerem muito bem o texto, os estudantes ndo corheciam nema texto nem a revista, Maria Rita Galvéo, Antonio Candido, Ismail Xavier, Jean-Claude Bernardet e Mauricio Segall debatem o artigo Cinema: Trajetéria no Subdesenvolvimento, de Paulo Emilio Salles Gomes Decidiram entfo para 0 tercero dia, nfo 66 mimeografar © texto come convidar uma pestoa que éra ao mesmo tempo sosidlogo e cineasta, o Sérgio Santeiro, para fazer uma apresen- tapfo-esumo do texto, a partir do que os estudantes — supos- tamente — poderiam também participar da discussfo, porque até entfo eles estavam afestados, © Sérgio Santeiro fez esse ‘esumo e ele retomou as colocagdes feites anteriommente pelos cutros cineastas identificando 0 cineasta com» ocupado. E ‘fo houve por parte nfo s6 do Sérgio, como de nenhurma das cutras pessoas que intorveram anteriormente, qualquer divida quanto 2 essa identificagdo total entre o conceito de ocupado do Paulo Emilio e os cineastas. Apesar do existir no texto alguns momentos em que 2 gente pode discutir se realmente o cineasta € exatamente © ocupado. Depois, fui conversar com 0 ‘Sérgio, para dizer que eu discordava inteiramente da apresenta- $80 que ele tinha feito, que o texto tinha uma ambighidade ‘que ele havia simplesmente eliminado, A resposta que eu r= ‘xbi do Sérgio foi que o texto & ambiguo e mais complexo do que 4 apresontagio que ele havia feito, mas que era tético interpretar 0 texto desse modo. MARIA RITA — Precisamente com ela ao ponto que ‘Yoo! est levantando, me parece que o texto nfo ¢ ambiguo; a contrdto, le € bastante explcito quando, 3 se relent + esse grupo de cineastas que debatiam o texto ~ fundamental sente 0 grupo de Cinema Novo ~ o Paul fala em ocupantes aque pretendem se disociar de sua situae3o de classe ccupante pra tentarem assum tsa d0 ocupado, BERNARDET — No caso da Vera Cruz, 0 cineasta é colocado diretamente como ocupante. Entio quer dizer que esses elementos do texto foram rejeitados, para promover ‘dentificaglo entre cineasta © ocupado, Depois dese serinério, fi falar com 0 Paulo Emilio sobre a interpretagio que havia sido dado ao texto e perguntel se aceitaria responder essu colo- ‘eagio ov esciever, a fin de eliminar certas dividas que tinham sido geradas. Incisive mais ecentemente num artigo meu para MOVIMENTO eu 0 provoquei novamente sobre exe texto ‘Mas a resposta do Paulo foi uma garpalhada que ao meu ver deixava bem clara que a interpretagdo era apenas uma das Interpretagbes possveis, que no era a interpretupdo correta, ‘mas que lambémn ele no queria precisar mais ou stuar mais, ‘ocupados ¢ ocupantes. ANTONIO CANDIDO ~ Es acho que & posivt ume interpretagio como a qu foi dada pelos mogos Ino seminé Ho, Pois eu acho que todo o artigo do Paulo, come todo artigo tmito nico « que enrena uma reslidads di de ser defini, 6 dialeticamente contraditio, Mas nfo creo que este ponto especifico apresente muito problema, pelo que a Maria Rita fal, Pos nbs todos somos ocupantes, de acordo cm 0 artigo do Paulo Emi, Ejostmente am aspect patéico deste at 9 esti nso, Hd umn techo em que ele diz 0 sepuinte: “NEO somos europeus nem americanos do norte, Mas destitutds de caltrs orginal, naa nos 6 estangeco poi uo 06. A penoss onstrugdo des mess, se desenvove na dalticararfeita entre nfo ser set outro", Eu dia que iso € o canto da relleo do Paulo Emilio, Eu acho que o dado importants do ato € que ele é totalmente dxprovido de demagogs, quando ease tema €um cal de cultura para a demagopia sempe foie Continserd senda, A posifo do Paulo Emilio me parse muito compreensva, porgue-nés todos estamos no emblho. E pot sso que a rfledo dele & profunda, a mea ve, NBO se (ttt propramente de ver quss fo 0s ocupantst ou of ocupados Centro das ets, porque at elites suo todas do ocopantes, © problema ¢ color ov dilaeramentos de comsléngn que h Siac az. pelo o que cle diz ag s culture brasiets« dentro dla o cinema, vie desies dlaceramentos de convcitncla, So bretudo quando o ocupante procira se isocar desis propia cultura e ver d6 Angulo do ocupado, Ele acha, por exemplo, que as tentativas do cinema de mostrar avida do ocupado 580 uma espécie de tarefa muito importante que o ocupante fa. Bu acho, nfo sei 0 que vocés acham, que aqui a posipgo do Paulo ¢ diferente da que ele assumia em circunstincias de ‘menor responsabilidad, Em muitas entrevisas, em muitas mae nifestagdes curtas, 0 Paulo era muito mais radical. E af e realmente ficava uma coisa terrvel a pessoa Ser ocupante, pois le dizia que havia que optar entre ser ocupante e ser ocupad E era muito menos comproensivo, pois al estava numa posigto de luta, A impgessio que a gente tinha é que ele queria proibir a exibigao de filmes estrangeiros no Brasil, Eu bringuei muito ‘oom ele a respeito, e ele dava uma daquelas nsadas monumen- tals. Creio que so dois planos que & preciso distinguir em qualquer discussio sobre as idéias do Paulo, MARIA RITA ~ Inclusive porque Paulo Emflio nfo se utiliza desea terminologia — ocupante e ocupado — a nfo ser nesse artigo, ele sempre emprega outras expresses, De sorte {que # sutleza muito maior que hé nas colocapdes deste artigo s patenteia nos proprios termos emprezades. ANTONIO CANDIDO ~ Entéo eu diria quo o Paulo Emilio tinha a respeto dese tema uma posiao estiatégica, que € a que estfo aqui e uma posgto titica, que aparecia not pronuciamentos comuns dele, Para se compreende este art 10 & preciso vélo sob o signo da contradic20, da ambiguidade aque € ania manera de encarar a complexidade do problema Talvez os jovens cineastas naqueladiscussfo tzaham pensado ‘um pouco nas posig6es dele que eu chamo de titicas, que sf0 a posgdes de jomal. Aqui a coisa € muito mais rica, muito mais complexa, Aqui existe uma meditaefo em geral Sobre a caltuea bras, de uma extraotdindna profundidade. Que estd neste echo aqui: ée ndo é. Quer dizer o brasileiro So pode deixar de viver pendurado no Ocidente e cle deve tentar ‘io waver pendirado no Ocidente, Ble tem que tonta fazer tima cultura dele, mas 2 cultura que ele pode fazer é uma cultura pendurada no Ocidente, Essa ¢ a dualéica da cultura brasileira. sso 0 Paulo sents profundamente. Quando ele dis tingue 0 problema da Iadis, 0 problems dos paises drabes, 0 problems do Japo, que tém vellscultuta tradicionas 0 pio- blema ¢ totalmente diferente, Aqui ndo haviaculturas tea onais a se oporem a cultura do ocupante, EntZo todo mundo teve que entrar no jogo do ocupante, Daf a extraordinésa comploxidade dese artigo BERNARDET — E qual ocupante? Nao existe, como pode ter existe a Tria, Esse ocupante somos nds meses, ANTONIO CANDIDO ~ por iso que o artigo do Pav Jo é importante, Ele colocao problema de dlaceramento que 8 calturaapresenta e o transpde para a conciénia de cada um Ele estimula cada letor «adult conscinciaem face do pro- tema ds fsuca cultural, e deporte ua sentimento dramdtco, uma belera ose artigo, E sintomético que ele nio tonha usado a dstingo cor rente: dominador e dominado, Usando ocupante ¢ ccupado, Ge scontua carter de trnaplante (do que vem fora ¢ ‘oeupa). Ao mesmo tempo, abre uma pespectva sobre o que se chama 0 carder nacional ~ trago proprio do osupado. E deixa claro que por baixo da cultura do ocupante hi trays rcales dos, que podem ou nfo aparecer nos produtos da cultura. No cinema, por exemplo, € como s ests elemento profunds gy nihasse 0 nivel da expressfo em dados momentos ~ com 01 sem intengZo por pare de quem faz os filmes, Iso ocorte no mudo ¢ no sonovo (através das chanchadas e filmes musica). ISMAIL — Dentro dessa colocarao do problema do cart ter nacional, sem dar aquelas conotardes tradicionais que essa expressfo carregs, fiquei tentando ver de que modo o Paulo Enmifio poderia encarar o processo interno (no nfvel do ocupa- do), Que tipo de desenvolvimento estaria havendo por baixo, {que daria ensejo a que, em cada instante, apatega no texto dele ‘8 noglo de “expressio”, supondo que existe algo mais profun. do que em determinados momentos aflora, a despeito mesmo das intengdes de quem quer que faga filmes no cinema brasil ‘to, Nesse desenvolvimento global, quando ele coloca o proble- ‘ma do cinema mudo, faz questfo de restallar esse ipo de diaética: existe uma tentativa de imitagio eacarada por cle ‘como uma repressfo de forges que estariam por balxo do pro- cesso manifesto; estas foreas acabam por emerpit a despeite dos eineastas, mama erupeo vinda através do que ele chamou a ‘ncapacidade criativa em copiar. Depois, quando ele fala do infelo'do cinema sonoro, de novo aponts algo que se exprossa através da eultura popular incorporada pelas chanchadas. J4 no pperfodo da Vera Cruz, o que vai exist € a colocacdo desta ‘ontativa industrial como uina das menos ricas, devido ao fato de que nfo teria dado nenhuma chance de expresso do ocups: do, E a dinica forma de ele ver um aspecto positivo na Vera Cruz 6 através do econdmico. Ele fala que o ocupante se ma- ‘chucou com o cinema brasileiro e, a partir dai, as pessoas ficaram envolridas no processo, economicamente, isso teve resultados. Mas acho que, de todos os momentos do cinema brasileiro, o que ele aponta como o de maior negatividade seria oda Vera Crun, MARIA RITA — Apesar de que, Paulo Emitio faz ume resttgdo a isso que vocé estd colocando quando ele diz que ‘estes filmes, no importa o que tenham sido, continuavam a espeito deles proprios nos reletindo muito, Bu no sel literal ‘monte qual foi a expressfo usada, mas alguma coisa dessa or dem, ISMAIL — Nesie momento do texto, ereio que ele esté se referindo ja de uma maneira geral. 14 teria sbandonado a ‘Vera Cruz em particular. Ele estd falando da passagem de 53 pata frente, que seria 0 periodo que antecede o Cinema Novo. Creio que dentro deste texto eu vi essa dialética: que existe ‘uma cultura organicamente vineulada ao ocupado, essa cultura tem o seu processo a despeito da repressfo do ocupante, E ele ‘std buscando detectar o8 momentos em que a ela foi possivel ‘parecer e de que forma apareceu. E & interessante que confor ‘me o momento, ele aponte diferentes formas da expressio isto, Quando chegs a um disgnéstico da situagdo do cinema brasileiro no momento em quo escreveu o texto, a gente per ‘ebe essa tentativa de compor um leque dentro do qual cada tum dos géneros que estava predominando naquele momento cra analisado sob essa Gtica: de que forme aquele género estaria expressando algo de positive. Af entio eu vejo um aspecto titico ligado 2 uma espécie de convocarfo ao pablico geral leitor da revista Argumento nfo vinculado ditetamente a cinema, Ao final ele volta a uma tonica bem forte dentro do texto que é a colocaslo de dois tipos diferentes de atitude do spblico diante do filme estrangeiro e diante do filme nacional, 5 E existe uma preocupasfo no artigo em tomar bastante carregada essa diferen- ‘@, levando para o lado da experiéncia diante do filme estrangeiro tudo aquilo que hi de negativo: pesividade, » distin cia, ondo ter nada a ver ou pouco aver, 0 catiter de imposipfo que esses produtos teriam dentro de nossa experiéncia de co- ‘mo nfo estariam vinculades organicamen- ‘tw a este processo que ele esta tentando ‘pontar que et por bate, mls profs ANTONIO CANDIDO — Até seria interessante registrar as palaras dele que slo tremendamente fortes. “Dar as costas 420 cinema brasileiro ¢ uma forma de can- ‘go diante da problematica do ooupado © indica um dos caminhos da reinstalapfo da 6tica do ocupante, A esterlidade do conforto intelectual e artistico que 0 fil- re estrangeiro prodiga faz, da parcela do pilblico que nos interessa, uma aristocra- ia do nada, Uma entidade, em suma, muito mais subdeseavolvida do que 0 ci nema brasileiro que desertou.” O cinema subdesenvolvi no produz necessariamente apenas filmes subdesenvolvidos. Eu ndo acho que filmes como Viramundo, Terra em Transe e O Anjo Nasceu sejam filmes subdesenvolvidos. BERNARDET — A gente poderia talvez agora tentar, através do texto ver quais So os elementos que possbilitam Juma atitude criadora com relagfo a0 cinema brasileiro. Prime- 10, tem um dado que nfo consta deste texto que 6 o seguinte: pelo texto todo o cinema brasileiro seria subdesonvolvido, © 0 ‘ubdesenvolvimento ndo é uma etapa para o desenvolvimento, 6 um estado, No entanto, quando pedi 20 Paulo que ele deft nisse esse estado, perguntel: 0 cinema & subdesenvolvido, mas serd que os fllmes sfo subdesenvolvidos? Ser que um cinema subdesenvolvide produz necessariamente 36 filmes subdesen- vyolvidos? A resposta era claramente nfo, Um cinema subde- senvolvide pode produzir filmes que mo sfo considerados subdesenvolvidos. Perguntel isso em particular sobre Terra em Transe que obviamente para o Paulo nfo 6 um filme subde- senvolvido. Hé af uma diferenga que pare mim até hoje ndo ficou muito clara: realmente o cinema ¢ subdesenvolvido mas 0 cinema subdesenvolvide nfo produz necessariamente apenas filmes subdesenvolridos, Entdo hé outros elementos que en- ‘am na coneeituagto, que nfo estfo aqui mas que certamente a gente poderia analisir e descobrir: cinema subdesenvolvido ado é uma coisa homogénea, uma como aparece aqui. Outra coisa, quais seriam as atitudes criadoras » partir do texto, Tem algumas citadas por Ismail, uma é a incapacidade de copiar. De conde vem esta incapacidade? Se estamos t8o ligados a uma cultura norte-americana ou européia, 0 que faz-com que nfo equlbrio socal. Na realidade e& ‘pow pouco 0 corpo brasileiro, peima- hooeu substancialmente ela propria, fa: Tando e sgindo para si mesma. Essa deli ritagfo ficou bem marcada no fenéme- 10 do Cinema Novo,” BERNARDET ~ Um outro clomento soria aquele que deixoa 0 Mauricio fo irado, que ¢ o de aceitar filmes como cles existem e talvez até mesmo sem juizo de valor. Quando ele fala da Independéncia ou Morte, sem citar 0 titulo iso inclusi- ‘ve é uma questo demetodologia que a gente poderia dscutir. ANTONIO CANDIDO — Nio tem o nome de nada aqui BERNARDET — Sim, $6 que quando ele aborda flbes ‘ou movimentos ou escols, « gente entende realmente ¢ nfo precisa citar ninguém. S6 que quando ele cita Os Inconfidentes ¢ Independéncia ou Morte que sfo fmes isludos para conser- var a homegensidade do método, ai ele elimina o titulo, & uma referéncia mais metaférica. Entfo, no caso de Independéncia ou Morte ele acha que sim- plesmente 0 fato de reconstituir cinematograficamente uma ieonografia ingénua, priméria de um certo civismo. ‘Hugo Carsana Gonpates Anjo Nascou = 1970, edule Breisane. ‘Milano © io aban crocs ‘Tera.em Trane populism em busce ms aie” ANTONIO CANDIDO — Baseada ‘numa aula de Moral e Civica, praticamen- te, BERNARDET — Exatamente, In- clusive essa Moral e Civica 6a mais conser vadora ¢ reacionéria possivel. Mas pelo simples fato do filme encampar elementos {que pertencem a uma vida brasileira ele se torna eriador, Isso me parece discutivel, Me parece que esses pontos so 0$ 4 fato- res de criagio a partir dese texto, ISMAIL — Dentro desse quadro que vvocé levantou, eu jé via colocado o que cle sempre buscou os aspectos digamos positives, expresso daquilo que estd fora do cinema. E o fato de ser expressio do que estd fora da tela por si s6 jd seria positivo, independentemente do que este ja sendo expressado, Eu vi isto vomo uma Colocagio bastante radical no sentido de esconfiangas de Universas. Quer dizer, taquilo que € peculiar ¢ positivo, Nesse texto. gente tom esse ciitério, 4 uma desconfianga geral aplicagio de categoria universis 2 situagdo, B eu vejo ‘esse texto ulgo que se aproxima ao texto a Pliajorma la nova gerazéo de 1944, que € uma andlse de posturas politico- deolégiews aa qual ele acusa esquema tismos tendentes a importar determinados parimettos que eram dados no quedro énca ow Moste - 1972 Brion Colmbra. ‘Morale iste era Techneoor. internacional, Agora vejo novamente essa idéia: o que hd de. positvo vai ter que emanar de dentro desse processo particu- Jar brasileiro, Esta atitude 6 algo proble- mética, Néo teria tendéneia a endosséla como principio absoluto, mas teria ten-

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