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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Campus Contagem

DIREITO CIVIL
FAMÍLIA, INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

ROTEIRO PARA AULAS – PARTE 1

PROF.ª SIMONE DE LARA PINTO REISSINGER

1º Semestre
2023
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PUC MINAS – Campus Contagem
DIREITO CIVIL – FAMÍLIA, INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA – 6º Período-Noite
Profª. Simone de Lara Pinto Reissinger

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais


Pró-Reitoria de Graduação

Plano de Ensino (1º semestre de 2023)


Curso: 43 – Direito
Disciplina: 57638 - DIREITO CIVIL – FAMÍLIA, INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
Período: 6
Turno: NOITE
Carga horária: TEÓRICA 60 horas (GRADE 60)
TOTAL 60 horas

Ementa

Instituições de Direito de Família. Microssistema de Proteção Integral da Criança e do Adolescente.


Direitos Fundamentais da Pessoa com Deficiência. Proteção ao Idoso: educação para a terceira
idade.
Objetivos

I. OBJETIVO GERAL
- Desenvolver o raciocínio crítico-reflexivo no discente, através do estímulo de sua participação ativa
no curso; formar o raciocínio jurídico; balizar o conhecimento e desenvolver um interesse pela
casuística que permeia a matéria a ser lecionada.

II. OBJETIVOS ESPECÍFICOS


I - Interpretar e aplicar as normas relativas ao Direito de Família, articulando o conhecimento teórico
com a resolução de problemas e de casos concretos;
II - Demonstrar competência na leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos
jurídicos, de caráter negocial, processual ou normativo, bem como a devida utilização das normas
técnico-jurídicas;
III - Dominar instrumentos da metodologia jurídica, sendo capaz de compreender e aplicar conceitos,
estruturas e racionalidades fundamentais ao exercício do Direito de Família;
IV - Adquirir capacidade para desenvolver técnicas de raciocínio e de argumentação jurídicos, com
objetivo de propor soluções e decidir questões no âmbito do Direito de Família;
V - Compreender a hermenêutica e os métodos interpretativos, com a necessária capacidade de
pesquisa e de utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de outras fontes do Direito.

Métodos didáticos

Aulas expositivas, seminários para estudos de textos de revistas, jornais e jurisprudências sobre os temas
atuais de Direito de Família, avaliações em sala de aula, palestras com professores especialistas no tema,
além de trabalhos em grupo para discussão e interpretação de textos legais e acadêmicos.

Unidades de ensino

1. A família através dos tempos: Do modelo tradicional à família plural.


1.1. Aspectos históricos
1.2. Aspectos contemporâneos
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1.3. Princípios do Direito de Família


1.3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
1.3.2 Princípio da solidariedade
1.3.3 Princípio da igualdade
1.3.4 Princípio da liberdade
1.3.5 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
1.3.6 Princípio da afetividade
1.3.7 Princípio da função social da família

2. Família e casamento.
2.1. Definição;
2.2. Natureza;
2.3. Caracteres jurídicos e finalidade do casamento.
2.4. Facilitadoras do casamento: casamento putativo, nuncupativo, por procuração, consular.

3. Casamento civil e religioso.


3.1. A influência do direito canônico no Direito de Família.

4. Capacidade para o casamento.


4.1. Causas suspensivas
4.2. Impedimentos
4.3. Causas de invalidade
4.4. Processo de habilitação para o casamento
4.5. Celebração e prova do casamento.

5. Efeitos pessoais do casamento.


5.1. Invalidade do casamento: Casamento nulo, anulável e inexistente
5.2. Casamento putativo

6. Efeitos patrimoniais do casamento: disposições gerais e regime de bens.

7. Outras formas de família.


7.1. União estável e concubinato
7.2. Uniões de pessoas do mesmo sexo
7.3. Famílias unipessoais
7.4. Famílias monoparentais
7.5. Famílias poliafetivas
7.6. Outras espécies

8. Parentesco.
8.1. Espécies e graus de parentesco

9. Filiação.
9.1. Aspectos naturais e sócio-afetivos
9.2. Presunção de paternidade
9.3. Negatória de paternidade
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9.4. Do reconhecimento da filiação


9.5. Adoção
9.6. Multiparentalidade
9.7. Da guarda
9.8. Da convivência

10. Poder familiar.


10.1. Definição
10.2. Consequência
10.3. Extinção
10.4. Suspensão

11. Proteção à vulnerabilidade.


11.1. Tutela
11.2. Curatela e tomada de decisão apoiada
11.3. Estatuto do idoso
11.4. Estatuto da pessoa com deficiência

12. Alimentos: natureza jurídica, princípios, espécies.


12.1. Sujeitos das prestações alimentares
12.2. Alimentos entre os cônjuges
12.3. Extensão da obrigação alimentar entre parentes
12.4. Alimentos gravídicos

13. Do bem de Família

Processo de avaliação

O processo avaliativo está em consonância com o processo de ensino-aprendizagem presente no PPP


do curso, por meio de provas objetivas e dissertativas, trabalho em grupo, pesquisa, visando sempre
as dimensões de habilidades, comportamento, participação, competências, assiduidade,
envolvimento, solidariedade.

Adota-se como métrica do processo avaliativo uma pontuação total de cem (100) pontos, assim
distribuída:
a) avaliações parciais individuais, que serão compostas de questões objetivas e/ou dissertativas, aferindo
o aprendizado de conteúdo por meio do procedimento de análise crítica e reflexiva, bem como por meio
de resolução de questões envolvendo conhecimentos adquiridos em aulas, pesquisas, estudos de
casos por meio do PBL, legislação, monitorando conteúdos atitudinais, procedimentais e conceituais.
b) atividades de aplicação simulada dos métodos consensuais de solução de
conflito. c) trabalho(s) ao longo do período letivo.
d) uma prova global, abrangendo toda a matéria trabalhada no decorrer do período letivo, no valor
de trinta (30) pontos.

Reavaliação (prova especial): O discente que não alcançar aproveitamento mínimo de 60% em 100
pontos, poderá se submeter à reavaliação (prova especial), no valor de 30 pontos, que substituirá a nota
da prova global.
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Descrição da Bibliografia Básica

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família (v. 5). 36ª ed. São Paulo: Saraiva
Jur, 2022. (Livro eletrônico)

LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias (v.5). 12ª ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2022. (Livro

eletrônico) TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família (v. 5). 17ª ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2022.

REVISTA IBDFAM FAMÍLIAS E SUCESSÕES. Belo Horizonte, MG: IBDFAM. Bimestral. ISSN 2358-1670.

Descrição da Bibliografia Complementar

CARVALHO, Dimas Messias de. Direito das famílias. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020. (Livro eletrônico)

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família (v. 6). 20ª ed. São Paulo: Saraiva
Jur, 2023. (Livro eletrônico)

MADALENO, Rolf. Manual de direito de família. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. (Livro eletrônico)

TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite (Coord). Manual de Direito
das Famílias e das Sucessões. Rio de Janeiro: Ed. Processo, 2017. (Livro eletrônico)

TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. RODRIGUES, Renata de Lima (coord). Contratos, família e sucessões:
diálogos interdisciplinares. Indaiatuba: Editora Foco, 2021. (livro eletrônico)

REVISTA DE DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais,
Semestral. ISSN 2526-0227 versão on-line.

Observações

Para maior aprofundamento e atualização da matéria recomenda-se acompanhar o site e/ou redes
sociais do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
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SUMÁRIO

I INTRODUÇÃO AO DIREITO DE FAMÍLIA.............................................................8


1.1 Evolução do Direito de Família brasileiro e o conceito constitucional de família10
1.2 Princípios do Direito de Família...............................................................................14
1.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana...........................................................14
1.2.2 Princípio da solidariedade familiar.......................................................................15
1.2.3 Princípio da igualdade familiar.............................................................................16
1.2.4 Princípio da liberdade familiar.............................................................................17
1.2.5 Princípio do melhor interesse da criança.............................................................18
1.2.6 Princípio da afetividade..........................................................................................19
1.2.7 Princípio da função social da família....................................................................20

II CASAMENTO.............................................................................................................22
2.1 Disposições gerais sobre o casamento......................................................................24
2.2 Capacidade para o casamento..................................................................................25
2.3 Impedimentos matrimoniais.....................................................................................29
2.4 Causas suspensivas do casamento............................................................................31
2.5 Processo de habilitação para o casamento...............................................................34
2.6 Celebração do casamento..........................................................................................37
2.7 Suspensão da cerimônia de casamento....................................................................40
2.8 Modalidades especiais de celebração de casamento...............................................40
2.8.1 Casamento nos casos de moléstia grave................................................................41
2.8.2 Casamento nuncupativo ou in extremis vitae momentis ou in articulo mortis....42
2.8.3 Casamento por procuração....................................................................................43
2.8.4 Casamento religioso com efeitos civis...................................................................44
2.8.5 Casamento perante autoridade consular..............................................................45
2.9 Invalidade do casamento...........................................................................................46
2.9.1 Casamento inexistente............................................................................................47
2.9.2 Casamento nulo.......................................................................................................49
2.9.3 Casamento anulável................................................................................................50
2.9.3.1 Efeitos do casamento anulável............................................................................56
2.9.4 Casamento putativo................................................................................................57
2.10 Prova do casamento.................................................................................................58
2.11 Efeitos e deveres do casamento...............................................................................60
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2.12 Regime de bens.........................................................................................................63
2.12.1 Pacto antenupcial..................................................................................................68
2.12.2 Regime da comunhão parcial...............................................................................72
2.12.3 Regime da comunhão universal...........................................................................79
2.12.4 Regime da participação final nos aquestos.........................................................81
2.12.5 Regime da separação de bens..............................................................................85
2.13 Dissolução do casamento e da sociedade conjugal................................................87
2.13.1 Separação de fato..................................................................................................90
2.13.2 Partilha de bens.....................................................................................................91
2.13.3 Direito ao uso do sobrenome................................................................................95

III UNIÃO ESTÁVEL.....................................................................................................96


3.1 Requisitos da união estável.......................................................................................98
3.2 Diferenças entre união estável, namoro e concubinato........................................100
3.3 Direitos e deveres entre os companheiros..............................................................104
3.4 Regime de bens.........................................................................................................106
3.5 Conversão da união estável em casamento............................................................108
3.6 Dissolução da união estável.....................................................................................111

IV RELAÇÕES DE PARENTESCO...........................................................................112

V FILIAÇÃO..................................................................................................................118
5.1 Reconhecimento de filhos........................................................................................124
5.1.1 Reconhecimento judicial: investigação de paternidade e de maternidade......127
5.2 Adoção.......................................................................................................................133
5.2.1 Capacidade e requisitos para adoção..................................................................134
5.2.2 Efeitos da adoção...................................................................................................136
5.2.3 Estágio de convivência..........................................................................................138
5.2.4 Adoção internacional............................................................................................139
5.2.5 Cadastro de Adoção..............................................................................................140
5.2.6 Adoção à brasileira...............................................................................................142
6 Poder familiar ou Autoridade parental....................................................................143
6.1 Suspensão e extinção do poder familiar.................................................................148
6.2 Modalidades de guarda e direito de convivência..................................................150
6.3 Alienação parental...................................................................................................155

REFERÊNCIAS.............................................................................................................159
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I INTRODUÇÃO AO DIREITO DE FAMÍLIA

Ao iniciar os estudos sobre um ramo do Direito, é importante trazer sua


definição. O Direito de Família normalmente é conceituado pela doutrina conforme os
institutos nele compreendidos.

O Direito de Família pode ser conceituado como o ramo do Direito Civil que
tem como conteúdo o estudo dos seguintes institutos jurídicos: a) casamento;
b) união estável; c) relações de parentesco; d) filiação; e) alimentos; f) bem de
família; g) tutela, curatela e guarda. (TARTUCE, 2022, p. 20)

Observa-se que a definição de Carlos Roberto Gonçalves (2023) segue o mesmo


caminho de Flávio Tartuce, citado acima:

O direito de família constitui o ramo do direito civil que disciplina as relações


entre pessoas unidas pelo matrimônio, pela união estável ou pelo parentesco,
bem como os institutos complementares da tutela e curatela, visto que, embora
tais institutos de caráter protetivo ou assistencial não advenham de relações
familiares, têm, em razão de sua finalidade, nítida conexão com aquele.
(GONÇALVES, 2023, p. 9).

Paulo Lôbo (2022) também define o Direito de Família, mas por outra
perspectiva: “O direito de família é um conjunto de regras que disciplinam os direitos
pessoais e patrimoniais das relações de família. Caracteriza-se por ser
predominantemente cogente, com espaço delimitado de autonomia privada.” (LÔBO,
2022, p. 37).
Percebe-se, portanto, que o direito de família regula exatamente as relações
entre os seus membros e as consequências daí resultantes para as pessoas e bens. “O
objeto do direito de família é, pois, o complexo de disposições, pessoais e patrimoniais, que
se origina do entrelaçamento das múltiplas relações estabelecidas entre os componentes
da entidade familiar.” (GONÇALVES, 2023, p. 9).
Conforme afirma Paulo Lôbo (2022), o direito de família caracteriza-se por
normas cogentes, delimitando o espaço para autonomia privada. Neste sentido, Flávio
Tartuce (2022) justifica que as referidas normas estão relacionadas com o direito
existencial, com a própria concepção da pessoa humana. Diante da natureza dessas
normas (ordem pública e cogente), Tartuce (2022) acrescenta que é nula qualquer
previsão sobre renúncia aos
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direitos existenciais de origem familiar, ou que afaste normas que protegem a pessoa,
como, por exemplo, o contrato de namoro:

Ilustrando, é nulo o contrato de namoro nos casos em que existe entre as partes
envolvidas uma união estável, eis que a parte renuncia por esse contrato e de
forma indireta a alguns direitos essencialmente pessoais, como acontece no
direito a alimentos. Esse contrato é nulo por fraude à lei imperativa (art. 166,
inc. VI, do CC), e também por ser o seu objeto ilícito (art. 166, inc. II, do CC).
(TARTUCE, 2022, p. 20).

A autonomia privada não está completamente excluída no Direito de Família,


mas somente limitada, como, por exemplo, as normas relacionadas com o regime de
bens, que possuem caráter eminentemente patrimonial (arts. 1.639 a 1.688, CC).
É relevante destacar que o Direito de Família passou por profundas alterações
estruturais nas últimas décadas. O patrimônio perdeu seu papel principal, o que se
verifica pela própria organização do Livro IV – Direito de Família (arts. 1.511 a 1.783-A)
do Código Civil, dividido em Título I – Direito Pessoal; Título II – Direito Patrimonial;
Título III – União Estável e Título IV – Tutela, Curatela e Tomada de Decisão Apoiada.
Nesta perspectiva, o Direito de Família é analisado com fundamento na
Constituição Federal de 1988, principalmente os arts. 226 a 230, e nos seus princípios
fundamentais. O Prof. Eduardo de Oliveira Leite, citado por Tartuce (2022), apresenta
um quadro comparativo das principais alterações estruturais do Direito de Família:

Como era Como ficou


Qualificação da família como legítima. Reconhecimento de outras formas de
conjugabilidade ao lado da família legítima.
Diferença de estatutos entre homem e Igualdade absoluta entre homem e mulher.
mulher.
Categorização de filhos. Paridade de direitos entre filhos de qualquer
origem.
Indissolubilidade do vínculo matrimonial. Dissolubilidade do vínculo matrimonial.
Proscrição (proibição) do concubinato. Reconhecimento de uniões estáveis.
(LEITE apud TARTUCE, 2022, p. 23)

Pelo exposto, vamos tratar da concepção constitucional de família abordando as


mudanças axiológicas e, na sequência, dos princípios que fundamentam o direito de
família.
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1.1 Evolução do Direito de Família brasileiro e o conceito constitucional de família

Conforme visto, nas últimas décadas o direito de família passou por profundas
transformações consoante as intensas modificações fenomenológicas na estrutura da
família. Todavia, conforme explicam Tepedino e Teixeira (2022), é do ponto de vista
axiológico, ou seja, dos valores, que se identifica a principal alteração no vértice do
ordenamento, impondo radical reformulação dos critérios interpretativos adotados
nesta matéria.
Nesta perspectiva, a Constituição Federal de 1988 assumiu relevante papel, pois
consagrou uma nova tábua de valores no ordenamento jurídico brasileiro, “que
fundamentam as relações existenciais e as comunidades intermediárias, capazes de
redefinir os pressupostos de configuração e as finalidades das entidades familiares.”
(TEPEDINO; TEIXEIRA, 2022, p. 1).
A mudança de pensamento sobre o papel das entidades familiares e do conceito
de unidade familiar já era refletido em sucessivas leis, refletindo a mudança de
pensamento e na identidade cultural da sociedade, que foram efetivamente
consolidadas na Constituição de 1988 (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2022, p. 1). Esta
compreensão axiológica é fundamental para entender o sentido hermenêutico das leis
especiais pós-constituição, bem como do Código Civil sobre o direito de família.
Analisando os arts. 226 a 230, CF, percebe-se que a tutela constitucional não é mais
exclusiva do casamento, passando para as relações familiares dele decorrentes e de outras
formas de constituição da família. A família não é mais protegida como instituição, pois sua
tutela é direcionada à dignidade de seus membros, especialmente ao desenvolvimento
da personalidade dos filhos. Significa dizer que a família passa a ser valorada de maneira
instrumental, conforme explicam Gustavo Tepedino e Ana Carolina Brochado Teixeira:

Dito diversamente, altera-se o conceito de unidade familiar, antes delineado


como reunião formal de pais e filhos legítimos baseada no casamento, para
definição flexível e instrumental, que tem em mira o liame substancial de pelo
menos um dos genitores com seus filhos – tendo por origem não apenas o
casamento – e inteiramente voltado para a realização existencial e o
desenvolvimento da personalidade de seus membros. (TEPEDINO; TEIXEIRA,
2022, p. 3)
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Não se aceita mais a justificativa do “benefício da paz doméstica” e a


“preservação da célula mater da sociedade, instituição essencial à ordem pública e
modelada sob o paradigma patriarcal” em detrimento da realização pessoal de seus
integrantes, principalmente a mulher e os filhos, subjugados à figura do cônjuge-varão
(TEPEDINO, TEIXEIRA, 2022, p. 3).
Conforme o art. 226, CF, a família decorre dos seguintes institutos:
- Casamento civil, sendo gratuita a sua celebração e tendo efeito civil o
casamento religioso, nos termos da lei (art. 226, §§ 1.º e 2.º);
- União estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar a sua conversão
em casamento (art. 226, § 3.º). A união estável está regulamentada nos arts. 1.723 a
1.727 do CC/2002, sem prejuízo de outros dispositivos da atual codificação.
- Entidade ou família monoparental, ou seja, a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, § 4.º). Não há qualquer
regulamentação específica dessa entidade no Código Civil ou em outra lei especial.
(TARTUCE, 2022, p. 61).

No entanto, o entendimento dominante é que o conceito de família deve ser


ampliado para outros modelos não citados pelo constituinte e, assim, o rol da Constituição
de 1988, acima citado, é considerado meramente exemplificativo (numerus apertus).
Neste sentido, alguns juristas, como Maria Berenice Dias, Cristiano Chaves de Farias
e Nelson Rosenvald preferem denominar as famílias contemporâneas de “famílias
plurais” (TARTUCE, 2022, p. 62), enquanto Gustavo Tepedino e Ana Carolina Brochado
Teixeira conceituam de família democrática, pois têm como base o afeto como principal
elemento para sua constituição. “Por isso, afirma-se que a Constituição adotou o
modelo democrático de família, que garante igualdade – e por isso, liberdade –
associada à solidariedade.” (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2022, p. 10).
Diante da funcionalização das entidades familiares e da nova roupagem
axiológica do direito de família, fundada na repersonalização, afetividade, pluralidade e
eudemonismo (felicidade), Flávio Tartuce (2022, p. 63) elenca as formas de entidades
familiares citadas por Maria Berenice Dias:
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a) Família matrimonial: decorrente do casamento.


b) Família informal: decorrente da união estável.
c) Família homoafetiva: decorrente da união de pessoas do mesmo sexo, já
reconhecida por nossos Tribunais Superiores, inclusive no tocante ao casamento
homoafetivo (ver Informativo n. 486 do STJ e Informativo n. 625 do STF).
d) Família monoparental: constituída pelo vínculo existente entre um dos genitores
com seus filhos, no âmbito de especial proteção do Estado.
e) Família anaparental: decorrente “da convivência entre parentes ou entre
pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade e
propósito”, tendo sido essa expressão criada pelo professor Sérgio Resende de Barros
(DIAS, Maria Berenice. Manual..., 2007, p. 46). Flávio Tartuce (2022) exemplifica com o caso
de duas irmãs idosas que vivem juntas, constituindo uma família anaparental1.
f) Família eudemonista: conceito que é utilizado para identificar a família pelo
seu vínculo afetivo, pois, nas palavras de Maria Berenice Dias, citando Belmiro Pedro Welter,
a família eudemonista “busca a felicidade individual vivendo um processo de
emancipação dos seus membros” (Manual..., 2007, p. 52). Tartuce cita como exemplo
um casal que convive sem levar em conta a rigidez dos deveres do casamento, previstos
no art. 1.566 do CC (TARTUCE, 2022, p. 63), como, por exemplo, morar em casas
separadas ou manter um “relacionamento aberto”.
No rol de Maria Berenice Dias não consta a família multiparental (pluriparental
ou mosaico), incluída por Flávio Tartuce (2022, p. 65): “Essa entidade familiar é aquela
decorrente de vários casamentos, uniões estáveis ou mesmo simples relacionamentos
afetivos de seus membros [...]”. Trata-se de uniões formadas por pessoas que tiveram
uniões anteriores (casamento ou união estável), com filhos.

1
“A tendência de ampliação do conceito de família é confirmada pelo STJ, ao reconhecer que o imóvel em
que residem duas irmãs é bem de família, pois ambas constituem uma entidade familiar: “Execução. Bem de
família. Ao imóvel que serve de morada as embargantes, irmãs e solteiras, estende-se a
impenhorabilidade de que trata a Lei 8.009/1990” (STJ, REsp 57.606/MG, 4.ª Turma, Rel. Min. Fontes de
Alencar, j. 11.04.1995, DJ 15.05.1995, p. 13.410). O julgado mencionado reconhece como entidade
familiar algo que não se enquadra em qualquer conceito do art. 226 da CF/1988, o que denota que o rol
desse dispositivo não é fechado.” (TARTUCE, 2022, p. 63).
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Assim, há variados tipos de unidades de convivência familiar encontradas na


sociedade brasileira, configurando entidades familiares, conforme as características
comuns elencadas por Paulo Lôbo (2022, p. 86):
a) afetividade, ou comunhão de vida afetiva;
b) estabilidade – excluindo-se os relacionamentos casuais, episódicos ou
descomprometidos, sem comunhão de vida;
c) ostensibilidade – convivência pública e ostensiva, o que pressupõe uma
unidade familiar que se apresente assim publicamente;
d) escopo de constituição de família.

Por outro lado, há determinados relacionamentos que não constituem entidade


familiar, como o exemplo citado por Paulo Lôbo:

A coparentalidade em sentido estrito, resultante de pacto havido entre duas


pessoas para assunção de filho comum, biológico ou não, sem vínculo afetivo
entre elas, não constitui entidade familiar, como demonstraremos adiante. As
duas pessoas, valendo-se de autonomia privada, desejam os vínculos com o filho
comum, mas não a constituição de entidade familiar entre elas. São vínculos
de filiação paralelos, que podem configurar entidades monoparentais
paralelas. (LÔBO, 2022, p. 87)

Neste sentido, ainda conclui o autor, que as entidades familiares não possuem
regras únicas, segundo modelos únicos ou preferenciais, pois elas constituem, “em
outras palavras, o lugar dos afetos, da formação social onde se pode nascer, ser,
amadurecer e desenvolver os valores da pessoa.” (LÔBO, 2022, p. 89).
É importante destacar que, para determinados fins legais, certos grupos sociais
podem ser compreendidos como entidades familiares, conforme os seguintes exemplos:
Lei n. 8.009/90, sobre a impenhorabilidade do bem de família; da Lei n. 8.245/91, sobre
locação de imóveis urbanos, relativamente à proteção da família, que inclui todos os
residentes que vivam na dependência econômica do locatário; dos arts. 183 e 191 da
CF/1988, sobre a usucapião especial, em benefício do grupo familiar que possua o
imóvel urbano e rural como moradia; da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que
coíbe a violência doméstica contra a mulher, em relação a todos os que vivam no
ambiente familiar. (LÔBO, 2022, p. 87).
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DIREITO CIVIL – FAMÍLIA, INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA – 6º Período-Noite
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1.2 Princípios do Direito de Família

Verificou-se que o Direito de Família sofreu profundas alterações estruturais,


bem como as mudanças axiológicas que influenciaram o atual conceito de entidade
familiar.
Seguindo esta visão, os antigos princípios do Direito de Família também foram
substituídos por outros, fundamentados na proposta de constitucionalização e
personalização.
A ordem indicada pela doutrina é bem variável, portanto pode ser diferente do que
será apresentado neste material.

1.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana tem significado relevante no


ordenamento jurídico brasileiro, surgindo logo no art. 1º, III, CF/88, como um dos princípios
fundamentais da República.
Paulo Lôbo explica a dignidade da pessoa humana conforme o pensamento do
filósofo Kant (1724-1804):

Kant (1986, p. 77), em lição que continua atual, procurou distinguir aquilo que
tem um preço, seja pecuniário, seja estimativo, do que é dotado de dignidade, a
saber, do que é inestimável, do que é indisponível, do que não pode ser
objeto de troca. Diz ele: “No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma
dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer
outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e,
portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade”. Assim, viola o
princípio da dignidade da pessoa humana todo ato, conduta ou atitude que
coisifique ou objetive a pessoa, ou seja, que a equipare a uma coisa
disponível, ou a um objeto. (LÔBO, 2022, p. 60)

A pessoa é protegida por si mesma, assumindo o centro do sistema jurídico e,


“como membros iguais do gênero humano, impõe-se o dever geral de respeito,
proteção e intocabilidade” (LÔBO, 2022, p. 60).
Como visto no tópico anterior, a família contemporânea é considerada “o espaço
comunitário por excelência para realização de uma existência digna e da vida em
comunhão com as outras pessoas” (LÔBO, 2022, p. 61). Nesta perspectiva, o princípio da
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dignidade da pessoa humana impede que qualquer estrutura institucional se


sobreponha à tutela de seus integrantes, conforme explicam Tepedino e Teixeira:

Vale dizer, o constituinte protege o casamento (somente) à medida que o núcleo


conjugal serve de lócus ideal para a tutela da pessoa. No momento em que deixa
de sê-lo, é o próprio constituinte quem prevê o divórcio (art. 226, § 6º, CF), a
garantir, assim, a liberdade de escolhas individuais e a confirmar o caráter
instrumental das entidades familiares. (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2022, p. 13)

Neste sentido, explica Paulo Lôbo (2022, p. 62) que a submissão histórica da mulher
nas sociedades patriarcais, ainda com reflexos atuais, é incompatível com o princípio em
referência. “Não se observa o princípio da dignidade da pessoa humana quando
desigualdades pessoais, sociais, econômicas e jurídicas existem em razão do sexo ou
gênero.” (LÔBO, 2022, p. 62).
Assim, a família é protegida de forma especial pelo Estado, conforme se verifica
na Constituição de 1988: o art. 226, § 7º, determina que a dignidade, bem como a
paternidade responsável são limitadores internos à liberdade de planejamento familiar;
os arts. 227 e 230, CF/88, determinam que criança, adolescente, jovem e idoso, pessoas
presumidamente vulneráveis, devem ser tratadas com especial dignidade (TEPEDINO;
TEIXEIRA, 2022, p. 12).

1.2.2 Princípio da solidariedade familiar

Reconhecida como objetivo fundamental da República, a solidariedade social


está prevista no art. 3º, I, CF/88, na perspectiva da construção de uma sociedade livre,
justa e solidária. Assim, o referido princípio repercute nas relações familiares. “Deve-se
entender por solidariedade o ato humanitário de responder pelo outro, de preocupar-se
e de cuidar de outra pessoa.” (TARTUCE, 2022, p. 35).
Neste sentido, a solidariedade familiar é tanto patrimonial, como no pagamento de
alimentos (art. 1.694, CC), quanto afetiva e psicológica, conforme o art. 227, CF, que
prevê como dever da família, depois da sociedade e por último do Estado, garantir com
absoluta prioridade os direitos inerentes às crianças e adolescentes, e o art. 230, CF,
sobre o dever de amparo às pessoas idosas.
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Paulo Lôbo (2022, p. 64) explica que o princípio da solidariedade familiar ainda
tem sido considerado como fundamento explícito ou implícito, na legislação e
jurisprudência, para assegurar aos familiares o direito de contato, ou de convivência
com as crianças e adolescentes com avós, tios, ex-companheiros, padrastos e madrastas,
uma vez que, no melhor interesse destas e da realização afetiva daqueles, os laços de
parentesco ou os construídos na convivência familiar não devem ser rompidos ou
dificultados.
O abandono afetivo de crianças e idosos também é pautado no princípio da
solidariedade familiar, pois no direito de família o cuidado é considerado valor jurídico,
ou seja, é expressão do referido princípio.
“Frise-se que o princípio da solidariedade familiar também implica em respeito e
consideração mútuos em relação aos membros da entidade familiar.” (TARTUCE, 2022,
p. 36), o que fundamenta a assistência aos membros da família em caso de violência nas
relações familiares (art. 226, § 8º, CF).

1.2.3 Princípio da igualdade familiar

Entre as várias transformações na estrutura do Direito de Família, com certeza a


constitucionalização do princípio da igualdade foi a mais importante, consagrando a
igualdade entre homem e mulher, entre os filhos de qualquer origem e entre as
entidades familiares.
Paulo Lôbo (2022, p. 65) afirma que o princípio da igualdade familiar é dirigido ao
legislador, a fim de proibir a edição de normas que o contrariem; à administração
pública, para realizar políticas públicas de superação das desigualdades reais entre os
gêneros; à administração da justiça para impedir as desigualdades nos conflitos que
provocaram sua intervenção, e às pessoas, para que o observem em seu cotidiano.
Além do art. 5º, I, CF que trata a igualdade de gêneros como direito fundamental
oponível aos poderes políticos e privados, é possível conferir na Constituição o princípio da
igualdade nas três principais situações históricas mais constantes de desigualdade:
cônjuges, filhos e entidades familiares.
Em relação aos cônjuges e companheiros verifica-se o § 5º do art. 226, que trata
dos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal; § 6º do art. 227 prevê a máxima
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igualdade entre os filhos, proibindo quaisquer discriminações e desigualdade de direitos;


o caput do art. 226 tutela e protege a família, sem restrição a qualquer espécie ou tipo.

1.2.4 Princípio da liberdade familiar

O antigo direito de família era extremamente rígido quanto ao exercício da


liberdade de seus membros, devendo respeitar o exclusivo modelo matrimonial e
patriarcal.
Paulo Lôbo explica o princípio em comento, referindo às suas várias dimensões:

O princípio da liberdade diz respeito ao livre poder de escolha ou autonomia


de constituição, realização e extinção de entidade familiar, sem imposição ou
restrições externas de parentes, da sociedade ou do legislador; à livre
aquisição e administração do patrimônio familiar; ao livre planejamento
familiar; à livre definição dos modelos educacionais, dos valores culturais e
religiosos; à livre formação dos filhos, desde que respeitadas suas dignidades
como pessoas humanas; à liberdade de agir, assentada no respeito à
integridade física, mental e moral. (LÔBO, 2022, p. 73)

Paulo Lôbo (2022, p. 74) explica que o princípio da liberdade familiar “apresenta
duas vertentes essenciais: liberdade da entidade familiar, diante do Estado e da sociedade,
e liberdade de cada membro diante dos outros membros e da própria entidade
familiar.”
Flávio Tartuce (2022, p. 42) também o denomina como princípio da não
intervenção, com fundamento no art. 1.513, CC, pelo qual “é defeso a qualquer pessoa,
de direito público ou direito privado, interferir na comunhão de vida instituída pela
família.” (BRASIL, 2002).
Como reforço, o art. 1.565, § 2º, CC estabelece que o planejamento familiar é de
livre decisão do casal, sendo vedada qualquer forma de coerção por parte de
instituições privadas ou públicas em relação a esse direito. Neste sentido, nem o Estado
ou ente privado pode intervir coativamente nas relações de família, mas o Estado pode
incentivar o controle de natalidade e promover políticas pública para o planejamento
familiar.
Outro exemplo de aplicação do princípio está no art. 1.614, CC, que permite ao filho
maior exercer a liberdade de recusar o reconhecimento voluntário da paternidade feito
por seu pai biológico. Do mesmo modo, se o reconhecimento se deu quando o filho era
menor, pode este impugná-lo, ao atingir a maioridade.
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Há, no entanto, quem entenda que o art. 1.641, II, CC viola o respectivo princípio,
restringindo a autonomia da pessoa maior de 70 anos ao proibir a livre escolha do
regime matrimonial de bens.
Cabe destacar que nenhum princípio é absoluto, nem deve ser interpretado
isoladamente, mas sim com outros princípios, como no caso do princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente, tendo como exemplo a intervenção do Estado nas
relações de filiação, citando-se a Lei n. 13.010/14, conhecida como Lei da Palmada ou
Lei Menino Bernardo.

1.2.5 Princípio do melhor interesse da criança

A criança e o adolescente são considerados sujeitos de direitos, como pessoas


em condição peculiar de desenvolvimento. Assim, o referido princípio reconhece o valor
intrínseco e prospectivo das futuras gerações, como exigência ética de realização de vida
digna para todos (LÔBO, 2022, p. 82).

O princípio do melhor interesse significa que a criança – incluído o


adolescente, segundo a Convenção Internacional dos Direitos da Criança –
deve ter seus interesses tratados com prioridade, pelo Estado, pela sociedade
e pela família, tanto na elaboração quanto na aplicação dos direitos que lhe
digam respeito, notadamente nas relações familiares, como pessoa em
desenvolvimento e dotada de dignidade. (LÔBO, 2022, p. 82).

Antes a criança era tratada como mero objeto e a aplicação do direito observava os
interesses dos pais. Hoje é um dos princípios de maior importância, colocando a criança
como protagonista nas relações familiares. “O juiz deve sempre, na colisão da verdade
biológica com a verdade socioafetiva, apurar qual delas contempla o melhor interesse
dos filhos, em cada caso, tendo em conta a pessoa em formação.” (LÔBO, 2022, p. 83).
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente encontra respaldo
no art. 227, CF, que estabelece o dever da família, da sociedade e do Estado em
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, os direitos ali
enunciados.
A citada proteção constitucional foi regulamentada pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei n. 8.069/1990), que considera criança a pessoa com idade entre zero e
12 anos incompletos, e adolescente aquele que tem entre 12 e 18 anos de idade. Há,
ainda, a
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Lei n. 12.825/2013, conhecida como Estatuto da Juventude, que reconhece amplos direitos
às pessoas com idade entre quinze e vinte e nove anos de idade, tidas como jovens.
A Lei n. 13.257/16 trata das políticas públicas para a proteção da primeira
infância. O art. 2º reconhece a primeira infância como o período que abrange os
primeiros 6 (seis) anos completos de vida da criança, devendo o Estado estabelecer
políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância que atendam às
especificidades dessa faixa etária, visando a garantir seu desenvolvimento integral (art.
3º).
O Código Civil também demonstra a observância do princípio em referência nos
arts. 1.583 e 1.584, ao determinar como regra a guarda compartilhada dos pais separados,
que prevalece sobre a guarda unilateral.

1.2.6 Princípio da afetividade

Segundo Flávio Tartuce (2022, p. 46), “o afeto talvez seja apontado, atualmente,
como o principal fundamento das relações familiares. Mesmo não constando a
expressão afeto do Texto Maior como um direito fundamental, pode-se afirmar que ele
decorre da valorização da dignidade humana.”
Tartuce (2022, p. 48) ainda esclarece “que o afeto equivale à interação entre as
pessoas, e não necessariamente ao amor, que é apenas uma de suas facetas.”
Paulo Lôbo (2022, p. 79) também esclarece que a afetividade como princípio
jurídico não se confunde com o afeto no sentido de psicológico ou anímico (amor).
Desta forma, a afetividade é considerado dever imposto aos pais em relação aos filhos e
destes em relação àqueles, independentemente dos sentimentos que tenham uns pelos
outros.
O princípio da afetividade remonta ao trabalho do Professor João Baptista Villela,
escrito em 1979, tratando da desbiologização da paternidade, com a tese de que o
vínculo familiar constitui mais um vínculo de afeto do que um vínculo biológico,
surgindo, então, uma nova forma de parentesco civil, a parentalidade socioafetiva,
baseada na posse de estado de filho.
Flávio Tartuce (2022) e Paulo Lôbo (2022) entendem que o princípio da
afetividade tem fundamento constitucional, particularmente na dignidade da pessoa
humana (art. 1º,
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III), na solidariedade social (art. 3º, I) e na igualdade entre filhos (arts. 5º, caput, e 227, §
6º).
A aplicação do referido princípio pode ser vista no ditado popular “pai é aquele que
cria”, quando o marido reconhece como seu o filho de sua mulher, estabelecendo um
vínculo de afeto. Ainda que futuramente se divorciem, o marido não poderá, depois de
aperfeiçoada a socioafetividade, romper esse vínculo.
O art. 1.593 do Código Civil prevê regra geral que contempla o princípio da
afetividade, ao estabelecer que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de
consanguinidade ou outra origem”.
O princípio da afetividade está plenamente consolidado na doutrina e na
jurisprudência. Há vários enunciados das Jornadas de Direito Civil referindo-se aos
efeitos do princípio em comento.
Esta temática será retomada nos estudos sobre as formas de parentesco civil e
do reconhecimento de filhos.

1.2.7 Princípio da função social da família

Flávio Tartuce (2022, p. 51) inclui a função social como princípio do Direito de
Família, justificando que as relações familiares devem ser analisadas dentro do contexto
social e diante das diferenças regionais de cada localidade. Nesta perspectiva, segundo o
citado autor, a socialidade deve ser aplicada aos institutos de Direito de Família, assim
como ocorre com outros ramos do Direito Civil.
Quando analiso o conceito contemporâneo de família, verificou-se que deixou de
ser instituição e passou a ser instrumento, ou seja, a principal função da família é a sua
característica de meio para a realização dos anseios e pretensões de seus membros.
Flávio Tartuce exemplifica a aplicação do princípio da função social da família:

A título de exemplo, a socialidade pode servir para fundamentar o parentesco


civil decorrente da paternidade socioafetiva. Pode servir também para a
conclusão de que há outras entidades familiares, caso da união homoafetiva,
conforme reconheceu o Supremo Tribunal Federal em histórica decisão de maio
de 2011 (publicada no seu Informativo n. 625). Isso tudo porque a sociedade
muda, a família se altera e o Direito deve acompanhar essas transformações.
(TARTUCE, 2022, p. 52)
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Nesta perspectiva, a família deve ser interpretada de acordo com o contexto social.
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II CASAMENTO

Como visto no capítulo anterior, o conceito de família muda conforme o contexto


histórico e social. Desta forma, o conceito de casamento, ainda considerado a mais
importante, tendo em vista a longa tradição de sua exclusividade, forma de constituição
de entidade familiar, também sofreu mudança com o tempo.
Carlos Roberto Gonçalves (2023, p. 17) cita a definição de casamento por
Modestino, da época clássica do direito romano (século III): “Nuptiae sunt conjunctio maris
et feminae, consortium omnis vitae, divini et humani juris communicatio, ou seja,
casamento é a conjunção do homem e da mulher, que se unem para toda a vida, a
comunhão do direito divino e do direito humano.”
As definições, em geral, refletem concepções ou tendências filosóficas ou
religiosas. Também fazem referência à prole, no entanto, conforme explica Gonçalves
(2023, p. 17), “a falta de filhos não afeta o casamento, pois podem casar-se pessoas que,
pela idade avançada ou por questões de saúde, não têm condições de procriar. E nunca
se pensou em anular todos os casamentos de que não advenha prole.”
Gonçalves ainda se vale, como definição mais concisa e precisa, daquela
apresentada por José Lamartine Corrêa de Oliveira, que considera casamento como: “o
negócio jurídico de Direito de Família por meio do qual um homem e uma mulher se
vinculam através de uma relação jurídica típica, que é a relação matrimonial. Esta é uma
relação personalíssima e permanente, que traduz ampla e duradoura comunhão de
vida.” (OLIVEIRA apud GONÇALVES, 2023, p. 18).
No Brasil, antes de 2011, o casamento era realizado somente entre um homem e
uma mulher. Todavia, com o julgamento histórico do STF (ADI n. 4277 E ADPF n. 132),
que admitiu a união homoafetiva, e, depois, com o STJ (REsp 1.183.378-RS, 4ª T., rel.
Min. Luis Felipe Salomão, j. 25-10-2011), o casamento entre duas pessoas do mesmo
sexo é admitido juridicamente.
Nesta nova perspectiva, Flávio Tartuce (2022, p. 70) conceitua o casamento
como “a união de duas pessoas, reconhecida e regulamentada pelo Estado, formada
com o objetivo de constituição de uma família e baseado em um vínculo de afeto.” E,
Paulo Lôbo (2022, p. 101) afirma que “o casamento é um ato jurídico negocial
solene, público e
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complexo, mediante o qual o casal constitui família, pela livre manifestação de vontade
e pelo reconhecimento do Estado.”
Quanto à natureza jurídica do casamento não há um consenso na doutrina. Existem
três teorias:
a) teoria institucionalista: o casamento o casamento é uma instituição social, “no
sentido de que reflete uma situação jurídica cujos parâmetros se acham
preestabelecidos pelo legislador” (GONÇALVES, 2023, p. 18). Flávio Tartuce (2022, p. 73)
explica que para os adeptos desta concepção, o matrimônio se opõe à ideia de contrato.
Além disso, destaca Tartuce, que há nesta teoria uma forte carga moral e religiosa, que
vem sendo superada pela doutrina e pela jurisprudência.
b) teoria contratualista: o casamento constitui um contrato de natureza especial,
e com regras próprias de formação.
c) teoria mista ou eclética: considera o casamento ato complexo, ao mesmo tempo
contrato e instituição. É uma instituição quanto ao conteúdo e um contrato especial
quanto à formação.

Flávio Tartuce (2022, p. 73) é adepto da teoria mista ou eclética e explica a


rejeição às outras duas:

Quanto à primeira corrente, entendo que ela se encontra superada pela


aplicação da autonomia privada em sede de casamento e pelo
reconhecimento de novas entidades familiares. No que concerne à segunda,
acho exagerado afirmar que o casamento é um contrato. Isso porque o
contrato ainda é conceituado, em uma visão clássica, como um negócio
jurídico bilateral ou plurilateral que visa a criação, a modificação ou a extinção de
direitos e deveres, com conteúdo patrimonial. Ora, quando as pessoas se
casam não buscam esse intuito patrimonial, mas afetivo, para uma comunhão
plena de vida (art. 1.511 do CC). Pelo menos é o que se espera. Em reforço,
deve-se observar que a principiologia do casamento é totalmente diversa dos
regramentos básicos aplicáveis aos contratos. (TARTUCE, 2022, p. 73)

Na mesma linha, Carlos Roberto Gonçalves (2023, p. 19) afirma que não há
inconveniente em “chamar o casamento de contrato especial, um contrato de direito de
família, com características diversas do disciplinado no direito das obrigações”. O
casamento assume “a feição de um ato complexo, de natureza institucional, que
depende
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da manifestação livre da vontade dos nubentes, mas que se completa pela celebração, que
é ato privativo de representante do Estado” (RODRIGUES apud GONÇALVES, 2023, p. 19).
Com esta perspectiva, o casamento é considerado como negócio jurídico
bilateral sui generis, especial. Trata-se, portanto, de um negócio híbrido: na formação é
um contrato, no conteúdo é uma instituição (TARTUCE, 2022, p. 73).

2.1 Disposições gerais sobre o casamento

As disposições gerais sobre o casamento, no Código Civil, estão nos artigos 1.511
a 1.516, no início do Livro IV da parte especial do Código Civil - “Do Direito de Família”.
Nestas disposições gerais, o art. 1.511, CC prevê que “o casamento estabelece a
comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. O
sentido deste dispositivo é firmar a igualdade entre os cônjuges.
O art. 1.512, CC repete o § 1º do art. 226, da CF/88, que estabelece a gratuidade
da celebração do casamento civil. Assim, ainda que a celebração seja religiosa, o
casamento é civil, pois desde a proclamação da República foi secularizado ou laicizado,
subtraindo-se da religião oficial a competência para regulá-lo, conforme explica Paulo Lôbo
(2022, p. 109).
Além disso, por ser direito fundamental de qualquer cidadão brasileiro ou de
estrangeiro que viva no Brasil, a celebração do casamento é gratuita, seja feita perante
agente público (juiz de direito ou juiz de paz) ou perante ministro de confissão religiosa.
(LÔBO, 2022, p. 109). Todavia, os demais atos que integram o casamento – habilitação,
registro e primeira certidão – serão gratuitos somente para as pessoas “cuja pobreza for
declarada, sob as penas da lei” (art. 1.512, parágrafo único, CC), compreendendo a isenção
de taxas, emolumentos e custas, pois poderiam desestimular ou até inviabilizar o
casamento para pessoas mais pobres. “A qualificação de pobreza para os fins de gratuidade
do casamento é a mesma utilizada para concessão de assistência judiciária gratuita, a
saber, quando o pagamento das despesas importa comprometimento da subsistência
das pessoas.” (LÔBO, 2022, p. 102).
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O princípio da liberdade ou da não intervenção, já tratado, está previsto no art.


1.513, CC, proibindo a qualquer pessoa, seja de direito público ou de direito privado,
intervir ou interferir nas relações familiares.
O art. 1.514, CC prevê o momento do aperfeiçoamento do negócio jurídico
casamento, que ocorre somente após os nubentes manifestarem, perante o juiz
(autoridade celebrante), a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e essa
autoridade os declarar casados.
Flávio Tartuce (2022, p. 74) destaca que a melhor doutrina aponta três princípios
relacionados com o casamento:
a) princípio da monogamia: “esse regramento pode ser retirado do art. 1.521,
inc. VI, do CC, que dispõe que não podem casar as pessoas casadas, o que constitui um
impedimento matrimonial a gerar a nulidade absoluta do casamento (art. 1.548, inc. II,
do CC).” (TARTUCE, 2022, p. 74);
b) princípio da liberdade de união: trata da livre escolha da pessoa do outro cônjuge
como manifestação da autonomia privada, podendo ser interpretado a partir do art. 1.513,
CC;
c) princípio da comunhão de vida ou comunhão indivisa: “regido pela igualdade
entre os cônjuges, pois “os nubentes comungam os mesmos ideais, renunciando os
institutos egoísticos ou personalistas, em função de um bem maior que é a família”
(LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil..., 2005, p. 52).” (TARTUCE, 2022, p. 74). Este
princípio pode ser extraído dos arts. 1.565 e 1.511, CC.

2.2 Capacidade para o casamento

O casamento envolve uma série de formalidades, a fim de se constituir


regularmente.
As formalidades iniciais se referem ao processo de habilitação, que se desenvolve
perante o oficial do Registro Civil (art. 1.526, CC), com a finalidade de constatar a
capacidade para o casamento, a inexistência de impedimentos matrimoniais e a dar
publicidade à pretensão dos nubentes.
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A incapacidade (art. 1.517 a 1.520, CC) e o impedimento matrimonial (arts. 1521


e 1.522, CC) são diferentes.
A incapacidade está relacionada à inaptidão do indivíduo para se casar com
quem quer que seja, como o menor de 16 anos ou a pessoa já casada (GONÇALVES,
2023, p. 22).
Já os impedimentos atingem determinadas pessoas em determinadas situações, ou
seja, envolvem a legitimação, “conceituada como uma capacidade ou condição especial
para celebrar determinado ato ou negócio jurídico” (TARTUCE, 2022, p. 75). Trata-se de
uma inaptidão para o casamento com determinada pessoa, como, por exemplo, o
impedimento decorrente do parentesco, que proíbe o casamento de ascendentes com
descendentes e dos colaterais em segundo grau. Não se trata de incapacidade para o
casamento, pois podem se casar com outras pessoas, não estão legitimados a casar
somente com os parentes próximos citados.
Neste sentido, a capacidade para se casar é restrita à idade dos nubentes (idade
núbil), conforme o art. 1.517, CC, isto é, a maioridade civil (18 anos). Além disso, o
relativamente incapaz também pode se casar, desde que autorizado pelos pais ou
representantes legais. Se já for emancipado não precisa desta autorização (Enunciado 512,
da V Jornada de Direito Civil). Havendo divergência sobre a autorização para o
casamento, a questão será decidida pelo juiz, conforme o caso concreto e buscando a
proteção integral do menor e da família (parágrafo único do art. 1.517, CC).
Aspecto importante sobre a capacidade para o casamento se refere às pessoas com
enfermidade mental. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/15) revogou o
art. 1.548, I, CC que considerava nulo o casamento “pelo enfermo mental sem o necessário
discernimento para os atos da vida civil”. Assim, as pessoas com deficiência tiveram uma
inclusão familiar plena, pois conforme o art. 6º do citado Estatuto, a deficiência não
afeta a plena capacidade civil da pessoa para casar-se e constituir união estável; exercer
direitos sexuais e reprodutivos; exercer o direito à família e à convivência familiar e
comunitária etc. “O Estatuto da Pessoa com Deficiência, como se vê, pretendeu igualar a
pessoa com deficiência para os atos existenciais, o que representa um notável avanço,
na opinium deste autor.” (TARTUCE, 2022, p. 76).
Neste sentido, quanto às pessoas com deficiência mental ou intelectual é
necessário observar, para contrair matrimônio, a idade núbil e a possibilidade de
exprimir
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sua vontade, o que pode ser feito diretamente ou por meio do seu responsável ou curador
(art. 1.550, § 2º, CC).
Conforme o art. 1.518, CC, a autorização para o casamento pode ser revogada pelos
pais ou tutores até a celebração do casamento. Se a negativa do consentimento for injusta
poderá ser suprida pelo juiz, que julgará conforme a proteção integral do menor e da
família (art. 1.519, CC).
Quanto ao art. 1.520, CC, sua redação sofreu alteração em 2019 e é importante
explicá-la comparando o texto anterior e o atual:

Texto anterior Texto atual


Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o Art. 1.520. Não será permitido, em qualquer caso,
casamento de quem ainda não alcançou a idade o casamento de quem não atingiu a idade núbil,
núbil (art. 1.517), para evitar imposição ou observado o disposto no art. 1.517 deste Código.
cumprimento de pena criminal ou em caso de
gravidez.

Verifica-se que este artigo excepcionava (antes de 2019) a possibilidade do


casamento do menor de 16 anos (casamento infantil para parcela da doutrina), com reflexo
no direito penal. Todavia, após o início da vigência do CC/2002 três leis penais mitigaram
a norma civil:
a) Lei n. 11.106/2005 afastou a extinção da punibilidade nos casos de estupro
presumido (art. 107, inc. VII e VIII, do CP), ou seja, na hipótese de alguém manter uma
relação sexual com uma criança com idade inferior a 14 anos, e depois se casar com ela
havia uma espécie de “perdão tácito” da vítima pelo crime;
b) Lei n. 12.015/2009 alterou o Código Penal no capítulo sobre os crimes contra a
liberdade sexual, incluindo o art. 217-A, que tratou do estupro de vulnerável (menor de
14 anos);
c) Lei n. 13.718/2018, que alterou o art. 225 do Código Penal, deixando de exigir
ação penal de natureza privada para os crimes contra a liberdade sexual e crimes
sexuais contra vulnerável e passando a ser ação penal pública incondicionada.

Em que pese a alteração do art. 1.520, CC, em 2019, os artigos 1.550 a 1.553, CC
não sofreram qualquer mudança. Os referidos artigos tratam da anulabilidade do
casamento de quem não completou a idade para casar (art. 1550, I, CC), bem como de
sua
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convalidação. Neste sentido, importante as constatações de Carlos Roberto Gonçalves


(2023, p. 108), sobre a interpretação deste conjunto normativo, de modo harmonizado,
após o advento da Lei n. 13.811/2019:
a) o casamento religioso ou civil, celebrado quando um ou ambos os nubentes
conte ou contem com menos de 16 anos, não pode ser levado a registro civil. Se o for é
anulável. Não é nulo porque o CC, art. 1.550, I, considera-o apenas anulável, e as regras
gerais de invalidade, máxime no que concernem à nulidade dita absoluta, não se
aplicam ao direito de família;
b) a anulabilidade desse casamento depende de iniciativa dos legalmente
legitimados para promovê-la, ou seja, o cônjuge menor, ou seus ascendentes ou
representantes legais (CC, art. 1.552). Porém nem estes poderão promovê-la se, do
casamento, resultar gravidez (CC, art. 1.551);
c) esse casamento será convalidado legalmente, ainda que tenha sido registrado
com violação do art. 1.520, quando o cônjuge menor atingir a idade de 16 anos e confirmá-
lo;
d) se tiver havido celebração sem registro civil desse casamento, ante recusa do
registrador em face do art. 1.520, será convolado em união estável, que, por sua
natureza de ato-fato jurídico, não depende de registro para ser considerada entidade
familiar.

Conclui-se, assim, com Flávio Tartuce (2022, p. 83) que a possibilidade de


convalidação do casamento dos absolutamente incapazes ocorrerá, muitas vezes, após
atingirem a idade núbil ou mesmo a maioridade, preservando uma família que pode
estar constituída e que merece proteção, conforme o art. 226 da Constituição Federal.
Destaque-se que o casamento do menor de 18 anos cessa a incapacidade,
conforme art. 5º, parágrafo único, II, CC. Se o casal se divorciar ou um dos cônjuges morrer
antes de atingir a maioridade, a capacidade será mantida. Se o casamento for declarado
nulo não produz efeitos (art. 1.563, CC), portanto, os jovens que foram emancipados
retornam à situação de incapacidade.
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2.3 Impedimentos matrimoniais

Os impedimentos são circunstâncias expressas na lei que impossibilitam a


realização de determinado matrimônio, sob pena de ser declarado nulo (art. 1.548, II,
CC), caso venha a ser realizado. Os requisitos para validade e regularidade do casamento
são tanto de ordem jurídica, quanto de natureza ética, haja vista a influência que o
casamento exerce nas relações de família e no meio social (GONÇALVES, 2023, p. 29).
O CC estabelece em seu art. 1.521, CC um rol taxativo (numerus clausus) de sete
impedimentos de maior gravidade, a fim de evitar uniões que possam, de algum modo,
ameaçar a ordem pública, além de interesses das próprias partes.
Carlos Roberto Gonçalves (2023, p. 29) divide em três categorias, conforme o
motivo de preservação, os incisos do art. 1.521, CC:
a) impedimentos resultantes do parentesco (incisos I a V), que se subdividem em
impedimentos de consanguinidade (impedimentum consanguinitatis, entre ascendentes
e descendentes e entre colaterais até o terceiro grau – incisos I e IV), impedimento de
afinidade (impedimentum affinitatis, que abrange os afins em linha reta – inciso II) e os
impedimentos de adoção (incisos III e V);
b) impedimento resultante de casamento anterior (inciso VI), que visa preservar
a monogamia; e
c) impedimento decorrente de crime (impedimentum criminis: inciso VII).

O primeiro impedimento trata do parentesco consanguíneo (natural) entre


ascendentes e descendentes (inciso I), abrangendo todos os parentes em linha reta até o
infinito, ou seja, sem limitação de graus. Na linha reta ascendente, posicionam-se os pais,
os avós, os bisavós, e assim sucessivamente. Na linha reta descendente, posicionam-se
os filhos, os netos, os bisnetos, e assim sucessivamente. O impedimento também
abrange o parentesco civil, ou seja, em virtude de adoção, inseminação artificial
heteróloga e de posse de estado de filiação.
A primeira razão desta proibição é impedir relações incestuosas, que possui
índole moral; a segunda é evitar problemas congênitos à prole (malformações
somáticas), revelando preocupação de natureza eugênica.
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O inciso IV trata dos parentes colaterais até o terceiro grau, que também é um
impedimento decorrente de parentesco consanguíneo. Envolve os irmãos (colaterais de
segundo grau), bilaterais (mesmo pai e mesma mãe) ou unilaterais (mesmo pai ou
mesma mãe); tios(as) e sobrinhos(as) (colaterais de terceiro grau). Neste último caso, o
Decreto- lei n. 3.200/41, que continua em vigor, permite o casamento entre colaterais
de terceiro grau (casamento avuncular) desde que não haja risco à prole, o que deve ser
aprovado em exame pré-nupcial, por uma junta médica formada por dois profissionais
da área (TARTUCE, 2022, p. 85).
Os primos são parentes colaterais de quarto grau, por isso não são atingidos pelo
impedimento legal.
O inciso II do art. 1.521 trata da proibição do casamento entre os parentes afins
(por afinidade) em linha reta. O parentesco por afinidade está previsto no art. 1.595, CC
e se estabelece entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro consorte (ou
convivente). A proibição refere-se apenas à linha reta até o infinito, ou seja, dissolvido o
casamento ou a união estável que deu origem ao referido parentesco, não podem casar-
se sogra e genro, sogro e nora – linha reta ascendente; padrasto e enteada, madrasta e
enteado – linha reta descendente; e assim sucessivamente até o infinito. A afinidade em
linha reta não se extingue com a dissolução do casamento que a originou (divórcio ou
falecimento de um dos cônjuges), conforme o § 2º do art. 1.595, CC.
Segundo Tartuce (2022, p. 86) a razão deste impedimento é apenas moral. Não
há proibição de casamento entre os cunhados, depois de terminado o casamento, pois
são parentes afins colaterais.
O inciso III do art. 1.521 obsta o casamento do adotante com quem foi cônjuge
do adotado; e o casamento do adotado com quem foi cônjuge do adotante. Mais uma
vez o impedimento possui razão de ordem moral em decorrência do parentesco civil
formado pela adoção. Trata-se de casos em que a adoção não foi realizada por ambos os
cônjuges, mas apenas por um deles. “A adoção, como foi dito, imita a família. Desse
modo, o pai adotivo ou a mãe adotiva não pode casar-se com a viúva do filho adotivo ou
com o viúvo da filha adotiva.” (GONÇALVES, 2023, p. 31).
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O inciso V também trata de impedimento relacionado à adoção. Assim, não podem


se casar o adotado com o filho do adotante, porque são considerados irmãos. Não há
distinção entre filhos biológicos e adotados (art. 227, § 6º, CF).
O sexto impedimento (inciso VI, art. 1.521, CC) consagra o princípio da monogamia,
impedindo o casamento de pessoas já casadas. O fato caracteriza, inclusive, o crime de
bigamia, previsto no art. 235, CP. Segundo Flávio Tartuce (2022, p. 87), embora tratada
pela lei como impedimento matrimonial, a hipótese parece ser de incapacidade
matrimonial, pois a pessoa casada não pode contrair matrimônio com qualquer outra.
O último impedimento (inciso VII, art. 1.521, CC) proíbe o casamento do cônjuge
sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra seu
consorte. A motivação também é exclusivamente moral. Flávio Tartuce (2022, p. 88)
defende, assim como vários outros autores citados por ele, que o impedimento existe
somente nos casos de crime doloso e havendo trânsito em julgado da sentença penal
condenatória. Neste sentido, se o casamento for realizado no curso do processo
criminal, será considerado válido, pois quando da celebração não havia a limitação à
autonomia privada, que somente pode decorrer de lei. E, mesmo que haja posterior
condenação criminal, com trânsito em julgado, o casamento continuará válido.
Destaque-se que os impedimentos previstos no art. 1.521, CC são aplicáveis para
a constituição de união estável, pois o § 1º do art. 1.723, CC disciplina que “a união
estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521”. Há exceção na
lei somente para o impedimento previsto no inciso VI, quando a pessoa casada estiver
separada de fato ou judicialmente
Conforme o art. 1.522, CC, a oposição ao casamento perante o Cartório de
Registro das Pessoas Naturais, poderá ser feita por qualquer pessoa capaz até o
momento da celebração. O oficial do registro e o juiz deverão reconhecer o impedimento de
ofício, caso tenham conhecimento.

2.4 Causas suspensivas do casamento

Causas suspensivas são determinadas circunstâncias ou situações capazes de


suspender a realização do casamento, desde que arguidas tempestivamente (durante o
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processo de habilitação, até 15 dias após os proclamas) pelas pessoas legitimadas (art.
1.524, CC). Essas situações não impedem a celebração do casamento, nem acarretam a
decretação de nulidade ou anulabilidade, mas tem como consequência jurídica a
imposição do regime de separação total de bens aos cônjuges (art. 1.641, I, CC).
Portanto, o casamento celebrado e registrado é plenamente válido e eficaz, mas com as
restrições impostas pela lei.
Essas causas (art. 1.523, CC) objetivam impedir a confusão patrimonial, envolvendo
situações de interesse particular ou ordem privada. Por isso, é possível que os nubentes
peçam ao juiz a inaplicabilidade das causas suspensivas, se provarem a inexistência de
prejuízo para as pessoas indicadas no art. 1.523, CC (parágrafo único do art. 1.523, CC).
a) A primeira causa (art. 1.523, I, CC) é relativa à proteção do patrimônio dos
filhos. Assim, o viúvo ou a viúva que tiver filho com o falecido(a) não deve se casar
enquanto o inventário dos bens do casal e a partilha dos herdeiros não forem
concluídas. Todavia, se realizado o novo casamento pendente o inventário e partilha de
bens do cônjuge falecido, o regime de bens será o da separação obrigatória.
Há mais uma sanção para o infrator desta causa suspensiva, prevista no art.
1.489, III, CC, que é a hipoteca legal em favor dos filhos. Os bens do pai ou da mãe
(viúvo/viúva) que se casar novamente antes de fazer o inventário do cônjuge falecido
ficarão hipotecados como garantia da herança dos filhos.
A causa suspensiva em estudo possui sentido somente com a existência de
filho(s) e de bens do primeiro casamento. Desta forma, os juízes admitem, mesmo não
previsto no CPC, a realização de inventário negativo, mesmo extrajudicial (Resolução CNJ
n. 35 e Lei
n. 11.441/2007), com a finalidade exclusiva de comprovar a inexistência da causa
suspensiva e permitir que o novo casamento seja realizado sem a imposição do regime
de bens obrigatório.
b) O art. 1.523, II, CC dispõe que não deve se casar a mulher viúva ou cujo
primeiro casamento foi declarado nulo ou anulado no prazo de 10 meses. O objetivo é
evitar a confusão de paternidade (turbatio ou confusio sanguinis), entre o primeiro e o
segundo marido, pois existe uma presunção de paternidade do filho da mulher casada,
conforme o art. 1.597, I e II, CC.
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Havendo prova que afaste a referida causa suspensiva, a proibição ao casamento


ou a imposição do regime de bens será afastada pelo juiz, conforme explica Carlos Roberto
Gonçalves:

Não subsiste a proibição se a nubente provar “nascimento de filho, ou


inexistência de gravidez, na fluência do prazo”, segundo proclama o parágrafo
único, in fine, do referido art. 1.523. Contudo, deve-se admitir também a
inexistência da mencionada restrição se houver aborto ou se a gravidez for
evidente quando da viuvez ou da anulação do casamento. Igualmente, se o
casamento anterior foi anulado por impotência coeundi, desde que absoluta e
anterior ao casamento, ou quando resulta evidente das circunstâncias a
impossibilidade física de coabitação entre os cônjuges. (GONÇALVES, 2023, p.
36).

Flávio Tartuce (2022, p. 91) destaca o Enunciado n. 139 da II Jornada de


Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, promovida pelo Conselho da Justiça Federal
em agosto de 2021: “na hipótese prevista no art. 1.523, inciso II, do Código Civil, não
será imposto o regime de separação obrigatória de bens ao novo casamento da mulher
grávida quando os contraentes firmarem declaração de que são pais do nascituro,
independentemente de autorização judicial”. Nesta situação, a mulher está se casando
com o pai da criança que ela espera. Portanto, não há necessidade de aplicar a causa
suspensiva.
A norma em questão não trata do impedimento para a mulher divorciada há menos
de 10 meses. Justifica-se, porque antes de 2010 (EC n. 66/2010) para se divorciar exigia-
se prazo de um ano no divórcio-conversão, e de dois anos no divórcio direto. Todavia, a
EC n. 66/2010 extinguiu os referidos prazos. Neste sentido, por coerência, a doutrina
defende que a restrição do art. 1.523, II, CC deve ser aplicada também à mulher
divorciada há menos de 10 meses (GONÇALVES, 2023, p. 36; TARTUCE, 2022, p. 91).
c) A terceira causa suspensiva (art. 1.523, III, CC) também visa evitar confusão de
patrimônios (bens comuns) das pessoas divorciadas. Assim, enquanto não houver sido
homologada ou decidida a partilha de bens do casamento anterior, os ex-cônjuges não
devem se casar com outra pessoa, salvo no regime de separação obrigatória de bens.
Não há óbice ao divórcio sem a prévia partilha dos bens, mas, neste caso, aplica-se a
causa suspensiva. A causa pode ser afastada pelo juiz se comprovada a inexistência de
prejuízo para o ex-cônjuge ou a inexistência de bens a partilhar, conforme o parágrafo
único do art. 1.523, CC.
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d) A quarta e última causa suspensiva (art. 1.523, IV, CC) se refere à tutela e
curatela, isto é, os tutores e os curadores não devem casar com os respectivos pupilos
ou curatelados. A finalidade desta causa suspensiva é proteger o patrimônio dessas
pessoas em situação de vulnerabilidade (tutelado ou curatelado), evitando o
enriquecimento ilícito do seu representante ou de seus parentes (descendentes,
ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos), pois poderia ser exercida coação moral
pelo tutor ou curador, pessoas que possuem ascendência e autoridade sobre o tutelado
ou curatelado. A extinção da tutela ou da curatela, com a aprovação das contas pelo
juízo competente, extingue a referida causa suspensiva.
A comprovação de ausência de prejuízo (parágrafo único do art. 1.523, CC)
somente será necessária se oposta a causa suspensiva por algum interessado - parentes
em linha reta, consanguíneos ou afins (pais, avós, sogros, pais dos sogros etc.) e pelos
colaterais em segundo grau, consanguíneos ou afins (irmãos ou cunhados), conforme o art.
1.524, CC. O oficial do registro ou o celebrante do casamento não possuem legitimidade
para declará-las de ofício.
Flávio Tartuce (2022, p. 93) explica que, após o casamento pelo regime da
separação obrigatória de bens, desaparecendo a causa suspensiva, justifica-se a
alteração do regime de bens, que será proposta por ambos os cônjuges (art. 1.639, § 2º,
CC).

2.5 Processo de habilitação para o casamento

A habilitação é a primeira fase do casamento e deve ser promovida perante o oficial


de registro civil de residência de ambos os nubentes, com a finalidade de comprovar que
eles preenchem os requisitos que a lei estabelece para o casamento: capacidade para a
realização do ato (arts. 1.517 a 1.520, CC), inexistência de impedimentos matrimoniais (art.
1.521, CC) ou de causa suspensiva (art. 1.523, CC), publicidade da pretensão
manifestada pelos noivos, por meio de editais, convocando as pessoas que saibam de
algum impedimento para que venham opô-lo.
Além do Código Civil, o procedimento também está disciplinado pela Lei n.
6.015/73 (Lei de Registros Públicos), que sofreu alterações nesta parte, por meio da Lei
n.
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14.382, de 27/06/2022, que dispõe sobre o SERP – Sistema Eletrônico dos Registros
Públicos.
Conforme o art. 1.525, CC, o requerimento de habilitação será assinado pelos
nubentes, de próprio punho, ou por procurador de um ou de ambos. A Lei do SERP
passou a permitir a identificação das partes e a apresentação dos documentos por meio
eletrônico, conforme a inclusão do § 4º-A do art. 67 da Lei n. 6.015/73:

Art. 67. [...]


[...]
§ 4º-A A identificação das partes e a apresentação dos documentos exigidos pela
lei civil para fins de habilitação poderão ser realizadas eletronicamente mediante
recepção e comprovação da autoria e da integridade dos documentos. (Incluído
pela Lei nº 14.382, de 2022)

O art. 1.527, CC disciplina a publicação dos proclamas do casamento. Assim, se o


oficial de registro público verificar que a documentação apresentada pelos nubentes
(art. 1.525, CC) está regular, extrairá o edital dos proclamas, que será afixado em local
visível, durante 15 dias, nas circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes, e,
obrigatoriamente, se publicará na imprensa local, se houver, a fim de tornar pública a
pretensão dos nubentes em se casarem, permitindo a qualquer pessoa que tenha
conhecimento de impedimento ou de causa suspensiva indicá-los ao oficial, para decisão
do juiz.
A Lei do SERP alterou a Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73), permitindo
que a publicidade dos dos proclamas por meio eletrônico, tornando mais célere a
expedição do certificado de habilitação e a realização do casamento em qualquer
serventia de registro civil de pessoas naturais:

Art. 67. [...]


§ 1º Se estiver em ordem a documentação, o oficial de registro dará publicidade,
em meio eletrônico, à habilitação e extrairá, no prazo de até 5 (cinco) dias, o
certificado de habilitação, podendo os nubentes contrair matrimônio perante
qualquer serventia de registro civil de pessoas naturais, de sua livre escolha,
observado o prazo de eficácia do art. 1.532 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro
de 2002 (Código Civil). (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)

Conforme o parágrafo único do art. 1.527, CC, a publicação do edital de


proclamas poderá ser dispensada pela autoridade competente pela homologação do
casamento em
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casos de urgência. Carlos Roberto Gonçalves (2023, p. 25) exemplifica alguns casos de
urgência, uma vez que a lei não especifica: “Tais motivos podem ser, por exemplo, moléstia
grave ou iminente risco de vida de um dos cônjuges; viagem imprevista e demorada;
prestação de serviço público obrigatório, inadiável e que determine, para seu
desempenho, a ausência temporária do domicílio; parto próximo da futura mulher etc.”.
O art. 69 da Lei n. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), alterado pela Lei do SERP
(Lei n. 14.382/22), estabelece que a dispensa da publicação eletrônica dos proclamas
será requerida pelos nubentes em petição dirigida ao oficial de registro, justificando os
motivos de urgência e apresentando provas do alegado no prazo de 24 horas. No mesmo
prazo de 24 horas, o oficial de registro poderá dispensar ou não a publicação eletrônica.
Desta decisão caberá recurso ao juiz corregedor (§ 2º do art. 69, Lei n. 6.015/73).
Os impedimentos2 e causas suspensivas3 serão opostos em declaração escrita e
assinada, instruída com as provas do fato alegado, ou com a indicação do lugar onde
possam ser obtidas (art. 1.529, CC). Na sequência o oficial do registro notificará os
nubentes mediante nota de oposição, com prazo de 24 horas (§ 5º do art. 67, da Lei n.
6.015/73, com nova redação pela Lei do SERP) para que indiquem as provas que
desejem produzir, apontando qual o tipo de impedimento, quem o opôs e quais as
razões (art. 1.530, CC), de modo a que possam defender-se, não sendo necessária a
intervenção de advogado, dada a natureza administrativa do processo de habilitação. Os
nubentes podem requerer prazo razoável para fazer prova contrária aos fatos alegados, e
promover as ações civis e criminais contra o oponente de má-fé (parágrafo único do art.
1.530, CC).
Após o prazo de 24 horas para indicação das provas a serem produzidas pelos
nubentes, o oficial do registro remeterá os autos ao juízo. Os nubentes e o oponente
terão o prazo de 3 (três) dias para produzir as provas. Em 5 (cinco) dias serão ouvidos os
interessados e o Ministério Público. Também no prazo de 5 (cinco) dias o juiz decidirá.
Este procedimento está previsto no (§ 5º do art. 67, da Lei n. 6.015/73, com a nova
redação da Lei n. 14.382/22).
Após o prazo da publicação dos proclamas ou após sua dispensa, não havendo
oposição de impedimentos ou causas suspensivas, o oficial do registro abrirá prazo para
o

2
Os impedimentos podem ser opostos até o momento da celebração do casamento (art. 1.522, CC)
3
As causas suspensivas podem ser opostas somente no prazo previsto no edital de proclamas.
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Ministério Público se manifestar sobre a regularidade da habilitação. Se houver


impugnação do Ministério Público os autos serão encaminhados ao juiz para decisão
sem cabimento de recurso (parágrafo único do art. 1.526, CC).
O art. 1.528, CC disciplina que o oficial do registro deve esclarecer os nubentes a
respeito dos fatos que podem ocasionar a invalidade do casamento, como, por exemplo,
os impedimentos matrimoniais e, ainda, sobre os diversos regimes de bens. A omissão
do dever de informação importará responsabilidade ao oficial, mas não comprometerá a
validade da habilitação.
O art. 68 da Lei n. 6.015/73 prevê o procedimento de justificação referente a algum
fato necessário à habilitação para o casamento, como exemplifica Carlos Roberto
Gonçalves:

[...] a possibilidade de um dos cônjuges demonstrar, por exemplo, mediante a


oitiva de testemunhas, que o outro encontra-se desaparecido há anos e,
portanto, impossibilitado de dar o consentimento para o casamento de filho
menor, a fim de que o peticionário possa dar sozinho, validamente, a necessária
anuência; de se proceder a eventual retificação de idade; de se corrigir algum
outro dado irreal sobre a pessoa do habilitando etc. (GONÇALVES, 2023, p.
26).

No procedimento de justificação o interessado apresentará sua dedução perante


o juiz competente mediante petição, com a indicação de testemunhas e apresentação
de documentos que comprovem sua alegação.
Se as formalidades previstas em lei (arts. 1.526 e 1.527, CC) forem devidamente
cumpridas, bem como verificada a inexistência de fato obstativo para o casamento, o
oficial do registro extrairá o certificado de habilitação (art. 1.531, CC), que é documento
indispensável para que haja celebração civil ou religiosa do casamento (art. 1.533, CC). A
eficácia da habilitação é de 90 dias, contados de quando foi extraído o certificado (art.
1.532, CC), ou seja, o casamento deve ser realizado neste período.

2.6 Celebração do casamento

A celebração do casamento é ato formal, público e solene, que envolve a


manifestação livre e consciente dos contraentes, o testemunho dos que se fazem
presentes e a declaração da autoridade judicial ou religiosa. Segundo Carlos Roberto
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Gonçalves (2023, p. 41), “Todos os sistemas jurídicos impõem a observância de


formalidades, com maiores ou menores minúcias, com a finalidade de destacar a
relevância especial das bodas.”
Após a expedição do certificado de habilitação, a autoridade celebrante fixará o dia,
hora e lugar, mediante petição dos contraentes, que se mostrem habilitados com a
certidão de habilitação (art. 1.533, CC).
Conforme o art. 1.534, CC a celebração do casamento ocorrerá na sede do
cartório ou em outro edifício público, com toda publicidade, a portas abertas, presentes
pelo menos 2 (duas) testemunhas, parentes ou não dos contraentes, que podem ser as
mesmas do processo de habilitação ou não. Sobre as testemunhas, esclarece Lôbo:

Não são impedidos os parentes em linha reta ou colateral, de qualquer grau,


ante as peculiaridades do casamento, pois essas pessoas, especialmente quando
a relação de parentesco é próxima, são as mais interessadas em sua
regularidade, presumindo-se que desejam a felicidade dos contraentes.
(LÔBO, 2022, p. 118).

Permite-se seja realizado em edifício particular (clubes, salões de festas, templos


religiosos, casa de um dos nubentes etc.), desde que haja consentimento da autoridade
celebrante. Neste caso, o local deverá permanecer com as portas abertas durante o ato
(art. 1.534, § 1º, CC), acessíveis a qualquer pessoa a fim de garantir a publicidade e
possibilitar a oposição de eventuais impedimentos. É necessária a presença de 4 (quatro)
testemunhas, número também exigido se algum dos contraentes não souber ou não puder
escrever (art. 1.534, § 2º, CC).
Na Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73) foi incluído o § 8º ao art. 67, pela Lei
n. 14.382/22 (Lei do SERP), que permite a celebração de casamento por videoconferência:
“§ 8º. A celebração do casamento poderá ser realizada, a requerimento dos nubentes,
em meio eletrônico, por sistema de videoconferência em que se possa verificar a livre
manifestação da vontade dos contraentes.”
O casamento é celebrado pelo presidente do ato, que deve ser o juiz de paz,
conforme o art. 98, II, CF e art. 30, ADCT. Entretanto, até o momento não foram criados
os juizados de paz no Brasil. Desta forma, a lei de organização judiciária de cada Estado é
que designa a autoridade competente para celebrar casamentos.
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O consentimento dos nubentes e a declaração da autoridade celebrante


integram os elementos nucleares do casamento. Assim, na celebração do casamento
civil devem estar presentes os contraentes, pessoalmente ou por procurador especial,
as testemunhas, o oficial do registro e o presidente do ato.
O consentimento será dito em voz alta perante o celebrante e as testemunhas,
assegurando a liberdade e a espontaneidade das manifestações dos contraentes, bastando
a simples palavra “sim”, em resposta à pergunta do presidente do ato, que, na
sequência declarará o casamento efetuado, nos seguintes termos: “De acordo com a
vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e
mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados” (art. 1.535, CC).
Flávio Tartuce (2022, p. 97) chama a atenção para redação confusa e arcaica da
declaração de casamento. Além disso, defende o autor que seriam possíveis variações
na forma de expressão, desde que não se prejudique a sua essência, justificando com o
art. 113, CC, pelo qual os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme os usos do
lugar de sua celebração, tendo como exemplo o caso de casamento homoafetivo, no
qual as expressões “marido e mulher” podem ser substituídas por cônjuges ou por outra
que os consortes preferirem (TARTUCE, 2022, p. 97).
É importante destacar o momento em que se considera realizado o casamento.
Neste sentido, conforme o art. 1.514, CC, logo após o juiz (presidente do ato) declarar os
contraentes casados o ato está concluído, independentemente da lavratura do assento no
registro. Portanto, sem a declaração do celebrante o casamento perante o nosso direito
é inexistente.
Após a celebração do casamento será lavrado o assento no livro de registro, com
as assinaturas do presidente do ato, cônjuges, testemunhas e oficial do registro, no qual
serão anotados os dados essenciais que integram o ato, tais como: os nomes e as
qualificações dos cônjuges, de seus respectivos pais e das testemunhas, a data da
publicação dos proclamas, a data da celebração e da relação dos documentos
apresentados, conforme o art. 1.536, CC.
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2.7 Suspensão da cerimônia de casamento

As manifestações de vontade dos nubentes, de forma livre e inequívoca, são a


causa geradora do casamento. É condição essencial de sua validade. Por isso, não há
casamento válido se um dos nubentes não estiver em seu pleno discernimento ou se
não tiver intenção real de se casar.
Neste sentido, o art. 1.538, CC estabelece três causas que ocasionam a
suspensão da celebração do casamento: recusar a solene afirmação da sua vontade; declarar
que esta não é livre e espontânea; manifestar-se arrependido.
Prescreve, ainda, o parágrafo único do art. 1.538, CC, que o nubente que der
causa à suspensão do ato não poderá retratar-se no mesmo dia. “Essa regra será aplicada
mesmo se a manifestação tiver sido feita em tom jocoso (animus jocandi) ou de
brincadeira.” (TARTUCE, 2022, p. 99).
Essa regra foi aplicada em caso divulgado nas mídias sociais em 20234:
https://www.youtube.com/watch?v=HK_LlZF1aOU (TV Migalhas). Trata-se de um
momento solene em que não cabem brincadeiras.
O casamento não é cancelado, mas sim suspensa a cerimônia, que pode ser
remarcada para outro dia, “se o nubente se retratar do arrependimento, dentro do
prazo de noventa dias contados da data em que foi extraído o certificado de habilitação
pelo oficial do registro. Ultrapassado esse prazo, outra habilitação deverá ser
promovida.” (LÔBO, 2022, p. 119).

2.8 Modalidades especiais de celebração de casamento

Há situações especiais que não permitem a observância do modelo legal de


solenidade da celebração do casamento, conforme acima estudado. Nestas situações a
celebração será realizada de forma diferenciada.

4
O caso ocorreu em São Paulo, no ano de 2016, mas ganhou as redes sociais no início de 2023, quando o
noivo publicou o vídeo. Segundo informações do próprio noivo, o casamento foi realizado no mesmo dia,
após muita insistência. (https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/02/13/noiva-diz-nao- de-
brincadeira-e-juiz-cancela-casamento-em-sp.htm)
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2.8.1 Casamento nos casos de moléstia grave

O art. 1.539, CC prevê a hipótese de celebração do casamento no caso de um dos


nubentes estar acometido por moléstia grave. Neste caso, o presidente do ato celebrará
o casamento onde se encontrar a pessoa impedida (ex.: hospital), inclusive à noite se for
urgente, na presença de duas testemunhas que saibam ler e escrever.
Esta excepcionalidade na celebração do casamento será aplicada somente nos
casos de moléstia grave que efetivamente impossibilitem o nubente de aguardar a
celebração futura do casamento, em lugar diverso daquele em que se encontra, não sendo
aconselhável a sua locomoção. “Moléstia grave deve ser reputada aquela que pode
acarretar a morte do nubente em breve tempo, embora o desenlace não seja iminente,
e cuja remoção o sujeita a riscos.” (GONÇALVES, 2023, p. 54).
Segundo Flávio Tartuce (2022, p. 99) e Paulo Lôbo (2022, p. 121) a urgência
dispensa o processo de habilitação anterior. Carlos Roberto Gonçalves (2023, p. 54), por
sua vez, afirma que, nesta situação “pressupõe-se que já estejam satisfeitas as
formalidades preliminares do casamento e o oficial do registro civil tenha expedido o
certificado de habilitação ao casamento, mas a gravidade do estado de saúde de um dos
nubentes o impede de locomover-se e de adiar a cerimônia.” (GONÇALVES, 2023, p. 54).
Todavia, Gonçalves (2023, p. 54) também prevê a possibilidade de dispensa da
publicação dos proclamas, em virtude da urgência, devendo a autoridade celebrante
exigir somente a apresentação dos documentos necessários.
Devido à urgência, a autoridade competente para o casamento civil (juiz de paz)
poderá ser substituída por qualquer de seus substitutos legais (suplentes) em caso de falta
ou impedimento para realização da celebração. Já o oficial do Registro Civil pode ser
nomeado ad hoc (para o ato) pelo presidente do ato (§ 1º, art. 1.539, CC) e lavrará o
termo avulso da celebração, devendo levá-lo no prazo de cinco dias ao registro civil,
juntamente com duas testemunhas, para seu arquivo (§ 2º, art. 1.539, CC).
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2.8.2 Casamento nuncupativo ou in extremis vitae momentis ou in articulo mortis

O art. 1.540, CC trata de outra hipótese de celebração do casamento em situação


extrema, ou seja, iminente risco de vida (in extremis vitae momentis), dispensando-se o
processo de habilitação e até a presença do celebrante, conforme exemplifica Arnaldo
Rizzardo:

Assim ocorre, por exemplo, “quando um dos nubentes é ferido por disparo de
arma de fogo, ou sofre grave acidente, ou, ainda, é vítima de mal súbito, em que
não há a mínima esperança de salvação, e a duração da vida não poderá ir
além de alguns instantes ou horas. Nestas desesperadoras circunstâncias,
pode a pessoa desejar a regularização da vida conjugal que mantém com
outra, ou pretender se efetive o casamento já programado e decidido, mas
ainda não providenciado o encaminhamento” (RIZZARDO apud GONÇALVES,
2023, p. 54).

Paulo Lôbo (2021, p. 121) explica que o termo jurídico nuncupativo diz respeito
ao ato não escrito, ao que é só oral ou de nome, quando circunstâncias excepcionais
admitem que seja afastada a forma escrita ou solene exigida em lei, tais como situações
de guerra, conflitos armados ou calamidades naturais, que impedem a presença da
autoridade competente para celebrar o casamento.
Assim, a celebração do casamento nuncupativo será realizada diretamente pelos
nubentes, que manifestarão sua vontade em se casar (de viva voz) perante 6 (seis)
testemunhas, que não poderão ter relação de parentesco com os nubentes, em linha
reta ou até o segundo grau (irmãos), conforme o art. 1.540, CC.
No prazo de 10 (dez) dias após a realização do casamento nuncupativo, as
testemunhas, depositárias das declarações de vontade dos nubentes, devem
comparecer perante a autoridade judicial mais próxima para confirmar a vontade dos
nubentes mediante termo de declaração, nos termos do art. 1.541, CC. Se as
testemunhas não comparecerem espontaneamente, qualquer interessado poderá
requerer a sua intimação (art. 76, § 1º da Lei n. 6.015/73)
Será instaurado um procedimento de jurisdição voluntária, com intervenção do
Ministério Público (art. 76 da Lei n. 6.015/73). O juiz procederá às diligências necessárias
para verificar se os contraentes podiam ter-se habilitado na forma ordinária, ouvidos os
interessados que o requererem, dentro em quinze dias (art. 1.541, § 1º, CC). Após as
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diligências proferirá sentença, da qual caberá apelação em ambos os efeitos. Com o


trânsito em julgado o juiz mandará registrar a sentença no Livro do Registro dos
Casamentos, retroagindo os efeitos, quanto ao estado dos cônjuges, à data da
celebração (art. 1.541, § 4º, CC).
Prevê § 5º do art. 1.541, CC a dispensa das formalidades acima referidas para
verificar a idoneidade da vontade, quando o enfermo convalescer e puder ratificar o
casamento na presença da autoridade competente e do oficial do registro. Carlos
Roberto Gonçalves (2023, p. 55) destaca que não se trata de novo casamento, mas de
confirmação do já realizado e, não havendo a ratificação, após a convalescença, não tem
valor o casamento.
A ratificação será desnecessária se o enfermo convalescer somente após a
transcrição no Registro Civil da sentença que julgou regular o casamento.

2.8.3 Casamento por procuração

Um ou ambos ou nubentes podem ser representados por procurador (art. 1.542,


CC) quando estejam impossibilitados de comparecer pessoalmente perante a autoridade
competente. A doutrina majoritária entende que os nubentes não podem estar
representados pelo mesmo e único procurador (TARTUCE, 2022, p. 102), uma vez que a
lei determina que um nubente “receba” o outro como marido ou mulher.
A procuração ad nuptias deve ser por instrumento público, com poderes
especiais. O mandato possui eficácia de 90 dias, mesmo que não expresso no próprio
instrumento (art. 1.542, § 3º, CC).
A revogação do mandato também deve ser realizada por instrumento público
(art. 1.542, § 4º, CC) e torna ineficaz a manifestação do procurador no casamento que
eventualmente tenha se realizado, mesmo que o mandatário e o outro nubente
desconheçam a revogação (art. 1.542, § 1º, CC), pois os seus efeitos não decorrem do
conhecimento do mandatário.
O casamento realizado após a revogação do mandato é anulável, desde que não
tenha havido coabitação entre os cônjuges (art. 1.550, V, CC). O mandante também
pode
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vir a responder por perdas e danos ao deixar de dar conhecimento da revogação ao


mandatário. A pretensão de perdas e danos pode ser do outro nubente.
Se o mandante falecer antes da celebração do casamento, sem que o mandatário
e o outro nubente saibam, o casamento eventualmente celebrado será declarado
inexistente, não se aplicando o art. 689, CC, que prevê a proteção dos interesses dos
terceiros de boa-fé que realizaram negócios com o mandatário, sem que este e aqueles
soubessem do falecimento do mandante (LÔBO, 2022, p. 119).
No casamento nuncupativo o nubente que não estiver em iminente risco de vida
poderá ser representado por procurador (art. 1.542, § 2º, CC).

2.8.4 Casamento religioso com efeitos civis

O casamento religioso com efeitos civis está previsto no art. 226, § 2º, CF/88, nos
arts. 71 a 75 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973) e nos arts. 1.515 e 1.516, CC.
Conforme explica Flávio Tartuce (2022, p. 103), o termo religioso deve ser lido
em sentido amplíssimo, englobando qualquer religião, com fundamento no direito
fundamental à liberdade de credo previsto no art. 5º, VI, da Constituição Federal.
Paulo Lôbo (2022, p. 106) também destaca a liberdade de credo, supondo
organização mínima decorrente de seus locais de culto e de suas liturgias, conforme
explica:

Assim, sem locais de culto e liturgias praticadas e que não contrariem os


fundamentos da ordem jurídica brasileira, não haverá confissão religiosa
reconhecida e, consequentemente, não será considerada válida a celebração do
casamento. A organização religiosa que tiver outras finalidades que não incluam
a da prática de culto (por exemplo, apenas filantropia) não poderá celebrar
casamento. (LÔBO, 2022, p. 106).

Os requisitos do casamento religioso são os mesmos do casamento civil (art.


1.516, CC) e pode ou não ser precedido do processo de habilitação.
Quando realizado previamente o processo de habilitação (art. 1.516, § 1º, CC), o
registro civil do casamento religioso deverá ser promovido no prazo decadencial de 90 dias
a contar de sua celebração, mediante comunicação do celebrante ao ofício competente,
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ou por iniciativa de qualquer interessado. Após o prazo decadencial deve ser realizado
novo processo de habilitação para que o casamento religioso seja registrado.
Paulo Lôbo (2022, p. 106) explica que o dever de comunicar ao ofício competente
é do celebrante e sua falta leva à responsabilidade civil pelos danos materiais e morais que
sua omissão tenha causado.
Se o casamento religioso for celebrado sem o processo de habilitação, poderá ser
registrado a qualquer tempo no registro civil, a pedido do casal, desde que seja realizado
a posteriori o referido processo de habilitação perante a autoridade competente (art.
1.516, § 2º, CC). Não se verificando qualquer impedimento, o oficial realizará o registro
do casamento religioso com efeitos retroativos à data de sua celebração (efeitos ex
tunc).
Assim, os efeitos do casamento operam desde a celebração, ficando condicionados
ao registro público.
Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos
consorciados houver contraído com outrem casamento civil (art. 1.516, § 3º, CC), pois
não podem casar as pessoas casadas (art. 1.521, VI, CC).
Quanto ao regime de bens, se realizado pacto antenupcial antes do casamento
religioso prevalece o regime determinado pelo casal. Se não foi realizado pacto,
prevalece o regime legal, ou seja, o da comunhão parcial de bens, salvo nos casos de
separação obrigatória (GONÇALVES, 2023, p. 56).

2.8.5 Casamento perante autoridade consular

Os brasileiros podem casar-se no estrangeiro, de acordo com as seguintes


hipóteses:
a) casal brasileiro que se casa no estrangeiro perante autoridade estrangeira,
segundo as leis estrangeiras;
b) casal brasileiro que se casa no estrangeiro perante cônsul brasileiro, segundo
as leis brasileiras;
c) brasileiro(a) que se casa com estrangeira(o), perante autoridade estrangeira e
segundo as leis estrangeiras;
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d) brasileiro(a) que se casa com estrangeira(o), perante autoridade consular


brasileira e segundo as leis brasileiras. (LÔBO, 2022, p. 123).

Conforme o art. 1.544, CC, o casamento de brasileiro(a) no estrangeiro, em


qualquer das hipóteses acima, deverá ser registrado em 180 dias de seu ingresso no
Brasil, no cartório do domicílio que mantinha no Brasil, ou se não mantinha domicílio,
por ter-se desligado inteiramente dele e se transferido a outro no estrangeiro, o registro
deve se operar no 1º Ofício da Capital do Estado ou do Distrito Federal, em que passar a
residir.
Se os cônjuges não ingressarem juntos no Brasil, o prazo começará a fluir desde o
ingresso do primeiro, seja ele brasileiro ou estrangeiro.
Portanto, a eficácia, no Brasil, do casamento celebrado perante autoridade
diplomática ou consular é submetida à condição de efetivação de seu registro no território
nacional, conforme o art. 32, § 1º, da Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73).
Paulo Lôbo (2022, p. 123) alerta que o prazo de 180 dias é decadencial, isto é, se
for ultrapassado, o casamento fora do Brasil não produzirá efeitos perante as leis
brasileiras. Porém, Flávio Tartuce (2022, p. 105) afirma que o registro pode ocorrer mesmo
após o prazo, uma vez que o registro no Brasil é mero fator relativo à prova do
casamento no País, não influenciando na validade ou mesmo na eficácia do matrimônio.

2.9 Invalidade do casamento

A teoria das nulidades, constante na Parte Geral do Código Civil, regula a invalidade
dos atos ou negócios jurídicos. No caso do casamento, no entanto, existem normas
especiais quanto à sua invalidade, por se tratar de um negócio jurídico complexo e único
(sui generis). A aplicação das normas de teoria geral do negócio jurídico é subsidiária,
em casos excepcionais.
Os artigos 1.548 ao 1.564, CC tratam da “Da invalidade do casamento” (capítulo
VIII), que abrange a nulidade absoluta e a nulidade relativa (anulabilidade) do matrimônio,
referindo-se ao casamento realizado com um defeito que impede a formação de vínculo
matrimonial válido.
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Neste aspecto, a doutrina aponta três hipóteses de invalidade: casamento


inexistente, casamento nulo e casamento anulável. Em todos eles, a causa de extinção
do casamento é anterior à sua celebração (planos da existência e da validade), não se
confundindo com o divórcio, que tem como causa motivos posteriores à sua celebração
(plano da eficácia).

2.9.1 Casamento inexistente

Um ato inexistente é considerado “um nada para o direito”, ou seja, não


configura ato jurídico, permanecendo no mundos fatos. Assim, um casamento
inexistente é “não casamento”, pois não apresenta os seus pressupostos mínimos de
existência (elementos essenciais ou estruturais).
Flávio Tartuce (2023, p. 79), com base em Silvio Rodrigues, explica “que a teoria
da inexistência do casamento surgiu na Europa no século XIX (1808) para contornar o
problema do casamento entre pessoas do mesmo sexo, não tratado pelo Código Civil
Francês de 1804 como hipótese de nulidade absoluta.”
Não é unânime na doutrina a aceitação da teoria da inexistência do negócio
jurídico, porque o Código Civil a ela não se refere, por tratar-se de mero fato,
insuscetível de produzir efeitos jurídicos. No entanto, no que se refere ao casamento, o
seu estudo é importante, pois conforme explica Tartuce (2023, p. 79), nos concursos
públicos é comum a solicitação de questões envolvendo esta matéria, além da utilização
do recurso da ação declaratória de inexistência do casamento na prática do Direito de
Família.
Neste sentido, a doutrina aponta três hipóteses para o casamento inexistente:
entre pessoas do mesmo sexo, ausência da vontade e celebração por autoridade
incompetente.
A primeira hipótese (ausência de diversidade de sexo) perdeu o sentido a partir
da decisão do STF, em maio de 2011, que reconheceu a união homoafetiva como
equiparada à união estável para todos os efeitos, inclusive para conversão em
casamento (art. 1.726, CC).
No mesmo ano o STJ reconheceu por maioria de votos a viabilidade jurídica do
casamento entre pessoas do mesmo sexo (REsp 1.183.378/RS).
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A ausência de vontade também é motivo de inexistência do casamento, pois “o


elemento volitivo é o que diferencia os negócios jurídicos dos fatos naturais ou fatos
jurídicos stricto sensu.” (TARTUCE, 2023, p. 85). Os exemplos da doutrina são a coação
física ou vis absoluta, porque retira totalmente a vontade da pessoa ou o casamento por
pessoa sedada, drogada ou hipnotizada. Na prática é incomum encontrar tais casos, pois
a ausência de vontade deve se dar em todo o processo de habilitação e na celebração do
casamento.
A última hipótese de casamento inexistente é a sua celebração por autoridade
totalmente incompetente (incompetência ratione materiae), conforme os seguintes
exemplos:

São elencados os casos de casamento celebrado por juiz de direito – nas


hipóteses em que o juiz de paz ou de casamento for a autoridade competente

, por promotor de justiça, por delegado de polícia, somente perante a
autoridade eclesiástica – sem a conversão em casamento civil ou perante uma
autoridade local. Como autoridade local, podem ser citados os casamentos
celebrados pelos coronéis e fazendeiros, pelo interior do Brasil no passado.
(TARTUCE, 2023, p. 86).

Carlos Roberto Gonçalves (2023, p. 60) entende que o casamento inexistente


pela incompetência ratione materiae pode ser convalidado nos termos do art. 1.554, CC,
aplicando à hipótese a teoria da aparência. Todavia, tal posicionamento não é uniforme.
Flávio Tartuce (2023, p. 86) entende que o caso é de nulidade absoluta, por
desrespeito à forma (art. 166, IV e V, CC), podendo convalidar o ato com base no art. 1.554,
CC, mas com fundamento na boa-fé objetiva dos cônjuges, conforme explica o autor:

Por esse caminho, a título de exemplo, poderá ser convalidado pela


coabitação um casamento nulo que perdurou por muito tempo. Se
considerarmos que o casamento é inexistente nesse caso, haverá entre as
partes mera união estável, o que não se coaduna com a vontade dos
contraentes, que sempre quiseram o casamento. Esse entendimento, na
verdade, confirma a tese de que a teoria da inexistência pode gerar situações
injustas e que, para o casamento, em alguns casos, deve-se buscar socorro na
teoria das nulidades prevista na Parte Geral do Código Civil. (TARTUCE, 2023, p.
86)

Em princípio, se o casamento é inexistente pelos motivos acima apontados e o


ato inexistente é um “nada para o Direito”, não é necessário qualquer tipo de
procedimento judicial para afastar efeitos jurídicos. No entanto, para algumas situações é
necessária ação
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específica, que segue “as mesmas regras previstas para a ação de nulidade absoluta, tais
como a inexistência de prazos para sua declaração (não sujeita à decadência), a
possibilidade de sua propositura pelo Ministério Público e efeitos retroativos da
sentença (ex tunc).” (TARTUCE, 2023, p. 87). Também pode ser conhecida de ofício pelo
juiz, como nas hipóteses de casamento celebrado por autoridade absolutamente
incompetente, em razão da matéria.

2.9.2 Casamento nulo

As hipóteses de nulidade absoluta do casamento estão no art. 1.548, CC e se


restringem aos impedimentos matrimoniais (art. 1.521, CC), pois a outra causa,
deficiência mental, foi abolida pela Lei n. 13.146/ 2015 (Estatuto da Pessoa com
Deficiência), porque não importa incapacidade civil para casar. Trata-se de um rol
taxativo, que não admite interpretação extensiva.
A ação declaratória de nulidade absoluta de casamento é imprescritível (art. 169,
CC) e pode ser promovida por qualquer interessado ou pelo Ministério Público (art.
1.549, CC). Paulo Lôbo cita alguns casos de pessoas interessadas na declaração de
nulidade do casamento:

Significa dizer que o autor da ação há de provar o interesse legítimo na


nulidade do casamento, em razão de laços familiares ou de parentesco ou
quando terceiro for afetado juridicamente por ele. O outro cônjuge é o
principal interessado na dissolução do casamento. Quando um dos cônjuges
for casado, é interessado seu primeiro cônjuge. Na relação de parentesco, são
interessados todos os parentes em linha reta ou até o terceiro grau em linha
colateral. É também interessado o credor cuja garantia patrimonial do crédito
seja reduzida em virtude do casamento do devedor (regime matrimonial de
bens). (LÔBO, 2022, p. 128).

Embora o impedimento matrimonial possa ser declarado de ofício pelo juiz, de


acordo com o art. 1.522, CC, Paulo Lôbo (2022, p. 127) e Carlos Roberto Gonçalves
(2023,
p. 61) afirmam que não é possível a declaração da nulidade do casamento de ofício pelo
juiz.
O foro competente para a ação declaratória de nulidade do casamento é definido
pelo art. 53, CPC: foro de domicílio do guardião do incapaz; não havendo filho incapaz será
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é o do último domicílio do casal; será competente o foro de domicílio do réu, se


nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal.
Enquanto não declarado nulo por decisão judicial transitada em julgado, o
casamento existe e produz efeitos, incidindo todas as regras sobre efeitos do casamento
(deveres dos cônjuges e regimes de bens). A sentença possui efeitos retroativos, ou seja,
ex tunc (art. 1.563, CC).
Todas as relações jurídicas decorrentes do casamento declarado nulo serão, em
princípio, desfeitas. Entretanto, alguns efeitos poderão persistir, tornando a retroatividade
relativa, para proteção dos direitos de terceiros de boa-fé, que nessa qualidade os
adquiriram (art. 1.563, parte final, CC). “De boa-fé estiveram os terceiros que
celebraram atos jurídicos com os cônjuges, em desconhecimento da existência de
impedimentos matrimoniais.” (LÔBO, 2022, p. 129).

2.9.3 Casamento anulável

As causas de anulabilidade (nulidade relativa) do casamento estão elencadas nos


art. 1.550, CC, complementadas pelos arts. 1.556 e 1.558, CC, considerado rol taxativo
(numerus clausus).
a) A primeira hipótese, prevista no art. 1.550, I, CC, é do casamento de quem não
completou a idade mínima para se casar, ou seja, 16 anos. O art. 1.552, CC estabelece os
legitimados para requerer a anulação do casamento: o próprio menor, seus representantes
legais ou seus ascendentes. A ação anulatória deve ser proposta no prazo decadencial de
180 dias, iniciando-se a contagem conforme as regras estabelecidas no § 1º do art.
1.560, CC:
– se a ação for proposta pelo próprio menor, devidamente representado, o prazo
será contado a partir do momento em que completar a idade núbil (16 anos).
– se a ação for proposta pelo representante legal ou ascendente, o prazo será
contado a partir do momento em que o casamento foi celebrado.
O casamento daquele que casou antes de completar a idade núbil pode ser
convalidado em duas hipóteses:
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i) quando resultar gravidez, conforme previsão do art. 1.551, CC. Prevalece a norma
constitucional que visa o amparo à família;
ii) confirmação do casamento pelo menor, após completar a idade núbil, com
autorização de seus representantes legais, se necessária, ou com suprimento judicial, de
acordo com o art. 1.553, CC.

b) O art. 1.550, II, CC prevê como hipótese de anulação o casamento do menor


em idade núbil (maior de 16 e menor de 18 anos), sem autorização do representante
legal (pais ou tutor). A ação anulatória também deve ser proposta no prazo decadencial
de 180 dias, pelo próprio incapaz, quando tornar-se capaz, por seus representantes
legais ou por seus herdeiros necessários, conforme o art. 1.555, caput, CC. O termo
inicial do prazo decadencial está estabelecido no § 1º do art. 1.555, CC, conforme as
circunstâncias:
– se a ação for proposta pelo menor, o prazo será contado a partir do momento em
que completar 18 anos;
– se a ação for proposta pelo representante legal, o prazo será contado a partir
da celebração do casamento; e
– sendo proposta a ação por herdeiro necessário, o prazo será contado da data
do óbito do menor.
O casamento será convalidado quando à sua celebração tiverem assistido os
representantes legais do menor, ou se esses representantes tiverem manifestado a sua
aprovação (art. 1.555, § 2º, CC). Assim, se os representantes não autorizaram o casamento,
mas estavam presentes à celebração e não a impediram, significa que concordaram
tacitamente com o enlace. A impossibilidade de se anular o referido casamento está de
acordo com a boa-fé objetiva, principalmente a vedação do comportamento
contraditório (venire contra factum proprium).

c) A terceira causa de anulação de casamento é o erro essencial quanto à pessoa


do outro cônjuge, previsto no art. 1.550, III c/c os artigos 1.556 e 1.557, CC. Segundo Paulo
Lôbo (2022, p. 133), esta é a principal causa de anulação de casamento na casuística dos
tribunais.
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Trata-se do error in persona, ou seja, a pessoa se engana sozinha quanto à


pessoa do outro, sendo esse o requisito essencial para a anulação do casamento (art.
1.556, CC). Diz respeito às qualidades essenciais da pessoa, ou seja, suas características
morais, intelectuais, espirituais, físicas, socioprofissionais, que a distinguem das outras
pessoas.” (LÔBO, 2022, p. 133).
O art. 1.557, CC indica um rol taxativo de situações que caracterizam o erro
essencial quanto à pessoa do outro cônjuge:
i) referente à identidade, honra e boa fama. O conhecimento posterior ao
casamento, pelo nubente enganado, torna a vida em comum insuportável.

Vários são os exemplos apontados pela doutrina e jurisprudência sendo


interessante citar os seguintes: casamento celebrado com homossexual, com
bissexual, com transexual operado que não revelou sua situação anterior, com
viciado em tóxicos, com irmão gêmeo de uma pessoa, com pessoa violenta, com
viciado em jogos de azar, com pessoa adepta de práticas sexuais não
convencionais, entre outras hipóteses (DINIZ, Maria Helena. Código..., 2010, p.
1.087). (TARTUCE, 2023, p. 97)

É necessário que o cônjuge enganado apresente provas sobre a situação de


gravidade que diz respeito à honra e boa fama do outro, que eram por ele
desconhecidas antes do casamento, pois sua anulação ocorre somente em caráter
excepcional. Por outro lado, “não há necessidade que tenha havido intenção dolosa de
ocultação ou de dissimulação do temperamento ou do caráter reais pelo cônjuge, pois a
intensidade deles pode ser apenas sentida na convivência, de onde resulta a
insuportabilidade da convivência.” (LÔBO, 2022, p. 134).
ii) ignorância de crime anterior ao casamento e que, por sua natureza, torne
insuportável a vida conjugal. Não há necessidade do trânsito em julgado da sentença penal,
pois prevalece o requisito da insuportabilidade da vida em comum e a repercussão
social do crime, como, por exemplo, casar-se com um grande traficante de drogas,
desconhecendo essa característica do outro cônjuge (TARTUCE, 2023, p. 97).
iii) ignorância anterior ao casamento de defeito físico irremediável, que não
caracterize deficiência, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou pela herança,
capaz de colocar em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência.
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O defeito físico é o não aparente e que tenha relação com a vida em comum,
conforme explica Paulo Lôbo:

Se o defeito físico impede a relação sexual, como no caso da impotência, o


casamento pode ser anulado. Considera-se a impotência coeundi, ou seja, que
impede a relação sexual [disfunção], tanto no homem quanto na mulher; não
sendo relevante para o erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge a
impotência generandi, que impede a gravidez. A impotência pode ser física e
pode ter natureza psíquica, diagnosticada pela perícia médica como
irremediável; em ambos os casos há defeito físico, para os fins do art. 1.557
do CC/2002. (LÔBO, 2022, p. 135).

Paulo Lôbo (2022, p. 135) explica, ainda, que a esterilidade masculina


(impotência generandi – para gerar filhos) ou feminina (impotência concipiendi – para
conceber) não é causa de anulação do casamento, haja vista que não é sua finalidade
exclusiva a procriação.
A moléstia deve ser grave e transmissível, desconhecida do cônjuge, mas anterior
ao casamento, inclusive genética, e não adquirida após a celebração. “Não se exige que
o cônjuge enganado já tenha sido vítima de contágio, causando-lhe dano; é bastante a
exposição ao risco à sua saúde e de sua descendência.” (LÔBO, 2022, p. 135). Flávio Tartuce
cita alguns exemplos de moléstias graves e transmissíveis: “tuberculose, AIDS, hepatite e
sífilis. Em todos os casos relacionados, há presunção absoluta ou iure et de iure da
insuportabilidade da vida em comum, razão pela qual ela não é mencionada na lei.
(TARTUCE, 2023, p. 98).
O inciso IV do art. 1.557, CC foi revogado pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência (Lei n. 13.146/15), que previa a ignorância, anterior ao casamento, de doença
mental grave que, por sua natureza, tornasse insuportável a vida em comum. Flávio
Tartuce (2023, p. 98) cita os exemplos que eram mencionados: esquizofrenia, a
psicopatia, a psicose, a paranoia, entre outros. Atualmente essas não são causas de
anulação do casamento.
A anulação do casamento por erro a respeito de pessoa deve ser requerida no prazo
decadencial de 3 anos, contados da celebração do casamento (art. 1.560, III, CC),
somente pelo cônjuge que incidiu em erro (art. 1.559, CC).
A parte final do art. 1.559, CC prevê que a coabitação posterior, havendo ciência do
vício, convalida o casamento, salvo no caso de defeito físico irremediável, moléstia grave
ou doença mental grave (art. 1.557, III, CC).
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d) O casamento também pode ser anulado se foi celebrado sob coação moral ou
vis compulsiva5, com fundamento nos arts. 1.550, III e 1.558, CC. Trata-se de vício da
vontade ou do consentimento, podendo-se observar, também, o art. 151, CC (TARTUCE,
2023, p. 95).
O prazo para sua anulação é decadencial de 4 anos, contados da celebração do
casamento (art. 1.560, IV, CC), sendo admitida a propositura somente pelo cônjuge que
sofreu a coação (art. 1559, CC).
O casamento nesta situação também pode ser convalidado quando houver
posterior coabitação voluntária entre os cônjuges e ciência do vício (art. 1.559, CC), pelo
tempo que o juiz entender que é razoável (TARTUCE, 2023, p. 96). Gonçalves (2023, p.
69) explica que “não terá, porém, esse condão a coabitação que também é uma
decorrência da violência ou da grave ameaça exercidas quando da manifestação do
consentimento.”

e) A quinta hipótese de anulação de casamento refere-se à incapacidade de


consentir e de manifestar de forma inequívoca a sua vontade (art. 1.550, IV, CC).
Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2023, p. 70) e Flávio Tartuce (2023, p. 100) abrange
a hipótese mencionada no inciso III do art. 4º do Código Civil, ou seja, “aqueles que, por
causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade”, que exigem
assistência do representante legal.
A causa permanente ou transitória que impede a manifestação de vontade pode
decorrer de alguma patologia, tal como “arteriosclerose, excessiva pressão arterial,
paralisia, embriaguez não habitual, uso eventual e excessivo de entorpecentes ou de
substâncias alucinógenas, hipnose ou outras causas semelhantes, mesmo não
permanentes” (GONÇALVES, 2023, p. 70).
Paulo Lôbo também cita algumas circunstâncias eventuais: “quando estiver sob
efeito de drogas ou psicotrópicos que atuem sobre o psiquismo, a atividade mental, o

5
Carlos Roberto Gonçalves (2023, p. 69) explica a diferença nas formas de coação: “Trata-se de coação moral
ou relativa (vis compulsiva), que constitui vício do consentimento. Nesta, deixa-se uma opção ou escolha à
vítima: praticar o ato exigido pelo coator ou correr o risco de sofrer as consequências da ameaça por ele
feita. Trata-se, portanto, de uma coação psicológica. A coação física ou absoluta (vis absoluta), mais rara e
que se caracteriza pelo uso da violência atual, torna o casamento inexistente, em razão da ausência de
manifestação da vontade.”
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comportamento, a percepção, de modo a impedir a exata compreensão de seus atos.”


(LÔBO, 2022, p. 130).
Cabe ressaltar o § 2º do art. 1.550, CC, incluído pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência (Lei n. 13.146/15), que prevê a validade do casamento das pessoas com
deficiência mental ou intelectual em idade núbil.
A ação anulatória do casamento decorrente da incapacidade de consentir deve
ser proposta no prazo decadencial de 180 dias, contados da celebração do casamento
(art. 1.560, I e seu § 1º, CC).
São legitimados ativos o próprio incapaz, ao alcançar a capacidade, seus
representantes e seus herdeiros necessários. “Os herdeiros possuem induvidosamente
interesse na propositura da ação, em face dos efeitos econômicos que resultarem da
procedência da lide. Aumentarão, a toda evidência, seus quinhões” (RIZZARDO apud
GONÇALVES, 2023, p. 70).

f) A penúltima causa de anulação de casamento refere-se à revogação do mandato,


quando realizado por procuração, sem que o outro cônjuge e o procurador tenham
tomado conhecimento antes da celebração (art. 1.550, V, CC). Exige-se, para a anulação,
não tenha havido coabitação entre os cônjuges, pois este fato torna sem efeito a
revogação, retroativamente. Conforme explica Flávio Tartuce (2023, p. 102), “a questão da
prova da manutenção de relação sexual, mais uma vez repise-se, não será tão simples.
De qualquer forma, em situações de dúvida, deve-se entender pela manutenção do
casamento quando houver coabitação (in dubio pro casamento).”
Se houver decisão judicial que decrete a invalidade do mandato e que não tenha
chegado ao conhecimento do procurador de um dos cônjuges e do outro cônjuge antes
da celebração, também será causa para anular o casamento, equiparando-se à
revogação do mandato.
Equipara-se à revogação, com os mesmos efeitos, a decisão judicial que decretar
a invalidade do mandato e que não tenha chegado ao conhecimento do procurador de
um dos cônjuges e do outro cônjuge antes da celebração (§ 1º do art. 1.550, CC).
O prazo para anulação do casamento é de 180 dias, a partir da data em que o
mandante tiver conhecimento da celebração, conforme o § 2º do art. 1.550, CC.
Conforme
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explica Flávio Tartuce (2023, p. 102) a anulação do casamento cabe somente ao mandante,
que detém a titularidade dessa ação personalíssima.

g) A última hipótese de anulação de casamento celebrado por autoridade


celebrante incompetente (art. 1.550, VI, CC).
Como o Código Civil não distingue se se trata de incompetência em razão do
lugar ou da matéria, Carlos Roberto Gonçalves (2023, p. 71) explica que na doutrina
predomina o entendimento de somente acarreta a anulabilidade a incompetência
ratione loci ou ratione personarum (quando o celebrante preside a cerimônia nupcial fora do
território de sua circunscrição ou o casamento é celebrado perante juiz que não seja o do
local da residência dos noivos).
Se a autoridade é incompetente em razão da matéria (ratione materiae), como, por
exemplo, não é juiz de paz, mas promotor de justiça, prefeito ou delegado de polícia,
não é caso de anulação, mas sim de casamento inexistente, exceto na hipótese do art.
1.554, CC, que considera subsistente o casamento celebrado por pessoa que, embora não
possua a competência exigida na lei, exerce publicamente as funções de juiz de
casamentos, aplicando, assim, à hipótese a teoria da aparência (GONÇALVES, 2023, p.
71).
O prazo para requerer a anulação do casamento é de 2 anos a contar da data da
celebração (art. 1.560, II, CC) e cabe somente aos cônjuges, únicos interessados.

2.9.3.1 Efeitos do casamento anulável

Consoante o princípio da não intervenção, a anulabilidade do casamento não


pode ser reconhecida de ofício. Assim, se não for proposta pelos legitimados, nos prazos
decadenciais previstos, o casamento convalesce, reputando-se válido.
Flávio Tartuce (2023, p. 104) defende a produção de efeitos retroativos (ex tunc)
parciais à sentença anulatória do casamento, buscando voltar à situação primitiva, anterior
à celebração do negócio anulado, se isso for possível, conforme o art. 182, CC. No caso em
questão, os cônjuges voltarão ao estado de solteiros com a anulação do casamento.
O tema, no entanto, não é pacífico, havendo corrente clássica (minoritária), mas
com nomes importantes (Maria Helena Diniz, Carlos Roberto Gonçalves, Arnaldo
Rizzardo,
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Caio Mário da Silva Pereira, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery), que defendem a
produção de efeitos ex nunc (somente para o futuro) à sentença de anulação do
casamento, transitada em julgado, com fundamento no art. 177, CC.
O casamento nulo ou anulável pode gerar efeitos em relação à pessoa que o
celebrou de boa-fé (cônjuges) e aos filhos, sendo denominado casamento putativo, o
que será visto na sequência.

2.9.4 Casamento putativo

“A expressão putare, de origem latina, quer dizer crer, imaginar, pensar.


Portanto, casamento putativo é o casamento que existe na imaginação do contraente de
boa-fé.” (TARTUCE, 2023, p. 106).
O casamento putativo é aquele que foi constituído com infringência dos
impedimentos matrimoniais (art. 1.521, CC) ou das causas suspensivas (art. 1.523,CC),
sendo, portanto, nulo e anulável, respectivamente, quando um ou ambos os cônjuges
desconheciam o fato obstativo.
Presume-se a boa-fé subjetiva do cônjuge que acredita plenamente na validade
do seu casamento, o que permite a permanência dos efeitos do casamento declarado nulo
ou anulável.
Segundo Paulo Lôbo (2022, p. 138), a origem do casamento putativo é canônica,
desenvolvido durante a Idade Média, motivado pela necessidade prática e por
imperativo moral de atender à proteção dos filhos havidos de matrimônio efetivamente
celebrado, ainda que depois fosse declarado nulo por haver impedimento de parentesco
(questão que, na época, era difícil de identificar, dada a inexistência de registro público).
Conforme o art. 1.561, CC, o casamento contraído de boa-fé por ambos os cônjuges
produz todos os seus efeitos, até a sentença de invalidação, tanto em relação a eles quanto
a seus filhos.
Maria Berenice Dias, citada por Flávio Tartuce (2023, p. 107) explica “que a ação
anulatória produz efeitos ex tunc; porém, reconhecida a boa-fé, os efeitos da
desconstituição do casamento só vigoram a partir do seu trânsito em julgado (efeitos ex
nunc), o que seria exceção à regra.”
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Neste sentido, “a invalidação produz consequências semelhantes ao do divórcio


consensual, em relação à partilha dos bens, observado o regime matrimonial adotado, à
guarda dos filhos e ao pagamento de pensão alimentícia.” (LÔBO, 2022, p. 138).
Entretanto, se somente um dos cônjuges casou-se de boa-fé, desconhecendo o fato
obstativo, os efeitos civis só a ele aproveitam (§ 1º, art. 1.561, CC), tais como o direito
de usar o nome, a emancipação, a pensão alimentícia, que são direitos existenciais da
personalidade do cônjuge de boa-fé e que devem persistir, como regra, em virtude do
princípio constitucional que visa à proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III,
CF/88) (TARTUCE, 2023, p. 108).
Os efeitos da invalidação retroagem em relação ao cônjuge de má-fé, como se
casamento não tivesse havido. O patrimônio considerado comum e adquirido na
constância do casamento é partilhado entre os cônjuges, independentemente de ter
havido ou não participação para sua aquisição. (LÔBO, 2022, p. 139).
Em relação aos filhos nada altera sobre a boa ou má-fé de seus pais ou da
invalidação do casamento putativo. Os direitos derivados da filiação são mantidos, tais
como nome familiar, obrigações derivadas do poder familiar, alimentos, direitos
sucessórios. Os pais, embora não sejam mais cônjuges entre si, em decorrência da
invalidação do casamento putativo, mantém seus direitos quanto aos filhos, como
regime de guarda, pois o poder familiar e os registros públicos permanecem inalterados.

2.10 Prova do casamento

Conforme o art. 1.543, CC o casamento celebrado no Brasil prova-se pela


certidão que o oficial extrai do assento do registro, devendo conter os dados registrados
(art. 70, LRP c/c art. 1.536, CC). O registro possui fé pública, servindo como prova direta e
específica para a situação de casado e qualquer pessoa pode requerer a expedição de
nova certidão ao registro civil.
Se o registro civil for perdido, como, por exemplo, incêndio, extravio do livro de
registro ou desaparecimento dos dados arquivados, a lei admite qualquer outra espécie de
prova do casamento (parágrafo único do art. 1.543, CC), como, por exemplo, “a cédula
de
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identidade, o passaporte, a certidão de proclamas, entre outros documentos.”


(TARTUCE, 2023, p. 109).
O Código Civil também trata da prova indireta do casamento, por meio da posse
de estado de casados, isto é, pela demonstração pública da situação de casados (art.
1.545, CC), que se verifica por meio de três requisitos apontados pela doutrina (LEITE
apud TARTUCE, 2023, p. 109):
a) Nomen ou nominatio: pelo fato de um cônjuge utilizar o nome do outro;
b) Tractatus ou tractatio: pois os cônjuges se tratam como se fossem casados;
c) Fama ou reputatio: diante do reconhecimento geral, da reputação social, de
que ambos são casados.

Conforme explica Paulo Lôbo (2022, p. 123), “essa norma, reproduzida no


CC/2002 atual, origina-se do art. 203 do Código Civil de 1916, quando era precário o
sistema de registro civil de casamentos e ante o sistema de registros difusos atribuídos
no Império às paróquias e dioceses da Igreja Católica.”
Desta forma, o casamento pode ser provado quando não se possa apresentar a
respectiva certidão, ou não se saiba onde foi feito o registro, ou quando este tenha
desaparecido, nas hipóteses em que os cônjuges tenham falecido ou não possam
manifestar sua vontade (art. 1.545, CC). A declaração judicial da posse de estado de casado
supre a ausência da certidão de casamento e visa o benefício da prole comum, salvo se
ficar provado que um dos cônjuges já era casado quando contraiu o casamento
impugnado.
O art. 1.547, CC estabelece a presunção in dubio pro matrimonio, ou seja, na dúvida
entre as provas favoráveis e desfavoráveis, deve o juiz decidir pelo casamento, se os
cônjuges viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados. A decisão judicial,
depois de registrada no registro civil, produzirá efeitos retroativos (ex tunc), ou seja, desde
o início do casamento.
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2.11 Efeitos e deveres do casamento

O casamento gera efeitos jurídicos amplos, com deveres para ambos os cônjuges
que pretendem essa comunhão plena de vida, situando-se no plano da eficácia do
casamento (terceiro degrau da Escada Ponteana).
Ambos os cônjuges assumem mutuamente a condição a condição de consortes,
companheiros e responsáveis pelos encargos da família, numa comunhão plena de vida
(art. 1.565, CC).
O primeiro efeito do casamento é quanto ao acréscimo do sobrenome do outro,
que é permitido a qualquer um dos nubentes (art. 1.565, § 1º, CC), desde que haja esta
intenção por parte de um ou ambos os nubentes.
O art. 1.565, § 2º, CC trata do planejamento familiar, dispondo que é livre
decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros
para o exercício desse direito, reiterando o princípio da liberdade ou da não intervenção
(art. 1.513, CC).
O art. 1.566, CC enumera os deveres de ambos os cônjuges no casamento,
começando pela fidelidade recíproca (art. 1.566, I, CC), que hoje é vista com ressalvas,
considerando a EC n. 66/2010 que alterou o art. 226, § 6º, CF/88, excluindo a menção à
separação judicial, o que fundamenta, para uma corrente doutrinária de peso, a
impossibilidade de discussão da culpa para a dissolução do casamento, para qualquer
finalidade.
Com entendimento minoritário, Flávio Tartuce (2023, p. 113) defende que em
casos excepcionais a culpa pode ser discutida para a dissolução do casamento (divórcio),
apenas para fins de alimentos e de responsabilidade civil, considerando exatamente o
fato de que a fidelidade continua sendo um dever do casamento e não uma mera
faculdade.
Outro dever dos cônjuges, previsto no art. 1.566, II, CC, é a vida em comum, no
domicílio conjugal, antigo dever de coabitação. Segundo Flávio Tartuce (2023, p. 113), o
conceito de coabitação tem sido analisado tendo em vista a realidade social, de modo a
admitir-se a coabitação fracionada, isto é, os cônjuges podem manter-se distantes, em
lares distintos, por boa parte do tempo, sem que haja o rompimento do afeto, do amor
existente entre eles, vínculo mais forte a manter a união.
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O próprio Código Civil, no art. 1.569, estabelece a flexibilidade do dever de


coabitação, com a possibilidade do cônjuge, eventualmente, ausentar-se do domicílio
conjugal para atender a encargos públicos, ao exercício da sua profissão, ou a interesses
particulares relevantes.
A mútua assistência é o terceiro dever dos cônjuges (art. 1.566, III, CC),
compreendendo a assistência econômica, afetiva e moral, que “expressam-se em vários
momentos da vida familiar, como no cuidado do outro quando enfermo, no conforto
prestado nas adversidades e vicissitudes da vida, compartilhando dores e alegrias.”
(FACHIN; RUZYK apud TARTUCE, 2023, p. 114).
O art. 1.568, CC estabelece a colaboração patrimonial de cada cônjuge, na
proporção dos seus bens e dos seus rendimentos, para o sustento da família e para a
educação dos filhos, qualquer que seja o regime matrimonial adotado entre eles.
O quarto dever expresso dos cônjuges é o sustento, guarda e educação dos filhos
(art. 1.566, IV, CC), que mantém relação direta com o princípio constitucional da
solidariedade social (art. 3º, I, CF/88) e que se manifesta nas relações familiares
(solidariedade familiar).
O último dever dos cônjuges, relacionado no art. 1.566, CC, é o respeito e
consideração mútuos (art. 1.566, V, CC).
No art. 1.567, CC está previsto o dever de colaboração entre os cônjuges quanto
à direção da sociedade conjugal, sem distinção entre marido ou mulher, sempre no interesse
do casal e dos filhos, o que confirma a família democratizada. Neste ponto, havendo
divergência entre os cônjuges, qualquer um deles poderá recorrer ao juiz, que decidirá
de acordo com os interesses do casal e dos filhos (parágrafo único do art. 1.567, CC).
Eventualmente a administração da sociedade conjugal e a direção da família
poderão ser exercidas por somente um dos cônjuges, conforme prescreve o art. 1.570,
CC, quando o outro estiver em lugar remoto ou não sabido; encarcerado por mais de
cento e oitenta dias; e interditado judicialmente ou privado, episodicamente, de
consciência, em virtude de enfermidade ou de acidente.
A violação dos deveres conjugais não acarreta sanção jurídica, restando aos
cônjuges, de forma exclusiva e íntima, avaliarem se a conduta contrária pode tornar
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suportável ou não o casamento e optarem pelo divórcio consensual ou litigioso, mas


sem servir de fundamento a este (LÔBO, 2022, p. 151).
Esta ineficácia quanto aos deveres decorre das mudanças estruturais no conceito
de família, conforme explica Paulo Lôbo:

Contudo, a própria razão de ser da norma instituidora dos deveres comuns,


sua utilidade e sua finalidade, perderam consistência porque ela integrava um
conjunto normativo voltado à consolidação do paradigma familiar fundado na
entidade matrimonial, no poder marital, na legitimidade e no pátrio poder. Esses
pilares desapareceram ou foram profundamente transformados, mercê da
refundamentação da família determinada pela CF/1988, refletindo as intensas
modificações sociais e culturais ocorridas na sociedade brasileira nas últimas
décadas do século XX, principalmente pela adoção irrestrita (e,
verdadeiramente, revolucionária) do princípio da igualdade de direitos e
obrigações entre homem e mulher e entre os filhos. (LÔBO, 2022, p. 151)

A violação de algum dever conjugal pode, excepcionalmente, converter-se em dano


moral, sendo tratada no direito obrigacional e não no direito de família, como, por
exemplo, a violação do dever de fidelidade recíproca.

APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO DE DIVÓRCIO C/C PARTILHA DE BENS - IMPUGNAÇÃO


À CONCESSÃO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA - REJEIÇÃO - PARTILHA - IMÓVEL
ADQUIRIDO EM CONDOMÍNIO ANTES DO CASAMENTO - AUSÊNCIA DE
MANCOMUNHÃO - VEÍCULO - COMPRA E VENDA ENTRE CÔNJUGES -
PRETENSÃO DE DIVISÃO DO BEM - IMPOSSIBILIDADE - SALDO DE CONTA
POUPANÇA - RESERVA FEITA NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO - PARTILHA
DEVIDA - DANO MORAL - INFIDELIDADE - PROVA DE LESÃO À HONRA
OBJETIVA
- AUSÊNCIA - SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
1. Em conformidade com o que dispõe o artigo 99, § 2º do CPC/15, deve o
Julgador, diante das peculiaridades do caso concreto, apurar eventual abuso
no pedido de concessão da assistência judiciária, somente podendo indeferir
o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos
pressupostos legais para a concessão de gratuidade.
2. Deixando a requerida de afastar a presunção de veracidade que possui a
declaração de hipossuficiência financeira do autor, e ausente nos autos prova
de suficiência de recursos, rejeita-se a impugnação à concessão dos benefícios
da gratuidade de justiça.
3. Tendo as partes adquirido imóvel em condomínio antes do casamento,
conforme consta no Contrato de Compra e Venda averbado na matrícula do
bem, o direito das partes decorre do termo firmado por ambos com a Instituição
Financeira, e não da mancomunhão, pelo que escorreita a sentença na parte em
que reconhece comunicável os direitos e ações sobre ele, à razão de 50% para
cada parte, decotando-se em sede de liquidação as parcelas do financiamento
pagas após a separação de fato do casal.
4. Inexiste direito de meação sobre bem objeto de negócio entre os cônjuges,
porquanto somente é lícita a compra e venda entre cônjuges com relação a bens
particulares, nos termos do artigo 499 do CC/02, os quais não são incluídos na
partilha decorrente de divórcio.
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5. Comunicam-se para fins de partilha os valores reservados em conta


bancária de ambos os cônjuges na constância do casamento, ainda que
derivados de verba trabalhista, dos quais somente se exclui aqueles
decorrente de indenização com caráter personalíssimo, em conformidade com a
jurisprudência deste Sodalício.
6. A infidelidade configura violação dos deveres inerentes à sociedade
conjugal, porém, por si só, não consubstancia dever de indenizar, pelo que,
não se desincumbindo a parte ré de demonstrar a ocorrência de abalo da
honra objetiva, a partir do comprometendo de sua reputação, imagem e
dignidade decorrente do ato do cônjuge, afasta-se a pretensão de condenação
por danos morais.
7. Recurso principal provido em parte. Recurso adesivo desprovido.
(TJMG, 8ª Câmara Cível Especializada, AC n. 1.0000.20.071596-9/002, Rel.
Des(a) Teresa Cristina da Cunha Peixoto. Julgado em 03/03/2023. Publicado
em 06/03/2023).

Verifica-se, no caso do acórdão acima, que a mera violação do dever de


fidelidade não gera o dever de indenizar. O dano moral deve ser demonstrado a partir
do comprometimento da reputação, imagem e dignidade do cônjuge ofendido. Este tem
sido o entendimento majoritário seguido pela jurisprudência.

2.12 Regime de bens

O regime de bens tem por objetivo regulamentar as relações patrimoniais entre


os cônjuges referente ao domínio e à administração de ambos ou de cada um sobre os
bens trazidos ou adquiridos durante o casamento.

Regime de bens é o conjunto de regras que disciplina as relações econômicas


dos cônjuges, quer entre si, quer no tocante a terceiros, durante o casamento.
Regula especialmente o domínio e a administração de ambos ou de cada um
sobre os bens anteriores e os adquiridos na constância da união conjugal.
(GONÇALVES, 2023, p. 175)

Os nubentes podem escolher o regime aplicável, que pode consistir em um


conjunto de estipulações convencionais e de normas cogentes, ou somente normas
legais quando não for exercida a escolha.
Flávio Tartuce (2023, p. 134) destaca os princípios que regem o regime de bens
nas entidades familiares:
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a) Princípio da autonomia privada

Os nubentes possuem liberdade na escolha do regime de bens, conforme prescreve


o art. 1.639, caput, CC. Portanto, é possível aos cônjuges celebrarem casamento
escolhendo regime diferente daqueles previstos no Código Civil; ou combinarem os
regimes existentes, o que é denominado de regime misto; e, ainda, criarem um regime
novo, com regramento totalmente atípico (TARTUCE, 2023, p. 134). Mas, nestes casos, o
regime escolhido ou criado não pode violar normas cogentes, isto é, de ordem pública.

A título de exemplo, o casal pode estabelecer que, quanto aos bens móveis,
incide o regime da separação de bens; em relação aos imóveis adquiridos, o
regime da comunhão parcial, criando justamente um regime misto. Também é
possível convencionar que somente haverá comunicação de quantias
depositadas em conta-corrente conjunta do casal, e assim sucessivamente.
(TARTUCE, 2023, p. 134)

b) Princípio da indivisibilidade do regime de bens

Não é possível determinar regime de bens diferentes para cada cônjuge, isto é,
ainda que possam ser criados regimes atípicos, aquele que for escolhido será o mesmo
para ambos os cônjuges. “Como aplicação prática desse princípio, será nulo o pacto
antenupcial que determinar o regime da comunhão universal de bens para o marido e o
da separação de bens para a esposa.” (TARTUCE, 2023, p. 135).
Como exceção ao referido princípio, Flávio Tartuce (2023, p. 135) cita o tratamento
diferenciado no casamento putativo quando há má-fé de um dos cônjuges (art. 1.561, CC).
Neste caso, o cônjuge de boa-fé é atingido pelos efeitos do casamento, isto é, terá a seu
favor a aplicação das regras relativas ao regime de bens adotado. Por outro lado, o cônjuge
de má-fé estará submetido às regras obrigacionais relacionadas ao enriquecimento sem
causa, tendo de provar os bens que foram adquiridos pelo trabalho e esforços próprios,
nos termos do art. 884, CC, perdendo em favor do cônjuge de boa-fé todas as vantagens
advindas do casamento, sendo a ele imputada a culpa, conforme previsto no art. 1.564, I,
CC.
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c) Princípio da variedade de regime de bens

O Código Civil consagra quatro regimes de bens: o da comunhão parcial (arts. 1.658
a 1.666), o da comunhão universal (arts. 1.667 a 1.671), o da participação final nos
aquestos (arts. 1.672 a 1.686) e o da separação (arts. 1.687 e 1.688).
No silêncio dos nubentes, ou se o pacto antenupcial que determinou regime
diverso for nulo ou ineficaz, prevalece o regime da comunhão parcial, que é o regime
legal ou supletório (art. 1.640, caput, CC).
Qualquer um dos regimes adotados começa a vigorar desde a data do casamento
(art. 1.639, § 1º, do CC).

d) Princípio da mutabilidade justificada

O Código Civil possibilita a alteração do regime de bens, mediante autorização


judicial, em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões
invocadas e desde que ressalvados os direitos de terceiros (art. 1.639, § 2º).
O procedimento judicial da ação de alteração do regime de bens está previsto no
art. 734, CPC e segue jurisdição voluntária, competindo à Vara de Família.
O pedido motivado ou justo motivo para alteração do regime de bens é uma
cláusula geral a ser preenchida pelo juiz no caso concreto, levando-se em consideração
os interesses subjetivos das partes, bem como questões objetivas relativas ao
ordenamento jurídico (TARTUCE, 2023, p. 137).
Pode-se citar como exemplo o casamento realizado pelo regime da separação
obrigatória de bens em virtude de causa suspensiva (art. 1.523, CC). Desaparecendo a
causa suspensiva, os cônjuges podem pedir judicialmente a alteração do regime de
bens.
Outro requisito da lei é a ressalva aos direitos de terceiros, o que representa a
intenção do legislador de proteger a boa-fé objetiva e evitar que a alteração do regime
de bens possa ser utilizada com intuito de fraude.
Os efeitos da alteração do regime de bens são ex nunc, ou seja, a partir do
trânsito em julgado da decisão. Por isso, não atinge credores de boa-fé cujos créditos
foram constituídos à época do regime de bens anterior.
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O Código Civil, antes de separar as disposições específicas para cada regime de


bens, trata das disposições gerais nos artigos 1.639 ao 1.652, devendo-se destacar algumas
delas. Neste sentido, o art. 1.641, CC estabelece a obrigatoriedade do regime de separação
de bens em determinadas hipóteses, limitando a autonomia privada dos nubentes, mas
buscando protegê-los, especialmente no que tange ao seu patrimônio.
No primeiro caso (art. 1.641, I, CC) o objetivo é evitar a confusão patrimonial no
casamento em que há uma das causas suspensivas para o casamento (art. 1.523, CC,),
como, por exemplo, “viúva que não fez inventário dos bens que tinha com o ex-marido e
que pretende se casar com terceiro. Com o objetivo de proteger os herdeiros, essa viúva
somente poderá se casar pelo regime da separação legal ou obrigatória de bens.”
(TARTUCE, 2023, p. 146).
A segunda hipótese (art. 1.641, II, CC) visa à proteção da pessoa idosa, acima de
70 (setenta) anos, supostamente uma potencial vítima do “golpe do baú”. A norma em
questão é muito questionada, discutindo-se sua possível inconstitucionalidade,
conforme, entre vários doutrinadores, defende Paulo Lôbo:

Entendemos que essa hipótese é atentatória do princípio constitucional da


dignidade da pessoa humana, por reduzir sua autonomia como pessoa e
constrangê-lo a tutela reducionista, além de estabelecer restrição à liberdade de
contrair matrimônio, que a CF/1988 não faz. Consequentemente, é
inconstitucional esse ônus por ser incompatível com os arts. 1º, III, 5º, I e X, e
226 da CF/1988. (LÔBO, 2022, p. 358)

O STF reconheceu repercussão geral a respeito da afirmação de


inconstitucionalidade do art. 1.641, inc. II, CC no recurso de Agravo no Recurso
Extraordinário n. 1.309.642/SP, sob a relatoria do Min. Luis Roberto Barroso (Tema 1.236).
Portanto, ainda teremos novidades quanto à esta matéria.
A terceira causa do regime de separação obrigatória de bens (art. 1.641, III, CC)
envolve a proteção de incapazes dependentes de suprimento judicial para o casamento,
isto é, os menores entre 16 e 18 anos. Conforme explica Paulo Lôbo (2022, p. 359), o
regime de separação de bens será obrigatório somente no caso de suprimento judicial.
Portanto, se houver autorização de ambos os pais, o menor poderá casar optando por
qualquer um dos regimes.
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Os artigos 1.642 e 1.643, CC tratam dos atos que podem ser praticados por
qualquer um dos cônjuges, independentemente do regime de bens adotado. No art. 1.642,
CC trata de atos de disposição e administração que são inerentes à vida profissional do
cônjuge, necessários ao desempenho de sua profissão ou trabalho, com repercussões
econômicas. Normalmente estão relacionados ao desempenho de atividades como
autônomos, profissionais liberais, ou empresários, como a disposição ou alienação de
bens.
Os atos referidos no art. 1.643, CC estão relacionados com a administração geral
das economias domésticas. “Não se incluem as despesas suntuárias ou supérfluas, ainda
que tendo destino o lar conjugal, pois não se enquadram na economia doméstica
cotidiana.” (LÔBO, 2022, p. 362).
O art. 1.644, CC complementa o art. 1.643, determinando a solidariedade de ambos
os cônjuges quanto a essas dívidas, excluindo, por óbvio dívidas pessoais de um dos
cônjuges contraídas em seu único e exclusivo interesse. Desta forma, as mensalidades
escolares dos filhos do casal pode ser cobrada do cônjuge que não está no contrato,
com fundamento nos arts. 1.643 e 1.644, CC, conforme entendimento do STJ (REsp
1.472.316/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 05/12/2017;
DJe 18/12/2017).
O art. 1.645, CC prevê que os legitimados ativos para as ações fundadas nos
incisos III, IV e V do art. 1.642, CC serão o cônjuge prejudicado e seus herdeiros.
Ainda, conforme o art. 1.646, CC, o terceiro eventualmente prejudicado com a
sentença proferida nas referidas ações judiciais fundadas nos incisos III e IV, do art.
1.642, CC, terá direito de regresso contra o cônjuge que realizou o negócio jurídico ou
seus herdeiros, conforme explica Paulo Lôbo:

Nesses casos, a decisão judicial acarretará prejuízo ao terceiro de boa-fé, que foi
beneficiário da fiança, do aval ou da doação. Cabe-lhe ação regressiva contra
o cônjuge que os concedeu, indevidamente, ou seus herdeiros, desde que
prove o prejuízo real e direto. Os herdeiros apenas responderão nos limites da
herança recebida. (LÔBO, 2022, p. 363).

O art. 1.647, CC indica hipóteses de legitimação, ou seja, capacidade especial


exigida para determinados ato e negócios jurídicos, denominadas de outorga ou vênia
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uxória (mulher) e outorga ou vênia marital (marido). São atos, portanto, que para sua
validade precisam da autorização do outro cônjuge, seja marido ou mulher.
A autorização é dispensada somente se os cônjuges forem casados pelo regime
da separação absoluta de bens, que consiste na separação convencional, mas aplica-se
no caso de separação legal ou obrigatória.
A falta da autorização ou outorga conjugal pode ser suprida pelo juiz, de acordo
com o art. 1.648, CC. A existência ou não de motivo justo pelo cônjuge que nega a
autorização será verificada pelo juiz no caso concreto. Pode ainda ser suprida a autorização
quando é impossível ao cônjuge concedê-la, como, por exemplo, quando ele estiver em
local incerto e não sabido.
Os atos previstos no art. 1.647, CC que forem praticados pelo cônjuge sem a
outorga do outro serão anuláveis, nos termos do art. 1.649, CC. Desta forma, o outro
cônjuge pode pedir a anulação no prazo de até dois anos após o término da sociedade
conjugal (art. 1.571, CC), bem como seus herdeiros, no mesmo prazo (art. 1.650, CC),
caso o cônjuge venha a falecer.
O ato pode ser convalidado posteriormente pelo outro cônjuge, antes do fim do
prazo decadencial, porque depois já estará automaticamente convalidado. A aprovação
conjugal dentro do prazo necessita de instrumento público ou particular autenticado
(parágrafo único do art. 1.649, CC).
De acordo com o art. 1.651, CC, se um dos cônjuges não puder exercer a
administração dos bens do casamento, segundo o regime de bens, o outro deverá fazê-
la, observando-se o art. 1.652, CC, visando à proteção dos bens do casamento.

2.12.1 Pacto antenupcial

“O pacto antenupcial é o negócio jurídico bilateral de direito de família mediante


o qual os nubentes têm autonomia para estruturarem, antes do casamento, o regime de
bens distinto do regime da comunhão parcial.” (LÔBO, 2022, p. 370).
Os nubentes podem escolher o regime de bens diferente do regime legal, modificar
regime previsto em lei, misturar tipos diferentes de regimes e criar um tipo de regime (art.
1.639, CC).
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Exige a forma pública para sua validade (art. 1.653, CC), pois interessa, também,
a terceiros (parentes ou estranhos). Neste sentido, trata-se de forma ad solemnitatem ou ad
substantiam. Portanto, se a forma legal exigida não for obedecida, o pacto é nulo (arts.
166, IV e V, CC) e não tem qualquer valor a indicação do regime de bens, prevalecendo o
regime legal (art. 1.653, CC).
Pode ser realizado em qualquer cartório de notas, pessoalmente ou por via
eletrônica ou digital (Provimento CNJ n. 100/2020) e seu traslado será anexado aos
documentos que instruem o processo de habilitação ao casamento, no cartório de registro
de pessoas naturais.
O pacto antenupcial é negócio celebrado sob condição suspensiva, pois sua eficácia
depende da realização do casamento (art. 1.653, CC). Se não ocorrer o casamento por
desistência ou morte de um dos nubentes, o pacto caducará, sem necessidade de qualquer
intervenção judicial. Entretanto, o legislador se omitiu quanto ao prazo para realização
do casamento e a caducidade do pacto antenupcial e, neste caso, Carlos Roberto
Gonçalves (2023, p. 186) explica que, “se este não se efetua em tempo razoável,
qualquer dos contratantes pode denunciá-lo. Se no próprio pacto acordaram as partes em
período certo, para dentro dele se celebrarem as núpcias, vale a convenção até que o
prazo se extinga”. Flávio Tartuce (2023) levanta interessante hipótese de conversão
do negócio ineficaz ou pós-eficacização, quando o casamento não for realizado, mas
os nubentes passarem a viver em união estável: o pacto antenupcial poderia ser
aproveitado como contrato de convivência? Tartuce cita Cristiano Chaves de Farias e
Nelson Rosenvald, que entendem por esta possibilidade. O próprio Tartuce (2023, p.
169) também entende que é possível o reconhecimento da eficácia pela situação
concreta posterior, ou seja, a convivência entre os envolvidos, somando-se ao
princípio da conservação do negócio
jurídico, que tem relação direta com a função social do contrato.
A capacidade para a celebração do pacto antenupcial é a mesma exigida para o
casamento. Desta forma, também exige assistência do representante legal para o menor
em idade núbil (entre 16 e 19 anos) realizar pacto antenupcial, que não se confunde
com o consentimento para o casamento (art. 1.654, CC).
O art. 1.657, CC prevê que o pacto antenupcial deve ser registrado em livro
especial, no cartório de registro de imóveis do domicílio dos cônjuges, para ter validade
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contra terceiros, ou seja, efeitos erga omnes, a fim de alertar qualquer pessoa sobre a
modificação no domínio do bem imóvel. Trata-se, portanto, de uma exigência para
proteção dos direitos de terceiros. O pacto não registrado no ofício imobiliário possui
validade somente entre os nubentes, pois em relação a terceiros serão considerados
casados pelo regime da comunhão parcial de bens.
A liberdade contratual dos nubentes é limitada aos princípios em conformidade
com à ordem pública. Portanto, de acordo com o art. 1.655, CC, serão consideradas
nulas as disposições do pacto antenupcial que contrariem norma legal cogente, isto é,
disposições de lei imperativa ou proibitiva.
Desta forma, os nubentes podem prever estipulações de caráter econômico, mas
não podem alterar as normas legais sobre direitos conjugais, paternos e maternos,
como, por exemplo, dispensem os cônjuges do dever de fidelidade, coabitação, mútua
assistência, sustento e educação dos filhos e exercício do poder familiar.” (GONÇALVES,
2023, p. 185); renúncia prévia ao direito de alimentos (violação ao art. 1.707, CC) ou
disposição sobre regulamentação de guarda dos filhos em caso de divórcio.
Também são nulas cláusulas que alterem a ordem de vocação hereditária, com
exclusão da sucessão dos herdeiros necessários (art. 1.845, CC), ou renúncia ao direito
de herança, pois viola o disposto no art. 426, CC (pacta corvina), bem como cláusula que
afaste o regime da separação obrigatória de bens, nas hipóteses descritas pelo art.
1.641, CC.
Em que pesem essas restrições, não há impedimento jurídico para que o pacto
antenupcial contemple cláusulas de conteúdo existencial, tais como relativas à boa
convivência do casal, conforme definido na VIII Jornada de Direito Civil (2018): “Enunciado
635. O pacto antenupcial e o contrato de convivência podem conter cláusulas
existenciais, desde que estas não violem os princípios da dignidade da pessoa humana,
da igualdade entre os cônjuges e da solidariedade familiar”. (TARTUCE, 2023, p. 174).
O advogado familiarista Rodrigo da Cunha Pereira exemplifica algumas cláusulas
existenciais mais comuns nos pactos antenupciais brasileiros:

As cláusulas existenciais mais comuns estabelecidas em contratos e pactos


antenupciais são: divisão de tarefas domésticas, privacidade em redes sociais,
indenização pela infidelidade, sobre técnicas de reprodução assistida
heteróloga, educação religiosa dos filhos, se um dos cônjuges/companheiros
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poderá, ou não, ser curador do outro em caso de demenciamento etc. (PEREIRA,


2022).

Pereira ainda cita algumas cláusulas de pactos antenupciais envolvendo pessoas


famosas:

Nos países do sistema common law, especialmente nos EUA, são conhecidos
os pactos de casais famosos envolvendo sexo e patrimônio. A atriz Jennifer
Lopes e o ator Bem Affeck, segundo notícias de jornais, estabeleceram em seu
pacto antenupcial a obrigação de relações sexuais de qualidade, quatro vezes
por semana; Catherine Zeta-Jones e Michael Douglas condicionaram o
casamento a tratamento do noivo de um distúrbio ninfomaníaco, sob pena de
multa milionária; Nicole Kidman estabeleceu em seu pacto pré-nupcial que o
cantor Keth Urban receberia um prêmio de US$ 600 mil por ano se ele se
mantivesse livre de drogas ilícitas e não tivesse relação com outras mulheres;
o criador do Facebook, Mark Zuckerberg, conhecido como um workaholic,
estabeleceu em seu pacto com Priscilla Chan que, além de fazer sexo no
mínimo uma vez por semana, ele deveria ter pelo menos cem minutos de
tempo dedicado a ela; Justin Timberlake e Jessica Biel estabeleceram multa
em caso de traição.
Na Inglaterra, a rainha Elizabeth II exigiu que William e Kate Middleton
assinassem um pacto antenupcial em que ela perderia o título de duquesa, o
trono, a casa e a guarda dos filhos, e seria impedida de falar com a mídia, se
se divorciasse. (PEREIRA, 2022).

Notícia recente no site do TJMG6 também informa o reconhecimento judicial de


cláusula de multa no valor de R$ 180 mil, no pacto antenupcial de um casal de Belo
Horizonte, para o caso de infidelidade. Segundo a notícia, os noivos argumentaram que
o “o lado inocente deverá receber a indenização pelo possível constrangimento e
vergonha que pode passar aos olhos da sociedade”.
Flávio Tartuce (2023, p. 173) trata de outro aspecto interessante que é a
divergência sobre a possibilidade de inclusão de cláusula compromissória de arbitragem
em pacto antenupcial, conforme explica o autor:

A questão diz respeito ao conteúdo do art. 852 do Código Civil, segundo o


qual, “é vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito
pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente
patrimonial”. Também está relacionado ao art. 1º da Lei 9.307/1996, que tem
a seguinte redação: “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da
arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
[...]
Apesar das minhas resistências doutrinárias – pelo fato de ser difícil a separação
absoluta de interesses puramente patrimoniais nas disputas de família –, não se
6
Disponível em: https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/justica-autoriza-pacto-antenupcial-com-
multa-de-r-180-mil-em-caso-de-infidelidade.htm#.ZCNBxXbMK3C. Acesso em: 28 mar. 2023.
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pode negar que o enunciado representa um passo adiante na concreção


prática da arbitragem, para o Direito de Família.
Em complemento para a ressalva, surgirão debates sobre a forma de como a
cláusula compromissória foi inserida em tais contratos, notadamente se
houve ou não imposição de um dos consortes ao outro, sobretudo nas hipóteses
fáticas em que há disparidade econômica entre eles. Também haverá
resistências quanto à própria funcionalidade de arbitragem, pois podem
surgir, em meio ao procedimento, debates de questões existenciais, muito
além do patrimônio puro das partes.

Havendo cláusula com vício, o pacto antenupcial ainda é válido nas disposições
restantes que não contrariem a ordem pública. Ainda, se for anulável, pode ser
convalidado após o casamento, retroagindo à data da sua celebração (GONÇALVES,
2023, p. 186).
O pacto antenupcial possui natureza acessória, por isso, se o casamento for anulado
ou dissolvido (divórcio, morte), cessam os seus efeitos.

2.12.2 Regime da comunhão parcial

Este é o regime legal ou supletório, o que significa dizer que vale e é eficaz para o
casamento quando os cônjuges não escolherem outro regime, mediante pacto
antenupcial, ou se o pacto for declarado nulo ou ineficaz (art. 1.640, CC). Também é o
regime legal para a união estável, quando não for pactuado outro entre os conviventes
(art. 1.725, CC).
O art. 1.658, CC estabelece a regra básica para o regime da comunhão parcial de
bens, isto é, os bens adquiridos durante o casamento se comunicam, com exceção
daqueles previstos na própria lei, que são chamados de incomunicáveis. Assim, este regime
se caracteriza pela convivência de bens particulares e bens comuns, resultando três massas
patrimoniais distintas: os bens particulares de um cônjuges; os bens particulares do
outro cônjuge; os bens comuns. Esta divisão é marcada pela data da celebração do
casamento.
Os bens incomunicáveis são tratados no art. 1.659, CC, em rol taxativo (numerus
clausus):
I - Os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na
constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
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São os bens particulares de cada cônjuge ou companheiro, adquiridos antes do


casamento. E, durante o casamento, os bens adquiridos de forma gratuita, por meio de
doação e sucessão legítima ou testamentária (herança).
A sub-rogação citada é a real, isto é, a substituição de uma coisa por outra, como,
por exemplo: o cônjuge vende um imóvel a terceiro e, com os valores auferidos, adquire
outro bem, que substitui o primeiro em seu patrimônio particular. Neste sentido,
importa verificar a origem do valor pecuniário.
Deve-se observar que, conforme o art. 1.660, V, CC, os frutos dos bens comuns
ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou
pendentes ao tempo em que cessar a comunhão, são comunicáveis, como, por exemplo,
juros e alugueis.
II - Os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos
cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
Esta norma reforça o inciso anterior, pois se um bem adquirido antes do casamento
é vendido durante o casamento, e outro bem é adquirido, há sub-rogação real e,
consequentemente, não se comunica.
Entretanto, deve-se observar se o bem adquirido possui o mesmo valor do bem
alienado, pois se for mais valioso, haverá comunicação somente da diferença, se o cônjuge
que o adquiriu não tinha recursos próprios suficientes. Por exemplo: o cônjuge A vende
um veículo de seu patrimônio particular por R$ 100.000,00 e compra um imóvel por R$
160.000,00. Neste caso, presume-se o esforço do cônjuge B em relação à diferença, ou
seja, R$ 60.000,00, que será comunicável ao casal.
III - As obrigações anteriores ao casamento;
Também não se comunicam as obrigações (dívidas pessoais) que cada cônjuge
tinha antes do casamento, integrando seu patrimônio particular. Carlos Roberto Gonçalves
(2023, p. 189), citando Caio Mário da Silva Pereira, explica que este é o ponto mais
importante do regime de comunhão parcial, pois resguarda o patrimônio do cônjuge em
relação aos credores do outro. Ainda, explica que “haverá comunicação dos débitos
anteriores no caso de se beneficiar o cônjuge que não os tenha, como na hipótese de dívida
contraída na aquisição de bens de que lucram ambos.” (PEREIRA apud GONÇALVES,
2023, p. 189).
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IV - As obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;


Em regra, responde pela reparação dos danos causados quem deu causa ao ato
ilícito. Assim, cada cônjuge responde pelas obrigações decorrentes de ato ilícito por ele
praticado, independentemente se antes ou após o casamento.
Todavia, se do fato ilícito praticado por um dos cônjuges, resultar proveito para o
outro, a responsabilidade passa a ser comum e, consequentemente, a dívida também,
conforme exemplifica Flávio Tartuce (2023, p. 176): “se os cônjuges possuem uma fazenda
e o marido, na administração da mesma, causar um dano ambiental, haverá
responsabilidade solidária do casal, respondendo todos os seus bens. Isso porque a
atividade desenvolvida na fazenda era realizada em benefício do casal.”
V - Os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
Trata-se de uma presunção legal de que os bens de uso pessoal foram adquiridos
com recursos do próprio cônjuges, antes ou após o casamento. Segundo Paulo Lôbo (2023,
p. 170) esta é uma presunção absoluta, ou seja, não admite prova em contrário.
O legislador exemplificou alguns bens de uso pessoal, como livros e instrumentos
de profissão, mas a doutrina também cita outros destinados à existência cotidiana de
cada um, à sua intimidade pessoal, como roupas, lembranças, joias, objetos de lazer,
objetos eletrônicos (celular, computador), arquivos pessoais e, se há em duplicidade,
seu carro, seus aparelhos elétricos. (LÔBO, 2023, p. 170).
VI - Os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
Proventos está no sentido genérico, que abrange: a) as remunerações de
trabalho assalariado público ou privado; b) as remunerações decorrentes do trabalho
prestado na condição de empresário; c) as remunerações de aposentadoria, como
trabalhador inativo;
d) os honorários do profissional liberal; e) o pró-labore do serviço prestado (LÔBO, 2023,
p. 170). Os rendimentos concernem a qualquer atividade desenvolvida pelo cônjuge,
seja agrícola, liberal, industrial, comercial, cultural ou de serviços.
Existe uma polêmica doutrinária e jurisprudencial sobre a interpretação desta
norma, conforme expõe Alexandre Guedes Alcoforado Assunção:

A previsão da exclusão dos proventos do trabalho de cada cônjuge, indicada


no inciso VI, produz situação que se antagoniza com a própria essência do
regime. Ora, se os rendimentos do trabalho não se comunicam, os bens sub-
rogados desses rendimentos também não se comunicam, conforme o inciso
II, e, por
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conseguinte, praticamente nada se comunica nesse regime, no entendimento


de que a grande maioria dos cônjuges vive dos rendimentos do seu trabalho.
A comunhão parcial de bens tem em vista comunicar todos os bens adquiridos
durante o casamento a título oneroso, sendo que aqueles adquiridos com frutos
do trabalho contêm essa onerosidade aquisitiva. (ASSUNÇÃO apud TARTUCE,
2023, p. 177)

Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2023, p. 190) deve-se interpretar a norma no


sentido de que não se comunica somente o direito aos proventos, pois recebida a
remuneração, o dinheiro ingressa no patrimônio comum, bem como os bens adquiridos
com o seu produto.
VII - As pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Carlos Roberto Gonçalves explica o significado de cada uma dessas
rendas:

Pensões são as quantias em dinheiro pagas mensalmente a um beneficiário para


a sua subsistência em virtude de lei, sentença, contrato ou disposição de
última vontade. Meio-soldo é a metade do soldo que o Estado paga aos
militares reformados. Montepio é a pensão devida pelo instituto
previdenciário aos herdeiros do devedor falecido. Na expressão “e outras
rendas semelhantes” inclui-se a tença, considerada pensão alimentícia, quer a
preste o Estado, quer a preste qualquer outra pessoa de direito público ou de
direito privado, a alguém, periodicamente, para a sua subsistência familiar.
(GONÇALVES, 2023, p. 190).

Seguindo a mesma interpretação restritiva do inciso anterior, o que não se


comunica é o direito ao percebimento dos benefícios citados. Porém, as quantias recebidas
na constância do casamento entram para o patrimônio do casal e se comunicam, bem
como os bens adquiridos com seu produto (GONÇALVES, 2023, p. 190).
Desta forma, se o casal se divorciar, o cônjuge com direito ao benefício
continuará recebendo-o, sem perder metade para o outro, porque o direito é
incomunicável.

Os bens comunicáveis são chamados aquestos, ou seja, aqueles que cada um dos
cônjuges, ou ambos, adquire a vigência do casamento, por qualquer título, que
integrarão a comunhão, se assim estiver previsto ou se não houver disposição em
contrário no pacto antenupcial (DINIZ apud TARTUCE, 2023, p. 178).
Os aquestos no regime da comunhão parcial de bens estão definidos no art. 1.660,
CC:
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I - Os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que


só em nome de um dos cônjuges;
Todos os bens móveis e imóveis adquiridos após o casamento, por ambos ou por
apenas um dos cônjuges, mediante negócios jurídicos onerosos, são comunicáveis. Não
importa qual foi a contribuição patrimonial de cada cônjuge, pois a divisão será de metade
para cada um.
II - Os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou
despesa anterior;
A doutrina cita como fato eventual os seguintes exemplos: loteria, sorteio, jogo,
aposta, descobrimento de tesouro (GONÇALVES, 2023, p. 191), não importando se
houve despesa ou não do beneficiário para aquisição.
III - Os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os
cônjuges;
Diferente do art. 1.659, I, CC, aqui o favorecimento é ao casal, por ato gratuito –
doação, herança ou legado em favor de ambos os cônjuges. Entretanto, a vontade deve
ser manifestamente expressa para consistir em exceção à regra geral de
incomunicabilidade.
IV - As benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
Os bens particulares não se comunicam (art. 1.659, I e II, CC), todavia, as
benfeitorias (art. 96, CC) neles realizadas são comunicáveis, pois presume-se que foram
realizadas com o produto do esforço comum, incorporando o patrimônio do casal.
Segundo Flávio Tartuce (2023, p. 179), também ocorre comunicação das
acessões (art. 1.248, CC), apesar da ausência de previsão legal.
V - Os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos
na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Os bens particulares constituem o patrimônio incomunicável, mas os seus frutos
(civis, naturais ou industriais) não. Podem citar como exemplos os rendimentos de um
imóvel (aluguel), aplicação financeira ou dividendos de ações de alguma empresa
(GONÇALVES, 2023, p. 191)
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Sobre a indenização referente às verbas trabalhistas de cada cônjuge, o


entendimento do STJ é que se comunicam, desde que nascidas e pleiteadas na
constância do casamento, integrando, consequentemente, a partilha de bens no
divórcio.
Quanto ao FGTS (Fundo de Garantia de Tempo de Serviço), o entendimento do
STJ é que há comunicação dos valores depositados na constância do casamento,
integrando o patrimônio comum do casal, ainda que não sejam sacados imediatamente
após o divórcio, pois configuram frutos civis do trabalho. Todavia, os valores depositados
antes ou após o matrimônio não se comunicam, inexistindo direito à meação.
Em relação à previdência privada existe debate sobre a existência ou não de
comunicação. A previdência privada é um fundo formado pelo beneficiário, com
reservas periódicas de recursos pessoais, ao longo dos anos, a fim de converter-se em
uma renda vitalícia ou por certo período de tempo, quando atingir determinada idade.
Este fundo também pode ser constituído por aportes depositados pela empresa na qual
trabalha o beneficiário. Trata-se de um regime de previdência complementar.
Nos julgamentos mais recentes do STJ, o entendimento firmado foi de que o
valor existente em previdência complementar aberta, nas modalidades PGBL e VGBL, devem
ser partilhados no divórcio. Justifica-se, pois no sistema aberto, a previdência é operada
por seguradoras autorizadas pela Superintendência de Seguros Privados e pode ser
contratada por qualquer pessoa física ou jurídica, havendo grande flexibilidade e
liberdade na gestão do fundo. Trata-se, portanto, de uma espécie de investimento
financeiro, assim como aportes em fundos de renda fixa ou aquisição de ações.
Já os fundos de previdência complementar fechada estão incluídos no rol do art.
1.659, VII, CC, que não se comunicam. No entendimento do STJ, a previdência privada
fechada se enquadra no conceito de “renda semelhante”, por se tratar de uma espécie
de pecúlio, que é personalíssimo. Assim, a possibilidade de resgate antecipado para
meação do cônjuge poderia comprometer o desequilíbrio financeiro e atuarial do plano
de previdência e prejudicar terceiros de boa-fé, que são os demais membros do fundo.
São incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao
casamento (art. 1.661, CC), como, por exemplo, “um rapaz solteiro que vende a crédito um
terreno seu, cujo valor é recebido após a celebração do casamento sob o regime da
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comunhão parcial. Tal valor é incomunicável, pois a sua causa é anterior ao matrimônio”
(DINIZ apud TARTUCE, 2023, p. 185).
O art. 1.662, CC trata de uma presunção relativa sobre os bens móveis,
considerando que foram adquiridos na constância do casamento e, portanto, são
comunicáveis. Todavia, cabe prova em contrário de quem alega que o bem é exclusivo e
incomunicável.
Conforme o art. 1.663, CC, a administração do patrimônio comum compete a
qualquer um dos cônjuges, e não inclui o poder para vender, doar ou alienar bens
imóveis, doar bens móveis, prestar fiança ou aval, cujos atos dependem de autorização
do outro cônjuge. Inclui, todavia, a venda ou permuta de bens móveis (LÔBO, 2023, p.
171).
As dívidas contraídas durante a administração obrigam os bens comuns, pois
presumem-se feitas no interesse da família. Os bens particulares do cônjuge administrador
também respondem, independentemente se agiu com diligência ou desídia. Já os bens
particulares do outro cônjuge respondem na razão do proveito que houver auferido (§
1º, art. 1.663, CC), conforme exemplifica Flávio Tartuce:

De início, imagine-se uma situação em que o marido tem uma empresa, anterior
ao casamento, e a administra sozinho. Nesse caso, a parte que tem nos bens
comuns e os bens exclusivos da esposa não responde por dívidas contraídas pelo
marido na administração da empresa, já que o bem é anterior.
Por outra via, se a empresa foi constituída na vigência do matrimônio, sendo
de ambos e administrada pelo marido, que contrai dívidas, responderão tanto
os bens particulares do marido quanto os bens comuns, em regra.
Eventualmente, se a mulher for beneficiada por essa administração
responderão os seus bens particulares, na proporção da vantagem produzida.

O § 2º do art. 1.663, CC prevê a necessidade de anuência de ambos os cônjuges


para os atos que, a título gratuito, impliquem na cessão do uso ou gozo dos bens
comuns, como, por exemplo, a instituição de um usufruto ou a celebração de um
contrato de comodato de imóvel pertencente a ambos.
A malversação dos bens, isto é, a dilapidação do patrimônio ou desvio de bens
por um dos cônjuges constitui má administração e permite que o juiz atribua a
administração apenas ao outro (§ 3º, art. 1.663, CC), além de responder com seu
patrimônio particular. Conforme o art. 1.654, CC, os bens da comunhão respondem
pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da
família, às despesas de
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administração e às decorrentes de imposição legal, tendo como exemplos as dívidas


domésticas; despesas de alimentação dos membros da entidade familiar; despesas de
aluguel e condomínio do apartamento onde reside o casal; contas de água, luz, telefone
e gás; tributos do imóvel de residência, entre outros (TARTUCE, 2023, p. 187).
A administração e a disposição dos bens particulares é exclusiva do cônjuge
proprietário, salvo convenção diversa em pacto antenupcial (art. 1.665, CC). Entretanto,
esta norma parece ser contraditória com o art. 1.647, I, CC, que condiciona a alienação
ou constituição de ônus real dos imóveis, inclusive os particulares, à autorização do
outro cônjuge. Paulo Lôbo (2023, p. 172) explica que “[as] duas normas hão de ser
harmonizadas, de modo a que sejam lidas como se dissessem: o cônjuge proprietário
pode dispor de seus bens imóveis particulares, havendo autorização do outro ou
suprimento judicial.”
Flávio Tartuce (2023, p. 187) explica a necessidade da autorização prevista no
art. 1.647, I, CC, justificando que muitas vezes são introduzidas benfeitorias nesses bens
particulares, que podem comunicáveis (art. 1.660, IV, CC). Desta forma, a alienação sem
a outorga conjugal pode gerar o enriquecimento sem causa de um cônjuge em relação
ao outro.
Estabelece o art. 1.666, CC, que as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges
na administração de seus bens particulares e em benefício destes, não obrigam os bens
comuns.

2.12.3 Regime da comunhão universal

Conforme Tartuce (2023, p. 188), “[c]omo regra básica, comunicam-se tanto os


bens anteriores ou presentes quanto os posteriores à celebração do casamento, ou seja,
há uma comunicação total ou plena nos aquestos, o que inclui as dívidas passivas de ambos
(art. 1.667 do CC).”
Paulo Lôbo (2023, p. 173) explica que este regime se caracteriza pela quase total
comunhão dos bens adquiridos antes ou após o casamento, pois existem alguns bens
excluídos, conforme o art. 1.668, CC, que não entram nos aquestos:
I - Os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-
rogados em seu lugar;
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A cláusula de incomunicabilidade veda a comunhão nos aquestos em qualquer


regime, devendo ser justificada, quando inserida no contrato de doação ou testamento.
II - Os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes
de realizada a condição suspensiva;
O fideicomisso é uma forma de substituição testamentária em que um primeiro
herdeiro (fiduciário) pode ser substituído por outro (fideicomissário), conforme previsão
no arts. 1.951 a 1.960 do CC. O fideicomissário é futura pessoa ainda não concebida ao
tempo da abertura da sucessão (morte do testador). Enquanto o bem estiver com o
fiduciário, prevalece a cláusula de incomunicabilidade, pois sua propriedade é resolúvel.
Se a condição suspensiva (nascimento do fideicomissário) for implementada, a
propriedade do fiduciário se resolve (art. 1.359, CC) e transmite-se ao fideicomissário.
Por outro lado, o não nascimento do fideicomissário consolida a propriedade para o
fiduciário, incorporando-se o bem ao patrimônio comum do casal.
III - As dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus
aprestos, ou reverterem em proveito comum;
As dívidas anteriores de cada cônjuge são incomunicáveis, respondendo o
devedor com os bens que que permanecerem particulares. Comunicam-se aquelas
relacionadas com os preparativos do casamento (aprestos: festa do casamento), ou
aquelas que se reverterem em proveito comum, como, por exemplo, para a aquisição do
imóvel do casal, para a mobília desse imóvel, para o enxoval, entre outras despesas que
interessam a ambos. Paulo Lôbo (2023, p. 173) explica que cabe ao credor fazer prova dessa
destinação, com documentos, testemunhas e outras provas admitidas em direito.
IV - As doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula
de incomunicabilidade;
O regime de comunhão universal é incompatível com doações entre os cônjuges,
após o casamento. Assim, antes do casamento a doação realizada de um ao outro, com
cláusula de incomunicabilidade, permanece como patrimônio particular do cônjuge
beneficiado. Neste sentido, preserva-se a autonomia privada.
V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.
São também particulares os bens de uso pessoal, os livros, os instrumentos de
profissão, os rendimentos de trabalho pessoal, as pensões, meios-soldos, montepios.
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Conforme o art. 1.669, CC os frutos são comunicáveis, mesmo que se refiram aos
bens incomunicáveis (art. 1.668, CC), desde que vençam ou sejam percebidos na
constância do casamento.
Em relação à indenização por verbas trabalhistas e o saldo depositado em conta
de FGTS, o STJ tem entendido por sua comunicação no regime da comunhão universal,
assim como ocorre com o regime da comunhão parcial.
Conforme o art. 1.670, CC a administração dos bens na comunhão universal rege-
se pelas mesmas regras da comunhão parcial, ou seja, aplicam-se os artigos 1.663, 1.665
e 1.666.
A comunhão universal extingue-se com o divórcio, o falecimento de um dos
cônjuges, a separação de fato e quando o regime for alterado para outro, mediante
autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges (CC, art. 1.639, § 2º).
Todavia, a responsabilidade dos cônjuges pelas dívidas que foram contraídas por
qualquer deles na constância do casamento permanece até que seja efetivada a divisão
do ativo (bens e créditos) e do passivo (dívidas e obrigações) do casal, de modo a se
distinguir a responsabilidade de cada qual perante os credores (art. 1.671, CC).

2.12.4 Regime da participação final nos aquestos

O regime de participação final nos aquestos também é chamado de “regime


contábil”, podendo ser assim explicado:

Basicamente, durante o casamento há uma separação total de bens, e no caso


de dissolução do casamento e da sociedade conjugal, algo próximo de uma
comunhão parcial. Cada cônjuge terá direito a uma participação daqueles
bens para os quais colaborou para a aquisição, devendo provar o esforço para
tanto. (TARTUCE, 2023, p. 193)

Paulo Lôbo (2023, p. 176) explica que devido à sua complexidade não possui
tradição na experiência brasileira. Agrega elementos da comunhão parcial, separação
absoluta e apuração contábil de passivo e ativo: “os bens adquiridos antes ou após o
casamento constituem patrimônios particulares dos cônjuges, da mesma forma que as
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dívidas que cada um contrai, mas, na dissolução da sociedade conjugal, os bens são
considerados segundo o modelo da comunhão parcial.” (LÔBO, 2023, p. 176).
Aquestos, para o presente regime, consiste nos bens adquiridos a título oneroso,
pelos cônjuges, na constância do matrimônio (art. 1.672, CC), excluindo-se os que que
foram recebidos por liberalidade (doação ou sucessão hereditária) de terceiro. (LOBO,
2023, p. 176).
Conforme explica Flávio Tartuce (2023, p. 194), não há dúvidas de que durante o
casamento há uma separação de bens. Entretanto, quando da dissolução não há
propriamente uma meação, como estabelece o Código Civil, mas uma participação de
acordo com a contribuição de cada um para a aquisição do patrimônio, a título oneroso.
O art. 1.673, CC determina os bens que integram o patrimônio próprio de cada
cônjuge: bens que cada um possuía ao se casar e aqueles adquiridos, a qualquer título na
constância do casamento. A administração desses bens é exclusiva de cada cônjuge, que
pode aliená-los livremente, desde que sejam móveis (parágrafo único, art. 1.673, CC).
Com relação aos bens imóveis, a regra para alienação é a mesma para todos os
regimes, com exceção da separação absoluta, ou seja, terá de haver autorização do
outro cônjuge, ou suprimento judicial, se a recusa for injustificada (art. 1.647, I, CC).
Mediante pacto antenupcial que adotar esse regime é possível convencionar
expressamente a livre alienação dos bens imóveis particulares (art. 1.656, CC).
No momento da dissolução da sociedade conjugal (divórcio, anulação do
casamento e a morte de um ou de ambos os cônjuges) serão apurados, contabilmente,
todos os bens adquiridos durante o casamento ou os respectivos valores, se tiverem
sido alienados e não houve sub-rogação de outros em seu lugar. Somam-se os
patrimônios próprios de cada cônjuge, observando-se somente a parte adquirida
onerosamente após o casamento, formando-se o patrimônio comum para apuração das
respectivas meações. Havendo saldo em favor de um cônjuge, este será credor do outro
referente ao respectivo montante (art. 1.672, CC).
Devem ser excluídos da soma dos patrimônios próprios os seguintes bens,
conforme o art. 1.674, CC: bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-
rogaram (substituição real ou objetiva); bens que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão
ou liberalidade e as dívidas relativas a esses bens.
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Quanto aos bens móveis existe uma presunção relativa (juris tantum) de que foram
adquiridos durante o casamento, salvo prova em contrário (parágrafo único do art.
1.674, CC). Portanto, presume-se a comunicação ou participação quanto aos bens
móveis.
O valor de eventuais doações realizadas por um dos cônjuges, sem a necessária
autorização do outro, também será computado no montante dos aquestos (art. 1.675, CC).
Nesse caso, o bem poderá ser reivindicado pelo cônjuge prejudicado ou por seus herdeiros
(anulação da doação – arts. 1.647 e 1.649, CC); ou declarado no monte partilhável por valor
equivalente ao da época da dissolução.
Os bens alienados, mas substituídos por outros (sub-rogados), têm o valor destes
levado em conta. Se a alienação não foi seguida da aquisição de novo bem, considera-se
o valor do dia da alienação, devendo ser atualizado monetariamente até à data da dissolução
(LÔBO, 2023, p. 177).
Conforme Brandão, citada por Paulo Lôbo (2023), não é uma operação contábil
simples:

[...] porque alguns patrimônios devem ser identificados: 1) os bens


particulares ou próprios e os sub-rogados em seu lugar; 2) os bens aquestos;
3) os bens doados sem autorização do outro cônjuge; 4) os bens alienados em
prejuízo de eventual ‘meação’; 5) os bens adquiridos em conjunto pelos
cônjuges e os inseridos em pacto antenupcial como tais; e 6) os bens móveis,
verificando se integram patrimônio particular ou aquesto” (Brandão, 2007, p.
245). (LÔBO, 2023, p. 177)

Cada cônjuge responde pelas dívidas contraídas após o casamento, salvo prova
de terem revertido, parcial ou totalmente, em benefício do outro ou do casal (art. 1.677,
CC).
Ainda quanto às dívidas, se um dos cônjuges pagou divida do outro com bens do
seu patrimônio, o valor do pagamento deve ser atualizado e imputado, na data da
dissolução, à meação do outro cônjuge (art. 1.678, CC). O ônus da prova do pagamento
é de quem alega que o realizou.
Os bens adquiridos pelo trabalho conjunto formará um condomínio, indicando que
cada um dos cônjuges possui uma quota igual no condomínio ou no crédito por aquele
modo estabelecido (art. 1.679, CC). Neste caso a regra é da divisão igual, cabendo ao
cônjuge que contribuiu com parte maior a prova desta colaboração.
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Conforme o art. 1.683, CC, o montante dos aquestos é verificado na data em que
cessou a convivência, e não a da decisão judicial ou a da escritura pública do divórcio, “o
que visa a evitar fraudes por aquele que detêm a titularidade ou a posse do bem
partível” (TARTUCE, 2023, p. 195). “A convivência conjugal cessa quando há separação
de fato, ou seja, quando os cônjuges cortam os liames afetivos que os uniam. É matéria
de fato, cuja controvérsia será objeto de prova.” (LÔBO, 2023, p. 177).
Acrescenta Paulo Lôbo (2023, p. 177), que na hipótese da morte será observada
a data do óbito, e na anulação do casamento, a data do trânsito em julgado da sentença.
De acordo com o art. 1.684, CC, se não for possível realizar a divisão de todos os
bens em natureza, os seus valores serão calculados para reposição em dinheiro ao cônjuge
não proprietário. Se a reposição em dinheiro também não for possível, os bens serão
avaliados e alienados mediante autorização judicial, para pagamento das respectivas
quotas.
Paulo Lôbo (2023, p. 178) exemplifica o cálculo para partilha no regime da
participação final nos aquestos, conforme formulação de Oliveira e Muniz:

a) Patrimônio final do marido: 1.700


Menos bens excluídos (art. 1.674, CC): (1.000)
Ganho ou aquestos: 700
b) Patrimônio final da mulher: 800
Menos bens excluídos (art. 1.674, CC): (500)
Ganhos ou aquestos: 300
c) Crédito de participação devido pelo marido à mulher: 700 − 300 (÷ 2) = 200
(LÔBO, 2023, p. 178)

Os créditos de um cônjuge contra o outro são compensados, obtendo-se o


crédito de participação devido de um para o outro. No exemplo acima, a soma final dos
aquestos é 1.000 (700 + 300). Sendo assim, com a dissolução da sociedade conjugal,
cada cônjuge deve ficar com 500. Para isso, o marido deve transferir 200 para a mulher,
igualando os aquestos.
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2.12.5 Regime da separação de bens

O regime da separação de bens pode ser convencional (origem em pacto


antenupcial) ou legal ou obrigatório (nos casos do art. 1.641, CC).
O Código Civil estabelece duas regras básicas para o regime da separação
convencional.
Conforme o art. 1.687, CC não haverá comunicação de qualquer bem, seja posterior
ou anterior à celebração do casamento, cabendo a administração desses bens de forma
exclusiva a cada um dos cônjuges. Assim, os bens de cada cônjuge, independentemente de
sua origem ou da data de sua aquisição, compõem patrimônios particulares e separados,
com respectivos ativos e passivos. Caracteriza-se, justamente, pela ausência de massa
comum.
O regime de separação absoluta de bens não impede o condomínio dos cônjuges
sobre determinados bens, que tenham sido adquiridos com a participação efetiva de
ambos, nos limites e proporções correspondentes, ou em decorrência de doações ou
legados conjuntos. Os bens nesta situação se submetem às regras do condomínio
voluntários (arts. 1.314 a 1.326, CC).
Cada cônjuge poderá alienar ou gravar com ônus real os seus bens, mesmo
sendo imóveis, sem outorga conjugal (art. 1.647, CC). Portanto, somente neste regime
há separação absoluta de bens.
Conforme explica Paulo Lôbo (2023, p. 175), “a liberdade de alienação é
acompanhada da liberdade de gravar os bens próprios de ônus reais, como servidão,
usufruto, uso, habitação, ou de dá-los em garantias reais (penhor, hipoteca, por exemplo).”
A segunda regra, prevista no art. 1.688, CC, aplica-se tanto à separação
convencional (absoluta) quanto à separação obrigatória de bens, isto é, ambos os cônjuges
são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos do seu
trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial.
No regime de separação absoluta, cada cônjuge responde pelas dívidas que
contraiu. Entretanto, as dívidas contraídas por um dos cônjuges para serem utilizadas
nas despesas familiares devem ser suportadas por ambos, conforme estabelece o art.
1.644, CC, com abrangência para qualquer regime de bens.
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Paulo Lôbo (2023, p. 175) exemplifica algumas despesas correntes de


manutenção: sustento e educação dos membros da família, alimentação, lazer,
vestuário regular, conservação e ampliação do imóvel residencial e do respectivo
mobiliário, empregados, transporte, água, luz, telefones. As despesas devem guardar
compatibilidade com o padrão de vida familiar, nos limites dos rendimentos dos cônjuges.
Em relação ao regime da separação legal ou obrigatória de bens (art. 1.641, CC),
as questões mais polêmicas se referem à Súmula 377 do STF (03/04/1964), que ainda é
aplicada com o seguinte enunciado: “No regime de separação legal de bens,
comunicam- se os adquiridos na constância do casamento.”, assemelhando-se ao regime da
comunhão parcial de bens.
A primeira divergência quanto à aplicação da referida súmula foi sobre a
necessidade de provar o esforço comum do cônjuge para ter direito à comunicação dos
bens adquiridos na constância do casamento. O entendimento mais recente é sobre a
necessidade de comprovação do esforço comum, conforme julgamento da Segunda
Seção do STJ, nos EREsp n. 1.623.858/MG, Rel. Min. Lázaro Guimarães
(Desembargador convocado do TRF 5.ª Região), julgado em 23/05/2018, publicado no
DJe em 30/05/2018. Diante desta possibilidade de comunicação dos bens adquiridos na
constância do casamento, por esforço comum, outra questão em debate é sobre a
possibilidade de afastar os efeitos da Súmula 377 do STF mediante pacto
antenupcial celebrado por cônjuges que sofrem a imposição do regime da separação
obrigatória, na hipótese descrita
no art. 1.641, II, CC (maior de setenta anos).
Flávio Tartuce (2023, p. 155), juntamente com vários civilistas contemporâneos por
ele citado), entende que é possível afastar a Súmula 377/STF mediante convenção das
partes, tanto no casamento quanto na união estável, considerando-se que a matéria é
de ordem privada, portanto é totalmente disponível. Neste caso, os efeitos da separação
obrigatória seriam ampliados, passando a ser uma verdadeira separação absoluta de
bens e, desta forma, não haveria comunicação de qualquer bem.
A única restrição, apontada por Tartuce (2023, p. 155), se refere às disposições
absolutas de lei, consideradas regras cogentes, conforme consta do art. 1.655, o que
conduziria à nulidade absoluta da previsão. “A título de exemplo, se há cláusula no pacto
que afaste a incidência do regime da separação obrigatória, essa será nula, pois o art. 1.641
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do Código Privado é norma de ordem pública, indisponível, indeclinável pela autonomia


privada.” (TARTUCE, 2023, p. 155).
Na VIII Jornada de Direito Civil (2018) o tema foi objeto do Enunciado 634: “É
lícito aos que se enquadrem no rol de pessoas sujeitas ao regime da separação
obrigatória de bens (art. 1.641 do Código Civil) estipular, por pacto antenupcial ou
contrato de convivência, o regime da separação de bens, a fim de assegurar os efeitos
de tal regime e afastar a incidência da Súmula 377 do STF”.
O referido posicionamento foi confirmado, em 2021, pela Quarta Turma do STJ,
no julgamento do REsp n. 1.922.347/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão.

2.13 Dissolução do casamento e da sociedade conjugal

No Código Civil de 1916 era admitido somente o desquite, que autorizava a


separação de corpos entre os cônjuges e que permitia a dissolução da sociedade
conjugal, mas não do casamento.
Os efeitos do desquite eram a legitimidade da separação de corpos, a partilha do
patrimônio comum, definição do sistema de guarda dos filhos e arbitramento dos
alimentos. O desquite poderia ser amigável ou litigioso.
Nesta época ainda não existia o divórcio no Brasil, portanto o casamento não era
dissolvido e os cônjuges desquitados estavam impedidos de se casar novamente.
Em 1977, o divórcio foi admitido no Brasil mediante a Emenda Constitucional n. 9
e a Lei n. 6.515. Entretanto, prevaleceu o desquite sob a denominação de separação
judicial, como pré-requisito para o divórcio, pois este somente poderia ser concedido após
três anos daquela. O divórcio era permitido uma única vez para a mesma pessoa.
Assim, a separação amigável ou litigiosa apenas dissolvia a sociedade conjugal,
persistindo o vínculo matrimonial e impedindo novo casamento aos ex-cônjuges.
A Constituição Federal de 1988 permitiu o divórcio direto, ou seja, desde que o casal
estivesse separado de fato há pelo menos dois anos (causa objetiva). A separação
judicial continuou, mas já não era um pré-requisito para o divórcio, pois o casal poderia
se separar judicialmente e, após um ano se divorciar.
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Em 2010, a Emenda Constitucional n. 66 (Emenda do Divórcio), alterou o § 6º do


art. 226, suprimindo a referência à separação judicial e a quaisquer causas subjetivas ou
objetivas para o divórcio.
O Código Civil (2002) ainda mantém referência à separação de direito (judicial e
extrajudicial). Para uma minoria da doutrina a separação de direito continua existindo
no ordenamento jurídico, com o entendimento de que somente os prazos para o
divórcio foram excluídos pela EC n. 66/2010. O próprio STJ possui decisões de 2017
considerando que a separação de direito ainda persiste.
Um ponto que fortalece a permanência da separação de direito no ordenamento
jurídico é que o atual CPC (2015) tratou da separação de direito no capítulo sobre as
ações de família (art. 693) e outros artigos sobre a matéria (art. 189; 731).
No entanto, o entendimento majoritário da doutrina em Direito de Família, é que
não existe mais esta forma de extinção da sociedade conjugal após a EC n. 66/2010. A
solução definitiva do tema será dada pelo Supremo Tribunal Federal, quando analisar o
Recurso Extraordinário 1.167.478/RJ, em sede de repercussão geral.
Paulo Lôbo (2023), que adota o posicionamento majoritário, identifica os artigos do
Código Civil revogados ou não recepcionados pela Constituição após a EC n.66/2010:

A nova redação do § 6º do art. 226 da CF/1988 importou revogação das


seguintes normas do CC/2002, com efeitos ex nunc: o caput do art. 1.571, que
indicava as hipóteses de dissolução da sociedade conjugal sem dissolução do
vínculo conjugal. Igualmente revogada está a segunda parte do § 2º desse artigo,
que alude ao divórcio por conversão, cuja referência na primeira parte
também não sobrevive; os arts. 1.572 e 1.573, que regulavam as causas da
separação judicial; os arts. 1.574 a 1.576, que dispunham sobre os tipos e
efeitos da separação judicial; o art. 1.578, que estabelecia a perda do direito
do cônjuge considerado culpado ao sobrenome do outro; o art. 1.580, que
regulamentava o divórcio por conversão da separação judicial; os arts. 1.702 e
1.704, que dispunham sobre os alimentos devidos por um cônjuge ao outro,
em razão de culpa pela separação judicial; as expressões “separação judicial”
contidas nas demais normas do CC/2002, notadamente quando associadas ao
divórcio. (LÔBO, 2023, p. 75).

Desta forma, seguindo o entendimento majoritário da doutrina, atualmente, a


sociedade conjugal termina (I) pela morte de um dos cônjuges, (II) pela nulidade ou
anulação do casamento e (III) pelo divórcio.
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Já o casamento válido se dissolve de forma voluntária, por meio do divórcio, ou


involuntária, através da morte de um ou de ambos os cônjuges, conforme o § 1º do art.
1.571, CC.
Outra importante evolução trazida pela EC n. 66/2010 foi o fim da discussão da
culpa pelo fim do casamento nos processos de separação judicial (extinta) e divórcio,
perdendo, então, as consequências jurídicas que provocava, conforme cita Paulo Lôbo
(2023, p. 70): “a guarda dos filhos não pode mais ser negada ao culpado pela separação,
pois o melhor interesse deles é quem dita a escolha judicial; a partilha dos bens
independe da culpa de qualquer dos cônjuges; os alimentos devidos aos filhos não são
calculados em razão da culpa de seus pais; a dissolução da união estável independe de
culpa do companheiro.”
Ressalta Paulo Lôbo (2023, p. 70), no entanto, que “a culpa permanecerá em seu
âmbito próprio: o das hipóteses de anulabilidade do casamento, tais como os vícios de
vontade aplicáveis ao casamento, a saber, a coação e o erro essencial sobre a pessoa do
outro cônjuge.”, conforme observa-se no art. 1.564, CC quanto à perda das vantagens
havidas do cônjuge inocente e ao cumprimento das promessas feitas no pacto antenupcial.
Hoje podem ser citados três tipos de divórcio. O divórcio litigioso é realizado
somente pela via judicial e está regulado nos arts. 693 a 699, CPC.
O divórcio consensual pode ser realizado pela via judicial, nos termos do art. 731,
CPC, bem como de modo extrajudicial (cartório de notas), desde que, neste último caso,
não haja nascituro ou filhos incapazes, conforme dispõe o art. 733, CPC, observada a Lei
n. 11.441/2007.
Também é possível realizar a escritura pública de divórcio consensual por via digital
ou eletrônica, conforme o Provimento n. 100 do CNJ, obedecendo aos requisitos de
validade específicos para a solenidade virtual.
Em todas as três formas de divórcio exige-se somente a comprovação do
casamento, por meio da certidão, e que as questões essenciais sejam definidas:
modalidade de convivência (guarda) e proteção dos filhos menores; sobrenome
utilizado; alimentos e partilha dos bens.
A partilha de bens comuns, no entanto, pode ser realizada em momento
posterior ao divórcio, conforme estabelece o art. 1.581, CC.
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Conforme Paulo Lôbo (2023, p. 71), somente os próprios cônjuges podem pedir o
divórcio. Esclarece o autor, todavia, que é possível a representação excepcional do cônjuge
quando declarado incapaz ou que, por alguma circunstância ocasional, não possa ajuizar
diretamente a ação ou defender-se, sendo representado por seu curador, ou por
ascendente ou pelo irmão, conforme o art. 1.582, CC.
Há hoje entendimento doutrinário sobre a possibilidade de divórcio liminar, com
fundamento no art. 311, CPC, que prevê a concessão de tutela da evidência quando ficar
caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte,
ou quando as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente.
“Nessa hipótese, considerando que a decisão tem caráter irreversível, as questões
controvertidas, relativamente à convivência com os filhos, alimentos e partilha devem
ser objeto de apreciação distinta.” (LÔBO, 2023, p. 71).
Conforme a Lei n. 13.894/2019, que alterou a Lei Maria da Penha (Lei n.
11.340/2006), o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra à Mulher é
competente para julgar ações de divórcio, anulação de casamento ou dissolução da
união estável, exceto quanto à partilha de bens.
A competência para a ação de divórcio está regulada no art. 53, CPC, determinando
o foro do guardião do filho incapaz, ou do último domicílio do casal se não houver filho
incapaz, ou do domicílio do réu se nenhuma das partes residir no último domicílio do casal.
O divórcio deve ser averbado no registro de casamento, para fins de publicidade
e efeitos contra terceiros. Se for judicial, os ex-cônjuges levarão o mandado de averbação
ou a sentença com este efeito, no cartório em que o casamento foi registrado. No
divórcio extrajudicial, o traslado extraído da escritura pública é o instrumento hábil para
averbação do divórcio junto ao registro público do casamento e para o registro de imóveis,
se houver.

2.13.1 Separação de fato

A separação de fato não é mais requisito para decretação do divórcio direto, que
deixou de existir com a EC n. 66/2010. No entanto, alguns efeitos ainda são
considerados. O primeiro deles está no § 1º do art. 1.723 do CC, que se refere à união
estável. O cônjuge separado de fato pode iniciar união estável com outra pessoa,
imediatamente,
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sem impedimento legal, passando a incidir o regime legal de comunhão parcial de bens
na nova união.
Desta forma, a separação de fato constitui o fim da sociedade conjugal, ainda
que não dissolva o casamento. Neste sentido, a separação de fato gera a cessação dos
deveres conjugais (art. 1.566, CC) e a interrupção do regime matrimonial de bens.
Se os cônjuges adquirirem bens após a separação de fato, serão exclusivos de
cada um, independentemente do regime de comunhão adotado, haja vista sua interrupção.
Este entendimento privilegia o princípio que veda o enriquecimento sem causa.
Outro efeito relevante é que a separação de fato altera o regime sucessório. O
art. 1.830, CC determina que somente é reconhecido o direito sucessório ao cônjuge
sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente,
nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa
convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente. Hoje a jurisprudência tem
relativizado este prazo da separação de fato, considerando que não há direito à herança
do cônjuge sobrevivente, mesmo que o prazo seja inferior a dois anos.
Paulo Lôbo (2023, p. 76) cita também o art. 197, I, CC, que estabelece a
suspensão do prazo prescricional entre os cônjuges na vigência da sociedade conjugal.
Neste sentido, o STJ decidiu que não se aplica a referida suspensão aos cônjuges
comprovadamente separados de fato (REsp n. 1.660.947, julgado em 08/11/2022).

2.13.2 Partilha de bens

Um efeito importante do divórcio, além da dissolução da sociedade e do vínculo


(casamento) conjugal, é a extinção do regime de bens, provocando sua partilha.
O casal pode, ainda que seja litigioso o divórcio, elaborar proposta de acordo
para partilhar os bens, que será submetida à homologação do juiz (parágrafo único do
art. 1.575, CC). O acordo não precisa observar rigorosa igualdade ou as regras do regime
de bens adotado, em virtude da prevalência da autonomia da vontade. Portanto, a
partilha pode não ser igualitária, com a transmissão de bens de um cônjuge para outro,
fazendo incidir o tributo respectivo (ITCD).
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Não havendo acordo sobre a partilha, os pedidos individuais serão decididos pelo
juiz, que considerará, em princípio, as regras aplicáveis ao regime de bens do casal.
Caso não tenha sido realizada a partilha de bem comum, é possível que o ex-
cônjuge exija indenização ou arbitramento de aluguel pelo uso exclusivo do bem pelo
outro. Este direito não se aplica no caso de afastamento do cônjuge por violência
doméstica, conforme decidido pelo STJ:

RECURSO ESPECIAL. CÍVEL. IMÓVEL EM CONDOMÍNIO. POSSE DIRETA E


EXCLUSIVA EXERCIDA POR UM DOS CONDÔMINOS. PRIVAÇÃO DE USO E
GOZO DO BEM POR COPROPRIETÁRIO EM VIRTUDE DE MEDIDA PROTETIVA
CONTRA ELE DECRETADA. ARBITRAMENTO DE ALUGUEL PELO USO EXCLUSIVO
DA COISA PELA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR.
DESCABIMENTO. DESPROPORCIONALIDADE CONSTATADA E INEXISTÊNCIA DE
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E
DESPROVIDO.
1. O propósito recursal consiste em definir a possibilidade de arbitramento de
aluguel, pelo uso exclusivo e gratuito de imóvel comum indiviso por um dos
condôminos, em favor de coproprietário que foi privado do uso e gozo do
bem devido à decretação judicial de medida protetiva em ação penal
proveniente de suposta prática de crime de violência doméstica e familiar
contra a mulher.
2. A jurisprudência desta Corte Superior, alicerçada no art. 1.319 do Código
Civil de 2002 (equivalente ao art. 627 do revogado Código Civil de 1916), assenta
que a utilização ou a fruição da coisa comum indivisa com exclusividade por
um dos coproprietários, impedindo o exercício de quaisquer dos atributos da
propriedade pelos demais consortes, enseja o pagamento de indenização
àqueles que foram privados do regular domínio sobre o bem, tal como o
percebimento de aluguéis. Precedentes.
3. Contudo, impor à vítima de violência doméstica e familiar obrigação
pecuniária consistente em locativo pelo uso exclusivo e integral do bem comum,
na dicção do art. 1.319 do CC/2002, constituiria proteção insuficiente aos
direitos constitucionais da dignidade humana e da igualdade, além de ir
contra um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro de promoção do
bem de todos sem preconceito de sexo, sobretudo porque serviria de
desestímulo a que a mulher buscasse o amparo do Estado para rechaçar a
violência contra ela praticada, como assegura a Constituição Federal em seu
art. 226, § 8º, a revelar a desproporcionalidade da pretensão indenizatória em
tal caso.
4. Ao ensejo, registre-se que a interpretação conforme a constituição de lei ou
ato normativo, atribuindo ou excluindo determinado sentido entre as
interpretações possíveis em alguns casos, não viola a cláusula de reserva de
plenário, consoante já assentado pelo Supremo Tribunal Federal no RE n.
572.497 AgR/RS, Rel. Min. Eros Grau, DJ 11/11/2008, e no RE n. 460.971, Rel.
Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30/3/2007 (ambos reproduzindo o entendimento
delineado no RE n. 184.093/SP, Rel. Moreira Alves, publicado em 29/4/1997).
5. Outrossim, a imposição judicial de uma medida protetiva de urgência – que
procure cessar a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher e
implique o afastamento do agressor do seu lar – constitui motivo legítimo a
que se limite o domínio deste sobre o imóvel utilizado como moradia
conjuntamente com a vítima, não se evidenciando, assim, eventual
enriquecimento sem causa, que legitimasse o arbitramento de aluguel como
forma de indenização pela privação do direito de propriedade do agressor.
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6. Portanto, afigura-se descabido o arbitramento de aluguel, com base no


disposto no art. 1.319 do CC/2002, em desfavor da coproprietária vítima de
violência doméstica, que, em razão de medida protetiva de urgência
decretada judicialmente, detém o uso e gozo exclusivo do imóvel de
cotitularidade do agressor, seja pela desproporcionalidade constatada em
cotejo com o art. 226,
§ 8º, da CF/1988, seja pela ausência de enriquecimento sem causa (art. 884
do CC/2002). Na hipótese, o Tribunal de origem decidiu em consonância com
a referida tese, inexistindo, assim, reparo a ser realizado no acórdão
recorrido.
7. Recurso especial conhecido e desprovido.
(STJ, Terceira Turma, REsp n. 1.966.556/SP, Rel. Marco Aurélio Bellizze,
julgado em 08/02/2022. Publicado no DJe em 17/02/2022)

Se algum bem ou valor econômico do casal não for incluído na partilha, ou cuja
titularidade tiver origem durante a convivência conjugal, ainda que sua disponibilidade
tenha ocorrido após o divórcio, será necessário o procedimento de sobrepartilha.
Uma questão bastante controvertida na atualidade é sobre os animais comuns do
casal. Ainda não existe lei específica sobre o tema e as opiniões são divergentes, pois há
quem defenda a aplicabilidade das mesmas normas relacionadas à guarda de filhos para
guarda de animais de estimação do casal.
Entretanto, o fato de os animais serem categorizados pelo Código Civil como coisas
(semoventes - bens móveis), conforme se depreende da dicção dos arts. 82, 445, § 2.º,
936, 1.444, 1.445 e 1.446, dificulta o fundamento da analogia de normas quanto à proteção
dos filhos (pessoas naturais).
O STJ se posicionou em duas oportunidades sobre a matéria em questão. O
primeiro case foi julgado em 19/06/2018, pela Quarta Turma, no REsp n. 1.713.267/SP,
Rel. Min. Luis Felipe Salomão, em que o ex-companheiro exigia da ex-companheira o
direito de visitas à cadela de estimação que teria ficado com ela após a dissolução da união
estável, impedindo-o de visitá-la. Foi julgado procedente o pedido do ex-companheiro,
reconhecendo o direito de visitas ao ex-companheiro, podendo destacar-se a ementa:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL


DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO.
INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS.
POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO.
1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão
envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata
de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez
mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante
delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal,
como também pela necessidade de sua preservação como mandamento
constitucional (art. 225, § 1, inciso VII - "proteger a fauna e a flora, vedadas,
na
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forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,


provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade").
2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como
coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a
qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem
podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato
de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade
familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua
natureza jurídica.
3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e
peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente
diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento
jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma
satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de
simples discussão atinente à posse e à propriedade.
4. Por sua vez, a guarda propriamente dita - inerente ao poder familiar - instituto,
por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente
subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento
de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no
interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim
de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes
ao poder familiar.
5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do
homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se
ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa
dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges
pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos
direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade.
6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem
natureza especial e, como ser senciente - dotados de sensibilidade, sentindo
as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -,
também devem ter o seu bem-estar considerado.
7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em
relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a
ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em
concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade,
com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal.
8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida
na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto
entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de
visitas ao animal, o que deve ser mantido.
9. Recurso especial não provido.
(STJ, Quarta Turma, REsp n. 1.713.267/SP, Rel. Luis Felipe Salomão, julgado
em 19/06/2022. Publicado no DJe em 09/10/2018)

Por outro lado, em 18/10/2022, a Terceira Turma, julgou o REsp n. 1.944.228/SP,


Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva (Min. Marco Aurélio Bellizze, Relator para o
acórdão), no qual a ex-companheira exigia do ex-companheiro o pagamento das
despesas com os cachorros de estimação adquiridos durante a união estável. A decisão
foi fundamentada com base no direito de posse e propriedade, sendo negado o pedido
da autora, pois após a partilha de bens ela ficou com os animais, passando a ser a única
responsável por eles.
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Assim, a questão ainda será bastante debatida até que se tenha um consenso,
seja através de uma decisão uniforme do STJ ou de uma lei específica tratando do tema.

2.13.3 Direito ao uso do sobrenome

O art. 1.578, CC trata da permanência ou não do sobrenome do cônjuge após o


divórcio, vinculando a inexistência deste direito à culpa pelo fim do casamento.
Diante das mudanças de entendimento com o advento da EC n. 66/2010, o
direito a manter o sobrenome não se pode vincular à ocorrência ou não de culpa por
parte do portador, considerando-se a revogação total ou não recepção do art. 1.578, CC
por incompatibilidade com a Constituição, a partir de 2010, com a retirada da separação
judicial do sistema.
Justifica-se, ainda, pelo fato de que o nome incorporado pelo cônjuge constitui
um direito da personalidade e fundamental daquele que o incorporou, que envolve a
dignidade humana, havendo relação com a vida privada da pessoa natural (art. 5º, X,
CF/88).
Desta forma, o ex-cônjuge portador do sobrenome do outro poderá renunciar ou
mantê-lo, principalmente se já se integrou de modo definitivo na sua identidade,
considerando suas atividades sociais e profissionais.
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III UNIÃO ESTÁVEL

O entendimento atual, com base na CF/88 (art. 226, § 3º), é que a união estável é
a entidade familiar constituída por duas pessoas que convivem em posse do estado de
casado, ou com aparência de casamento (more uxorio). É um estado de fato que se
converteu em relação jurídica em virtude de a Constituição e a lei atribuírem-lhe dignidade
de entidade familiar própria, com seus próprios direitos e deveres.
Trata-se de entidade familiar que tem como referência estrutural o casamento, mas
dele se distingue com relação ao seu próprio estatuto jurídico, sem hierarquia.
Em que pesem os entendimentos sobre a igualdade plena entre as duas
entidades familiares (casamento e união estável), prevalece a corrente que defende a
equiparação somente para os fins de normas de solidariedade familiar: regras
sucessórias, alimentos e regime de bens. No entanto, quanto às normas de
formalidades, como as relativas à existência formal da união estável e do casamento, aos
requisitos para a ação de alteração do regime de bens do casamento (art. 1.639, § 2.º, do
CC e art. 734 do CPC) e às exigências de outorga conjugal, a equiparação não deve ser
total (TARTUCE, 2023, p. 339).
A união estável sempre existiu, mas era vista de forma estigmatizada sob a
denominação de concubinato, tendo em vista a cultura patriarcal. Coube aos tribunais
brasileiros construir soluções para minimizar a discriminação e desconsideração legal,
principalmente à mulher, que “era relegada ao mundo dos sem direitos, quando dissolvido
o concubinato, pouco importando que derivasse de convivência estável e que
perdurasse por décadas, normalmente com filhos” (LÔBO, 2023, p. 77).
Neste contexto, em 1964, o STF editou duas Súmulas que buscavam soluções
equitativas, levando em conta o evidente enriquecimento sem causa do companheiro
(homem) em relação à companheira:
- Súmula 380: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos,
é cabível a sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço
comum”.
Súmula 382: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é
indispensável à caracterização do concubinato”.
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Observa-se que, principalmente a Súmula 380, está baseada no Direito das


Obrigações (sociedade de fato), e não na proteção de uma relação existencial do Direito de
Família, o que vem a mudar com a CF/88.
Nesta nova forma de compreender a união estável como entidade familiar foram
editadas as Leis n. 8.971/94 e 9.278/96, que estabeleceram um estatuto jurídico
mínimo, especialmente quanto aos seus requisitos, o dever de alimentos, a sucessão dos
bens adquiridos pelos companheiros, os direitos e deveres recíprocos, direito real de
habitação, a conversão da união estável em casamento e a competência do juízo da Vara
de Família para decidir essas matérias.
Cabe ressaltar que entre as duas leis citadas não havia harmonia, como, por
exemplo, nos requisitos para seu reconhecimento. Enquanto a primeira lei (1994)
estabelecia o prazo mínimo de cinco anos ou existência da prole comum, a segunda lei
(1996) não mencionava prazo algum, dando a entender que a segunda havia derrogado
a primeira neste aspecto.
A Lei n. 8.971/94 utilizava a expressão companheiro; a Lei n. 9.278/96 utilizava a
expressão convivente. O CC/2002 unificou a denominação companheiro para o parceiro da
união estável, embora uso de ambas as expressões continue na prática brasileira.
Atualmente, a matéria relativa à união estável está consolidada no Código Civil
de 2002, nos arts. 1.723 a 1.727, que preveem suas regras básicas, especialmente os
seus efeitos pessoais e patrimoniais. Quanto aos alimentos devem ser aplicadas as
regras previstas no art. 1.694 e seguintes do CC.
Todavia, conforme ressalta Paulo Lôbo (2023, p. 78), o legislador manteve a
evidente preferência pelo casamento, podendo observar-se pela sistemática do
CC/2022, em que a união estável vem depois das relações de direito patrimonial, merecendo
a crítica do autor:

Melhor seria que as matérias contidas nos arts. 1.723 a 1.727 fossem
distribuídas, de acordo com sua natureza, entre os direitos pessoais e os
patrimoniais, como se fez com o casamento. Afinal, as relações de parentesco,
a autoridade parental, o direito de filiação, a guarda dos filhos, por exemplo, são
comuns ao casamento e à união estável, e até mesmo à união monoparental.
(LÔBO, 2023, p. 78).
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Hoje os companheiros da união estável são o homem e a mulher, ou o casal de


mesmo sexo, sem impedimentos para casar, salvo se casados, mas separados de fato ou
judicialmente (art. 1.723, CC).
Paulo Lôbo (2023, p. 78) defende que “companheiro” é estado civil autônomo,
ou seja, quem ingressa em união estável deixa de ser solteiro, separado, divorciado,
viúvo.

3.1 Requisitos da união estável

O art. 1.723, CC, que regulamenta o art. 226, § 3º, da CF/1988, juntamente com a
decisão do STF na ADI 4.277/2011 (reconhecimento da união estável homoafetiva),
considera como requisitos da união estável:
a) relação afetiva entre os companheiros, de sexo diferente ou de mesmo sexo;
b) convivência pública, contínua e duradoura;
c) escopo de constituição de família;
d) possibilidade de conversão para o casamento. (LÔBO, 2023, p. 78).

A união pública é aquela notória, ou seja, não pode ser oculta ou clandestina; é
contínua, pois não há interrupções; duradoura; com objetivo de os companheiros
estabelecerem família (animus familiae).
Segundo Tartuce (2023, p. 343), para a configuração da intenção de constituir
família, entram em cena o tratamento dos companheiros (tractatus), bem como o
reconhecimento social de seu estado (reputatio), que são critérios para a configuração
da posse de estado de casados (art. 1.545, CC).
A intenção de constituir família é que diferencia cabalmente o namoro da união
estável. Segundo José Fernando Simão, citado por Tartuce (2023, p. 345), se há um projeto
futuro de constituição de família, trata-se de namoro; se há uma família já constituída, com
ou sem filhos, trata-se de união estável.
Conforme Paulo Lôbo (2023, p. 79) “constituição, para os fins da norma, deve ser
entendida como início e desenvolvimento da entidade familiar.” Portanto, este requisito é
objetivo e que diferencia a união estável de outros relacionamentos afetivos, como a
amizade, a camaradagem entre colegas de trabalho, as relações religiosas.
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Percebe-se que a lei não exige que os companheiros convivam sob o mesmo
teto, pois a Súmula n. 382/STF (1964) permanece em vigor, bem como não se exige
tempo mínimo. A estabilidade da convivência não é afetada por essa circunstância, pois
decorre da conduta fática nos espaços públicos e sociais, como se casados fossem, e das
relações pessoais dos companheiros, sendo presumida quando conviverem sob o
mesmo teto ou tiverem filho. “Evidentemente, essas presunções admitem prova em
contrário, pois o filho pode resultar de relacionamento casual, sem qualquer convivência dos
pais e a convivência sob o mesmo teto pode não ter natureza afetiva.” (LÔBO, 2023, p.
79).
O § 1º do art. 1.723, CC estabelece que a união estável não se constituirá se
ocorrerem os impedimentos do art. 1.521 (parentesco ou crime), exceto no caso de a
pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente (ou extrajudicialmente).
O § 2º do art. 1.723, CC enuncia que as causas suspensivas do casamento (art.
1.523, CC) não impedem a caracterização da união estável. Deve-se lembrar que a questão
está relacionada com os efeitos patrimoniais, pois as pessoas casadas em infração à
causa suspensiva terão como regime a separação obrigatória de bens. Neste sentido, no
item próprio sobre os reflexos patrimoniais na união estável, este assunto será
analisado.
Não é necessário qualquer requisito formal obrigatório para que a união estável
reste configurada, como a necessidade de elaboração de uma escritura pública entre as
partes ou de uma decisão judicial de reconhecimento (TARTUCE, 2023, p. 344), pois
trata- se de um ato-fato jurídico, que não necessita de qualquer manifestação de
vontade para que produza seus jurídicos efeitos. “Basta sua configuração fática, para que
haja incidência das normas constitucionais e legais cogentes e supletivas e a relação fática
converta-se em fato jurídico.” (LÔBO, 2023, p. 78).
Todavia, o CNJ, por meio do Provimento n. 37/2014, atualizado pelo Provimento
n. 141, de 16/03/2023, estabelece a faculdade do registro da união estável, no Livro “E”
do cartório de registro civil das pessoas naturais da comarca em que os companheiros têm
ou tiveram seu último domicílio. O referido registro confere efeitos jurídicos à união
estável perante terceiros, mas não altera a natureza de ato-fato jurídico da união
estável, que se constitui independentemente de qualquer ato, celebração ou registro.
Flávio Tartuce (2023, p. 353) alerta sobre a necessidade de capacidade e
discernimento das partes para constituição de uma união estável, sob pena de sua nulidade
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(arts. 104 e 166, CC) ou inexistência. Em princípio, deve-se registrar que o Estatuto da
Pessoa com Deficiência consagra a capacidade plena dessas pessoas para os atos
existenciais familiares, inclusive para se casar ou constituir união estável (art. 6º, I).
Todavia, a discussão existe sobre a possibilidade de união estável para menores
de 16 anos, haja vista a ausência de norma específica relativa à capacidade para a
constituição da união estável, em comparação ao casamento que exige a idade núbil sob
pena de anulação (arts. 1.517; 1.550, I, CC).
Flávio Tartuce (2023, p. 354) explica que é forte o entendimento doutrinário e
jurisprudencial no sentido de que devem ser observados, por analogia, os mesmos critérios
presentes para o casamento. Neste sentido, a união estável do menor de 16 anos
deveria ser tida como nula ou até como inexistente. Isso porque, em havendo
incapacidade para o casamento, esta também se faz presente para a união estável.
Todavia, este posicionamento não é unânime, pois o próprio Tartuce (2023, p. 354)
apresenta reflexões considerando a natureza jurídica da união estável, sustentando que
a hipótese fática de união estável do menor de 16 anos deve ser de efetividade do
instituto, sendo viável doutrinariamente adotá-lo em casos tais.
Alguns efeitos do casamento são comuns à união estável, conforme cita Paulo Lôbo
(2023, p. 78): impedimentos para constituição, direitos e deveres comuns, regime legal
de bens, alimentos, autoridade parental, relações de parentesco, filiação.

3.2 Diferenças entre união estável, namoro e concubinato

A união estável possui requisitos objetivos que permitem distingui-la da relação


de namoro, que não é entidade familiar, muito menos figura jurídica. Todavia, nem
sempre é fácil realizar essa distinção na prática, pois muitas vezes os namorados passam
a companheiros sem perceber, em razão da transformação de suas relações pessoais,
passando a adotar deveres próprios da entidade familiar, como lealdade, respeito,
assistência material e moral, além do advento de prole.
O fato de passarem a conviver sob o mesmo teto não é requisito imprescindível
para a configuração de união estável, nem tempo mínimo de convivência. Assim, é
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necessário verificar se há convivência afetiva duradoura, pública e contínua como se


casados ou companheiros fossem.
O namoro não cria direitos e deveres, por isso, nesta eventual zona cinzenta
entre a passagem do namoro para união estável, aqueles que desejam se prevenir de
consequências jurídicas do relacionamento afetivo, podem adotar o que se tem
denominado “contrato de namoro”. Todavia, como a união estável é ato-fato jurídico,
cujos efeitos independem da vontade das pessoas envolvidas, o contrato de namoro possui
eficácia limitada, servindo somente como elemento de prova, que pode ser afastado
mediante outras provas da existência de união estável (LOBO, 2023, p. 80).
O noivado também não se confunde com a união estável, pois nesta já existe
entidade familiar. Por outro lado, no noivado há somente intenção de constituir a entidade
familiar.
A expressão concubinato foi utilizada por muito tempo como sinônima de união
estável. Porém, hoje, a confusão é inaceitável. De toda forma, para que fique mais clara
a distinção, é importante analisar o conceito de concubinato no passado. Nas lições de
Álvaro Villaça de Azevedo, citado por Tartuce (2022, p. 425), o concubinato podia ser
subclassificado em concubinato puro e impuro.
O concubinato puro era o que hoje chamamos efetivamente de união estável, ou
seja, a união entre duas pessoas sem impedimentos para o casamento (viúvos, solteiros,
divorciados), com exceção dos separados de fato, judicial ou extrajudicialmente, que
também podem conviver em união estável, desde que preenchidos os demais requisitos
caracterizadores da entidade familiar em debate.
Todavia, não cabe mais a utilização da expressão “concubinato puro”, mas somente
união estável em razão da opção do legislador no CC/2002.
O concubinato impuro ou concubinato em sentido estrito (stricto sensu) é a
convivência estabelecida entre uma pessoa ou pessoas que são impedidas de casar (art.
1.521, CC) e que não podem ter entre si uma união estável, como é o caso da pessoa casada
não separada de fato, extrajudicialmente ou judicialmente, que convive com outra. Tal
conceito está previsto como concubinato no art. 1.727, CC.
O concubinato não consiste em entidade familiar, mas mera sociedade de fato.
Neste sentido, não gera direitos entre os concubinos, tais como a alimentos, direitos
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sucessórios ou direito à meação. Neste sentido, aplica-se a Súmula 380/STF, tendo


direito o concubino à participação nos bens adquiridos pelo esforço comum. A
competência para apreciar questões envolvendo o concubinato é da Vara Cível, não da
Vara da Família, eis que não se trata de entidade familiar. A ação correspondente é
denominada ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato.
Neste contexto cabe destacar as discussões sobre o reconhecimento das famílias
simultâneas ou paralelas, seja a existência de duas ou mais uniões estáveis concomitantes,
seja a união estável concorrendo com o casamento.
No ano de 2008 o STF julgou o RE n. 397.762-8/BA, que ficou bastante conhecido
na seara jurídica: um homem manteve duas uniões concomitantes – um casamento e
uma união estável. Ambas as mulheres estavam requerendo a pensão previdenciária do
falecido, que nunca se separou de fato da esposa e com quem teve 11 filhos. Do outro
lado, manteve uma relação duradoura de 37 anos com outra mulher da qual nasceram
nove filhos.
O Relator, Min. Marco Aurélio Mello, voto no sentido de que a união duradoura era
concubinato, nos termos do art. 1.727, CC, haja vista que o homem era casado e
manteve de fato o seu casamento, portanto, existia impedimento para a configuração
da união estável.
Somente o Min. Carlos Ayres Brito divergiu do relator e seu voto ficou marcado
na história com a seguinte passagem:

No que andou bem a nossa Lei Maior, ajuízo, pois ao Direito não é dado sentir
ciúmes pela parte supostamente traída, sabido que esse órgão chamado coração
‘é terra que ninguém nunca pisou’. Ele, coração humano, a se integrar num
contexto empírico da mais entranhada privacidade, perante a qual o
Ordenamento Jurídico somente pode atuar como instância protetiva. Não
censora ou por qualquer modo embaraçante (...). (BRASIL, STF, RE n. 397.762-
8/BA, 2008 – voto do Min. Carlos Ayres Brito).

Neste sentido, o Min. Carlos Ayres Brito fundamentou a existência das uniões
paralelas, reconhecendo a união estável de 37 anos, pois havia um núcleo doméstico
duradouro, com a concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo
ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirmou. Segundo o Ministro,
“Isto
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é família, pouco importando se um dos parceiros mantém uma concomitante relação


sentimental a-dois.”
Em 2021, o STF julgou caso semelhante e manteve o entendimento. Assim, de
forma geral, tem prevalecido nos Tribunais Superiores (STF e STJ) o entendimento de
não se admitir uma relação de concomitância entre um casamento e uma união estável.
Todavia, alguns tribunais estaduais têm proferido decisões reconhecendo direitos ao
concubino como entidade familiar.
Ainda há a discussão sobre a denominada união estável plúrima ou múltipla (uniões
paralelas), situação em que a pessoa mantém relações amorosas, enquadradas no art.
1.723 do Código Civil, com várias pessoas e ao mesmo tempo.
Na doutrina há variadas correntes, mas o STF julgou, em dezembro/2020, o RE n.
1.045.273/SE, no qual se discutia em sede de repercussão geral (Tema 529), a possibilidade
de dividir a pensão previdenciária do falecido que manteve, concomitantemente, uma
união estável homoafetiva e uma heteroafetiva.
Neste caso os votos foram bastante divergentes: o Relator, Min. Alexandre Moraes,
entendeu pela impossibilidade de se reconhecer quaisquer efeitos previdenciários nas
uniões concomitantes, diante do princípio da monogamia, que se aplica plenamente à
união estável. Desta forma, somente o primeiro vínculo de união estável deve ser admitido.
Votaram com o Relator os Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli,
Luiz Fux e Nunes Marques.
Por outro lado, o Min. Luiz Edson Fachin votou admitindo a possibilidade de efeitos
previdenciários para atingir companheiros de boa-fé nas uniões estáveis plúrimas (não
sabem da existência de outra união estável). No mesmo sentido julgaram os Ministros
Marco Aurélio e Rosa Maria Weber.
Os Ministros Luis Roberto Barroso e Carmen Lúcia votaram também pelo
reconhecimento desses efeitos, mas sem a necessidade da boa-fé, pois prevalece a
equidade que deve guiar o Direito Previdenciário.
Assim, a tese fixada, com 6 votos a 5, foi a seguinte: “a preexistência de
casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo
1.723, parágrafo 1.º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo
referente ao
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mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever


de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”.
A discussão sobre o princípio da monogamia e o dever de fidelidade no direito
brasileiro causa outra controvérsia, referente à possibilidade jurídica de uniões
poliafetivas, ou seja, com mais de duas pessoas.
O CNJ, em junho de 2018, decidiu por maioria, que a elaboração de escrituras de
uniões poliafetivas está vedada em nosso país (CNJ, Pedido de Providências 0001459-
08.2016.2.00.0000, Rel. Min. João Otávio de Noronha). A decisão veio após casos
divulgados de dois cartórios, um no interior de São Paulo e outro no Rio de Janeiro,
realizarem as referidas escrituras. O fundamento foi a ilicitude do objeto, considerando
o princípio da monogamia.

3.3 Direitos e deveres entre os companheiros

O início da união estável se dá com o início da convivência dos companheiros. Em


princípio pode ser quando eles passam a conviver sob o mesmo teto, mas este não é um
critério absoluto, conforme a Súmula 382/STF.
Assim, Paulo Lôbo (2023, p. 80) cita várias outras possibilidades de prova: a
aquisição de imóvel para a moradia, a aquisição de móveis para guarnecerem a moradia,
o contrato de aluguel do imóvel, o testemunho de vizinhos, de amigos, de colegas de
trabalho, o pagamento de contas do casal, a correspondência recebida no endereço
comum. O nascimento de filho pode ser posterior à convivência como pode ser a causa
da convivência.
O contrato de convivência por escrito, na forma particular ou pública, pode ser
prova eficaz sobre o início da união estável, mas não é absoluta, conforme
entendimento do STJ (REsp n. 534.411), pois a convivência pode ter se iniciado antes.
Este é o entendimento do Prof. Flávio Tartuce (2023, p. 376), que inclusive
exemplifica: “os companheiros celebram um contrato de convivência, em 2012, apontando
que a união estável já existia desde 2008. Isso não obsta a possibilidade de qualquer
uma das partes provar que a convivência é de período anterior.”
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Não havendo convivência sob o mesmo teto, será importante comprovar o


momento em que os companheiros passaram a se apresentar como se casados fossem
perante suas relações sociais. Neste caso, são muito utilizadas as provas testemunhas e
documentais, como correspondências, fotos e documentos de viagens, a assunção por
um dos companheiros das despesas do outro.
As regras dos direitos e deveres entre cônjuges e companheiros são bastante
similares, bem como entre estes e os filhos.
No âmbito dos direitos pessoais, aplicam-se as mesmas regras sobre a
autoridade parental, a filiação, o reconhecimento dos filhos, adoção e as demais
relações de parentesco. O art. 1.724, CC especifica os deveres de guarda, educação e
sustento dos filhos, que expressam a autoridade parental regulada nos arts. 1.630 e
seguintes do CC e no art. 22 do ECA.
Entre si os companheiros assumem os direitos e respectivos deveres de lealdade,
respeito e assistência. O CC/2002 não estabeleceu os deveres de fidelidade recíproca e
de vida em comum no domicílio conjugal para os companheiros (art. 1.566, CC), como o
fez para os cônjuges. Paulo Lôbo (2023, p. 81) justifica esta diferenciação na liberdade
de constituição e de dissolução que é inerente à união estável.
Por outro lado, no art. 1.724, CC estão previstos para os companheiros os
deveres de lealdade e respeito. “O conceito de lealdade não se confunde com o de
fidelidade, restrito aos cônjuges. A lealdade é respeito aos compromissos assumidos,
radicando nos deveres morais de conduta.” (LÔBO, 2023, p. 81).
O dever de assistência é moral (direito pessoal) e material (direito patrimonial,
notadamente alimentos). O art. 1.694, CC consagra o direito à assistência material, exigível
de um companheiro ao outro.
A Lei n. 14.382/2022 (Lei do SERP), alterando a Lei de Registros Públicos (Lei n.
6.015/73), admite que companheiro ou companheira em união estável possam requerer
a inclusão de sobrenome um do outro ou da outra, perante o oficial de registro civil, nas
mesmas hipóteses previstas para as pessoas casadas (art. 57, § 2º, LRP). O requisito exigível
é de estar a união estável registrada previamente no registro civil (Livro E). O retorno ao
nome de solteiro ou solteira poderá ser requerido ao oficial do registro civil, com a
averbação da dissolução da união estável (art. 57, § 3º-A, LRP).
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3.4 Regime de bens

O art. 1.725, CC estabelece o regime da comunhão parcial de bens para a união


estável, salvo se os companheiros estabelecerem outro por contrato escrito (contrato de
convivência). Assim, configurado o início da união estável, o bem adquirido onerosamente
por qualquer dos companheiros ingressa automaticamente na comunhão, pouco
importando em nome de quem esteja.
Neste sentido, aplicam-se à união estável todas as regras estabelecidas pelo
CC/2002 ao regime legal de comunhão parcial, atribuído ao casamento.
Ponto divergente, no entanto, é sobre a necessidade de outorga do companheiro
para alienação de bens, conforme previsto no art. 1.647, CC, desnecessária somente no
regime de separação absoluta de bens.
Para Paulo Lôbo (2023, p. 82) é necessária a autorização expressa do outro
companheiro. A falta de autorização enseja ao prejudicado direito e pretensão à
anulação do ato e do respectivo registro público. Ao terceiro de boa-fé, prejudicado pela
anulação, tem contra o companheiro alienante a pretensão de devolução do que pagou
e à indenização por perdas e danos.
Por outro lado, Flávio Tartuce (2023, p. 381) entende que não é necessária a
outorga do companheiro, pois o art. 1.647, CC é aplicável somente para os cônjuges.
Segundo Tartuce, esta é claramente a tendência do STJ.
Os companheiros podem estabelecer regime de bens diverso da comunhão
parcial de bens, antes ou após o início da união estável. O contrato escrito para este fim
pode ser mediante instrumento particular ou público.
Todavia, quanto à retroatividade de regime de bens diverso do legal, o
entendimento é de que se deve preservar interesses de terceiro, portanto, o STJ tem
decidido pela sua irretroatividade, ou seja, os efeitos da alteração são ex nunc. Assim,
por exemplo, se os companheiros celebram um contrato de convivência, em 2022,
apontando que a união estável já existia desde 2018, definindo que desde o início o
regime de bens era o da separação absoluta. A interpretação, na verdade, será no
sentido de que, entre 2018 e a data da assinatura do contrato de convivência vigorou o
regime de comunhão
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parcial de bens; a partir do contrato de convivência passou a ser a separação absoluta


de bens.
A lei não exige o registro do contrato de convivência no registro imobiliário,
como faz com o pacto antenupcial. Porém, para que o regime diferenciado possa valer
perante terceiros, o registro é necessário em virtude da publicidade. Se o contrato não
for registrado, os bens adquiridos após a união por um dos companheiros poderão ser
penhorados em razão de dívidas do outro, porque serão presumidos comuns.
A Lei n. 14.382/2022, que instituiu o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos
(SERP), introduziu o art. 94-A na Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973 - LRP),
possibilitando o registro de união estável no “Livro E” do cartório de registro civil de
pessoas naturais (art. 33, parágrafo único, LRP) em que os companheiros têm ou tiveram
sua última residência, a fim de conferir efeitos jurídicos à união estável perante terceiros.
Poderão ser registrados no Livro E (i) as sentenças declaratórias de reconhecimento
e dissolução da união estável, (ii) termos declaratórios formalizados perante o oficial de
registro civil e (iii) das escrituras públicas declaratórias e dos distratos que envolvam
união estável.
Por outro lado, § 1º do art. 94-A da LRP proíbe o registro no Livro E de união estável
de pessoas casadas, ainda que separadas de fato, exceto se separadas judicialmente ou
extrajudicialmente, ou se a declaração da união estável decorrer de sentença judicial
transitada em julgado. “Afasta-se, assim e em parte, a norma do art. 1.723, § 1.º, do Código
Civil, não podendo a pessoa separada de fato ter essa união estável qualificada pelo
registro especial.” (TARTUCE, 2023, p. 378).
Outro aspecto importante de análise é a união estável em que um dos
companheiros tenha 70 anos ou mais. O STJ entende que também se aplica o regime da
separação obrigatória de bens (art. 1.641, II, CC), sendo possível a partilha de bens
adquiridos na constância da relação, desde que comprovado o esforço comum,
conforme a Súmula 655/STJ, editada em 2022: “Aplica-se à união estável contraída por
septuagenário o regime da separação obrigatória de bens, comunicando-se os adquiridos
na constância, quando comprovado o esforço comum”.
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3.5 Conversão da união estável em casamento

A CF/88, no § 3º do art. 226, reconhece a união estável como entidade familiar e


prevê que a lei deve facilitar sua conversão em casamento.
O art. 1.726, CC também estabelece a possibilidade da conversão da união
estável em casamento mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro
Civil.
Verifica-se, confrontando as duas normas, que o CC não possibilita a conversão
administrativa ou extrajudicial, pois há necessidade de autorização judicial. Desta forma,
não facilita a conversão conforme estabelece a Constituição Federal.
Neste sentido, a Lei n. 14.382/2002 (Lei do Sistema Eletrônico dos Registros
Públicos – SERP) regulamentou o procedimento extrajudicial de conversão da união estável
em casamento, facilitando-o, conforme a norma constitucional.
Conforme o novo art. 70-A da LRP (Lei n. 6.015/73), a conversão da união estável
em casamento deverá ser requerida pelos companheiros perante o oficial de registro
civil de pessoas naturais de sua residência. Não é necessária ação judicial.
Os arts. 9º-C a 9-G do Provimento n. 37/2014 do CNJ, alterado pelo Provimento
n. 141/2023 do CNJ, também regulam a conversão da união estável em casamento,
atendendo à nova legislação.
A partir do recebimento do requerimento de conversão inicia-se o processo de
habilitação sob o mesmo rito previsto para o casamento e deverá constar dos proclamas
que se trata de conversão de união estável em casamento. O procedimento de
conversão de união estável poderá ser realizado por mandatário, mediante procuração
por escritura pública e com prazo máximo de trinta dias (art. 70-A, § 2º, LRP).
Se o pedido não tiver qualquer problema de forma ou de essência, será lavrado o
assento da conversão da união estável em casamento, independentemente de autorização
judicial, dispensando-se o ato da celebração do matrimônio (art. 70-A, § 3º, LRP). A
conversão da união estável dependerá da superação dos impedimentos legais para o
casamento, previstos no art. 1.521, CC.
Este assento será lavrado no Livro B (registro de casamento), sem a indicação da
data e das testemunhas da celebração, do nome do presidente do ato e das assinaturas
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dos companheiros e das testemunhas, anotando-se no respectivo termo que se trata de


conversão de união estável em casamento (art. 70-A, § 4º, LRP).
A data de início ou o período de duração da união estável constará do assento de
casamento convertido somente nos casos previstos no art. 1º, §§ 4º e 5º do Provimento
n. 37/2014 – CNJ (alterado pelo Provimento n. 141/2023), isto é, se constarem de
decisão judicial, procedimento de certificação eletrônica de união estável, escrituras
públicas ou termos declaratórios de reconhecimento ou de dissolução de união estável.
O procedimento de certificação eletrônica de união estável é realizado perante
oficial de registro civil, conforme previsto no art. 9º-F do Provimento n. 37/2014 – CNJ
(alterado pelo Provimento n. 141/2023). Em suma, assemelha-se ao procedimento de
justificação (art. 381, § 5º, CPC) pelo qual os companheiros poderão usar de todos os meios
probatórios em direito para comprovar as datas de início ou, se for o caso, de fim da
união estável.
O registrador realizará entrevista com os companheiros e, se houver, com
testemunhas, que será reduzida a termo e assinada pelo registrador e entrevistados,
para verificar a plausibilidade do pedido.
Se o pedido for indeferido pelo registrador, os companheiros poderão requerer a
suscitação de dúvida (art. 198 e 296, LRP) dentro do prazo de 15 dias da ciência.
O § 7º do art. 70-A, LRP prevê que a morte de um dos companheiros no curso do
processo de habilitação não impedirá a lavratura do assento de conversão de união estável
em casamento, desde que esteja em termos o pedido.
A norma acima foi reforçada pelo art. 9º-G do Provimento n. 37/2014 – CNJ
(alterado pelo Provimento n. 141/2023), incluindo o significado de “em termos o
pedido”: “quando houver pendências não essenciais, assim entendidas aquelas que não
elidam a firmeza da vontade dos companheiros quanto à conversão e que possam ser
sanadas pelos herdeiros do falecido”.
Em regra, na conversão da união estável em casamento será adotado o regime
da comunhão parcial de bens, que é o regime legal ou supletório do casamento (art. 70-
A, § 5º, LRP).
Cabe esclarecer os efeitos e como deve ser o procedimento se os companheiros
quiserem alterar o regime de bens a partir da conversão da união estável em
casamento.
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Neste caso, conforme explicam Tartuce e Oliveira (2023), se o novo regime for o da
comunhão parcial de bens, bastará a apresentação de uma declaração expressa e
específica dos companheiros nesse sentido, que poderá constar do próprio requerimento
de conversão da união estável em casamento.
Por outro lado, se os companheiros optarem por regime diverso, deverão
apresentar uma escritura pública de pacto antenupcial, conforme o art. 9º-D, §§ 2º, 3º e
5º, I e II, do Provimento n. 37/2014-CNJ, alterado pelo provimento n. 141/2023.
Paulo Lôbo (2023, p. 84) explica que a conversão da união estável em casamento
não produz efeitos retroativos. Neste sentido, as relações pessoais e patrimoniais da união
estável permanecerão com seus efeitos próprios, constituídos durante o período de sua
existência até à conversão:

Assim, se os agora cônjuges tiverem optado pelo regime de separação total de


bens, mediante pacto antenupcial, os bens adquiridos durante a união estável
e que ingressaram no regime legal de comunhão parcial permanecerão em
condomínio. Prevalece o princípio da proteção dos interesses de terceiros,
inclusive credores. (LÔBO, 2023, p. 84).

Para proteção dos terceiros de boa-fé e credores dos companheiros, o inciso IV


do art. 9º-C do Provimento n. 37 do CNJ é expresso em exigir que, no assento de
conversão da união estável em casamento, seja expressamente colocada a seguida
advertência: “este ato não prejudicará terceiros de boa-fé, inclusive os credores dos
companheiros cujos créditos já existiam antes da alteração do regime”.
Quanto à conversão da união estável em casamento com companheiro
septuagenário, deve-se verificar a idade no início da união. Este já era o entendimento
do STJ, ou seja, a obrigatoriedade do regime da separação de bens não se aplica a
pessoa maior de setenta anos, quando o casamento for precedido de união estável
iniciada antes dessa idade.
O citado entendimento foi consolidado no Provimento n. 37/2014-CNJ, alterado
pelo provimento n. 141/2023: Art. 9º-D [...] § 3º “Não se aplica o regime da separação legal
de bens do art. 1.641, inciso II, da Lei n. 10.406, de 2002, se inexistia essa
obrigatoriedade na data indicada como início da união estável na forma do inciso III do
art. 9º-C deste Provimento ou se houver decisão judicial em sentido contrário.
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3.6 Dissolução da união estável

A dissolução da união estável pode ocorrer por meio de contrato, desde que não
entre em conflito com normas de ordem pública.
No entanto, para algumas situações pode ser necessária uma ação específica para
pleitear efeitos pessoais ou patrimoniais decorrentes da união. Trata-se da ação de
reconhecimento e dissolução da união estável.
Para todos os fins processuais, a união estável está equiparada ao casamento. O
CPC/2015, nos arts. 693 ao 699, regula as ações de Direito de Família, que se aplicam a
ação de reconhecimento e dissolução da união estável.
Nos termos do art. 53, I, CPC, o foro competente da referida ação é, em regra, o
de domicílio do guardião do incapaz, tramitando perante a Vara da Família.
Caso não haja filho incapaz, será competente o foro do último domicílio do casal.
Se nenhuma das partes residir no domicílio do casal, será competente o domicílio do
réu. Segundo a Lei n. 13.894/2019, que admite a vulnerabilidade da mulher em
decorrência de violência doméstica ou familiar, a competência será do foro de
residência
da pessoa sob violência.
A dissolução de união estável na forma consensual seguirá os mesmos trâmite da
homologação do divórcio consensual, conforme o arts. 731 e 732, CPC. A partilha de
bens pode ser realizada em procedimento posterior à homologação da extinção da
união estável, seguindo o procedimento dos arts. 647 a 658, CPC.
A extinção da união estável também pode ser realizada de forma extrajudicial
(escritura pública), desde que o casal não tenha filhos incapazes, nem nascituro (art.
733, CPC), e esteja assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e
assinatura constarão do ato notarial.
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IV RELAÇÕES DE PARENTESCO

“Parentesco é a relação jurídica estabelecida pela lei ou por decisão judicial entre
uma pessoa e as demais que integram o grupo familiar.” (LÔBO, 2023, p. 98)
Em uma visão clássica, o parentesco é “o vínculo existente não só entre pessoas
que descendem umas das outras ou de um mesmo tronco comum, mas também entre o
cônjuge ou companheiro e os parentes do outro e entre adotante e o adotado” (DINIZ apud
TARTUCE, 2023, p. 425).
Neste sentido, a relação de parentesco identifica as pessoas como pertencentes
a um grupo social que as enlaça num conjunto de direitos e deveres.
O Código Civil disciplina as relações de parentesco com a seguinte sistemática:
disposições gerais (arts. 1.591 a 1.595), filiação (arts. 1.596 a 1.606), reconhecimento de
filhos (arts. 1.607 a 1.617), adoção (arts. 1.618 a 1.629) poder familiar (arts. 1.630 a 1.638).
Segundo Flávio Tartuce (2023, p. 426), conforme o conceito clássico é possível
indicar três formas ou modalidades de parentesco levando-se em conta a sua origem
(art. 1.593, CC):

a) parentesco consanguíneo ou natural: aquele existente entre pessoas que


mantêm entre si um vínculo biológico ou de sangue, ou seja, que descendem
de um ancestral comum, de forma direta ou indireta. O termo natural é
criticado por alguns, pois traria a ideia de que as outras modalidades de
parentesco seriam artificiais.
b) parentesco por afinidade: existente entre um cônjuge ou companheiro e os
parentes do outro cônjuge ou companheiro. Lembre-se que marido e mulher
e companheiros não são parentes entre si, havendo vínculo de outra
natureza, decorrente da conjugalidade ou convivência. A grande inovação do
Código Civil de 2002 é reconhecer o parentesco de afinidade decorrente da
união estável (art. 1.595 do CC). O parentesco por afinidade limita-se aos
ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro
(art. 1.595, § 1º). Na linha reta, até o infinito, a afinidade não se extingue
com a dissolução do
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casamento ou da união estável. Por isso, repise-se, é que se afirma que sogra
é para a vida inteira.
c) parentesco civil: aquele decorrente de outra origem, que não seja a
consanguinidade ou a afinidade, conforme estabelece o art. 1.593, CC, tais
como a adoção e aqueles decorrentes dos progressos científicos (técnicas de
reprodução assistida, como a inseminação artificial heteróloga, em que o
material genético vem de terceiro) e de vínculos afetivos de cunho social
(parentalidade socioafetiva). (TARTUCE, 2023, p. 426)

O parentesco se organiza por linhas e graus. O grau é a unidade de parentesco


em cada linha, contada a partir de uma pessoa e seu parente imediatamente próximo.
No parentesco consanguíneo ou natural em linha reta a relação se dá entre uma
pessoa e seus ascendentes e descendentes (art. 1.591, CC). O art. 1.594, primeira parte,
CC estabelece a forma de contagem do parentesco na linha reta, ou seja, à medida que
se sobe (linha reta ascendente) ou se desce (linha reta descendente) a escada parental,
tem- se um grau de parentesco.

∞ EU
Linha reta descendente
Linha reta ascendente

BISAVÔ FILHO
3º grau 1º grau

AVÔ NETO
2º grau 2º grau
PAI BISNETO
1º grau 3º grau

EU ∞

No parentesco consanguíneo ou natural na linha colateral ou transversal os


parentes se relacionam mediante um ancestral comum (art. 1.592, CC). Consideram-se
somente os parentes colaterais até o quarto grau. Conforme a segunda parte do art. 1.594,
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CC, a contagem é realizada subindo os graus até o ascendente comum e descendo até o
parente cuja relação se pretende identificar.
Na linha colateral o parentesco mínimo é de segundo grau, exatamente devido à
regra de subir ao máximo, até o tronco comum, para depois descer. Não há, portanto,
parentesco colateral de primeiro grau. Neste sentido, o parentesco colateral de segundo
grau se dá entre irmãos.

PAI Colateral de 2º grau

1 2

EU IRMÃO

O parentesco dos irmãos ainda pode ser classificado em bilaterais ou germanos


(mesmo pai e mesma mãe) e unilaterais (mesmo pai ou mesma mãe). Os irmãos unilaterais
podem ser uterinos (mesma mãe e pais diferentes) ou consanguíneos (mesmo pai e
mães diferentes). (TARTUCE, 2023, p. 429). Esta classificação existe para os fins
sucessórios, conforme estabelece o art. 1.841, CC.
Além dos irmãos, são parentes colaterais ou transversais tio, sobrinho, sobrinho-
neto, tio-avô e primo (filho do tio, também chamado, socialmente, primo “em primeiro
grau”). Vejamos a contagem de parentesco até o tio:

AVÔ
Colateral de 3º grau
2 3
PAI TIO
1 4 Colateral de 4º grau

EU PRIMO

Assim, o tio é parente colateral de terceiro grau, enquanto o primo é de quarto


grau.
Além do Direito de Família, várias outras áreas do Direito exigem que se observem
os limites do parentesco colateral, conforme cita Paulo Lôbo (2023, p. 100):
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Na legislação processual civil, o juiz não pode exercer suas funções quando for
parente colateral até segundo grau, da parte, e até terceiro grau, de
advogado, promotor de justiça, perito ou autoridade policial; não podem
depor como testemunhas os parentes até terceiro grau da parte, salvo
havendo interesse público ou sendo ação de estado. A Lei n. 10.211/2001
permite o transplante de órgão da pessoa morta se autorizado por parente
colateral até o segundo grau. No CC/2002, o parente colateral até o quarto
grau pode exigir que cesse a ameaça ou a lesão a direito da personalidade de
parente morto e reclamar perdas e danos (art. 12); os parentes colaterais até
o terceiro grau estão impedidos de casar (art. 1521, IV); os parentes colaterais
até o segundo grau estão incluídos na obrigação de prestar alimentos a seus
parentes, quando não houver descendentes ou ascendentes que possam
suportar o encargo (art. 1.697); os parentes até o quarto grau são herdeiros
do morto, na falta de descendentes, ascendentes, cônjuge ou companheiro (art.
1.839). (LÔBO, 2023, p. 100).

No parentesco por afinidade, aquele existente entre um cônjuge ou companheiro


e os parentes do outro, os parentes são equivalentes aos parentes consanguíneos.
“Assim, o enteado não é igual ao filho, jamais nascendo para o primeiro, em virtude de tal
situação, direitos e deveres que são próprios do estado de filiação.” (LÔBO, 2023, p.
101).
Cada casamento ou união estável dá origem a duas linhas de afinidade, sendo
uma de cada cônjuge ou companheiro com os parentes do outro. Cada uma dessas
linhas gera duas linhas de afinidade: a linha reta e a linha colateral.
Desta forma, no parentesco por afinidade em linha reta, os ascendentes e
descendentes de um dos cônjuges são parentes afins do outro cônjuge, de modo
infinito, mas com qualificações e denominações distintas. O pai de um cônjuge é sogro
do outro; o filho de um cônjuge é enteado do outro.
Por razões de ordem moral (LÔBO, 2023, p. 101) esse parentesco jamais se
extingue, acarretando o impedimento perpétuo de casamento ou união estável entre
sogro e nora ou entre genro e sogra (art. 1.521, II, CC).
No parentesco por afinidade em linha colateral não ultrapassa o segundo grau e
extingue-se com a dissolução do casamento ou da união estável, incluindo o falecimento
do cônjuge/companheiro. Nesta condição estão os cunhados, que equivalem aos irmãos
do cônjuge ou companheiro. Por isso não há impedimento no casamento de ex-
cunhados.
Em relação à contagem do parentesco por afinidade, seja na linha reta
ascendente ou na descendente, é infinita:
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AVÔ DA

Linha reta ascendente


SOGRA(O)

MÃE DA
SOGRA(O)

SOGRA(O)

CÔNJUGE CÔNJUGE

Linha reta descendente


ENTEADO(A)

FILHO DO
ENTEADO(A)

NETO DO
ENTEADO(A)

No parentesco por afinidade em linha colateral também não há relação entre os


enteados entre si, como, por exemplo, um homem e uma mulher que se casem,
trazendo, cada um, filhos de seus relacionamentos anteriores. Nesta situação os filhos
podem se casar, pois não há impedimento decorrente de lei, sendo ambos afins
colaterais. Todavia, alerta Flávio Tartuce (2023, p. 431) sobre a valorização da
parentalidade socioafetiva, que deixa em xeque esta possibilidade considerando os
enfoques moral e ético. Por outro lado, destaca do autor, que os impedimentos
matrimoniais devem decorrer, obrigatoriamente, da norma jurídica.
Paulo Lôbo (2023, p. 101) destaca que, normalmente, o legislador e a administração
da justiça observam o parentesco afim para impedir a aquisição de algum direito ou
situação de vantagem, em virtude da aproximação afetiva que termina por ocorrer entre
os parentes afins e suas respectivas famílias, como, por exemplo, no direito eleitoral, no
direito administrativo, no direito processual, principalmente em hipóteses que
presumivelmente ocorreria conflito de interesses.
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Fonte: Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo


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V FILIAÇÃO

Filiação é a relação jurídica decorrente de parentesco por consanguinidade ou


outra origem, que se estabelece entre duas pessoas, sendo uma delas o filho/filha e a outra
o titular de autoridade parental (pai ou mãe).
O § 6º do art. 227, CF/88 estabelece o princípio da igualdade entre filhos, o que
foi repetido no art. 1.596, CC. Desta forma, “filiação” é conceito único, não se admitindo
adjetivações ou discriminações. Os direitos e deveres dos filhos, de qualquer origem, são
plenamente iguais (LÔBO, 2023, p. 103).
Na matéria de filiação o direito se vale de diversas presunções definidas no art.
1.597, CC. Segundo Flávio Tartuce (2023, p. 432), o dispositivo está amparado na velha
máxima latina mater semper certa est et pater is est quem nuptiae demonstrant, que
pode ser assim resumida: a maternidade é sempre certeza, a paternidade é presunção
que decorre da situação de casados. Conforme alerta o próprio Tartuce os incisos do art.
1.597, CC perderam sua relevância prática, mas ainda são aplicáveis em situações
específicas que envolvem o casamento.
Assim, a maternidade sempre foi presumida com absoluta certeza (mater semper
certa est), impedindo a investigação de maternidade contra mulher casada, haja vista a
manifestação por sinais físicos inequívocos, que são a gravidez e o parto. Entretanto,
além das dúvidas que a manipulação genética possa gerar quanto à origem biológica,
ainda podem ser citados vários casos concretos de troca ou subtração de recém-nascidos
em maternidade, que ensejam a ação de investigação de maternidade.
A presunção da paternidade decorre do casamento (pater is est quem nuptia
demonstrant) para os filhos concebidos cento e oitenta dias após o efetivo início da
convivência entre cônjuges e companheiros (art. 1.597, I, CC), impedindo que se discuta
a origem da filiação se o marido da mãe não a negar.
Também presume-se a paternidade dos filhos concebidos até trezentos dias após
a dissolução da sociedade conjugal por morte, separação judicial, nulidade ou anulação
do casamento (art. 1.597, II, CC). O art. 1.598, CC complementa o inciso II do art. 1.597
quando se trata da dissolução da sociedade conjugal por morte do marido. A redação do art.
1.598, CC é confusa, buscando-se a explicação esclarecedora de Flávio Tartuce:
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Em complemento ao inciso II do art. 1.597, a confusa redação do art. 1.598


dispõe que, salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no
inc. II do art. 1.523 (dez meses depois da dissolução da conjugalidade
anterior), a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, duas
regras são aplicadas:
–Haverá presunção de que o filho é do primeiro marido, se nascer dentro dos
trezentos dias a contar do falecimento deste primeiro marido.
–Haverá presunção de que o filho é do segundo marido se o nascimento ocorrer
após esses trezentos dias da dissolução da primeira união e já decorrido o
prazo de cento e oitenta dias do início do segundo casamento. (TARTUCE, 2023,
p. 434)

Essas espécies de presunção de filiação cederam espaço para a busca da verdade


biológica, que chegou com o progresso científico por meio da realização do exame de DNA
(ácido desoxirribonucleico). Entre a presunção de paternidade e a realização do exame
de DNA, o juiz certamente fará opção pela segunda (TARTUCE, 2023, p. 435). Neste
sentido, numa ação de investigação de paternidade, ocorrendo a negativa do suposto
pai em realizar o exame, aplica-se a Súmula 301/STJ 7 e a Lei n. 12.004/2009, que
estabelecem a presunção de paternidade no caso de recusa do suposto pai em
submeter-se ao exame de código genético – DNA.
Foram inseridas no Código Civil (art. 1.597) mais três presunções de filiação
decorrentes de técnicas de reprodução assistida (R.A.) ou manipulação genética:
fecundação por inseminação artificial homóloga; fecundação por inseminação artificial
homóloga de embriões excedentários e fecundação por inseminação artificial heteróloga.
Flávio Tartuce (2023, p. 435) explica que a premissa adotada pelo Código Civil é que o
vínculo de filiação se estabelece em relação àqueles que planejaram a técnica de
reprodução assistida.
Segundo Paulo Lôbo (2023, p. 105) essas presunções devem ser interpretadas
restritivamente e não abrangem a utilização de óvulos doados e a gestação por
substituição.
O inciso III do art. 1.597, CC trata da fecundação homóloga, ou seja, aquela
efetuada com o material genético dos próprios cônjuges. Neste caso, existe a presunção
de paternidade dos filhos havidos com esta técnica de reprodução assistida, mesmo

7
“Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris
tantum de paternidade.” (BRASIL, 2004)
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quando falecido o marido, desde que ele tenha deixado consentimento expresso para esse
fim.
Segundo Paulo Lôbo (2023, p. 105), neste caso de manipulação in vitro, a
concepção se efetiva quando transferido o embrião para o aparelho reprodutor da mãe.
A partir deste momento incide o art. 2º, CC referente à ressalva dos direitos do
nascituro.
O inciso IV do art. 1.597, CC trata da concepção artificial homóloga com embriões
excedentários, isto é, decorrentes da manipulação genética, mas que não foram
introduzidos no ventre materno, estando armazenados em clínicas de reprodução
assistida. “Embrião é o ser humano durante as oito primeiras semanas de seu
desenvolvimento intrauterino, ou em proveta e depois no útero, nos casos de
fecundação in vitro.” (LÔBO, 2023, p. 106).
“A fecundação, em casos tais, ocorre in vitro, na proveta, por meio da técnica
ZIFT (transferência intratubária de zigoto), ou seja, a fecundação ocorre fora do corpo da
mulher. Há ainda a técnica GIFT (transferência intratubária de gametas), que não é o
caso, em que o gameta masculino é introduzido artificialmente no corpo da mulher, onde
ocorre a fecundação”. (ALVES; DELGADO apud TARTUCE, 2023, p. 435).
Explica Paulo Lôbo (2023, p. 106) que a concepção de embriões excedentários é
admitida somente se derivarem de fecundação homóloga, ou seja, de gametas da mãe e
do pai, sejam casados ou companheiros de união estável. Neste sentido, o art. 1.597, IV,
CC prevê a presunção legal de paternidade dos filhos havidos, a qualquer tempo, com a
referida técnica.
Conforme explica Paulo Lôbo (2023, p. 106), o destino dos embriões descartados
ou excedentários tem constituído um dos mais delicados problemas relacionados com a
reprodução assistida, especialmente quando os cônjuges ou companheiros não têm
mais interesse em conceber outros filhos, nem permitem que sejam utilizados em outras
mulheres.
O inciso V do art. 1.597, CC trata da inseminação artificial heteróloga, ou seja,
com material genético de terceiro (doador anônimo), desde que haja prévia autorização
do marido, para a fecundação do óvulo da mulher. Para reconhecer a presunção de
paternidade do marido em relação aos filhos havidos pela inseminação artificial
heteróloga, é necessária sua autorização prévia para que a mulher realize o procedimento.
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A lei não exige que o marido seja estéril ou, por qualquer razão física ou psíquica, não possa
procriar.
Neste caso o consentimento é irrevogável e jamais a paternidade poderá ser
impugnada pelo marido, não podendo este voltar-se contra o próprio ato, em violação
da boa-fé (princípio do venire contra factum proprium), garantindo, assim, a segurança
das relações jurídicas diante do compromisso entre os cônjuges de assumir paternidade
e maternidade, mesmo com componente genético estranho.
Diante dessa vedação percebe-se, conforme explica Paulo Lôbo (2023, p. 108), o
fortalecimento da filiação (paternidade) socioafetiva em contraponto à filiação
biológica:

Se o marido autorizou a inseminação artificial heteróloga não poderá negar a


paternidade, em razão da origem genética, nem poderá ser admitida
investigação de paternidade, com idêntico fundamento, máxime em se tratando
de dadores anônimos. “É a negação radical da verdade biológica” (Cornu,
2003,
p. 469). Pode parecer surpreendente que, em um campo onde a ciência genética
é triunfante, a verdade biológica seja proibida. (LÔBO, 2023, p. 108)

O Código Civil tratou somente da inseminação artificial heteróloga em relação ao


marido. Paulo Lôbo (2023, p. 108) esclarece que, “por similitude, se a mulher for fecundada
com óvulo de outra, com sêmen do marido, ter-se-á a mesma atribuição de filiação: ela
e seu marido serão os pais legais do filho que vier a nascer, pois militam nessa direção as
presunções de maternidade e paternidade.”
O art. 1.597, CC se refere somente à presunção de filiação na “constância do
casamento”. Entretanto, Paulo Lôbo (2023, p. 108) afirma que a regra se aplica
integralmente à união estável reconhecida. Neste sentido, deve-se provar o início da
constituição da união estável, que não depende de ato ou declaração. Flávio Tartuce (2023,
p. 444) também segue o mesmo entendimento.
É claro que por se tratar de ato-fato jurídico fica mais difícil comprovar a
aplicação da presunção de paternidade do companheiro pela falta do instrumento
jurídico de constituição da união estável.
Pode o próprio companheiro/pai declarar o nascimento do filho e da união
estável com a mãe da criança perante o oficial do registro público. Se a declaração de
nascimento for realizada pela mãe, “basta juntar declaração escrita do companheiro ou
outra prova da existência da união estável, como o contrato de regime de bens dos
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companheiros ou
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certidão de nascimento de outro filho comum. Se o oficial tiver dúvidas deve suscitá-las
ao juiz, mas não pode recusar de antemão o registro.” (LÔBO, 2023, p. 109).
Os casais homoafetivos também podem se valer das técnicas de reprodução
assistida, tendo garantido o registro dos filhos em seus nomes, independentemente de
prévia autorização judicial, conforme o Provimento n. 63/2017 do CNJ. Os dois
pais/mães devem comparecer ao cartório munidos dos documentos exigidos no citado
Provimento. Entretanto, se forem casados ou conviverem em união estável, somente
um deles poderá comparecer para registrar a criança, desde que apresente a
documentação exigida.
O assento de nascimento dos filhos de casais homoafetivos deverá ser adequado
para que constem os nomes dos ascendentes, sem referência à distinção quanto à
ascendência paterna ou materna.
Enquanto o art. 1.597, CC trata das presunções de filiação, o art. 1.599, CC prevê
uma exceção à presunção de paternidade (pater is est), ou seja, a prova de impotência
do marido (ou companheiro) para gerar à época da concepção.
O art. 1.600, CC dispõe que o adultério (infidelidade – art. 1.566, I, CC) da mulher
casada (ou convivente em união estável), ainda que confessado, não é suficiente para
afastar a paternidade do marido ou companheiro. Segundo Paulo Lôbo (2023, p. 121), o
estado de filiação é mais importante que a defesa da reputação da família ou os
interesses do pai biológico. Assim, a confissão de infidelidade da mulher não é suficiente
para cortar o vínculo de paternidade. Por isso, a mãe não está legitimada a promover a
desconstituição do vínculo de paternidade, em prejuízo do filho, cujo interesse tem
primazia. Caso contrário, a criança poderia ser objeto de vingança da mulher contra seu
marido.
Conforme o art. 1.602, CC, não basta a declaração da mãe de que o seu marido
(ou companheiro) não é o pai da criança, incidindo as presunções do art. 1.597 do CC.
O art. 1.601, CC prevê o direito exclusivo e imprescritível do marido da mãe para
contestar a paternidade. Deve-se lembrar, primeiramente, que o referido direito não se
aplica aos casos de inseminação artificial heteróloga autorizada pelo marido (art. 1.597,
V, CC).
A impugnação da paternidade é proposta contra o filho. Se o pedido for julgado
procedente, a sentença terá eficácia ex tunc e erga omnes, inclusive aos demais
parentes do impugnante (avós, tios etc), que deixam de o ser em face do impugnado.
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Ainda que imprescritível a pretensão de impugnação da paternidade não poderá


ser exercida se fundada somente na origem genética. Atualmente o estado de filiação
também pode ser de natureza socioafetiva. Assim, o autor deverá provar que não é o
genitor, no sentido biológico, e, também, que não foi constituído o estado de filiação
socioafetiva.
Além disso, quando o próprio autor foi o declarante perante o registro de
nascimento, deve comprovar que agiu induzido em erro ou em razão de dolo ou coação.
“Portanto, a origem genética, por si só, não é suficiente para atribuir ou negar a
paternidade, por força da interpretação sistemática do CC/2002 e de sua conformidade
com a CF/1988.” (LÔBO, 2023, p. 122).
Explica Paulo Lôbo (2023, p. 123), que o genitor biológico não tem ação contra o
pai socioafetivo, marido da mãe, para impugnar sua paternidade. Por outro lado, o pai
socioafetivo pode impugnar a paternidade, desde que constatado o desconhecimento
da origem genética diferente da sua, bem como a ausência da posse de estado de
filiação.
Além disso, importa observar o melhor interesse do filho, enquanto menor, o
que pode impedir a prevalência da paternidade biológica. Neste sentido é que se pode
garantir a multiparentalidade, conforme reconhecido pelo STF na Tese do Tema 622 em
repercussão geral (RE 898.060), assegurando a ambas as paternidades reconhecidas
(socioafetiva e biológica), concomitantemente, os mesmos direitos e deveres em relação
ao filho comum. Uma não se sobrepõe à outra.
O art. 1.604, CC possibilita a ação vindicatória de filho por terceiro, havendo erro
ou falsidade. Seria o caso do pai biológico que tem conhecimento de que o seu filho foi
registrado por terceiro, que se alegou pai.
Mesmo neste caso deve-se verificar a existência de filiação socioafetiva, o que
impede a desconstituição do registro de nascimento, prevalecendo, conforme decisão
do STF em repercussão geral, o duplo vínculo ou a multiparentalidade.
Conforme o art. 1.603, CC, a filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento
registrada no Registro Civil. Todavia, na sua falta, segundo o art. 1.605, CC, a filiação
pode ser provada por qualquer forma admitida em direito, admitindo como provas
supletivas:
a) prova por escrito, proveniente dos pais, de forma conjunta ou separada; b) existência
de presunções relativas resultantes de fatos já certos, “inclusive pela posse de estado de
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filhos, ou seja, pelo fato de o filho conviver há tempo com os supostos pai e mãe. Pela
última previsão, há de se invocar, mais uma vez, a parentalidade socioafetiva.”
(TARTUCE, 2023, p. 475).
O art. 1.606, CC dispõe que a ação de prova de filiação compete ao filho,
enquanto ele viver, ou seja, é personalíssima. Todavia, se o filho morrer menor ou
incapaz, o direito de ação será transmitido aos seus herdeiros. Se a ação foi ajuizada e o
autor falecer, seus herdeiros poderão continuá-la, salvo se o processo for julgado
extinto.

5.1 Reconhecimento de filhos

O reconhecimento de filho é matéria prevista nos arts. 1.607 a 1.617, CC e na Lei


n. 8.560/92 (Lei da Investigação da Paternidade), que continua parcialmente em vigor,
especialmente no que se refere à parte processual.
Segundo Paulo Lôbo (2023, p. 124), o reconhecimento, voluntário ou forçado,
tem por objetivo assegurar ao filho o direito ao pai e à mãe. Trata-se, portanto, de um
dever legal dos genitores que, se não for cumprido, enseja as ações de investigação de
paternidade ou maternidade.
O art. 1.607, CC estabelece que o filho havido fora do casamento pode ser
reconhecido pelos pais, de forma conjunta ou separada. O termo “filho ilegítimo” foi
abolido, haja vista a igualdade entre os filhos, conforme o art. 227, § 6º da CF/88.
A mãe somente pode contestar a maternidade registrada no termo de
nascimento se provar a falsidade do termo ou das declarações nele contidas (art. 1.608, CC),
como, por exemplo, no caso da troca de recém-nascidos na maternidade. “Na verdade, a
norma é aplicável em casos excepcionais diante da velha regra pela qual a maternidade
é sempre certeza (mater semper certa est). De qualquer modo, caso proposta uma ação
de investigação de maternidade, mais uma vez a parentalidade socioafetiva deve ser
levada em conta.” (TARTUCE, 2023, p. 476).
Em geral, as discussões sobre filiação se voltam para o reconhecimento da
paternidade, uma vez que não é certa, como no caso da presunção de maternidade. Assim,
o reconhecimento de filho pode ser realizado de forma voluntária ou perfilhação (art.
1.609, CC) ou de forma judicial, por meio da ação investigatória.
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O art. 1.609, CC basicamente repete o texto do art. 1º da Lei n. 8.560/92 (Lei da


Investigação da Paternidade), indicando as hipóteses de reconhecimento voluntário de
filhos ou perfilhação:
a) registro do nascimento;
b) por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado no cartório de
registro civil das pessoas naturais. Tal procedimento deve ser adotado nos casos
em que o reconhecimento não ocorreu no registro do nascimento;
c) por testamento, ainda que a manifestação seja incidental;
d) por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o
reconhecimento de filho não seja o objeto único e principal do ato que o
contém. “Vale aqui citar, como exemplo, a declaração feita por uma pessoa,
como testemunha, em uma ação de despejo. Se o ato é de reconhecimento de
filho, deve ser reputado como válido e eficaz, mesmo não sendo este o objeto
da ação.” (TARTUCE, 2023, p. 477).

Conforme o parágrafo único do art. 1.609, CC, o reconhecimento pode preceder ao


nascimento (reconhecimento de nascituro) ou ser posterior ao falecimento
(reconhecimento post mortem), se o filho a ser reconhecido deixar descendentes.
Conforme explica Flávio Tartuce (2023, p. 478), a possibilidade legal de reconhecimento
do filho antes do nascimento consagra direitos ao nascituro, que é considerado pessoa
para a teoria concepcionista, assumindo direitos da personalidade (personalidade
jurídica formal)8.
O reconhecimento de filhos é um ato jurídico stricto sensu, unilateral receptício e
formal. Assim, estabelece o art. 1.614, CC, que para o reconhecimento de filiação do
filho maior é necessário o seu consentimento (art. 4º da Lei n. 8.560/92); enquanto o
filho menor pode impugnar o seu reconhecimento (ação negatória de paternidade) no
prazo decadencial de quatro anos a contar da sua maioridade ou da emancipação. Flávio
Tartuce (2023, p. 479) apresenta crítica ao prazo, por se tratar de questão referente ao
estado de pessoas e à dignidade humana (direito à verdade biológica), portanto, matéria
não sujeita

8
“A teoria concepcionista pode ser tida como majoritária na doutrina brasileira atual, conforme observei em
artigo científico escrito há tempos sobre o tema (TARTUCE, Flávio. A situação jurídica..., 2007, v. 6, p. 83-
104).” (TARTUCE, 2023, p. 478).
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a prazos. Cabe ressaltar, entretanto, que a ação de investigação de paternidade não possui
prazo, podendo ser ajuizada a qualquer tempo.
Flávio Tartuce (2023, p. 480) destaca que a “impugnação deve ser reputada
improcedente nos casos em que estiver caracterizada a parentalidade socioafetiva, em
decorrência da posse de estado de filhos e do vínculo de afeto formado”. Entretanto, o
prazo decadencial de quatro anos não reforça a sociafetividade, que se baseia na relação
de afetivo qualitativa, e não quantitativa (TARTUCE, 2023, p. 480).
O reconhecimento voluntário de filho é ato irrevogável, conforme o art. 1.610,
CC. Também é ato incondicional, não estando sujeito a condição (evento futuro e
incerto) ou termo (evento futuro e certo), conforme o art. 1.613, CC. Assim, “a condição
e o termo, como elementos acidentais, não atingem a validade do ato referente ao
reconhecimento. Vale o reconhecimento, sendo ineficazes os elementos acidentais
apostos.” (TARTUCE, 2023, p. 480).
O reconhecimento voluntário produz efeitos erga omnes e ex tunc (retroativos).
Assim, a relação de filiação irradia-se perante todos os seus parentes (avós, tios, primos
etc). Trata-se de um ato personalíssimo que somente compete ao pai e à mãe.
O art. 1.611, CC é polêmico, pois dispõe que o filho havido fora do casamento e
reconhecido por um dos cônjuges não poderá residir no lar conjugal sem o
consentimento do outro cônjuge, privilegiando o casamento. Entretanto, Flávio Tartuce
(2023, p. 481) e Paulo Lôbo (2023, p. 127) entendem que os arts. 1.611 e 1.612, CC
devem ser harmonizados, prestigiando o princípio do melhor interesse da criança.
Assim, a guarda é exclusiva do genitor que reconheceu o filho, conforme exemplo:

Se, por exemplo, a mãe fizera a declaração para o registro do nascimento, a


guarda do filho decorreu naturalmente desse fato; se o pai vem a reconhecer
o filho, posteriormente, não obterá sua guarda, salvo se houver acordo ou se
o juiz lhe deferir o pedido, convencido de ser este o melhor interesse do filho
menor. (LÔBO, 2023, p. 128).

Se ambos reconhecerem o filho, a guarda será objeto de acordo ou de decisão


judicial que contemple o melhor interesse do menor.
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Conforme o art. 1.617, CC, a filiação materna ou paterna pode resultar de


casamento declarado nulo, ainda que este não seja reconhecido como putativo (art. 1.561,
CC).

5.1.1 Reconhecimento judicial: investigação de paternidade e de maternidade

As ações de investigação de paternidade e maternidade (fundadas na filiação)


seguem o procedimento especial relativo às ações contenciosas de família, constantes dos
arts. 693 a 699, CPC e, subsidiariamente, as normas do procedimento comum (art. 318,
CPC).
Deve-se observar, inicialmente, o procedimento de averiguação oficiosa da
paternidade, estabelecido pela Lei n. 8.560/92 (Lei de investigação de paternidade), no seu
art. 2º, com a possibilidade de medidas pelo Ministério Público para esse
reconhecimento no plano judicial. Flávio Tartuce (2023, p. 482) trata da ordem lógica
desses procedimentos:

1. º) Nos casos de registro de nascimento de menor apenas com a


maternidade estabelecida, o oficial do registro civil remeterá ao juiz certidão
integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do
suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação.
2. º) O juiz, sempre que possível, ouvirá a mãe sobre a paternidade alegada e
mandará, em qualquer caso, notificar o suposto pai, independentemente de seu
estado civil, para que se manifeste sobre a paternidade que lhe é atribuída.
3. º) O juiz, quando entender necessário, determinará que a diligência seja
realizada em segredo de justiça.
4. º) No caso de o suposto pai confirmar expressamente a paternidade, será
lavrado termo de reconhecimento e remetida certidão ao oficial do registro,
para a devida averbação.
5. º) Se o suposto pai não atender no prazo de trinta dias, a notificação judicial,
ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao representante do
Ministério Público para que este intente, havendo elementos suficientes, a ação
de investigação de paternidade.
6. º) A iniciativa conferida ao Ministério não impede a de quem tenha legítimo
interesse de intentar investigação, visando a obter o pretendido
reconhecimento da paternidade. Assim, o próprio filho, representado, assistido
ou por ele mesmo, poderá ingressar com a competente ação, com advogado
ou defensor devidamente constituído para tanto. Parece-me que a iniciativa
conferida ao MP não afasta eventual atuação do Defensor Público.
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O CNJ, mediante o Provimento n. 16, de 2012, procurou dar maior efetividade ao


procedimento de averiguação oficiosa da paternidade, buscando atender ao “Programa
Pai Presente”.
Assim, a qualquer tempo, durante a menoridade do filho, a mãe pode
comparecer pessoalmente perante o Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais e
apontar o suposto pai (art. 1º Provimento CNJ n. 16/2012). O filho maior também pode
se valer deste direito, comparecendo pessoalmente perante o Oficial de Registro Civil de
Pessoas Naturais (art. 2º Provimento CNJ n. 16/2012).
Conforme o art. 3º do Provimento CNJ n. 16/2012, o Oficial do Registro Civil
providenciará o preenchimento de termo, conforme modelo próprio, do qual constarão os
dados fornecidos pela mãe (art. 1º) ou pelo filho maior (art. 2º), e colherá sua
assinatura, firmando-o também e zelando pela obtenção do maior número possível de
elementos para identificação do genitor, especialmente o seu nome, a sua profissão (se
conhecida) e o seu endereço.
Em seguida o Oficial remeterá ao Juiz Corregedor Permanente, ou ao magistrado
competente da respectiva Comarca, esse termo, acompanhado da certidão de nascimento,
em original ou cópia (art. 4º do Provimento CNJ n. 16/2012).
O juiz, sempre que possível, ouvirá a mãe sobre a paternidade alegada e
mandará, em qualquer caso, notificar o suposto pai, independentemente de seu estado
civil, para que se manifeste sobre a paternidade que lhe é atribuída (art. 4º, § 1º, do
Provimento CNJ n. 16/2012).
No caso de o suposto pai confirmar expressamente a paternidade, será lavrado
termo de reconhecimento e remetida certidão ao Oficial da serventia em que
originalmente feito o registro de nascimento, para a devida averbação de seu nome (art.
4º, § 3º, do Provimento CNJ n. 16/2012).
Porém, se o suposto pai não atender, no prazo de trinta dias, a notificação
judicial, ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao representante do
Ministério Público ou da Defensoria Pública para que intente, havendo elementos
suficientes, a ação de investigação de paternidade (art. 4º, § 4º, do Provimento CNJ n.
16/2012).
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A iniciativa conferida ao Ministério Público ou Defensoria Pública não impede a


propositura da ação de investigação de paternidade, representado por advogado (art.
4º,
§ 5º, do Provimento CNJ n. 16/2012).
Independentemente dos procedimentos judiciais para investigação de
paternidade, o reconhecimento espontâneo de filho poderá ser feito perante Oficial de
Registro de Pessoas Naturais, a qualquer tempo, por escrito particular, que será
arquivado em cartório, não havendo qualquer questão prejudicial da averiguação
oficiosa (art. 6º, caput, do Provimento CNJ n. 16/2012).
O reconhecimento de filho por pessoa relativamente incapaz (de 16 a 18 anos)
independe de assistência de seus pais, tutor ou curador (art. 6º, § 4º, do Provimento CNJ
n. 16/2012). De acordo com Paulo Lôbo (2023, p. 124), se o pai for absolutamente
incapaz, terá de ser representado por seus pais ou pelo tutor (art. 1.634, V, CC). Ainda,
por força do Estatuto da Pessoa com Deficiência (art. 6º da Lei n. 13.146/2015), a pessoa
com deficiência mental ou intelectual tem plena capacidade legal para reconhecer filho.
A averbação do reconhecimento de filho realizado conforme o Provimento CNJ n.
16/2012 será concretizada diretamente pelo Oficial da serventia em que lavrado o
assento de nascimento, independentemente de manifestação do Ministério Público ou
decisão judicial, mas dependerá de anuência escrita do filho maior (art. 1.614, CC), ou,
se menor, da mãe (art. 7º, caput).
A colheita dessa anuência poderá ser efetuada não só pelo Oficial do local do
registro, como também por aquele, se diverso, perante o qual comparecer o reconhecedor
(art. 7º, § 1º do Provimento CNJ n. 16/2012). Na falta da mãe do menor, ou impossibilidade
de manifestação válida desta ou do filho maior, o caso será apresentado ao juiz
competente (art. 7º, § 2º do Provimento CNJ n. 16/2012).
Se o Oficial de Registro de Pessoas Naturais, ao atuar nos termos do Provimento
do CNJ, suspeitar de fraude, falsidade ou má-fé, não praticará o ato pretendido e
submeterá o caso ao magistrado, comunicando, por escrito, os motivos da suspeita (art.
7º, § 3º do Provimento CNJ n. 16/2012), sob pena de sua responsabilização pessoal.
A ação de investigação do estado de filiação tem por objetivo o reconhecimento
forçado, por decisão judicial, porque não houve reconhecimento voluntário. Por ser
declaratória e envolver estado de pessoa é imprescritível, bem como um direito
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indisponível do autor, o que é reforçado pelo art. 27 do ECA (Estatuto da Criança e do


Adolescente) quando se trata de menor.
No caso de pessoa maior a confirmação da sua imprescritibilidade veio com a
Súmula 149/STF: “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a
da petição de herança” (1963)9. Neste sentido, o filho pode, a qualquer tempo, exercer o
seu direito personalíssimo de saber sua origem paterna, mas os efeitos patrimoniais
relacionados à herança ficam sujeitos à prescrição.
A ação investigatória é uma ação pessoal, por isso seu foro competente, em
regra, é o domicílio do réu (art. 46, CPC). Todavia, se também cumular pedido de
alimentos, o entendimento do STJ é que o foro competente é o do domicílio do autor
(art. 53, II, CPC), considerando sua vulnerabilidade.
Quanto à legitimidade ativa, trata-se de ação personalíssima do filho
investigante, como já afirmado. Se menor, deve ser representado ou assistido, conforme
sua incapacidade absoluta ou relativa. O Ministério Público pode agir como substituto
processual, tendo legitimação extraordinária, conforme a Lei n. 8.560/92 (Lei de
Investigação de Paternidade).
Há, ainda, entendimento de que é possível a ação investigatória pelo nascituro,
devidamente representado, fundamentada na teoria concepcionista.
O neto também pode requerer a ação investigatória contra o avô, denominada
ação avoenga. Neste caso, rompendo com o caráter personalíssimo da ação, o autor (neto)
pede a constituição do vínculo entre o avô (réu) e o seu pai, especialmente se já falecido
o pai do autor, que em vida não pleiteou a investigação de sua origem paterna.
Os legitimados passivos serão o suposto pai ou a suposta mãe. Se já falecidos, a
ação será proposta contra os herdeiros da pessoa investigada, considerando o seu
caráter pessoal. Conforme o art. 1.615, CC, a contestação pode ser feita por “qualquer
pessoa, que justo interesse tenha”. Segundo Paulo Lôbo (2023, p. 128), “interessados são
todos aqueles que possam ser afetados pela decisão judicial, a saber, o genitor biológico,
o genitor registrado, se houver, o genitor socioafetivo, o cônjuge ou companheiro
do suposto

9
Para a ação de petição de herança o prazo é de dez anos (art. 205, CC), contado, segundo o entendimento
majoritário, a partir da abertura da sucessão, com a morte do autor da herança.
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genitor e os herdeiros deste. Os parentes colaterais, inclusive os irmãos, não têm


interesses juridicamente protegidos para ajuizamento da ação.”
O fundamento jurídico do pedido na ação investigatória está no art. 2º da Lei n.
8.560/1992 e na igualdade entre filhos constante do art. 227, § 6º, da CF/1988 e do art.
1.596, CC. Podem ainda ser citados o art. 229 e o art. 1º, III, ambos da CF/1988
(TARTUCE, 2023, p. 489). Se o pedido principal for cumulado com o pedido de alimentos,
aplica-se o art. 1.705, CC.
Em regra, é fundamental a prova técnica para demonstrar a existência do vínculo
entre as partes envolvidas, sendo mais efetiva a realização do exame de DNA, uma vez que
o entendimento que prevalece no STJ é que o direito à verdade biológica é um direito
fundamental, amparado na proteção da pessoa humana.
De acordo com a Súmula 301/STJ 10, a recusa do suposto pai em realizar o exame
de DNA induz à presunção relativa de paternidade. Desta forma, a recusa não é
suficiente para confirmar a paternidade, devendo o juiz apreciar o contexto probatório
(art. 2º-A, § 1º, da Lei n. 8.560/92 com alteração pela Lei n. 14.138/2021). A referida
presunção também se aplica aos parentes consanguíneos, juntamente com o contexto
probatório, quando o suposto pai for falecido ou não existir notícia do seu paradeiro
(art. 2º-A, § 2º, da Lei n. 8.560/92 com alteração pela Lei n. 14.138/2021).
O valor da causa, em regra, é atribuído somente para fins de alçada ou distribuição.
Todavia, se houver pedido cumulado de alimentos, o valor da causa deve corresponder
a doze vezes o valor dos alimentos pleiteados (art. 292, III, CPC).
A sentença de procedência do pedido produzirá os mesmos efeitos do
reconhecimento voluntário ou perfilhação (art. 1.616, CC) e será averbada no registro de
nascimento do filho, gerando a presunção da paternidade ou da maternidade, com todo
o complexo de direitos e deveres atribuídos à relação entre pai ou mãe e filho.
Na ação investigatória a sentença não se submete às regras do trânsito em julgado,
conforme entendimento do STF no julgamento do RE 363.889, com repercussão geral,
em 02/06/2011, citado por Paulo Lôbo (2023, p. 129):

10
Súmula 301/STJ: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz
presunção juris tantum de paternidade.” (2004).
133
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[...] deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de


investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva
existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização
do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta
quanto à existência de tal vínculo. Não devem ser impostos óbices de natureza
processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética,
como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a
tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de
qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável.

O registro produz-se eficácia jurídica ex tunc, ou seja, o reconhecimento, seja ele


voluntário ou forçado, é declarativo do estado de filiação, que já existia antes dele. Os
efeitos da sentença (e do ato voluntário) retroagem à data do nascimento do reconhecido.
Ainda dentro da temática da ação investigatória, é importante ressaltar a
possibilidade do reconhecimento da paternidade socioafetiva e da multiparentalidade.
Para compreender bem, veja-se o seguinte caso:

Um casal tem um filho, que é devidamente registrado pelo marido, que pensa
ser o seu filho. Trinta anos depois, após a morte do marido, a mulher conta ao
seu filho que o seu pai não é aquele que faleceu, mas outra pessoa, com quem
ela teve um relacionamento rápido quando era jovem. Ciente do fato, o filho
resolve promover a ação contra o seu suposto pai verdadeiro.
Realizado o exame de DNA no curso da ação, constata-se que o pai biológico
do autor é o réu e não aquele que o criou durante trinta anos. (TARTUCE,
2023, p. 492)

Conforme o entendimento mais recente do STF (RE 898.060/SC, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Luiz Fux, j. 21/09/2016), prevaleceu a possibilidade de se demandar o pai biológico
para todos os fins jurídicos, inclusive alimentos e sucessão, sem afastar o vínculo
socioafetivo (pai registral). A regra, em casos assim, passou a ser a multiparentalidade.
Os tribunais também admitem a possibilidade da ação de reconhecimento de
paternidade socioafetiva, mesmo não havendo o vínculo registral, atendendo aos novos
paradigmas oriundos da instituição das entidades familiares. Desta forma, declara-se
judicialmente a “posse de estado de filho”, que é a exteriorização da condição filia, seja
por levar o nome, seja por ser aceito como tal pela sociedade, com visibilidade notória e
pública.
Constata-se, assim, a ampliação do conceito de filiação, colocando-se a
parentalidade socioafetiva em situação de igualdade perante a parentalidade biológica.
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5.2 Adoção

No Brasil, a adoção já foi regulada por diversas leis, gerando uma “colcha de
retalhos legislativas” (RODRIGUES apud TARTUCE, 2023, p. 504). Atualmente, a matéria
ficou consolidada no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n. 8.069/90), com
as modificações das Leis n. 12.010/2009 (Lei Nacional da Adoção) e 13.509/2017.
A alteração de 2009, pela Lei n. 12.010, consolidou a matéria de adoção de menores
(crianças e adolescentes) e maiores (adultos) no ECA, pois no Código Civil restaram
somente os arts. 1.618 e 1.619, que remetem à Lei n. 8.069/90 (ECA).
Entre os conceitos de adoção que podem ser citados, destaca-se o da Profa.
Maria Helena Diniz, citado por Tartuce:

[...] ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém
estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco
consanguíneo ou afim, vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na
condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha. (DINIZ apud
TARTUCE, 2023, p. 505)

Neste sentido, prevalece o entendimento de que a adoção é um ato jurídico


stricto sensu (art. 185 do CC/2002), pois os seus efeitos são apenas fixados em lei (TARTUCE,
2023, p. 505).
A adoção é uma espécie de filiação socioafetiva e somente se efetiva mediante
processo judicial (art. 47, ECA), seja de pessoas menores ou maiores, com a intervenção do
Ministério Público, pois se trata de questão envolvendo o estado de pessoas e a ordem
pública.
O processo de adoção de menores é da competência da Vara da Infância e
Juventude (art. 148, III, ECA); para maiores a competência é da Vara de Família.
O § 10 do art. 47, ECA prevê que o prazo máximo para conclusão da ação de adoção
será de 120 dias, prorrogável uma única vez por igual período, mediante decisão
fundamentada da autoridade judiciária.
Conforme o art. 39, § 1º do ECA, a adoção é medida excepcional e irrevogável, a
qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança
ou adolescente na família natural ou extensa.
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Família natural, prevista no art. 25 do ECA, é aquela formada pelos pais ou qualquer
deles e seus descendentes. A família extensa ou ampliada é aquela que se estende para
além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos
com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e
afetividade, como avós, tios etc. (parágrafo único do art. 25, ECA).

5.2.1 Capacidade e requisitos para adoção

A capacidade para adotar, ou seja, do ADOTANTE, está prevista no art. 42 do


ECA: pessoas maiores de 18 anos, independente do estado civil. Conforme explica Paulo
Lôbo (2023, p. 134) as pessoas com deficiência mental ou intelectual também possuem
legitimidade para adotar, pois são dotadas de capacidade legal para esse fim, por força
da Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Por outro lado, a adoção
por menor de 18 anos será nula, por violação de requisito legal essencial, não podendo
ser sanada quando completar a idade.
A adoção pode ser unilateral, quando é realizada somente por uma pessoa. A
adoção conjunta é realizada por duas pessoas casadas ou que mantenham união
estável, inclusive homoafetiva, comprovada a estabilidade da família, conforme previsto
no art. 42,
§ 2º, do ECA.
O § 4º do art. 42 do ECA também admite a adoção conjunta por pessoas divorciadas
ou ex-companheiros, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e
desde que o estágio de convivência com o adotando tenha sido iniciado antes da
separação do casal. Nestes casos será assegurada a guarda compartilhada (art. 1.584,
CC), que é a regra no Direito brasileiro, desde que demonstrado efetivo benefício ao
adotando (criança ou adolescente), conforme o § 5º do art. 42, ECA.
Outro requisito fundamental para a adoção está previsto no § 3º do art. 42, ECA:
o adotante há de ser pelo menos dezesseis anos mais velho do que o adotando.
Entretanto, já existem julgados do STJ relativizando a regra de diferenças de idades,
observando-se o caso concreto e a regra de interpretação do ECA, prevista no seu art.
6º, a fim de levar em conta os fins sociais a que se dirige, as exigências do bem comum,
os direitos e deveres
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individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em


desenvolvimento.
O art. 45, ECA prevê o consentimento dos pais ou dos representantes legais do
adotando no processo, não podendo ser suprido por decisão judicial, pois é direito
personalíssimo e exclusivo, mas que pode ser revogado até a decisão judicial. Após o
trânsito em julgado da sentença de adoção o consentimento passa a ser irrevogável (LÔBO,
2023, p. 136).
O consentimento dos pais ou representantes do adotando menor será
dispensado, conforme o § 1º do art. 45, ECA, se os seus pais forem desconhecidos (não
constar no registro civil) ou tiverem sido destituídos do poder familiar (art. 1.638, CC).
No caso de adotandos maiores, o consentimento dos pais pode ser dispensado,
mas deve ocorrer a citação dos pais biológicos, considerando a “profunda ingerência em
suas vidas” (DIAS apud TARTUCE, 2023, p. 513).
O adotando maior de 12 anos deve manifestar o seu consentimento com a
adoção (art. 45, § 2º, ECA).
Os adotantes podem desistir da adoção no curso do processo, ressalvada a
possibilidade de o adotado eventualmente pleitear a reparação dos danos patrimoniais
e morais porventura decorrentes da desistência.
O art. 19-A do ECA prevê um tipo especial de consentimento, que permite à
gestante ou mãe, após o parto, fazer a entrega voluntária e sigilosa da criança à Justiça
da Infância e da Juventude, para adoção, porque não pode ou não quer assumir a
maternidade. Esta medida visa impedir que a mãe simplesmente abandone a criança
após o parto ou como infante exposto11.
A manifestação da gestante ou da parturiente pode ser antes ou após o parto,
dirigida à Justiça da Infância e da Juventude. Neste procedimento a gestante ou mãe
deve ser ouvida pela equipe técnica interprofissional, que deve apresentar relatório
conclusivo

11
“Infante exposto é a criança que foi abandonada por um ou ambos os pais, em seus primeiros dias de vida,
tendo eles a intenção de que seja acolhida por quem a encontrar. A criança é abandonada em endereço
determinado, sem conhecimento de sua origem, pelo destinatário. Essa conduta é considerada crime pelo
Código Penal, que estabelece ser punível com reclusão de um a cinco anos deixar em asilo de expostos ou
outra instituição de assistência filho próprio ou alheio, ocultando-lhe a filiação ou atribuindo-lhe outra,
com o fim de prejudicar direito inerente ao estado civil.” (LÔBO, 2023, p. 136).
137
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ao juiz, considerando inclusive, os eventuais efeitos do estado gestacional e puerperal (§


1º, art. 19-A, ECA).
Após o nascimento da criança, a vontade da mãe ou de ambos os genitores, se
houver pai registrado, ou pai indicado, deverá ser confirmada em audiência judicial
designada (§ 5º, art. 19-A, ECA).
Não havendo indicação do genitor nem outro membro da família extensa apto a
receber a guarda, o juiz decretará a extinção do poder familiar e determinará a guarda
provisória da criança a quem esteja habilitado à adoção ou para entidade que
desenvolva programa de acolhimento familiar ou institucional (§ 4º, art. 19-A, ECA).
Após o término do estágio de convivência os detentores da guarda deverão propor ação
de adoção no prazo de 15 dias (§ 7º, art. 19-A, ECA).

5.2.2 Efeitos da adoção

A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres


(art. 227, § 6º, CF/88; art. 1.596, CC), inclusive sucessórios, desconstituindo
definitivamente qualquer vínculo com pais e parentes biológicos, salvo os impedimentos
matrimoniais (art. 1.521, CC), conforme o art. 41, ECA. Não é possível retomar os
vínculos com os pais naturais, nem mesmo por multiparentalidade (LÔBO, 2023, p. 132).
Conforme explica Paulo Lôbo (2023, p. 132), o disposto no art. 1.614, CC e art.
27, ECA não se aplicam à adoção. Assim, o filho não poderá impugnar a nova
paternidade ou maternidade, nem mesmo quando atingir a maioridade. Por
consequência, o filho que foi adotado não poderá promover investigação de
paternidade ou maternidade biológicos. Lado outro, os adotantes (pais) não podem
jamais impugnar a condição do filho adotado, o que se permite nos demais modos de
filiação (art. 1.604, CC).
A adoção unilateral de filho do cônjuge ou companheiro não rompe o vínculo
com o pai ou a mãe biológica e com seus respectivos parentes (§ 1º do art. 41, ECA).
Assim, se
o novo marido ou companheiro da mãe adotar o filho dela, somente será rompido o vínculo
biológico com o pai e seus parentes.
A morte dos adotantes não restabelece o poder familiar dos pais biológicos (art. 49,
ECA).
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O direito sucessório é recíproco entre o adotado, seus descendentes, o adotante,


seus ascendentes, descendentes e colaterais até o quarto grau, observada a ordem de
vocação hereditária (§ 2º, art. 41, ECA), demonstrando a aplicação do princípio da
igualdade entre filhos.
É possível a adoção post mortem, ou seja, quando o adotante falece no curso do
procedimento, antes de proferida a decisão, desde que haja inequívoca manifestação do
adotante falecido (art. 42, § 5º, ECA). Neste caso, os herdeiros do adotante deverão dar
seguimento ao processo e os efeitos da adoção retroagirão à data do óbito.
Em regra, os efeitos da adoção começam a partir do trânsito em julgado da
sentença (art. 47, § 7º, ECA).
A adoção é ato personalíssimo, por isso é vedada que se realize por procuração,
conforme o art. 39, § 2º, do ECA.
O art. 39, § 3º, do ECA prevê regra quando houver conflito entre direitos e
interesses do adotando e de outras pessoas, prevalecendo os direitos e interesse do
adotando. “A título de exemplo, se houver uma situação de divergência entre os pais
biológicos e a vontade do próprio adotado, ouvido a partir dos doze anos de idade, a
vontade do último é que deve prevalecer.” (TARTUCE, 2023, p. 515).
Ascendentes e irmãos não podem adotar, conforme o art. 42, § 1º, do ECA, a fim
de evitar inversões e confusões (tumulto) nas relações familiares – em decorrência da
alteração dos graus de parentesco –, bem como a utilização do instituto com finalidade
meramente patrimonial. Todavia, o STJ tem reconhecido, excepcionalmente, a
possibilidade de adoção de descendentes por ascendentes, notadamente por avós (adoção
avoenga), diante das peculiaridades do caso concreto, por razões humanitárias e sociais,
bem como para preservar situações de fato consolidadas.
Não é proibido a adoção de sobrinhos por tios ou por primos.
A sentença judicial de adoção será inscrita no registro civil mediante mandado do
qual não se fornecerá certidão (art. 47, ECA). O adotado passará a ter o sobrenome do
adotante, podendo modificar seu prenome a pedido do adotante ou do adotado (art.
47,
§ 6º, ECA). Também constarão os nomes dos ascendentes do adotante. O mandado judicial
será arquivado e cancelará o registro original do adotado.
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Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do


registro. Todavia, o processo relativo à adoção, assim como outros a ele relacionados,
será mantido em arquivo, admitindo-se seu armazenamento em microfilme ou por
outros meios, garantida a sua conservação para consulta a qualquer tempo (art. 47, § 8º,
ECA).
Assim, é garantido ao adotado maior de 18 anos o direito de conhecer sua
origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi
aplicada e seus eventuais incidentes, após completar dezoito anos (art. 48, ECA). O
adotado menor de 18 anos também poderá ter acesso ao processo de sua adoção, a seu
pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica. Segundo Paulo Lôbo
(2023, p.132), “esse direito irrestrito de conhecimento dos dados de sua adoção inclui-
se entre os direitos da personalidade, que são inerentes e indispensáveis à constituição
da pessoa humana, especificamente para fins de informação sobre sua identidade
genética.”

5.2.3 Estágio de convivência

O art. 46 do ECA prevê a obrigatoriedade do estágio de convivência com a


criança ou o adolescente antes da adoção, pelo prazo máximo de 90 dias, observadas a
idade do adotando e as peculiaridades do caso. O prazo poderá ser prorrogado por igual
período, mediante decisão fundamentada do juiz (art. 46, § 2º-A, do ECA).
O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a
tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível
avaliar a conveniência da constituição do vínculo (art. 46, § 1º, ECA). Ressalte-se que a
guarda de fato não autoriza a dispensa do estágio de convivência (art. 46, § 2º, ECA).
Em caso de adoção internacional, ou seja, por pessoa ou casal residente ou
domiciliado fora do País, o estágio de convivência será de, no mínimo, 30 (trinta) dias e, no
máximo, 45 (quarenta e cinco) dias, prorrogável por até igual período, uma única vez,
mediante decisão fundamentada do juiz (art. 46, § 3º, ECA).
O estágio de convivência é acompanhado por equipe interprofissional (art. 46, § 4º,
ECA) que, ao final do prazo, apresentará ao juiz laudo minucioso e fundamentado acerca
da conveniência do deferimento ou não da adoção (art. 46, § 3º-A, ECA).
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O art. 46, § 5º, ECA prevê que o estágio de convivência deve ser realizado
preferencialmente na comarca de residência da criança ou adolescente, ou, a critério do
juiz, em cidade limítrofe, respeitada, em qualquer hipótese, a competência do juízo da
comarca de residência da criança, a fim de atender ao melhor interesse da criança,
especialmente para preservar a sua inserção social e seus vínculos de convivência
(TARTUCE, 2023, p. 518).
Os adotantes podem desistir durante o estágio de convivência (§ 4º do art. 46, ECA)
ou da guarda provisória (parágrafo único do art. 167, ECA).

5.2.4 Adoção internacional

O art. 51, ECA dispõe sobre a adoção internacional, considerada “aquela na qual
o pretendente possui residência habitual em país-parte da Convenção de Haia, de 29 de
maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção
Internacional, promulgada pelo Decreto n. 3.087, de 21 junho de 1999, e deseja adotar
criança em outro país-parte da Convenção”.
Os adotantes podem ser estrangeiros ou brasileiros que vivam fora do país, nas
condições acima estabelecidas.
O estágio de convivência será, no mínimo, 30 dias e, no máximo, 45 dias, cumpridos
preferencialmente na cidade de residência da criança ou em cidade limítrofe.
A adoção nacional possui prioridade sobre a adoção internacional (art. 51, § 1º,
II, ECA), ou seja, deve-se cerificar nos autos, após consulta, a inexistência de postulantes
interessados e habilitados com residência permanente no Brasil.
O estrangeiro deverá comprovar, mediante documento expedido pela
autoridade competente de seu país, estar devidamente habilitado à adoção e
apresentar estudo psicossocial (art. 51, ECA). A adoção internacional poderá ser
condicionada a estudo prévio de uma comissão judiciária de adoção. Deverá a comissão
manter registro centralizado de interessados estrangeiros em adoção (art. 52).
O adotando não poderá sair do país antes do trânsito em julgado da sentença.
Transitada em julgado a sentença, a autoridade judiciária determinará a expedição do
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alvará com autorização de viagem, inclusive para obtenção do passaporte (§§ 8º e 9º do


art. 52, ECA).
Se brasileiros residentes no Brasil forem adotar criança estrangeira no exterior,
em país também ratificante da Convenção de Haia, a adoção produzirá imediato efeito
no Brasil, sem necessidade de homologação. Se o país não for ratificante da Convenção,
então será necessária a homologação da sentença estrangeira pelo STJ à autoridade
central estadual do Brasil.
O art. 239, ECA considera crime, punível com reclusão de quatro a seis anos,
promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente
para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro.
Por isso, a Convenção de Haia está inspirada na necessidade de prever medidas para
garantir que as adoções internacionais sejam feitas no interesse superior da criança e
com respeito a seus direitos fundamentais, assim como para prevenir o sequestro, a
venda ou o tráfico de crianças (LÔBO, 2023, p. 141).

5.2.5 Cadastro de Adoção

O art. 50 do ECA determina que cada comarca mantenha registro dos


postulantes à adoção e outro registro das crianças e adolescentes em condições de
serem adotados.
O objetivo dos cadastros é garantir a observância da ordem de inscrição dos
postulantes, sem favorecimentos. O juiz pode, excepcionalmente, dispensar a ordem
cronológica das habilitações (arts. 197-E do ECA) nas hipóteses de adoção unilateral
(feita pelo cônjuge ou companheiro em relação ao filho biológico ou adotado do outro),
de parente com que a criança tenha efetivos laços de afetividade (parentesco biológico
ou socioafetivo), ou de quem já detenha a tutela ou a guarda legais da criança com mais
de três anos de idade (§ 13 do art. 50, ECA)..
Outra exceção à observância da ordem cronológica de inscrição é a adoção de
grupos de irmãos ou de adotandos com doença crônica ou com necessidades especiais,
em razão de prioridade estabelecida em lei (§ 15 do art. 50, ECA).
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O deferimento da inscrição e habilitação de pessoas interessadas na adoção


depende de procedimento prévio, a fim de atender aos requisitos e etapas descritos nos
art. 50 e arts. 197-A ao 197-F, todos do ECA.
Em relação ao cadastro de adotantes existe um grande debate no Brasil sobre a
possibilidade jurídica da adoção consentida, dirigida ou intuitu personae, em que os pais
da criança indicam os adotantes, haja vista a convicção de que são os melhores para
assumirem a parentalidade adotiva de seu filho. Flávio Tartuce (2023, p. 522) entende “que
não existem problemas em se admitir a hipótese, desde que atendido o melhor
interesse da criança.”
Segundo Paulo Lôbo (2023, p. 139), a adoção intuitu personae, dadas as
circunstâncias concretas, valoriza a socioafetividade e o melhor interesse da criança,
pois sua retirada do ambiente familiar socioafetivo, quando consolidado, e inclusão em
acolhimento institucional (abrigos) ou familiar são medidas provisórias e excepcionais que,
neste caso, não contemplam o princípio do melhor interesse da criança.
Desta forma, os tribunais, seguindo entendimento do STJ, têm decidido pela
manutenção da criança com a família escolhida pelos pais biológicos, salvo quando
comprovada má-fé de quem pretende a adoção, valendo-se de situação pontual de
dificuldade da genitora, negando-se depois a devolver a criança, alegando vínculo
artificial de afetividade (LÔBO, 2023, p. 139).
O § 1º do art. 19, ECA trata da colocação da criança e do adolescente em família
substituta (art. 28, ECA), a fim de assegurar a convivência familiar e comunitária, em
ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. Ressalte-se o prazo trimestral para as
reavaliações da situação da criança/adolescente por equipe interprofissional ou
multidisciplinar, buscando possibilitar a redução das crianças em situação de abrigo.
O § 2º do art. 19, ECA estabelece prazo máximo para permanência da criança e
do adolescente em programa de acolhimento institucional, que não pode se prolongar
por mais de 18 meses, salvo se comprovada necessidade que atenda ao seu superior
interesse, devidamente fundamentada pelo juiz.
O filho de mãe adolescente que estiver em acolhimento institucional possui a
garantia de sua convivência integral com a genitora, que será assistida por equipe
especializada multidisciplinar (§§ 5º e 6º do art. 19, ECA).
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O art. 19-B, ECA trata do programa de apadrinhamento, que abrange as crianças


e os adolescentes que se encontram em acolhimento institucional, em abrigos, ou
familiar. O apadrinhamento, conforme o § 1º do art. 19-B, ECA, consiste em estabelecer
e proporcionar à criança e ao adolescente vínculos externos à instituição para fins de
convivência familiar e comunitária e colaboração com o seu desenvolvimento nos aspectos
social, moral, físico, cognitivo, educacional e financeiro.
Os padrinhos ou madrinhas devem ser pessoas maiores de 18 anos e não
precisam estar inscritas nos cadastros de adoção, desde que cumpram os requisitos
exigidos pelo programa de apadrinhamento de que fazem parte (§ 2º do art. 19-B, ECA).
Pessoas jurídicas, como fundações com fins filantrópicos, também podem apadrinhar
criança ou adolescente a fim de colaborar para o seu desenvolvimento (§ 3º do art. 19-
B, ECA).
O perfil da criança ou do adolescente a ser apadrinhado será definido no âmbito de
cada programa de apadrinhamento, com prioridade para crianças ou adolescentes com
remota possibilidade de reinserção familiar ou colocação em família adotiva, caso daquelas
com idade avançada (§ 4º do art. 19-B, ECA).
A colocação em família substituta e o apadrinhamento são medidas que visam
contribuir profundamente para efetivar a adoção.

5.2.6 Adoção à brasileira

A denominada adoção à brasileira ocorre quando o companheiro de uma mulher


reconhece como seu, o filho dela, registrando-o como seu fosse pai biológico da criança.
Também pode ocorrer quando os avós registram netos como se fossem seus filhos,
burlando a proibição de adoção prevista no ECA (art. 42, §1º). É um fato social, muitas
vezes animados por razões de solidariedade, generosidade e nobreza.
No entanto, é uma adoção simulada, que viola as regras da adoção formal, o que
seria motivo de nulidade ou mesmo de anulação do registro por quem tivesse interesse
(TARTUCE, 2023, p. 524). A conduta também é considerada crime contra o estado de
filiação, tipificada no art. 242, CP.
Todavia, a convivência familiar duradoura transforma a “adoção à brasileira” em
posse de estado de filho (art. 1.593, CC), que é espécie do gênero estado de filiação e
144
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independe do fato originário da falsidade ou não da declaração. Bastam para a posse do


estado de filho o nome, o tratamento e a reputação, que são consolidados na
convivência familiar duradoura.
“Assim, a posse de estado de filho convalida a declaração e o respectivo registro de
nascimento, que não mais pode ser cancelado, podendo valer-se o filho de ação
declaratória dessa relação jurídica, inclusive incidental, para obstar ação que vise à
invalidação ou desconstituição do registro.” (LÔBO, 2023, p. 142)
Neste sentido, a jurisprudência tem aplicado o conceito de parentalidade
socioafetiva em tais situações, de modo que aquele que reconheceu a criança como seu
filho não possa mais quebrar esse vínculo depois de estabelecida a afetividade, o que
comporta análise caso a caso. O ato nulo ou anulável acaba sendo convalidado pelo vínculo
de afeto, entendimento este que tem um intuito social indiscutível (TARTUCE, 2023, p.
524).
No campo penal a legislação admite o perdão judicial (art. 107, IX, CP), que permite
ao juiz deixar de aplicar a pena em razão de reconhecida nobreza, podendo aplicar-se,
conforme o caso, na hipótese de adoção à brasileira.

6 Poder familiar ou Autoridade parental

O poder familiar é conceituado “como o poder exercido pelos pais em relação aos
filhos, dentro da ideia de família democrática, do regime de colaboração familiar e de
relações baseadas, sobretudo, no afeto.” (TARTUCE, 2023, p. 526).
Anteriormente era chamado de pátrio poder, que está superado pela
despatriarcalização do Direito de Família, ou seja, pela perda do domínio exercido pela
figura paterna no passado, conforme explica Flávio Tartuce (2023, p. 526). Nesta
perspectiva, o poder familiar é exercido pelo pai e pela mãe, em igualdade de condições,
sendo tratado nos arts. 1.630 a 1.638, CC.
Alguns juristas preferem denominar de autoridade parental, pois corresponde melhor
ao princípio do melhor interesse dos filhos, além de contemplar a solidariedade familiar.
Paulo Lôbo explica que a alteração também se justifica pela mudança de perspectiva dos
entes familiares: “A mudança foi muito mais intensa, na medida em que o interesse dos
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pais está condicionado ao interesse do filho, ou melhor, ao interesse de sua realização


como pessoa em desenvolvimento. Não há mais poder do pai ou dos pais sobre os
filhos. (LÔBO, 2023, p. 144).
O ECA não possui seção própria sobre o poder familiar, mas em várias passagens
trata da matéria, conjugando-se com o Código Civil: “a) no capítulo dedicado ao direito à
convivência familiar e comunitária, arts. 21 a 24; b) no capítulo dedicado aos
procedimentos, relativamente à perda e à suspensão da autoridade parental, arts. 155 a
163, que estabelecem regras próprias, uma vez que a legislação processual é apenas
supletiva; c) no capítulo destinado às infrações administrativas (multa).” (LÔBO, 2023, p.
145)
O poder familiar ou autoridade parental é exercido até os filhos completarem a
maioridade, conforme prevê o art. 1.630, CC.
Os pais casados ou conviventes em união estável exercem o poder familiar em
conjunto, mas na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade
(art. 1.631, CC). Havendo divergência entre os pais quanto ao exercício do poder
familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para a solução do desacordo
(art. 1.631, parágrafo único, CC; art. 21, ECA), como, por exemplo, a autorização para
casamento de filho relativamente incapaz. Nos casos de divergência entre os pais é
recomendável utilizar- se da mediação familiar, recomendada por Flávio Tartuce (2023, p.
527) e Paulo Lôbo (2023, p. 146).
Conforme o art. 1.632, CC, a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união
estável não alteram a autoridade parental. A mesma regra se aplica aos pais que tiverem
filhos fora dessas uniões familiares. Pode a guarda ser unilateral, mas a autoridade parental
ou poder familiar continua sob a titularidade de ambos os pais, conforme explica Paulo
Lôbo:

O que não detém a guarda tem direito não apenas a visita ao filho, mas a
compartilhar das decisões fundamentais que lhe dizem respeito. A ele
também se aplica o recurso ao juiz para solução do desacordo, a exemplo dos
critérios a serem observados para a educação do filho. (LÔBO, 2023, p. 147)

Assim, aquele que não for o guardião poderá visitar os filhos, tê-los em sua companhia
e fiscalizar sua manutenção e educação, por serem características do poder familiar.
Paulo
146
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Lôbo (2023, p. 147) cita como exemplo o dever da escola de informar ao pai e à mãe,
conviventes ou não com seus filhos, sobre a frequência e o rendimento do filho aluno,
conforme previsto na Lei n. 12.013/2009. Portanto, o direito de acompanhamento
escolar do filho não é somente do guardião ou o responsável perante a escola, mas de
ambos os pais.
“A autoridade parental não pode afastar a intervenção regular da autoridade
pública, no cumprimento de normas gerais no interesse de todas as crianças e
adolescentes, como as que regulam a educação escolar e a saúde pública.” (LÔBO, 2023,
p. 146). Cabe aqui o exemplo, também citado por Paulo Lôbo (2023, p. 146), referente à
obrigatoriedade de imunização por meio de vacina. Nesta perspectiva, o STF fixou tese
de repercussão geral (Tema 1.103, ARE 1.267.879) considerando que prevalece o direito
à saúde, como direito fundamental, sobre a autonomia dos pais.
O art. 1.634, CC trata do exercício do poder familiar, especificando as atribuições desse
exercício que são verdadeiros deveres legais, sempre no interesse da formação da
personalidade da criança e do adolescente. Aos poderes (deveres) assegurados pelo
Código Civil somam-se os deveres fixados no art. 22, ECA e nos arts. 227 e 229 da
CF/1988 O primeiro dever (art. 1.634, I, CC) é dirigir a criação e a educação dos filhos.
Segundo Paulo Lôbo (2023, p. 148), a noção de educação é a mais larga possível,
abrangendo “a educação escolar, a formação moral, política, religiosa, profissional,
cívica que se dá em família e em todos os ambientes que contribuam para a formação
do filho, como pessoa
em desenvolvimento.” (LÔBO, 2023, p. 148).
Em relação ao tema deve-se analisar sobre a livre escolha dos pais pelo tipo de
educação escolar que desejam para seus filhos. Segundo Paulo Lôbo (2023, p. 148), cabe
aos pais decidirem sobre o ensino público ou privado, o tipo de orientação pedagógica
ou religiosa, o modelo escolar mais adequado. O art. 55 do ECA determina que os pais
ou responsável têm o dever de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de
ensino. Nessa dimensão, discute-se se é possível aos pais escolherem a forma que o
ensino ocorrerá: se na escola ou em casa (homeschooling). A temática foi objeto de
julgamento pelo STF, no RE n. 888.815, julgado pelo plenário em setembro de 2018.
Gustavo Tepedino e Ana Carolina Brochado Teixeira (2023, p. 317) explicam o
fundamento dos recorrentes:
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Os recorrentes fundamentaram seu pedido na amplitude da educação, que não


pode se restringir à instrução formal numa instituição convencional de ensino,
bem como nos princípios da liberdade de ensino e do pluralismo de ideias e
de concepções pedagógicas (art. 206, incisos II e III), cabendo tal escolha aos
pais, no âmbito da autonomia familiar assegurada pela Constituição. Por
ocasião do julgamento, foi decidido que o ensino domiciliar não é proibido
pela Constituição, mas só pode ser exercido conforme futura regulamentação
legal que preveja requisitos mínimos, tais como frequência e avaliação
pedagógica, a fim de que o menor não fique completamente alijado dos
parâmetros coletivos de ensino. (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2023, p. 317)

Portanto, em decorrência da decisão do STF, acima mencionada, não se permite no


Brasil o ensino domiciliar por falta de regulamentação legal, embora exista projeto de lei
em tramitação no Congresso Nacional com este objetivo.
O art. 1.634, IV, CC se refere ao consentimento dos pais para viagem dos filhos ao
exterior. Neste caso deve-se observar o art. 84, ECA, que exige autorização mediante
documento com firma reconhecida de um dos pais, se a criança ou adolescente for
viajar com o outro. Viajando com ambos os pais não é necessária autorização.
O art. 83 do ECA, modificado pela Lei n. 13.812/2019, trata da exigência de autorização
judicial para criança ou adolescente menor de 16 anos viajar para fora da comarca onde
reside desacompanhado por ambos os pais, ou qualquer deles. Todavia, a autorização
judicial é dispensável se a viagem for para comarca contígua ou cidade incluída na
mesma região metropolitana. Também deixa de ser necessária a autorização se o menor
de 16 anos estiver acompanhado de ascendente (ex.: avós) ou tio(a), desde que
comprovado documentalmente o parentesco e, ainda, de outra pessoa maior autorizada
pelo pai ou pela mãe.
O art. 1.634, IX, CC trata da permissão para que os pais exijam dos filhos obediência,
respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. Em referência à última parte,
Paulo Lôbo (2023, p. 148) considera a regra incompatível com a Constituição,
principalmente em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III, e
227), além de consistir em abuso (art. 227, § 4º). “Essa regra surgiu em contexto
histórico diferente, no qual a família era considerada, também, unidade produtiva e era
tolerada pela sociedade a utilização dos filhos menores em trabalhos não remunerados,
com fins econômicos.” (LÔBO, 2023, p. 148).
Paulo Lôbo (2023, p. 148), no entanto, admite a interpretação do art. 1.634, IX, CC
em conformidade com a Constituição, que autoriza apenas situações de colaboração dos
filhos
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nos serviços domésticos, sem fins econômicos e desde que não prejudique sua formação
e educação, mas nunca para transformá-los em trabalhadores precoces.
Ainda sobre a questão dos serviços dos filhos, tem sido muito debatido o sharenting
(to share – compartilhar + parenting – parentalidade), que é a prática exacerbada dos
pais compartilharem imagens dos filhos na redes sociais. Além dos questionamentos
sobre a violação de dados pessoais e direitos da personalidade da criança, existe a
preocupação com o uso da imagem para fins econômicos.
Flávio Tartuce (2023, p. 529) também entende que o art. 1.634, IX, CC deve ser lido
à luz da dignidade humana e da proteção integral da criança e do adolescente. Nesta
perspectiva, a exigência de obediência não pode ser desmedida, sendo vedados maus-
tratos e relação ditatorial, o que pode ocasionar a suspensão ou destituição do poder
familiar e a condenação do pai ou da mãe a pagar indenização por danos morais aos filhos,
decorrente do abuso de direito, que é ato ilícito (art. 187, CC).
Destaque-se, quanto ao tema, a Lei n. 13.010/14, conhecida como Lei da Palmada
ou Lei Menino Bernardo, em homenagem a vítima de violências praticadas pelo pai e
pela madrasta. A referida lei alterou o ECA, incluindo o art. 18-A e 18-B, que inclui a
vedação das práticas de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante contra a
criança e o adolescente, além das medidas aplicadas pelo Conselho Tutelar.
No que tange ao exercício do poder familiar também é importante tratar da
administração dos bens dos filhos menores pelos pais, previsto nos arts. 1.689 ao 1.693,
CC. Inicialmente, prevê o art. 1.689, I, CC, que o pai e a mãe, enquanto no exercício do
poder familiar, são usufrutuários dos bens dos filhos (usufruto legal), visando a proteção
dos interesses dos filhos menores, conforme o princípio do melhor interesse da criança
e do adolescente.
Os pais têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade
(art. 1.689, II, CC), exceto aqueles especificados no art. 1.693, CC. Nesta administração
os pais não podem alienar ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em
nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração (art. 1.691,
CC), salvo por necessidade ou evidente interesse do menor e mediante prévia
autorização judicial.
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Os atos de alienação ou disposição realizados sem autorização judicial serão


declarados nulos, conforme o parágrafo único do art. 1.691, do CC), a fim de tutelar o
direito dos menores.
Havendo colisão de interesses dos pais com os dos filhos, no exercício do poder
familiar, o juiz dará curador especial ao filho, seja a requerimento do Ministério Público
ou do próprio filho (art. 1.692, CC).

6.1 Suspensão e extinção do poder familiar

A extinção é a interrupção definitiva do poder familiar ou autoridade parental,


conforme as hipóteses exclusivas previstas no art. 1.635, CC.
A suspensão pode ser total ou parcial e está vinculada à prática de determinados
atos previstos no art. 1.637, CC. No caso de suspensão parcial, o outro genitor ou, na
falta deste, o tutor, exercerá sozinho os atos dos quais o pai suspenso foi privado. Na
suspensão total, o pai ou a mãe suspenso não poderá praticar ato algum. Cessadas as
causas ensejadoras da suspensão do poder familiar, a medida pode ser revertida.
As hipóteses legais de suspensão da autoridade parental são: descumprimento
dos deveres a eles (pais) inerentes; ruína dos bens dos filhos; risco à segurança do filho;
condenação em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão; e ato de alienação
parental. Para Tepedino e Teixeira (2023, p. 327), as hipóteses do art. 1.637, CC são
exemplificativas, pois a natureza protetiva da autoridade parental pode fazer com que o
juiz, a bem da criança ou do adolescente, suspenda a autoridade parental em situações
diversas daquelas enumeradas no texto legal.
Paulo Lôbo (2023, p. 149) explica que a causa não precisa ser permanente, pois
basta um só acontecimento que justifique o receio de vir a se repetir no futuro, com
risco para a segurança do menor e de seus haveres, para ensejar a suspensão. Por
exemplo, quando o pai, tendo bebido, quis matar o filho, ou quando, por total
irresponsabilidade, quase levou à ruína os bens do filho.
Os casos de extinção do poder familiar são: a morte de ambos os pais ou do
filho; a emancipação; a maioridade; a adoção; ou decisão judicial que determine a sua
perda (art. 1.637, CC).
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O art. 1.638, CC trata das hipóteses de perda do poder familiar, que é


considerada espécie do gênero extinção da autoridade parental (LÔBO, 2023, p. 150). A
perda depende sempre de ato judicial, devido aos fatos graves que a justificam,
colocando em perigo permanente a segurança e dignidade do filho.
As hipóteses legais de perda do poder familiar são: castigo imoderado, abandono
do filho, prática de atos contrários à moral e aos bons costumes, prática reiterada das
hipóteses de suspensão e entrega irregular do filho a terceiro para fins de adoção.
A Lei n. 13.715/2018 introduziu parágrafo único ao art. 1.638, CC acrescentando
as seguintes hipóteses de perda do poder familiar, inclusive por atos contra o outro titular do
mesmo poder familiar (atual ou anterior cônjuge ou companheiro), ou contra filho, filha
ou outro descendente (ex. neto ou neta): homicídio, feminicídio, lesão corporal grave,
menosprezo ou discriminação à condição de mulher, estupro, estupro de vulnerável ou
outro crime contra a dignidade sexual sujeito a pena de reclusão.
Não há suspensão ou extinção da autoridade parental quando o pai ou a mãe
casar ou constituir união estável com outra pessoa, inclusive após divórcio. A autoridade
parental de cada qual, existente antes da nova união familiar, permanece inalterável
(art. 1.636, CC).
A carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou
a suspensão da autoridade parental, conforme previsão do art. 23 do ECA. Quando esse
for o único motivo das dificuldades de subsistência da criança, o parágrafo único do art.
23 determina que a família seja incluída em programas sociais, pois o mais relevante é
que o melhor interesse da criança e do adolescente se concretize, e este abrange
cuidados que vão muito além das condições materiais.
Assim explica Paulo Lôbo:

Em primeiro lugar, são os laços de afetividade e o cumprimento dos deveres


impostos aos pais que determinam a preservação do poder familiar. Em segundo
lugar, pobreza não é causa de sua perda forçada, porque o prevalecimento
das condições materiais seria atentatório da dignidade da pessoa humana.
Tampouco é causa de perda ou suspensão da autoridade parental a condenação
criminal do pai ou da mãe, exceto na hipótese de condenação por crime
doloso, sujeito à pena de reclusão, contra filho, filha ou outro descendente
(Lei n. 13.715/2018). (LÔBO, 2023, p. 151)
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No que tange ao procedimento judicial para destituição da autoridade parental, a


competência é da Justiça da Infância e da Juventude, conforme o parágrafo único do art.
93, ECA. A legitimidade ativa é do Ministério Público ou de quem tenha legítimo
interesse, tais como o outro titular da autoridade parental, o tutor, todos os
ascendentes e descendentes e demais parentes que possam assumir a tutela do menor.
Os arts. 155 ao 163, ECA determinam os procedimentos. A sentença que decretar
a perda do poder familiar será averbada no registro do nascimento da criança ou
adolescente.
Tepedino e Teixera (2023, p. 334) explicam que a destituição do poder familiar,
quando não tenha como causa a adoção, não desobriga o genitor do pagamento dos
alimentos, pois fundamentalmente, o dever de sustento decorre do vínculo de filiação e
da responsabilidade daí decorrente.

6.2 Modalidades de guarda e direito de convivência

A separação dos cônjuges ou dos companheiros não cessa a convivência familiar


entre os filhos e seus pais, mesmo que passem a viver em residências distintas.
À luz dos princípios do melhor interesse da criança e do adolescente e da prioridade
absoluta (art. 227, CF/88), o menor está no centro da proteção jurídica, prevalecendo
sobre os interesses dos pais em conflito. Portanto, a definição e regulamentação da
modalidade de convivência ou guarda deve sempre observar o melhor interesse dos filhos.
Os arts. 1.583 a 1.590, CC regulam a proteção dos filhos12, que é mais ampla que a
regulação de convivência ou guarda e a fixação da obrigação alimentar ao genitor não
guardião (LÔBO, 2023, p. 89). Assim, o direito à guarda passou a ser compreendido
como direito à continuidade da convivência familiar, após a separação, preservando os
poderes familiares dos pais em relação aos filhos, bem como o direito de acesso dos
filhos aos pais
e o compartilhamento recíproco de sua formação.
A guarda exercida por somente um dos pais separados ou divorciados é
denominada unilateral ou exclusiva; quando exercida por ambos é compartilhada (art.

12
É necessário atenção quanto aos arts. 33 a 35 do ECA, que regulamentam a guarda existente fora do âmbito
familiar, quando a criança ou adolescente é colocada em família substituta (art. 28, ECA), não se referindo
à guarda dos pais.
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1.583, § 1º, CC). Em quaisquer dos casos, a guarda não se confunde com o poder
familiar ou autoridade parental de cada um dos pais, que por ela não é afetado nem
reduzido.
Conforme se verifica pelo art. 1.584, CC, a regra é que os pais separados podem
definir, em consenso, a modalidade de guarda, pois presume-se que suas escolhas serão
sempre as melhores para os filhos. Entretanto, o juiz pode regular de maneira diferente,
conforme prevê o art. 1.586, CC, sempre que houver motivos graves.
Embora os pais possam escolher a modalidade de guarda, atualmente a guarda
compartilhada é obrigatória e será aplicada pelo juiz quando não houver acordo entre
os pais (§ 2º do art. 1.584, CC). Houve uma mudança radical no modelo de convivência,
através da Lei n. 11.698/2008 e, posteriormente, da Lei n. 13.058/2014, pois antes
predominava no direito brasileiro a guarda unilateral conjugada com o direito de visita.
A guarda compartilhada é exercida em conjunto pelos pais separados, de modo a
assegurar aos filhos a convivência e o acesso livres a ambos, ou seja, tem por objetivo,
essencialmente, a divisão equilibrada do tempo de convívio com os filhos, conforme o § 2º
do art. 1.583, CC. Não significa que os períodos de convivência do filho com seus pais
devam ser rigorosamente iguais. “Certa flexibilidade para adaptação deve ser
preservada, diante das circunstâncias, imprevistos e exigências da vida (viagens com um
deles, festas em famílias e com amigos, cursos fora da cidade).” (LÔBO, 2023, p. 91).
Não há impedimento para o exercício da guarda compartilhada se os pais residirem
em cidades ou mesmo países distintos, conforme já decidiu o STJ (REsp 1.878.041), pois
a comunicação por meio eletrônico permite o contato instantâneo, com visualização das
imagens dos interlocutores, favorecendo o diálogo entre os pais separados e entre estes
e seus filhos, compartilhando decisões e responsabilidades.
Destaque-se, também, que na guarda compartilhada há igualdade na decisão em
relação ao filho ou corresponsabilidade, em todas as situações existenciais e
patrimoniais, caracterizando-se pela manutenção responsável e solidária dos direitos e
deveres inerentes à autoridade parental, minimizando-se os efeitos da separação dos
pais.
O art. 1.583, § 3º, CC trata da base de moradia dos filhos, quando os pais
residirem em cidades diferentes. A criança e o adolescente precisam ter uma referência
territorial, que integra o sentido de sua existência e poderá ser definida em consenso
pelos pais. Se não chegarem ao acordo, a decisão sobre os modos de convivência, as
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atribuições de cada
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genitor e da divisão equilibrada do tempo será do juiz, que poderá basear-se em orientação
técnico-profissional ou de equipe multidisciplinar (LÔBO, 2023, p. 91).
Outro ponto importante é que a guarda compartilhada supõe o
compartilhamento das despesas com os filhos, para sua criação, assistência material e
educação. Assim, o genitor deve contribuir mais com o outro em cuja residência o filho
tem a moradia principal. “No lugar de pensão alimentícia, em sentido estrito, há o dever
de assistência material compartilhada, segundo o que os pais acordarem ou o que o juiz
fixar.” (LÔBO, 2023, p. 93).
Deve-se esclarecer que a guarda compartilhada não se confunde com a guarda
alternada. “Nesta, o tempo de convivência do filho é dividido entre os pais, passando a
viver alternadamente, de acordo com o que ajustarem os pais ou o que for decidido pelo
juiz, na residência de um e de outro.” (LÔBO, 2023, p. 93). Muitos juristas se opõem à
guarda compartilhada, considerando-a prejudicial à criança.
A guarda unilateral ou exclusiva ficou restrita às seguintes hipóteses: a) quando um
dos genitores não desejar a guarda do filho; ou b) em atenção a necessidades específicas
do filho; ou c) quando o juiz se convencer que ambos os pais não oferecem condições
morais ou psicológicas para terem o filho consigo, situação em que a guarda será
deferida a terceira pessoa, considerando grau de parentesco e relações de afinidade e
afetividade com a criança ou o adolescente.
Na hipótese de atenção às necessidades especiais do filho, o juiz determinará a
guarda unilateral ao genitor que revele melhores condições para exercê-la, não se
tratando, necessariamente, de melhores situações financeiras. “O juiz levará em conta o
conjunto de fatores que apontem para a escolha do genitor cujas situações existenciais
sejam mais adequadas para o desenvolvimento moral, educacional, psicológico do filho,
dadas as circunstâncias afetivas, sociais e econômicas de cada um.” (LÔBO, 2023, p. 93).
O § 5º do art. 1.584, CC trata da hipótese excepcional de guarda deferida a outra
pessoa, quando o juiz concluir que a criança não deve permanecer com seus pais, como,
por exemplo, na situação de pais que são dependentes químicos, sem ocupação regular,
com práticas de violência contra os filhos. A escolha do guardião deve levar em conta o
grau de parentesco e a relação de afinidade e afetividade com a criança/adolescente.
Segundo Paulo Lôbo (2023, p. 94), a afinidade não significa parentesco afim, mas inclinação
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e aptidão para cuidar e conviver com criança, ou seja, de proximidade afetiva. Já a


afetividade é a demonstração de relação de afeto que efetivamente existe entre a
criança e a pessoa que assumirá a guarda.
Cabe ao genitor guardião a manutenção, proteção e educação do filho. Já ao
genitor não guardião restam os direitos de visita, de companhia e de fiscalização,
assegurados expressamente pelo art. 1.589, CC, além do dever de alimentos.
O § 5º do art. 1.583, CC cita a legitimidade do genitor não guardião para pedir
prestação de contas, a fim de supervisionar os interesses dos filhos. Neste sentido,
existe discussão sobre a viabilidade do ajuizamento da ação de exigir contas (art. 550,
CPC), a fim de se averiguar o correto dispêndio da pensão alimentícia com o filho. Um dos
argumentos é sobre a legitimidade ativa, pois somente o filho, destinatário dos
alimentos, seria parte legítima; o outro é quanto à utilidade do provimento jurisdicional,
uma vez que os alimentos são irrepetíveis. Por outro lado, entende-se que o genitor não
guardião possui o dever de fiscalização, cuja origem é o dever de educar, conteúdo
constitucional da autoridade parental (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2023, p. 348).
Ainda não se pode afirmar que há posicionamento unânime sobre esta discussão
no STJ, pois em decisões recentes (2021) houve resultados distintos.
Na guarda unilateral é assegurado ao genitor não guardião o direito de visita e
convivência com o filho, conforme o art. 1.589, CC. Abrange o direito de ter o filho “em sua
companhia” e o de fiscalizar sua manutenção e educação.
O direito à convivência é autônomo e não está condicionado à efetivação de
nenhuma outra situação jurídica, como o pagamento dos alimentos. O seu objetivo é
fortalecer os laços afetivos e a preservar a integridade psíquica da criança, além da sua
educação e criação.
Segundo Paulo Lôbo (2023, p. 95), o direito de visita, entendido como direito à
companhia, é relação de reciprocidade, não podendo ser imposto quando o filho não o
deseja, ou o repele. Desta forma, pode ser igualmente restringido ou suprimido quando
causar danos ou prejuízos físicos, psíquicos e afetivos ao filho.
A mesma relação de reciprocidade na companhia entre pais e filhos impõe o
dever de informação aos pais. Assim, a mudança de residência ou dos meios de
comunicação de
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um dos pais deve ser objeto de informação prévia e útil ao outro, pois o filho tem direito
de se comunicar com cada um de seus pais e estes com o filho.
O direito à convivência abrange também os parentes do genitor não guardião,
tais como tais como tios, padrastos, madrastas, irmãos unilaterais etc. (família extensa –
art. 25, ECA), que não podem ter seu contato com a criança ou o adolescente impedido,
para que as relações de família não sejam dificultadas ou obstadas. Nesta dimensão, a
Lei n. 12.344/2011 incluiu o parágrafo único ao art. 1.589, a fim de assegurar aos avós o
direito de visitas aos netos.
Encontram-se dificuldades quanto às soluções coativas quando o genitor não
cumpre o dever de convivência. Segundo Tepedino e Teixeira (2023, p. 353) nessa seara
o direito tem problema de efetividade, na medida em que não há meios seguros para
garantir o direito à convivência familiar em necessária harmonia com o bem-estar dos
filhos. Os autores sugerem a mediação, a fim de mostrar ao pai que pratica o abandono
a relevância do seu papel na vida do filho.
A outra possibilidade jurídica é compelir o pai a conviver com o filho mediante
imposição de multa prevista nos arts. 497 e seguintes do CPC, considerando-se que a
convivência é obrigação de fazer13. Tepedino e Teixeira (2023, p. 354) criticam a solução,
na medida em que induz à monetarização das relações familiares e nem sempre o convívio
imposto será melhor para o filho.
A imposição de multa também é possível em face do guardião exclusivo que impede
ou dificulta o direito de visita e convivência do genitor não guardião.
A forma de regulamentação da convivência (guarda) não é definitiva, nem faz
coisa julgada material, podendo ser modificada a qualquer tempo. Portanto, qualquer fato
novo que repercuta no melhor interesse do filho faz com que a convivência possa ser
reduzida ou ampliada. Deve-se destacar que o novo casamento ou união estável de um
dos genitores, por si só, não modifica a convivência então estabelecida, salvo se a
criança ou o

13
Em julho de 2023 foi divulgado que o juiz da Vara Única da comarca de Xapuri (AC) regulamentou as visitas
ao filho por parte do genitor, que segundo é informado nos autos, não convivia com o filho. Na sentença o
juiz estabeleceu multa no valor de R$ 10 mil reais por cada visita que o genitor não realizar ao filho, como
descumprimento de ordem judicial, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, principalmente a prática de
crime de abandono afetivo, intelectual e moral. Disponível em: https://www.tjac.jus.br/2023/07/justica-
obriga-pai-a-visitar-o-filho-sob-multa-de-r-10-mil/. Acesso em 28 jul. 2023.
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adolescente não receber tratamento adequado no âmbito da entidade familiar constituída


(art. 1.588, CC).

6.3 Alienação parental

Ainda sobre o tema poder familiar ou autoridade parental, guarda e direito de


convivência, é importante explicar a alienação parental ou implantação das falas
memórias.
No Brasil a alienação parental está regulada pela Lei n. 12.318/2010 (Lei de
Alienação Parental – LAP), que assim define:

Art. 2º Considera-se alienação parental a interferência na formação


psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos
genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua
autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause
prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (BRASIL,
2010).

A própria lei, no parágrafo único do art. 2º, exemplifica algumas situações concretas
de alienação parental. A doutrina também apresenta mais algumas atitudes que
configuram como alienadoras:

[...] não passar as chamadas telefônicas para os filhos, organizar atividades mais
atraentes nos dias de convivência do outro genitor, apresentar o novo
companheiro como o novo pai ou mãe, interceptar qualquer correspondência
física ou virtual, desvalorizar e insultar o outro genitor na frente dos filhos, deixar
de avisar o outro genitor sobre compromissos dos filhos, decidir por si só
questões importantes para os menores, proibir os filhos de usarem roupas ou
objetos presenteados pelo genitor não habitual, culpar o outro genitor do mal
comportamento dos filhos, telefonar com frequência e por motivos irrelevantes
durante as visitas do outro genitor. (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2023, p. 359)

Em que pesem os vários exemplos legais e doutrinários, deve-se esclarecer que não
é qualquer conduta de um genitor separado em relação ao outro que caracteriza a
alienação parental. Paulo Lôbo (2023, p. 96) reforça que deve ficar comprovada a
interferência na formação psicológica permanente da criança ou adolescente, ou efetivo
prejuízo ao contato ou convivência com o outro genitor e seu grupo familiar, ou às relações
afetivas com estes. “Comentários ou afirmações negativas de um genitor a outro, em
158
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momentos de raiva ou ressentimento, feitos ao filho, nem sempre provocam tal efeito na
formação e higidez psicológica, que são variáveis de pessoa a pessoa.” (LÔBO, 2023, p. 96).
Tepedino e Teixeira (2023) explicam como que a alienação parental se concretiza:

A alienação parental se concretiza por meio de processo que objetiva influenciar


os filhos para impactar negativamente os vínculos afetivos dos menores com o
outro genitor. Essas condutas se efetivam através do exercício do poder familiar,
vínculo propulsor da criação e do fortalecimento de relação de confiança
entre pais e filhos, a fim de neutralizar o exercício da autoridade parental do
genitor não guardião, ou daquele que tem menos influência sobre os filhos.
(TEPEDINO; TEIXEIRA, 2023, p. 358).

Nota-se que o direito à convivência pode ser comprometido em virtude dessas e


outras condutas de um dos pais, no sentido de forjar no filho sentimento de rejeição ao
outro pai.
É comum, nesses casos, que o filho seja utilizado como instrumento de vingança ou
ressentimento de um genitor contra o outro, implantando falsas memórias na criança para
que ela deseje se afastar do genitor alienado (prejudicado) sem nenhuma justificativa real,
o que é resultado da campanha promovida pelo genitor alienante, acarretando danos à
integridade psíquica do filho, que podem permanecer por toda a vida.
Paulo Lôbo (2023, p. 96) explica que a alienação parental, inicialmente, foi objeto
de estudo nas áreas da saúde e da psicologia, qualificada como “síndrome”:

“Síndrome da Alienação Parental” (SAP) é o termo proposto pelo psicólogo


americano Richard Gardner, em 1985, para a situação em que a mãe ou o pai
de uma criança a induz a romper os laços afetivos com o outro genitor,
criando fortes sentimentos de ansiedade e temor em relação a ele. Todavia,
há resistências a essa qualificação como síndrome, em vários estudos. (LÔBO,
2023, p. 96)

Na perspectiva de Paulo Lôbo (2023, p. 91), a guarda unilateral estimula a alienação


parental, principalmente em virtude da incorporação pelo filho de falsas memórias e
redunda em seu distanciamento em relação ao outro genitor. Desta forma, o autor
entende que a “guarda compartilhada assegura a preservação da coparentalidade e
corresponsabilidade em relação ao filho, que tem direito de conviver e ser formado por
ambos os pais, com igualdade de condições” (LÔBO, 2023, p. 91).
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Além dos pais, avós ou qualquer pessoa que tenha o menor sob sua autoridade,
guarda ou vigilância podem ser sujeitos ativos de atos alienadores. Entretanto, a maioria
dos casos envolve os pais, mediante “atos de violência psíquica que acabam por fazer
uma programação psicológica na criança ou no adolescente a partir de relação de
lealdade com o genitor com quem habitualmente convive e passa a compartilhar os
sentimentos de abandono, injustiça, em clara confusão entre conjugalidade e
parentalidade.” (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2023, p. 359).
A Lei de Alienação Parental (Lei n. 12.318/2010 alterada pela Lei n. 14.340/2022)
estabeleceu regras que visam à prevenção ou à interrupção dessas condutas e à
atribuição de sanções pelo descumprimento.
O processo para apuração da alienação parental pode ser requerido pelo genitor
alienado (prejudicado) ou pelo juiz, de ofício (art. 4º, LAP). A ação pode ser autônoma
ou incidental e será acompanhada pelo Ministério Público. O processo terá tramitação
prioritária na Vara de Família situada no domicílio da criança ou adolescente, e o juiz
poderá decretar medidas provisórias ou de urgência, em virtude da gravidade dos fatos, no
sentido de preservar a integridade psicológica da criança e o direito de convivência ao
genitor alienado, inclusive de visitação assistida, viabilizando a efetiva reaproximação entre
ambos, se for o caso.
Em 2022 a LAP sofreu alteração no parágrafo único do art. 4º, a fim de incluir o
local para visitação assistida, ou seja, no fórum onde tramita a ação ou em entidades
conveniadas com o Poder Judiciário, salvo quando houver risco iminente de prejuízo à
integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional
eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas.
Havendo indício de prática de ato de alienação parental, devem as partes ser
encaminhadas ao acompanhamento diagnóstico, na forma da Lei, visando ao melhor
interesse da criança.
O magistrado depende de avaliação técnica para avaliar a ocorrência ou não de
alienação parental, não lhe sendo recomendado decidir a questão sem estudo prévio
por profissional capacitado, na forma do § 2º do art. 5º da Lei n. 12.318/2010, salvo para
decretar providências liminares urgentes. Nesta perspectiva, Tepedino e Teixeira reforçam
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a necessidade da realização da perícia psicológica ou biopsicossocial, conforme


estabelecido no art. 5º da LAP:

Relevante ganho para a identificação, prevenção e banimento da alienação


parental foi o estabelecimento da perícia psicológica ou biopsicossocial no
procedimento judicial pelo art. 5º da Lei 12.318. Trata-se de necessário encontro
dos variados campos do conhecimento, cuja finalidade é fornecer ao julgador
visão mais completa e integral do caso. Não se trata de estudo psicossocial,
prova comum nas ações de guarda e convivência familiar, que não analisa a
fundo danos advindos da alienação parental; tanto é que a perícia pode ser
acompanhada por assistentes técnicos, além de ser facultado às partes
apresentar quesitos. (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2023, p. 363)

O art. 8º-A, incluído em 2022, trata do depoimento ou escuta especializada da


criança ou adolescente, que deverá seguir os termos da Lei n. 13.431/2017, ou seja,
realização em local apropriado e acolhedor, com infraestrutura e espaço físico que
garantam a privacidade da criança ou do adolescente, resguardados de qualquer
contato, ainda que visual, com o suposto autor ou acusado, ou com outra pessoa que
represente ameaça, coação ou constrangimento.
O art. 6º da LAP prevê instrumentos processuais que o juiz poderá aplicar a fim
de inibir ou minimizar os efeitos da alienação parental, depois de confirmada sua
existência e extensão, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal cabível. As
medidas são exemplificativas, podendo o juiz conjugar com as medidas de proteção
previstas no art. 100, ECA, objetivando, primeiro, proteger a criança ou adolescente (II,
V e VI, do art. 6º da LAP) e, segundo, punir o alienador (I, III, IV e § 1º do art. 6º da LAP).
O inciso VII do art. 6º da LAP previa a suspensão da autoridade parental. Entretanto,
a Lei 14.340/2022 o revogou por considera-la uma medida drástica (TARTUCE, 2023, p.
536).
Paulo Lôbo (2023, p. 97) explica que a alienação parental também pode ocorrer em
face de parentes idosos, sendo aplicável a mesma lei, por analogia. “Com o intuito de
afastar a pessoa idosa de parentes com os quais mantém relações de afetividade mais
intensas, são implantadas estas falsas memórias.” (LÔBO, 2023, p. 97).
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REFERÊNCIAS

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eletrônico)

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TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do direito


civil: direito de família. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. (Livro eletrônico)
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TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do direito


civil: direito de família. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. (Livro eletrônico)

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