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16/01/2023 14:46 África: O Berço da Humanidade

África: O Berço da
Humanidade

AUTORIA
Karla Katherine de Souza Seule

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Caro(a) aluno(a), convido você a caminhar comigo pela formação do continente


africano e consequentemente do iniciar da história humana. Afinal, a África é o berço
da humanidade, ou seja, onde demos nossos primeiros passos no planeta e
começamos a nossa trajetória enquanto uma das espécies que o integra.

Começaremos o nosso caminho na busca por entender quais os aspectos


geográficos gerais desse continente gigantesco que é a África, e ao mesmo tempo
diverso, onde a vida de nossa espécie teve início, para que compreendamos por que
o início da humanidade se deu ali, bem como a partir de então se abriram rumos a
novos percursos e múltiplas situações que, no transcorrer do tempo, sofreram
diversos desdobramentos dentro e fora de África.

Quem é a África?
Pois bem, comecemos o nosso percurso compreendendo as características gerais
que dão forma material a este continente, pois alguns dos “segredos” que buscamos
para desvendar o porquê de a humanidade ter iniciado sua trajetória no planeta ali
tem suas respostas reveladas nas características que o fundamentam.

A África é a porção mais antiga de terra do planeta, cuja formação geológica


remonta a 3,6 bilhões e 300 milhões de anos. Sua enorme extensão territorial abarca
30.343.511 km², que equivale a 22% da superfície da Terra, onde encontramos enorme
variedade ambiental. Como pontuou Macedo (2014), a antiguidade desse continente
lhe legou diversas massas rochosas. Essas massas são denominadas cratões e
ocupam mais da metade da superfície do continente africano, e nelas contêm
formações minerais riquíssimas em ouro, diamantes, platina e outros metais raros,
além de inúmeras jazidas de petróleo.

Seu território é dividido em cinco macrorregiões: África do Norte ou Setentrional,


África do Sul ou Meridional, África Ocidental, África Oriental e África Central. Ao
longo da extensão do continente africano, encontramos ambientes diversificados.

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Figura 1 - Subdivisões da África para fins estatísticos usados pela ONU: África
Setentrional (norte / azul) (físico-geograficamente, a Península de Sinai, no Egipto,
pertence ao Médio Oriente, região da Ásia), África Ocidental (verde), África Central
(rosa), África Oriental (amarelo), África Meridional (sul / vermelho)

Fonte: Wikipédia.

Figura 2 - Deserto do Saara

Fonte: Wikipédia.

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Figura 3 - Margem esquerda (ocidental) do rio Nilo, entre Edfu e Com Ombo

Fonte: Wikipédia.

Figura 4 - Parque Nacional de Serengueti, na Tanzânia – Região de Savana

Fonte: Wikipédia.

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Desse modo ,como Macedo (2014) observa na composição da superfície, a


plataforma do continente africano era diferente das demais existentes no planeta,
enquanto a primeira a se desprender da Pangeia. Logo, teve primeiro as condições
para iniciar ali formas de vida, incluindo a humanidade.

E foi no interior dessa porção continental mais antiga que a vida humana teve início
e tanto se diversificou. Sendo assim, convido você a continuar nosso trajeto ao longo
do surgimento do ser humano na África e os desdobramentos dessa história. Vamos
lá?!

O Surgimento do Homem em
África
Para começar esta fase de discussão sobre o início do processo evolutivo da espécie
humana há cerca de 4,5 milhões de anos, devemos compreender que, dadas as
condições de vida na África terem iniciado primeiro, espécies animais ali foram se
desenvolvendo. Entre elas, encontramos os mamíferos.

Dentre os mamíferos, desenvolveram-se os primatas, que dariam origem aos


macacos e hominídeos – esses últimos, os nossos ancestrais:

Os primatas classificam-se em prossímios e símios. O homem


pertence a este segundo grupo, que se caracteriza por um aumento
da estatura, pelo deslocamento das órbitas na face e consequente
melhoria da visão, e pela independência das fossas temporais.
(UNESCO, 2010, p. 448).

São nos fósseis símios dos últimos 30 milhões de anos que os pesquisadores têm se
dirigido pra escrever a história dos hominídeos, ou seja, a história dos primeiros
humanos. Isso porque é nesse ínterim que foram formadas as características que
marcam o gênero Homo:

Locomoção sobre os membros posteriores com as consequentes


transformações dos pés, das pernas, da bacia, da orientação do
crânio, das proporções da coluna vertebral; desenvolvimento da
caixa craniana; redução da face; arredondamento da arcada dentária;
redução dos caninos; curvatura do palato, etc. (UNESCO, 2010, p. 448).

O primeiro hominídeo, o Australopithecus, cujo fóssil mais antigo do qual temos


registro, viveu há cerca de 3 milhões de anos e foi apelidada de “Lucy”, foi localizado
em território que hoje pertence à Etiópia, na região que compõe o chamado Rift

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Valey (ou vale do Rift).

Figura 5 - O vale do Rift e o Triângulo de Afar (em rosa escuro)

Fonte: Wikipédia.

Essa espécie tem algumas características essenciais que lhe dão a definição de
nosso ancestral primordial, pois tem pés e mãos modernas, “cérebro com nítido
aumento de volume, caninos pequenos e face reduzida” (UNESCO, 2010, p. 448).
Pesquisas realizadas no decorrer do século XX, mais precisamente entre os anos de
1930 e 1970, por grupos franceses e estadunidenses, limitaram a área de distribuição
do Australopithecus às regiões oriental e meridional da África.

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CONECTE-SE
Estima-se que Lucy - também chamada "Dinknesh"- tenha vivido há 3,2
milhões de anos. Quando os seus ossos fossilizados foram escavados
em 1974, ela foi aclamada como o mais antigo humano primitivo - ou
hominin - já encontrado. Os cientistas encontraram 40% dos seus ossos,
o que fez deste o esqueleto mais completo de uma antiga espécie
humana encontrada. Lucy pertencia a uma nova espécie que recebeu o
nome científico de "Australopithecus afarensis". Ao estudar Lucy, os
cientistas aprofundaram seus conhecimentos sobre a evolução
humana, por exemplo, em relação à forma como esses hominins se
deslocavam.

Figura 6 - Esqueleto e o Modelo de Restauração de Lucy exibidos no Museu


Nacional de Ciência do Japão

Fonte: Wikipédia.

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Há cerca de 3 milhões de anos, a Terra passou por um novo ciclo de aquecimento,


quando ampliaram-se áreas de florestas, fazendo subir o nível do mar em 30 metros
do atual que reduziram desertos, incluindo na África. Nesse cenário, surgiu o gênero
Homo, por volta de 2,5 milhões de anos atrás. (SOUZA, 2014). As características que
diferem o gênero Homo do Australopithecus são:

Aumento da estatura, melhoria na postura ereta, crescimento do


volume do cérebro, que, a partir da espécie mais antiga, pode atingir
800 cm³, e transformação da dentição com maior desenvolvimento
dos dentes anteriores em relação aos laterais, em consequência da
mudança do regime alimentar, de vegetariano para onívoro.
(UNESCO, 2010, p. 448).

Figura 7 - Homo Habilis, o Primeiro a usar Ferramentas de Pedra

Fonte: Wikipédia.

A África então foi o berço do Homo Habilis. Esta espécie de hominídeo dispunha de
habilidades em “manipular artefatos e atuar sobre o meio natural”, como, por
exemplo, “fragmentos de osso ou lascas de pedra para abater outros animais, agindo
como predador, como caçador” (MACEDO, 2012, p. 14).

Esses elementos tornaram a África um espaço de grandes transformações e


definições que fizeram parte do processo de formação do ser humano:

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Desde o mais remoto ancestral do gênero Homo, toda a aventura


humana se confunde com a África. Apenas ali se pode acompanhar o
processo completo de transformação dos primatas em homens.
(MACEDO, 2012, p. 15).

Além do Homo Habilis, o Homo Erectus – primeiro hominídeo a andar totalmente


em pé – e outras espécies do gênero Homo têm suas origens apontadas no
continente africano:

O aumento da estatura, a maior capacidade craniana, a compleição


mais robusta e o progresso tecnológico na fabricação de ferramentas
com o lascamento bifacial da pedra, conhecida como indústria
acheulense, são característicos dessa etapa evolutiva humana.
(SOUZA, 2014, p. 75).

Figura 8 - Homo Erectus, o Primeiro a usar o Fogo

Fonte: Wikipédia.

Essa espécie de hominídeo teve alguns de seus membros ampliando seus territórios
para além da África, chegando ao Oriente Médio, outras partes da Ásia e também à
Europa.

E entre 400 mil e 100 mil anos atrás, também foram identificados na África os
primeiros exemplares de nossa espécie, o Homo Sapiens:

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Acredita-se que os homens modernos tenham evoluído a partir de


grupos de homens arcaicos que permaneceram na África, já saindo
desse continente para ocupar outras terras na forma física atual
(Guégan, Prognolle & Thomas, 2008). Os novos viajantes, agora H.
sapiens, ou homens modernos, refizeram muitos passos de seus
ancestrais, foram expostos a ambientes semelhantes e desafiaram
diferentes condições de saúde-doença. Dotados de tecnologias mais
sofisticadas, também tiveram maior vantagem na superação
adaptativa dos desafios colocados diante da colonização do planeta
Terra. (SOUZA, 2014, p. 76).

CONECTE-SE
Os mais antigos fósseis já encontrados de seres humanos modernos
datam de 130 mil anos e foram localizados na África. E de todas as
espécies, o Homo sapiens sapiens foi a única que se espalhou e
conquistou os cinco continentes do nosso planeta.

Dotados de maiores capacidades adaptativas, o Homo Sapiens, os exemplares de


nossa espécie, conseguiu sobreviver às intempéries climáticas e em diferentes
ambientes, com diferentes características geográficas para além do clima, fazendo a
continuidade de seu percurso durar até os dias atuais, dentro e fora de África.

Como podemos ver, a nossa história enquanto ser humano está intimamente ligada
à história do continente africano. Afinal, os nossos antepassados começaram a sua
saga no planeta no interior desse continente e de lá começaram a ocupar outros
espaços.

Portanto, esse trajeto que aqui iniciamos é muito intrigante e importante, pois ele
nos capacita a conhecer não apenas a história africana em seu início, mas a história
humana. Desse modo, demonstra como conhecer o desenvolvimento desse
continente é essencial para que compreendamos as raízes de nossa espécie e as
relações que manteve dentro e fora de África.

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Pré-História Africana

AUTORIA
Karla Katherine de Souza Seule

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Nesse momento, quero abarcar com você esse percurso inicial da história humana,
que comumente denominamos de Pré-História. Essa forma de periodizar a história
foi criada na passagem do século XIX para o XX, quando a ciência histórica tentava
firmar seu status científico. Desse modo, as fontes para o estudo da ação do homem
ao longo do tempo, consideradas fidedignas, eram os documentos escritos, de
preferência oficiais. Sendo assim, considerava-se que a História só teria início a partir
da invenção da escrita e, desse modo, tudo aquilo que acontecera antes seria
denominado pré-histórico.

Transformações afetaram o desenvolvimento da ciência histórica e os afazeres do


historiador. Novos sujeitos foram sendo incorporados nos estudos históricos,
buscando-se compreender melhor o homem ao longo do tempo. Para tanto, novas
fontes foram necessárias, e o auxílio de outras ciências tais como a arqueologia
foram muito importantes. Foi assim que chegamos ao homem antes da invenção da
escrita, ou seja, do período conhecido como Pré-História.

Destaca-se que, a partir de então, esse período deixou de ser visto com indiferença
ou pouca importância. Pelo contrário, conhecimentos a respeito do homem desde
sua gênese fizeram-se, e ainda fazem significativos para que possamos conhecer as
relações humanas no presente. Como a História não é uma ciência só do passado –
mas que busca a compreensão dessa relação passado/presente –, investigar o modo
de vida do homem na pré-história ganhou fôlego e passou integrar o ofício do
historiador em sua busca por compreender a ação do homem ao longo do tempo
passado e presente.

Sendo assim, o uso de uma divisão tradicional da História (Pré-História, Idade Antiga,
Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea) e do termo “Pré-História”, são
apenas para fins de localização temporal e não com o fim de desconsiderar a
importância de tal período para o conhecimento da trajetória humana ao longo do
tempo. Feitas essas considerações, é importante observar que essa etapa inicial da
história da humanidade, chamada de Pré-História, é dividida em duas principais
fases: o Paleolítico e o Neolítico.

Tomando então esses referenciais, nos desdobraremos sobre essas duas fases da
Pré-História africana. Afinal, o trajeto humano se iniciou nesse continente, e as
transformações na vida humana nesse espaço ao longo desses períodos
espalhadaram-se para dentro e para fora da África.

A África no Paleolítico
Na África, os primeiros grupos humanos foram desenvolvendo formas de sobreviver
por meio de novas tecnologias que eles inventavam. Quando há cerca de 1 milhão
de anos a.C. começaram as ondas migratórias para outros continentes, os primeiros

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humanos levaram da África consigo conhecimentos e técnicas. Convido você a


verificar agora quais adaptações o ser humano desenvolveu em território africano, ao
longo do Paleolítico. Vamos lá?!

O Paleolítico é a primeira fase do que se designou como período da Pré-História.


Também conhecido com Idade da Pedra Lascada, esse período se estendeu até
cerca dos 12 mil anos a.C. (DALAL, 2016). Nesse período, o ser humano vivia como
caçador e coletor, e somente em sua fase final é que o homem conseguiu o controle
sobre o fogo.

Em território africano, ao longo do Paleolítico, com o surgimento dos primeiros


hominídeos, no decorrer do paleolítico, diferentes espécies do gênero Homo criaram
habilidades de produzir ferramentas. A começar pelo Homo Habilis:

Os achados de seus ossos foram associados a ferramentas


rudimentares de pedra lascada, como choppers e chopping-tools, e
aos ossos de animais com marcas sugestivas de cortes ou quebras
intencionais, confirmando um comportamento habilidoso
diferenciado e o uso regular de ferramentas fabricadas. (SOUZA, 2014,
p. 74).

Vivendo há cerca de 2 milhões de anos, seus fósseis não foram encontrados em


nenhum outro local do mundo além da África.

As evidências, segundo Souza (2014), nos fazem supor que os primeiros


representantes do gênero Homo tenham permanecido restritos ao território africano
por mais de 1 milhão de anos. Essa autora observa que sítios arqueológicos, com
artefatos de pedra lascada de tradição olduvaiense (referente ao sítio arqueológico
Garganta de Olduvai, na Tanzânia), nos indicam que indivíduos do gênero Homo
expandiram suas ocupações do interior ao norte da África e da África subsaariana.

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Figura 1 - A garganta de Olduvai

Fonte: Wikipédia.

SAIBA MAIS
Garganta do Olduvai, que dá nome a uma cultura (primeiras formas da
fabricação com pedras), situa-se ao norte da Tanzânia, próxima ao
Parque Nacional do Serengueti, cujas primeiras escavações foram
realizadas nos anos de 1950 pelo casal britânico Louis e Mary Leakey. Os
depósitos mais antigos da garganta de Orduvai possuem pouco mais
de dois milhões de anos e contém indústrias em pedra na Camada I
que recebem o nome de Olduvaiense (ou Modo I). Este tipo de
indústrias surgiu (há 2,6 milhões de anos) junto a outras formas
primitivas de um hominídeo – Paranthropus boisei.

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Figura 2 - Seixo talhado, de tradição Olduvaiense

Fonte: Wikipédia.

O Homo Erectus, com maior estatura e força física, foi o responsável por desenvolver
mais tecnologias com a fabricação de ferramentas com o lascamento bifacial da
pedra, classificada como indústria ou cultura acheulense (SOUZA, 2014).

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Figura 3 - Proto-biface Próprio do Olduvaiense Evoluído ou Acheulense

Fonte: Wikipédia.

CONECTE-SE
Duas culturas do Paleolítico Inferior assentaram-se na bacia de Ain Beni
Matar, próxima à cidade de Uchda (noroeste de Marrocos, próxima a
Argélia, a 150 quilômetros de Melilla). Nesta localidade, que na chegada
dos hominídeos era composta de uma paisagem de rios mais
caudalosos que os atuais e com maior pluviosidade, desenvolveram-se
as culturas olduvaiense e acheulense, indústrias caracterizadas pelo uso
de cantos talhados e bifaces, respectivamente, e se acredita que uma
sucedeu a outra cronologicamente.

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Com o controle do fogo, que além de servir para aquecer e cozer os alimentos abriu
espaço para os primeiros humanos desenvolverem novas tecnologias, tais
habilidades - junto com o desenvolvimento da linguagem - puderam ser
transmitidas, levando às primeiras formas culturais. Esses foram elementos da vida
no Paleolítico que ocorreram no continente africano.

Nesse processo, entre 15 mil e 12 mil anos a.C., mais precisamente no Mesolítico,
tivemos avanços por parte de nossos ancestrais no desenvolvimento de técnicas de
fabricação de artefatos e utensílios de pedra trabalhada, os chamados micrólitos
(MACEDO, 2012). Com lâminas cortantes, esses artefatos eram utilizados por
caçadores nos territórios atuais da Zâmbia, Namíbia e Angola, além do
desenvolvimento do uso do arco e da flecha.

Figura 4 - Micrólitos do período Mesolítico

Fonte: Wikipédia.

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SAIBA MAIS
O Período Mesolítico corresponde ao período de transição pré-histórica
entre o Paleolítico (Idade da Pedra Lascada) e o Neolítico (Idade da
Pedra Polida). Essa transição aconteceu de forma lenta e gradual, sendo
o mesolítico o período que abrange essa mudança.

Continuaremos nosso percurso nos voltando para os desdobramentos que a vida


humana na África sofreu no período posterior ao Paleolítico. Vamos lá?!

A África no Neolítico
O Neolítico, que se estende de 12 mil a.C. até cerca de 2.500 a.C., também conhecido
como período da Pedra Polida, é a segunda fase do período pré-histórico. Foi ao
longo dessa fase da história humana que o homem desenvolveu práticas agrícolas e
pastoris, além de com o domínio já adquirido do fogo, ter conseguido aprimorar o
desenvolvimento de ferramentas e utensílios importantes para sua vida.

No Neolítico, mais precisamente com a última Era Glacial, tivemos mudanças


climáticas que fizeram os seres humanos buscarem novos modos de sobrevivência,
que deram início às primeiras práticas agropecuárias; passo essencial para a
transformação dos primeiros grupos nômades em sedentários, cujo alimento não
precisava mais ser buscado constantemente, o que lhes permitiu fixar morada em
determinados territórios.

Com isso, aldeias e vilas puderam se desenvolver e surgiram, assim, estruturas


sociais, com destaque para determinados grupos tais como os guerreiros e
sacerdotes. Inovações técnicas também marcaram esse período, com o
desenvolvimento da cerâmica e da metalurgia.

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Figura 5 - Cerâmica Egípcia

Fonte: Wikipédia.

Tais mudanças, segundo Macedo (2012), não ocorreram em todo o continente


africano. Isso porque em muitas áreas o clima inóspito dificultava a permanência e o
desenvolvimento de habitações. Contudo, a adaptação também é uma
característica marcante, que fez impulsionar novos inventos por parte dos homens
que nesse continente diverso viveram.

Foi na região do atual Saara até o vale do Níger que comunidades mais antigas se
formaram e ali desenvolveram artefatos de pedra polida, primeiras formas de
pecuária bovina, equina e caprina, além da agricultura do sorgo e uma espécie de
milho, datados de 12 mil e 8 mil a.C. Posteriormente, houve ainda o desenvolvimento
da metalurgia do cobre e mais tarde do ferro:

Evidências materiais nesse sentido foram encontradas em escavações


arqueológicas no ano de 1942 feitas no Planalto de Jos, na atual
República da Nigéria. As cabeças e bustos em terracota revelam estilo
sofisticado e domínio técnico excepcional (MACEDO, 2012, p. 20).

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Figura 6 - Terracota Retratando Cavalo e Cavaleiro

Fonte: Wikipédia.

Figura 7 - Fundição de Cobre em Murais Funerários Egípcios

Fonte: Wikipédia.

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A vida humana, portanto, passou por todas essas transformações dentro do espaço
que integra o continente africano para então migrar para outros territórios na Ásia,
Europa, Oceania e América:

A nossa espécie, hoje pandêmica, distingue-se de outras pelo enorme


potencial exploratório e pela capacidade de desenvolver as
estratégias adaptativas que nos permitiram, ao longo de alguns
milhares de anos, nos dispersar, colonizando os ambientes mais
diferenciados. (SOUZA, 2014, p. 69).

Nesse percurso, o ser humano abriu caminho para novos trajetos dentro e fora de
África, construindo comunidades, as primeiras vilas e então cidades, onde outros
meios e técnicas foram realizados para uma melhor organização da vida, como é o
caso da invenção da escrita para fins de comunicação e sobretudo de marcação e
contabilização do que era realizado e produzido nesses espaços fundados pela
humanidade.

Quanto a sua diversificação física, devemos pontuar que:

É provável que a longa permanência nas zonas frias possa ter


contribuído para tornar mais clara a cor da pele, afinar o nariz e
aumentar a pilosidade e a adiposidade, a fim de que os caçadores e
coletores emigrados da África resistissem aos rigores das baixas
temperaturas do território europeu. Por outro lado, a adaptação ao sol
intenso e ao clima úmido das zonas tropicais e equatoriais acentuou a
pigmentação escura, o alargamento das narinas e a adaptação das
glândulas sudoríparas dos africanos atuais. (MACEDO, 2012, p. 16).

Esses acontecimentos marcaram o trajeto dos nossos antepassados, que iniciaram


sua história na África. Desse modo, eles foram percorrendo e se adaptando aos
diferentes espaços do continente e então migrando para outros territórios do
planeta, onde sua saga traçou a história humana.

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16/01/2023 14:48 A África na Antiguidade

A África na Antiguidade

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A África, primeiro ambiente habitado pelo ser humano, também foi o berço de
grandes civilizações e reinos que tiveram importância em seu contexto interno e
externo. Seguiremos percurso sobre alguns dos povos que tiveram papel importante
na história africana ao longo do período que convencionalmente caracterizamos
como Idade Antiga. Tomaremos aqui os egípcios e os núbios, mais precisamente
pertencentes ao reino de Kush. Em nosso trajeto, abordaremos as suas organizações
políticas, econômicas e culturais. Vamos lá?

Os Egípcios
Uma das civilizações humanas mais antigas é a egípcia. Ela se estabeleceu na parte
ocidental de uma região denominada “crescente fértil”, pois forma uma meia lua, se
estendendo ao longo do Oriente Médio ao noroeste africano, sendo banhada a leste
pelos rios Tigre e Eufrates e a oeste pelo rio Nilo. Esses rios foram e são importantes
para a manutenção da vida nessa região árida e desértica. A presença dos mesmos
permitiu que núcleos humanos ali se estabelecessem e formassem comunidades. E
a partir dessas comunidades é que nasceram algumas das civilizações mais antigas
da humanidade, como a egípcia.

Figura 1 - Mapa do Crescente Fértil

Fonte: Wikipédia.

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16/01/2023 14:48 A África na Antiguidade

NA PRÁTICA
O termo “Crescente Fértil” foi utilizado pela primeira vez pelo
arqueólogo e historiador estadunidense James Henry Breasted (1865-
1935). Foi citado em sua obra “Antigos Registros do Egito” (em inglês:
“Ancient Records of Egypt”), publicada em 1906. A ideia do autor era
designar as áreas da Mesopotâmia e do Egito.

As origens populacionais do Egito são um assunto controverso, pois por muito


tempo egiptólogos atribuíram as origens da população egípcia a diferentes origens
étnicas, que variaram de uma linha de defesa que levantava hipótese de origens
caucasianas, ou posteriormente, que tenha sofrido mistura com povos do Oriente
Médio. Contudo, hoje o que sabemos, segundo Dobertein (2010), é que os egípcios
não só estavam localizados em África, mas foi um povo com características étnicas
africanas (negros), embora essas raízes tenham sido por muito tempo relegadas.

Entre as características étnicas de sua população, a língua falada na região, de


acordo com Cardoso (1995), pertencia à família hamito-semítica, que seria de origem
afro-asiática. Esses dados vinculam a procedência desse idioma tanto a línguas
africanas (berbere e tchadiano) quanto a línguas semíticas do Oriente Médio. Eles
reforçam, portanto, os apontamentos que defendem a composição populacional
egípcia na Antiguidade, enquanto sendo proveniente de populações do Saara, ou
seja, africanas, mescladas a populações sírio-palestinas, vindas da Ásia.

A permanência dessas populações em torno dos vales banhados pelo rio Nilo
tornaram possível o desenvolvimento de práticas agrícolas e a sua permanência em
seu derredor. Desse modo, as pessoas foram organizando ali uma vida sedentária, ou
seja, fixando moradia por meio da prática da agricultura e da pecuária, que ali era
possibilitada por meio da presença desse grandioso rio.

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Pesquisas atuais têm demonstrado essa forte ligação entre a


agricultura no vale do Nilo e a formação do Egito antigo. Elas apontam
que, após a desertificação da região onde conhecemos como deserto
do Saara, muitas populações migraram para o vale do Nilo. Nesse
território, essas pessoas desenvolveram práticas agrícolas que
funcionavam da seguinte forma: a cada ciclo de tempo, a partir de
meados de julho até setembro, uma enchente acontecia e tudo ficava
inundado, mas os nutrientes orgânicos que vinham junto com as águas
eram fixados no solo; depois, quando o rio voltava ao seu leito normal,
grãos eram semeados na terra úmida, na beira de pequenas poças que
se formavam. (DOBERSTEIN, 2010).

A princípio, o trabalho era realizado de modo coletivo, sem “chefias”. Mas foi entre os
anos de 3300 e 3000 a.C. que as práticas agrícolas começaram a mudar. Essas
práticas coletivas deram lugar a uma organização das forças produtivas para melhor
proveito das mesmas. Segundo Cardoso (1995), a população crescia, e com ela mais
necessidades de alimentos, por isso começaram a desenvolver as primeiras formas
de irrigação artificial na região, para que as águas do Nilo fossem levadas mais longe
e, assim, as lavouras fossem estendidas.

De acordo com Doberstein (2010), foi dessa necessidade de se aumentar o esforço


de trabalho e a produção de alimentos que entre os egípcios apareceram as
primeiras chefias dirigentes. Os povos que formariam o Egito antigo, portanto, para
uma melhor organização e sobrevivência em meio à região desértica, onde
dependiam das cheias do Nilo e, ao mesmo tempo, tinham que controlar suas
cheias, tiveram que se unir e demandar chefias que liderassem de forma eficiente a
distribuição dos recursos disponíveis.

O desenvolvimento das inovações tecnológicas ocorreu em três fases principais:

Durante o IV milênio a.C

E no início do milênio seguinte (até aproximadamente 2700 a.C.), fixaram-se


algumas das técnicas básicas da civilização egípcia: diversas técnicas agrícolas e da
pecuária; metalurgia do cobre, persistindo porém o predomínio de uma tecnologia
da pedra e da madeira nos instrumentos da produção agrícola; um torno lento para
a produção da cerâmica; o tear horizontal; técnicas de construção em tijolo e, no
final do período, em pedra; de navegação a remo e a vela; de escrita e aritmética etc.

O Reino Médio (2040-1640 a.C.)

Viu uma relativa difusão do uso do bronze, mas foi o Segundo Período Intermediário
(1640-1550 a.C.) que se apresentou como novo na inovação e aperfeiçoamento
tecnológico, com a introdução, pelos asiáticos hicsos, de métodos melhores de
metalurgia do bronze, de um torno rápido para fabricar cerâmica, do tear vertical

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mais eficiente, do gado zebu e do cavalo, de novas frutas e legumes, além de


técnicas militares (arco composto, carro), sem as quais as conquistas do Reino Novo
na Ásia seriam impossíveis.

A ocupação assíria difundiu, no século VII a.C.

O uso do ferro, popularizando finalmente no Egito os instrumentos metálicos, antes


raros e caros. (CARDOSO, 1995, p. 61-62).

E, apesar de a evolução tecnológica ter sido lenta, isso foi compensado pela
quantidade de mão de obra disponível, o que levou a grandes desenvolvimentos em
um ambiente a princípio inóspito.

Foi nesse ínterim que populações em torno do vale do Nilo foram se organizando
em um aparelho estatal, com uma hierarquia de chefias para diferentes categorias
socioeconômicas, que acabaram por organizar o Estado egípcio; primeiro Estado
unificado de que se tem registro na história humana.

O Egito antigo, segundo Cardoso (1995), não foi somente o primeiro Estado unificado
da história. O autor explica que esta organização política foi a primeira experiência
mais longa nesse sentido da qual temos registro, e observa que tudo isso permitiu
uma longa experiência cultural em sua abrangência.

A unificação egípcia ocorreu por volta de 3 mil a.C. As primeiras


dinastias de faraós existiram entre os anos de 2920 e 2575 a.C.
(DOBERSTEIN, 2010).

Mas isso fez parte de um processo longo no qual, conforme pontuou Cardoso (1986),
tudo indica que houve o fortalecimento de um chefe tribal no sul que conseguiu
reunir sob o seu poder territórios no sul e no norte. Este se tornou o “rei das duas
terras” e, sob tal título, tornou-se o primeiro faraó. O faraó era uma autoridade civil,
jurídica e divina, pois governava em nome de algum deus do panteão religioso do
seu povo.

Com a expansão dos domínios egípcios, o poder faraônico começou a ser


compartilhado com uma elite de sacerdotes e militares. Tais cargos eram dispostos
em uma hierarquia que começava no tjati, espécie de primeiro ministro, seguindo
os escribas e chefes de nomos (províncias). E embora o poder central do faraó e sua
burocracia estatal tenham sofrido revezes ao longo do tempo, tais ameaças não
tiveram sucesso diante da sua necessidade da manutenção e mobilização de
recursos, trabalho e produção que se estendiam das lavouras que forneciam
alimento à população a atividades como as construções de obras públicas
(construção de canais de irrigação, diques e outras construções). Essa organização
levava ao desenvolvimento da vida e prosperidade no Egito antigo.

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A economia nesse reino se voltava à agricultura e pecuária. Os produtos


agrícolas mais produzidos eram “trigo-duro (emmer) para o pão, cevada
para a cerveja e linho para o vestuário” (CARDOSO, 1995, p. 65).

Na pecuária, o gado bovino era seguido pela criação de asnos, ovelhas, cabras, suínos
e aves diversas.

Os hicsos invadiram o Egito por volta do século XVIII a. C., e com eles trouxeram
cavalos que passaram a fazer parte dos animais de criação dos egípcios. Quanto ao
gado bovino, eram poderosos aliados nas atividades de arar a terra e movimentar
moendas, além de fornecer leite como alimento, já que a sua carne era um luxo que
raramente chegava à mesa dos mais pobres (CARDOSO, 1995).

De acordo com Cardoso (1995), entre as práticas produtivas de destaque, também


encontramos a pesca, praticada no Nilo ou em canais que dele partiam. Para tal, os
egípcios utilizavam desde anzóis a redes, a nassa (um tipo de gaiola) e o arpão. O
consumo de peixe, principalmente já seco, era grande. A caça também era praticada,
considerada um esporte que servia para abastecer a mesa e a coleção de aves da
elite egípcia.

Outras manufaturas eram realizadas pelos habitantes do reino egípcio, como a


extração do barro das margens do Nilo para fabricação de cerâmica, tijolos, bem
como do papiro, que servia para escrita, além de juncos e caniços para a confecção
de cestos e móveis, e da madeira de sicômoros, palmeiras e acácias (mais populares
na região). (CARDOSO, 1995).

Enquanto isso, o comércio corriqueiro era praticado por meio do escambo. Os


egípcios trocavam produtos têxteis, vinhos e derivados bovinos da região do delta do
Nilo, por produtos de outras regiões. A distribuição desses produtos era muito
realizada por transporte fluvial, que era controlado pelo Estado. Já as grandes
transações econômicas, geralmente eram realizadas por meio da troca de pesos de
metais como cobre e prata. O comércio exterior era realizado: ao norte, via
Mediterrâneo, com cretenses, com o Chipre, com a Fenícia e a costa da região da
atual Somália; no leste, via Mar Vermelho, eram importados artigos de luxo,
principalmente para produção de objetos de cunho religioso, cujo pagamento era
feito com ouro da Arábia e da Núbia. Sendo que este comércio era também de
controle estatal. (CARDOSO, 1995).

Vemos, portanto, que o Egito foi um Estado centralizado, com governantes que
controlavam todas as suas esferas econômicas, por meio dos tributos e produtos,
além da prestação de serviços. Baseado em um “peso ideológico” que dispunha sua
monarquia enquanto “divina” (CARDOSO, 1995, p. 70), os egípcios se organizaram em
um sistema fechado de regras e disciplina que norteava as relações humanas do
reino.

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Essas condições bases da cultura egípcia deram a ela seus aspectos mais marcantes.
Dentre elas, segundo Santos (2003), encontramos religiosidade, com seus ritos e
práticas que norteavam as características fundamentais dessa cultura:

Tudo no Egito era orientado por ela: o mundo poderia - na visão desse
povo - ser destruído não fossem as preces e os ritos religiosos, a
felicidade nessa vida e a sobrevivência depois da morte eram
asseguradas pelas práticas rituais, e até mesmo "o ritmo das
enchentes, a fertilidade do solo e a própria disposição racional dos
canais de irrigação dependiam diretamente da ação divina do faraó"
(SANTOS, 2003, p. 17).

Os egípcios acreditavam na existência de uma “ordem necessária, legítima e


desejável no mundo e na sociedade” (CARDOSO, 1986, p. 31). Essa ordem
fundamentada na religiosidade nortearia ainda a preparação para uma “vida após a
morte”, que eles achavam ainda mais importante do que a vida terrena.

Alguns aspectos que formavam a sociedade egípcia sofreram modificações ao longo


do tempo. Contudo, essas não foram o suficiente para acabar com as características
mais marcantes desse Estado centralizado que se manteve por tanto tempo. Daí a
sua importância e o nosso prolongamento sobre suas características.

A Núbia e os kushitas
Agora, prosseguiremos o nosso caminho analisando outro reino importante da
Antiguidade africana, Kush, localizado na Núbia. Conhecida como “terra do ouro”, a
Núbia fica localizada entre o sul do Egito e o norte do atual Sudão. Desde tempos
remotos, esse território foi importante fornecedor de peles de animais, temperos,
pedras e minerais precisos. Começou a ser habitada por meio da concentração de
agrupamentos humanos a partir do Nilo, que garantia a sobrevivência em meio à
desertificação do Saara.

As primeiras populações que se reuniram na Núbia formaram aldeias organizadas


por meio da domesticação de numerosas espécies vegetais, “numa escala tão
grande, que se pode dizer ter sido ali a agricultura reinventada” (SILVA, 2011). Mas por
meio apenas da existência do rio Nilo não era possível sobreviver. Para tanto, foi
preciso controlar suas cheias, por meio de diques e sistemas de irrigação, que
permitissem práticas agrícolas anuais, o que tornou imprescindível que essas
comunidades núbias se organizassem politicamente (BRISSAUD, 1978).

As fontes decifradas sobre a Núbia são mais escassas que as egípcias, contudo, as
estudadas até o momento, sugerem que desde sempre essa região foi um ponto de
encontro que reuniu povos do interior africano até o Mediterrâneo. E dentre os
reinos que se formaram nessa região, temos destaque na Antiguidade para Kush.

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As fontes sugerem que esse reino nasceu por volta do século IX a.C. e teve seu fim no
século IV d.C. (SILVA, 2012). Ele teria surgido da instabilidade egípcia, frente a
invasões dos asiáticos hicsos, que abriria a possibilidade para estabelecer um reino
independente do mesmo na Núbia; reino este que ficara conhecido como reino dos
faraós negros.

Sua primeira capital foi Napata, entre os séculos IX e V a.C. Devido a suas riquezas e
rivalidade com os egípcios, muitas fortificações foram construídas nas fronteiras
entre os dois reinos, o que não impedia que realizassem comércio entre si, já que
este era benéfico para ambos os reinos. Esse comércio manteve a Núbia como
centro de circulação de pessoas pela África, que além das trocas econômicas
proporcionou muitas trocas culturais na região.

Um exemplo dessas trocas foi encontrado em 1918, em escavações que revelaram


túmulos de uma série de príncipes kushitas, cujas estruturas de alvenaria eram do
tipo mastaba, ou piramidal.

Figura 2 - Pirâmide Piânkhy de El-Korrou

Fonte: Wikipédia.

A partir do século VI a. C., a capital do reino foi transferida para Méroe, mais ao sul. A
partir de então, apesar da escassez de fontes, o que se sabe é que esse reino
sobreviveu com formas e características cada vez mais africanas.

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Figura 3 - Extensão do Reino de Kush entre os séculos VII e I a. C.

Fonte: Wikipédia.

A cidade de Méroe era um centro caravaneiro e produtor de ferro, além de estar em


uma região mais propícia para práticas agrícolas. Essa cidade fica na margem direita
do Nilo e nela restam imponentes ruínas do reino da qual era sede (SILVA, 2012).
Contudo, Napata não foi esquecida e permaneceu um centro religioso e tendo até o
século IV a.C., na necrópole de Nuri, o lugar da “morada eterna” dos reis kushitas.

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Figura 4 - Necrópole de Nuri

Fonte: Wikipédia.

Esse poderoso reino antigo foi governado por um matriarcado entre os anos de 170 e
160. Entre as “rainhas mães” da Núbia, duas tiveram destaque: Amanirenas e
Amanishaketo. O período em que governaram foi também de grande prosperidade
no Reino de Kush. As construções, as joias e os próprios sepulcros do período
atestam essas informações. (MEC, 2010).

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Figura 5 - Bracelete de Amanishaketo, encontrado em sua pirâmide, na Núbia

Fonte: Wikipédia.

CONECTE-SE
Shanakdakhete foi a rainha Negra Africana de Kush quando o reino
eracentrado em Meroé. Ela é a primeira rainha governante conhecido
de Núbia e reinou de cerca de 177-155 a. C.

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Figura 4 - Shanakdakhete

Fonte: Wikipédia.

Kush entrou em decadência por volta do século II da era atual. Posteriormente, por
volta dos anos 300 d.C., e ao que tudo indica, um outro reino mais ao sul, conhecido
como Axum, ajudaria a acabar com sua soberania. Contudo, sua importância, bem
como do seu vizinho ao norte, o Egito, se faz presente na história. E com a ajuda da
expansão de pesquisas que decifrem as fontes disponíveis, tem sido cada vez mais
confirmada a importância desse reino no contexto de relações do interior africano
com demais partes da África, do Oriente Médio asiático e Mediterrâneo.

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Reinos Africanos na Idade


Média

AUTORIA
Karla Katherine de Souza Seule

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De uma maneira geral, quando estudamos sobre os africanos e a História com a


participação de povos africanos, é comum que falemos a respeito sob um ponto de
vista que tenha como pano de fundo a escravidão. Ou seja, partimos para uma
análise da história africana e de seus povos somente quando tem início o comércio
Atlântico de escravos, como se antes ou, além disso, não houvesse mais sobre o que
contar ou estudar a respeito da História da África.

Mas, se verificarmos, não é bem assim. A África é não só o continente mais antigo do
planeta como onde o ser humano iniciou a sua trajetória na Terra. Esse continente
possui povos que se diversificaram e construíram inúmeras histórias antes e depois
do período que teve início o comércio Atlântico de escravos (séculos XVI e XIX).

Convido você então a debruçar sobre alguns povos africanos em especial, dado
nosso limite de tempo e espaço, que se organizaram em reinos ao longo do período
que convencionamos chamar de Idade Média. Nosso trajeto se fará em torno de dois
reinos em específico, o de Axum e o do Mali.

Esperamos com isso, observar e conhecer mais a respeito da história e cultura de tais
reinos, bem como as suas influências sobre as relações intra e extra África. Afinal,
alguns desses reinos são formados por populações que para cá foram trazidas no
período da colonização do Brasil e, portanto, fazem parte de nossas heranças
históricas e culturais. Vamos lá?

As Migrações e a Formação dos


Reinos Africanos
Para Pereira (2014), é enganosa a ideia de que a África esteve isolada de grandes
fluxos migratórios internacionais, afinal, as regiões norte e leste mantiveram
contatos frequentes com a Europa e a Ásia, bem como houve inúmeras migrações
de leste para oeste e também sentido sul.

Populações se locomoveram movidas pela desertificação lenta e gradual do Saara.


No norte, esbarraram com os berberes e se miscigenaram. Outras desceram mais ao
sul dos rios Níger e Senegal, multiplicando grupos agrícolas. Desse modo,

Pouco a pouco, os homens que viviam nas savanas ao sul do Saara foram
acrescentando a bagagem trazida das culturas aquática e pastoril. Aperfeiçoaram o
cultivo da terra e domesticaram novos vegetais. Melhoraram os utensílios de
trabalho. Tornaram mais sólidas as casas. A cerâmica evoluiu e se enriqueceu até
chegar à escultura em barro cozido. E, uns cinco ou seis séculos antes de nossa era, o
ferro começou a incorporar-se aos materiais com que lidavam. (SILVA, 2011, p. 166).

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Figura 1 - Norte africano

Fonte: Wikipédia.

Figura 2 - Rio Níger

Fonte: Wikipédia.

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A dificuldade para atravessar do Sahel ao Mediterrâneo a cavalo fez do uso do


camelo, nos primeiros séculos de nossa era, uma prática de habitantes do deserto,
principalmente dos garamantes.

Outras inovações foram importantes, nesse contexto, como o uso do ferro que

alterou substancialmente as vidas dos que passaram a conhecê-lo.


Tornou-se mais fácil, com machados de ferro, derrubar as matas; com
enxadas de ferro, revolver o solo; com a foice de ferro, ceifar o sorgo. Os
instrumentos de caça e pesca fizeram-se melhores. Esfolavam-se com
maior facilidade os animais. Abriam-se nos troncos das árvores as
grandes canoas. E, com as armas de ferro, aumentaram o poder de
destruição dos guerreiros e o poder de centralização de seus chefes.
(SILVA, 2011, p. 177).

Portanto, a África nunca foi um continente estático, muito pelo contrário. E foram
esses processos migratórios que deram início a reinos e civilizações. Prosseguiremos,
então, observando cada um dos reinos que selecionamos.

Axum
O reino Axum foi formado na
região da atual Etiópia a partir de
uma cidade homônima, em torno do
século V a. C., por populações de
pastores e agricultores cujos indícios
é de que praticavam a fundição do
cobre e do bronze, manufaturavam
couro, tecido e produtos de madeira,
além de manter importantes
relações com povos da outra
margem do Mar Vermelho, em
especial, os iemenitas.\

Nesse contato com o Iêmen, que


possuía centros comerciais de
especiarias, Axum recebeu, de
acordo com Silva (2011), o
desenvolvimento de:

Wikipédia.

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casas de pedra, o uso da escrita, as técnicas do represamento de


águas, da irrigação artificial e da disposição das lavouras em terraços
com socalcos na encosta das montanhas, outras práticas agrícolas e
novos vegetais, como, talvez, o trigo e a cevada. (SIVA, 2011, p. 183)

A fundição do ferro foi provavelmente uma herança meroíta. Também o uso da mula
como animal de carga e de arado, o que permitiu ampliar áreas cultiváveis em solos
vulcânicos dos planaltos. (SILVA, 2011).

A partir do século III a. C., a cultura do norte da Etiópia vai se afastando da iemenita e
se aproximando do Egito ptolomaico e de Kush, seja por meio da língua, da escrita
ou das técnicas de produção de cerâmica, com seus vasos “de argila negra ou rubra,
com superfícies vidradas e incisões ornamentais preenchidas com uma pasta branca
ou, em alguns casos, vermelha” (SILVA, 2011, p. 185).

Foi então que dentre as cidades da região que eram centro do comércio e do
artesanato, Axum teve destaque. Localizada no planalto do Tigre, em uma área de
solos bem regados e de fácil acesso ao mar Vermelho e ao Nilo, Axum “tornou-se um
importante empório do marfim e de outros artigos africanos” e passou a dominar os
vales dos rios Mareb e Tacazé, garantindo o controle sobre o tráfico do interior
africano para o Mar Vermelho e que intermediava os rios Nilo e Adúlis (SILVA, 2011,
187).

Essa região foi visitada por sírios, persas e também judeus, o que rendeu o mito da
união de Salomão e da Rainha de Sabá, cujo resultado seria o rei Menelique I. Essa
história serviu posteriormente para manter a monarquia etíope até o século XIV.

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Figura 3 - Igreja em Axum

Fonte: Wikipédia.

Em sua grandiosidade, esse reino se envolveu em conflitos regionais e até mesmo


globais, como o as disputas entre romanos e persas. Porém, seu foco principal
sempre esteve em controlar os portos do Mar Vermelho e manter a ligação do
Oriente com o Mediterrâneo. Essa área foi, portanto, percorrida por inúmeras
pessoas, vindas de vários lugares, o que permitiu grandes trocas culturais, como a
conversão ao Cristianismo, a começar pelo rei Ezana, em meados do século IV,
estendendo-se a sua população entre os séculos V e VI por interferência de
missionários sírios, o que legou a esse reino o que Costa e Silva (2011, p. 198)
denominou de “um sincretismo de crenças pagãs com um monoteísmo indefinido”.

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Figura 4 - Obelisco do Rei Ezanas em Axum

Fonte: Wikipédia.

Esse reino de comércio pleno, que ligava produtos do interior africano até a Índia,
sofreu sua decadência a partir do século VII, envolvido em conflitos entre bizantinos
e persas, além do avanço árabe muçulmano em sua região. Contudo, a cidade de
Axum até hoje tem importância religiosa e cultural.

Mali
Nos atuais territórios da República do Mali até as regiões dos atuais Senegal e Guiné,
existiu um importante reino africano entre os séculos XIII e XVI, formado em meio a
antigas rotas subsaarianas que desembocavam no “cotovelo” do rio Níger, onde
desde muito tempo negros e berberes começaram a “transportar para mercados
distantes ouro, pimenta-malagueta, âmbar, alúmen, sal, cobre, tâmaras, tecidos e
artefatos de couro”. Além disso, cavalos eram frequentemente trocados por escravos
(SILVA, 2011, p. 310).

Uma região, portanto, muito disputada, teve sua população islamizada por volta do
século XI, o que segundo os Griotz, fez com que muitos estados se formassem para
escapar da expansão árabe:

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Grupos de vilarejos achegados passaram a se vincular no que hoje se


chama kafu e a reconhecer a autoridade religiosa e política de um
chefe, o mansa, senhor da terra e da chuva, liame entre sua gente e o
divino. A cada chefia corresponde, na tradição, um clã nobre dos
mandingas, como o Traoré, o Câmara, o Conate, o Queita. (SILVA, 2011,
p. 316).

SAIBA MAIS
Contadores de histórias, mensageiros oficiais, guardiões de tradições
milenares: todos esses termos caracterizam o papel dos Griots que, na
África Antiga, eram responsáveis por firmar transações comerciais entre
os impérios e as comunidades e passar ensinamentos culturais aos
jovens, sendo hoje em dia a prova viva da força da tradição oral entre os
povos africanos.

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Figura 5 - Griot moderno, Diffa, Níger, tocando um Ngoni ou Xalam

Fonte: Wikipédia.

De acordo com a tradição mantida pelos Griotz, Mali, enquanto reino, surgiu por
meio da figura de um membro do clã Queita, chamado Sundiata que, fugindo a
princípio do irmão mais velho por disputas de sucessão do controle de suas posses,
acabou por escapar de um massacre da família em meio a guerras com o povo
sosso. Em seguida, Sundiata teria derrotado esse povo que destruiu sua estirpe e
começou a reunir sob seu comando vários clãs malinquês. Ao longo dessas guerras,
cada líder de clã se tornou um chefe local e Sundiata Queita recebeu o título de
Mansa, um rei, que pela primeira vez dominava “os mananciais do ouro, os portos
caravaneiros do Sael e os caminhos que levam de uns aos outros” (SILVA, 2011, p. 318).

Nesse reino, o comércio sustentava a corte, enquanto a população vivia do trabalho


no campo:

Não era um estado unitário nem homogêneo. Compreendia as mais


diversas formas políticas, desde reinos e cidades-estado a aldeias que
obedeciam a conselhos de anciães. A extensão e a diversidade dos
territórios que lhe pagavam tributo e lhe forneciam tropas, exigiam do
rei dos reis uma ampla tolerância para com as peculiaridades de cada
parcela do império e vetavam, por isso mesmo, uma política de
forçada islamização.” (SILVA, 2011, p. 328).

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16/01/2023 15:07 Reinos Africanos na Idade Média

No século XV, as guerras internas enfraqueceram o Mali junto com investidas


externas e interferência de outros povos como os portugueses, em busca de suas
riquezas e mão de obra escrava.

Contudo, é possível perceber a importância de reinos como este, que ao longo de


séculos integraram o comércio de diferentes partes da África para relações para
além desse continente, bem como para o desenvolvimento de tecnologias e culturas
que partiram ou se aperfeiçoaram em solo africano.

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16/01/2023 15:08 A África na Modernidade

A África na Modernidade

AUTORIA
Karla Katherine de Souza Seule

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16/01/2023 15:08 A África na Modernidade

A África é um continente grandioso e com uma imensa variedade de povos, mas


nem sempre essas informações são de conhecimento geral, principalmente entre
aqueles que desconhecem sua formação e história. Esse desconhecimento em
muitos casos se deve a uma formação que nos fez abordar estudos sobre a história e
sociedades africanas, apenas como parte de uma história eurocêntrica, sem que
verdadeiramente se conhecesse as relações entre as populações africanas dentro e
fora desse continente, mas somente, pelo papel que povos de origem africana foram
submetidos no início da Era Moderna por meio do tráfico Atlântico de escravos.

É importante percorrer essa fase da história africana para compreender quais


relações eram mantidas para além da prática extensiva que o comércio Atlântico de
escravos empreendeu, bem como para verificar quais consequências esse mercado
impôs ao continente africano e seus povos. Convido você a debruçar sobre essa fase
da história do continente africano tomando como ponto de partida as configurações
internas da África nesse contexto e as relações internacionais que dele partiram.

Um Imaginário sobre a África


Muito do desconhecimento a respeito da África e seus habitantes é fruto do
contexto de relações que foram implantadas em seu território, sobretudo no contato
com europeus, a partir do início da Era Moderna. Neste processo, o racionalismo teve
um importante papel, enquanto uma teoria que pressupôs um olhar ocidental sobre
o universo, já que em um contexto de expansão europeia por meio das Grandes
Navegações entre os séculos XV e XVII, quem dominava – os europeus – era quem
detinha o saber sobre os lugares e as populações dominadas.

CONECTE-SE
O Racionalismo é uma corrente filosófica que atribui particular
confiança à razão humana, ao passo que acredita que é dela que se
obtêm os conhecimentos.

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16/01/2023 15:08 A África na Modernidade

Nesse ínterim, viajantes, estudiosos e missionários dos séculos XV, XVI, XVII e XVIII
que saíram da Europa em direção à África tiveram papel fundamental ao descrever o
continente africano e gerar um imaginário sobre ele, pois o contato que eles
mantinham eram pontuais, com localizações restritas aonde os europeus
conseguiram chegar à África. Um exemplo é o famoso mapa do holandês Guilherme
Blaeu, datado de 1644.

SAIBA MAIS
Filho de negociante, Guilherme Blaeu (1571-1638) cresceu em ambiente
cercado de relatos sobre países longínquos. Estudou matemática e foi
aluno do famoso astrônomo Tycho Brahe. Em 1633 tornou-se cartógrafo
da Companhia das Índias Ocidentais, cargo de influente status social.
Sua perícia na cartografia não era menor do que seu pendor artístico,
revelado em mapas finamente trabalhados.

Fonte: Waldman, 2014.

No mapa de Blaeu, temos um “conjunto de dados imaginários e reais generalizados


presentes na mesma obra” (CHARLES; SÁ, 2011, p. 3). A começar, a Europa
direcionada ao Norte, na face superior da imagem, denota o olhar eurocêntrico que
o mapa expressa. Embora os contornos do continente tenham bastante perfeição,
fruto de anos de navegações ao seu redor, quando paramos para analisar mais a
fundo as imagens que estão em seu interior e arredores, começamos a observar
alguns pontos importantes.

A começar, os únicos centros urbanos retratados no mapa, são de Tanger, Ceuta,


Alger, Tunis, Alexandria, Alcacer, Canárias, Moçambique e o Forte de el Mina. Ou seja,
apenas na costa e mais ao norte da África, locais onde o conhecimento europeu se
restringia. Tais localizações são apenas as cidades que drenavam as riquezas do
interior para o exterior do continente africano.

Em seu redor, o mapa apresenta figuras de criaturas exóticas no entorno da África.


Enquanto isso, voltando para dentro do continente, encontramos uma “megafauna”
e animais tropicais, não exatamente em seu habitat. Os navios que dominam os
mares são europeus, e o desconhecimento do centro-sul africano é demonstrado na
selvageria com que essas partes do continente são representadas.

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16/01/2023 15:08 A África na Modernidade

Dinâmica Interna do Continente


Migrações internas e externas foram importantes para a formação de reinos
africanos na África e também para suas dinâmicas locais e globais. A África não foi
um continente isolado do final da Antiguidade até o início da Modernidade, fazendo
parte de processos migratórios que levaram a formação de reinos e aos contatos
entre diferentes grupos étnicos que se estabeleceram ao longo do tempo no interior
desse continente. Além disso, o comércio foi um fator importante, que levou à
intensificação desses contatos e a uma dinâmica que ia para além do território
africano.

No contexto da era moderna, tivemos entre os povos de língua banta, localizados no


centro sul africano, o desenvolvimento de reinos como o Congo, que a partir do
século XIV tornaram-se de grande importância.

Figura 1 - Reino do Congo

Fonte: Wikipédia.

Tal reino era rico, com uma economia abrangendo da produção de ferro, sal e cobre
a produtos artesanais e a um comércio que ele “comandava ao longo do rio e entre o
litoral, a floresta e a savana” (SILVA, 2011, p. 519). Sustentava-se por meio do
recebimento de tributos cobrados pelos chefes das aldeias, dos quais retiravam uma
parte e o restante repassavam ao chefe de distrito, que da mesma forma repassava
outra parte ao governador, até que chegassem as mãos do rei. E tais contribuições
exigiam em troca a proteção, bem como se organizavam meios de comércio e
permuta de bens e serviços.

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Ao mesmo tempo, a expansão islâmica se fazia há muito sobre a África, dominando


territórios que se estendiam do Egito ao Marrocos. Por meio dessa expansão, não só
a cultura islâmica era disseminada, mas o comércio que ligava regiões asiáticas ao
interior africano, e a partir daí, produtos levados até o sul da Europa, criando redes
comerciais:

A religião muçulmana também se estendeu para o Oriente, chegando


até a Índia e às fronteiras da China. O pertencimento ao Islã fortaleceu
esse comércio e inseriu Gana, assim como outros reinos da África
Ocidental, em uma dimensão transcontinental. Além disso, uniu os
mercados da África Ocidental às cidades italianas – sobretudo Gênova
e Veneza – ao Oriente Médio, à Europa Oriental, chegando até a Índia,
a China e o Japão. (PEREIRA, 2014, p. 23).

Esse comércio era favorecido pela segurança que a irmandade entre fiéis
muçulmanos detinha, levando à formação de rotas muito cobiçadas.

Figura 2 - Rotas transaarianas

Fonte: Wikipédia.

Reinos como o Songai, na região do Sahel, foram importantes nesse período. Com
seu soberano convertido ao Islã, teve seu comércio integrado a essa rede acima
citada. Na mesma região, cidades hauçás importantes se integravam a um comércio
transaariano. Tombuctu, uma das cidades mais importantes da região, além de
centro comercial, tornou-se um importante centro de estudos.

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Figura 3 - Reino Songai

Fonte: Wikipédia.

Figura 4 - Universidade de Sancoré em Tumbuctu, datada do século X

Fonte: Wikipédia.

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Desse modo, os reinos do Sudão Ocidental, além de integrarem importantes rotas


comerciais,

englobavam, em suas fronteiras, povos de agricultores e mineradores


– os trabalhadores que criavam as grandes riquezas controladas por
reis e nobres. Essas pessoas – homens e mulheres – criaram
instrumentos, tecnologias e sistemas de trabalho que contribuíram
para o desenvolvimento da mineração e da produção agrícola, não
apenas em suas regiões (PEREIRA, 2014, p. 25).

Essas conexões foram importantes para trocas não apenas de produtos, mas para o
florescimento de práticas culturais. Também foi por meio desses contatos que
muitos viajantes do mundo islâmico escreveram alguns dos primeiros relatos
exteriores a respeito de populações africanas. Nesse contexto, a interferência
europeia começou a se fazer por meio do tráfico Atlântico de escravos, do qual
falaremos mais a respeito adiante.

O Tráfico Atlântico de Escravos e


suas Consequências
A escravidão é uma prática antiga, presente não só no continente africano, mas em
todos os demais espaços continentais do planeta. Contudo, foi por meio do tráfico
Atlântico de escravos retirados da África para servir de mão de obra principalmente
nas Américas, com início na Era Moderna, que essa prática tomou proporções nunca
antes vistas.

A escravidão na África, a princípio, se fez como modo de aumentar o número de


mão de obra para o trabalho na terra. Mas nesse contexto, a escravidão não era uma
instituição essencial, já que a base da formação social sobre a qual era realizada não
sofria alterações.

Aos poucos, de região para região, houve variantes. Com a expansão do Islã sobre
territórios africanos, de acordo com Pacheco (2008), o contato muçulmano com
Estados escravistas como o Bizantino e o Persa, tornou essa prática naturalizada,
sobretudo porque nos textos sagrados do Corão ela não é defendida nem
condenada.

A escravidão praticada pelos árabes na África cresceu, na medida em que a


expansão do Islã se fez:

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desenvolveram um intenso tráfico alimentado por rotas dispersas ao


longo da costa da África negra e de localidades próximas a elas.
Facilitando o escoamento da “mercadoria” escravo por meio do
oceano Índico, do mar Vermelho, pelo deserto do Saara e, mais tarde
do oceano Atlântico. Províncias foram criadas para melhor
atendimento ao tráfico, destacando a do Egito - capital al-Fustat
(próximo de Cairo), de Magrebe – capital Fez, e a de Ifriqiya (Tunísia) –
capital Kairuan. (PACHECO, 2008, p. 20).

Nesse contexto, a escravidão era entendida como parte de uma Jihad, em que os
infiéis eram escravizados e podiam ser vendidos. Sendo que nas sociedades
islamizadas da África, tais escravos eram empregados em inúmeras atividades que
variavam de serviços domésticos a atividades administrativas e em serviços
militares. Contudo, mesmo sendo uma prática importante, não era algo essencial,
mas contribuiu para que reinos submetidos à expansão árabe se tornassem
fornecedores de escravos.

Essa prática concomitante, iniciada pelos árabes, levou a uma associação entre as
populações negras com o ser escravo, o que impôs a esses povos uma condição de
inferioridade.

Com a abertura de rotas de comércio de escravos na costa Atlântica da África,


realizada a partir do século XVI com europeus que estavam em busca de força de
trabalho para suas colônias na América, a expansão do tráfico negreiro aumentou
vertiginosamente e acabou por representar um comércio sistemático de pessoas
escravizadas, causando profundas consequências nas regiões em que este era
realizado.

O abastecimento de escravos via Atlântico era realizado principalmente nas:

área de Angola e do Congo (até quase o final do século XIX); Costa dos
Escravos (Golfo de Benin, do final do século XVII até Século XIX); Costa
do Ouro (do início do século XVIII até o seu final); baía de Biafra
(centralizado no delta do Níger e do rio Cross). Outras regiões tiveram
menor participação em épocas diversas como: do rio Bandana; costa
perto do planalto de Futa Jalom; portos próximos onde agora ficam
Morávia e Freetown; e a região da Senegâmbia com conexão com o
interior muçulmano. (PACHECO, 2008, p. 27).

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Figura 5 - Principais zonas de abastecimento de escravos para o comércio


Atlântico

Fonte: Wikipédia.

O principal alvo era a população masculina jovem. Além disso, o tráfico aumentou a
busca por escravizar pessoas e também a violência necessária para viabilizar isso.

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16/01/2023 15:08 A África na Modernidade

Figura 6 - Inspeção e venda de um escravo africano

Fonte: Wikipédia.

As consequências foram mais de trezentos anos de um tráfico intenso de pessoas


escravizadas, retiradas de suas terras e famílias e submetidas a terríveis condições do
transporte à vida nas colônias europeias, para onde serviam como força de trabalho.
Isso imprimiu aos seus territórios de origem em África, dificuldades de
desenvolvimento, dadas a conflitos constantes, que eram alimentados por essa
busca por escravizar mais a falta de mão de obra, sobretudo masculino. E, para
aqueles que sofriam esse triste destino ficou um legado sobre povos de cor negra
que integravam, de uma ideia de pertencimento a uma população inferior entre as
demais civilizações humanas, já que estariam servindo “senhores” brancos por meio
de trabalhos subalternos.

Essas situações nos ajudam a compreender por que o racismo contra os povos
afrodescendentes ganhou forças com a prática da escravidão e como noções
equivocadas sobre esses povos e o continente africano foram surgindo e sendo
disseminadas ao longo da história humana. Daí a importância de conhece mais essa
história para, desse modo, contribuir para combater preconceitos e ideias indevidas.

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16/01/2023 15:08 A África na Contemporaneidade

A África na
Contemporaneidade

AUTORIA
Karla Katherine de Souza Seule

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A história mais recente do continente africano, assim como em períodos mais


remotos, nunca foi pouco estática. Na era contemporânea, que convenientemente
foi classificada como o período que segue a passagem para o século XIX, até os dias
atuais, o continente africano foi alvo de inúmeras transformações sociopolíticas e
culturais que, transformaram suas fronteiras internas e as relações entre os povos
que o povoam.

Convido você a percorrermos sobre esse trajeto na história desse continente e assim,
buscarmos conhecer um pouco mais sobre as relações internas que o permeiam,
assim como este passou a manter em uma escala global. Vamos lá?

A Ação Imperialista em África


Não podemos falar em África contemporânea sem que toquemos no assunto
imperialismo. Pois, essa que foi uma política neocolonialista por parte de potências
econômicas europeias, atingiu em cheio o continente africano que, teve o interior do
seu território disputado e partilhado por esses países estrangeiros, o que afetou a
vida da maioria dos inúmeros povos que compõem seu espaço.

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CONECTE-SE
O termo “Imperialismo” sugere, obviamente, uma “Era de Impérios”; em
grande parte trata-se disso mesmo. Mas, conceitualmente falando, o
Imperialismo do século XIX consistiu num tipo de política expansionista
das principais nações europeias, que tinha por objetivo a busca de
mercado consumidor, de mão de obra barata e de matérias-primas para
o desenvolvimento das indústrias.

Esse fenômeno de expansão dos países europeus teve início a partir do


momento em que, após as Revoluções Burguesas dos séculos XVII e
XVIII e da formação das nações modernas na Europa (como Alemanha,
Itália e França), houve um intenso processo de industrialização desses
países. A industrialização gerou, por conseguinte, uma forte
concorrência entre as nações, que passaram a disputar territórios e
estabelecer as suas fronteiras com exércitos modernizados e uma
sofisticada diplomacia.

O transcorrer do século XIX foi marcado por uma intensificação da industrialização


de alguns países europeus, que buscavam fontes de matérias-primas e a ampliação
dos seus mercados consumidores. Para tanto, o seu foco de ação, que em muitos
casos anteriormente estava voltado para o Novo Mundo – a América – deslocou-se
para o continente africano. Nesse contexto, é que entre os anos de 1880 e 1935 a
África sofrerá os intensos efeitos da expansão imperialista:

Na verdade, as mudanças mais importantes, mais espetaculares – e


também mais trágicas –, ocorreram num lapso de tempo bem mais
curto, de 1880 a 1910, marcado pela conquista e ocupação de quase
todo o continente africano pelas potências imperialistas e, depois, pela
instauração do sistema colonial. A fase posterior a 1910 caracterizou-se
essencialmente pela consolidação e exploração do sistema. (UNESCO,
2010, p. 1).

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Se na Era moderna – entre os séculos XV e XVIII – os contatos e uma presença


europeia se faziam em alguns pontos, sobretudo, nas margens litorâneas do
continente, em entrepostos comerciais e sem um conhecimento mais profundo de
seu interior, isso mudou drasticamente ao longo do século XIX. A busca por produtos
africanos levou a uma roedura do continente e abriu as portas para o desejo de
conquista. E, conforme o tráfico Atlântico de escravos diminuía, ao mesmo tempo
era aumentado o processo de expansão europeia no continente.

Com o fim de ordenar e evitar conflitos entre as potências que disputavam territórios
na África, uma reunião foi organizada entre os seus representantes. Essa coferência,
ou Congresso de Berlim, realizado em 1878, terminou por dar os limites das
ocupações por parte dos europeus já iniciadas na África.

Figura 1 - O Congresso de Berlim em gravura da época

Fonte: Wikipédia.

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16/01/2023 15:08 A África na Contemporaneidade

SAIBA MAIS
Os países que participaram no Congresso de Berlim foram Áustria, Grã-
Bretanha, França, Alemanha, Itália, Rússia e Turquia.

O Congresso de Berlim, sem obviamente levar em conta as situações internas e os


povos que integravam o continente africano, deu cabo de uma partilha da África.
Essa partilha que vinha sendo conduzida e então finalizada, entre os anos de 1880 e
1930, como mencionamos acima.

Figura 2 - Comparação da divisão política da África nos anos de 1880 e 1913

Fonte: Wikipédia.

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A partir de então, as diferentes potências europeias que haviam empreendido


conquistas territoriais ou estavam conquistando territórios na África passaram a
implementar suas políticas coloniais no continente africano.

Políticas Coloniais
Se até 1880 cerca de 80% do território africano era governado por “seus próprios reis,
rainhas, chefes de clãs e de linhagens, em impérios, reinos, comunidades e unidades
políticas de porte e natureza variados” (UNESCO, 2010, p. 3), essa situação mudou
radicalmente. Com exceção da Etiópia e da Libéria, a África estava quase
completamente submetida à dominação de potências europeias que a dividiam em
colônias sem, na maioria dos casos, relação com as divisões políticas pré-existentes.

Desse modo, entre os anos de 1880 e 1935 a África esteve submetida a um


colonialismo. Sem dúvidas houve resistência:

na sua esmagadora maioria, autoridades e dirigentes africanos foram


profundamente hostis a essa mudança e declararam -se decididos a
manter o status quo e, sobretudo, a assegurar sua soberania e
independência, pelas quais praticamente nenhum deles estava
disposto a transigir, por menos que fosse. (UNESCO, 2010, p. 3-4).

Uma resistência armada e religiosa foi organizada, apesar de algumas elites locais se
fiarem na crença de que conseguiriam barrar as intenções expansionistas europeias,
como vinham fazendo havia séculos, enquanto mantinham relações comerciais com
a Europa. Contudo, o contexto era outro:

Em 1880, graças ao desenvolvimento da revolução industrial na


Europa e ao progresso tecnológico que ela acarretara – invenção do
navio a vapor, das estradas de ferro, do telégrafo e sobretudo da
primeira metralhadora, a Maxim –, os europeus que eles iam enfrentar
tinham novas ambições políticas, novas necessidades econômicas e
tecnologia relativamente avançada. Por outras palavras, os africanos
não sabiam que o tempo do livre-cambismo e do controle político
oficioso cedera lugar, conforme diz Basil Davidson, à “era do novo
imperialismo e dos monopólios capitalistas rivais”. (UNESCO, 2010, p. 7).

Foi aí que a metralhadora venceu as antigas espingardas e boa parte dos soberanos
africanos foi destronada pelas potências europeias - mas não sem confrontos, pois
muitos soberanos africanos preferiram lutar até o fim em campos de batalha para
defenderem sua soberania.

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Outros procuraram recorrer à diplomacia e alguns ainda a alianças políticas. Em


alguns casos, as diferenças e hostilidades locais eram utilizadas a favor dos
interesses entre ambas as partes. O que queremos dizer com isso? Na África, muitos
povos estavam submetidos a autoridades políticas que não eram as suas, ou seja,
povos que disputavam territórios e poder entre si, cujo soberano de algum deles que
conseguiu se autoafirmar governava todos os demais. Com isso, esses povos viam na
aliança com os invasores, a possibilidade de combater inimigos em comum. Nesse
ínterim, o uso da política “dividir para dominar” era realizada por europeus, ou em
buscar acordos que mantivessem os interesses das elites locais.

E nesse processo de dominação e colonização, embora em muitos lugares fossem


implementadas obras de infraestrutura rodoviária e ferroviária para o transporte das
mercadorias, bem como a abertura de escolas primárias e secundárias, para o ensino
e uma assimilação das populações locais a uma cultura europeia, os interesses das
potências colonizadoras continuava sendo o de explorar os recursos africanos
“fossem animais, vegetais ou minerais, em benefício exclusivo das potências
metropolitanas, principalmente de suas empresas comerciais, mineiras e
financeiras” (UNESCO, 2010, p. 15). E isso levava a um ressentimento anticolonial
compartilhado por diferentes grupos sociais em meio aos povos africanos.

CONECTE-SE
Com a ocupação da África durante o século XIX, inúmeros movimentos
de resistência ao neocolonialismo europeu surgiram em diferentes
partes desse continente.

Tais práticas não ocorreram em meio a uma passividade entre os africanos. Pelo
contrário: foram múltiplas as formas de resistência mesmo no auge do colonialismo
europeu em África. Inclusive, a essa resistência se deveu o cerne dos movimentos
por independência que vieram a ter êxito no decorrer do século XX e trouxeram
novos rumos à vida das populações que hoje formam o continente africano.

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Independências na África e
Consequências do Imperialismo
Vamos analisar como os movimentos de resistência ganharam força e levaram à
independência de antigas colônias na África para então observar as consequências
de todo esse transcorrer de acontecimentos para os países que se formaram e
constituem o continente na atualidade.

Inúmeras iniciativas foram organizadas:

As associações e agrupamentos formados pela articulação das


aspirações nacionalistas foram efetivamente numerosos, e bastante
variadas as estratégias e táticas elaboradas no decurso do período
para concretizá -las. [...]

[...] clubes de jovens, associações étnicas, sociedades de antigos


alunos, partidos políticos, movimentos políticos abrangendo um ou
vários territórios com atividades tanto internas (UNESCO, 2010, p. 16).

São exemplos de como grupos socioculturais variados buscavam se articular em


torno do objetivo de vencer o colonialismo europeu em África.

Sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, esses movimentos de resistência


africana ganharam força e levaram a um processo de independência que na
segunda metade do século XX levou a formação de inúmeros países:

Dos anos 50 até o fim da “presença europeia” no continente africano,


a luta independentista foi intensa, com o surgimento de vários
movimentos, conflitos e lutas armadas, contra a exploração e invasão
que ocorriam há tempos em África, e que sempre encontrou a
resistência pelo caminho. (MATOS, 2019, p. 77).

O final da Segunda Guerra foi importante por que:

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Os africanos que participaram da guerra esperaram que as


“promessas” de transformações mais significativas nos seus países,
como uma autonomia maior sobre as decisões políticas e econômicas,
fossem cumpridas. Como isso não ocorreu, acabaram por insuflar as
populações, que mesmo com concretização da presença forçada
europeia, não estavam inertes e realizavam uma grande linha de
resistência nas suas regiões, fazendo emergir desse contexto o
discurso mais duro, que reivindicava autonomia, independência e
união africana contra os europeus. (MATOS, 2019, p. 79).

Afinal, não fazia sentido ter lutado contra dominadores nazifascistas se seus
territórios na África estavam sob o domínio dos aliados para os quais lutaram nesta
guerra.

SAIBA MAIS
Ao fim da Segunda Guerra, a África vivenciou um período de crises
famélicas e os soldados retornados não obtiveram reconhecimento de
suas lutas. É nesse período que o movimento do nacionalismo africano
retorna em cada território com características diferentes.

Além disso, com o findar da guerra, as antigas potências imperialistas estagnaram, o


que tornava mais difícil conter conflitos. E nesse contexto, um conflito de nível global
teve importância e interferiu em parte dos movimentos pela independência de
vários países africanos - estamos falando da Guerra Fria. Com as disputas por zonas
de influência entre estadunidenses e soviéticos, várias disputas internas de grupos
étnicos, sociais e políticos que já existiam na África tiveram o incremento dos
conflitos por parte de grupos apoiadores do capitalismo versus apoiadores do
socialismo.

Esses processos levaram a lutas pela independência, em diversos lugares, algumas


mais curtas, com tratados de paz para encerrar o mais rápido possível os confrontos,
como foi o caso de boa parte das colônias francesas e inglesas, enquanto outros

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processos de luta mais longos, com guerras sangrentas, também ocorreram, a


exemplo de boa parte das colônias belgas e portuguesas.

Figura 3 - Independências na África

Fonte: Wikipédia.

Mas todas essas lutas pela independência da África não apagaram os efeitos que o
colonialismo lá empregou. Com a colonização, houve um desequilíbrio nas relações
sociais entre as populações, que tiveram sistemas coloniais lhes sendo impostos,
sem que pudessem ou tivessem oportunidade de se adaptarem. Além disso, muitos
povos de etnias rivais se reuniram em uma unidade política, o que não significava
que eles tivessem entrado em acordo. Assim, com a independência dessas regiões,
esses problemas continuaram presentes, engrossando guerras civis que assolaram e
ainda assolam algumas partes do continente africano.

Esses processos de luta pela independência geraram novos estados, muitos deles
“minúsculos, sem saída para o mar, ou paupérrimos, e que nunca teriam emergido
noutro momento histórico” (OLIVEIRA, 2009, p. 95). Porém, esses novos atores
passaram a fazer parte de um contexto mundial no qual eram reconhecidos pelo
sistema internacional, mas também afetados por eles.

O fim da Guerra Fria levou a um contexto de novas situações político-econômicas


em que não havia mais necessariamente um campo de apoio em um dos polos que
ao longo dessa “guerra” existira. As crises econômicas internacionais afetaram “os
estados africanos dependentes da exportação de matérias-primas e com recursos

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humanos não especializados” (OLIVEIRA, 2009, p. 96). Neste ínterim, os jovens


estados africanos vêm desde então buscando se manter em meio a conflitos de
ordem interna e externa.

As fronteiras nacionais, criadas pelos colonizadores e que reuniram diferentes


populações no processo de independência, em seguida, tiveram e têm, em muitos
casos, que enfrentar os dilemas de perpetuar um nacionalismo que mantenha
unidos esses jovens estados africanos. Além disso, esses países têm recursos
desiguais, de terras férteis a acesso ao litoral, o que torna o seu desenvolvimento
também destoante e diverso. E ainda, de um modo geral, as antigas formas de
governo nativas foram extintas e substituídas por sistemas de governo implantados
pelos países colonialistas. Todos esses aspectos significaram a retirada dos africanos
de, bem ou mal, dirigirem as suas economias, definirem suas políticas e suas
relações culturais.

Portanto, o processo histórico do qual a África fez parte na era Contemporânea foi
rápido e certeiro em movimentar as suas estruturas e lançar novos desafios a uma
população diversa em ambientes e situações múltiplas. Contudo, sua história não
chegou ao fim, e esses têm sido o ponto de partida para as discussões e decisões
empregadas nesses jovens países africanos que se formavam em meio a esse
contexto.

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Africanos no Brasil – da
Escravidão à Abolição

AUTORIA
Karla Katherine de Souza Seule

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De acordo com Darcy Ribeiro (1995, p. 19), nós, brasileiros, surgimos, "da confluência,
do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e
campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos”. Este
entrechoque é fruto de contradições presentes nesses encontros e desencontros
entre nossas matrizes culturais.

Em meio a inúmeros povos indígenas que habitavam nosso território, chegaram o


português e a colonização. Nesse contexto, foi inserido outro personagem: o negro
africano. Essas e as demais situações que envolveram a vinda e as relações das
populações afrodescendentes no Brasil é o que abordaremos a partir de agora.

A Escravidão Negra no Brasil


Na América portuguesa, em meio à colonização e enquanto populações indígenas
eram dizimadas, a mão de obra africana – velha conhecida do português – ia se
espalhando por determinadas regiões. Isso porque não foi um processo rápido e
nem imediato de uma troca entre a mão de obra indígena escravizada para a do
negro africano.

A chegada de africanos trazidos para o Brasil teve início em 1538 (GUEDES, 2016).
Populações africanas eram provenientes de vários territórios e para cá foram sendo
direcionadas também para lugares em específico. Entre os principais grupos,
destacam-se sudaneses, culturas islamizadas da costa ocidental africana e
populações de línguas bantas do centro sul de África.

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Esse processo variou conforme as situações e necessidades de mão de obra em cada


local. A princípio, a utilização de africanos para o trabalho nos engenhos foi mais
requisitada na região Nordeste, dado que muitos tinham o conhecimento prévio em
plantar a cana ou fabricar açúcar. Com o decorrer do período colonial, eles foram

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sendo introduzidos nas demais regiões brasileiras, nas grandes fazendas, nos
serviços domésticos, na exploração de ouro das Minas Gerais e por fim nas grandes
lavouras de café.

Conforme observou Ribeiro (1995), esses africanos, de origens variadas e falando


idiomas diversos, eram propositalmente misturados do transporte às senzalas como
uma tentativa de impedir que se unissem e organizassem motins e revoltas com
mais facilidade.

Figura 1 - Navio Negreiro. Obra de Johann Moritz Rugendas (1802–1858)

Fonte: Wikipédia.

Afinal, desde sua saída do continente africano para a América, essas populações não
estavam “vindo” para cá, como pontuou Jaime Pinsky (2010, p. 13), mas sim sendo
“trazidas” contra a sua vontade – o que denota que a violência foi uma prática
constante com relação a essas populações, já que desde o trajeto eram cruelmente
amontoados em porões de navios negreiros, e muitos não resistiam, e depois da
chegada, o trabalho nas lavouras ou nas casas grandes eram duros e repletos de
castigos físicos.

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Figura 2 - Escravo sendo açoitado. Por Jean-Baptiste Debret

Fonte: Wikipédia.

CONECTE-SE
Depois de comprados por algum senhor de engenho, o indivíduo era
escravizado e passava a trabalhar exaustivamente debaixo do chicote e
das humilhações, dormindo amontoado em senzalas e só ganhando
para comer o essencial para não deixar o corpo definhar. Os capatazes e
feitores da fazenda eram aqueles que exerciam o papel de vigiar e
punir. Qualquer erro, por menor que fosse, era duramente castigado
publicamente para que “servisse como exemplo”.

Tais situações requereram e tiveram resistência por parte de suas vítimas, seja de
forma direta, por meio de motins e fugas, ou indireta, nas suas práticas cotidianas,
com a busca por manter vivos os seus costumes de origem (como a religiosidade,

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por exemplo). Desse modo, dos motins e quilombagens ao sincretismo religioso,


diversas formas de resistência fizeram parte da vida dos negros africanos trazidos
para o Brasil:

[...] movimento de rebeldia permanente organizado e dirigido pelos


próprios escravos que se identificou durante o escravismo em todo o
território nacional. Movimento de mudança social provocado, ele foi
uma força de desgaste significativa ao sistema escravista, solapou as
suas bases em diversos níveis – econômico, social e militar [...].
(MOURA, 1989, p. 22).

Figura 3 - Jogar Capoeira

Fonte: Wikipédia.

Essas formas de resistência integraram o corpo de movimentos abolicionistas;


processo que culminou no final do século XIX com a abolição da escravidão no Brasil.
Convido você a debruçar sobre esses acontecimentos e verificar quais resultados, de
fato, eles tiveram na vida da população afrodescendente no Brasil. Vamos lá?

A Abolição da Escravidão e a
Situação do Negro no Brasil
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No decorrer da história do Brasil, tivemos em 1822 a nossa Independência e, com ela,


iniciou-se o período imperial, mas não houve o fim da escravidão de imediato. Muito
pelo contrário: a escravidão no Brasil permaneceu até 1888, e não foi à toa que sua
ruptura abriu as portas para, no ano seguinte, ser proclamada a República.

Mas como se deu esse processo e quais suas consequências na situação da


população afro-brasileira? São questionamentos importantes que merecem ser
analisados para chegarmos ao contexto da situação do negro no Brasil.

O Brasil é o país mais negro fora da África. Os números apontam para uma migração
forçada de africanos para América, visto que o nosso país era o principal destino
dessas pessoas. Como vimos, houve diversas formas de resistência às condições que
lhes foram impostas: o fantasma de uma insurreição ampla estava sempre presente
nos pesadelos dos senhores e das autoridades (PINSKY, 2010, p. 49).

Desse modo, embora a abolição não tenha sido fruto direto de uma rebelião escrava
em específico, ela “não pode estar reduzida a um ato de brancos” (PINSKY, 2010, p.
49). O movimento abolicionista esteve presente na história brasileira desde o período
colonial, e comprou e alforriou muitos negros. Esse movimento só ganhou força
quando políticos como, por exemplo, Joaquim Nabuco e José Bonifácio, começaram
a defender a abolição como algo iminente durante a década de 1870, subsequente à
proibição do tráfico negreiro por pressão da Inglaterra e por intermédio da Lei
Eusébio de Queirós

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SAIBA MAIS
Nas mãos dos saquaremas desde 1848 e temendo uma ação efetiva da
Inglaterra, o Governo Imperial elaborou um projeto de lei, apresentado
pelo Ministro da Justiça Eusébio de Queirós, ao Parlamento, visando à
adoção de medidas mais eficazes para a extinção do tráfico negreiro. O
projeto, convertido em lei em setembro de 1850, apoiado nos mais
"sólidos princípios do direito das gentes," extinguia o tráfico
determinando que:

(...) "Artigo 3º - são autores do crime de importação, ou de tentativa


dessa importação, o dono, o capitão ou mestre, o piloto e o
contramestre da embarcação, e o sobrecarga. São cúmplices a
equipagem, e os que coadjuvarem o desembarque de escravos no
território brasileiro de que concorrerem para ocultar ao conhecimento
da autoridade, ou para os subtrair à apreensão no mar, ou em ato de
desembarque sendo perseguida."

Além de organizações, jornalistas publicavam textos por meio dos quais defendiam
a abolição e as revoltas que fizeram parte do cotidiano no país e que deram fôlego
ao movimento em prol da abolição. Embora uma elite agrária tentasse adiar esse
acontecimento, em 13 de maio de 1888 a Lei Áurea foi assinada e a abolição da
escravatura no Brasil aconteceu.

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Figura 4 - Reprodução da Lei Áurea, de 1888

Fonte: Wikipédia.

Contudo, esse fato não rompeu com os mais de 300 anos de escravidão no Brasil e
seus efeitos sobre a população afrodescendente:

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Com o fim da escravidão no Brasil, muitos negros foram expulsos das


fazendas e ficaram sem ter onde morar nem como sobreviver. Uma
boa parte da elite brasileira não queria que os negros assumissem os
novos postos de trabalho que estavam surgindo no Brasil, à
preocupação da elite era embranquecer o país com imigrantes vindos
da Europa. Essa política de segregação racial fez com os negros
vivessem as margens da sociedade. (MEDEIROS; NASCIMENTO, 2010, p.
310).

Sendo assim, com o fim da escravidão, o negro não foi inserido no mercado de
trabalho assalariado e continuou à margem da sociedade, sofrendo várias formas de
discriminação.

De acordo com dados do Governo Ferderal (GOVERNO DO BRASIL, 2018), “de cada
100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras”. Esses dados são alarmantes e
demonstram como a marginalização feita em relação à população afrodescendente
no Brasil está diretamente ligada as condições com que esta foi estabelecida aqui,
por meio da escravidão, bem como também do processo após abolição que
perpetuou as condições herdadas do período escravocrata.

Esses dados demonstram o quanto a luta contra o preconceito ainda é necessária e


como o conhecimento do nosso passado é importante para que compreendamos as
raízes de tais situações. Só assim caminharemos para revertê-las.

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16/01/2023 15:09 Movimento Negro

Movimento Negro

AUTORIA
Karla Katherine de Souza Seule

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A escravidão e o imperialismo na África deu às populações africanas um estigma de


inferioridade baseado no preconceito que ficou encravado nas sociedades mundo
afora, incluindo o Brasil. A resistência a essas situações são históricas e, para tanto, o
Movimento Negro, enquanto conjunto de organizações presentes na África e fora
dela, tem se mostrado atuante e extremamente importante. Por isso, convido você a
juntos observamos de forma breve a trajetória do Movimento Negro no Brasil e no
mundo. Vamos lá?!

O Movimento Negro pelo mundo


O forte papel do Movimento Negro pela luta contra a discriminação e desigualdade
social sofrida pelas populações negras é inegável e muitas vezes mais antigo do que
se imagina. Por isso, é importante conhecer como esse movimento foi gerado para
melhor compreender a sua atuação.

O Movimento Negro, enquanto um movimento social é:

a luta dos negros na perspectiva de resolver seus problemas na


sociedade como um todo, em particular os provenientes dos
preconceitos e das discriminações raciais, que os marginalizam nos
mais diversos espaços sociais. (SOARES, 2016, p. 72).

Afinal, a reação às condições de segregação por parte de populações


afrodescendentes existe há tempos.

O tráfico Atlântico de escravos, que levou à força a maior diáspora africana já


existente e gerou noções de inferioridade em relação a esses povos, foi alvo de várias
formas de reações e iniciou ações que deram início ao Movimento Negro. A
circulação dessas pessoas levou ao contato e a trocas de idéias que levantaram
bandeiras em prol da luta contra a discriminação.

Um exemplo, nesse sentido, é o caso do africano escravizado que veremos a seguir:

Mohammah Gardo Baquaqua, que foi escravizado na África ocidental,


aparentemente entre o início e meado dos anos de 1840, e
transportado para o Brasil por volta de 1845 [...] alcançou a sua
liberdade na cidade de Nova Iorque em 1847, migrou para o Haiti,
onde viveu por dois anos, e estudou por três anos (1850-53) no Central
College, em MacGrawville, no estado de Nova Iorque, onde tornou-se
abolicionista. Em 1854 Baquaqua publicou sua própria autobiografia
em Detroit. (PEREIRA, 2010, p. 107).

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Exemplos como o caso acima demonstram como a circulação de ideias levou


pessoas, grupos e organizações variadas a trocarem influências na luta contra o
racismo.

Figura 1 - Capa das memórias de Baquaqua, publicadas em 1854

Fonte: Wikipédia.

Muitos jornais e revistas fizeram parte da onda abolicionista do século XIX e eram
voltados para a defesa da libertação de negros escravizados. Mas foi a partir da
Segunda Guerra Mundial e do processo de independência das colônias africanas ao
longo do século XX que a circulação de referenciais para a construção de lutas por
melhores condições de vida para populações africanas ganhou fôlego mundo a fora.

No continente africano, os países recém-independentes iniciaram um processo de


luta por meio do apoderamento efetivo de seus países e suas terras. Na África do Sul,
encontramos um exemplo com o ANC - African National Congress (Congresso
Nacional Africano) é um partido político que nasceu da luta pelos direitos civis da
população negra no país. A princípio, o ANC se inspirava na resistência pacífica de
Gandhi, mas após o Massacre de Sharpeville, em 1960, com a morte de muitos
manifestantes que eram contra o Apartheid, o movimento tomou novos rumos.

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Figura 2 - Pintura retratando o Massacre de Sharpeville

Fonte: Wikipédia.

SAIBA MAIS
O termo “Apartheid” se refere a uma política racial implementada na
África do Sul. De acordo com esse regime, a minoria branca, os únicos
com direito a voto, detinha todo o poder político e econômico no país,
enquanto à imensa maioria negra restava a obrigação de obedecer
rigorosamente à legislação separatista.

Após esse incidente, revoltas cresceram pelo país. Nelson Mandela se destacou
como líder do movimento, mas foi preso em 1964 e permaneceu mais de vinte anos
na prisão. Solto em 1990, com o fim do Apartheid, Mandela foi eleito presidente na
primeira eleição sul-africana com a presença de eleitores negros; uma grande
conquista para o movimento.

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Figura 3 - Nelson Mandela

Fonte: Wikipédia.

Outros movimentos importantes pela igualdade de direitos das populações


afrodescendentes aconteceram nos Estados Unidos. Nos estados do sul desse país,
na metade do século XX, a população negra vivia em um regime de segregação.
Nesse contexto nasceram movimentos pelos direitos civis aos negros. O pastor
protestante Martin Luther King Jr. (1929-1968) foi um dos ícones desses movimentos,
pois liderou protestos e passeatas também inspiradas em alguns princípios de
Gandhi, como a desobediência civil e a não violência.

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Figura 4 - Martin Luther King Jr

Fonte: Wikipédia.

Martin Luther King Jr. apoiou inúmeras greves e lutas estudantis entre os anos de
1957 e 1968. Nesse meio tempo, ele foi preso mais de vinte vezes, discursou em vários
lugares e escreveu cinco livros e inúmeros artigos.

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CONECTE-SE
Dia 28 de agosto de 1963 foi um dia especial para o mundo. Em pé, nos
degraus do Lincoln Memorial, após a Marcha de Washington por
Empregos e Liberdade, o pastor Martin Luther King Jr. começava seu
discurso. Ouvido na ocasião por mais de duzentas mil pessoas, o ativista
inflamou a praça exigindo igualdade entre negros e brancos numa terra
de preconceito e opressão, onde a população negra era marginalizada
em guetos e não tinha direitos democráticos básicos, como o voto.

Entre as reivindicações, Luther King Jr. pediu o fim da segregação no


ensino público; uma legislação clara a respeito dos direitos civis, que
proibisse a discriminação racial no emprego; o fim da brutalidade
policial com militantes dos direitos civis e a criação de um salário
mínimo igualitário para todos os trabalhadores. Pedidos feitos com a
voz firme e o tom pastoral do pregador de Memphis, com 34 anos na
ocasião, que sentenciou, em meio ao texto, a frase “I Have a Dream”, ou
“Eu tenho um sonho”, que ficaria pra sempre na história.

Disponível em:

Ainda nos Estados Unidos, com a morte em 22 de novembro de 1963 do então


presidente John F. Kennedy, a repressão a grupos e movimentos sociais fez nascer
entre o Movimento Negro grupos mais radicais, como os Panteras Negras. De
qualquer modo, o conjunto de movimentos que se estendiam de longa data, como
o do pastor King, resultou no alcance da população negra ao direito de voto em
estados segregacionistas tais como o Alabama, e na divulgação dos negros por
direitos civis no restante do país. Essa influência se revelou também na música, com
a explosão de ritmos nas paradas de sucesso como a soul music e ainda na moda,
com o movimento black power, que fazia referência ao “orgulho negro”.

Toda essa influência se estendeu para além dos Estados Unidos, no mundo todo, e
inspirou movimentos similares em outras nações. Convido você a continuar nosso
percurso agora de olho em como o Movimento Negro se organizou no Brasil. Vamos
lá?

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Movimento Negro no Brasil


No Brasil, a quilombagem e outras formas de resistência cultural existiam desde os
tempos coloniais. Com a independência e a abolição da escravatura, tivemos o papel
de uma imprensa negra presente aqui, como em outros lugares, trocando
informações e ajudando a construir ideais para um movimento negro. A partir de
então, organizações Brasil afora foram reunindo deliberações em prol do combate à
discriminação racial no Brasil.

Desde o final do século XIX, há registros de periódicos organizados pelo Movimento


Negro no Brasil, discutindo questões como o preconceito racial, como foi o caso dos
exemplos a seguir:

Treze de Maio, fundado no Rio de Janeiro em 1888; A Pátria, em São Paulo, em 1889,
e O Exemplo, em Porto Alegre, em 1892. (GOMES, 2005) Ainda no início do século XX
houve a criação dos vários jornais da chamada ‘imprensa negra paulisa’, tais como O
Menelick, em 1915, A Liberdade, em 1919, O Getulino, em 1923, e O Clarim d’Alvorada,
em 1924, por exemplo. (PEREIRA, 2010, p. 112).

Esses periódicos são considerados o embrião da criação da primeira organização


política do Movimento Negro brasileiro a Frente Negra Brasileira (FNB) fundada em
1931 e reprimida durante o governo Vargas em 1938.

SAIBA MAIS
Em 16 de setembro de 1931, nascia em São Paulo uma das maiores
entidades negra do século XX: a Frente Negra Brasileira. Vinha na esteira
de diversas entidades que se formaram no início do século anterior. Sua
missão era a de integrar o povo afrodescendente à sociedade.
Autodenominada “órgão político e social da raça”, a Frente atingiu
dimensões inusitadas, chegando, inclusive, a tornar-se partido político.
Se pensarmos na situação social da época, em que o desemprego entre
os homens era alto (as mulheres negras eram o pilar das famílias, pois o
emprego de doméstica lhes dava algum salário), em que as condições
de educação eram precárias, a Frente realizou feitos espantosos.

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Após o Estado Novo, no final da década de 1940, outras organizações que integram o
Movimento Negro no Brasil se formaram. E na década de 1960, os movimentos
culturais nascidos nos Estados Unidos de Black Music e Black Power também
inspiraram as lutas que ocorriam aqui.

Figura 5 - Tony Tornado e Trio Ternura, no Festival Internacional da Canção, 1970

Fonte: Wikipédia.

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NA PRÁTICA
O Teatro Experimental do Negro (TEN) surgiu em 1944, no Rio de
Janeiro, como um projeto idealizado por Abdias Nascimento (1914-2011),
com a proposta de valorização social do negro e da cultura afro-
brasileira por meio da educação e arte, bem como com a ambição de
delinear um novo estilo dramatúrgico, com uma estética própria, não
uma mera recriação do que se produzia em outros países.

Alguns anos antes aflorara em Abdias uma inquietação perante a


ausência dos negros e dos temas sensíveis à história da população
negra nas representações teatrais brasileiras. Em geral, quando lhes era
concedido algum espaço cênico, este vinha para reforçar estereótipos, a
partir do direcionamento dos atores/atrizes negros/as a papéis
secundários e pejorativos. Havia, segundo ele, uma rejeição do negro
como “personagem e intérprete, e de sua vida própria, com peripécias
específicas no campo sociocultural e religioso, como temática da nossa
literatura dramática.” (Nascimento, 2004, p. 210).

Por essa razão, o TEN foi pensado para ser um organismo teatral que
promovesse o protagonismo negro. Nas palavras do próprio Abdias do
Nascimento, desde que era ainda uma ideia em gestação, o TEN teria
como papel defender a “verdade cultural do Brasil”.

Presente em diferentes situações políticas que o país viveu, o Movimento Negro


também se fez notar, apesar da repressão, durante a Ditadura Militar (1964-1988):

O Movimento Negro também se destacou nesse cenário quando, em


1978, se organizou o Movimento Negro Unificado (MNU), uma entidade
nacional que marcou a história do Movimento Negro contemporâneo
e foi considerada como um dos principais protagonistas na luta
antirracista brasileira. (SOARES, 2016, p. 74).

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Depois da década de 1970, o movimento negro procurou dar voz à desmistificação


do mito da democracia racial, ou seja, de que todas as matrizes étnicas que
compõem o nosso povo, assim o fizeram e ainda vivem, de forma harmônica.
Reconhecendo que esta fora uma falácia da elite reforçada por muitos governos em
busca de garantir uma unidade nacional, os Movimentos Negros buscaram
combatê-la como forma de assim levar a formas de diminuição da desigualdade
que afeta a população afro no Brasil.

NA PRÁTICA
No Brasil, o mito da democracia racial ganhou corpo nos anos 1930,
dentre outras coisas, pelas publicações do antropólogo e educador
Gilberto Freyre que, embora não tenha cunhado o termo em nenhum
de seus livros, foi o responsável por lançar as bases desse pensamento
de que o Brasil seria uma sociedade sem “linha de cor”, ou seja, sem
barreiras legais que impedissem a ascensão social de pessoas de cor a
cargos oficiais ou a posições de riqueza ou prestígio. Em suma, uma
sociedade em que todos tivessem oportunidades.

Esse pensamento, que tomou forma durante a ditadura militar, quando


as relações raciais sumiram de pauta e o racismo ganhou contornos de
uma prática individual, vigorou na produção intelectual brasileira até
que uma pessoa teve a coragem de colocar o dedo na ferida e dizer que
tudo não passava de um grande engodo, um desvario coletivo:
Florestan Fernandes, político e sociólogo brasileiro, fundador da
sociologia crítica, que descortina novos horizontes para a reflexão
teórica e a interpretação da realidade social no Brasil.

Na passagem para a década de 1980, a busca por unir jovens negros contra o
preconceito levou ao Movimento Negro Unificado. Nesse contexto de
redemocratização, a abertura foi maior para discussões e a realização de políticas
públicas destinadas aos negros. Mas foi nos anos 2000 que tivemos mudanças
efetivas na legislação buscando implantar políticas públicas que tornassem essas

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16/01/2023 15:09 Movimento Negro

lutas ações afirmativas como, por exemplo, as cotas para dar acesso aos de negros
nas Universidades, bem como com a Lei 10.639/2003, que determinou o ensino de
História e cultura afro-brasileira como integrante dos conteúdos escolares.

Essas lutas ainda não cessaram. O racismo é cotidiano, como apontam os números
da violência no Brasil, onde a violência contra a mulher negra e jovens negros são
alarmantes. Esse preconceito se estende da cor a aspectos culturais como a
religiosidade.

Portanto, é crucial que conheçamos a realidade da formação e participação da


população afrodescendente no Brasil. Que reconheçamos qual a real situação desse
grupo que forma o grosso de nossa população e que ainda tanto sofre preconceitos
para, assim, dar fim a esse preconceito.

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16/01/2023 15:09 Nossas Heranças Africanas

Nossas Heranças
Africanas

AUTORIA
Karla Katherine de Souza Seule

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16/01/2023 15:09 Nossas Heranças Africanas

Que nós somos a confluência de diferentes matrizes étnicas é um fato e, entre elas,
as matrizes africanas que nos compõem são de extrema importância - não só no
colorido de nosso povo, mas em todos os elementos de nossa cultura e
entendimento de nós mesmos. Acontece que muitas vezes não nos damos conta
disso.

Os mais de 300 anos de escravidão no Brasil, com a utilização da mão de obra de


africana para esse fim, legaram a essas populações no Brasil discriminação e
também a falta de conhecimento do quanto elas contribuíram para a formação do
nosso país não apenas enquanto força de trabalho. É fundamental que conheçamos
essas nossas heranças culturais, pois são aspectos que moldam a nossa identidade
enquanto brasileiros. Dito isso, convido você a partir agora para as nossas raízes
culturais africanas, passando por nossas heranças linguísticas, hábitos alimentares e
cultura popular.

As Influências Africanas em
nossa Língua
O idioma que falamos é um instrumento não apenas de comunicação, mas ele é
fruto de construções socioculturais no meio em que ele se desenvolveu. Quando os
portugueses vieram para cá e iniciaram o processo colonizador a partir de 1500, eles
tentavam impor seu poder e modo de projetar o mundo por meio do idioma.
Contudo, esse idioma não ficaria ileso aos contatos entre os povos que aqui se
fizeram. Desse modo, um jeitinho particular de falar o português no Brasil se
desenvolveu e teve participação direta dos povos africanos, que fizeram parte de
nossa formação enquanto povo.

A língua, além de compor a cultura de um povo, é um mecanismo de transmissão


dela (PEAD, 2019). Os portugueses, quando aqui chegaram, encontraram inúmeros
povos nativos que já detinham seus próprios idiomas e modos de comunicação.
Para facilitar, se utilizaram da língua geral praticada, sobretudo por aqueles que
faziam parte do troco linguístico tupi-guarani.

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SAIBA MAIS
No processo de colonização, a língua Tupinambá, por ser a mais falada
ao longo da costa atlântica, foi incorporada por grande parte dos
colonos e missionários, ensinada aos índios nas missões e reconhecida
como Língua Geral ou Nheengatu.

Até o século final XVIII, essa língua geral foi a forma mais praticada por aqui. Com o
decorrer de mudanças populacionais – a vinda cada vez maior de portugueses e
africanos para o Brasil – e administrativas, com decretos que impuseram o uso da
“língua do rei” como forma de se comunicar no Brasil, o português cada vez mais foi
sendo forçado à população. E

pela história de suas relações com outro espaço de línguas, o


português, ao funcionar em novas condições e nelas se relacionar com
línguas indígenas, língua geral, línguas africanas, se modificou de
modo específico. (GUIMARÃES, 2005, p. 25).

A partir desses “ajustes”, surgiu o português do brasileiro, com um jeitinho próprio


de ser falado por aqui.

Nesse meio tempo, no decorrer da colonização, com a vinda de africanos para servir
de mão de obra escrava e seu trabalho se expandindo pelas diferentes regiões do
Brasil, uma modificação nos registros linguísticos da colônia portuguesa na América
eram alterados. Mas as línguas africanas Nagô, Quimbundo, Congoesa e Yorubá
foram as que mais contribuíram para a composição linguística de nosso país
(CARVALHO, 2008).

Esses africanos de diferentes origens eram propositalmente misturados para terem


mais dificuldade em se comunicar entre si e, desse modo, formarem motins contra
os “seus senhores”. Mas para boa parte deles, a “língua portuguesa não soava tão
estranha”, tendo em vista que a maior parte dos escravos africanos no Brasil
“procedia de possessões portuguesas na África" (CASTIM, 1998, p. 37). Assim, eles

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foram aprendendo essa língua de “intercurso” com a qual os “capatazes lhes


gritavam e que, mais tarde, utilizariam para comunicar‐se entre si”, para desse modo,
ajudar a “aportuguesar o Brasil” (RIBEIRO, 1995, p. 115).

Neste contexto, africanos de regiões sudanesas - como os yorubás a grupos que


provinham de regiões onde hoje se encontram Serra Leoa, Gâmbia, Senegambia e
Angola e Moçambique -, viram-se em um espaço onde tiveram que se encaixar. Para
tanto, utilizaram a língua de seus senhores e a ela deram “dengues” (RIBEIRO, 1995,
p. 116). Sendo espalhados devido a sua força de trabalho pelo Brasil afora, esses
africanos estavam da intimidade familiar, ao trabalho no campo e nas cidades, o que
se refletirá na esfera linguística, sobretudo, na fonética e na morfologia de nossas
palavras:

A área linguística mais afetada da língua portuguesa teria sido a


fonética e a morfologia, vez que nagô e quimbundo são línguas
aglutinantes, portanto desprovidas de sistema flexional. Donde se
segue que, na língua portuguesa, tal influência repercute à medida
que os utentes da língua vão reduzindo as flexões e corrompendo os
fonemas, gerando uma imensidade de alofones e alomorfes. Caso
típico é a tendência que as populações menos escolarizadas e menos
próximas do litoral têm de flexionar os verbos só em duas pessoas: “Eu
gosto, tu gosta, ele gosta, nós gosta, vocês gosta.” (CASTIM, 1998, p. 39).

Sobre essa influência fonética, Mendonça, em sua obra A Influência Africana no


Português do Brasil, nos traz alguns exemplos, como os de assimilação:

O fonema j passa para o sibilante z:

Jesus ........................................................Zezús
José ..........................................................Zozé

Antes de e e i, o g transforma-se esporadicamente em z no dialeto


carioca, o que pode ser um vestígio do africano:

genebra ........................................ zinébra


registro ......................................... rezisto. (MENDONÇA, 2012, p. 82).

Ou casos de dissimilação, como aqueles que:

Ocorre nos grupos consonânticos de elocução difícil:

negro ............................................ nego


alegre ............................................ alegue. (MENDONÇA, 2012, p. 82).

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Verificou ainda exemplos de aférese (redução):

tá ...........................................= estar
ocê ........................................= você
cabá .....................................= acabar
Bastião ...............................= Sebastião. (MENDONÇA, 2012, p. 82).

De acópope, que aparecem em L e R finais:

general ...........................................generá
cafezal ............................................cafezá
mel .................................................mé
esquecer ........................................esquecê
Artur ..............................................Artú. (MENDONÇA, 2012, p. 82).

E ainda de metástase, onde observou que, em geral, os africanos fizeram uma


transposição da sílaba "es" para "se", como nos casos a seguir:

escuta ............... secuta


escola ................ secola.

É comum entre eles a frase “Secuta aqui!” correspondente a “Escuta


aqui”. (MENDONÇA, 2012, p. 83).

Ou, ainda, exemplos de redução, como os ditongos ei e ou, que por influência
africana, reduziram-se na língua popular do Brasil da seguinte forma:

ei ............... ê
cheiro ........ chêro
peixe ......... pêxe
beijo .......... bêjo. (MENDONÇA, 2012, p. 84).

Essas situações, segundo Mendonça (2012), são fruto das diferenças profundas entre
as línguas africanas e indoeuropeias. Os vestígios dessas situações acima descritas
são particularmente notados em nosso dialeto “caipira”.

Apesar de em menor número, as influências também se fizeram em nossos verbos,


com a inserção de exemplos como: mandingar, zangar, bongar, carimbar, catingar,
banzar, sambar, curiar, maxixar, cochilar, candongar, enquisilar, aquilombar. Em

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adjetivos regionais, como: capiongo, cassange, cafuçu, ingangento, cangulo,


macambúzio, manzanza, caçula, buzuntão, capenga, banguelo, fiota, dunga, zorô,
granganzá, cutuba. (MENDONÇA, 2012, p. 86).

São alguns dos exemplos do modo como essas populações africanas que compõem
o Brasil ajudaram a influenciar também o nosso idioma e modo de falar. Expressões
que fazem parte do nosso cotidiano, mas que muitas vezes desconhecemos suas
raízes.

Continuemos agora o nosso percurso partindo de nossos hábitos de comunicação


para os alimentares.

As Heranças Africanas em
nossos Hábitos Alimentares
O que nos alimentamos, faz parte da reunião de elementos sociais, econômicos e
culturais que nos rodeiam. Se esse hábito é primordial à nossa sobrevivência, a
escolha dos alimentos que consumiremos faz parte dos recursos de que dispomos e
dos hábitos que herdamos de nossos antepassados, e vem sendo alterados de
acordo com as relações estabelecidas por nós em nosso meio. No Brasil, isso não foi
diferente. Nossos hábitos alimentares são fruto das construções realizadas entre os
povos que construíram esse país.

Comer foi um ato construído pelo homem com base em suas necessidades físicas e
sensoriais, percebidas por meio do cheiro, saber, textura e cor dos alimentos. Aos
poucos, pressupostos econômicos, sociais e culturais, tais como as crenças religiosas,
foram determinando nossas escolhas alimentares. (CARDOSO et. al., 2007). O Brasil,
enquanto caldo de culturas devido à sua diversidade, não fugiu a esses elementos.
Aqui, alimentos nativos conhecidos dos indígenas foram acrescidos a outros trazidos
pelos portugueses e africanos em um momento quando as especiarias africanas e
orientais estavam sendo mais acessíveis ao Ocidente, por meio das Grandes
Navegações.

Nesse contexto, alimentos que faziam parte da base alimentar do indígena tais
como a mandioca e o milho foram acrescidos com outros, nativos da África ou
conhecidos pelos africanos, por meio de seus contatos comerciais com outros povos.
Esse processo foi facilitado porque muitas africanas que aqui eram escravizadas
foram utilizadas como cozinheiras nas casas grandes.

Aos poucos, essas mulheres foram incorporando à nossa comida produtos tais como
o azeite de dendê, cuja palmeira que produz seu fruto foi trazida para o Brasil já nas
primeiras décadas do século XVI. Outros alimentos que logo foram incorporados são:
o coco-da-bahia, o quiabo (ingrediente indispensável na culinária africana), a cebola,
o alho e a pimenta malagueta (CARDOSO, et. al., 2007). Assim, muitos pratos típicos

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africanos, no contato com produtos locais, foram sendo recriados, até mesmo
porque muitos desses africanos já conheciam alguns desses produtos americanos,
por conta da distribuição dos mesmos feita pelos portugueses entre sua colônia e
entrepostos comerciais em África e Ásia:

O feijão era apreciado tanto por africanos como por portugueses, o


que o levou a ser um prato de destaque na mesa do brasileiro,
tornando-se prato nacional, consumido pelos ricos e muitas vezes
sendo o único alimento do pobre. O caruru é outro prato típico da
culinária africana, feito com inhame, que manteve o nome indígena,
mas com outros ingredientes como galinha, peixe, carne de boi ou
crustáceo. Outras receitas foram surgindo com o tempo, como a
rapadura e as comidas de milho e coco, como canjicas, munguzás,
angus e pamonhas. (CARDOSO, et. al., 2007, p. 51).

Uma influência africana importante foi o hábito de consumir leite, pois os africanos
trazidos para o Brasil já estavam acostumados à criação de gado caprino, bovino e
ovino. Além disso, as escravas africanas, além de cozinheiras dos seus senhores, em
grandes centros como Salvador e Rio de Janeiro, se tornaram quituteiras e vendiam
salgados e doces que até hoje fazem parte da culinária desses locais. Basta
pensarmos no acarajé, no abará, no vatapá e no caruru da Bahia.

A banana, uma das frutas mais consumidas no Brasil, foi introduzida no Brasil ainda
no século XVI e também é uma herança africana:

cercando as casas dos povoados e as ocas das malocas indígenas, e


decorando a paisagem com o lento agitar de suas folhas. Nenhuma
fruta teve popularidade tão fulminante e decisiva, juntamente com o
amendoim. A banana foi a maior contribuição africana para a
alimentação do Brasil, em quantidade, distribuição e consumo.
(RADAELLI e RECINE, s/d, p. 17).

Além dela, frutas como a manga, a jaca, a cana e o coco vieram do continente
africano.

Foram também os africanos que aqui incorporaram o consumo do arroz e de


vegetais e ervas como quiabo, caruru, inhame, erva-doce, gengibre, açafrão,
gergelim, amendoim africano e melancia, entre outros. E entre as carnes, o destaque
vai para a galinha d’angola. (RADAELLI e RECINE, s/d).

Além disso, o modo como o africano era tratado e, portanto, os alimentos que a ele
eram dispensados, fez com que ele recriasse alimentos, como o pirão escaldado, ou
massapé, feito de farinha de mandioca na água fervente, com pimenta. Esse prato,
muito comum no meio rural brasileiro, foi resultado da necessidade de fazer a pouca
comida render (RADAELLI e RECINE, s/d).

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Portanto, são muitos os exemplos que vão de determinados produtos a pratos


típicos da culinária brasileira criados ou influenciados pela cozinha africana.
Influências culturais fruto das relações que os povos trazidos da África mantiveram
por aqui. Continuemos agora com outras heranças culturais presentes em nossa
cultura popular.

As Raízes Africanas na Cultura


Popular Brasileira
A cultura popular, normalmente identificada como folclore de um povo, trata dos
costumes, manifestações artísticas em geral e lendas, entre outros hábitos que
repassadas por um grupo por meio da tradição oral e popular e assim são
preservados. O folclore é uma "cultura viva", pois é criado e recriado ao longo das
circunstâncias e do meio onde nasce e sobrevive. Por isso, o folclore brasileiro é fruto
da cultura que foi gerada junto com seu povo, recebendo as influências de
diferentes etnias que formaram a nossa diversidade, incluindo as africanas que para
cá foram trazidas.

Apesar das dificuldades enfrentadas, quando foram compelidos a abandonar suas


raízes culturais e a assimilar novos costumes – de seus “senhores” – os africanos que
aqui chegaram não deixaram de inserir suas raízes culturais nesse novo mundo. Ao
resistirem às imposições que lhes eram feitas, os negros africanos acabaram por
imprimir suas raízes em nossa cultura até mesmo como um meio de suportar tais
condições. Isso ocorreu seja ao recorrerem às suas crenças e "valores espirituais", ou
às suas “reminiscências rítmicas e musicais”, ou pela busca de “saberes e gostos
culinários" (RIBEIRO, 1995, p. 116-117).

A religiosidade africana, baseada em um totemismo, foi o ponto de partida para


tanto. O culto gege-iorubano e candomblé foi sendo incorporado com a chegada
dessas etnias. Por meio dele, uma "magia africana" se perpetuou entre as camadas
populares através de "simpatias" que fazem parte das superstições familiares dos
brasileiros até os dias de hoje (MENDONÇA, 2012, p. 91-92).

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NA PRÁTICA
O candomblé iorubá, ou jeje-nagô, como costuma ser designado,
congregou, desde o início, aspectos culturais originários de diferentes
cidades iorubanas, originando-se aqui diferentes ritos, ou nações de
candomblé, predominando em cada nação tradições das cidades ou
região que acabou lhe emprestando o nome: queto, ijexá, efã.

Fonte: Prandi, 2011.

Essas “sobrevivências totêmicas” foram integradas às festas populares e conservam


suas tradições em vários cantos do país. Nesse sentido, Mendonça (2012) dá o
exemplo dos Congos cantados no Natal na região de Alagoas, onde negros vestidos
de reis e de príncipes acompanham três rainhas negras, ou ainda integrando a Festa
do Divino, ou seja, festejos tipicamente de populações africanas inseridos em festas
que também são católicas.

SAIBA MAIS
“Os totens também estão ligados à transformação de animais em
pessoas e vice-versa, representando um ancestral que possuía esse tipo
de habilidade”, explica Pedro Paulo Funari, arqueólogo e professor do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.

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Figura 1 - Mascarados na Festa do Divino em Pirenópolis-GO

Fonte: Wikipédia.

Da popular “Maria Cambinda”, história da menina africana vinda para o Brasil em um


navio negreiro, que se perpetuou pelos terreiros e se tornou uma espécie de santa
cortejada em festejos, ao cucumbi (estilo de dança) comum em tempos de carnaval,
muitas festividades pelo Brasil são de origem africana. Assim como as canções
nagôs, tocadas em instrumentos africanos, que também fazem parte dessas festas e
que deram origem a ritmos americanos como o samba e o maxixe, o maracatu, o
frevo e a capoeira. Dentre esses instrumentos que perpetuaram tais ritmos,
encontram-se os tambores, os "atabaques" e os percutidores como o chocalho
(MENDONÇA, 2012).

Os negros africanos têm também uma forte presença em nossos contos populares,
mas normalmente isso não fica tão evidente, já que muitos desses contos
receberam também heranças indígenas, como o caso do curupira e da caipora e até
mesmo o saci pererê. Desde a África, as populações que para cá vieram tinham
muitos contos centrados nas figuras de animais como a tartaruga e o macaco. Aqui,
esses povos continuaram suas tradições totêmicas, influenciando ainda as
indumentárias em festejos, símbolos e amuletos protetores que se referem a
divindades animais. Exemplos nesse sentido são encontrados nos desfiles de escolas
de samba durante o Carnaval.

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Figura 2 - Carro abre-alas da Portela no desfile das escolas de samba de 2014

Fonte: Wikipédia.

Muitas dessas práticas e ainda outras se desenvolveram por meio de um sincretismo


resultante do contato e do meio de se manter crenças de suas terras de origem em
um ambiente católico. Daí a associação, em cultos religiosos como a Umbanda,
tipicamente brasileira, e no Candomblé, de santos católicos com orixás de tradições
religiosas africanas. Isso acabou dando origem a festas religiosas como a Festa do
Bom Jesus dos Navegantes, a Festa do Senhor do Bonfim e de Iemanjá.

Esses exemplos demonstram uma religiosidade totêmica africana, perpassando por


nossa música, ritmos e instrumentos, bem como festas e contos que integram a
nossa cultura popular. São vários os casos, e não esgotamos todos aqui, mas tudo
isso só serve para nos demonstrar o quanto nossas heranças culturais africanas são
variadas e o quanto precisamos reconhecê-las. Afinal, o reconhecimento de nossa
cultura é o nosso autoconhecimento enquanto povo, pois desse modo, nós
reconhecemos nossas características identitárias e nos entendemos em meio ao
mundo. Um exercício muito importante e necessário principalmente no combate a
preconceitos que são fruto da ignorância a respeito de uma cultura tão rica.

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16/01/2023 15:10 História da África e Historiografia Africana

História da África e
Historiografia Africana

AUTORIA
Karla Katherine de Souza Seule

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16/01/2023 15:10 História da África e Historiografia Africana

Os estudos sobre o continente africano são fundamentais, pois se a História é a


ciência que estuda a ação humana ao longo do tempo, a partir do momento que
existe vida humana, existe história humana, e os acontecimentos que dizem respeito
à vida humana na Terra tiveram início na África. Além disso, para que elaboremos
um conhecimento histórico universal efetivo, precisamos preencher as lacunas
sobre a história das sociedades africanas que, durante muito tempo, tiveram os seus
estudos negligenciados.

Nesse sentido, buscaremos verificar as relações da historiografia e os estudos sobre o


continente africano ao longo do tempo. Para tanto, vamos iniciar analisando aquelas
que foram as primeiras fontes de relatos sobre a África e que ajudaram em muitos
casos, a perpetuar um imaginário ocidental etnocêntrico sobre a mesma. Depois,
faremos um percurso sobre os caminhos que uma historiografia africana – de fora e
de dentro da África – percorreu e quais os desafios enfrentados.

Imaginário do Continente
Africano
Discursos sobre a África são tão antigos quanto a escrita. Escritores do Mediterrâneo
europeu fizeram relatos a respeito dela, concentrados na região mais próxima deles,
o norte. Nem sempre com esse nome, tal continente era referenciado baseado no
modo como estrangeiros o descreviam. Esse reconhecimento foi sendo realizado
com base na comparação entre o “eu” (europeu) e o “outro” (africano).

Viajantes, historiadores e geógrafos como Heródoto de Helicarso (séc. V a.c) e


Cláudio Ptolomeu (séc. II) denominavam a África de Etiópia e os africanos de etíopes,
já que o termo grego Aethiops significa terra dos homens de pele negra. Nesses
relatos, aspectos como o clima africano, além da cor da pele e as características
geográficas do continente, eram usados para demarcar as “fronteiras” entre
europeus e africanos e desse modo, explicar suas diferenças físicas e culturais.
(SILVA, 2010).

Um exemplo nesse sentido é o caso do geógrafo alexandrino Cláudio Ptolomeu.


Com base em estudos anteriores ao dele, Ptolomeu descreveu os contornos da
África como uma região que não passaria do Equador, cujo clima abaixo dele seria
insuportável e que seria responsável por deformações e incapacidades físicas nos
povos que ali viviam.

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Figura 1 - O mapa de Ptolomeu

Fonte: Wikipédia.

Obras como a de Ptolomeu contribuíram para propagar crenças sobre como e quem
eram os africanos ao longo da Idade Média, pois foram utilizadas por geógrafos e
teólogos europeus. A cristandade europeia foi criando, desse modo, um imaginário
em que a África estaria no pior lugar da Terra. Para tanto, a teoria camita acabou
servindo e aumentando preconceitos em relação às populações africanas de pele
negra.

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CONECTE-SE
A teoria camita afirma de forma categórica que o filho de Noé, Cam,
teria zombado do pai e, devido a esta postura, recaiu sobre ele e seus
herdeiros a praga da escravidão. Os herdeiros de Cam na Bíblia
habitariam a orla africana do mar vermelho. A teoria camita foi
agregada a cartografia de Cláudio Ptolomeu e a cosmologia cristã e, a
partir daí justificou o lugar social e territorial dos povos africanos.

Fonte: PETEAN, Antonio C. Lopes. O Racismo e a Lei 10.639/03

Também os árabes contribuíram para construção e propagação desse imaginário


preconceituoso em relação à África. Eles descreviam os aspectos físicos dos seus
povos, bem como as suas características geográficas e clima como responsáveis
pelas diferenças estéticas dos africanos, mas também esses enquanto povos
ausentes de inteligência.

Utilizava o termo árabe, Sudão, para se referenciar ao continente, que significa “terra
dos homens negros” (SILVA, 2010, p. 13). E embora os viajantes árabes fossem mais
bem informados nesse período do que os europeus, a respeito da África, suas
narrativas não deixaram de ser repletas de elementos que colaboraram para a
discriminação de sua população.

Tivemos no início da Era Moderna, com as Grandes Navegações, o contornar da


África. A partir daí, os relatos elaborados por viajantes, diplomatas e missionários
europeus foram crescendo, nos decorrer dos séculos XVI, XVII e XVIII. Por meio deles,
as abordagens que entendiam os africanos enquanto povos inferiores em relação
aos europeus, ainda que o continente tenha se tornado o ponto de encontro de
relações econômicas europeias no mundo Atlântico, cresceu ainda mais. Isso porque
a escravidão viria contribuir para dar aos africanos a denotação de inferiores, dando
bases para o racismo.

No século XIX, com o imperialismo, o foco europeu sobre o continente cresceu, pois
era preciso melhor conhecê-lo para assim explorá-lo. Nesse ínterim, ressurgem
estigmas sobre os africanos e a África, corroborados agora por argumentos

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científicos, derivados de ciências que estavam se organizando no contexto de uma


Europa dita racional e civilizada.

Entre essas teorias encontramos o Darwinismo Social, que buscava aplicar a teoria
biológica da evolução das espécies de Darwin (Darwin) à sociedade. Seus teóricos
defendiam que na luta pela sobrevivência as nações e as “raças” mais fortes e
capazes sobreviveriam. A partir daí um Evolucionismo social fora defendido, onde as
sociedades humanas eram classificadas em três etapas evolutivas:

1ª) bárbara;

2ª) primitiva;

3ª) civilizada.

De acordo com essa visão, os europeus integravam a 3ª etapa classificatória das


sociedades enquanto “civilizados”. Já os povos africanos eram tidos como primitivos,
ou seja, bárbaros. Portanto, restaria ao colonizador europeu a “missão civilizatória”
por meio de sua dominação.

SAIBA MAIS
Darwinismo social é a teoria da evolução da sociedade. Recebe esse
nome uma vez que se baseia no Darwinismo, que é a teoria da evolução
desenvolvida por Charles Darwin (1808-1882), no século XIX.

Este estudo social foi desenvolvido entre os séculos XIX e XX pelo


filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903), que antes de Darwin pensou
no tema da evolução.

Para pensadores europeus do século XIX, essas teorias raciais explicariam e


evidenciariam o fato de os africanos serem prova viva do desenvolvimento evolutivo
do homem até o macaco, sendo dessa maneira mais próximos dos animais do que
dos humanos. A partir daí, tivemos a construção de um imaginário sobre a África e
suas populações descritos como: infantis, primitivos, tribais e incapazes de

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apreensão e evolução. Todos esses aspectos colaboraram para a inserção imperialista


no continente, com a justificativa de que estariam assim retirando a África da
imobilidade e levando-a a civilização.

Vemos aqui como ao longo do tempo fatores culturais, políticos e econômicos


deram corpo aos esteriótipos aplicados ao continente africano e suas populações.
Tudo isso levou a um desconhecimento da África e sua diversidade – populacional,
geográfica, climática, cultural, etc. E essas noções irão tanto influenciar uma
historiografia inicial sobre a África, como também serão combatidas por tendências
posteriores. Sobre isso é que estudaremos a partir de agora.

Os Percursos da Historiografia
Africana
No contexto dos séculos XVIII e XIX, em que o contato entre europeus e africanos se
intensificou por meio do imperialismo, abordagens feitas pelos exploradores
resgatavam esteriótipos da Antiguidade e Idade Média, associando-os a teorias
científicas como o Darwinismo Social, Determinismo Racial e Evolucionismo Social, é
que a História como uma ciência nasceu. Era uma história de Estados nacionais, no
caso europeu, protagonizada pelos “heróis da nação”. E para ser uma ciência, ela
deveria ser objetiva, sendo que para tanto apenas eram consideradas fontes
documentos escritos, que eram narrados pelos historiadores, entendendo-os
enquanto portadores de uma história oficial.

Nesse contexto, uma historiografia que abordasse os povos do continente africano


era considerada inferior, por haver entre esses uma predominância da tradição oral,
sobretudo, nas sociedades subsaarianas. Além disso, muitas sociedades africanas
são consideradas tradicionais, ou seja, suas relações são mantidas de acordo com
tradições milenares e, por isso, eram consideradas imóveis e não desenvolvidas. Esse
pensamento está expresso nas palavras a seguir de Hegel, em sua obra Filosofia da
História:

A África não é uma parte histórica do mundo. Não têm movimentos,


progressos a mostrar, movimentos históricos próprios dela. Quer isto
dizer que sua parte setentrional pertence ao mundo europeu ou
asiático. Aquilo que entendemos precisamente pela África é o espírito
a-hstórico, o espírito não desenvolvido, ainda envolto em condições de
natural e que deve ser aqui apresentado apenas como no limiar da
história do mundo. (Hegel, 1998, p. 174).

Em tais situações, o que tínhamos era uma história dos europeus no continente
africano e não uma História da África.

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As duas grandes guerras na primeira metade do século XX mudaram o contexto e


abriraram espaço para se repensar o papel civilizatório do ocidente/europeu. Afinal,
tais guerras foram provocadas e tiveram seus desfechos no seio da Europa, dita
civilizada. Nesse outro contexto, as ciências humanas foram afetadas e, entre elas, a
História.

Escolas historiográficas mais recentes, como a Escola dos Annales, traziam novos
objetos, novas fontes, novas perspectivas. E com um crescimento do interesse sobre
a história africana, foram abertos muitos centros de estudos em universidades
dentro da própria África. Nesses espaços, estudaram muitos pensadores que
fundaram alguns dos movimentos africanos de independência.

CONECTE-SE
[...] No século XX, uma das mais notáveis escolas históricas foi a
chamada Escola dos Annales, cuja atividade começou em 1929.

Este nome, “Escola dos Annales”, ficou conhecido porque tal grupo se
organizou em torno do periódico francês Annales d'histoire
économique et sociale (Anais de história econômica e social), quando
foram publicados seus principais trabalhos. Os dois principais nomes da
fundação desse periódico eram Lucien Febvre e Marc Bloch, e seus
principais objetivos consistiam no combate ao positivismo histórico e
no desenvolvimento de um tipo de História que levasse em
consideração o acréscimo de novas fontes à pesquisa histórica e
realizasse um novo tipo de abordagem.

José Rivair Macedo, em sua obra intitulada Desvendando a história da África,


observou que “Os estudos africanos nasceram no princípio do século XX e se
afirmaram no decurso dos anos 1960, junto com a formação dos Estados africanos
contemporâneos” (2008, p. 13). E foi nesse ínterim que várias correntes
historiográficas africanas se desenvolveram.

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Desse modo, no início do século XX tínhamos a corrente da inferioridade africana,


onde os africanos não tinham escrita, então não tinham história. Uma corrente
formada por antropólogos, linguistas, administradores, funcionários do governo
colonial ou militar que, durante muito tempo, tinham servido nas colônias e ali
adquirindo experiência e conhecimento. Que acreditavam em um difusionismo de
ideias e conhecimentos recebidas dos colonizadores por parte dos africanos: os
africanos “receberam” instituições, costumes e tecnologias de fora. Essa noção
estava tão difundida que:

não é incomum encontrarmos nos autores europeus ou norte


americanos desse período expressões como ‘povos sem História’,
‘povos selvagens’ ou ‘povos infantis’. Subjacente a esses lugares
comuns perpassa a habitual oposição entre o ‘selvagem’ e o
‘colonizador’, entre a ‘civilização’ e a ‘barbárie’, o continente africano
sendo encarado como um ‘fardo do homem branco’. (MACEDO, 2008,
p. 15).

Até que com as mudanças de contexto descritas acima, que na segunda metade do
século XX, novas tendências de uma historiografia africana se desenvolveram.

Entre 1960 e 1980, no processo de independência de várias ex-colônias europeias na


África, outra corrente emergiu que, por oposição à tendência anterior, também é
chamada de “corrente da superioridade africana”. Entre seus principais defensores,
temos nomes como Cheikh Anta Diop, Théophile Obenga, Aboubacry Moussa Lam e
Kapet De Bana.

Essa corrente defendia recuperar a História dos povos africanos e refletir sobre a
identidade do continente. Seus integrantes entendiam que era preciso identificar os
motores próprios de sua história e, em certos casos, inverter a posição de
subordinação até então preponderante, localizando na África a matriz civilizacional
de outros povos. Eles influenciaram estudos e também a articulação e o crescimento
dos movimentos negros nas Américas. O continente africano agora passava a ser
descrito enquanto:

um centro de irradiação civilizacional. Seus discípulos tiveram ativa


participação na redação da História Geral da África e na decifração
da escrita meroítica em 1974, atuando junto ao Institut Fondamental
de l’Afrique Noire (IFAN) da Universidade de Dakar, que, na atualidade,
recebe o nome de Universidade Cheikh Anta Diop de Dakar, em sua
homenagem. (MACEDO, 2008, p. 17).

Ao mesmo tempo, com o apoio de instituições internacionais, foram desenvolvidos


de periódicos permanentes e renomados, a grandes obras sobre a história africana:

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Em 1960, aparecia o mais respeitado periódico científico reservado aos


estudos de africanismo até a atualidade, o Journal of African History.
Em 1972, Joseph Ki-Zerbo escreveu uma consagrada síntese histórica
sobre o continente, a Histoire de l’Afrique Noire (História da África
negra), traduzida para diversas línguas e tida como um clássico da
historiografia africana. Data dos anos 1970-1980 a elaboração de duas
significativas obras de referência, a coleção inglesa The Cambridge
History of Africa, em 8 volumes, dirigida por Roland Oliver e John Fage,
e, sobretudo, a excepcional Histoire Générale de l’Afrique, em 8
volumes, produzida por um comitê de investigadores africanos e não-
africanos com o patrocínio da UNESCO – obra rigorosa e objetiva,
lastreada em pressupostos teórico-metodológicos sofisticados,
submetida ao exame crítico dos mais destacados africanistas.
(MACEDO, 2008. p. 18-19).

Na década de 1990, bordagens recentes se desenvolveram por meio de intelectuais


que se formaram no próprio continente africano. Eles buscaram um meio termo,
onde buscaram superar as mazelas do “eurocentrismo” e alguns exageros de um
“afrocentrismo”. Preocupados com o pluralismo, com a busca da especificidade, da
originalidade e diversidade das realidades históricas africanas, procuraram a
atualização das técnicas e dos métodos de pesquisa em torno da história da África.

Entre os destaques desse viés historiográfico está a obra de Elikia M’Bokolo, do


Centro de Estudos Africanos da École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris,
intitulada Afrique noire. Histoire et civilisations (África Negra. História e civilizações),
em que:

as datas e os eventos cedem lugar aos conceitos e na qual são


estabelecidas tipologias das formações estatais e sociais levando em
conta a variedade de povos e culturas, identificando as interferências
externas (muçulmanas, cristãs) e sua africanização. (MACEDO, 2008, p.
19).

A ênfase dessa corrente mais atual da historiografia africana não é em uma


“identidade africana”, que tornaria a África una. Pelo contrário, busca-se reconhecer
a diversidade africana e suas raízes, presente desde grandes a pequenas
organizações políticas e populacionais, bem como suas culturas. Contudo, é
importante observarmos que esse processo só foi possível porque se desenvolveu
uma historiografia africana sobre a África. Como pontuou Macedo:

Sua posição está bem formulada na máxima segundo a qual


‘enquanto os leões não tiverem seu historiador, as narrativas da
caçada glorificarão apenas o caçador’. (MACEDO, 2008, p. 25).

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Sendo assim, a história africana parte de uma história feita de fora, por colonizadores
e exploradores de seu território e, desse modo, com um discurso de superioridade e
imposição, para uma historiografia que buscou romper com isso. A princípio, ela
acabou também gerando generalizações na busca por unir os diferentes povos
africanos em torno de uma busca pela libertação, inclusive política, de seus
opressores. Mas a partir dela, uma história da África escrita por africanos passou a
existir e, a partir de então, buscar de fato formas de análise do papel de africanos e
do seu continente na história da humanidade.

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Os Povos Indígenas do
Brasil

AUTORIA
Karla Katherine de Souza Seule

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Que o Brasil é um país miscigenado é fato, mas essa miscigenação nem sempre fora
exaltada. Os encontros de nossas matrizes formadoras, indígenas, portugueses e
negros, não foram pacíficos. Muito pelo contrário: trata-se de uma história de
práticas violentas e escravidão. Isso legou um preconceito que gerou
desconhecimento a respeito de nossas heranças indígenas e africanas.

Nesta fase de nosso percurso, convido você a debruçar sobre a história dessas
populações, ou melhor, a conhecer quem eram e quem são os grupos indígenas que
fazem parte da construção do Brasil. Apesar de ser um caminho que traçaremos
rapidamente, ele servirá como pontapé inicial para possamos buscar reconhecer
nossas heranças indígenas. Vamos lá?

Primeiros Povoadores da Região


que Viria a ser o Brasil
Os primeiros habitantes do território que veio a se tornar o Brasil faziam parte de
grupos que não ocupavam apenas o território nacional atual, afinal, este foi formado
muito recentemente, quanto mais se compararmos em relação ao tempo em que os
primeiros seres humanos chegaram por aqui. Essas primeiras populações se
organizaram por aqui de forma variada, e é sobre elas que falaremos agora.

Essa não é uma tarefa fácil, pois estamos acostumados a estudar os povos indígenas
do Brasil sob o prisma do escrito de viajantes e colonos, que apresentavam um viés
generalizante, além de uma visão vinda de fora, pois o seu contato esteve mais
restrito a povos do litoral do que a populações do interior. E como esses povos não
possuíam escrita, durante muito tempo sua história ficou negligenciada a essas
fontes secundárias (viajantes e cronistas europeus). Mas as pesquisas coletadas por
arqueólogos e antropólogos nos permitem hoje estudar e conhecer mais a respeito
dessas populações chamadas pré-cabralinas.

Os primeiros seres humanos iniciaram sua chegada às Américas na fase final do


Pleistoceno: “período geológico que se estende entre 2.000.000 e 10.000 anos a.p.
(antes do presente), ao qual sucede o período atual, o Holoceno” (PROUS, 2012, p. 13).

A princípio, os pesquisadores acreditavam que eles teriam chegado aqui há cerca de


11.500 anos caminhando em uma geleira emersa que, em um período bem mais frio
do que o atual, permitiu que existisse uma ligação entre a Ásia e a região do Alasca
na América do Norte. Essas populações foram classificadas como pertencentes à
Cultura de Clóvis porque seus artefatos foram encontrados primeiro na região de
Clóvis, no Novo México (EUA).

No entanto, novas pesquisas demonstram que já havia habitantes humanos na


América antes desse período, entre 11.500 e 13.000 anos atrás, incluindo regiões
centrais do Brasil, pois seus vestígios foram encontrados em Lapa do Boquete (MG) e

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Santa Elina (MT). Desse modo, temos novas teorias que ganharam força, defendendo
a presença de culturas anteriores a de Clóvis, terem atravessado o Estreito de Bering.

Elas foram fortalecidas com o achado de Luzia, o crânio de uma mulher encontrado
em Lagoa Santa (MG). Ela contém em seus traços características muito mais
aproximados aos de populações de origem africana e australianas que ao de
populações asiáticas, que teriam chegado à América do Sul muito antes da cultura
de Clóvis.

SAIBA MAIS
Entre os cientistas que mais colaboraram para o fortalecimento dessa
segunda teoria está o biólogo, antropólogo e arqueólogo brasileiro
Walter Neves, responsável por batizar Luzia, nome escolhido em
referência ao australopiteco etíope Lucy, fóssil de humanoide mais
antigo já encontrado no mundo. Segundo ele, Luzia e várias outras
descobertas, como novos fósseis, objetos e artes rupestres descobertos
no Brasil e no Chile, representam um duro golpe na teoria clovista.

Mas o que sabemos a respeito desses grupos que iniciaram o povoamento da


América do Sul, mais precisamente na região que veio a ser o Brasil? Eles formavam
pequenos grupos, que encontraram as seguintes características territoriais:

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Entre 20.000 e 12.000 anos atrás, a linha de costa estava longe da


atual, e os sítios que poderiam documentar sua ocupação estão hoje
submersos. No interior, as temperaturas eram mais baixas cerca de 6°
– o que significa invernos rigorosos no sul do país e geadas nas terras
altas do sul de Minas Gerais, onde vicejavam florestas parecidas com
as do planalto paranaense, dominadas pelo pinheiro Araucária. Boa
parte do Brasil central e nordestino era mais seca que hoje, e os
cerrados ocupavam muito espaço, oferecendo pastos para manadas
de grandes herbívoros hoje extintos: preguiças terrestres gigantes,
com até 4m de comprimento, em Minas Gerais, e 6m, na Bahia;
mastodontes (espécie de elefantes), toxodontes (parecidos com
hipopótamos) nos brejos, e camelídeos (parecidos com grandes
lhamas) percorriam os espaços abertos sob o olhar atento dos últimos
tigres-dentes-de-sabre e de pequenos ursos. (PROUS, 2012, p. 16).

Nesse contexto, já desenvolviam algumas ferramentas líticas, movendo-se


constantemente e organizando suas atividades conforme o sexo e a faixa etária.
Foram desenvolvendo assim características culturais diferentes, que se expressam
por meio dos vestígios que deixaram:

Estes evidenciam uma razoável diferenciação dos grupos – quer


tenham evoluído separadamente, desenvolvendo aptidões e gostos
diferentes, quer mantivessem contatos, mas afirmassem sua
especificidade em relação aos “outros” por meio de idiossincrasias –
algumas delas arqueologicamente visíveis. (PROUS, 2012, p. 22).

Na faixa litorânea, temos populações construtoras dos sambaquis, que eram de


caçadores, pescadores e coletores, principalmente de mariscos, que transformavam
os recursos (águas, madeiras, rochas, etc.) de cada parte da região que habitavam,
conforme sua disponibilidade. Seus traços eram mais parecidos com os de
populações asiáticas.

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SAIBA MAIS
O que são sambaquis?

São enormes montanhas erguidas em baías, praias ou na foz de


grandes rios por povos que habitaram o litoral do Brasil na Pré-História.
Eles são formados principalmente por cascas de moluscos – a própria
origem tupi da palavra sambaqui significa “amontoado de conchas”.
Mas essas elevações também contêm ossos de mamíferos,
equipamentos primitivos de pesca e até objetos de arte, num
verdadeiro arquivo pré-histórico. Os arqueólogos calculam que existam
milhares de sambaquis espalhados pela costa do país. Os mais antigos
nasceram há cerca de 6 500 anos.

Figura 1 - Sambaqui Figueirinha I, de 18m de altura

Fonte: Wikipédia.

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No interior, na região Sul, encontramos pequenos bandos de caçadores e coletores


nômades, pertencentes a uma tradição chamada de Umbu. Já em matas ciliares,
objetos como picões, machados e cunhas, para trabalhar o solo, fazem parte de uma
Tradição Humaitá.

Figura 2 - Pontas de flechas da Tradição Umbu

Fonte: Wikipédia.

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Figura 3 - Instrumentos de pedra da tradição Humaitá

Fonte: Wikipédia.

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NA PRÁTICA
A origem do grupo Humaitá, também presente em Presidente Epitácio,
é incerta. Em sua tese de mestrado, Jean Cabrera pontua o
entendimento de que eles tenham mantido contato com povoações do
sul do Brasil e região fronteiriça, espalhando-se a partir dali e seguindo
ambientes florestais, na transição de um clima mais seco e frio para
outro quente e úmido. Suas ocupações predominantes são também a
céu aberto e em trechos mais altos, como topos de morros, e sempre
próximos a rios ou córregos. Neste aspecto, os Humaitás se diferenciam
um pouco dos Umbus (que preferiam áreas de campo), privilegiando
regiões de florestas. Isto não significa que não tenham coabitado os
mesmos ambientes, como prova o Sítio Arqueológico Lagoa São Paulo
2.

Há cerca de 2 mil anos, populações ceramistas, denominadas Taquara ou Itararé,


começaram a se desenvolver no interior do sul e a construir casas subterrâneas para
se proteger do frio. Posteriormente, essas técnicas foram levadas, ao que tudo indica,
para a região do interior setentrional do Brasil. (PROUS, 2012).

REFLITA
As evidências arqueológicas colocam a Tradição Itararé-Taquara como
portadora de uma das primeiras ocorrências de cerâmica no Brasil
meridional.

Fonte: ARAUJO, 2007

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Na região pantaneira, segundo Prous (2012), foi preciso uma adaptabilidade das
populações que para lá se direcionavam, para lidar com os períodos de alternação
entre enchentes e emersão dos campos:

Nessas condições, as populações tinham de se limitar à ocupação das


terras altas marginais, ou inventar um meio de se precaver contra as
mudanças do nível das águas. Isso foi feito edificando-se aterros nas
zonas inundáveis, mas onde a profundidade da água nunca
ultrapassa 1 ou 1,5m. Esses aterros, alinhados ao longo dos rios e
canais, ou formando anéis ao redor das lagoas, medem entre 20 e
100m de comprimento, não ultrapassando 3m de altura. Foram
construídos com a terra arenosa retirada da periferia, cavando-se
assim um canal marginal que facilitava a drenagem. A primeira
camada de areia era estabilizada com um leito de conchas de
moluscos. Sucessivas capas de matéria orgânica, detritos domésticos
misturados com areia, elevavam progressivamente o conjunto.
(PROUS, 2012, p. 42).

Adaptações que ocorreram de modo gradual a partir de 4 mil anos atrás e deram
lugar a habitações mais constantes há cerca de 2 mil anos.

No interior central e do nordeste brasileiro, ocupações tiveram início cerca de 9 mil


anos atrás, por populações de caçadores e coletores, de uma cultura que ficou
conhecida como Itaparica:

Sabiam fabricar ocasionalmente – ou obtinham por troca – artefatos


plano-convexos retocados numa única face para trabalhar a madeira
e belas pontas de projétil retocadas bifacialmente. Esses objetos, bem
como os detritos provenientes de sua fabricação, aparecem
discretamente no meio dos milhares de lascas simples utilizadas como
facas. (PROUS, 2012, p. 48).

E ao que as cenas em pinturas rupestres indicam, eram populações que guerreavam


entre si, provavelmente marcadas por traços rituais, artísticos e artesanais próprios.
Sendo que entre elas, há cerca de 4 mil anos começaram a surgir os primeiros
indícios de horticultura e da produção de cerâmica.

A partir de então, outras culturas foram sendo desenvolvidas ao longo do território,


seja pelos contatos que essas populações desenvolviam com o meio em que se
encontravam, ou umas com as outras, ou ainda devido à chegada de novas ondas
migratórias exteriores. Isso implicou tanto “choques quanto trocas, alianças e
sincretismos” (PROUS, 2012, p. 71).

Foi a partir dessas relações que se organizaram os diferentes povos indígenas que,
com suas singularidades e/ou semelhanças compuseram e muitos ainda compõem
os territórios do nosso país. Convido você a adentrarmos o período da chegada dos

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portugueses aqui para verificarmos como estavam organizados esses povos e que
tipo de tiveram com o invasor externo.

Os Indígenas Quando da Chegada


dos Portugueses
Quando os portugueses chegaram por aqui, o território era habitado por várias
populações indígenas. Elas disputavam melhores territórios e se dividiam em
diferentes grupos ou grandes troncos lingüísticos, como o tupi-guarani.

De acordo com o etnólogo Curt Nimuendaju, existiam cerca de 1400 povos


indígenas espalhados ao longo do território que compõe o Brasil atual, divididos de
acordo com suas características etno-linguísticas. Entre os povos de grandes famílias
linguísticas, encontravam-se os tupi-guarani, jê, karib, aruák, xiriana e tucano,
dispersos geograficamente e com organizações sociais variadas. (FREIRE; OLIVEIRA;
2006).

Os tupis-guaranis estavam espalhados por quase toda a costa:

Os tupis, também denominados tupinambás, dominavam a faixa


litorânea Norte até Cananéia, sul do atual Estado de São Paulo; os
guaranis localizavam-se na bacia Paraná-Paraguai e no trecho do
litoral entre Cananéia e o extremo sul do que viria a ser o Brasil.
(FAUSTO, 1995, p. 37).

Enquanto isso, outros povos habitavam da costa a demais partes do interior:

Em alguns pontos do litoral, a presença tupi-guarani era interrompida


por outros grupos, como os goitacases na foz do Rio Paraíba, pelos
aimorés no sul da Bahia e no norte do Espírito Santo, pelos tremembés
na faixa entre o Ceará e o Maranhão. (FAUSTO, 1995, p. 37).

Sendo que esses demais povos eram designados pelos tupis como "tapuias" (povos
de outras línguas).

Quanto à dispersão tupi, por boa parte do território brasileiro, várias hipóteses são
levantadas:

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Arqueólogos como Francisco Noelli defendem o modelo desenvolvido


por Donald Lathrap e José Brochado, no qual as rotas de expansão
estiveram vinculadas a um centro de origem localizado na “região
junto à confluência do Madeira com o Amazonas” (Noelli, 1996:31).
Segundo este modelo, a expansão dos Tupinambá se deu do Baixo
Amazonas ao litoral nordestino, chegando até São Paulo, enquanto os
Guarani seguiriam para o sul até a foz do rio da Prata. Os povos Tupi
eram encontrados em toda a costa e no vale amazônico, onde
dividiam o território com grupos da família aruák (nos rios Negro e
Madeira) e Karib (nas Guianas e no Baixo Amazonas). (FREIRE;
OLIVEIRA; 2006, p. 21).

Entre esses diversos povos, os tupis se destacaram por serem considerados bons
guerreiros, e assim conquistaram imensas áreas no litoral e na região de grandes
rios:

Cada núcleo tupi vivia em guerra permanente contra as demais tribos


alojadas em sua área de expansão e, até mesmo, contra seus vizinhos
da mesma matriz cultural. No primeiro caso, os conflitos eram
causados por disputas pelos sítios mais apropriados à lavoura, à caça
e à pesca. (RIBEIRO, 1995, p. 34).

Nesse contexto, os portugueses chegaram por aqui e começaram a manter contato


a partir de 1500. Foi com os tupis que os portugueses fizeram os primeiros contatos
e a partir de então, passaram a chamar, também de forma genérica, todo inimigo
índio de “tapuia” ou “tapuio”.

Em geral, nos seus relatos os portugueses diferenciavam os indígenas de acordo


com as relações que mantinham com eles. Os grupos que resistiam menos
recebiam qualidades positivas, enquanto os mais resistentes e hostis, qualidades
negativas. Entre os exemplos nesse sentido, temos o caso dos aimorés:

os aimorés, que se destacaram pela eficiência militar e pela rebeldia,


[e por isso] foram sempre apresentados de forma desfavorável. De
acordo com os mesmos relatos, em geral, os índios viviam em casas,
mas os aimorés viviam como animais da floresta. Os tupinambás
comiam os inimigos por vingança; os aimorés, porque apreciavam
carne humana. Quando a Coroa publicou a primeira lei que proibia a
escravização dos índios (1570), só os aimorés foram especificamente
excluídos da proibição. (FAUSTO, 1995, p. 38).

Essas simplificações identitárias construídas pelos portugueses a respeito dos povos


indígenas do Brasil acabaram ocultando informações sobre quem de fato esses
povos eram. Foram responsáveis por ocultar a existência não só dessa diversidade de

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16/01/2023 15:10 Os Povos Indígenas do Brasil

povos indígenas, como também de alianças intertribais, arranjos e rearranjos entre


diferentes tribos, que muitos de nós não conhecemos, mas existiram inclusive como
forma de resistência ao invasor europeu.

Desse modo, conhecer quem são os remanescentes dessas populações, como se


organizaram e ainda se organizam hoje nos permite quebrar essas generalizações.
Esse é o primeiro passo para compreender o papel delas em nossa formação
enquanto povo e vençamos preconceitos baseados na ignorância.

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16/01/2023 15:11 Questão Indígena no Brasil Colonial

Questão Indígena no Brasil


Colonial

AUTORIA
Karla Katherine de Souza Seule

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16/01/2023 15:11 Questão Indígena no Brasil Colonial

Darcy Ribeiro (1995, p. 19) classificou a nossa formação como um “entrechoque” entre
o colonizador, os africanos trazidos para cá – à força, para servir de mão de obra
escrava –, e os povos indígenas que aqui viviam e eram numerosos e muitas vezes
rivais entre si. Para compreender, então, como resultou a formação histórico-cultural
do Brasil, é preciso voltar até suas raízes coloniais.

E aí chegamos ao ponto alvo de nossa discussão aqui: como se manteve as relações


aqui estabelecidas entre portugueses e indígenas nesse contexto? É, portanto, nas
raízes mais profundas desses entrechoques que convido você a me acompanhar nas
discussões que realizaremos a partir de agora.

O Primeiro “encontro” entre


Indígenas e Portugueses
O litoral brasileiro foi ao longo de milênios ocupado por inúmeros povos indígenas.
Esses povos disputavam territórios e iam se estabelecendo onde era permitido
melhor sobreviver. Contudo, a partir de 1500, a chegada de um novo personagem -
o português - fez com que os rumos da história desses povos fossem alterados.

Figura 1 - Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500

Fonte: Wikipédia.

O primeiro impacto, de acordo com os relatos, foi um misto de curiosidade e


simpatia, entre ambas as partes:

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inocência, curiosidade, boa índole. As mulheres, pela privação deles, e


pela nudez delas, “bem moças e bem gentis”, diz Pero Vaz, “mui
fermosas, que nam ham nenhuma inveja às da rua Nova de Lixbôa”
virá a dizer Pero Lopes, alguns anos mais tarde. (Diário da Navegação,
ed. de Eugênio de Castro, Rio, 1927, p. 154). Também elas se agradaram
dos Europeus: o romance exótico da colonização vai começar.
“Iracema” será um símbolo. (PEIXOTO, 2008, p. 51).

Desse primeiro encontro, ao que tudo indica ainda amistosos, temos o nascimento
dos primeiros “brasilíndios” dos quais Darcy Ribeiro (1995) nos fala em O povo
brasileiro. A carta de Caminha, que inaugura as impressões dos portugueses a
respeito dos indígenas, de acordo com Peixoto (2008), expressa a princípio uma
imagem de “pureza” dos indígenas, ao mesmo tempo em que denota esse
interesse, principalmente dos portugueses pelas índias, dos quais nasceriam os
primeiros descendentes dessa mistura.

SAIBA MAIS
A Carta de Pero Vaz de Caminha enviada ao rei D. Manuel sobre a
descoberta do Brasil, é o documento no qual Pero Vaz de Caminha
registrou as suas impressões sobre a terra que depois viria a ser
chamada de Brasil. Esta carta é o primeiro documento escrito da
história do Brasil.

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Figura 2 - Carta de Pero Vaz de Caminha

Fonte: Wikipédia.

Já para os indígenas, a chegada dos europeus foi vista com muito espanto, tanto
que na busca por entendê-la, recorreram inclusive às suas crenças:

Seriam gente de seu deus sol, o criador ‐ Maíra ‐, que vinha


milagrosamente sobre as ondas do mar grosso. Não havia como
interpretar seus desígnios, tanto podiam ser ferozes como pacíficos,
espoliadores ou doadores. (RIBEIRO, 1995, p. 42).

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Mas aqueles seres “feios, fétidos e infectos” (RIBEIRO, 1995, p. 42) causavam também
a curiosidade sobre os seus adornos, algo que fora utilizado por parte deles no
escambo com os índios em troca do pau-brasil de suas terras.

Mas, aos poucos, suas concepções de mundo totalmente opostas começaram a se


chocar:

Pouco mais tarde, essa visão idílica se dissipa. Nos anos seguintes, se
anula e reverte‐se no seu contrário: os índios começam a ver a
hecatombe que caíra sobre eles (RIBEIRO, 1995, p. 43).

Há uma dificuldade em obter números precisos sobre quantos indígenas habitavam


o Brasil em 1500, pois as nossas fontes são aquelas produzidas pelos colonizadores e
nem sempre elas são precisas. Mas acredita-se que os números variavam de
1.500.000 a 5.000.000 (FREIRE; OLIVEIRA; 2006, p. 23). Os números são incompletos,
pois os seus autores justamente se depararam com o rápido extermínio dos
indígenas por doenças trazidas pelo europeu, como a varíola, o sarampo e a
tuberculose, a "hecatombe" dita por Ribeiro (1995).

Figura 3 - Índios tupinambá, gravura do século XVI

Fonte: Wikipédia.

Trata-se dos primeiros conflitos, a princípio bióticos, cuja arma mortal que dizimou
muitos indígenas foram as doenças trazidas pelos portugueses das quais eles nunca
haviam tido contato e para as quais não possuíam defesas.

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Depois, começaram os conflitos ecológicos, com as transformações ambientais, fruto


da exploração portuguesa. Em seguida, os choques das diferenças de concepções
econômicas e sociais que indígenas e portugueses queriam imprimir no mundo que
os cercava, fora inevitável. Essas situações foram agravadas conforme a colonização
portuguesa se organizava e avançava sobre o território americano que antes
pertencia aos povos indígenas. Sobre isso é o que nos debruçaremos a partir de
agora.

A Colonização Sistematizada e a
Situação Indígena no Contexto
Colonial
Se a princípio os portugueses procuraram se aproximar dos índios por meio do
escambo, "trocando mercadorias e quinquilharias por uma madeira corante
valorizada na Europa, o pau-brasil”, a partir de 1530, chegariam os novos capitães
donatários e procurariam iniciar uma colonização mais efetiva do território
americano que estavam dispostos a conquistar e onde, aos poucos se procurou
utilizar o índio antes aliado, agora como mão de obra “nas construções dos prédios,
igrejas e vilas, assim como nos engenhos de açúcar” (FREIRE; OLIVEIRA; 2006, p. 38-
39). Os conflitos entre portugueses e indígenas então iriam aumentar e exigiriam
por parte dos invasores, um esforço contínuo de acordo com Ribeiro (1995) para
implementar os seus objetivos.

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Figura 4 - Detalhe do mapa Terra Brasilis, de 1519, o pau-brasil representado ao


longo da costa da Mata Atlântica.

Fonte: Wikipédia.

As rivalidades entre os povos nativos impedia uma aliança sólida contra os invasores.
Mas isso não significa que ela não existiu:

Na história desse contato, as iniciativas de inúmeras lideranças indígenas em defesa


dos interesses de seus povos foram registradas em Theodore de Bry. Epidemia mata
índios Tupinambá documentos oficiais e relatos de cronistas, como a aliança
Tupinambá de Cunhambebe e Aimberê contra os Temiminó de Araribóia na guerra
dos Tamoios (ALMEIDA, 2003), a guerra dos Potiguara comandados pelo chefe
Tejucupapo contra os portugueses (MOONEN & MAIA, 1992) e, anos mais tarde, os
mesmos Potiguara, comandados por Antonio Felipe Camarão, aliando-se agora aos
portugueses para expulsar os holandeses do Brasil (MONTEIRO, 2001). (FREIRE;
OLIVEIRA; 2006, p. 51-52).

De acordo com Freire e Oliveira (2006), ela teve destaque em três momentos
importantes de nossa história colonial:

1º) a guerra dos bárbaros;

2º) a revolta dos índios Manao, chefiados por Ajuricaba; e

3º) os jesuítas e os trinta povos das missões.

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O primeiro caso ocorreu quando da expansão da pecuária no século XVII pela região
do semiárido nordestino e, com ela, o acirramento dos conflitos entre os colonos e
índios que ali habitavam: Tarairiú, Janduí, Ariú, Icó, Payayá, Paiacu. Estes, tidos como
bárbaros, eram todos identificados de forma generalizante enquanto "Tapuios" e
habitavam a região que compreendia desde o centro-oeste da Bahia, até o Ceará.
Durante esse conflito, as resistências indígenas à colonização existiram e foram
complexas porque envolveram várias articulações entre diversas populações, além
de “reelaborações socioculturais”. Isso aconteceu por meio da articulação que
permitiu a associação de diversos povos contra os portugueses.

NA PRÁTICA
A palavra “tapuia” não designa uma etnia indígena, mas várias delas. Na
época da colonização do Brasil, os índios que não eram tupis foram
agrupados sob essa denominação. Assim, estão classificados como
tapuias os indígenas dos grupos linguísticos macro-jê, caribe e aruaque,
entre outros.

O segundo momento exponencial de resistência indígena, a revolta dos Manao,


ocorreu no início do século XVIII. Tal conflito ocorreu quando os portugueses
avançaram sobre o vale do rio Negro na região amazônica e em sua disputa pelas
"drogas do sertão", aproveitaram-se da existência de grandes populações indígenas
na região para empregá-las como mão de obra na colheita desses produtos. Os
portugueses visavam com isso expandir suas conquistas territoriais e ampliar o
comércio de escravos indígenas.

Contudo, em meio às trocas de índios cativos com a etnia Manao, um povo guerreiro
que dominava a região, os portugueses e seu líder tiveram um conflito e ele então
foi assassinado. A situação levou os Manao a buscar vingança, liderados por
Ajuricaba, o que resultou em uma guerra sangrenta que teve início no ano de 1723:

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Aprisionado com centenas de outros índios Manao, Ajuricaba rebelou-


se a caminho da prisão em Belém, morrendo afogado ao se atirar no
rio Negro para escapar dos portugueses. Ajuricaba tornou-se um mito
da Amazônia, presente ainda hoje na memória do povo. (FREIRE;
OLIVEIRA; 2006, p. 56-57).

Essa guerra significou a derrota dos Manao e o extermínio desse povo, mas não
deixou de ser um exemplo de forte resistência e impactos na colonização
portuguesa.

Quanto ao terceiro momento importante da resistência indígena que destacamos


aqui, está o conflito que envolveu os jesuítas, na região dos Sete Povos das Missões.
As missões jesuíticas, ao levar a fé católica ao indígena, também implantavam entre
os catequizados um ideal de civilização, o europeu. Com isso, o índio quando
aldeado ficava mais “civilizado” e por isso, era alvo do "apresamento" dos colonos
liderados pelos bandeirantes, para ser capturados e utilizados como mão de obra
escrava. E, nesse contexto, região oeste do atual Paraná, em suas reduções no Guairá,
estabelecidas ali desde 1610:

além de garantirem a navegação e o comércio pela bacia do rio da


Prata e aldearem índios até então hostis ao projeto colonial espanhol,
também permitiram inicialmente o bloqueio de expedições e de
bandeiras paulistas voltadas à preação indígena. (FREIRE; OLIVEIRA;
2006, p. 58).

Elas foram atacadas e muitos indígenas mortos, ou aprisionados, embora, os


bandeirantes tenham sido derrotados na batalha de Mbororé.

Contudo, a partir daí, muitos jesuítas partiram para a região interiorana do Rio
Grande do Sul, onde montaram as reduções dos Sete Povos das Missões. Mas nesse
ínterim, mais precisamente no ano de 1750, portugueses e espanhóis realizaram o
Tratado de Madrid, um acordo que buscava por fim às disputas entre esses países,
por territórios que dividiam suas áreas coloniais aqui na América do Sul. E de acordo
com esse tratado, a região dos Sete Povos das Missões – São Miguel, Santo Ângelo,
São Lourenço Mártir, São Nicolas, São João Batista, São Luiz Gonzaga e São Francisco
de Borja –, localizadas no Rio Grande do Sul, passava a ser pertencente ao território
português e alvo mais fácil dos bandeirantes.

A princípio, os jesuítas deveriam retirar os indígenas dali para o território espanhol,


mas a batalha inicial que os padres enfrentaram foi a de convencer os Guarani a se
retirarem de seu território, pois:

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Poucos povos tentaram seguir os jesuítas. A maioria dos Guarani


missioneiros revoltou-se quando soube do envolvimento da Coroa
espanhola no esbulho de suas terras. Os padres caíram em descrédito,
perdendo autoridade junto aos índios que passaram a se organizar
militarmente para enfrentar portugueses e espanhóis. (FREIRE;
OLIVEIRA; 2006, p. 59-60).

Assim, tiveram início as guerras guaraníticas, com duração de cinco anos:

até que as forças guarani, chefiadas pelo capitão Sepé Tiaraju, índio
da redução de São Miguel, enfrentaram os exércitos castelhanos e
portugueses em fevereiro de 1756. Sepé Tiaraju foi morto alguns dias
antes da batalha no passo de Caiboaté, onde mais de 1.500 índios
missioneiros foram massacrados (HOLANDA, 1970). A resistência
indígena cessou poucos meses após essa batalha. (FREIRE; OLIVEIRA;
2006, p. 59-60).

Figura 5 - Remanescentes e ruínas da Igreja de São Miguel

Fonte: Wikipédia.

Esse e os outros conflitos demonstram a existência de forte resistência por parte dos
indígenas no território brasileiro. Aos portugueses não coube só controlar os
"subversivos" e reprimir os conflitos. Eles necessitavam do índio, pois a este já

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pertencia e conhecia o território. Além disso, eles os utilizaram para as necessidades


de trabalho, assim como para as guerras, pois se aliavam a grupos indígenas
inimigos dos grupos que queria combater.

Também foram os índios que lhes auxiliaram a desbravar e conquistar os territórios


mata adentro, e ainda, foi principalmente a mulher indígena em um primeiro
momento de colonização, com quem o português iniciou suas primeiras famílias na
colônia. (FREYRE, 2003).

O cunhadismo, uma prática indígena muito utilizada pelos portugueses, que


consistia em entregar uma moça da tribo como esposa a um “estranho” ou
estrangeiro, integrando-o aos demais, como uma espécie de parente, incorporou ao
meio indígena, muitos portugueses aportados no Brasil. Essa foi uma forma eficaz
nos primeiros tempos da colonização de recrutar mão de obra para trabalhos
pesados, como cortar pau brasil. (RIBEIRO, 1995). Além disso, por meio dessa prática
surgiu a numerosa população mestiça do país, e o português pôde então iniciar sua
colonização.

A resistência indígena, sobretudo a sua escravização, foi uma constante. E muito


embora a mão de obra africana tenha desde o século XVI, sido integrada no projeto
colonial português, a escravização do índio não foi interrompida logo e em todas as
partes da colônia. Tanto, que entre os conflitos que mencionamos acima, que
ocorreram até o século XVIII, o principal motivo foram situações envolvendo a
escravidão de índios. Mas seguida a essas tentativas de “prear” índios, por parte da
ação bandeirante, muitos indígenas se revoltaram e até se uniram em prol de causas
em comum.

Essas situações são parte integrante do processo de colonização que levou ao


contato entre os portugueses e diferentes povos indígenas que resultaram na
formação do Brasil. Eles não foram contatos apenas amigáveis, ao contrário, de um
modo geral foram sangrentos e violentos e como a versão da história, voltada para
contar a versão dos conquistadores, essas situações levaram a uma noção
equivocada de passividade por parte do indígena, como se este tivesse perdido seu
local em nossa sociedade e não tivesse tido papel importante na sua gênese e
destinos. Portanto, observar esses pontos é essencial para recuperarmos a nossa
história e o papel também de protagonistas, dos povos indígenas na formação do
país.

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Questão Indígena no
Império e República

AUTORIA
Karla Katherine de Souza Seule

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O período que pretendemos abordar aqui abarca a formação direta do Estado


nacional brasileiro, já que foi ao longo do século XIX que o Brasil passou de sede do
império português, com a transferência da família real de Portugal para cá em 1808,
para um país independente em 1822, até deixar sua condição imperial e se tornar
uma República em 1889. Mas e os primeiros habitantes desse território que veio a ser
o Brasil, no contexto em questão?

É sobre isso que iremos tratar a partir de agora. Por isso, convido você a olhar as
políticas que abordaram a questão indígena ao longo do período imperial e a seguir
republicano, para verificarmos como as populações indígenas foram e estão sendo
aqui tratadas e assim, compreendermos quais percursos a ela foram dados e
também traçados ao longo dessas fases de nossa história. Vamos lá?

Os Indígenas no Período Imperial


A participação dos indígenas na construção política do Brasil ao longo do século XIX
ainda é pouco discutida pela historiografia, embora esse cenário esteja caminhando
para mudanças, por meio de trabalhos que abordam tal situação. Estes vêm
demonstrando que a questão indígena esteve presente nas discussões políticas do
período, que traziam novas situações e, portanto, discutiam-se novas formas de ação
do Estado para com essas populações.

Desde a segunda metade do século XVIII, havia sido promulgado o Diretório dos
Índios, no ano de 1757, pelo Marquês de Pombal. Esse documento colocava sob a
“tutela” do governo português as aldeias indígenas. Funcionava como uma lei que
decretava a partir de então que cada aldeia indígena deveria ser “administrada” por
um diretor. Por meio dele, a fiscalização da população deveria ser implantada, pois
tal decreto impunha desde a utilização da língua portuguesa, com a proibição do
uso da língua geral, até a construção de casas e organização das famílias, além da
adesão de nomes e sobrenomes de acordo com padrões e critérios portugueses.

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SAIBA MAIS
Publicado em 1758, o Diretório dos Índios foi uma lei caracterizada por
uma série de diretrizes a serem seguidas nas colônias portuguesas.
Propunha a normatização de diversas práticas coloniais, estabelecendo
critérios educacionais, administração da força de trabalho e relações
entre indígenas e colonos. Ao mesmo tempo em que regulava a
liberdade das populações indígenas institucionalizava seu trabalho
forçado. Sob sua vigência, até os anos 1798, várias unidades coloniais
foram criadas a partir das antigas aldeias missionárias. O objetivo era
levar as populações indígenas a realizar a transição para a vida civil,
produzindo gêneros voltados ao comércio. O Diretório aliava projetos
políticos, econômicos e sociais baseados no pensamento ilustrado, de
modo a renovar o processo de assimilação e integração das populações
indígenas à sociedade colonial.

Essa legislação esteve vigente até 1798, contudo, os efeitos de uma política de
assimilação para com os índios, do modo de vida brancos, ainda permaneceram
após sua extinção. Mas com sua revogação, abriram-se espaços para novas
discussões, porém permeadas por antigos dilemas:

Nos anos iniciais do Império, houve muitas indefinições no que tange


às leis sobre terras, escravos, colonização e índios. Tudo o que
concernia sobre a ocupação territorial do interior e sua exploração
econômica, passava obrigatoriamente pela resolução do problema
indígena, fosse quanto à ocupação das terras ou o tipo de modelo de
trabalho a ser empregado. Diversos projetos tentaram sem sucesso
solucionar questões relacionadas a tais temas, entretanto, quando
uma proposta era apresentada isoladamente, inviabilizava-se ao não
resolver também um problema correlato. (DORNELLES, 2017, p. 22).

Enquanto isso, na prática, a “violência foi uma marca das relações com as
populações indígenas: fosse pela expropriação de terras e trabalho (remunerado ou
escravo) ou pela perseguição propriamente dita” (DONERNELLES, 2017, p. 23).
Devemos observar que essa situação estava inserida em um momento de nossa

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história onde a colonização havia se concentrado no litoral e alguns centros no


interior. A grande maioria das terras internas do Brasil ainda era um sertão
inexplorado. E conforme a ocupação avançava, os indígenas eram cada vez mais
empurrados.

Em 1808, as chamadas Cartas Régias, promulgadas pelo governo português


sediado no Brasil, no que se refere à questão indígena, decretou guerra justa aos
botocudos e posteriormente aos kaingangs, principalmente na região de São Paulo.
Enquanto isso, aqueles já há muito tempo aldeados, buscavam legitimar sua
situação na própria legislação que lhe assegurava o direito a terras comunais,
embora combatendo a política assimilacionista que pretendia exterminá-los, lhes
misturando a sociedade. Isso causava o embate entre indígenas a legislação
nacional que começou a ser discutida e implantada após a independência de 7 de
setembro de 1822:

Após a Independência, o novo Estado imperial brasileiro viu-se diante


do desafio de criar a nação e o povo brasileiro, até então, inexistentes.
Era necessário criar no país uma unidade territorial, política e
ideológica, gerando uma memória coletiva que unificasse as
populações em torno de uma única identidade. A pluralidade étnica e
cultural tão valorizada em nossos dias não tinha lugar nessa época, e
a ideologia do novo Estado brasileiro baseava-se nos valores europeus
de modernização, progresso e superioridade do homem branco.
(ALMEIDA, 2012, p. 27).

Nesse contexto, buscou-se “homogeneizar” a população em “torno de identidades e


histórias comuns”. Mas tal união nacional ficou restrita ao discurso. Um discurso que
acabava mascarando as diferenças. E integrou nesse discurso, o uso da imagem do
índio como um símbolo nacional:

Foi a imagem idealizada do índio que permitiu, no plano ideológico,


transformá-lo em símbolo nacional. Essa imagem pouco teria a ver
com os reais habitantes dos sertões e das aldeias do Império.
Discursos e obras políticas, literárias, históricas, científicas e artísticas
desse período caracterizaram-se pela idealização dos índios do
passado, enquanto ignoravam ou demonizavam os grupos ou
indivíduos indígenas ainda muito presentes no território brasileiro.
(ALMEIDA, 2012, p. 27).

Enquanto isso, na vida real, os povos indígenas nos sertões continuavam sua busca
por lutar contra as situações que lhes eram impostas e eram vistos como inimigos
da nação.

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Figura 1 - Combate entre milícias e indígenas

Fonte: Wikipédia.

Por conta disso, o governo procurava por outro lado decidir quais medidas tomar
diante dessa resistência. Mas, de um modo geral, a política indigenista do império
ficou caracterizada:

pela descentralização, e os índios, ainda divididos nas categorias de


mansos e bravos, tinham, de acordo com Carneiro da Cunha, a
possibilidade de escolher entre a ‘civilização’ e o ‘extermínio’, ou seja,
entre uma submissão branda e uma violenta. (ALMEIDA, 2012, p. 29).

No que se refere à legislação, as discussões estiveram centradas na questão da terra.


Tivemos promulgado o Regulamento das Missões de 1845, que protegia o direito do
índio nas aldeias de usufruir de terras comunais, mas mantinha a política
assimilacionista. Também foi instituído, com a Lei de Terras de 1850, o direito de usar
terras designadas pelo governo, contudo, tais leis resgatavam aspectos da política do
Diretório dos Índios, pois:

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(...) incentivavam a proposta assimilacionista e continuavam


garantindo o direito dos índios às terras coletivas enquanto eles não
atingissem o chamado estado de civilização. Isso dava aos índios das
aldeias possibilidades de continuarem reivindicando, por intermédio
da lei, os direitos que lhes haviam sido garantidos. Essas
reivindicações, deve-se lembrar, baseavam-se na afirmação da
identidade indígena. Ser ou não ser considerado índio implicava, como
visto, ganhar ou perder direitos, sobretudo à terra coletiva, razão pela
qual as controvérsias e disputas em torno das classificações étnicas
iriam se tornar muito mais acentuadas ao longo do século XIX.
(ALMEIDA, 2012, p. 30).

Desse modo, o Regulamento de 1845 decretava o usufruto dos índios da terra das
aldeias, mas não sua posse efetiva e, junto dele, o regulamento que vigorou a partir
de 1854, estabeleceu que esse usufruto fosse temporário, perdurando até atingirem
o estado de “civilizados”. Daí o interesse do Estado em saber da situação dessas
aldeias, para que pudesse dar fim a elas, passando os assuntos indígenas a ser parte
de um gabinete ministerial a partir do ano de 1861, que obedecia a essa tendência.

A Lei de Terras de 1850 dava direito à posse da terra somente para quem pudesse
pagar por ela. Desse modo, ela excluiu como pontuou Silva (2017), os pequenos
agricultores e as aldeias indígenas. Somando isso, ao fato de a política indigenista
ficar sob a alçada do Ministério da Agricultura, as consequências seria a extinção de
diversas aldeias e a dispersão da população indígena, enquanto os demais ficavam
em condições de posseiros de suas próprias terras. Essa conjuntura marcou o
período imperial enquanto um momento de “afirmação do poder dos grandes
senhores, do latifúndio, pela manutenção da servidão e da escravatura” (SILVA, 2017,
p. 188).

Esses foram aspectos que marcaram as políticas que se referiam aos indígenas ao
longo do período imperial. Elas estiveram em meio a tentativas de romper com o
passado colonial e a formação de uma unidade nacional, mas não deixaram de
enfrentar um embate com os povos que buscaram na luta por manter suas
identidades, assegurar os seus direitos. Essas situações não foram resolvidas e
seguiram posteriormente. Verificaremos agora o decorrer dessa história após a
proclamação da República.

A Questão Indígena no Período


Republicano
As populações indígenas, desde o período colonial e mesmo com a independência,
eram vistas em seu modo de vida, como incompatíveis com o Estado brasileiro que
se queria implantar. Com a proclamação da República feita sob um movimento

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liderado por uma elite agroexportadora, que visava medidas governamentais


pautadas em seus interesses, as ações sobre as populações indígenas vão ser vistas
sob este prisma.

O governo republicano começou seus trabalhos nesse sentido, já em seus primeiros


dias:

lança um decreto em 20 de novembro de 1889 que visava repassar a


responsabilidade pelas questões indígenas da União para os estados,
ou seja, as antigas províncias. O governo republicano também criou o
Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio que tinha
como um de seus objetivos, auxiliar as questões indígenas. Já em 1910,
sob o governo do presidente Nilo Peçanha, é criado o Serviço de
Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais
(SPILTN) que passou a cuidar das questões indígenas no Brasil.
(PRESTES; BUSOLLINI; INVERNIZZI; LAROQUE; 2017, s/p).

Esse órgão tinha como intuito transformar as populações indígenas em agricultores


sedentários que não necessitariam mais de extensos territórios, que serviriam a
agricultura em expansão.

Em 1918, o SPILTN passou a ser apenas o Serviço de Proteção ao Índio (SPI),


inicialmente vinculado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. A partir de
então, sob a liderança do Marechal Cândido Rondon:

o SPI buscava “pacificar” as populações indígenas sem o uso da


violência, assegurando seus costumes, sua alimentação e seu modo
de vida. O SPI, segundo Marcon e Maciel (1994), também buscava
garantir a proteção dos territórios originais e a proibição de realocar
grupos indígenas a áreas onde eles não pudessem reproduzir seus
meios de vida. (PRESTES; BUSOLLINI; INVERNIZZI; LAROQUE; 2017, s/p).

Nesse contexto, os antigos aldeamentos indígenas passaram a ser denominados de


Postos Indígenas, recuando cada vez mais entre as décadas de 1930 e 1940. A partir
de 1950, as políticas do SPI voltaram-se para a modernização sem levar em
consideração as demandas indígenas. Pois, ao “fixar o homem à terra”, o Estado
extirparia as raízes do nomadismo, convertendo os índios a um novo modelo de
sociedade e trabalho e explorando os recursos do sertão por meio de uma marcha
para o oeste empreendida desde o Estado Novo de Vargas (GARFIELD, 2000, p. 15).

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SAIBA MAIS
A “Marcha para o Oeste” foi um projeto desenvolvido por Getúlio Vargas
durante a ditadura do Estado Novo com o objetivo de promover o
desenvolvimento populacional e a integração econômica das regiões
Norte e Centro-Oeste do Brasil. O projeto promoveu a criação de
pequenos núcleos de colonização.

Figura 2 - Cartaz da década de 1930 incentivando a população brasileira a se


mudar para a recém-fundada capital do estado de Goiás, Goiânia.

Fonte: Wikipédia.

A primeira Constituição brasileira que tocou na questão indígena foi a de 1934. Nesse
documento, a posse das terras indígenas era assegurada, mas permaneciam sob a
gestão do Estado. As Constituições seguintes, de 1937 e de 1946, não inovaram. Até
que em 1967 assegurou-se posse permanente da terra aos indígenas e o seu

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usufruto dos recursos naturais nelas existentes. Contudo, com o Regime Militar
instaurado desde 1964, o SPI foi reunido ao Conselho Nacional de Pesquisa Indígena
(CNPI) e o Parque Nacional do Xingu, dando origem a Fundação Nacional do Índio
(FUNAI) e outorgada a Constituição militar de 1969, as terras indígenas voltaram a ser
apenas de seu usufruto.

A expansão agrícola, com incentivo governamental para a agroexportação crescia,


obras faraônicas de infraestrutura como hidrelétricas, rodovias e ferrovias foram
expandidas e com isso, os interesses indígenas eram colocados em segundo plano.
(PRESTES; BUSOLLINI; INVERNIZZI; LAROQUE; 2017).

NA PRÁTICA
O Parque Indígena do Xingu engloba, em sua porção sul, a área cultural
conhecida como alto Xingu, formada pelos povos Aweti, Kalapalo,
Kamaiurá, Kuikuro, Matipu, Mehinako, Nahukuá, Naruvotu, Trumai,
Wauja e Yawalapiti. A despeito de sua variedade linguística, esses povos
caracterizam-se por uma grande similaridade no seu modo de vida e
visão de mundo. Estão ainda articulados em uma rede de trocas
especializadas, casamentos e rituais inter-aldeões. Entretanto, cada um
desses grupos faz questão de cultivar sua identidade étnica e, se o
intercâmbio cerimonial e econômico celebra a sociedade alto-xinguana,
promove também a celebração de suas diferenças.

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Figura 3 - Aldeia camaiurá no Parque Indígena do Xingu.

Fonte: Wikipédia.

Em 1973, foi instituído o Estatuto do Índio. Por um lado, essa lei representou um
avanço para a questão indígena por ser considerada a primeira legislação específica
a tratar esses povos. Mas por outro, ela mantinha as velhas tendências que, ao
buscar integrar o índio à nação, desconsiderava suas singularidades e diversidade
cultural. Além disso, o regime militar também foi cenário de:

(...) ensino de técnicas militares e de tortura aos indígenas que


estavam envolvidos em conflitos contra grupos “não bem vistos” pelo
regime e o mais aterrador, o uso de armamentos de guerra contra as
populações indígenas em possíveis bombardeios contra algumas
comunidades. (PRESTES; BUSOLLINI; INVERNIZZI; LAROQUE; 2017, s/p).

Com a redemocratização, vozes antes pouco ouvidas passaram a ser elevar cada vez
mais, inclusive as que faziam parte do movimento indígena. Tais discussões deram
cabo a Constituição de 1988, considerada a “Constituição Cidadã”. Nela, pela primeira
vez muitas questões ligadas a saúde, educação e posse da terra dos povos indígenas
eram reunidas em uma legislação, que decretava em seu artigo 231 serem:

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(...) reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,


crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger
e fazer respeitar todos os seus bens.

Ou seja, essa Constituição reconhece os povos indígenas como integrantes da


sociedade brasileira, enquanto garante o seu direito a diversidade sem que lhes seja
negada dignidade.

Os percursos a partir de então, não são para além da letra da lei. Os povos indígenas
ainda enfrentam os séculos de segregação e discriminação ou negatividade em
relação as suas identidades culturais. Além disso, os interesses do agronegócio ainda
estão presentes em muitos ataques a terras indígenas e há desrespeito da própria
legislação vigente. São caminhos longos e noções que se perpetuaram em nosso
cotidiano e que custam a ser vencidas.

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16/01/2023 15:11 Nossas Heranças Indígenas

Nossas Heranças
Indígenas

AUTORIA
Karla Katherine de Souza Seule

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Vários povos indígenas foram e são nativos do território que hoje é o nosso país, o
Brasil. Esses povos, ao longo dos anos de formação do Brasil, nos deixaram mais que
os seus genes. Eles transmitiram vários aspectos de nossos costumes, crenças e
hábitos que estão tão naturalizados em nosso cotidiano e muitas vezes nem nos
damos conta de quando e como o adquirimos.

É sobre essas heranças indígenas em nossa cultura que falaremos a partir de agora.
Para tanto, vamos percorrer a formação do idioma que falamos, os alimentos que
compõem a nossa mesa e os vários costumes que compõem a nossa cultura
popular que foram herdados desses inúmeros povos indígenas que compuseram e
compõem o nosso país. Tenho certeza que este será um exercício empolgante e
bastante esclarecedor.

A Língua Geral
O idioma oficial do Brasil é o português, que foi trazido pelos colonizadores, mas
nem sempre foi assim. Quando portugueses desembarcaram por aqui, encontraram
inúmeros povos, mas devido à presença de troncos linguísticos em comum,
utilizaram da comunicação que esses povos mantinham entre si e iniciaram a sua
vida por aqui falando uma língua que permitia tal façanha. Essa língua e demais
idiomas indígenas legaram várias características ao português que foi sendo
imposto como língua oficial do Brasil e é sobre essas questões que discutiremos a
partir de agora.

Os portugueses encontraram várias tribos indígenas quando de sua chegada a


partir de 1500, tupis, aruaques, karibes, jês, etc., grupos distintos, que falavam línguas
variadas. A partir de então iniciaram com esses povos um “contato multilíngüe”
(CARVALHO, 2008, p. 86). E esse contato teve importantes repercussões, pois os
portugueses tiveram que buscar meios de se relacionarem com os habitantes
nativos, para desse modo obter aquilo que necessitavam da colônia que pretendiam
conquistar.

Para o sucesso na comunicação, alguns personagens foram de extrema importância.


Estou falando dos padres jesuítas. Isso porque foram os primeiros membros da
Companhia de Jesus que, com o objetivo de mais facilmente efetuarem a
catequização do indígena, procuraram identificar os aspectos comuns pertencentes
entre as línguas que diferentes grupos indígenas por aqui falaram e que
perceberam a existência não apenas de um tronco linguístico tupi-guarani do qual
boa parte das tribos com quem mantinham contato faziam parte e de onde muitas
línguas indígenas eram derivadas, mas uma língua geral, o Nheengatu (fala boa, em
tupi) (CARVALHO, 2008).

A partir daí, os jesuítas elaboraram estudos gramaticais dessa língua:

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Elaboram gramáticas, dicionários, traduções de orações, hinos e


peças teatrais na língua dos índios. Data de 1595 a publicação de Arte
de Gramatica da Lingoa mais usada na costa do Brasil feyta pelo
padre Ioseph de Anchieta da Cõpanhia de IESU. (CARVALHO, 2008, p.
87).

E, desse modo, acabaram ajudando a consolidar essa língua geral como o idioma
mais falado na colônia.

SAIBA MAIS
A língua geral, ao lado do português, foi a mais falada e escrita no Brasil
ao longo do século XVI, em especial por que eram os padres jesuítas
que controlavam o ensino no Brasil.

A língua geral permaneceu, portanto, até o século XVIII como a mais falada por aqui.
Essa situação só começou a ser modificada por meio da ação governamental da
Coroa portuguesa por meio de decretos e determinações para findar o uso da
mesma. Nesse espaço temporal há dois momentos de destaque na busca de
"aportuguesar" o Brasil: primeiras medidas foram realizadas através do intitulado
Diretório dos Índios editado em 1757; e segundo por meio de medidas tomadas com
a chegada da família real no Brasil em 1808, que mudou a sede do império
português para a colônia.

Quanto ao primeiro caso, o Diretório dos índios, promulgado pelo então ministro de
D. José, o Marquês de Pombal, proibiu o uso da língua geral na colônia. Com tal
medida, mais um aumento da população portuguesa no Brasil durante a época em
questão, os efeitos a longo prazo começaram a ser desenvolvidos levando a um
declínio do uso da língua geral por aqui. (GUIMARÃES, 2005).

E no segundo caso, a transferência da corte portuguesa para o Brasil, dois efeitos


importantes se somaram para diminuir o uso da língua geral:

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O primeiro deles é um aumento, em curto espaço de tempo, da


população portuguesa no Brasil. [...] O segundo é a transformação do
Rio de Janeiro em capital do Império que traz novos aspectos para as
relações sociais em território brasileiro, e isto inclui também a questão
da língua. Logo de início Dom João VI criou a imprensa no Brasil e
fundou a Biblioteca Nacional, mudando o quadro da vida cultural
brasileira, e dando à língua portuguesa aqui um instrumento direto de
circulação, a imprensa. Esses fatos produzem um certo efeito de
unidade do português para o Brasil, enquanto língua do rei e da corte.
(GUIMARÃES, 2005, p. 24).

Contudo, essa transição da língua geral para o português não foi instantânea e sem
deixar vestígios.

Enquanto a língua geral era diminuída em seu uso e o português ia se espalhando


por aqui, a primeira deixava suas marcas no idioma do colonizador que acabou se
tornando a nossa língua oficial. Nesse contexto, a ação dos bandeirantes teve papel
de importância. Como muitos deles eram frutos das uniões entre portugueses e
índias, portanto, falavam a língua geral, em suas buscas por “prear” índios, tiveram
contato com indivíduos pertencentes a várias tribos, que falavam inúmeros idiomas.
A partir desses percursos e contatos, eles batizavam os lugares por onde passavam
com nomes de origem indígena e ajudavam assim, a espalhar tanto a língua geral,
quanto heranças desses idiomas:

Uma ideia equivocada, mas bastante difundida, é a de que, no Brasil,


todos os topônimos indígenas são de origem tupi. Aqui, os nomes
geográficos de origem indígena possuem uma variada gama de
procedências e, embora a sua maioria seja de origem tupi, a
toponímia brasileira apresenta um grande acervo de palavras
indígenas de outras procedências, como karib, bororo, aruak, jê, entre
outras. (COSTA, 2012, p. 158).

Lembrando que estamos falando de um contexto onde até o século XVIII, a


população indígena era superior a portuguesa por aqui e que, assim, o predomínio
da língua geral era indiscutível e o português era apenas a língua de Estado, falada
pelos portugueses entre si e registrada nos documentos oficiais. Com as mudanças
que descrevemos acima, as línguas indígenas, que não sumiram de imediato da
comunicação entre o povo, acrescentaram ao português várias palavras,
principalmente se pensarmos que no interior da colônia, onde o alcance das forças
repressoras da Coroa portuguesa eram menores, o uso da língua geral se manteve
por mais tempo e em alguns poucos lugares ainda se mantém nos dias de hoje.

E nesse processo, em que os habitantes da colônia tiveram que ir se adaptando ao


uso da língua portuguesa, as consequências acabaram afetando o modo de a
população falá-la:

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De acordo com Martins (2003, p. 5), os índios tinham dificuldade para


pronunciar o R e o L no final das palavras e por isso faziam a sua
supressão. Para oralizar as palavras ‘animal’, ‘quintal’, ‘cantar’, ‘fugir’ e
‘querer’ eliminavam o som final, dizendo então: ‘animá’ ‘cantá’, ‘fugi’, e
‘querê’. Outro aspecto marcante no processo de apropriação do
português, foi a dificuldade de os índios pronunciarem as consoantes
dobradas. (CARVALHO, 2008, p. 87).

E assim foi sendo formado o dialeto caboclo, ou o linguajar caipira que tanto é
pronunciado em boa parte do interior do Brasil.

Portanto, de uma influência direta da língua geral e outros idiomas indígenas na


nomenclatura de regiões e diversas localizações, de nossa fauna e flora, a língua
portuguesa falada no Brasil foi sendo construída. Essas heranças indígenas em
nosso idioma estão presentes em “seus diversos campos fonético, fonológico,
sintático e semântico” fazendo com que o “dialeto dos bandeirantes” se
disseminasse “no linguajar típico das populações roceiras de São Paulo, Minas, Goiás,
Mato Grosso e Paraná” (PIRES, 2009, p. 2). Sobre tais situações, acabaremos essa
parte de nosso trajeto observando os exemplos coletados por Ruy Magalhães de
Araújo, em trabalho intitulado Os Tupinismos na Formação do Léxico Português do
Brasil.

Quanto à presença de geonomásticos ou topônimos de origem indígena na


construção de nosso idioma, o referido autor aponta como exemplo os casos a
seguir:

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Abaeté, Açaí, Abunã, Alambari, Amajari, Amambaí, Amapá, Aperibé,


Aracaju, Araçatuba, Arararibóia, Araruama, Araxá, Aricanduva, Baré,
Boaçu, Bopi, Botucuara, Buçucaba, Butantã, Cabuçu, Caceribu,
Canindé, Capivara, Caraguatá, Caracaraí, Carapicuíba, Carioca,
Catanduva, Ceará, Choruroca, Cocaia, Coari, Codajás, Corumbá,
Cuiabá, Curitiba, Curuçá, Curumim, Curupira, Enguaguaçu, Gragoatá,
Goiás, Guaíra, Guajará, Guaporé, Guaratiba, Guaxindiba, Ibicuí, Ibirité,
Ibitiguaçu, Ibitimirim, Ibitinga, Ibituruna, Iguaba, Iguaçu, Iguaí,
Iguapé, Iguatemi, Ijuí, Imbaçaí, Imbituba, Indaiá, Indaíatuba, Inoã,
Ingá, Ipanema, Ipiabas, Ipiranga, Ipitanga, Ipojuca, Iraí, Irajá,
Irapiranga, Irapuã, Iriri, Itaboraí, Itabaiana, Itaberaba, Itabira,
Itacoatiara, Itacuruçá, Itaipava, Itaipu, Itaipuaçu, Itajubá, Itajuru,
Itamarandiba, Itamarati, Itambé, Itanhaém, Itaoca, Itaparica,
Itapemba, Itapemirim, Itapena, Itaperuna, Itapoã, Itaocara, Itararé,
Itatiaia, Itatiquara, Itu, Jacaúna, Jacaré, Jaceguai, Jaciparaná, Jaconé,
Jacundá, Jamundá, Japuíba, Japurá, Jaraguá, Juruá, Juturnaíba,
Lambari, Macaé, Maçambaba, Maceió, Mambucaba, Mamoré,
Mamanguape, Manaus, Manacapuru, Mangaratiba, Manicoré, Marajó,
Maracaju, Marambaia, Maranguape, Marapendi, Maricá, Maués,
Moóca, Morangaba, Muriaé, Muriqui, Mutuá, Nhanundá, Niterói,
Pacaembu, Pacaraima, Pacatuba, Pará, Paraíba, Paraibuna, Paraná,
Paranaíba, Paranapanema, Paranapiacaba, Paraopeba, Parati,
Paratinga, Paraúna, Parintis, Pendotiba, Pernambuco, Peruíbe,
Pindamonhangaba, Piracicaba, Piraí, Pirajá, Piratininga, Poconé,
Roraima, Sambaetiba, Sapiatiba, Sapucaí, Saquarema, Sepetiba,
Sergipe, Seridó, Sernambetiba, Sergipe, Tabatinga, Tambaú, Tanguá,
Tarauacá, Tatuapé, Taubaté, Timbaúba, Ubá, Ubatuba, Uberaba, Uru,
Uruburetama, Uruçumirim, Voturantim, Xapuri, Xingu etc. (ARAÚJO,
s/d, p. 2-3).

No que se refere aos antropônimos, encontramos, por exemplo:

Ajuricaba, Araci, Araribóia, Araripe, Baré, Baraúna, Bartira, Caminhoá,


Canindé, Coema, Cotegipe, Ema, Graciema, Guanabara, Guarabira,
Guaciaba, Guaraciba, Guaraná, Guarani, Guataçara, Iara, Inaiá, Iraci,
Irani, Iracema, Jaceguai, Jaci, Jacira, Diacuí, Jamari, Janari, Jandaia,
Jandaíra, Jandira, Jataí, Jucá, Jupira, Jurema, Juruna, Juruena, Jucá,
Maquiné, Moema, Oiticica, Peroba, Pirajá, Piragibe, Pitangui. Sinimbu,
Sucupira, Tanajura, Tibiriçá, Tupi, Tupinambá, Ubirajara Ubiratã etc.
(ARAÚJO, s/d, p. 3-4).

Enquanto entre os casos de nomes de animais, temos:

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Acará, anu, araponga, arara, bacurau, bagre, baitaca, biguá, caba,


caçununga, cambucu, caninana, capitari, capivara, caracará,
carapanã, carapeba, cuatá, cuati, cuiu-cuiu, cumbé, cupim, curica,
curimatã, curió, cutia, var. de acutia, gambá, gaturamo, guará,
guariba, guaru-guaru, içá, inhambu, jabuti, jabutipeba, jaburu, jacaré,
jacu, jacuba, jacundá, jacutinga, jaguatirica, jandiá, var. de jundiá,
jaraqui, jararaca, jatuarana, jaú, jibóia, jiquitiranabóia, var. de
jequitiranabóia e jaquitiranabóia, juriti, juruparipindá, lambari, var. de
alambari, maracanã, matrinxã, mucuim, muçurana, mutuca, mutum,
nhaçanã, var. de jaçanã, paca, pacu, piaba, piapara, piraju, var. de
pirajuba, pirambóia, piranha, pirapitinga, pirarucu, pitanguá,
pitanguá-açu. pitauá, sabiá, sanhaço, var. de sanhaçu, saracura,
saúva, seriema, var. de sariema, siri, socó, sucuri, surubim, suçuarana,
tamanduá, tambaqui, tambijuá, tambiú, tanajura, tangará, taperá,
tarira, var. de traíra, taturana (var. de tatarana), tatu, tatupeba, tietê,
tucurané, tuiuva, var. de tujuba, tuvira, uirapuru, uru, urubu etc.
(ARAÚJO, s/d, p. 4).

E entre os nomes herdados por nossa flora, estão:

Abacaxi, abio, açaí, aipim, amapá, araçá, araçatiba, araribá, araticum,


bacaba, baguaçu, var. de babaçu, bracuí, buriti, butiá, cabiúna,
cabriúva, caiapiá, var. de caapiá, caiaué, cajá, cajaíba, caju, cajurana,
cambaíba, cambucá, cambuçi, canjarana, var. de canjerana e
cajarana, capim, capixingui, var. de tapixingui, cará, var. de acará,
caraguatá, caraipé, caraiperana, carnaúba, caroá, caroba, catanduva,
var. de catamduba, cipó, var. de icipó, copaíba, croatá, cupuaçu,
cupuaçurana, cupuaí, goiaba, gravatá, guaicuru, var. de guacuru,
guajará, guaraná, guarantã, guaraparé, var. de guarapari, guaraperê,
guarapicica, guarapiranga, guarariba, guaraúna, var. de baraúna,
guariroba, guatambu, imbaíba, imbuia, imburana, indaiá, ingá,
ingaíba, ipadu, ipê, ipecacuanha, ipeúna, ipiíba, var. de ipeúva,
jaborandi, jabutá, jabuticaba, jaca, jacamincá, jacapé, jacarandá,
jacaré, jaceruba, jarcareúba, jaceguai, jaci, jacitara, jacuba, jacundá,
japana, jará, jaracatiá, jaraiúba, var. de jaraiúva, jaramataia, jarina,
jarivá, var. de jerivá (com dissimilação), jaroba, jataí, jataíba, var. de
jataúba, jataipeba, jatobá, jaturana, jauari, javari, jenipapo, jequitibá,
jipi, jipioca, var. de jipooca, jiquitaia, jitirana, juá, jucá, jurema,
jurubatiba, maçaranduba, macaúba, macaxera, manacá, manapuçá,
var. de mandapuçá, mandioca, mangaba, maracujá, maricá,
muiraquatiara, nhapindá, pacobaíba, pajurá, peroba, piri, pitanga,
pitangatuba, pitomba. pupunha, samambaia, sambaíba, sapé,
sumaúma, taioba, tacuara, tacuari, tacuaritinga, tacuaruçu, taguá,
var. de tauá, timbó, timbuíba, tucum, tucumã, umari, urucum,
urucurana, utuaba, utuapoca etc. (ARAÚJO, s/d, p. 4-5).

Já no que se refere a nomes que utilizamos para designar doenças e alguns


fenômenos da natureza, podemos localizar:

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Bereva (var. de pereba), boçoroca, caatina, cambuquira, capão,


capoeira, carimã, catapora, cupim, igarapé, manipueira, muiraquitã,
pacuera, pamonha, picumã, piracema, pororoca, quirera, sambaqui,
sapiroca, tabatinga, tijuco etc. (ARAÚJO, s/d, p. 5).

Entre os nomes de objetos, utensílios ou alimentos, há exemplos como:

Arapuca, arataca, arimbá, beiju, carimã, chuã, igara, jacá, jacuba,


jiqui, juquiá, muqueca, ocara, paçoca, pamonha, pomonã, pari, patuá,
peteca, pindacuema, pipoca, piruá, puba, samburá, sapicuá, sururuca,
taba, tacuru, tapera, tapioca, tipiti, tucuruva, urupema, etc. (ARAÚJO,
s/d, p. 5).

Há também nomes que se referem a usos, costumes e danças, como por exemplo:

Atá (var. de uatá), bitatá, boava, var. e forma aferética de emboaba,


caiçara, caipora, canhembora, capuava, coivara, curupira, guaiú,
jacundá, jurupari, mumbava, pajé, piá, pindaíba, piracuara, saci, sairé,
tapera, tocaia etc. (ARAÚJO, s/d, p. 6).

E ainda frases ou ditados populares tais como:

Andar ou estar na pindaíba; andar ao atá; bater o timbó; cair, sair ou


estar na arataca; caju-amigo; chorar pitanga; estar ou ficar de tocaia;
estar ou ficar de bubuia; ser ou estar caipora; estar ou andar com
caiporismo; ser, estar ou parecer pamonha, pescar para o seu
samburá etc. (ARAÚJO, s/d, p. 6).

Ou seja, inúmeros exemplos que demonstram que embora pratiquemos variadas


palavras, termos e linguagens frutos de idiomas indígenas, em muitos casos nós não
reconhecemos essas heranças. Desse modo, esse percurso que fizemos acaba sendo
muito esclarecedor. Continuemos desse modo, o nosso percurso por demais
aspectos de nossa cultura, herdados de culturas indígenas.

Heranças Indígenas em nossos


Hábitos Alimentares
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Outro aspecto de nossa herança com enormes aspectos herdados por populações
indígenas são os nossos hábitos alimentares, pois os portugueses quando chegaram
por aqui, para sobreviver, desde o início necessitaram aprender com os índios quais
alimentos a nossa terra poderia fornecer.

Gilberto Freyre (2003) explica que o índio foi o “guia” do português, sobretudo no
quesito alimentação. Os indígenas já mantinham há tempos uma relação com a
flora e fauna local. Alguns deles, como os tupis, mantinham algumas roças,
principalmente de mandioca, a base de sua alimentação:

Da mandioca, eles retiravam a farinha, a tapioca, o polvilho e o tucupi.


Esses produtos eram usados com certas carnes de caça assadas,
torradas ou trituradas no pilão, a famosa paçoca, ou serviam para
preparar mingaus, beijus e molhos. Desta forma, a farinha de
mandioca, um dos produtos mais consumidos no País, e os outros
produtos derivados da mandioca como a tapioca, foram uma das
maiores contribuições da culinária indígena. (CARDOSO, et. al., 2007, p.
50).

Esse alimento era de grande valor, porque além de todos os produtos que dele
derivam, podia ser mantido estocado embaixo da terra por meses, sem que
estragasse.

Figura 1 - Planta da mandioca

Fonte: Wikipédia.

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Mas além da mandioca, os tupi também cultivavam alimentos que são nossos
velhos conhecidos, como:

O milho, a batata‐doce, o cará, o feijão, o amendoim, o tabaco, a


abóbora, o urucu, o algodão, o carauá, cuias e cabaças, as pimentas, o
abacaxi, o mamão, a erva‐mate, o guaraná, entre muitas outras
plantas. Inclusive dezenas de árvores frutíferas, como o caju, o pequi
etc. Faziam, para isso, grandes roçados na mata, derrubando as
árvores com seus machados de pedra e limpando o terreno com
queimadas. (RIBEIRO, 1995, p. 32).

E como eles também viviam da caça e da pesca, desenvolveram importantes


instrumentos para tanto, assim como para o preparo de suas presas e a partir dela e
dos demais vegetais por eles consumidos. Das vasilhas de cerâmica e barro,
desenvolvidas especialmente pelas mulheres a quem ficava a cargo o preparo dos
alimentos, foram incorporados em nossos hábitos, sobretudo por elas, uma série de
alimentos, bem como:

Drogas e remédios caseiros, de tradições ligadas ao desenvolvimento


da criança, de um conjunto de utensílios de cozinha, de processos de
higiene tropical - inclusive o banho freqüente ou pelo menos diário,
que tanto deve ter escandalizado o europeu porcalhão do século XVI.
Ela nos deu ainda a rede em que se embalaria o sono ou a volúpia do
brasileiro; o óleo de coco para o cabelo das mulheres; um grupo de
animais domésticos amansados pelas suas mãos. Da cunha é que nos
veio o melhor da cultura indígena. O asseio pessoal. A higiene do
corpo. O milho. O caju. O mingau. O brasileiro de hoje, amante do
banho e sempre de pente e espelhinho no bolso, o cabelo brilhante de
loção ou de óleo de coco, reflete a influência de tão remotas avós.
(FREYRE, 2003, p. 162-163).

Os indígenas não consumiam carne bovina, que até a chegada dos portugueses
lhes era desconhecida, por isso, muitas das carnes que hoje são iguarias
consideradas exóticas e ainda permanecem como prato consumido em algumas
regiões do país, também foram heranças gastronômicas que deles vieram. Entre
esses casos encontramos o consumo de macacos, antas, peixes, pacas, cotias,
gaviões, lagartos, porcos e até mesmo cobra cascavel (RADAELLI e RECINE, s/d).
Como podemos verificar, são as carnes de animais disponíveis em nossas florestas.

Entre os peixes por eles consumidos estavam:

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(...) a pesca-da, o mandubi, o mapará, o acará, o surubim, o tucunaré,


as raias, o pirarucu, o peixe-boi, o pacu etc. Os crustáceos e moluscos
também eram apreciados pelos aborígenes. (RADAELLI e RECINE, s/d,
p. 12).

Sendo que por meio de frutas como abacaxi, jabuticaba, caju, cajá, araçá, goiaba,
maracujá, mamão e laranja, além de bebidas, é de onde obtinham o sabor doce,
bem como do mel, já que desconheciam a cana de açúcar que veio com o
colonizador português (RADAELLI e RECINE, s/d).

Desse modo, são inúmeros os alimentos que consumimos e que foram introduzidos
pelos povos indígenas do Brasil. Esses alimentos serviram e servem de base em
nossa alimentação e foram essenciais até mesmo para que o colonizador
sobrevivesse por aqui.

As Influências Indígenas em
nossa Cultura Popular
Agora vamos discutir as influências que os indígenas deixaram em nossa cultura
popular. Essa cultura, muitas vezes denominada de folclore, não é uma parte inferior
de nossas tradições. Ao contrário: é ela que integra as crenças, as festas e os hábitos
de nosso povo. Portanto, falar a respeito de nossas heranças indígenas que a
integram é essencial enquanto um modo de reconhecermos o papel relevante
dessas populações em nossa formação como povo.

O folclore abrange tanto a cultura material quanto imaterial de um povo,


expressando-se através de uma cultura dita popular. No caso do Brasil, onde o
folclore foi formado por uma diversidade de povos, muitas contribuições foram
recebidas dos vários povos indígenas que compuseram e estão presentes em nosso
território e população. As nossas heranças culturais indígenas se mantêm viva nas
nossas histórias e crenças, nas nossas músicas, danças e nas festividades regionais. E
para reconhecermos essas heranças, utilizaremos os dados fornecidos por Gilberto
Freyre em sua obra Casa Grande e Senzala.

Freyre apontou a importância da mulher indígena para essa construção cultural. Isso
porque as índias, além de dar à luz os primeiros descendentes da união entre
portugueses e indígenas no Brasil, na criação deles imprimiram seus costumes, mas
também as condições impostas pela colonização. A partir de então, essas mulheres
foram as responsáveis por disseminar hábitos que vão do banho diário, a perfurmar-
se e pentear-se, até os contos e tradições com fundo religioso que se misturaram e
formaram a cultura brasileira.

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Essas mulheres foram criadas em meio à floresta e tinham uma cultura


intimamente ligada a ela, por meio de rituais de sobrevivência que faziam as
crianças se tornarem adultos capazes de sobreviver e se perpetuarem por meio de
seus descendentes. Mas, para tanto, obedeciam a regras rígidas de conduta, que
levavam a obedecer e respeitar os espaços seguros.

Nesse cenário, muitas crenças, fundadas nos medos dos perigos da floresta foram
gerados e deram origem a várias de nossas lendas e contos. Muitos baseados em
uma admiração pelos:

"o índio não faz distinção definida entre o homem e o animal. Acredita
que todos os animais possuam alma, em essência da mesma
qualidade que a do ser humano; que intelectual e moralmente seu
nível seja o mesmo que o do homem." (FREYRE, 1995, p. 167).

E ainda por um misto de medo, afinal, esses animais da floresta eram os “bichos”
que muitas vezes podiam causar ferimentos, até mesmo o seu fim.

Por isso, nas próprias brincadeiras da criança, por meio de jogos e brinquedos que
imitavam animais, verdadeiros ou imaginários, assim como histórias de contos de
bichos, como, por exemplo, o Caipora, a Iara e o Boi tatá foi formada uma espécie de
"memória social" que, segundo Freyre (1995), nos remete à floresta. Herdamos assim
uma proximidade dessa floresta, cheia de animais e monstros, que conhecemos
pelos seus nomes indígenas e por suas experiências e superstições.

Desse medo de bichos, reais ou fantasiosos, surgiram algumas "preocupações


profiláticas" e o uso de amuletos de proteção, como "teteias" no pescoço, assim
como dentes de animais, figas de madeira ou ouro, bentos e medalhas católicas,
assim como mechas de cabelo, como práticas sincréticas, que reúnem tradições
indígenas misturadas ao catolicismo. Sendo que essas práticas profiláticas foram
facilmente disseminadas em uma população que raramente tinha acesso a uma
medicina dita científica, utilizando pajés ou "curandeiros" indígenas ou deles
descendentes. (FREYRE, 1995).

Os índios, há tempos habituados ao território brasileiro, desenvolveram técnicas que


permitiram a adaptação e a sobrevivência neste território, além de utensílios e
recursos alimentares e medicinais que hoje utilizamos: casas construídas ajustadas
ao clima, canoas, esteiras e cestos de fibras vegetais, utensílios de cerâmica, cabaças
para carregar água, etc. Ou seja, toda uma “tralha doméstica” que, unidas aos
remédios fornecidos pelas plantas das terras, fizeram e ainda fazem parte de nossa
sobrevivência.

Esses desbravadores do sertão criaram um gênero musical tipicamente brasileiro, a


música sertaneja ou “caipira”, que nasceu dos costumes de se reunir para contar
“causos”. Também as catiras ou os “cateretês” que fazem parte da tradição
interiorana que percorre São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Entre os

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ritmos, danças e festas folclóricas brasileiras com heranças indígenas, encontramos


exemplos em todas as partes do Brasil. Entre os exemplos estão a Folia de Reis, o
cururu, o carimbó, o boi-bumba, assim como outros ritmos com influências também
africanas e/ou portuguesas como o coco, o xaxado e as cirandas ou danças de roda.

Figura 2 - Festa do Boi Bumbá de Parintins

Fonte: Wikipédia.

São vários os casos na nossa cultura popular de exemplos de uma herança indígena
em nossa formação enquanto povo e que demonstram essa relação que não só os
indígenas mantinham ou ainda mantêm com a floresta, mas como aqueles outros
povos que nesse contexto foram sendo inseridos, acabaram por aderir e a
disseminar. São heranças nem sempre reconhecidas, mas muito importantes para
a nossa compreensão das raízes que formam o universo brasileiro. Por isso, esse
exercício de reflexão que fizemos aqui é muito importante e deve servir como
pontapé inicial para estudarmos mais a respeito.

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Os Povos Indígenas no
Brasil Contemporâneo

AUTORIA
Karla Katherine de Souza Seule

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O Brasil era um país habitado por várias tribos indígenas e formado com a
contribuição desses povos. Mas como se encontram hoje as populações indígenas
em nossa sociedade? Sobre isso falaremos a partir de agora, como uma forma de
buscar compreender os espaços que são ocupados pelos povos indígenas no Brasil e
quais situações integram esses lugares.

O que os Números Apontam


No Brasil, de acordo com dados fornecidos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística) e a Funai (Fundação Nacional do Índio) correspondendo ao
ano de 2010, a população indígena soma um total de 896,9 mil pessoas (dado
disponível no site Portal Brasil). Esses números englobam a existência de 305 etnias,
das quais a maior é a Tikuna e falando 274 línguas reconhecidas.

CONECTE-SE
Segundo o instituto, há cerca de 900 mil índios no Brasil, que se
dividem entre 305 etnias e falam ao menos 274 línguas. Os dados fazem
do Brasil um dos países com maior diversidade sociocultural do planeta.
Em comparação, em todo o continente europeu, há cerca de 140
línguas autóctones, segundo um estudo publicado em 2011 pelo
Instituto de História Europeia.

Essas populações estão espalhadas por todas as regiões do Brasil, sendo que a
concentração maior está presente na região Norte, 342,8 mil, enquanto a região Sul
possui o menor número de indígenas, 78,8 mil. Mas quais as condições que cercam
essas pessoas e que papel lhes foram atribuídos em nossa sociedade
contemporânea? Esse questionamento é o que motivará nosso destino nesse
momento.

Houve um avanço nos estudos demográficos sobre a população indígena. Um


marco, de acordo com Pagliaro (2009), foi o fato de entre os anos de 1991 e 2000, ter
ocorrido a inclusão da categoria “indígena” nas opções de cor ou raça nos
recenseamentos realizados pelo IBGE. Além disso, a partir do ano de 1999, foi

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organizada a estrutura do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena


(SIASI) da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) em todo o território nacional, com
o objetivo de acompanhar e avaliar a política nacional de saúde indígena,
desenvolvida nos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), criados a partir
de então, pelo Ministério da Saúde.

O levantamento desses dados permitiu:

(...) a avaliação do número, de alguns indicadores convencionais das


condições de vida e o delineamento do perfil demográfico dos que se
autodeclararam indígenas em municípios, estados, regiões e no
conjunto do país, como também algumas análises de tendência para
o período 1991-2000. (PAGLIARO, 2009, p. 448).

Por meio dessas informações, o estudo realizado pelo IBGE a partir do Censo de
2010, em colaboração com a Funai, demonstrou que do total de indígenas no país,
502.783 vivem na zona rural e 315.180 habitam as zonas urbanas brasileiras. Contudo,
essa população só possui a posse de 12,5 % de terras em território nacional
demarcadas, sendo que entre a população indígena, os dados apontaram para o
aumento nos últimos anos, de um movimento de pessoas se dirigindo das cidades
para os campos, retomando suas regiões de origem e nesse processo, reivindicando
a demarcação de suas terras. Mas apenas 57,7% dessas pessoas vivem em terras
indígenas. As demais ainda procuram o reconhecimento de seus territórios e
enfrentam conflitos jurídicos e bélicos por conta disso.

Para complicar ainda mais a situação dessas populações, conforme pontuou a Funai,
8% das 426 terras indígenas tradicionalmente ocupadas e já regularizadas não estão
na posse plena das comunidades indígenas. Tudo isso impõe aos órgãos públicos a
iminência de regulamentação dos direitos territoriais indígenas e a devida proteção
dos mesmos.

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NA PRÁTICA
É justamente nessas regiões que se verifica atualmente a maior
ocorrência de conflitos fundiários e disputas pela terra, impondo ao
Estado brasileiro o desafio de promover as demarcações das terras
indígenas sem desconsiderar as especificidades do processo de
colonização, ocupação e titulação nessas regiões, contribuindo com
ordenamento territorial e para a redução de conflitos.

Fonte: funai.gov.br Disponível aqui

A Constituição vigente no Brasil desde 1988 garante ao índio por meio do seu artigo
231 “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”
independentemente “da existência ou não da demarcação ou qualquer
reconhecimento formal das suas terras por parte do Estado” (BAINES, 2001, p. 2). E
apesar de entre 1988 e os anos 2000, ter ocorrido o maior número de demarcações
de terras indígenas de forma efetiva, cerca de 70% das terras demarcadas até hoje,
isso não foi suficiente para conter a presença de não indígenas em seus territórios.
Isso porque, segundo Baines (2001), a Funai não possui recursos suficientes para
garantir o controle e a preservação das terras indígenas.

Esses territórios, junto aos que ainda não foram demarcados e que ficam ainda mais
suscetíveis a invasores, são alvo do interesse agroexportador, de mineradoras e
outras empresas de grande porte, e com isso graves conflitos são travados:

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“violências sofridas por indígenas em conflitos diretos com a classe burguesa de


ruralistas, donos do agronegócio acarretando consequências nefastas para os povos
que ainda vivem no campo” (SILVA, 2018, p. 480).

Historicamente, as políticas foram feitas a favor da expropriação das terras indígenas


e de uma assimilação dessas populações de um mundo do trabalho que
exterminava as suas origens e tradições. Portanto, o pensamento da sociedade que
se formou sobre esses povos foi de imposição, e para os que resistem a abandonar
seu modo de vida, de exclusão. Tudo isso, frente aos interesses de grandes
empresas agroexportadoras que fazem parte das grandes corporações
econômicas no país, levam a uma situação em que a marginalização do indígena é
mantida e incentivada por meio dessas expropriações e ações violentas utilizadas
para esses fins.

Embora tenhamos tido avanços que vão da demarcação de terras aos dados sobre
essas populações, o caminho ainda é longo e difícil para que se respeite e aceite a
diversidade indígena como integrante de nossa sociedade. Mas os avanços
existentes são fruto de ações de movimentos motivados a defender e manter os
direitos indígenas.

Movimento Indígena na
Atualidade
Embora os povos indígenas tenham sido erroneamente tratados ao longo de nossa
história de forma homogênea e generalizante, como se o termo “índio” pudesse
classificar todos eles em um mesmo grupo, há algo que esses povos possuem em
comum, sua ligação com a terra: a sua “condição originária, este vínculo coletivo
direto entre povos indígenas e a terra” bem como o “acesso e usufruto direto da terra
e de todos os recursos naturais” que permitem “sua reprodução social” (SILVA, 2017,
p. 184) e, portanto, os mantêm enquanto indígenas. Por isso, falar dos movimentos
indígenas é falar da luta pela demarcação de suas terras.

Essa luta existiu desde os tempos coloniais. Basta lembrarmos que o projeto das
Capitanias Hereditárias foi um fracasso, pois somente duas das 15 instituídas
vingaram. Vários levantes indígenas contra sua escravização ocorreram ao longo do
processo colonial e mesmo com o advento do Império e da República, com novas
legislações que tinham como objetivo submeter o índio aos moldes de uma unidade
nacional que não permitia manter suas culturas de origem, muitas populações
indígenas sobreviveram e lutaram para manter sua posse de territórios pelo interior
do Brasil.

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CONECTE-SE
As guerras indígenas foram o golpe de misericórdia ao sistema de
capitanias hereditárias, que se tornou inviável 15 anos depois de
implementado. Nas capitanias da Paraíba, Bahia e Espírito Santo, os
povoados foram massacrados cinco ou seis anos depois de
estabelecidos. As únicas capitanias que efetivamente prosperaram
foram as de São Vicente e Pernambuco. Nesta, Duarte Coelho obteve
sucesso devido ao solo e ao clima adequados para o plantio da cana de
açúcar, bem como por dispor de dinheiro e soldados para proteger-se
dos ataques de índios.

Com as coberturas televisivas, a segunda metade do século XX revelou invasões


violentas de território indígenas, agora ao vivo para os olhos de quem quisesse ver.
Organismos internacionais ligados inclusive às Nações Unidas (ONU) passaram a
denunciar tais situações, e órgãos de mobilização para a causa indígena foram
ganhando corpo e força. A Igreja também esteve atuante nesse contexto, buscando
uma revisão de posturas após o Conselho de Vaticano II (1962), em que, de agente
que direta ou indiretamente auxiliou no processo colonizador e de destruição da
cultura indígena, na década de 1970, por meio do Conselho Indigenista Missionário
(CMI), voltou-se para um trabalho de manutenção da cultura indígena e divulgação
das denúncias de violência contra essas populações.

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SAIBA MAIS
O Concílio Ecumênico Vaticano II é considerado um dos maiores
acontecimentos da Igreja no Século XX. Constitui também um dos
maiores feitos do pontificado de Angelo Giuseppe Roncalli, o Papa João
XXIII, e trouxe grandes renovações para a Igreja Católica.

Figura 1 - Abertura do Concílio Vaticano II

Fonte: Wikipédia.

Diante dessa situação, muitos grupos indígenas, por meio de suas lideranças,
participaram de encontros e discussões que colocavam a sua causa comum – a luta
pelo direito as suas terras – em um ponto de consenso que os une em prol de sua
luta a partir. Nesse contexto, de acordo com Borges (2005), foi criada em 1980 a
União das Nações Indígenas, reunindo antropólogos e indigenistas no 1º Seminário
de Estudos Indigenistas do Mato Grosso do Sul. Embora não tenha conseguido

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articular e manter uma união nacional da causa indígena diante de divergências


regionais, a União deu espaço para a criação de algumas regionais como a UNI do
Acre, reunindo importantes representações indígenas locais e suas demandas.

Essa necessidade de uma articulação indígena nacional deu origem a várias


confederações indígenas, organizações que mesclavam formas de se organizarem
pré-cabralinas, com mecanismos da sociedade que os cerca, para que dentro dos
ditames legais possam buscar seus direitos. Essa luta deu voz aos movimentos que
em meio à redemocratização do país deram coro à Constituição de 1988, que
reconhece o direito à terra e à diversidade indígena.

Em 1992 foi criada outra organização para reunião da causa indígena, o CAPOIB
(Conselho de Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), com sede em Brasília. A
partir de então, as organizações indígenas começam a trabalhar de acordo com seus
interesses particulares e comuns:

A grande maioria destas entidades indígenas mescla formas


organizativas não-índias com as formas tradicionais de organização.
Conforme os guarani costumam dizer, com o advento da conquista e
conseqüente necessidade de se travar diálogo com os juruá (2), se
criou a “liderança para fora”, mais apta para transitar na lógica dos
não-índios, em contraposição às lideranças tradicionais, “para dentro”.
A liderança “para fora” é constituída por elementos do grupo mais
jovem e que dominam os códigos de conduta da sociedade não-índia,
sejam eles discursivos ou sociais; e a liderança “para dentro” é
representada, geralmente, pela figura do nhanderu’i, o líder espiritual
do grupo. Em relação a estas duas lideranças políticas, o arandu porã
prevalece, ou seja, a liderança externa que, apesar de possuir alguma
autonomia em momentos específicos e ter sua opinião considerada
como valiosa, é como uma caixa de ressonância da orientação da
liderança interna, sendo esta a real instância de poder e decisão da
comunidade. É importante dizer que, geralmente, as lideranças
espirituais dessas comunidades, por estarem profundamente
inseridas e serem promotoras da lógica tradicional do grupo, não
possuem domínio dos códigos culturais da sociedade não-índia; daí a
necessidade de um preposto político. (BORGES, 2005, s/p).

Desse modo, os índios conseguem se unir e ganhar mais força diante das ações
governamentais.

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CONECTE-SE
Um evento no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília, marcou os 30
anos do reconhecimento dos direitos indígenas na Constituição e
debateu cenário de ameaças.

O movimento indígena e as organizações da sociedade civil que o


apoiam reforçaram o compromisso de defender os direitos indígenas
previstos na Constituição. Também enfatizaram a necessidade de
formação de uma frente ampla, com diversos setores da sociedade,
para resistir a qualquer retrocesso na aplicação desses direitos. Essa
mobilização ganha ainda mais importância num cenário de graves
ameaças aos povos indígenas e ao meio ambiente.

A Constituição de 1988 implementou grandes avanços na causa indígena, pois


reconheceu a posse dos territórios por parte dessas populações como algo
existente antes mesmo do Estado brasileiro. Com isso, ela reconhece a cidadania
desses povos. Mas a letra da lei e a prática estão distantes de se igualarem, e para
que isso aconteça, é preciso conhecer e reconhecer a situação que os indígenas
mantêm em nossa sociedade, por isso o percurso que fizemos aqui é importante
para a reflexão e apontamentos futuros nesse sentido.

Além disso, o reconhecimento do direito à posse de seus territórios é só o começo,


pois é um passo para que seus modos de vida, diversos, sua cultura geral (línguas,
costumes, religiosidades, etc.) tenham lugar e possam ser respeitados. São
caminhos tortuosos e difíceis que os povos indígenas têm percorrido na história do
Brasil e que precisamos reconhecer para que sua situação seja revista e tenham seus
direitos respeitados.

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16/01/2023 15:12 O Brasil e o Mito da Democracia Racial

O Brasil e o Mito da
Democracia Racial

AUTORIA
Karla Katherine de Souza Seule

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O povo brasileiro é fruto de uma mistura étnica de vários povos, a começar por povos
indígenas, pelo colonizador português e pelos povos africanos que para cá foram
trazidos. Contudo, essa miscigenação nem sempre foi exaltada. Em muitos
momentos, ela foi vista como o motivo de um atraso de nosso país - mas em outros
ela foi utilizada para gerar ideais de união que na prática não existiam, como um
modo de forjar uma identidade nacional. Essas questões serão o alvo de nossas
discussões nesta parte de nosso trajeto. Afinal, elas são importantes para
conhecermos a composição cultural e também reconhecermos alguns dos
problemas históricos que fazem parte de nossa formação.

Os Encontros e Desencontros em
nossa Formação Cultural
Darcy Ribeiro pontuou que nós "surgimos da confluência, do entrechoque e ​do ​
caldeamento ​do ​invasor ​português ​com índios silvícolas e campineiros e com
negros africanos, uns e outros aliciados como ​escravos" (1995, p. 19). Em meio a essas
disparidades, fomos formados e constituímos uma unidade nacional. Contudo, esse
mesmo autor pontuou que essa unidade não apaga as nossas disparidades e
contradições sociais.

Elas são fruto de nossa história, dos encontros e desencontros de nossas matrizes
étnicas formadoras. Esses encontros se iniciaram com o choque dos vários povos
nativos que aqui já viviam perante a chegada dos portugueses. Esses povos que já
viviam aqui há mais de 12 mil anos e desde então, tinham suas próprias disputas e
acordos em meio aos territórios que eram melhores para seu estabelecimento,
foram surpreendidos pela chegada de invasores europeus, sobretudo, portugueses,
que passaram a interferir nessa dinâmica de várias formas.

Essas interferências começaram com a retirada do pau-brasil e com a destruição


ambiental que essa extração proporcionou, além da dizimação de um sem-número
de indígenas que ficavam doentes pelo contato com patologias que não conheciam
e para as quais não possuíam defesas. Depois, conforme o projeto de colonização era
implantado, a procura por escravizar os índios e por tomar e ocupar seus territórios
foi aumentando os choques entre portugueses e populações indígenas.

Nesse cenário de disputas, africanos foram trazidos para servir como mão de obra
aos colonizadores. Nesse ínterim, foram tratados de formas brutais, do trajeto, ao
serem amontoados em navios negreiros – os “tumbeiros” – onde muitos morriam,
até a chegada e uma vida de escravidão com trabalhos forçados, desgastantes e
castigos. Mas não foi sem resistência que eles mantiveram suas práticas religiosas
seja em segredo, seja de forma sincrética, mesclada a elementos da religiosidade
católica imposta pelo colonizador, a uma resistência direta por meio de motins e
fugas e a formação de quilombos.

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Em meio a esses contatos e de sua prole, foi formada a população brasileira.


Primeiro, as índias "​de ventre ​fecundo ​para ​prenhar" despertaram o desejo do
português e deram origem aos "mamelucos" ou "brasilíndios" (RIBEIRO, 1995, p. 48).
Em seguida, tem início a atração do português pela mulher negra, que termina por
dar feitio à composição do brasileiro:

Resultou daí grossa multidão de filhos ilegítimos - mulatinhos criados


muitas vezes com a prole legítima, dentro do liberal patriarcalismo
das casas-grandes; outros à sombra dos engenhos de frades; ou então
nas "rodas" e orfanatos (FREYRE, 2003, p. 563).

Vale notar que essa prole também foi gerada em meio e por meio de casos de
violência sexual contra a mulher.

Essa massa de miscigenados passou a ser vista com desconfiança no século XIX. Em
um contexto de emancipação política do Brasil, políticas de “branqueamento” foram
defendidas como um mecanismo de acabar com o que seus criadores e/ou
defensores entendiam enquanto o “problema” que impedia um desenvolvimento
do Brasil. Para tanto, o próprio governo brasileiro incentivou a vinda de imigrantes
europeus para cá, em busca de criar uma nova vida.

Analisar o "cruzamento de raças" que aqui coexistiam era entendido como algo
importante no sentido de se entender os destinos da nação. Estudiosos nas
academias voltaram a atenção para essas questões, e o termo “raça” foi alcançando
generalidade. Embora hoje seja preferível não usá-lo, foi nesse contexto que o termo
ganhou força e passou a ter amplo espaço nas discussões acadêmicas.

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NA PRÁTICA
As ideias defendidas pela política de branqueamento ficam claras na
obra Redenção de Cam, do artista Modesto Brocos, datada do ano de
1895:

Fonte: Wikipédia.

As ideias expressas nessa pintura mostram que os teóricos das políticas


de branqueamento acreditavam que os imigrantes brancos teriam
filhos brancos com a população mestiça, e que no decorrer de um
século a população brasileira seria toda branca.

As pretensões de branqueamento da população brasileira não foram alcançadas.


Hoje, somos não só descendentes de muitos indígenas, mas também de muitos
africanos, constituindo inclusive o país mais negro fora da África. Porém, as ideias
dessas teorias, em conjunto com a situação marginal a que essas populações
ocuparam ao longo de nossa história, principalmente em sua luta contra tentativas
de escravização, acabaram por gerar um preconceito que inclusive se expressa na
falta de reconhecimento da importância desses povos em nossa formação. Mas
como apesar de tudo isso, a união nacional foi forjada e mantida? São essas
situações para analisarmos a seguir.

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O Mito da Democracia Racial e os


seus Efeitos
O Brasil se tornou um país independente no início do século XIX. De lá para cá,
políticas para manter a unidade nacional foram implantadas, apesar das
disparidades que aqui existem desde o período colonial. Nesse contexto, uma
política de branquear a população e assim “purificá-la” e acabar com suas misturas
étnicas foram implementadas, mas seus objetivos não foram concretizados. A partir
de então, vêm sendo feitas críticas a essa política e outras formas de lidar com essa
diversidade racial.

As ideias de branquear a população começaram a ser criticadas no início do século


XX. A política imperialista que visava apagar a essência do Brasil foi exposta durante
a Semana de Arte Moderna de 1922, quando os artistas ali reunidos procuraram, por
meio de suas obras, resgatar nossa identidade miscigenada. Outro acontecimento
marcante nesse sentido foi a publicação de Casa Grande e Senzala, de Gilberto
Freyre. Nessa obra, apesar de acusado de abrandar a escravidão no Brasil, Freyre foi
responsável de ser o primeiro autor a discutir a importância dos povos indígenas e
africanos na construção do Brasil.

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NA PRÁTICA
O livro Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, fez um grande
sucesso no Brasil e no exterior quando foi lançado, em 1933. Mas a obra,
que completou 80 anos em 2013, também gerou muita polêmica.
Alguns críticos acusavam Freyre de não ter retratado com fidelidade a
relação entre negros e brancos, entre dominadores e dominados. Por
causa disso, o escritor não teria registrado de forma fiel a escravidão que
existiu durante o Brasil Colônia. [...]

Segundo o historiador Antônio Paulo Resende, o autor foi muito leve na


análise da escravidão no País. "Eu acho a obra de Gilberto Freyre muito
importante para a gente entender o que foi o Brasil. Ele é um intérprete
da sociedade brasileira, a gente não deve negar o valor que ele tem. Mas
eu acho que ele suaviza muito a violência que, a meu ver, existia na
sociedade colonial e existe ainda na sociedade brasileira", ressalva o
historiador. "Então, quando ele suaviza e dá uma cor de nostalgia ao
passado, a gente deixa de entender muita coisa que está acontecendo
agora no Brasil, com relação à violência, com relação à discriminação,
com a relação à manutenção de certos preconceitos que a gente diz
que no Brasil não existem, inclusive preconceito racial, que pra mim
ainda existe no Brasil”.

Mas foi no Estado Novo que, de acordo com Schwarcz (1993), o governo passou a ter
uma postura que, por meio de nossa miscigenação, buscava dar ao brasileiro uma
identidade e reforçar os ideais nacionais. Foi então que a capoeira se tornou um
esporte nacional, enquanto a feijoada passou a ser considerada o nosso prato típico,
assim como o samba ganhou a categoria de música brasileira. Contudo, a relutância
em reconhecer os papéis de indígenas e africanos na construção do Brasil não
deixou de existir.

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Figura 1 - Capoeira

Fonte: Wikipédia.

Com o fim da Era Vargas, entre os anos de 1940 e 1960 do século XX, o Brasil teve sua
figura de símbolo de uma democracia nacional desenhada. A Segunda Guerra
Mundial, que foi uma guerra de fundamentalismos e ataques a diversidades étnicas,
havia acabado. Com o seu fim, o combate a esse tipo de política usou a noção de
que, nos governos que se sucediam de Vargas no Brasil, os diferentes povos viviam e
conviviam de forma harmônica, constituindo nossa nação como um símbolo de que
era possível existirem no mundo democracias nacionais.

Mas essas noções faziam muito mais parte de uma teoria de que de situações
práticas. Figuras importantes como o sociólogo Florestan Fernandes combateram
esse conceito de democracia nacional, demonstrando que não passava de um mito.
Fernandes fez uso de dados coletados em vários estados de norte a sul do país, para
demonstrar que eram insuficientes os argumentos que sustentavam a ideia de que
no Brasil existiria uma democracia racial, bem como de que era inexistente no país o
preconceito racial. Seus estudos se concentraram em analisar as condições da
população negra no Brasil e as dificuldades em alcançar o status de cidadão em sua
totalidade, o que refutava a crença de uma democracia racial no Brasil, onde todos
os brasileiros, independentemente da origem ou cor, alcançassem as mesmas
condições de vida em nossa sociedade (KERN, 2014).

Se durante a colonização e o início do império a escravidão era permitida e dava


base jurídica para a desigualdade, se analisarmos o seu fim, no ano de 1888, quando
indígenas e africanos no Brasil deixavam de poder ser escravizados, verificaremos
que isso não significou igualdade de direitos em relação à população branca. A

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começar, não tinham direito ao voto, pois se tratava de uma população analfabeta, e
assim não puderam ter participação política na legislação. Também foram preteridos
no ambiente formal do mercado de trabalho, em que os imigrantes europeus eram
mais facilmente empregados:

A competência, inteligência, capacidade e esforço individual não


poderiam ter sido os únicos requisitos que iriam determinar o acesso
aos bens públicos e privados. Já que o mérito não era o único critério
para o indivíduo vencer na vida em uma sociedade marcada pela
desigualdade, qualquer infortúnio pessoal poderia ser entendido
como reflexo das injustiças raciais ou como distorções do sistema
social. (DOMINGUES, 2005, p. 117, grifo nosso.).

Esse mito de que aqui existiria uma democracia racial acabou ajudando a manter
uma estrutura desigual baseada em convenções sociais, pois corrobora ao mascarar
as raízes de nossas diferenças sociais para que elas não sejam questionadas e
modificadas. Portanto, é importante que compreender essas situações para poder
combatê-las. Só assim, as nossas raízes afro-indígenas serão devidamente
reconhecidas, e as situações de discriminação poderão ser combatidas e - quem
sabe um dia! - eliminadas de nossa sociedade.

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Conclusão

Chegamos ao fim do nosso trajeto, e espero que o nosso percurso tenha não apenas
trazido mais clareza sobre as temáticas aqui discutidas, mas que principalmente
estejamos mais instigados a conhecer mais a respeito delas. Ao longo do nosso
caminho, foi possível verificar o quanto o continente africano é, desde sempre, rico em
vida e um espaço onde as relações humanas foram ao longo da história além de
enriquecedoras, dinâmicas.

Vimos o quanto a África não se constituiu enquanto um ambiente isolado. Pelo


contrário, diferentes povos e civilizações por ali se desenvolveram e estiveram em
contato entre si e com populações de outros continentes, participando de suas
dinâmicas e também acordos, comerciais, políticos e culturais. Quando então parte
dessas pessoas começou a ser trazida para a América, não se tratava de “papéis em
branco”, mas de indivíduos que trouxeram suas histórias, seus hábitos e costumes que
aqui foram mesclados aos das outras populações com as quais se relacionaram e
passaram a construir o povo brasileiro.

Em meio a essas situações, foi possível analisar o quanto o tráfico negreiro gerou
mazelas no continente africano e legou estigmas raciais àqueles que foram
escravizados. Mas a resistência a tais situações foram inúmeras e, ao longo de toda a
nossa história, deu corpo a movimentos sociais seja aqui, na África ou em outras
partes para onde africanos foram levados durante essa diáspora forçada que foi o
tráfico Atlântico de escravos.

Além disso, por aqui inúmeros povos que já habitavam os nossos territórios há
milhares de anos, ao ter de lidar com invasores europeus, sobretudo portugueses a
partir do século XVI, estiveram na esteira da resistência e da existência dos invasores
em questão. Afinal de contas, como pudemos ver, se não fossem os conhecimentos
indígenas sobre alimentos, remédios e territórios, o próprio colonizador não
conseguiria sobreviver facilmente por aqui. As dinâmicas desses povos foram
responsáveis por sua sobrevivência e impuseram entraves ao colonizador.. E mais

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tarde, mesmo em meio a políticas indigenistas, esses povos continuaram lutando e


ainda continuam, em um Brasil independente que até hoje não soube lidar de forma
definitiva com as questões indígenas.

Todos esses encontros e desencontros em nossa formação demonstram que estamos


longe de ser uma democracia racial. As oportunidades não foram iguais para todos os
povos que fizeram parte de nossa formação. As populações afrodescendentes e
indígenas ainda estão lutando por quebrar e desobstruir os percalços que lhes foram
e lhes são impostos. Mas conhecer essa trajetória e reconhecer essas situações é o
primeiro passo para que possamos construir meios para modificá-las. Por isso, espero
que você possa ampliar ainda mais as discussões por aqui iniciadas e por meio delas
enriquecer esse caminho que daqui partimos.

Bom estudo!

Livro

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