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ESTUDO DO MEIO:

ENFRENTANDO DESAFIOS

Profª Drª Regina Maria da Cunha Bustamante

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)


ProfHistória

Clio, Musa da História

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ


Rio de Janeiro
ROTEIRO DE APRESENTAÇÃO

I. Reflexões

II. Abordagens didáticas

Referências Bibliográficas

A História é o estudo do Homem no Tempo...


e no Espaço.
I. REFLEXÕES
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: 3º E 4º CICLOS. História.
Brasília, DF: Ministério da Educação / Secretaria de Ensino Fundamental,
1998, p. 93-96.

• O estudo do meio é um trabalho que envolve o contato direto com fontes de


informação documental encontrada em contextos cotidianos da vida social ou
natural e que requerem abordagem pertinente.
•É uma atividade didática que permite aos alunos estabelecerem relações
ativas e interpretativas relacionadas diretamente com a produção de novos
conhecimentos, envolvendo pesquisas com documentos localizados em
contextos vivos e dinâmicos da realidade.

• Os alunos se deparam com o todo cultural, o presente e o passado, o


particular e o geral, a diversidade e a generalização, as contradições e o que
se pode estabelecer de comum no diferente.

• Olhar um espaço como um objeto investigativo é estar sensível ao fato de


que ele sintetiza propostas e intervenções sociais, políticas, econômicas,
culturais, tecnológicas e naturais de diferentes épocas, num diálogo entre os
tempos, partindo do presente.
• É no local, conhecendo pessoalmente casas, ruas, obras de arte, campos
cultivados, aglomerações urbanas, conversando com os moradores das
cidades ou do campo, que os alunos se sensibilizam para as fontes de
pesquisa histórica, isto é, para os materiais. sobre os quais os especialistas
se debruçam na interpretação de como seria a vida em outros tempos, como
se dão as relações entre os homens na sociedade de hoje, como o passado
permanece no presente ou como são organizados os espaços urbanos ou
rurais.
• No contato com a fonte de interpretação, por via do estudo do meio, podem
ser criadas oportunidades para os alunos confrontarem o que imaginavam ou
sabiam com o que a realidade apresenta como materialidade da vida, em
todas suas contradições dinâmicas.
• O estudo de meio provoca conflitos fundamentais, que instigam os alunos a
compreender a diversidade de interpretações sobre uma mesma realidade e a
organizar as suas próprias conclusões.
•O estudo do meio propicia o desenvolvimento do olhar histórico sobre a
realidade através da interação direta com o contexto e seu passado.
ESTUDO DO MEIO:

É NÃO É

 conhecimento da diversidade de  simples obtenção de


ambientes, habitações, modos de informações fora da sala de
vida, estilos de arte ou as formas aula;
de organização de trabalho;
 simples constatação de
 conhecimento embasado em conhecimentos já
informações e teorias que encontrados em livros
orientam o olhar do observador didáticos, enciclopédias ou
para interpretar os fenômenos de jornais, que se podem
modo cada vez mais complexo; verificar in loco na paisagem
humana ou geográfica;
 conhecimento, partindo de
vivências do grupo, sem deixar de  apenas um modo de
considerar o conhecimento aproximar a teoria escolar da
historicamente constituído. observação direta.
 Premissas:

 Reconhecimento da interdisciplinaridade e de que a

apreensão do conhecimento histórico ocorre na relação que

estabelece com outros conhecimentos físicos, biológicos,

geográficos, artísticos;

 É necessário formular perguntas, fazer recortes temáticos,


relacioná-los a outros documentos, a outras informações e a

outras realidades.
Contato
direto com o
meio

ESTUDO Observação
Análise de DE e descrição
elementos
MEIO do meio

Pesquisa
 Objetivos:

 Com base na pesquisa e nas atividades de campo, levar os


alunos a compreender como era o meio e as transformações pelas
quais passou;

Ensinar os alunos a ver o meio como vetor de memória e ou


documento para a construção da História; e

 Mostrar como a observação, aliada à pesquisa, ao debate e à


utilização de diferentes documentos (entrevistas, fotografias, filmes,
jornais, músicas...), pode contribuir para a construção do
conhecimento histórico.
 Vantagens do estudo de meio:
 Compreensão mais crítica pelo aluno da sua própria época e o
espaço em seu entorno.
 Ampliação da visão de mundo do aluno, tomando consciência que
se insere em uma época específica.
 O ensino de História alcança a vida e o aluno transporta o
conhecimento adquirido para fora da situação escolar, propondo
soluções para problemas de diferentes naturezas com que se defronta
na realidade.
 Participação ativa do aluno na elaboração de conhecimentos,
compreendido como recurso didático para uma atividade construtiva
que depende, ao mesmo tempo, da interpretação, da seleção e das
formas de estabelecer relações entre informações.
 Explicitação de que o conhecimento é uma organização específica
de informações sustentadas tanto na materialidade da vida concreta,
como a partir de teorias organizadas sobre elas.
 Compreensão de que os documentos e as realidades não falam por
si mesmos.
 Compreensão de que o conhecimento organizado faz parte da
produção de um pesquisador ou de um grupo de pesquisadores, a
partir de informações e de idéias de muitos outros estudiosos, e que
depende da criação num tempo específico, a partir de perguntas
escolhidas e formuladas ao longo de um processo.
 O estudo de meio implica no exercício de diferentes habilidades:
observação, registro (verbal, gráfico, imagético, cartográfico,
matemático...), análise, dedução, comparação, síntese e
apresentação de resultados em diferentes formas.
II. ABORDAGENS DIDÁTICAS

OBSERVAÇÃO DIRETA DO MEIO

+
INTERPRETAÇÃO DOS DISCURSOS DO SEU E DE OUTROS TEMPOS

O estudo do meio é um recurso pedagógico privilegiado,


já que possibilita aos estudantes adquirirem, progressivamente,
o olhar indagador sobre o mundo e realizar a interseção entre memória,
patrimônio e história.
 Cuidados didáticos:
a. Criar atividades anteriores à saída, que envolvam levantamento de
hipóteses e de expectativas prévias;
b. Criar atividades de pesquisa, destacando diferentes abordagens,
interpretações e autores (reportagens, jornais, enciclopédias, livros
especializados, filmes e sites) sobre o local a ser visitado*;
c. Integrar várias áreas, permitindo investigações mais conjunturais dos
locais a serem visitados que incluam, por exemplo, pesquisas
geográficas, históricas, biológicas, ambientais, urbanísticas, literárias,
hábitos e costumes, estilos artísticos, culinária etc.;
d. Antes de realizar a atividade, solicitar que os alunos organizem, em
forma de textos ou desenhos, as informações que já dominam, para que
subsidiem as hipóteses e as indagações no local;
e. Se possível, conseguir um ou mais especialistas para conversar com os
alunos sobre o que irão encontrar na visita ou sobre o tema estudado*;
f. O professor deve visitar o local com antecedência, para que possa ser,
também, informante e guia ao longo dos trabalhos, e evitar áreas de risco
(social, desmoronamento...);
g. Organizar, junto com os alunos, um roteiro de pesquisa, um mapa do
local e uma divisão de tarefas;
h. Conseguir com antecedência ou posteriormente, para estudo em classe,
mapas de várias épocas sobre o local, para análise da transformação da
paisagem e da ocupação humana;
i. conversar com os alunos antes da excursão sobre condutas necessárias
no local, como, por exemplo, interferências prejudiciais aos patrimônios
ambientais, históricos, artísticos ou arqueológicos.
 Atividades: estudos da organização do espaço interno da sala de
aula, escola ou casa, visitas e passeios na comunidade, excursões e
viagens fora da comunidade.

 Etapas: síntese
1) atividades anteriores à visita: levantamento de questões a
serem investigadas e seleção de informações;
2) visita: observação de campo;
3) atividades posteriores à visita: confrontação entre os dados
levantados e os conhecimentos já organizados por
pesquisadores  organização de dados e interpretação:
sistematização de interpretações, teorias, dados, materiais...
 conclusões: propostas para problemas detectados,
atribuindo a esse trabalho uma função social, como
conhecimentos que possam ser socializados e compartilhados
com outras pessoas (livro, jornal, exposição, mostra...).
 Escolha um sítio, de preferência, bem conservado (evitar risco de acidente);
 Verifique se há suficiente documentação histórica e registros anteriores
para facilitar comparação com a atualidade;
 1ª Fase:  Considere a facilidade de acesso ao local; e
 Aponte as potencialidades e limitações das evidências e como trabalhar isto
(formulação de hipóteses, riscos e problemas de interpretação e conclusões).

a. Determinar o eixo temático capaz de permitir a relação com o conteúdo


histórico do planejamento da disciplina;
b. Selecionar o meio;
c. Realizar pesquisar prévia sobre o meio, foco do estudo;
d. Fazer uma visita para confirmar os dados da pesquisa e os locais que os
alunos conhecerão;
e. Definir época (clima, eventos...), dia, horário (saída, deslocamento, atividade,
alimentação, retorno), procedimentos, custos* (transporte, alimentação, guias
locais, bilhetes...), contato com instituições, transporte, alimentação (lanches
e restaurante), roupas e equipamento...;
f. Solicitar autorizações: escola, pais e instituições visitadas;
g. Envolver pessoal para acompanhar a atividade considerando a faixa etária e
número de alunos assim como o lugar e tipo de atividade.
Possíveis dificuldades:

 Impossibilidade financeira dos alunos: Procure organizar atividade


num local próximo, de modo que as despesas sejam reduzidas ao máximo.
Sensibilize a Direção da Escola, comunidade e Associação de Pais e
Mestres para o projeto e sua colaboração financeira. Verifique se há
programas institucionais que forneçam transporte e/ou esquema de visita.

 Pessoal de apoio e tempo para realização: Procure desenvolver


projetos interdisciplinares envolvendo colegas de outras disciplinas.
 2ª Fase:

a. Explicar aos alunos os objetivos do estudo de meio;


b. Fornecer um cronograma de atividades (incluindo a visita);
c. Informar os materiais necessários;
d. Estabelecer o que os alunos / grupos (dividir tarefas) terão que realizar ao
final do trabalho.

 3ª Fase:

a. O professor deverá fornecer, previamente, informações sobre o meio que


será visitado e o que deverá ser visto, estando, contudo aberto para
considerar sugestões feitas pelos alunos quanto a outros locais (pode
aumentar o interesse e o comprometimento dos alunos com a atividade);
b. Os alunos farão pesquisa sobre o meio escolhido;
c. Para cada local a ser visitado, o professor deverá elaborar, junto com os
alunos, um roteiro prévio de questões a serem feitas aos funcionários,
habitantes...
 Com o auxílio dos habitantes locais, o aluno pode
identificar as características da cultura, percebendo o que
não é explícito, os significados atribuídos pelas pessoas
no presente, o que alimenta a construção da memória e
do imaginário.

 Os estudantes têm a oportunidade de conviver e


conversar com os habitantes da região, imprimindo em
suas lembranças a linguagem local, o vocabulário
diferenciado, as experiências, as vivências específicas, os
costumes, a hospitalidade.

Outros recursos: mapas, plantas, fotos (antigas e recentes), documentos


originais, arquivos, músicas, objetos, filmes, folhetos...
 4ª Fase:
a. Deslocamento ao local escolhido;
b. Visitas, aplicação dos questionários e registro escrito e imagético (caso
seja permitido).

Onde ele está


situado?
Como era Como se
este lugar no insere na Quão
passado e paisagem antigo é o
como ele natural?
 Fazer lugar?
mudou?

questões
adequadas Quem O que
viviam? aconteceu
Quantas aqui?
 Levantar pessoas SÍTIO Como
viviam? sabemos
problemas disto?

Como se
relaciona com
os outros Quantas
lugares ou Quem, por que
estruturas
construções? e como o
existiam? De
que eram construíram?
feitas? Para
que serviam?
EXPLORAÇÃO ORIENTADA DO MEIO:
Questões básicas para abordagem

Idade

Locali-
História
zação

SÍTIO

Função Aspecto

HORTA, M. de L. P.; GRUNBERG, E.; MONTEIRO, A. Q. Guia Básico de Educação Patrimonial.


Brasília, DF: IPHAN / Museu Imperial. 1999, p. 21.
EXPLORAÇÃO ORIENTADA DO MEIO:
Aprofundamento da abordagem

Onde
está?
Quando foi Quem
construído? construiu?

Qual a
sua SÍTIO Como é?
forma?

Como
Como
foi foi
construído? usado?
HORTA, M. de L. P.; GRUNBERG, E.; O que
MONTEIRO, A. Q. Guia Básico de aconteceu
Educação Patrimonial. Brasília, DF: aqui?
IPHAN / Museu Imperial. 1999, p. 21.
EXPLORAÇÃO ORIENTADA DO MEIO:
Dinâmica história
HORTA, M. de L. P.; GRUNBERG, E.; MONTEIRO, A. Q. Guia Básico de Educação Patrimonial.
Brasília, DF: IPHAN / Museu Imperial. 1999, p. 18.

PRESENTE PASSADO PASSADO-PRESENTE


• Como é o lugar • Como era este lugar no • Que elementos do passado
hoje? passado? podemos ver hoje?
• Que influência estes elementos
• Por que este lugar é • Por que este lugar era
tiveram sobre este lugar e como
assim, hoje, e como desde modo no
esta influência se diferencia ou
se diferencia ou se passado?
assemelha ao que aconteceu em
assemelha a outros
lugares? • Como e por que ele se outros lugares?
diferenciava ou se • De que modo as relações
• De que maneira este assemelhava a outros existentes no passado influenciaram
lugar se relaciona com lugares no passado? este lugar e o modo em que ele se
outros lugares? relaciona hoje com outros lugares?
• De que maneira este
• Como as mudanças ocorridas
• Como este lugar está lugar estava relacionado
estão refletidas hoje neste lugar?
mudado e por quê? com outros lugares?
• Como o passado influencia o modo
• Como seria viver • Como seria viver neste e a experiência de viver neste lugar,
neste lugar, hoje? lugar, no passado? hoje?
 5ª Fase:

a. Orientar os alunos na organização das informações obtidas;


b. Pesquisar algum aspecto que demandou esclarecimento que não foi
possível obter no local;
c. Analisar os dados coletados;
d. Discutir os resultados obtidos na visita;
e. Reformular os resultados a partir de pesquisas (prévias e posteriores) e
das discussões;
f. Apresentar as conclusões de forma coletiva e observando a
dimensionalidade histórica: painéis, desenhos, mapas, gráficos,
cronologias, exposições de objetos, fotografias, maquetes, vídeos, blog,
CD-ROM, apostilas, livro...
g. Avaliar a atividade visando seu aprimoramento e o planejamento de futuros
estudos do meio.
COMPARTILHE!
As suas reflexões sobre os procedimentos
pedagógicos escolhidos, o processo de trabalho
e as produções dos estudantes podem ser
socializados com outros colegas professores,
aprofundando propostas educacionais e
consolidando práticas bem-sucedidas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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