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GEOPOLÍTICA

E INTEGRAÇÃO
REGIONAL
UNIDADE I
Geopolítica,
Território e Poder
Eduardo Henrique Freitas Braga
Geopolítica e Integração
Regional

Apresentação
Na disciplina Geopolítica e Integração Regional, vamos explorar diversos campos:
a própria geopolítica do território, as dinâmicas de desenvolvimento territorial e a
regionalização como instrumento de organização e produção de espaços político-
econômicos.

Durante o processo de aprendizagem, objetivamos apresentar as concepções sobre


o território e o poder; a regionalização e a integração; o comércio internacional na
globalização; os blocos econômicos; e as diferentes integrações regionais possíveis
em um mundo desigual. Esses conhecimentos são essenciais para os profissionais
das áreas da Geografia, Economia, História, Administração, Relações Internacionais,
entre tantos outros, pois aqui se apresentarão temas potentes para discutir o passado,
o presente e o futuro da nossa sociedade.

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Geopolítica, Território e
Poder

Introdução
Nesta unidade, você vai compreender um mundo que se desvenda e se oculta em
diversos momentos, e como os conhecimentos geográficos e geopolíticos ajudam a
iluminar esses processos. Ao verificarmos, nesse primeiro contato, alguns conceitos
como território, poder e a própria Geopolítica, poderemos identificar como a gestão do
território é algo muito mais complexo do que apenas organizar o espaço. Aqui, vamos
descobrir como ele se produz, se reproduz, e constitui a sociedade em sua dimensão
territorial.

Objetivos da Aprendizagem
Ao final desta unidade, esperamos que você seja capaz de:

• compreender a geopolítica como conhecimento político;


• compreender o território como produto de disputas e lugar de reprodução da
geopolítica global.

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A Geopolítica como Instrumento do Poder
A partir de uma compreensão geopolítica do mundo, as relações socioespaciais se
dão em termos territoriais. Desde uma noção mais comum, o território participa do
vocabulário acadêmico, jornalístico e popular. É preciso, entretanto, compreender o
que fundamenta o território como uma categoria da Geografia que, de certo modo,
empresta-se às Relações Internacionais, à burocracia e aos profissionais gestores do
território multiescalar. Vamos compreender como o território é constituído: encontro
de forças e interesses desiguais.

O Domínio do Território

É no território que se localiza a discussão da dimensão política do espaço, que


durante muitas décadas se confundiu com a ação exclusivamente estatal na
regulação e organização dos seus limites de área. O conceito de “espaço vital” (do
alemão lebensraum), elaborado por Friederich Ratzel (1844 – 1904) era central para
se compreender como a ocupação – e posteriormente dominação – do território
acontecia. O espaço vital consiste no equilíbrio entre uma população e a capacidade
de recursos naturais que o território ocupado ofereceria.

O mapa é o recurso cartográfico para a leitura do território

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: mapa com o planisfério e projeções antigas, com diversos
acessórios de expedição em volta (bússolas, lupa, timão, binóculo).

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Superando esse pensamento anterior, podemos ampliar a análise: um Estado deve ser
do tamanho da sua capacidade de organização – e por organização, entendemos uma
ideia múltipla, composta por recursos militares, população, autonomia e soberania na
produção e consumo de alimentos, entre outros fatores.

Localizando-se temporalmente: a origem dos Estados Modernos, ao fim do século XIX,


apontava para um novo mundo, onde o capitalismo europeu passava a implicar uma
dominação de territórios externos ao continente, com um objetivo claro de exploração
da terra e do trabalho de outras sociedades. No caso alemão, a reunificação tardia
do seu território foi um ponto chave extremamente fértil para que o pensamento
geopolítico já nascesse estratégico, como uma ciência instrumentalizada pelo Estado.

Mas o ponto focal da discussão permanece o mesmo: a composição do território e


seus meios de coesão por meio dos transportes e da comunicação constituem os
dois pilares do poder territorial. A posição geográfica também assume importância
fundamental nas políticas territoriais, que mudam a depender da proximidade com
o litoral, as florestas, as montanhas, entre outros. É pelo domínio do território que a
atuação do Estado e de determinado grupo se exerce, atravessada pelo poder. Mais do
que pela materialidade do espaço, as vias de dominação se produzem e reproduzem
imaterialmente. A fragilidade de um território, para a Geopolítica, nasce na fragilidade
de uma noção de pertencimento a determinado lugar. Assim,

• [...] o conceito de território não pode ser classificado como físico ou


fenômeno inanimado, mas como uma área onde há um elemento
de centralidade, que pode ser uma autoridade exercendo soberania
sobre as pessoas ou o uso de um lugar (SAQUET, 2007, p. 65).

A relação entre espaço e poder, portanto, organiza-se de dois modos: em uma


imaterialidade, a partir das leis, dos contratos e das convenções sociais; e a partir de
uma materialidade direta, na criação de infraestruturas, fronteiras, limites, instituições
e outros objetos no território.

Atenção
É pelo domínio do território que não apenas a atuação do Estado e
de determinado grupo se exerce, atravessada pelo poder.

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Nesse sentido, o território é um campo de forças, um encontro de poderes onde um é
hegemônico, e o outro implica uma contratendência.

Reflita
Você já parou para pensar sobre a natureza dos conflitos? Onde
podemos perceber, na história, disputas territoriais entre grupos
hegemônicos em oposição a interesses contra-hegemônicos?

Poder e Hegemonia

É na noção de poder que se funda a concepção ideológica da Geopolítica. A partir da


já superada condição unidimensional do domínio do território por parte do Estado,
o poder acaba esvaindo-se em vazio teórico confundido com força física e bélica.
Deve-se pensar o poder como uma dimensão social dos movimentos estratégicos
dos sujeitos sociais – seja o Estado, uma comunidade, um sindicato, ou mesmo
um conglomerado empresarial. O poder se alinha, segundo uma visão ratzeliana da
Geopolítica, ao Estado como detentor da força, atuando livremente conforme sua
necessidade e autoridade sobre o território, como se o espaço político fosse um
tabuleiro onde as peças a serem movimentadas partissem de um único jogador.

A noção de poder, como literaturas mais recentes apontam (RAFFESTIN, 1993;


FOUCAULT, 2004; BOURDIEU, 1989) é multifatorial, complexa e de profunda diversidade
– o que não significa dizer, porém, que possui condições democráticas em disputa.
Assim, podemos sintetizar (apenas algumas) concepções de poder abaixo:

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Algumas diferentes concepções de poder

ALGUMAS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE PODER

Claude Raffestin Michel Foucault Pierre Bourdieu


(1993) (2004) (1989)
O poder é um fator O poder é circulante, existe
O poder [simbólico] é um
multidimensional, que é apenas em relação, em
poder de construção da
exercido tanto a partir do poder cadeia, se exerce apenas em
realidade, estruturantes
“superior” (o Estado), mas rede – não está localizada
de relações políticas que
também através das relações de modo unipolar. O poder
funcionam a partir da
cotidianas, por diversos não se aplica aos indivíduos,
legitimação da dominação
sujeitos e atores, exercendo mas existe através deles,
de uma classe sobre outra:
relações de poder contra- sendo parte constituinte da
uma violência simbólica.
hegemônicas. sociedade moderna.

Fonte: elaborado pelo autor (2023).


#pratodosverem: quadro apresenta três concepções diferentes de “poder” para
três autores diferentes: Claude Raffestin, Michel Foucault e Pierre Bourdieu.

Claude Raffestin

Geógrafo suíço e professor. Seus temas de interesse são o território, a


territorialidade e o poder, a partir de um diálogo com Michel Foucault.

Michel Foucault

Filósofo, historiador, ativista e professor. Seus temas de interesse são a


comunicação social, a antropologia, a sociologia, a criminologia, entre outros.

Pierre Bourdieu

Sociólogo francês, professor e pesquisador. Seus temas de interesse são a


sociologia da educação e a teoria sociológica.

É nesse sentido dialético de poder que se encontra uma possibilidade de reflexão


sobre a hegemonia. No debate geopolítico, tende-nos a pensarmos nas condições
de força sempre como pendentes para o Estado ou quaisquer outros grupos que
dominam (e possuem, de fato, grande poderio econômico-político) o território e seus
elementos constituintes. Reforça-se, a partir de uma leitura de Apeldoorn (2017), na
qual localizamos a hegemonia como uma dimensão do poder dominante, que se
produz e reproduz também de forma dominante. É imediata a necessidade, porém, de
desconstruir o conceito de “segurança nacional” e reconstruí-lo enquanto “segurança
da classe dominante”, o que revela que “essas estratégias, na verdade, refletem (não

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sempre perfeitamente) estratégias de classe capitalista que procuram reproduzir a
hegemonia de classe” (p. 155).

É necessária uma inversão das condições de força da Geopolítica, a fim de tocarmos


o debate acerca da justiça social e de uma pluralidade de interesses populares,
tradicionais e comunitários no campo de forças dos interesses nacionais. Reforça
Saquet (2019),

[...] consciência de classe e consciência de lugar necessitam andar


juntas, ou seja, precisam ser continuadas e reflexivamente, produzidas
simultaneamente [...] Todos são elementos e processos fundamentais na
práxis do desenvolvimento territorial (p. 29).

Nesse sentido, a Geopolítica guarda interesses que, pelo exercício do poder dominante,
continuam a se reproduzir. É preciso criar a possibilidade de inverter as condições de
poder, hegemonia e o próprio território: territorializações e apropriações.

O poder: em que mãos ele está?

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: mão negra levantada com o punho cerrado em destaque,
simbolizando a força e o poder.

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Qual é, então, a natureza da Geopolítica como ciência da estratégia?

Geopolítica e Geografia Política


A Geografia Política compreende o estudo da sociedade e seu espaço-tempo político
(COSTA, 2019), as relações entre a gestão do território e as políticas empreendidas
por um Estado para seu controle e delimitação. Já a Geopolítica se localiza no âmbito
das estratégias fundamentais que determinam grupo ou Estado, tomando em relação
aos aspectos de sua soberania, defesa e outros campos estratégicos, garantindo sua
sobrevivência ou manutenção.

Enquanto o espaço e a política são definidos como o par categorial da geografia,


território e poder são definidos como o par categorial da Geopolítica (COSTA, 2019).
A partir de agora, vamos compreender como a Geopolítica se torna um poderoso
instrumento do poder, atuando como a mediação para a produção do território
enquanto espaço político.

Ciência e Instrumentalização

Enquanto saber, a Geopolítica cumpre seu papel estratégico. Pode-se dizer que a
Geopolítica já nasce como saber e como prática, como conhecimento e como ideologia.
Como ciência, a Geografia e a Geopolítica funcionam a partir da epistemologia e da
instrumentalização desses saberes desde sua constituição como ciência, em meados
do século XX. É sempre o Estado quem cumpre o ofício de instrumentalizar tais
saberes, a partir de suas políticas públicas de desenvolvimento, distribuição de cargos
operacionais a determinados profissionais técnicos. Dessa forma, o território disputa
seu conceito com o espaço, a partir do qual arquitetos, urbanistas e engenheiros
assaltam a noção.

Assim, passou-se a usar mais o “espaço” do que o “território”, acentuando o papel


do Estado como mediador entre os interesses internacionais e o espaço nacional
(CARNEIRO; RÜCKERT, 2010).

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O planejamento como tecnocracia

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: mãos que se voltam para o estudo de um mapa, denotando
atividade de planejamento territorial (urbano ou regional).

Existe diferença entre o Estado como produtor de território e como produtor de espaço,
dependendo do ponto de vista (geográfico, urbanístico, filosófico). O território pode
se tornar espaço, como nas fronteiras, trocas comerciais e conflitos, e a valorização
do espaço adiciona outra camada ao debate sobre o território, superando as noções
clássicas da geopolítica. A partir da segunda metade do século XX, a complexidade do
território se amplia em diferentes escalas, como os territórios regionais, fronteiriços
e metropolitanos, o que politiza ainda mais a ciência e a atuação cotidiana nesses
espaços.

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A hegemonia do Estado

o Estado busca se apropriar da geopolítica, atuando conforme sua força militar


e ideológica.

A hegemonia do poder estatal na dominação territorial

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: homens brancos e de terno em tribuna. No primeiro plano, de terno azul e gravata vermelha, um
deles está prestes a se pronunciar no microfone.

A hegemonia do mercado

o mercado (os interesses privados) atuam muitas vezes em associação ao


poder estatal, ficando difícil, atualmente, entendê-los separadamente.

O mercado como a dupla determinação do poder estatal

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: dois homens de terno apertam as mãos, simbolizando um acordo entre as partes.

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A contra-hegemonia dos povos tradicionais e originários

atuando com interesses baseados na cultura e na subsistência econômica,


muitos povos conflitam diretamente como forças políticas.

Os povos originários e tradicionais: produtores e mantenedores de seu território

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: pessoa da tribo Pataxó com cocar, olhando para sua esquerda.

O Território como Espaço Político

O território é uma noção clássica da Geografia e da Geopolítica francesa. Dito


tradicionalmente como aménagement du territoire (organização do território), é uma
prática que diz respeito à intervenção no território por meio do planejamento estatal. A
divisão administrativa também parece ser uma dimensão importante, visto que é por
meio dela a decisão pelas políticas públicas que existirão nesses lugares.

O território reflete as práticas espaciais de diferentes atores, como o Estado, o mercado e


os movimentos sociais. Por vezes, interesses dominantes são incorporados ao território
por meio de discursos “vazios”. Esse processo é chamado de “desenvolvimentismo”.
O discurso político que nega a existência e a ocupação de modos de vida serve como
uma tática das forças hegemônicas (público-privadas).

O território é um espaço político, pois ele é espaço de disputas. Nesse sentido, o


território político é atravessado por diferentes (e historicamente desiguais) sujeitos
sociais. As políticas públicas e de integração regional direcionam a atuação, desde
que ela jamais corresponda a uma ação estéril, sem finalidades. O território é o espaço
político da contradição, visto que se apresenta como o ponto de encontro do local e
do regional em paralelo a um mundo de forças globalizantes (CARNEIRO; RÜCKERT,
2010, p. 19).

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Desmatamento de terras indígenas como instrumento da reprodução econômica

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: floresta de pinheiros desmatada, denotando ser uma área fora
do território brasileiro.

É importante conhecer as estratégias de uso e ocupação dos espaços, levando em


conta sua dimensão política. A integração é uma ideia relevante nas estratégias
nacionais e regionais de expansões globais. Como nos afirma Apeldoorn (2017), “a
estratégia geopolítica serve a um determinado propósito social: [...] aos interesses
de uma (fração de) classe dominante [...].” (p. 156). A partir disso, posto o território,
o poder e a geopolítica como elementos fundamentais para nossa compreensão a
partir daqui, podemos enfim acessar o debate da integração regional: seus limites
conceituais, políticos e territoriais; seu uso estratégico e suas possibilidades tanto do
ponto de vista público-privado, quanto social, com forte eco nas relações cotidianas.

Saiba mais
No documentário Territórios, Identidade e Tradição (OTSS – Projeto
Povos, 2021), conhecemos diferentes territorialidades brasileiras,
compreendendo a importância sociocultural da preservação e
manutenção destas práticas. Acesse o conteúdo clicando aqui.

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Conclusão
Nesta unidade, estudamos os conceitos iniciais do pensamento geopolítico,
como a relação entre território e poder, a natureza contraditória da hegemonia,
a instrumentalização e ideologização do conhecimento geopolítico, e o caráter
conflituoso do território.

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Referências
APELDOORN, B. Estratégia geopolítica e hegemonia de classe: para uma análise
materialista-histórica de política externa. Plural, [S. l.], v. 24, n. 2, p. 135-160, 2017.

BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

CARNEIRO F, C. P.; RÜCKERT, A. A. Geopolítica, Estado e Território. Revista GeoPantanal,


v. 8, p. 05-25, 2010.

COSTA, W. M. O espaço da política. In: CRUZ, R. C. A.; CARLOS, A. F. A. A necessidade


da geografia. São Paulo: Contexto, 2019. p. 58-77.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 23. ed. São Paulo: Graal, 2004.

RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.

RATZEL, F. O solo, a sociedade e o Estado. Rev. do Departamento de Geografia, [s. l.],


v. 2, p. 93-101, 2011.

SAQUET, M. A. As diferentes abordagens do território e a apreensão do movimento e


da (i)materialidade. Geosul (UFSC), v. 22, p. 55-76, 2007.

SAQUET, M. A. O território: a abordagem territorial e suas implicações nas dinâmicas


de desenvolvimento. Informe GEPEC (Online), v. 23, p. 23-39, 2019.

SAQUET, M.; BOZZANO, H. Concepções e práxis de território na América Latina: aportes


para o debate (I). Revista Continentes, v. 9, p. 257-284, 2020.

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