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A instituição da MP 881/19 PARTE II

4) O instituto da desconsideração da personalidade


jurídica e a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas
dos tipos unipessoais de natureza limitada na MP nº 881/19
4.1) Autonomia Patrimonial

Como estudado anteriormente, as pessoas jurídicas possuem


personalidade jurídica distinta da de seus membros. Assim,
possuem autonomia patrimonial distinta da de seus titulares.

A personalidade jurídica de pessoa jurídica confere capacidade


para ter direitos patrimoniais, quer dizer, autonomia patrimonial.
Isso significa que a sociedade empresária limitada unipessoal com
autonomia patrimonial responde pelas obrigações que contrair,
assim como a EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade
Limitada. Apenas excepcionalmente seus administradores ou sócios
serão solidários por essas obrigações à guisa do Instituto da
Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Interessa aos nossos estudos, particularmente, as pessoas


jurídicas de direito privado, que se dividem em pessoas jurídicas de
direito privado estatais e pessoas jurídicas de direito privado
particulares. Podem ser de seis espécies: (a) fundações; (b)
associações; (c) sociedades; (d) partidos políticos; (e) entidades
religiosas; e (f) Empresa Individual de Responsabilidade Limitada –
EIRELI.

Vale ressaltar, que as duas figuras elencadas na MP 881/19


gozam de personalidade jurídica de pessoa jurídica.

A sociedade e a EIRELI têm titularidade negocial, quando os


negócios são realizados pela sociedade e EIRELI, respectivamente, e
não pelos titulares ou sócios; titularidade processual, tendo
capacidade para estar em juízo; responsabilidade patrimonial, que
significa dizer que, em princípio, os bens dos sócios não respondem
pelas obrigações da EIRELI ou da sociedade.

A personalização das EIRELI e das sociedades se dá com o


registro no órgão de registro das empresas mercantis. A partir disso,
a pessoa jurídica passa a ser sujeito de direitos e obrigações, com
legitimidade processual ativa e passiva, podendo ser
responsabilizada por dano na esfera civil e penal. Não se pode
confundir a pessoa jurídica com as pessoas que dela participam,
inclusive a sua autonomia patrimonial.

4.2) Desconsideração da personalidade jurídica e a MP 881/19

Inicialmente, devemos tratar sobre o fato de que o direito


reconhece a pessoa jurídica com titularidade negocial, processual e,
inclusive, patrimonial. O patrimônio das pessoas jurídicas não se
confunde com o patrimônio dos sócios. A concessão de
personalidade jurídica, tendo em vista seus efeitos, não em raros
casos, leva a cometimento de atos abusivos contra credores e
terceiros.

Por tal razão, quando a personalidade jurídica é utilizada para


fazer valer fraude em detrimento de terceiros ou confusão
patrimonial, considera-se ineficaz a personificação com relação aos
atos praticados de forma abusiva ou fraudulenta. A lei admite a
superação da personalidade jurídica com o fim de atingir o
patrimônio dos sócios e/ou administradores envolvidos na
administração da sociedade.

Assim ocorrendo, desconsidera-se o favor da personalidade


jurídica, para imputar a responsabilidade pelos atos praticados ao
verdadeiro autor do abuso, que, destarte, deverá responder,
pessoalmente, com seu patrimônio pelos atos praticados.
O art. 50 do Código Civil determina que, “em caso de abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou
pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da
parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no
processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de
obrigações sejam estendidos aos sócios e administradores.” A
empresa jamais poderá ter por finalidade a prática de ato ilícito,
além da hipótese de confusão patrimonial.

4.3) A EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada estaria


imune à Desconsideração da Personalidade Jurídica em vista de confusão
patrimonial?

O texto do §7.º, art. 980-A, em vista da Medida Provisória 881/19


é no sentido de que “somente o patrimônio responderá pelas
dívidas da empresa, hipótese em que não se confundirá, em
qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui,
ressalvados os casos de fraude”.

Em vista de tudo que já se discutiu no presente artigo, o texto da


MP 881/19 para que “somente o patrimônio responderá pelas
dívidas da empresa, hipótese em que não se confundirá, em
qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui”, é
facilmente interpretado como uma mera afirmação do princípio da
autonomia patrimonial, hipótese em que a autonomia é regra geral
e para excepcionalidade da Desconsideração da Personalidade
Jurídica, o intérprete segue diretamente para o art. 50, CC, para
aplicar o que compreende como abuso da personalidade jurídica
por fraude ou confusão patrimonial.

O nosso entendimento é no sentido de que a mera expressão


“em qualquer situação”, nos parece frágil para evitar a aplicação da
Desconsideração da Personalidade Jurídica em vista da confusão
patrimonial, ressaltando o fato de que estamos apenas tratando de
uma hipótese de interpretação literal e que todo o restante ficaria
para a consolidação da jurisprudência de nossos tribunais já
direcionada e afastá-la dos ventos atuais, exigiria uma legislação
mais robusta.

É possível que se pretenda, com o presente texto, afastar a


confusão patrimonial como hipótese para a Desconsideração da
Personalidade Jurídica nos casos em que estejamos diante da EIRELI
– Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, mas sem um
texto aplicado ao próprio art. 50, CC, para legislar pela restrição da
confusão patrimonial para a modalidade, o art. 980-A, CC, será alvo
fácil para a jurisprudência que se mostra expansiva, inclusive, no
que denominamos abuso da Desconsideração da Personalidade
Jurídica.

Vale lembrar ainda, que após o voto do §4.º, do art. 980-A, CC, o
enunciado 470 da V Jornada de Direito Civil do CJF que reúne
relevantes doutrinadores para discussões na esfera civil e
empresarial debateu a hipótese para afirmar que o texto não traria
prejuízo à aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Finalmente, se a intenção é fazer o empreendedor mais seguro


por intermédio do presente texto, vale considerar além das relações
de consumo, a grande tensão do empreendedor se mostra perante
a Justiça do Trabalho que aplica de modo análogo o Código de
Defesa e Proteção do Consumidor para avançar nos bens de
titulares, sócios e administradores no “mero prejuízo do credor” em
vista da aplicação isolada do §5º, art. 28, CDC.

5) Conclusão
Considerando que o texto do §7.º, art. 980-A, CC, é tímido ao
tentar restringir a Desconsideração da Personalidade Jurídica para a
modalidade EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade
Limitada frente à robusta jurisprudência consolidada nas hipóteses
atualmente previstas no art. 50, CC e que se mantém para a nova
legislação e que não haverá vantagem nesse sentido para com a
Sociedade Limitada Unipessoal;

Considerando que a Sociedade Limitada Unipessoal é Pessoa


Jurídica tanto quanto a EIRELI – Empresa Individual de
Responsabilidade Limitada com vantagens no sentido da
desnecessidade de patrimônio mínimo para a sua constituição em
dissonância àquela que exige integralização de capital mínimo de
100 salários-mínimos;

Considerando que a Sociedade Unipessoal segue em vantagem


já que a pessoa natural de seu sócio poderá constituir quantas
empresas desejar nessa modalidade;

Concluímos que, muito embora a coexistência da EIRELI –


Empresa Individual de Responsabilidade Limitada e a Sociedade
Unipessoal não traga grandes prejuízos ao empreendedor, a
coexistência não se justificará para a sociedade e o mercado, que
fará a sua escolha natural, muito provavelmente pelo fim do
instituto presente no art. 980-A, CC, pelo desuso ou por quase
nenhuma utilidade em futuro próximo, ainda que, em vista da
dificuldade de ajuste ao texto da EIRELI, principalmente para
considerar a sua constituição por Pessoa Natural ou Jurídica,
consideramos um grande acerto a instituição da Sociedade Limitada
Unipessoal.

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