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Relatório Final de Estágio

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

SÍNDROME VESTIBULAR EM CÃES


Maria Cristina Lemos de Carvalho Aguiar Pinto

Orientadora:

Professora Doutora Cláudia Sofia Narciso Fernandes Baptista

Co-Orientadores:

Dr. Jordi Manubens Grau – Hospital Veterinari Molins

Professor Doutor Xavier Roura López – Hospital Clínic Veterinari UAB

Porto, 2017
Relatório Final de Estágio
Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

SÍNDROME VESTIBULAR EM CÃES


Maria Cristina Lemos de Carvalho Aguiar Pinto

Orientadora:

Professora Doutora Cláudia Sofia Narciso Fernandes Baptista

Co-Orientadores:

Dr. Jordi Manubens Grau – Hospital Veterinari Molins

Professor Doutor Xavier Roura López – Hospital Clínic Veterinari UAB

Porto, 2017
II
RESUMO

A presente revisão bibliográfica foi elaborada no âmbito do estágio final do Mestrado


Integrado em Medicina Veterinária e refere-se a uma apresentação neurológica
frequentemente observada na prática clínica de animais de companhia – a Síndrome
Vestibular.
O interesse por este tema surgiu no decorrer do meu estágio curricular no Hospital
Veterinari Molins. Durante os três meses em que lá estive acompanhei o trabalho dos auxiliares
e da equipa médico-veterinária, fazendo rotações por várias especialidades. Embora tenha
podido observar bastantes casos de animais hospitalizados com síndrome vestibular (e não
só), foi quando acompanhei os médicos veterinários dedicados à neurologia, nas consultas, na
realização de exames complementares e nos procedimentos de monitorização e controlo dos
animais internados, que pude perceber melhor esta síndrome.
À medida que fui consultando livros e artigos sobre este tema, fui percebendo melhor os
métodos de diagnóstico e os tratamentos instituídos pelos médicos veterinários bem como os
sinais clínicos dos pacientes e a sua evolução.
Posteriormente estagiei um mês no Hospital Clínic Veterinari da Universidade Autónoma
de Barcelona, passando pela Unidade de Cuidados Intensivos e pelo serviço de Medicina
Interna. Além de participar na monitorização de parâmetros básicos em animais hospitalizados
pude medicá-los e ajudar noutros procedimentos de prática corrente em Medicina Veterinária.
Assisti também a consultas de Medicina Interna, participei na discussão de alguns casos
clínicos e estive presente em formações relacionadas com a prática clínica.
Ao longo deste documento são abordados os aspetos mais relevantes sobre a síndrome
vestibular e apresentados cinco casos clínicos de cães que a manifestavam. Apesar de todos
os exemplos expostos terem sido observados no Hospital Veterinari Molins, é indubitável o
muito que aprendi em ambos os locais, tanto a nível teórico como prático, e o impacto valioso
que isso terá no meu futuro enquanto médica veterinária.

III
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo apoio inigualável ao longo destes anos, por sempre terem acreditado nas
minhas capacidades, por incentivarem as minhas aventuras veterinárias e por me ajudarem
sempre nos momentos mais difíceis.

À minha orientadora, Professora Doutora Cláudia Baptista, pela simpatia e disponibilidade


constante e por toda a ajuda prestada ao longo da realização deste trabalho.

Aos meus avós por me terem ensinado a respeitar os animais e a Natureza e por desde
sempre terem estimulado a minha curiosidade.

Ao João pela paciência para ouvir as minhas conversas constantes sobre animais e pela forma
serena como me ensinou a desproblematizar.

À Rita pelas conversas, conselhos, gargalhadas, tardes de estudo e companhia nas mais
diversas situações.

À Joana por tentar sempre encontrar resposta para as minhas perguntas, pelos passeios e
pelos lanches que acompanharam as nossas saudosas tardes de estudo.

A todos os meus outros amigos por serem a minha segunda família e por me terem
acompanhado ao longo destes anos nos mais variados momentos.

Aos meus professores do ICBAS e da UTAD por tudo o que me ensinaram e por terem
contribuído para a minha paixão crescente pela Medicina Veterinária, fazendo-me sempre
querer saber mais e melhor.

Aos médicos veterinários, internos, auxiliares e outros funcionários com quem me fui cruzando
ao longo dos voluntariados e estágios, nomeadamente ao Xavi, ao Pablo, à Carmen, à Anna e
ao Ian, por tudo o que me ensinaram e por estimularem a minha capacidade de trabalho
autónomo e o meu espírito crítico.

A Barcelona e às pessoas que me acolheram de forma exímia enquanto lá estive.

IV
ABREVIATURAS, SIGLAS & SÍMBOLOS

ALP – Alkaline phosphatase (fosfatase alcalina)


ALT – Alanina aminotransferase
BAER - Brainstem Auditory Evoked Response (potencial evocado auditivo do tronco cerebral)
BID – Bis in die (duas vezes por dia)
BUN – Blood urea nitrogen (ureia nitrogenada no sangue)
CDV – Canine Distemper Virus (vírus da esgana)
DD – Diagnósticos diferenciais
FLAIR – Fluid attenuated inversion recovery
FSE – Fast spin echo
fT4 – Free T4 (tiroxina livre)
GME – Granulomatous meningoencephalitis (meningoencefalite granulomatosa)
IBD – Inflamatory Bowel Disease
LCR – Líquido cefalorraquidiano
g/kg – Micrograma por quilograma
mg/dl – Miligrama por decilitro
mg/kg – Miligrama por quilograma
mg/ml – Miligrama por mililitro
Ms. – Músculo
MUA – Meningoencephalitis of Unknown Aetiology (meningoencefalite de causa desconhecida)
PaCO2 – Pressão arterial parcial de dióxido de carbono
PaO2 – Pressão arterial parcial de oxigénio
po – Per os (via oral)
RM – Ressonância Magnética
RMSF – Rocky Mountain Spotted Fever
RPL – Reflexo pupilar à luz
SE – Spin echo
SID – Semel in die (uma vez por dia)
SPO2 – Saturação de oxigénio
STIR – Short time inversion recovery
TC – Tomografia Computorizada
TID – Ter in die (três vezes por dia)
TSH – Thyroid-Stimulating Hormone (hormona estimulante da tiróide)
u/l – Unidades por litro
VR – Valor de referência

V
ÍNDICE

Resumo .....................................................................................................................III
Agradecimentos........................................................................................................IV
Abreviaturas, siglas & símbolos ..............................................................................V
Índice .........................................................................................................................VI
1. Breve introdução ao sistema vestibular .............................................................1
2. Sinais clínicos de síndrome vestibular unilateral...............................................3
2.1. Inclinação da cabeça (Head tilt)................................................................4
2.2. Nistagmo ..................................................................................................4
2.3. Estrabismo ...............................................................................................5
2.4. Ataxia & reações posturais .......................................................................6
3. Sinais clínicos de síndrome vestibular bilateral .................................................6
4. Localização das lesões ........................................................................................7
5. Síndrome vestibular periférica.............................................................................10
5.1. Otite média/interna ...................................................................................10
5.2. Síndrome vestibular idiopática ..................................................................11
5.3. Hipotiroidismo ...........................................................................................11
5.4. Neoplasias................................................................................................12
5.5. Tóxicos .....................................................................................................12
5.6. Genética ...................................................................................................13
6. Síndrome vestibular central .................................................................................13
6.1. Patologias inflamatórias............................................................................13
6.2. Patologias cerebrovasculares ...................................................................14
6.3. Neoplasias................................................................................................15
6.4. Intoxicação por metronidazol ....................................................................15
6.5. Défices de tiamina ....................................................................................16
6.6. Hipotiroidismo ...........................................................................................16
6.7. Anomalias.................................................................................................17
6.8. Trauma .....................................................................................................17
7. Casos clínicos.......................................................................................................19
7.1. Caso 1 ......................................................................................................19
7.2. Caso 2 ......................................................................................................20
7.3. Caso 3 ......................................................................................................22
7.4. Caso 4 ......................................................................................................23
7.5. Caso 5 ......................................................................................................24
7.6. Discussão e comentários aplicáveis a todos os casos ..............................25
VI
8. Conclusão .............................................................................................................27
9. Bibliografia ............................................................................................................28
10. Anexos .................................................................................................................31
10.1. Caso 1 – Ross ........................................................................................31
10.2. Caso 2 – Lilo...........................................................................................32
10.3. Caso 5 – Nina .........................................................................................33

VII
1. BREVE INTRODUÇÃO AO SISTEMA VESTIBULAR

A posição do corpo no espaço gera várias informações que são transferidas ao cérebro
a partir de três sistemas: visual, propriocetivo e vestibular.1
O sistema vestibular não é responsável pelo início dos movimentos mas tem como
principal função coordenar a posição da cabeça, o movimento dos olhos e a postura (tónus dos
músculos extensores).1,2 É
essencial para assegurar o Ms. reto medial

equilíbrio do animal, ou seja, Ms. reto lateral


Nervo abducente
uma orientação normal em Nervo oculomotor
relação à gravidade, mediante Núcleo oculomotor
Núcleo abducente
acelerações, desacelerações
Cerebelo
ou inclinações.2,3
Fascículo longitudinal medial
Divide-se em duas
Lobo floculonodular
componentes funcionais:
Núcleo vestibular
periférica e central. A primeira Núcleo vestibulococlear
encontra-se no ouvido interno, Trato vestibuloespinal

na porção petrosa do osso


temporal, e é formada pelos
recetores, gânglios e axónios
periféricos da porção Vias inibitórias para os ms.
extensores contralaterais
vestibular do nervo
Vias inibitórias para os ms.
vestibulococlear (nervo flexores ipsilaterais e
facilitadoras para os ms.
craniano VIII).2 Os núcleos extensores ipsilaterais

vestibulares da medula
OUVIDO INTERNO
oblongada e as projeções Canais semicirculares
vestibulares para o cerebelo, Nervo vestibular
Utrículo
medula espinhal e tronco
Sáculo
cerebral rostral integram o Cóclea
2
sistema vestibular central.
Figura I – Representação esquemática da anatomia do sistema vestibular.9
Na porção petrosa do
osso temporal de cada ouvido interno encontra-se o labirinto ósseo, composto por três canais
semicirculares, vestíbulo e cóclea [Figura I].2 O labirinto membranoso está contido no labirinto
ósseo e é composto por quatro estruturas com endolinfa: ductos semicirculares, utrículo, sáculo
e ducto coclear.2 Os três ductos semicirculares incluem-se nos três canais semicirculares e
detetam rotações.4 O utrículo e o sáculo compõem o vestíbulo e são os responsáveis primários

1
por detetar a gravidade e a aceleração linear.4 O ducto coclear localiza-se na cóclea óssea e é
fundamental para a audição.4
O facto de cada um dos três ductos semicirculares estar orientado num plano diferente
faz com que a rotação da cabeça, em qualquer direção, estimule pelo menos um dos canais
semicirculares já que há movimentação da endolinfa.3,4 No fim de cada ducto semicircular está
a crista ampullaris cujos recetores são responsáveis pelo equilíbrio dinâmico, não sendo por
isso ativados por movimentos com velocidade constante.2,4 Quando os neurónios vestibulares
da crista ampullaris de um ducto semicircular são ativados (por acelerações, desacelerações e
rotações com velocidades variáveis), os neurónios vestibulares do ducto localizado no mesmo
plano do lado oposto da cabeça são inibidos.2 Deste modo, quando a cabeça roda, o equilíbrio
é assegurado pois os músculos responsáveis por manter a postura correta em relação à
gravidade são estimulados.2
Os recetores das componentes do labirinto membranoso que compõem o vestíbulo
ósseo chamam-se máculas e são responsáveis por manter o equilíbrio estático e responder a
acelerações lineares.2,3 A mácula do sáculo tem orientação vertical e é mais sensível às
alterações da posição da cabeça, enquanto a do utrículo é horizontal e mais sensível a
estímulos vibratórios e a sons altos.3
A porção vestibular do nervo vestibulococlear estabelece sinapses com as máculas e os
recetores da crista ampullaris.3 Os axónios que compõem este par craniano atravessam o
meato acústico interno, juntamente com a sua divisão coclear.3 O gânglio vestibular, na porção
petrosa do osso temporal, é composto pelos corpos celulares destes axónios bipolares.2,3
A maioria dos axónios vestibulares termina nos núcleos vestibulares, onde há
interneurónios capazes de afetar outros interneurónios localizados na medula espinhal, tronco
cerebral ou cerebelo.2,3 Alguns axónios vestibulares chegam diretamente até ao lobo
floculonodular do córtex cerebelar e ao núcleo fastigial da medula cerebelar via pedúnculo
cerebelar caudal – trato vestibulocerebelar direto.2,3
O trato vestibuloespinhal para a medula espinhal influencia os neurónios motores
estimulando os músculos extensores ipsilaterais e inibindo não só músculos flexores
ipsilaterais como também os extensores contralaterais.2
As projeções para o tronco cerebral são responsáveis pela coordenação do movimento
dos olhos com a posição da cabeça (devido aos axónios que atravessam o fascículo
longitudinal medial e terminam nos núcleos motores dos pares cranianos III [oculomotor], IV
[troclear] e VI [abducente]), pelas náuseas e vómitos associados a disfunção vestibular (pois há
axónios que atingem o centro de vómito, localizado no interior da formação reticular) e pela
perceção consciente do equilíbrio.2,3 Esta última função ainda não está bem definida para o
sistema vestibular mas pensa-se que poderá associar-se a uma via consciente relacionada

2
com a audição e que possivelmente chega ao córtex cerebral temporal através da
retransmissão de núcleos talâmicos.2,3
A coordenação dos olhos, pescoço, tronco e membros em relação ao movimento da
cabeça, bem como a manutenção do equilíbrio em posição estática, é assegurada
principalmente pelos axónios vestibulares, cujas projeções chegam ao lobo floculonodular e ao
núcleo fastigial do cerebelo via pedúnculo cerebelar caudal.2,3 Embora a maioria das vias
eferentes do cerebelo termine no tronco cerebral e tenha origem nos núcleos cerebelares da
medula cerebelar há exceções: existe uma pequena população de neurónios de Purkinje na
zona do córtex cerebelar cujos axónios deixam o cerebelo via pedúnculo cereberal caudal e
terminam nos núcleos vestibulares ipsilaterais, onde exercem uma ação inibitória devido à
libertação de ácido -aminobutírico (GABA – o principal neurotransmissor inibitório dos
mamíferos).2,3 Assim, uma lesão no pedúnculo cerebelar
caudal resulta num aumento da atividade neuronal no lado
afetado.3 Como norma, assume-se que a inclinação da
cabeça (head tilt) e o desequilíbrio ocorrem para o lado com
menor atividade excitatória logo estes sinais manifestam-se
de modo contralateral à lesão, verificando-se uma síndrome
vestibular paradoxal [Figura II].3
Na prática clinica de animais de companhia é
frequente encontrar pacientes com patologias que afetam Figura II – Representação esquemática
da síndrome vestibular paradoxal: a
este sistema.4 A síndrome vestibular não é um diagnóstico inclinação da cabeça é contralateral à
mas sim um conjunto de sinais neurológicos que refletem lesão cerebelar (área colorida).1

disfunções do sistema vestibular.5 Pode afetar animais de várias idades e ambos os sexos,
sendo mais prevalente em cães com raça definida.6
Os dados obtidos na anamnese, no exame físico geral e no exame neurológico devem
permitir classificar a lesão de acordo com a sua localização e o(s) lado(s) afetado(s).2 É
essencial determinar qual a componente do sistema vestibular afetada já que, consoante a
síndrome seja periférica ou central, os diagnósticos diferenciais, os exames complementares a
efetuar, a terapêutica a instituir e o prognóstico são variáveis.6

2. SINAIS CLÍNICOS DE SÍNDROME VESTIBULAR UNILATERAL

Cães com lesões que afetem o sistema vestibular podem apresentar ataxia, nistagmo,
head tilt, estrabismo posicional, défices propriocetivos, alterações na marcha e na postura,
síndrome de Horner, afeção de pares cranianos, transtornos do estado mental ou até sinais
cerebelares.2,7 Ocasionalmente, principalmente em casos agudos, pode haver vómitos e

3
anorexia.8 Em casos severos, o paciente pode ser incapaz de caminhar, torcendo-se e rolando
(geralmente para o lado afetado) quando se tenta colocá-lo noutra posição.7,8
As disfunções crónicas podem ser difíceis de identificar já que os cães, geralmente, se
adaptam ao desequilíbrio recorrendo à visão e ao tato.5,7 Nestes casos, para exacerbar alguns
sinais (nomeadamente a ataxia vestibular e o nistagmo espontâneo), pode tapar-se os olhos ao
animal, examiná-lo numa sala escura, fazê-lo subir escadas ou colocá-lo em decúbito dorsal.3,5

2.1. INCLINAÇÃO DA CABEÇA (HEAD TILT)


A posição da cabeça é mantida pelos estímulos coordenados que são enviados
periodicamente ao cérebro pelo vestíbulo de cada ouvido interno.1 Quando há uma disfunção
unilateral, há menos impulsos provenientes do vestíbulo ipsilateral à lesão, logo a informação
que chega ao sistema nervoso central sobre a posição da cabeça é alterada, o que se traduz
numa inclinação da mesma: head tilt [Figura III].1 Ocorre devido à perda de tónus dos músculos
que contrariam a força da gravidade num dos lados do pescoço e ao consequente desvio da
cabeça num plano horizontal devido à rotação que esta faz em torno da primeira vértebra
cervical (atlas).4,7,8
Na maioria dos casos a cabeça está inclinada para o lado da
lesão mas se o cerebelo for afetado (síndrome vestibular paradoxal)
o desequilíbrio e o head tilt ocorrem para o lado oposto.3 O grau de
head tilt é muito variável e, em certos casos pode ser difícil de
identificar.3 Como tal, o paciente deve ser observado de frente, com
a cabeça ao nível da do examinador.3
A presença de head tilt com outros sinais vestibulares
geralmente indica a presença de uma afeção unilateral no sistema
vestibular, no entanto pode ocorrer quando há envolvimento da área
vestibular talâmica (núcleo talâmico ventromedial, núcleo talâmico
reticular e complexo geniculado ventral lateral) e das suas conexões
Figura III – Cão com head
aferentes para o núcleo vestibular cerebral (fascículo medial tilt para o lado esquerdo.10
longitudinal).9 Pode também surgir isoladamente em otites externas ou outras irritações no
canal auditivo e quando há lesões prosencefálicas ou localizadas na zona caudal do tálamo.7,9

2.2. NISTAGMO
Nistagmo é o termo usado para descrever oscilações rítmicas involuntárias dos globos
oculares. Consoante o canal semicircular afetado, o eixo do movimento do globo classifica-se
como horizontal, vertical ou rotatório e pode ser patológico ou fisiológico.7,11 Diz-se conjugado
quando as oscilações ocorrem na mesma direção em ambos os olhos e desconjugado se tal

4
não se verifica.11 Excetuando o nistagmo pendular, são caracterizados por uma fase rápida,
usada para descrever o sentido das oscilações, e uma fase lenta, ipsilateral à lesão (em casos
de síndrome vestibular paradoxal é para o lado oposto).2,9
O nistagmo fisiológico, ou reflexo oculovestibular, permite preservar a estabilidade da
imagem na retina de modo a otimizar a performance do sistema visual.2 A sua ocorrência
requer a integridade dos pares cranianos VIII (vestibulococlear), III (oculomotor), IV (troclear) e
VI (abducente), bem como das suas conexões ao tronco cerebral.12 Em animais com síndrome
vestibular pode estar ausente ou alterado pelo que, nesses casos, se devam usar técnicas para
o evidenciar, nomeadamente, movendo a cabeça de um lado para o outro – o expetável é que
a fase rápida do nistagmo tenha a mesma direção e sentido do movimento da cabeça.2,9,13
Em situações normais não há nistagmo se não houver movimento da cabeça.9 Quando
tal ocorre o nistagmo classifica-se como patológico e pode ser espontâneo, posicional ou
pendular. Os dois primeiros podem observar-se principalmente em disfunções unilaterais do
sistema vestibular, enquanto o nistagmo pendular se caracteriza por pequenas oscilações do
globo ocular resultantes de patologias cerebelares ou de défices visuais devido a um problema
congénito que se caracteriza por haver uma maior percentagem de axónios do nervo ótico a
atravessar o quiasma ótico.7,9,13 O nistagmo patológico espontâneo é mais frequente em
síndromes periféricas e ocorre quando a cabeça está na sua posição estática natural,
principalmente devido a mecanismos de fixação visual voluntária.2,4,9,14 O nistagmo posicional
evidencia-se quando a cabeça está numa posição invulgar e, embora seja mais comum em
lesões centrais, tal como na situação anterior, não permite localizá-las.4,9,13
A taxa de oscilações do globo ocular por minuto é inversamente proporcional à duração
dos sinais clínicos.11 Tal como a avaliação da variação de velocidade da fase lenta, também
pode ajudar a localizar a lesão já que nistagmo com movimentos mais rápidos e/ou com
maiores variações de velocidade se associa, geralmente, a lesões na componente periférica do
sistema vestibular.15,16 Uma forma fácil de examinar estes parâmetros é usar uma pen-light: se
depois de remover o estímulo visual não há mudanças na velocidade da fase lenta e a taxa de
oscilações diminui ou se mantém inalterada tratar-se-á, muito provavelmente, de uma síndrome
vestibular central; inversamente, se aumentarem há maior probabilidade da disfunção
vestibular ser periférica.16

2.3. ESTRABISMO
O estrabismo vestibular manifesta-se como um desvio
ventral [Figura IV] ou ventrolateral do globo ocular quando se
estende a cabeça e pescoço ou quando se coloca o animal
em decúbito dorsal. Geralmente ocorre no olho ipsilateral à

Figura IV – Cão estrabismo ventral


5
esquerdo.17
lesão e classifica-se como posicional pois desaparece quando o animal está na sua posição
natural.2,9,13 Ocasionalmente, em casos ligeiros, o único achado do exame neurológico pode ser
um estrabismo ventral constante, daí que deva ser sempre procurado.3,15
É importante diferenciar estrabismo posicional de estrabismo espontâneo.18 Este último
está sempre presente e costuma associar-se a disfunções nos pares cranianos responsáveis
pela inervação dos músculos extraoculares (III [oculomotor], IV [troclear] e VI [abducente]).18

2.4. ATAXIA & REAÇÕES POSTURAIS


Em casos de síndrome vestibular unilateral, geralmente, a ataxia manifesta-se por
inclinações, rolamentos, quedas, marcha em círculos (circling) apertados e movimentos
balanceados do tronco e da cabeça para o lado da lesão.9,15 Esta assimetria pode ser explicada
pelo facto de o tónus extensor dos membros ipsilaterais à lesão ser inferior ao dos membros do
lado oposto quando há uma disfunção vestibular, já que a atividade tónica no trato
vestibuloespinal é afetada – lembrar que, em situações normais, o sistema vestibular inibe os
músculos extensores contralaterais e estimula os ipsilaterais, por essa via.3,9
Enquanto a tetraparesia não ambulatória é mais comum em cães com disfunção central,
as inclinações do corpo para o lado da lesão são mais frequentes em casos de síndrome
vestibular periférica.14 Se o animal estiver em decúbito, este é, geralmente, ipsilateral à lesão.9
Há quem defenda que a melhor forma de avaliar as reações posturais em pacientes
vestibulares é recorrendo ao teste do posicionamento propriocetivo – coloca-se a parte dorsal
de um membro em contacto com o solo e, em situações normais, o animal deve corrigir esta
posição em 1 a 3 segundos.5,19 Testes como “carrinho de mão”, reação de salto (hopping) e
reação de hemi-postura e hemi-andamento não devem ser executados em casos severos de
ataxia uma vez que, além de poderem exacerbar a incoordenação motora e o desconforto do
animal, podem ser difíceis de interpretar.5

3. SINAIS CLÍNICOS DE SÍNDROME VESTIBULAR BILATERAL

Problemas bilaterais são mais comuns em gatos, no entanto a ocorrência ocasional em


cães caracteriza-se por quedas para ambos os lados, movimentos amplos da cabeça de um
lado para o outro, incoordenação motora dos quatro membros e alguns animais chegam
mesmo a rastejar.8,9 Não se verifica head tilt, circling ou nistagmo (tanto fisiológico como
patológico), observando-se movimentos do globo ocular ao mesmo tempo que a cabeça.2,15
Embora ambas as componentes do sistema vestibular possam ser afetadas de modo
bilateral, lesões deste tipo tendem a ser periféricas.9 Tal como nas disfunções unilaterais, a
presença de sinais que não se atribuem a lesões periféricas é bastante útil para classificar
disfunções bilaterais como centrais.9
6
4. LOCALIZAÇÃO DAS LESÕES

Depois de identificados os sinais mais característicos desta síndrome, o clínico deve


tentar perceber em que componente do sistema vestibular se encontra o problema [Tabela I].2
Em ambas as situações pode haver head tilt, nistagmo rotatório ou horizontal, estrabismo
posicional e ataxia.9
Localização no sistema vestibular
Apresentação clínica
Central Periférica
Estado mental Possível obnubilação, estupor, coma Alerta (possivelmente desorientado)
Horizontal, rotatório ou vertical Horizontal ou rotatório

Movimentos da cabeça podem alterar Direção estável


Nistagmo
a sua direção

Sentido da fase rápida variável Fase rápida para o lado oposto à lesão
Inclinação da cabeça Comum Comum

Ataxia assimétrica Comum Comum


Podem estar afetados vários pares
Défices de pares cranianos Possível défice do nervo facial (VII)
cranianos (desde o V até ao XII)
Défices propriocetivos Possível Não

Síndrome de Horner Raro (pré-ganglionar) Possível (pós-ganglionar)

Paresia/plegia Possível Não

Sinais paradoxais Possível Não

Estrabismo
Possível Possível
ventral/ventrolateral
Tabela I – Sinais clínicos apresentados na síndrome vestibular unilateral.7,15,20,21

Ocasionalmente, pode ser muito complicado, ou mesmo impossível, determinar se o


animal apresenta uma síndrome vestibular periférica ou central.9 A ataxia pode ser de tal modo
severa (nomeadamente em síndromes vestibulares agudas) que os animais não se conseguem
manter em estação e/ou estão demasiado agitados, impossibilitando a realização e
interpretação de um exame neurológico rigoroso e completo; nesses casos é aconselhável
esperar umas horas ou até dias para que os sinais sejam atenuados devido aos mecanismos
de compensação do organismo.1,5 Além disso, é importante ter em conta que algumas lesões
intracranianas podem manifestar-se inicialmente sob a forma de sinais clínicos característicos
de disfunções periféricas, principalmente quando se tratam de massas extra-axiais que
comprimem o nervo vestibulococlear ou em lesões que apenas envolvem o núcleo vestibular.9
Quando não há envolvimento dos sistemas de motoneurónio superior ou de propriocepção
geral adjacentes ao núcleo vestibular central do tronco cerebral caudal, estas lesões causam
sinais ipsilaterais semelhantes aos que caracterizam as lesões periféricas.9 Não obstante,

7
afeções periféricas podem predispor a ocorrência de patologias a nível do sistema nervoso
central – são exemplos as meningites secundárias a otites internas.1
Na síndrome vestibular periférica (sem outros problemas concomitantes) o sistema
nervoso central não é afetado.2 Os pacientes podem apresentar-se desorientados mas,
usualmente, não há alteração do estado mental.2 Além disso, não se costumam verificar
défices propriocetivos, transtornos visuais ou paresia.15
Os axónios dos neurónios responsáveis pela inervação dos músculos da expressão
facial atravessam a porção petrosa do osso temporal dorsalmente ao nervo vestibulococlear. 22
A proximidade entre estes pares cranianos explica a possível ocorrência de paralisia facial em
animais com síndrome vestibular periférica.2 Nestes casos verifica-se um aumento da fissura
palpebral, não há reflexo palpebral nem resposta à ameaça e, geralmente, os pacientes
apresentam os lábios e a orelha ipsilateral à lesão num plano inferior ao do lado não afetado
pela lesão vestibular.15
Se a lesão afetar a componente periférica do sistema vestibular pode haver síndrome
de Horner de 3ª ordem já que o trajeto normal dos axónios pós-ganglionares responsáveis pela
inervação simpática da face pode ser comprometido.4,18 Esta síndrome caracteriza-se pela
ocorrência de ptose, miose, protusão da membrana nictitante e enoftalmia.15 Embora estes
sinais sejam raros em lesões centrais, podem verificar-se quando há lesões pré-ganglionares.2
Os animais com síndrome vestibular central exibem sinais que refletem o envolvimento
do sistema nervoso central.7 Quando há alteração do estado mental (devido ao envolvimento
do sistema de ativação reticular), hemiparesia ipsilateral à lesão ou défices nas reações
posturais (devido ao envolvimento de vias de motoneurónio superior), nistagmo puramente
vertical ou movimentos oscilatórios do globo ocular que mudam de direção quando se muda a
posição da cabeça, muito provavelmente há uma lesão na porção central do sistema
vestibular.7 A presença de nistagmo vertical isoladamente não deve ser considerada para
assumir que se trata de uma disfunção central já que, embora raro, pacientes com síndrome
vestibular periférica aguda podem aparentar um nistagmo vertical que, após um exame
cuidadoso, revela uma componente rotatória.3 Além disso, a proximidade neuroanatómica entre
as estruturas vestibulares centrais e a origem dos pares cranianos V (trigémio) até XII
(hipoglosso) explica a possível ocorrência de sinais como sensibilidade facial, atrofia dos
músculos mastigatórios, estrabismo ventromedial, paralisia facial, diminuição do reflexo de
deglutição ou alterações nos movimentos da língua.5,7,18
A síndrome vestibular paradoxal é rara e reflete uma disfunção cerebelar,
nomeadamente a nível do pedúnculo cerebelar caudal e/ou lobo floculonodular. Quando são
afetados deixa de haver o efeito inibitório que o cerebelo exerce normalmente sobre os núcleos
vestibulares ipsilaterais e, como resultado, há maior atividade neuronal nesse lado. 1,2 O facto

8
da ativação do sistema vestibular ser diferente em cada lado traduz-se em head tilt e perda de
equilíbrio para o lado onde se verifica menor atividade deste sistema.1,2 Assim, a inclinação da
cabeça, o estrabismo, o desequilíbrio e a ataxia vestibular são contralaterais à lesão e, se
houver nistagmo horizontal, a fase rápida ocorre para o lado da mesma.1,5 Além destas
manifestações clínicas também se costuma observar dismetria ipsilateral e tremores de
intenção (principalmente na cabeça).13
Depois de localizada a lesão deve efetuar-se uma lista de diagnósticos diferenciais
[Tabela II] para definir os exames complementares a realizar, de modo a identificar a etiologia
do problema. Caso a anamnese e os exames físico e neurológico não permitam definir se a
afeção é central ou periférica o protocolo a seguir deve incluir ambas as hipóteses.9 O
diagnóstico definitivo de síndrome vestibular central usualmente implica exames
complementares mais sofisticados e uma abordagem terapêutica mais agressiva, enquanto a
maioria das lesões vestibulares periféricas se associam a melhores prognósticos e podem ser
diagnosticadas com equipamentos e técnicas vulgarmente utilizadas na prática veterinária.2 Em
ambos os casos é aconselhável fazer um hemograma, análises de bioquímica e de urina, medir
as pressões arteriais, avaliar a função tiroideia e efetuar ecografias abdominais e radiografias
torácicas para descartar possíveis patologias concomitantes ou relacionadas.23

Mecanismo Localização no sistema vestibular


da patologia Central Periférica
• Acidente cerebrovascular
Vascular
(enfarte isquémico ou hemorrágico)

Inflamatório/ • Otite média/interna


• (Meningo)encefalite
Infeccioso • Neurite do nervo vestibulococlear

• Aminoglicosídeos, furosemida, iodóforos,


Tóxico • Metronidazol
clorexidina
• Fratura da porção petrosa do osso temporal
Trauma • Traumatismo craniano
• Perfuração timpânica
• Malformação de Chiari
• Síndrome Dandy-Walker
Anomalia • Síndrome vestibular congénita
• Lesões quísticas aracnóideas
• Hidrocefalia
• Défice de tiamina
Metabólico • Hipotiroidismo
• Hipotiroidismo
Idiopático • Síndrome vestibular idiopática

• Neoplasias que afetem o tronco


Neoplasia • Neoplasia no canal auditivo
cerebral ou o ângulo cerebelopontino
• Disfunções a nível do armazenamento
Degenerativo
lisossomal

Tabela II – Diagnósticos diferenciais associados a síndrome vestibular periférica e central. As etiologias mais
frequentes encontram-se evidenciadas a negrito.7,15,20

9
5. SÍNDROME VESTIBULAR PERIFÉRICA

A síndrome vestibular periférica pode ser idiopática ou dever-se a otite média/interna,


hipotiroidismo, perfuração do tímpano, tóxicos, neoplasias, fratura da porção petrosa do osso
temporal, predisposição genética ou neurite do nervo vestibulococlear.15

5.1. OTITE MÉDIA/INTERNA


As otites internas, associadas ou não a otites médias, representam cerca de 50% dos
casos de síndrome vestibular periférica.15 Geralmente são secundárias a otites externas mas
os agentes infeciosos (Staphylococcus, Streptococcus e Pseudomonas estão entre os mais
comuns) podem chegar ao ouvido médio e/ou interno via hematógena ou ascender pela
faringe, através da trompa de Eustáquio.15
Os animais afetados podem apresentar sinais como abanar a cabeça, dor
temporomandibular e/ou na zona auricular, descargas oculares ou bocejos frequentes.2,4 No
início pode haver midríase devido à estimulação das vias simpáticas do olho e, mais tarde, é
possível a ocorrência de síndrome vestibular acompanhada ou não de paralisia facial e/ou
síndrome de Horner ipsilateral.2
O diagnóstico é feito tendo em conta a interpretação dos dados obtidos por otoscopia,
imagiologia e/ou exclusão de outras causas de síndrome vestibular periférica.9 Um exame
otoscópico completo, preferencialmente sob sedação ou anestesia, é essencial para avaliar a
integridade do tímpano e a sua cor.15 Caso haja secreções ou cerúmen que impeçam a sua
visualização, o canal auditivo deve ser limpo com uma solução salina.15 Se houver suspeita de
infeção deve fazer-se uma miringotomia para obter amostras para citologia, cultura bacteriana
e antibiograma.14,15 A integridade timpânica não é afetada em 70% dos casos, logo as técnicas
de imagiologia são amiúde determinantes para o diagnóstico.2 Muitas vezes basta fazer duas
projeções radiográficas [Figura V] para encontrar imagens compatíveis com infeção do conduto
auditivo.2 Mesmo que as radiografias não apresentem alterações que geralmente se associam
a otites, essa hipótese não deve ser descartada e deve recorrer-se a técnicas mais sensíveis
como TC ou RM.2,15 Os testes auditivos podem ser úteis para determinar se as lesões afetam o
canal auditivo e saber se houve extensão do processo inflamatório ao tronco cerebral.1
O tratamento consiste em antibioterapia, idealmente suportada pelo antibiograma, por
um período mínimo de 6 semanas.15 Se há otite externa visível devem fazer-se lavagens com
soluções salinas no canal auditivo externo.1 As melhorias devem ser notórias em 7 a 15 dias.14
Caso o paciente piore, não responda a esta abordagem terapêutica ou a estrutura anatómica
do ouvido esteja severamente afetada, deve considerar-se procedimentos como osteotomia da
bolha timpânica ou ablação total do canal auditivo.2

10
Processos mais crónicos associam-se a piores prognósticos.1 Alguns pacientes podem
manter um ligeiro head tilt e a eventual paralisia facial associada pode desaparecer caso o
tratamento seja precoce.1

Figura V – Posicionamento da cabeça para realização de radiografias das bolhas timpânicas: (a) projeção frontal de
boca aberta em que o palato duro e o eixo vertical fazem um ângulo de 10-25º; (b) projeção lateral oblíqua em que a
cabeça e o plano horizontal formam um ângulo de 10º.15

5.2. SÍNDROME VESTIBULAR IDIOPÁTICA


É a segunda causa mais comum de síndrome vestibular periférica unilateral em cães e
ocorre tipicamente em animais com mais de 10 anos.2,15 Caracteriza-se por um quadro agudo
não progressivo com sinais vestibulares marcados como ataxia (por vezes de tal modo extrema
que o cão é incapaz de caminhar), head tilt e nistagmos rotatórios ou horizontais.9,15 Não se
verifica paralisia facial ou Síndrome de Horner e por vezes os animais podem vomitar.2
Não se conhece a etiologia desta patologia e o diagnóstico é feito por exclusão de
outras causas de síndrome vestibular periférica aguda.4,9
Geralmente, as melhorias ocorrem em uma a três semanas: o nistagmo desaparece nos
primeiros dias e a postura e a marcha em cerca de uma semana.9 O head tilt é,
frequentemente, o último sinal a desaparecer e pode manter-se de modo residual.9
Não existe um tratamento específico, mas fármacos como a meclizina, o diazepam, a
acepromazina e/ou o maropitant podem ajudar a reduzir os sinais clínicos embora o seu uso a
longo prazo esteja contraindicado.23 A fisioterapia, embora pouco estudada em cães, poderá
ajudar na recuperação já que, em medicina humana, se associa a melhorias evidentes em
pacientes com síndrome vertiginoso paroxístico benigno.24 Embora raro, podem ocorrer
recidivas em semanas ou meses.2

5.3. HIPOTIROIDISMO
Casos de síndrome vestibular periférica em pacientes com hipotiroidismo só ocorrem
em cães geriátricos e pensa-se que se possam dever a disfunções metabólicas das fibras
nervosas ou a neuropatias compressivas secundárias à deposição de mucina.8 Geralmente, os
sinais vestibulares (nomeadamente head tilt, estrabismo posicional e ataxia) surgem de modo
agudo e podem manifestar-se sem que haja qualquer sinal típico de hipotiroidismo (como

11
letargia, ganho de peso, problemas dermatológicos e/ou polidipsia).15 A maioria dos animais
apresenta paralisia facial ipsilateral ou bilateral e podem ocorrer alterações nos resultados dos
testes dos potenciais evocados auditivos do tronco cerebral (BAER).25
O diagnóstico é feito pela determinação de valores aumentados da TSH e baixos
valores de tiroxina livre, bem como pela resposta à terapêutica.4,15 Na maioria dos casos, a
suplementação com 20g/kg po BID de levotiroxina induz o desaparecimento, total ou parcial,
dos sinais vestibulares em 2 a 4 meses.1,15,25 Este tratamento deve prolongar-se até ao fim da
vida do animal.1

5.4. NEOPLASIAS
As neoplasias no canal auditivo podem afetar os componentes periféricos do sistema
vestibular, não só pela sua extensão e eventual compressão de estruturas, como também pela
resposta inflamatória que podem desencadear.2 Entre as mais comuns destacam-se os
adenomas/adenocarcinomas das glândulas ceruminosas, os adenomas/adenocarcinomas
sebáceos e os carcinomas de células escamosas.2 São mais frequentes em cães geriátricos e
afetam igualmente ambos os sexos.18
Por vezes, a presença de tumores é facilmente detetável por inspeção visual mas o
diagnóstico final deve ser confirmado pelos resultados de uma biópsia, efetuada recorrendo à
otoscopia.2
A terapêutica a instituir depende de fatores como a malignidade da neoplasia e a sua
extensão.2 A excisão cirúrgica pode ter resultados promissores e, consoante os casos, deve
considerar-se a radioterapia coadjuvante.2

5.5. TÓXICOS
A prevalência da síndrome vestibular periférica associada a ototoxicidade é baixa.4
Usualmente, as manifestações clínicas são agudas e refletem a administração de substâncias
como aminoglicosídeos, diuréticos da ansa (ex.: furosemida), quimioterápicos compostos por
platina ou antisséticos como a clorexidina e agentes iodóforos.2,7
Os sinais clínicos apresentados são variáveis e dependem principalmente da
integridade da membrana timpânica do paciente e das características, concentração e volume
do agente ototóxico.2 Os animais podem exibir surdez, síndrome de Horner e paresia/paralisia
facial além de sinais vestibulares, frequentemente após o tratamento de otites com soluções de
limpeza – nestas situações deve limpar-se o canal auditivo com uma solução salina de
imediato.18 Os sinais de síndrome vestibular periférica tendem a desaparecer mas a surdez
pode não ser resolúvel.4

12
As associações de furosemida com aminoglicosídeos podem exacerbar os efeitos
ototóxicos, logo estão contraindicadas.1

5.6. GENÉTICA
A síndrome vestibular congénita, habitualmente unilateral, está descrita em raças como
Doberman, Cocker Spaniel, Pastor Alemão e Fox Terrier de pelo liso.26 Nos Beagles e nos
Akitas a afeção tende a ser bilateral.27
Vulgarmente, a ataxia vestibular e o head tilt (principais sinais encontrados) surgem
entre o nascimento e os primeiros quatro meses de vida.1,2,26 Não se verifica nistagmo
patológico nem fisiológico.1
O diagnóstico deve basear-se na exclusão de outras causas de síndrome vestibular e
todos os animais jovens que evidenciem sinais que a caracterizam devem ser submetidos a
testes auditivos (BAER), a partir da terceira semana de vida, devido à possibilidade de coexistir
surdez associada.1,2
Na maioria dos casos, os défices tendem a ser compensados a partir dos dois a três
meses de idade e a síndrome não tem carater progressivo.1 Alguns sinais clínicos podem
persistir para o resto da vida, nomeadamente head tilt residual e défices auditivos.1 Os animais
afetados não devem ser reproduzidos.1

6. SÍNDROME VESTIBULAR CENTRAL

As principais causas de síndrome vestibular central são patologias inflamatórias


(meningoencefalites e encefalites infeciosas ou não), acidentes cerebrovasculares e
neoplasias, no entanto também pode ocorrer quando há disfunções ao nível do
armazenamento lisossomal, anomalias congénitas, lesões quísticas aracnóideas, intoxicação
por metronidazol, traumatismos cranianos, défices em tiamina e hipotiroidismo.15,18

6.1. PATOLOGIAS INFLAMATÓRIAS


As patologias inflamatórias que afetam o cérebro e as meninges circundantes tendem a
surgir de modo agudo, mas evoluem de forma progressiva.7 Geralmente, a sua distribuição é
assimétrica e podem ser multifocais ou difusas.7 Os sinais clínicos apresentados são variáveis
e refletem a localização do(s) foco(s) de inflamação.7
Entre as patologias inflamatórias infeciosas que envolvem o sistema nervoso central
destacam-se a esgana (agente: CDV), a febre maculosa das montanhas rochosas (RMSF;
agente: Rickettsia rickettsi), as encefalites fúngicas (principalmente por criptococose),
toxoplasmose (agente: Toxoplasma gondii) e neosporose (agente: Neospora caninum).4 As

13
meningoencefalites causadas por bactérias são raras e muitas vezes associam-se a otites
médias/internas.18
A interpretação das imagens de RM e TC, assim como de eventuais punções de LCR, é
muitas vezes fulcral para determinar qual o agente infecioso responsável pelos sinais clínicos
apresentados.4 Consoante o agente etiológico, a apresentação dos sinais vestibulares centrais,
os resultados obtidos nos exames complementares e as abordagens terapêuticas variam.2
Entre as meningoencefalites não infeciosas associadas a sinais vestibulares destacam-
se as afeções idiopáticas, nomeadamente a meningoencefalite granulomatosa (GME).7 Esta
ocorre principalmente em fêmeas de raças pequenas, jovens a adultas.28
Como o diagnóstico definitivo requer confirmação histopatológica e é difícil fazê-lo ante
mortem, muitas vezes usa-se o termo “meningoencefalite de origem desconhecida” (MUA) para
descrever animais com esta patologia.28,29 Vulgarmente faz-se um diagnóstico presuntivo tendo
em conta a anamnese, os sinais neurológicos, a análise do LCR, a interpretação dos dados
obtidos pela imagiologia e os resultados (negativos) dos testes para deteção de agentes
infeciosos.29 O tratamento deve ser iniciado o mais precocemente possível e baseia-se na
imunossupressão com corticosteroides e outros agentes imunossupressores como os
quimioterápicos.29 Vários estudos revelam o efeito benéfico da administração conjugada de
citarabina e prednisona em pacientes com GME ou MUA.18

6.2. PATOLOGIAS CEREBROVASCULARES


Os acidentes cerebrovasculares podem desencadear sinais vestibulares centrais ou
paradoxais de forma aguda, focal e não progressiva.2 Podem classificar-se como isquémicos
ou hemorrágicos – os primeiros devem-se à oclusão de vasos cerebrais devido a trombos ou
êmbolos enquanto os hemorrágicos resultam da rutura da parede de vasos localizados no
parênquima cerebral ou no espaço subaracnoideu.30
O recurso a imagens de TC e RM é essencial para determinar se se trata de um
acidente vascular cerebral devido a isquémia ou a hemorragia, bem como para definir a
localização e extensão das lesões.30 Depois de interpretados os dados da imagiologia deve-se
fazer uma série de exames complementares, baseada num conjunto de diagnósticos
diferenciais, para descobrir a etiologia dos acidentes.30 Quando se suspeita de enfartes
(isquémicos) deve descartar-se hipertensão, hiperadrenocorticismo, hipotiroidismo,
2
cardiopatias ou disfunções renais.
Os principais objetivos do tratamento devem ser manter a oxigenação adequada aos
tecidos e prevenir eventuais complicações (neurológicas ou não), daí que cuidados de suporte
e de enfermagem que evitem ulceração por decúbito ou pneumonias por aspiração sejam
essenciais.30

14
O prognóstico depende da severidade dos sinais neurológicos apresentados, da
resposta ao tratamento de suporte e da causa subjacente.30 Na maioria dos casos os pacientes
recuperam em algumas semanas.30

6.3. NEOPLASIAS
A ocorrência de sinais vestibulares centrais é comum em pacientes com neoplasias
primárias intracranianas e pode ser explicada por fatores como aumento da pressão
intracraniana, herniação cerebral, obstruções e compressão/invasão do núcleo vestibular.2 As
mais frequentes em animais de companhia são os meningiomas, os tumores do plexo coroide e
os gliomas.2 Não obstante, sinais vestibulares centrais também podem refletir a existência de
tumores secundários intracranianos e de massas que envolvam o canal auditivo e a bolha
timpânica, já que estas podem provocar a lise da porção petrosa do osso temporal e comprimir
o ângulo cerebelopontino.18
O diagnóstico vulgarmente requer exames de imagiologia (RM e TC) e o tratamento,
assim como o prognóstico, varia consoante o tipo de tumor, a sua extensão e localização.18 Se
o tumor se localizar na região infratentorial apenas está indicada a cirurgia citorredutiva caso a
neoplasia seja extra-axial (ex.: meningiomas, tumores do plexo coroide). Alguns estudos
demonstram uma correlação positiva entre o uso de radioterapia, a qualidade de vida e o
tempo de sobrevida de pacientes com tumores cerebrais primários, no entanto a maioria dos
tumores do plexo coroide são resistentes a este tipo de radiação.2,31 A corticoterapia pode
ajudar a melhorar temporariamente os sinais clínicos pelo que deve integrar a terapêutica
paliativa.2

6.4. INTOXICAÇÃO POR METRONIDAZOL


O metronidazol é um fármaco vulgarmente utilizado em medicina veterinária para o
tratamento de infeções causadas por agentes anaeróbios e/ou protozoários como Giardia spp.,
de doença inflamatória intestinal (IBD) e de encefalopatia hepática.18 Tem uma elevada
biodisponibilidade, é metabolizado no fígado e excretado na urina.18
Quando administrado em doses tóxicas pode provocar sinais como letargia, nistagmo,
ataxia generalizada, head tilt, anorexia, vómitos, bradicardia, tremores, rigidez, hematúria ou
sinais de hepatotoxicidade.4,32,33 Geralmente, assume-se 60 mg/kg/dia como sendo a dose
tóxica, mas é preciso ter em conta variantes individuais já que animais sujeitos a
administrações crónicas deste medicamento ou com hepatopatias podem manifestar sinais
neurológicos três dias a duas semanas após a administração de doses inferiores.4,32
A anamnese (medicação prévia ou em curso) e os sinais clínicos demonstrados
permitem efetuar o diagnóstico.18

15
A maioria dos cães recupera em uma ou duas semanas após ser descontinuada a toma
de metronidazol e ser feito um tratamento de suporte com fluidoterapia para estimular a diurese
e consequente excreção do fármaco.18 Alguns estudos demonstram que o período de
recuperação pode encurtar significativamente em cães tratados com diazepam.34

6.5. DÉFICES DE TIAMINA


É raro haver défices de tiamina em animais de companhia e a maioria dos casos deve-
se ao consumo de dietas inadequadas, quer por terem concentrações insuficientes desta
vitamina quer por apresentarem alto teor em tiaminases.18 Quando tal ocorre os pacientes
podem apresentar alterações do estado mental, convulsões, midríase, opistótono, tetraparesia
e sinais vestibulares.18
O diagnóstico presuntivo pode ser feito tendo em conta a anamnese, os sinais clínicos,
estudos de imagiologia avançada e resposta à terapia.18 Embora não se tenha definido o
melhor método de diagnóstico, a RM tem bastante potencial já que permite detetar lesões nos
núcleos do tronco cerebral e nestes casos é comum haver necrose hemorrágica em locais
como o colículo caudal, o corpo geniculado lateral, o núcleo vestibular medial e o núcleo
oculomotor.18
Os animais afetados tendem a responder rapidamente à suplementação com 50 mg/kg
de tiamina durante 3 a 5 dias, combinada com a administração intravenosa de glucose.1,18

6.6. HIPOTIROIDISMO
Ainda que seja raro, cães hipotiróides podem manifestar sinais vestibulares centrais
sem que haja sinais típicos (não neurológicos) de hipotiroidismo.2 Quando o hipotiroidismo se
associa a disfunções centrais pode haver sinais de motoneurónio inferior como fraqueza,
défices propriocetivos e diminuição dos reflexos espinhais.1 Existem várias hipóteses para
explicar tal associação: um enfarte isquémico associado a aterosclerose, desmielinização do
sistema nervoso central ou maior viscosidade do sangue (devido à hiperlipidemia) e
consequente menor perfusão cerebral.2,18
O diagnóstico é feito pela exclusão de outras causas que provoquem sinais
neurológicos semelhantes e pela análise das hormonas tiroideias (baixas concentrações de fT 4
e T4 e altos teores de TSH).2 A suplementação com TSH desencadeia melhorias significativas
em poucos dias mas não é tão satisfatória como em animais com lesões vestibulares
periféricas, principalmente quando há afeções concomitantes como mixedema ou enfartes
cerebrais.2,18
O tratamento, tal como em casos de síndrome vestibular periférica, baseia-se na
suplementação com levotiroxina.1

16
6.7. ANOMALIAS
Ocasionalmente, a síndrome vestibular central pode manifestar-se secundariamente à
síndrome da malformação caudal occipital (também chamada malformação de Chiari), à
síndrome Dandy-Walker, a lesões quísticas aracnóideas (principalmente em raças
braquiocefálicas) e a hidrocefalia.7,8 A imagiologia, nomeadamente a TC e a RM, assume
particular importância na confirmação do diagnóstico destas patologias.8

6.8. TRAUMA
Os traumatismos cranianos em animais de companhia são, geralmente, causados por
acidentes de viação mas também podem dever-se a quedas, lutas, tiros ou mordeduras.7,35 Se
a zona rostral da medula oblongada e/ou o cerebelo (lóbulo floculonodular) forem afetados
verificam-se sinais vestibulares.12
Quando há uma lesão traumática no crânio o volume do tecido cerebral aumenta e há
um mecanismo compensatório que permite que a quantidade de sangue e de líquido
cerebroespinal diminua para que a pressão intracraniana não se eleve.35 Se essa regulação
deixar de ser feita verificam-se aumentos drásticos da pressão intracraniana e surgem sinais
como anisocoria, miose, midríase, défices motores e alteração do estado mental.35
A primeira preocupação do médico veterinário deve ser assegurar o ABC (airway,
breathing, cardiovascular status) e não focar-se apenas no estado neurológico do animal uma
vez que um eventual choque hipovolémico associado ao traumatismo pode exacerbar as
alterações do estado mental.35 Devem monitorizar-se vários parâmetros: pressão arterial
média, pressões arteriais parciais de oxigénio e de dióxido de carbono (PaO2 e PaCO2
respetivamente), saturação periférica de oxigénio capilar (SPO2), frequência e ritmo cardíaco,
pressão venosa central, temperatura corporal, glucose sanguínea, pressão intracraniana, ritmo
e frequência respiratória e concentrações de eletrólitos.35 Além disso, o nível de consciência, a
atividade motora e os reflexos do tronco cerebral do paciente devem ser avaliados, idealmente
em intervalos de 30 a 60 minutos, recorrendo à escala de Glasgow modificada [Tabela III].35
A abordagem médica assenta em vários objetivos: minimizar os aumentos da pressão
intracraniana (elevando ligeiramente a cabeça do animal), controlar a volémia (recorrendo à
fluidoterapia), tratar a hipertensão intracraniana (usando diuréticos osmóticos como o manitol),
regular a pressão arterial (após os valores de pressão intracraniana serem normais), assegurar
a perfusão dos tecidos (oxigenando e ventilando), prevenir a ocorrência de convulsões (apesar
de não haver uma opinião unânime em relação à administração profilática de anticonvulsivos,
sabe-se que as convulsões exacerbam a hipertensão intracraniana) e garantir um suporte
nutricional adequado.35

17
Os cuidados de enfermagem são muito importantes nestes casos e devem focar-se na
prevenção de úlceras de decúbito e de infeções secundárias (principalmente a nível pulmonar
e urogenital).31 A alimentação oral só está recomendada em animais alerta; caso haja
alterações de consciência prolongadas deve colocar-se uma sonda ou nutrir o paciente via
intravenosa para prevenir eventuais pneumonias por aspiração.31 Animais em decúbito devem
ser colocados numa cama limpa e suave e, idealmente, o decúbito deve ser mudado a cada
hora.31 Se não houver danos vertebrais instáveis deve iniciar-se a fisioterapia o mais rápido
possível (movimentos passivos de extensão e flexão, massagens ou natação).31 Embora haja
técnicas descritas de cirurgia intracraniana, nestes casos raramente está indicada.35
Regra geral, as lesões cerebelares apresentam melhor prognóstico que as lesões no
tronco cerebral já que no último caso pode haver comprometimento das vias que regulam a
respiração, a função cardíaca e a pressão sanguínea e, consequentemente, morte do
animal.12,31 A localização da lesão, a sua extensão, a existência de outras patologias e a altura
em que se inicia o tratamento são fatores preponderantes para estabelecer um prognóstico.35

Parâmetros a avaliar e respostas observadas Classificação


Marcha e reflexos espinhais normais. 6
Hemi/tetraparesia ou atividade descerebrada. 5
Atividade
motora

Decúbito. Rigidez extensora intermitente. 4


Decúbito. Rigidez extensora constante. 3
Decúbito. Rigidez extensora constante e com opistótono. 2
Decúbito. Hipotonia muscular. Reflexos espinhais diminuídos ou ausentes. 1
RPL e reflexos oculocefálicos normais. 6
Reflexos do

RPL diminuído. Reflexos oculocefálicos normais a diminuídos. 5


cerebral
tronco

Miose bilateral não responsiva. Reflexos oculocefálicos normais a diminuídos. 4


Pupilas puntiformes. Reflexos oculocefálicos diminuídos a ausentes. 3
Midríase unilateral não responsiva. Reflexos oculocefálicos reduzidos a ausentes. 2
Midríase bilateral não responsiva. Reflexos oculocefálicos diminuídos a ausentes. 1
Estado alerta em certos períodos. Responsivo a estímulos ambientais. 6
consciência

Depressão ou delírio. Responsivo a estímulos, por vezes de modo inadequado. 5


Nível de

Semi-comatoso. Responsivo a estímulos visuais. 4


Semi-comatoso. Responsivo a estímulos auditivos. 3
Semi-comatoso. Responsivo apenas a estímulos dolorosos repetidos. 2
Comatoso. Não responsivo a estímulos dolorosos repetidos. 1
Tabela III – Escala de Glasgow Modificada. Os pacientes são avaliados numa escala de 1 a 6 para cada um dos 3
parâmetros principais: atividade motora, reflexos do tronco cerebral e nível de consciência. A classificação obtida em
cada um deles deve ser somada e é um grande auxílio para estabelecer a abordagem terapêutica e definir um
prognóstico. Valores menores associam-se a sinais clínicos mais severos.36

18
7. CASOS CLÍNICOS

7.1. CASO 1
Identificação do animal e motivo da consulta: O Ross era um cão macho, Labrador
Retriever, com 13 anos e 3 meses de idade e 31 kg. Foi levado ao hospital porque desde o dia
anterior tinha deixado de se conseguir manter em estação, apresentava head tilt para a direita
e nistagmo em ambos os olhos.
Anamnese e história clínica: Apresentava osteoartrite crónica, para a qual estava a ser
medicado com robenacoxib e Hyaloral® (suplemento nutricional composto por ácido
hialurónico, colagénio hidrolisado enzimaticamente, glucosamina cristalizada, sulfato de
condroitina e - orizanol) e há um ano tinha-lhe sido diagnosticado um adenoma hepático de
evolução lenta, segundo as revisões ecográficas.
Exame de estado geral e dirigido ao sistema neurológico: O Ross estava obnubilado e
apresentava ataxia vestibular, head tilt para a direita, défices nas reações posturais em todos
os membros e nistagmo em ambos os olhos (horizontal para a esquerda no olho esquerdo e
vertical para cima no olho direito).
Lista de problemas: Défices nas reações posturais em todos os membros. Ataxia vestibular.
Head tilt para a direita. Nistagmo desconjugado. Alteração do estado mental.
DD: Otite Média/Interna. Síndrome Vestibular Idiopática. Hipotiroidismo. Acidente
Cerebrovascular.
Exames complementares: Hemograma completo: normal. Bioquímica sérica: ALT 339 u/l (VR:
16-49 u/l), ALP 3430 u/l (VR: 18-55 u/l), colesterol 430 mg/dl (VR: 111-250 mg/dl) e proteínas
totais 8,4 g/dl (VR: 5,5-7,3 g/dl). Urianálise tipo II (cistocentese): normal. Exame otoscópico:
normal. Radiografia torácica, projeção lateral [Figura I em “Anexos”]: sem anomalias
significativas. RM cranioencefálica [Figura II em “Anexos”]: normal.
Diagnóstico: Síndrome vestibular periférica idiopática direita.
Tratamento e evolução: Durante a hospitalização, o Ross apresentava-se obnubilado, incapaz
de caminhar e com hiporexia. No dia da alta, 4 dias após o internamento, já não havia nistagmo
e o head tilt era menos evidente, embora o Ross continuasse muito desequilibrado e com
défices nas reações posturais. Foi-lhe receitado 4 mg/kg de cinarizina e 3 mg/kg de tramadol,
ambos po BID. Uma semana depois, o Ross foi novamente examinado: estava muito mais ativo
e, apesar de ligeiros desequilíbrios, já se mantinha em estação. Recomendou-se continuar o
tratamento com tramadol e cinarizina até à consulta de acompanhamento, 15 dias depois.
Quando voltou ao hospital já caminhava sem grandes dificuldades, não tinha défices nas
reações posturais nem dor à palpação da coluna vertebral, porém manifestou dor à palpação
da zona circundante à rótula direita, onde se verificou um aumento de volume focal,
provavelmente devido a artrose crónica na articulação femuro-tibio-rotuliana. Aconselhou-se
19
que continuasse a tomar tramadol e que não fizesse exercícios prolongados ou violentos, bem
como a administração de Flexadin advanced® (um suplemento com colagénio tipo II, ómega 3
e vitamina E).
Discussão: Apesar de, inicialmente, parecer um caso de síndrome vestibular central pela
presença de nistagmo vertical e de défices nas reações posturais, o diagnóstico final do Ross
foi de síndrome vestibular periférica idiopática direita. O facto de o animal estar manifestamente
atáxico quando chegou ao hospital impossibilitou a correta interpretação do exame neurológico
efetuado e pode ter levado a assunções erróneas. Nestas situações a localização da lesão no
sistema vestibular só deve ser estabelecida horas ou dias depois da exibição de sinais clínicos
tão severos.1 O aparecimento agudo dos sinais e a sua não progressão, bem como a idade do
animal e o facto da cabeça estar inclinada para o lado direito são compatíveis com síndrome
vestibular periférica idiopática direita.
Apesar do objetivo da realização da radiografia torácica lateral ter sido descartar
metástases no pulmão, é aconselhável fazer no mínimo três estudos radiográficos no tórax:
dois com projeção lateral e um com projeção ventrodorsal (ou dorsoventral).37
Relativamente ao aumento dos valores da ALT, ALP, colesterol e proteínas totais no
sangue, uma possível explicação pode ser a presença do adenoma hepático.38
O robenacoxib é um anti-inflamatório não esteroide que inibe a síntese de prostaglandinas,
responsáveis pela dor e pela inflamação, mas não tem tantos efeitos adversos a nível digestivo
e renal como os inibidores das COX-1.39 Há soluções injetáveis ou comprimidos, sendo esta
última forma farmacêutica indicada para o alívio da dor e da inflamação associada a
osteoartrite crónica em cães (1-2 mg/kg, SID).39 Em animais com esta patologia, recomenda-se
a administração combinada de sulfato de condroitina, ascorbato de manganês e cloridrato de
glucosamina.40 Neste caso, além de robenacoxib, o Ross foi medicado com um suplemento
que incluía alguns destes componentes (Hyaloral®).

7.2. CASO 2
Identificação do animal e motivo da consulta: O Lilo era um cão macho sem raça definida,
com 15 anos e 17 kg. Foi levado ao hospital pois tinha nistagmo horizontal para a direita em
ambos os olhos, circling para a esquerda e head tilt para o mesmo lado.
Anamnese e história clínica: Tinha sido atropelado na semana anterior mas não o levaram a
nenhum centro veterinário porque aparentemente o cão estava bem, no entanto os sinais
vestibulares começaram nesse dia.
Exame de estado geral e dirigido ao sistema neurológico: Como o Lilo estava muito
nervoso – tinha tremores, polipneia e muita dificuldade em manter-se em estação – foi muito

20
difícil executar um exame neurológico rigoroso. À palpação era notória uma maior rigidez em
torno do primeiro pré-molar da arcada dentária superior direita.
Lista de problemas: Nistagmo horizontal para a direita. Circling para a esquerda. Head tilt
para a esquerda.
DD: Otite média/interna. Hipotiroidismo. Síndrome vestibular idiopática.
Exames complementares: Hemograma completo: normal. Bioquímica sérica: ALP 205,10 u/l
(VR: 18-55 u/l). Exame otoscópico: presença de material no conduto auditivo esquerdo,
compatível com pelos. TC bolhas timpânicas, região maxilar e crânio (neste último caso fez-se
um estudo sem contraste, outro imediatamente após o contraste e outro 3 minutos depois da
sua administração): ligeira osteólise em torno das raízes do primeiro pré-molar superior direito
[Figura III em “Anexos”].
Diagnóstico: Síndrome vestibular periférica idiopática esquerda.
Tratamento e evolução: Nos três dias em que esteve hospitalizado o Lilo foi medicado com 4
mg/kg de cinarizina po BID e 22 mg/kg de cefazolina iv TID. Foi melhorando e, apesar de
continuar desequilibrado e ter head tilt para a esquerda (muito menos evidente), no dia
seguinte já não tinha nistagmo nem fazia circling, por isso decidiram dar-lhe alta. Durante a
noite teve uma paragem cardiorrespiratória e não sobreviveu às manobras de reanimação.
Discussão: O diagnóstico final do Lilo foi feito por exclusão de outras causas de síndrome
vestibular periférica e é suportado pela idade do animal e pelo surgimento agudo de sinais
vestibulares não progressivos.
O uso de antibióticos de modo preventivo na cavidade oral deve ser seletivo e limitado,
estando indicado o seu uso via parenteral em animais geriátricos, imunodeprimidos e com
patologias subjacentes e/ou infeções graves.41,42 Há vários protocolos de antibioterapia
profilática mas todos se baseiam em fármacos eficazes contra bactérias Gram+ e Gram-
aeróbias e anaeróbias, idealmente bactericidas e dados na dose adequada e em intervalos de
tempo corretos.42 Neste caso, o Lilo foi medicado com cefazolina pois se suspeitava da
existência de um abcesso na cavidade oral. Embora esta cefalosporina de 1ª geração seja
eficaz contra a maioria dos organismos patogénicos Gram+, tal não se verifica para as
bactérias Gram- daí que, em situações como esta, esteja indicado combinar a sua
administração com fármacos como metronidazol (eficaz contra a maioria dos anaeróbios
obrigatórios e vários protozoários).33,42,43 Alternativamente, poder-se-iam ter usado fármacos
como a ampicilina, a amoxicilina (preferencialmente com ácido clavulânico) e a clindamicina. 44
A realização de uma necrópsia poderia ter ajudado a determinar a causa da morte
súbita do Lilo mas a sua realização não foi autorizada.

21
7.3. CASO 3
Identificação do animal e motivo da consulta: O Trixie era um cão macho sem raça definida,
com 15 anos e 11,5Kg. Foi levado ao hospital porque não se conseguia manter em estação e
tinha vomitado 2 vezes nesse mesmo dia.
Exame de estado geral e dirigido ao sistema neurológico: Na consulta o Trixie já era capaz
de caminhar mas evidenciava head tilt e circling para a esquerda bem como nistagmo
horizontal com fase rápida para a direita. A auscultação cardiorrespiratória estava normal, não
havia défices propriocetivos e estava alerta. Os reflexos patelar, gastrocnémio e flexor do lado
esquerdo estavam normais mas a rigidez dos membros contralaterais à lesão impediu a
avaliação destes parâmetros no lado direito.
Lista de problemas: Circling para a esquerda. Head tilt para a esquerda. Nistagmo horizontal
para a direita. Ataxia. Vómitos.
DD: Otite média/interna. Hipotiroidismo. Síndrome vestibular idiopática.
Exames complementares: Hemograma completo: normal. Bioquímica sérica: BUN 82 mg/l
(VR: 10-24 mg/l). Exame otoscópico: normal.
Diagnóstico: Síndrome vestibular periférica idiopática esquerda.
Tratamento e evolução: O Trixie foi hospitalizado na noite em que chegou e no dia seguinte já
não apresentava circling, embora o head tilt e o nistagmo se mantivessem. Teve alta 3 dias
depois, com receita de 4mg/kg de cinarizina po BID durante 15 dias.
Discussão: A idade do Trixie, o quadro agudo manifestado, a rápida melhoria dos sinais
clínicos e a maior rigidez nos membros do lado direito (devido à afeção da atividade do trato
vestibuloespinal) são compatíveis com síndrome vestibular periférica idiopática esquerda.3,9 A
realização de outros exames complementares, nomeadamente de imagiologia, permitiria
descartar outras causas de síndrome vestibular periférica mas tal não foi possível devido a
limitações financeiras.
A ureia é sintetizada no fígado, a partir da amónia resultante do catabolismo dos
aminoácidos, e excretada por filtração glomerular.45 O Trixie apresentava altos valores de BUN
mas a concentração de creatinina sérica era de 1 mg/dl, logo a razão ureia:creatinina estava
aumentada. Isso pode ocorrer após uma refeição rica em proteína (daí que se deva medir a
BUN após um jejum de 8 a 12 horas), quando há hemorragias gastrointestinais, azotemia pré-
renal ou pós-renal e em situações com grande atividade catabólica (ex.: infeção, febre, jejum
prolongado, tratamentos com glucocorticoides ou azatioprina).45 A causa deste achado nas
análises bioquímicas poderia ter sido explorada, nomeadamente repetindo-as, fazendo
análises de urina tipo II e, eventualmente, recorrendo à ultrassonografia.

22
7.4. CASO 4
Identificação do animal e motivo da consulta: A Minnie era uma cadela Beagle com 22kg e
13,5 de idade. Foi levada ao hospital porque na noite anterior tinha vomitado (uma vez) e
começado a evidenciar um ligeiro head tilt para a esquerda.
Anamnese e história clínica: Tinha iniciado há um mês um tratamento de otite externa direita,
noutro centro médico veterinário.
Exame de estado geral e dirigido ao sistema neurológico: Na consulta, além da leve
inclinação da cabeça, a Minnie tinha nistagmo horizontal com fase rápida para o lado direito e,
quando caminhava, apresentava ligeiros desequilíbrios para o lado oposto. Ao estender-se o
pescoço, era notório o estrabismo ventrolateral no olho esquerdo. Os reflexos palpebral, pupilar
e de resposta à ameaça estavam normais e não apresentava défices propriocetivos.
Lista de problemas: Vómitos. Head tilt para a esquerda. Nistagmo horizontal para a direita.
Estrabismo ventrolateral esquerdo. Otite externa direita.
DD: Otite média/interna. Hipotiroidismo. Síndrome vestibular idiopática.
Exames complementares: Exame otoscópico: conteúdo purulento no conduto auditivo externo
direito.
Diagnóstico: Síndrome vestibular periférica idiopática esquerda.
Tratamento e evolução: Foi prescrita a administração de 4 mg/kg de cinarizina po BID e
marcou-se uma consulta de acompanhamento para a semana seguinte. O médico veterinário
informou os proprietários que até lá a Minnie deveria melhorar e, se tal não acontecesse, seria
necessário fazer uma TC às bolhas timpânicas. Na consulta de revisão, a Minnie já quase não
apresentava sinais vestibulares, apenas uma ténue inclinação da cabeça para o lado esquerdo,
muito menos notória que a evidenciada na primeira visita. A administração de cinarizina foi
descontinuada.
Discussão: A idade da Minnie, o surgimento agudo dos sinais e a sua rápida resolução, bem
como a resposta ao tratamento e a ausência de défices propriocetivos são compatíveis com
síndrome vestibular periférica idiopática esquerda. Como as manifestações vestibulares eram
muito ligeiras, a Minnie não foi hospitalizada, tendo sido apenas medicada com um anti-
vertiginoso.
Apesar de ter uma otite externa evidente no lado direito essa não poderia ser a causa
da sintomatologia apresentada uma vez que o head tilt, o estrabismo posicional, os
desequilíbrios e a fase lenta do nistagmo são para o lado da lesão, em casos de síndrome
vestibular periférica.
Seria interessante saber em que consistia o tratamento da otite ao qual a Minnie estava
a ser sujeita.

23
7.5. CASO 5
Identificação do animal e motivo da consulta: A Nina era uma cadela pastor-catalão com 14
anos e 20 kg. Foi levada ao hospital por manifestar um quadro agudo de head tilt e circling para
a esquerda, nistagmo horizontal com fase rápida para a direita e estrabismo ventrolateral
esquerdo.
Anamnese e história clínica: Tinha começado a manifestar hiporexia há um mês.
Exame de estado geral e dirigido: A Nina estava alerta, não tinha défices propriocetivos e os
reflexos pupilares e de resposta à ameaça estavam normais. Apesar do ligeiro desequilíbrio,
caminhava facilmente.
Lista de problemas: Hiporexia. Head tilt para a esquerda. Circling para a esquerda. Nistagmo
horizontal para a direita. Estrabismo ventrolateral esquerdo.
DD: Otite média/interna. Hipotiroidismo. Síndrome vestibular idiopática.
Exames complementares: Hemograma completo: normal. Bioquímica sérica: ALP 227,9 u/l
(VR: 20-70 u/l). Exame otoscópico: normal. Radiografia torácica, projeção lateral [Figura IV em
“Anexos”]: sem anomalias significativas. Ecografia abdominal [Figura V em “Anexos”]: massa
heterogénea no baço compatível com neoplasia. RM cranioencefálica [Figura VI em “Anexos”]:
massa ovalada no lado esquerdo da base da língua, com adenopatias tumorais compatíveis
com carcinoma. No crânio, ouvido interno e bolhas timpânicas não se detetaram anomalias.
Diagnóstico: Síndrome vestibular periférica idiopática esquerda.
Tratamento e evolução: A Nina foi hospitalizada e no dia seguinte, na entubação prévia à RM,
detetou-se uma massa na base da língua. Ao fim de 3 dias de internamento a Nina já só
manifestava head tilt para a esquerda logo teve alta com receita de 4 mg/kg de cinarizina po
BID até à consulta de controlo, marcada para 4 dias depois. Na consulta de revisão apenas
havia um ligeiro head tilt. Foi recomendada a realização de uma biópsia da cavidade oral e do
baço, bem como alimentação com uma dieta que lhe permitisse mastigar facilmente (peru e
batata, ambos cozidos). Aconselhou-se também a administração de 5 mg/kg de tramadol po
BID durante 7 dias para diminuir a dor evidenciada enquanto comia.
Discussão: O diagnóstico da Nina teve por base a exclusão de outras causas de síndrome
vestibular periférica e é suportado não só pela idade da cadela como também pelo surgimento
agudo e caracter não progressivo dos sinais vestibulares.
A ocorrência de tumores na cavidade oral de animais de companhia é bastante frequente
mas as síndromes paraneoplásicas associadas são raras.46 As neoplasias na zona caudal da
cavidade oral são particularmente dolorosas (o que possivelmente justifica a hiporexia relatada)
e as que mais se encontram na língua são carcinomas de células escamosas.46,47 Quando há
uma massa na língua deve fazer-se biópsia (preferencialmente incisional e sob anestesia geral)
para diferenciar tumores malignos de lesões como granulomas eosinofílicos, doenças

24
inflamatórias ou calcinose circunscrita.46 Deve fazer-se uma citologia aspirativa com agulha fina
dos linfonodos regionais e três projeções radiográficas para avaliar a existência de metástases
tumorais – idealmente duas laterais e uma ventrodorsal (ou dorsoventral).37,46
A realização de biópsias esplénicas assume principalmente um papel prognóstico já que,
independentemente das conclusões subsequentes, o procedimento a executar quando há
massas solitárias no baço é o mesmo: esplenectomia total ou parcial.48 Sabendo se a massa é
benigna ou maligna é possível dar informações mais fidedignas ao dono sobre o tempo de
sobrevida do seu animal e eventuais complicações que possam surgir.

7.6. DISCUSSÃO E COMENTÁRIOS APLICÁVEIS A TODOS OS CASOS


O diagnóstico mais provável de todos os casos apresentados é de síndrome vestibular
idiopática. Esta premissa é suportada pelo facto de as situações apresentadas terem ocorrido
em cães geriátricos, pelo surgimento agudo de sinais vestibulares periféricos e pela melhoria
dos mesmos pouco tempo depois. O diagnóstico faz-se por exclusão de outras causas de
síndrome vestibular periférica.4,9 O prognóstico da síndrome vestibular é muito variável pois
depende da causa subjacente.9 Nos casos descritos anteriormente era bastante favorável uma
vez que geralmente, 1 a 3 semanas após o surgimento agudo dos sinais vestibulares
associados a síndrome vestibular idiopática, há uma atenuação ou até desaparecimento dos
mesmos.9 Durante o período em que estive no hospital não houve nenhuma recidiva relatada, o
que suporta a raridade da sua ocorrência, descrita por vários autores.9
Todos os animais foram medicados com cinarizina 4 mg/kg po BID e, os que foram
hospitalizados, foram sujeitos a 3 ml/kg/h de fluidoterapia com uma solução cristaloide de
ringer lactato. A cinarizina é um antihistaminico (H1) anti-vertigionoso que, embora pouco
estudado em cães, tem sido amplamente usado em medicina humana para o tratamento de
síndromes vestibulares pois apresenta resultados satisfatórios, particularmente no caso de
disfunções da componente periférica.1,49 Esta substância atua como bloqueadora dos canais de
cálcio e interfere com a transmissão de sinais nervosos entre o ouvido interno e o centro de
vómito, localizado no hipotálamo.50 A sua administração permite atenuar a disparidade
verificada entre o processamento da informação dos recetores do movimento localizados no
ouvido interno e a sensação visual, decorrente de lesões unilaterais periféricas no sistema
vestibular.50 Pensa-se que a sua ação a nível do sistema vestibular se deva ao facto de
bloquear o influxo de cálcio nas células sensitivas vestibulares e de participar na manutenção
do fluxo de endolinfa por reduzir a vasoconstrição na stria vascularis (componente vascular do
ligamento espiral, localizado na parede externa do conduto coclear).51 Além de diminuir a
ocorrência de sinais vestibulares, atua como anti-emético (pois bloqueia os recetores

25
muscarínicos da acetilcolina) e é usada para promover o fluxo sanguíneo cerebral (devido às
suas propriedades vasodilatadoras).50
O uso de tramadol nos casos 1 e 3 (Ross e Nina respetivamente) justificou-se pelo seu
efeito analgésico, sendo a dose recomendada para cães de 2-5 mg/kg po BID.52
Vários cães apresentavam apenas um aumento do valor da ALP no soro sanguíneo.
Esta alteração não permite, por si só, intuir possíveis problemas ou patologias relacionadas de
modo fidedigno já que esta enzima está presente em vários tecidos (fígado, osso, córtex renal,
placenta e mucosa intestinal) sob a forma de diferentes isoenzimas e a sua atividade hepática
e glucocorticoide é induzida facilmente.38 Além disso, em cães geriátricos, este é um achado
frequente uma vez que se associa à hiperplasia nodular hepática.38 Esta é uma condição
benigna, geralmente não associada a sinais doença, cuja prevalência aumenta com a idade do
animal (estudos demonstraram que 70% a 100% dos cães com mais de 14 anos de idade
apresentam hiperplasia hepática micro ou macroscópica).38,53
Embora haja vários parâmetros comuns na apresentação dos casos acima descritos, a
anamnese, os exames físicos gerais e os exames neurológicos nem sempre foram executados
da mesma forma daí que nem sempre esteja descrito o mesmo tipo de informação. Isso pode
ser explicado pelo facto do hospital onde recolhi os dados para este trabalho ser composto por
uma vasta equipa de médicos veterinários e ter bastante casuística, o que impossibilita que os
casos de neurologia sejam todos acompanhados pela mesma pessoa. No entanto, todos os
casos foram discutidos entre os clínicos responsáveis pela neurologia (e não só) e, sempre que
possível, foi seguido o protocolo mais adequado para cada situação. Em todos os casos os
proprietários receberam uma explicação sucinta e clara dos sinais clínicos manifestados pelos
seus animais, do que deviam fazer para os atenuar e das condutas que deviam ser evitadas
por poderem exacerbá-los. A boa comunicação com o cliente assume um papel fulcral,
particularmente em patologias como esta, em que os sinais surgem de modo repentino e
podem ser de tal modo exuberantes que alarmam o dono e o levam a pensar em problemas
muito piores do que a realidade. As consultas de acompanhamento são essenciais para avaliar
a progressão das manifestações clínicas e a resposta à terapêutica, permitindo assim confirmar
ou não o diagnóstico inicial.
A escolha dos casos clínicos a apresentar nesta revisão não foi difícil pois, durante o
período em que estive no Hospital Veterinari Molins (3 meses), particularmente no serviço de
neurologia, estes foram os que acompanhei de forma mais completa.

26
8. CONCLUSÃO

Ao longo desta revisão bibliográfica foram abordados os aspetos relativos à síndrome


vestibular em cães que julgo serem mais importantes para a prática clínica em animais de
companhia, nomeadamente os sinais clínicos que a caracterizam, como se deve localizar a
lesão no sistema vestibular, que diagnósticos diferenciais devem ser considerados e quais os
tratamentos e prognósticos associados.
A escolha dos exames complementares a efetuar e o estabelecimento de um
diagnóstico e terapêutica só é possível depois de localizar a lesão. Para tal, a anamnese e os
exames físico geral e neurológico devem ser o mais rigorosos possível e, preferencialmente,
feitos de uma forma sistemática e organizada. Tal como em todas as patologias e síndromes
identificadas em medicina veterinária é importante explicar ao dono o porquê dos sinais
clínicos, dos exames a efetuar, da terapêutica aplicada e qual o prognóstico para o seu animal.
Enquanto fazia pesquisas para elaborar esta revisão o meu interesse pela neurologia,
nomeadamente pela síndrome vestibular foi crescendo. Encontrei vários artigos e estudos
sobre o tema mas muitos apresentavam amostras reduzidas, protocolos pouco rigoroso e/ou
tinham sido feitos há vários anos.6,24,54 Seria interessante fazer mais investigações,
nomeadamente sobre a síndrome vestibular idiopática de modo a tentar descobrir a sua causa
e qual a terapêutica mais adequada (estudos sobre o efeito da cinarizina em cães são difíceis
de encontrar).
Enquanto estagiava contactei com médicos de excelência e pude observar protocolos e
procedimentos que nunca tinha visto. Foram surgindo vários desafios, não só durante as horas
que passava em cada um dos hospitais, como também enquanto escrevia este documento.
Para entender muitas das apresentações e das abordagens diagnósticas e terapêuticas tive
que estudar e aprofundar os meus conhecimentos sobre vários temas. A interpretação de
exames de imagiologia (nomeadamente de ressonâncias magnéticas e tomografias
computorizadas) foi uma das minhas maiores dificuldades, mas também uma das minhas
grandes vitórias: como apenas me foram fornecidas as imagens e não tinha acesso aos
relatórios respeitantes a cada caso clínico apresentado tive que estudar estas matérias de
modo autónomo; no final penso que consegui percebê-las bastante melhor.
Entre os contributos destas experiências para o meu futuro enquanto profissional posso
destacar o desenvolvimento do meu raciocínio clínico e espírito crítico assim como da minha
capacidade de trabalho autónomo e em equipa.

27
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2005” Journal of Veterinary Internal Medicine 2006; 20: 1363-1369.

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10. ANEXOS

10.1. CASO 1 – ROSS

Figura I – Radiografia torácica em projeção lateral direita, realizada no 3º dia de hospitalização do Ross; não se
observam anomalias significativas. Imagem gentilmente cedida pelo Hospital Veterinari Molins.

B
A B

Figura II – Imagens de ressonância magnética ponderadas em T1 (A) e T2 (B) de uma secção transversal da cabeça
do Ross. Não se verificam anomalias que possam explicar uma eventual síndrome vestibular central. Imagens
gentilmente cedidas pelo Hospital Veterinari Molins.

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10.2. CASO 2 – LILO

D E

Figura III – Imagem obtida por TC, sem contraste, em corte axial do crânio de Lilo. Ligeira osteólise em torno das
raízes do 1º pré-molar superior direito (elipse vermelha). Imagem gentilmente cedida pelo Hospital Veterinari Molins.
[D – lado direito; E – lado esquerdo]

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10.3. CASO 5 – NINA

Figura IV – Radiografia torácica em projeção lateral direita, sem anomalias significativas. Imagem gentilmente cedida
pelo Hospital Veterinari Molins.

Figura V – Ecografia abdominal da Nina. Massa heterogénea e de bordos irregulares no baço, compatível com
neoplasia (elipse verde). Imagem gentilmente cedida pelo Hospital Veterinari Molins.

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A B

C D

Figura VI – Imagens de ressonância magnética: A – sequência FSE ponderada em T2, corte transversal na zona
cranioencefálica (lóbulo frontal); B – sequência SE ponderada em T1, corte transversal na zona cranioencefálica
(lóbulo frontal); C – sequência SE ponderada em T1, corte sagital na zona cranioencefálica; D – sequência STIR,
corte dorsal a nível da cavidade oral. É possível visualizar uma massa ovalada no lado esquerdo da base da língua
(elipse azul): hiperintensa em T2, isointensa/ligeiramente hipotensa em T1 e com sinal heterogéneo
(maioritariamente hiperintenso) na sequência STIR. Imagens gentilmente cedidas pelo Hospital Veterinari Molins.

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