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Sebenta Carolina Garcia-EPI

Economia Política I (Universidade de Coimbra)

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ECONOMIA POLÍTICA I
Dr. Luís Pedro Cunha

1ª Turma Teórica- Ano Letivo 2019/2020


Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
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Antiguidade e Idade Média


Durante grande parte da história, os interesses económicos não foram vistos enquanto um referente
próprio na sociedade. Para os gregos, a economia era a administração da casa, uma tarefa reservada
às mulheres, pelo que muitos encaravam a economia como uma tarefa menor que não merecia ser
objeto de estudo.
A principal preocupação económica era a criação de um fundo comum de bens para serem
distribuídos de acordo com o critério de autoridade, sendo que homens específicos determinavam o
que cada um recebia. O mercado era, já nessa altura, um sistema de circulação e distribuição de
bens, mas poucos perdiam tempo a estudá-lo por si só.
Como a maior parte das disciplinas de conhecimento, a economia era estudada no âmbito da
filosofia prática, da ética e da moral. Foi neste contexto que Aristóteles definiu aquela que é vista
por alguns como a primeira das teorias económicas: a Crematística, a prática de colocar a procura
da máxima rentabilidade financeira, em detrimento dos seres humanos e do meio ambiente.
Na Idade Média, as atividades ligadas com a economia (o empréstimo de dinheiro, por exemplo)
ficaram negativamente conotadas. O desejo de enriquecer era visto como um pecado, pelo que a
Igreja Católica proibiu todos os católicos de trabalharem como usurários, trabalho reservado para
outras religiões.
Alguns, como São Tomás de Aquino, tentaram harmonizar as exigências morais e religiosas com as
construções racionais que se começavam a projetar, e durante o Renascimento a atividade
económica começou já a desenvolver-se fora da religião.
Porém, esta visão medieval só foi verdadeiramente contestada quando se abriram novas rotas de
comércio, permitindo aos mercadores enriquecer de uma forma nunca antes vista, e depois com a
Reforma Protestante.
Partindo das ideias de Lutero de que os homens nascem predestinados, ficando definido quando
nascem se serão salvos ou não (sendo impossível a pessoa saber antes de morrer, pelo que teria de
continuar a tentar expiar os seus pecados pela fé), João Calvino afirmou que a riqueza é uma forma
de Deus mostrar quem são aqueles que decidiu salvar e quem são aqueles que decidiu condenar.
Assim, a riqueza deixou de ser vista como ganância. Porém, a economia não era ainda considerada
uma ciência em si, mas apenas uma série de fenómenos através dos quais se tentavam aferir as
relações de causa e efeito.

Mercantilismo

Contexto histórico
Os mercantilistas não são considerados uma escola de pensamento económico por si. Apesar de
terem sido dos primeiros a criar termos, conceitos e teorias próprias para se referirem a fenómenos
económicos, a verdade é que continuavam a encarar a economia como uma ferramenta para
enriquecer o Estado (mais precisamente os Estados monárquicos absolutistas) e financiar as
contínuas guerras.
Os primeiros autores mercantilistas surgiram no final do século XV, e as suas ideias continuaram
relevantes na Europa até ao século XVIII. Esta era uma época em que o comércio internacional
começava a crescer de forma exponencial, com a abertura de novas rotas comerciais e a chegada de

1 Carolina Garcia

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ouro e prata da América Latina, e em que as monarquias tentavam cada vez mais afirmar o seu
poder, tanto político como militar.
Não é então surpresa que o modelo mercantilista tenha sido adotado pelos governos absolutistas da
Europa.
Esta questão divide bastante as opiniões em relação ao estabelecimento do mercantilismo como
uma escola de pensamento económico. Porque apesar de terem existido mercantilistas na maior
parte dos países europeus, a verdade é que não existia uma doutrina mercantilista comum a todos:
cada país desenvolveu medidas próprias que, apesar de se guiarem por princípios e objetivos
semelhantes (obter uma balança comercial positiva, com mais exportações do que importações), se
adequavam e moldavam aos problemas, necessidades e história do país.
O protecionismo espanhol, por exemplo, tomou a forma de bulionismo, uma política de controlo
dos câmbios e lançamento de direitos alfandegários cujo principal objetivo era impedir a saída de
metais preciosos do país. Porém, estas medidas não foram acompanhadas pelo desenvolvimento da
indústria e da agricultura, pelo que não deram os resultados esperados.
Na França tomou a forma de mercantilismo industrial sob a alçada de Colbert (1619 – 1683), ao
ponto de ficar conhecido como colbertismo. Esta corrente de mercantilismo viria a influenciar o
mercantilismo português. O grande objetivo de Colbert era conseguir fazer da França
autossuficiente, mantendo as exportações superiores às importações. Para isso foi essencial a sua
política de regulamentação da produção.
Colbert não só estabeleceu manufaturas reais como lhes concedeu também privilégios próprios
(isenções, empréstimos, monopólios temporários, etc.) e sujeitou-as a um apertado controlo de
qualidade, contratando artesãos talentosos de todo o mundo. O objetivo era fazer dos produtos
franceses os mais desejáveis, mas mesmo na altura muitos reconheceram nisto um entrave aos
pequenos produtores nacionais.
Ao mesmo tempo, adotou uma política protecionista que não só aumentou a tributação dos produtos
importados manufaturados como também proibiu a exportação de matéria-prima, visto que isso
significava que seriam outros países a produzir os produtos manufaturados que seriam depois
importados pela França.
Outras medidas incluíram desenvolver a marinha, garantindo o controlo dos mercados externos
(especialmente os mercados coloniais), e a infame política dos cereais (não confundir com Lei dos
Cereais), desenvolvida para regulamentar a agricultura e garantir preços baixos.
Esta política envolvia uma produção avultada de cereais, graças às novas técnicas desenvolvidas, e
a proibição de estocagem, açambarcamento e especulação com cereais, proibindo também a sua
exportação e consumos dissipadores. Esta política permitia manter os preços baixos (e, por
associação, os salários), ao manter a oferta ao mesmo nível ou acima da procura, mas representava
um entrave significante ao crescimento da agricultura, pelo que mais tarde foi fortemente criticada
pelos fisiocratas.
Com Oliver Cromwell (1599 - 1658), na Inglaterra, tomou a forma de mercantilismo comercial,
favorecendo-se o comércio externo acima da indústria. Deu-se por isso uma grande importância à
navegação.
Em 1651, Cromwell promulgou os Atos de Navegação, que determinaram que todas as mercadorias
descarregadas em portos ingleses tinham de ser transportadas por navios ou de Inglaterra ou do país
de origem dos produtos, devendo ter capitães ingleses e uma tripulação composta principalmente
por marinheiros ingleses. O principal objetivo destes atos era prejudicar os holandeses, os maiores
concorrentes dos ingleses no comércio marítimo.
Com o Staple Act de 1663 (já depois da morte de Cromwell), fortaleceu-se o acordo de
exclusividade entre a Inglaterra e as suas colónias, obrigando-as a comprar todos os produtos que
não podiam produzir à metrópole.
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Os mercantilistas ingleses aplicaram um regime aduaneiro semelhante ao dos outros países, mas
aliaram-no a uma política de baixa taxa de juro, aumentando a moeda em circulação, e a uma
política agrícola que garantia trigo a um preço acessível aos consumidores, mas compensador para
os produtores. Para isto importava-se trigo quando os preços estavam altos e proibia-se a sua
exportação quando estavam baixos.
Porém, o mercantilismo comercial destacou-se em relação aos seus contemporâneos por um motivo
em especial: acreditava na solidariedade entre as nações, que era possível enriquecer sem ter de
prejudicar outra nação. Esta ideia viria a influenciar Adam Smith e David Ricardo na teoria da
vantagem absoluta e da vantagem relativa, respetivamente.
Todos estes tipos de mercantilismos defendem o colonialismo, sendo que é nesta altura da História
que começamos a ver surgir o capitalismo comercial e o comércio triangular. As colónias eram
fontes preciosas de matérias-primas e mão-de-obra, servindo também como mercado de escoamento
para os produtos que não eram vendidos.

O pensamento mercantilista
Os mercantilistas eram grandes defensores de ideias nacionalistas e populacionistas.
Os mercantilistas procuravam enriquecer os seus cidadãos, acreditando que o comércio era a melhor
maneira de o conseguir. Porém, a prosperidade do comércio internacional dependia do poder
político e militar da nação e, sendo a guerra dispendiosa, tudo isto dependia de uma quantidade
abundante de trabalhadores e riqueza para conseguir um exército e tesouro de guerra.
Isto traduzia-se numa relação de entreajuda entre comerciantes e Estado, em que os fins de uns
eram os meios de outros, e na ideia de que para um Estado enriquecer tinha de enfraquecer os seus
rivais. O que vemos aqui são marcas de um nacionalismo precoce.
Para conseguir uma população abundante o suficiente tanto para a guerra como para as
manufaturas, as políticas mercantilistas incluíram medidas populacionistas como isenções para
famílias numerosas, proibição da emigração, apoio a casais jovens, diminuição da idade mínima
para casar, etc... Mas estes benefícios não se estendiam a salários mais altos.
Na verdade, os mercantilistas entendiam que quanto mais trabalhadores estivessem no mercado de
trabalho, menores seriam os salários.
Isto não levantava questões em relação à desigualdade ou à miséria, visto que os mercantilistas
acreditavam na preguiça natural das classes trabalhadores. Para eles, os salários baixos serviam
como incentivo e condição de progresso.
Tudo isto faz parte da filosofia social da época, marcada pelos valores religiosos da Reforma (vale
lembrar que Calvino afirmou que a riqueza na terra era um sinal da predestinação de Deus, o que
veio muitos a ver na riqueza sinal de superioridade divinamente reconhecida, o que se transformou
mais tarde na ideia da pobreza como um defeito moral), onde ainda não se demonstrava grande
preocupação para com a condição dos pobres. Por isso as medidas mercantilistas são marcadas pela
violência entre classes sociais, sempre mediada pelo Estado.
Muitas destas medidas incluíam castigos pesados para os mendigos e formas de controlar a
população que vinha do campo para as cidades em busca de trabalho, impondo nas manufaturas
regras que procuravam manter a moral e os bons costumes como não fumar, não blasfemar, etc...

O dilema mercantilista
O objetivo fundamental das políticas mercantilistas era conseguir uma balança comercial favorável,
com mais exportações do que importações. E consideravam que a acumulação de riqueza em metais
preciosos era um sinal do bem-estar económico.
O dilema mercantilista surge do conflito entre estas duas ideias.
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Os mercantilistas procuravam não só uma grande abundância de moeda. Era também necessário que
essa moeda fosse boa, que tivesse valor. E era para determinar o valor das trocas que os
mercantilistas utilizavam uma equação específica:

MV = PT
Sendo que:
M = Quantidade de moeda
V = Velocidade da moeda (número de vezes que esta muda de mãos num determinado tempo)
P = Preço médio das transações
T = Número das transações
Os mercantilistas utilizavam esta equação numa formulação rígida onde V e T eram variáveis
constantes, V porque os hábitos de consumo são constantes e T por os mercantilistas considerarem
que a economia estava sempre em pleno emprego dos meios produtivos, produzindo sempre o
máximo possível. A variação de P era sempre proporcional à de M.
O que isto significa é que sempre que a quantidade de moeda no mercado aumentava, o preço das
transações aumentava com ela. Porém, o número de transações e a velocidade da moeda
continuavam iguais.
Por si só, esta formulação iria-se traduzir num crescimento eterno. O dilema só surge quando temos
em conta que o objetivo dos mercantilistas era conseguir mais exportações do que importações.
Para isso ser possível os produtos internos tinham que ser mais desejáveis do que os produtos
estrangeiros, tanto interna como externamente.
Porém, seguindo a formulação rígida do valor das trocas, se a quantidade de moeda aumentava, o
preço iria aumentar de forma proporcional, o que significava que o crescimento económico
resultante do aumento de exportações iria traduzir-se num aumento dos preços, tornando-os menos
desejáveis e levando ao aumento de importações até os preços voltarem a baixar. A balança
económica estaria sempre a autoequilibrar-se.
A formulação dos mercantilistas ia precisamente contra o seu objetivo principal, sendo que através
dela nunca seria possível atingir uma balança comercial favorável: esta estaria permanentemente a
reequilibrar-se.
Porém, vale notar que os mercantilistas não eram tão ingénuos como parece. Para eles, um aumento
da quantidade existente de metais preciosos num país não se traduziria automaticamente num
aumento da moeda em circulação, e nem sempre se traduziria num aumento dos preços se as
quantidades suplementares de moeda fossem utilizadas para financiar a produção. Nesse caso, o
aumento dos preços seria benéfico para os produtores, que teriam um novo incentivo para produzir.
Os mercantilistas demonstram aqui uma compreensão rudimentar da ideia de investimento, mas
sem nome nem definição.
Isto, porém, só era possível na sociedade e tempo em que o mercantilismo foi desenvolvido. Já no
tempo dos liberais esta equação representava uma contradição absurda.

A formulação mitigada de Keynes


Na formulação de Keynes, a equação MV = PT permanece igual, só que T se torna uma variável
como M e P, sendo que Keynes admitia que a economia não estava sempre em pleno emprego.

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Continuando a considerar-se que os hábitos de consumo tendem a ficar iguais, V é a única variável
constante.
Aqui, o aumento da moeda continuou a traduzir-se num aumento dos preços, mas estes eram agora
acompanhados pelo aumento do número de transações. E enquanto estas variáveis variavam
proporcionalmente, nem sempre era na mesma medida.
Isso significava que nos casos mais agudos de desemprego de meios produtivos, o aumento de M
era quase completamente absorvido por T, servindo como investimento. Na formulação de Keynes,
a oferta crescia com a procura.

Críticas ao mercantilismo
Apesar de se terem começado a tecer críticas ao mercantilismo a partir do século XVI, a verdade é
que foram os fisiocratas, no século XVIII, e Adam Smith, no século XIX, que fizeram as críticas
mais duras.
Um dos aspetos mais criticados foi a regulamentação excessiva, uma crítica dirigida principalmente
a Colbert.
Vale notar que os autores mercantilistas eram defensores da iniciativa privada e da livre
concorrência. Porém, acreditavam que a melhor forma de garantir estas liberdades era sendo o
Estado a proporcionar aos cidadãos as condições mais favoráveis para o desenvolvimento
económico, proporcionando mão de obra e riqueza abundante. Para garantir a liberdade, garantiam
primeiro a segurança. O soberano estava sempre aliado aos comerciantes.
Isto nada muda o facto de os monopólios impostos por Colbert terem acabado por se revelar um
entrave ao comércio internacional.
Teceram-se também críticas aos entraves impostos ao comércio interno, especialmente às Leis dos
Cereais (que viriam também a aparecer na Inglaterra durante o tempo de David Ricardo) e aos
impostos indiretos. Estas medidas, que tinham como objetivo controlar o preço dos cereais,
acabavam por desincentivar os agricultores.
É aqui que surgem pela primeira vez ideias em relação à atuação livre de leis naturais sobre os
mercados, ideia central dos fisiocratas e da Escola Clássica.
Outra ideia extremamente criticada foi a dos metais preciosos como principal riqueza de um país.
Muitos autores parecem achar que os mercantilistas consideravam a acumulação de ouro e prata
como a única riqueza de um país. Mas temos de ter em conta que, no contexto social do
mercantilismo, a economia ainda se desenvolvia em parte dentro de um modelo feudal em que o
dinheiro era princípio, fim e móbil da produção, estando as letras de câmbio ainda a desenvolver-se,
ou seja, não existindo ainda um sistema internacional de crédito. Além disso, os mercantilistas
analisavam o processo de circulação dos bens, não o seu processo de produção.
Por isso mesmo os mercantilistas viam a moeda como reserva de valor: a sua elevada liquidez
permitia que fosse trocada por qualquer outro bem. Representava um poder de compra que podia ser
imobilizado e mantido, permitindo medir a riqueza de forma quantitativa.
Após os mercantilistas, novos autores sugeriram novas definições de riqueza, sendo medida
principalmente em trabalho, juros ou bens em tráfego. Começou-se aqui a fazer pela primeira vez
uma distinção entre capitalista passivo e capitalista ativo.
Porém, apesar dos seus vários problemas, as ideias mercantilistas foram recuperadas ao longo do
tempo e as medidas protecionistas tornaram-se um carimbo de tempos de crise.

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Fisiocratas

Contexto histórico
A fisiocracia começou a afirmar-se na França em meados do século XVIII, numa altura em que a
economia era principalmente agrícola e pré-capitalista e onde a indústria continuava a ser do tipo
artesanal. Além disso, o comércio estava sujeito a uma série de entraves e o comércio internacional
recíproco era quase inexistente. É por esse motivo que as teorias fisiocratas têm reminiscências
feudais.
Foi neste contexto que começaram a surgir fortes críticas às medidas protecionistas do
mercantilismo. Muitos culpavam Colbert e o destaque dado pelos mercantilistas à indústria pela
fraca produtividade da agricultura (que continuava a ser feita em explorações de pequena dimensão
e baixa produtividade) e pelo protecionismo dos mercados. Estes eram os fisiocratas.
Apesar de as ideias fisiocratas não terem sido aplicadas a nenhuma nação, estes representam um
importante precedente do liberalismo económico, refletindo ideias do pensamento e ideologia
liberal, que se afirmava com o pensamento moderno-iluminista.

A filosofia fisiocrata
A filosofia fisiocrata mostra uma grande influência do pensamento moderno-iluminista na forma
como encara a ordem natural.
O grande fundamento do pensamento fisiocrata era que o homem procura o prazer e a felicidade e
evita a dor. Mas como nenhum homem pode produzir sozinho todos os bens que precisa para a sua
subsistência, conservação e comodidade, os homens precisam de se reunir em sociedade para obter
aquilo que lhes falta.
Isto significa que toda a nossa ordem social se baseia numa necessidade física de reprodução de
bens, surgindo pela vontade do homem, mas regendo-se por leis naturais e estando subordinada
acima de tudo ao fim económico. A ordem social é, portanto, uma ordem de natureza económica,
radicando-se no processo através do qual produtos passam a mercadorias. O comércio era uma
condição necessária para a existência de uma sociedade.
Esta redução da sociedade ao económico registou-se também na moral, sendo que aos olhos dos
fisiocratas o bem e o mal moral traduziam-se no bem e no mal para a organização física da
sociedade, levando a uma moral completamente económica.
Seguindo essa linha de pensamento pela qual a sociedade era o resultado de necessidades físicas, os
fisiocratas chegaram à conclusão de que a cultura da terra, pela qual se multiplicavam as
subsistências, era a base da sociedade. Mas o cultivo das terras pressupõe a propriedade das terras.
O direito de propriedade destacou-se então como a primeira de todas as leis naturais regentes de
uma ordem social. Mas apesar de esta lei estar completamente fora do nosso controlo, os fisiocratas
continuavam a afirmar que era, ao mesmo tempo, o fundamento e pressuposto da nossa liberdade.
Os fisiocratas reconheciam ainda que a propriedade era desigual, sendo que alguns eram grandes
proprietários e outros não tinham nada em seu nome. Mas para eles isto não era uma negação da
igualdade. Para os fisiocratas, os homens eram iguais no seu direito à propriedade, mas isto não se
traduzia numa igualdade de facto: era o próprio direito natural que definia desigualdades quanto às
faculdades físicas e intelectuais, algo que o homem não podia mudar. Cria-se aqui um dualismo
entre a igualdade de direito (igualdade formal) e a desigualdade de facto (desigualdade material).
Assim sendo, uma ordem justa não seria aquela que tenta impor a igualdade de oportunidades, mas
sim aquela que impõe a justiça absoluta da Natureza, respeitando as regras definidas pelo direito
natural, defendo os direitos e deveres ser de uma necessidade física, não moral. Este é o núcleo da
filosofia fisiocrata.

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O que encontramos aqui é uma conceção individualista na forma de um atomismo social replicado
pela teoria da mão invisível de Adam Smith onde se afirma acima de tudo o interesse próprio e não
o interesse comum. Porém, estes não eram mutuamente exclusivos para os fisiocratas.
Para eles, a procura do interesse próprio, geralmente tido como egoísta, levava a que cada um
produzisse mais e melhor, aumentando a concorrência e levando a que a maior população possível
atingisse o melhor estado possível. Havia uma perfeita harmonia entre os interesses e o equilíbrio
social. Estas ideias formavam a tese da harmonia universal, que se transformou em harmonismo no
século XIX.
Mesmo reconhecendo que algumas classes sociais eram mais beneficiadas do que outras, os
fisiocratas continuavam a afirmar que isto não se devia a uma diferença de interesses, mas sim
numa diferença de funções, sendo que tanto ricos como pobres tinham as mesmas necessidades
físicas. A injustiça não era a distribuição desigual dos rendimentos, a injustiça seria tentar intervir
nesta ordem natural. Os conflitos de interesses seriam naturalmente resolvidos pelo princípio da
concorrência e pela liberdade de comércio, visto que cada indivíduo conhecia os seus próprios
interesses e podia fazer as suas próprias escolhas. Começa assim a afirmar-se o livre-cambismo.
Por liberdade de comércio os fisiocratas entendiam liberdade de transporte, liberdade de passagem,
liberdade do direito de sucessão, abatimento de fronteiras e tudo aquilo que permitisse a livre
circulação de bens, encarnando a ideia de laissez-passer, deixar passar. Para eles a liberdade (e nisto
incluíam o fim da escravatura e da servidão e a libertação das colónias) era do interesse de todos,
principalmente dos proprietários. As medidas económicas só davam frutos se todos fossem livres.
Esta liberdade de comércio aplicava-se tanto no plano interno como externo, sendo que era através
do comércio internacional que se estabeleciam ordens internacionais. As relações amigáveis entre
nações dependiam principalmente de elos criados pela religião e pelo comércio, começando-se a
abandonar o nacionalismo mercantilista que afirmava que para uma nação enriquecer outra tinha
necessariamente de empobrecer.
Nesta ordem, o Estado tinha como tarefa proteger os direitos naturais: a propriedade, a segurança e
a liberdade.
O monarca acumulava na sua pessoa dois direitos divinos: a autoridade e a propriedade, sendo que
o primeiro dependia do segundo. Todo o governo provinha do direito à propriedade e da
necessidade de proteger esse direito. Esse era o objetivo de todo o contrato social.
A função do Estado era garantir as infraestruturas indispensáveis ao bom funcionamento da
economia (vias de circulação, sistemas de pesos e medidas, um aparelho judiciário que assegure o
reconhecimento e cumprimento de contratos, etc..) sem nunca interferir diretamente na esfera
económica.
Ao deixar que os proprietários prosperassem e seguissem os seus interesses, o monarca também
prosperava. Isto significava que era do interesse do monarca governar bem, cumprindo as suas
funções.
O que os fisiocratas apresentaram como melhor forma de governo, acima da democracia, era o
despotismo esclarecido. O rei-déspota estaria informado sobre as leis naturais e permitira a sua
atuação sem entraves.
Os fisiocratas também se adiantaram ao positivismo epistemológico e aos subjetivistas
marginalistas ao sugerir que a ciência económica era na verdade uma ciência física, baseada no
enunciado de leis absolutas, imutáveis e universais semelhantes à da matemática e com uma origem
semelhante à do direito natural. A ciência económica iria então ocupar-se do cálculo dos objetos
físicos relativos aos nossos interesses recíprocos.
O ser humano estaria então submetido à física tanto na sua dimensão moral como social.

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O Tableau Économique
Os fisiocratas tinham uma conceção de riqueza diferente da dos mercantilistas.
Para eles a moeda não era reserva de valor, mas sim mero intermediário nas trocas. A riqueza em
dinheiro era meramente relativa, sendo que o verdadeiro valor da moeda era a sua capacidade de
adquirir coisas úteis. A moeda não tinha um valor em si, pelo que não multiplicava as coisas úteis,
as coisas úteis multiplicavam a moeda.
A riqueza teria então de vir de uma fonte que se perpetuasse pelo próprio consumo e que fosse
capaz de multiplicar as subsistências, e os fisiocratas identificaram essa fonte como sendo a
agricultura.
Foi assim que os fisiocratas criaram a sua ideia de trabalho produtivo como aquele que produzia um
excedente físico, uma diferença entre os bens materiais existentes no final do ciclo produtivo e os
bens materiais existentes no início (aquilo que é hoje conhecido como input-output), e era capaz de
transformar aquilo que consumia em produção. Só a Natureza podia dar valor aos bens, e o
progresso económico só se podia registar com o aumento contínuo do excedente.
O comércio e a indústria, por sua vez, eram considerados trabalho estéril, pois apesar de serem úteis
não criavam qualquer excedente, limitavam-se a transformar a matéria-prima conseguida com a
agricultura e a vendê-la com o seu trabalho. Por isso dizia-se que ganhavam a sua subsistência, mas
que não produziam riqueza.
Esta ideia ficou explicita pelo fisiocrata mais prestigiado, François de Quesnay (1694-1774), através
da elaboração do Tableau Économique em 1758.
Este quadro económico é uma planificação do processo produtivo segundo as ideias fisiocratas,
mostrando o processo de circulação da produção social como um equilíbrio societário geral. Nele
estabelecem-se três classes sociais diferentes: a classe produtiva (agricultores que cultivam a terra),
a classe dos proprietários (sendo que Quesnay não tinha em conta os proprietários que contratavam
trabalhadores assalariados para cultivar a terra, mas incluía nesta classe o soberano e a Igreja) e a
classe estéril (comércio, indústria e profissões liberais). Mostravam-se depois as relações que
estabeleciam umas com as outras.
Aqui, o lugar de destaque cabe à classe produtiva. Vale notar que Quesnay parte sempre do
princípio de que está a lidar com grandes culturas, não com pequenas culturas pré-capitalistas. Isto
demonstra que o fisiocratismo mostra um sistema de capitalismo integral provisoriamente limitado
ao capitalismo agrícola.
Assim sendo, no final de um ciclo produtivo a classe dos agricultores detém toda a produção
agrícola (alimentos e matérias-primas) é a única com excedente. Este excedente é usado para pagar
a renda à classe dos proprietários na forma de moeda.
Os proprietários usam metade do dinheiro conseguido com a renda para comprar produtos
manufaturados à classe estéril, enquanto a outra metade é utilizada para comprar alimentos à classe
produtiva, que recupera metade do valor do seu excedente e o utiliza para comprar produtos
manufaturados à classe estéril.
A classe estéril, por sua vez, usa o dinheiro conseguido pelas compras dos proprietários e da classe
produtiva para comprar matéria-prima e alimentos à classe produtiva, que volta a ter nas suas mãos
todo o excedente.
Porém, este excedente não é aforrado. A classe produtiva utiliza-o para comprar sementes e outras
matérias necessárias para reiniciar o ciclo de produção, às quais se juntam os produtos
manufaturados.
Esta padronização permitia reiniciar sempre o ciclo produtivo, fazendo da atividade económica um
processo autorrenovável, mas não permitia o desenvolvimento da economia. Sob o modelo do

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Tableau Économique, a economia permanecia eternamente num estado estacionário.


Deve-se notar que os fisiocratas ainda não tinham um conceito próprio de investimento. Porém,
foram eles que trouxeram a ideia do capital como um stock de bens que podiam ser adiantados para
a produção: os avances.
Os avances foncières, o capital investido pelos proprietários para conservar e melhorar as suas
terras, eram considerados essenciais para o processo produtivo. Todo o trabalho nas terras
pressupunha o investimento de capital. Porém, os avances foncières aparecem incorporados na
própria terra, não tendo uma representação óbvia no Tableau Économique. Podem traduzir-se num
aumento da renda, mas não em capital produtivo e criador autónomo de riqueza.
Isto, pois Quesnay parte do princípio de que a agricultura já está estabelecida nos moldes
capitalistas e atingiu o máximo de produtividade possível.
Os avances primitives constituem o capital adiantado pelos rendeiros para adquirir alimentos e bens
manufaturados, sendo que Quesnay acreditava que estes avances, quando na forma de compras à
classe produtiva, deveriam vir com juros elevados para servirem como fundo de emergência para os
agricultores em caso de más colheitas. Este capital adiantado permitia à classe produtiva adquirir
produtos manufaturados para recomeçar o ciclo produtivo.
Os avances annuelles correspondem aos adiantamentos feitos em preparação para o início de um
novo ciclo produtivo: alimentos para os trabalhadores agrícolas (que surgem pagos na forma de
salário), e sementes e outros custos anuais regulares para a classe produtiva.

A importância das teses fisiocratas/Críticas


Os fisiocratas sugeriram várias medidas de foro económico, incluindo a estimulação da agricultura,
a abolição da política dos cereais instituída por Colbert, a supressão das alfândegas e entraves, a
descida dos preços dos produtos manufaturados e a imposição de impostos mais altos sobre os
proprietários.
Porém, a teoria fisiocrata nunca tomou a forma de uma política concreta, não chegando a ser
aplicada.
A forma como Quesnay apresentou o Tableau Économique faz com que muitos considerem os
fisiocratas como os primeiros a tratar a economia de forma analítica e quase científica,
preocupando-se mais com factos empíricos do que com premissas teológicas.
Os economistas que seguiram os fisiocratas, como Adam Smith, desdenharam a importância que
estes davam à agricultura e a ideia de que toda a economia partia desta atividade económica.
Porém, tem de se ter em conta que as ideias fisiocratas foram desenvolvidas antes da Revolução
Francesa e que correspondem a um modelo de sociedade específico que para nós já não faz sentido.
Muitos dos conceitos que temos hoje são herdados dos fisiocratas, como é o caso do excedente, que
ainda hoje é útil para percebermos a noção de excedente agrícola exportável, a maior fonte de
rendimento dos países em desenvolvimento, e que ajudou Marx a formular o seu conceito de mais-
valia.
Os fisiocratas introduziram também os conceitos de trabalho produtivo e a ideia do processo
económico (dentro do qual contamos o processo de circulação de bens e o processo de circulação da
moeda) como um fluxo permanente, que permitiu formular a hipótese de que a economia e os
mercados são regidos por leis que se manifestam em atividades económicas constantes.
No plano da filosofia social, os fisiocratas foram precursores do utilitarismo, que se manifestou nos
subjetivistas marginalistas como princípio do máximo resultado.
As maiores limitações do Tableau Économique, eram a ignorância dos avances primitives realizados
pela classe estéril, a visão da economia como estando num permanente estado estático (sem
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considerar a acumulação de capital como possível e condenando todo o Tableau a ficar como um
modelo de representação simples), o pressuposto dos preços como sendo constantes, o pressuposto
de que as trocas entre classes só ocorriam uma vez no final do ciclo produtivo, a ignorância das
trocas dentro das classes e, com mais relevo para a economia política, a ausência de uma teoria do
valor, visto que os fisiocratas acreditavam que só a terra podia gerar valor.
Atualmente, muitos consideram que a doutrina fisiocrata visava apenas proteger o trigo francês.
Quando Quesnay formulou as suas teorias, a França era um dos maiores produtores de cereais do
mundo. Dada a sua preocupação em proteger a agricultura francesa, e tendo em conta que no século
XIX os EUA e o Canadá tornaram-se os maiores produtores de trigo, muitos acreditam que nessa
altura Quesnay teria defendido medidas protecionistas.

A Escola Clássica

Adam Smith (1723-1790)

Contexto histórico
Adam Smith integra aquela que é conhecida como a Escola Clássica, a primeira escola de
pensamento económico que autonomizou a economia como uma ciência por mérito próprio. Dela
faziam parte David Ricardo, Thomas Malthus, John Stuart Mill, etc.
Estes partilhavam uma atitude conformista face às leis naturais e ao modelo capitalista, uma defesa
do laissez-faire, herdando as ideias fisiocratas sobre a não-intervenção do Estado na economia.
Seguindo estas ideias, afirmavam que os mercados são governados por leis naturais que os Estados
não podem e não devem alterar.
Entre estas leis destacam-se a lei do interesse pessoal (ideia herdada dos fisiocratas), que afirmava
que era ao perseguir os seus interesses pessoais, e não os interesses comuns, que os homens
beneficiavam toda a comunidade, pelo que o Estado não deveria intervir na perseguição dos fins
pretendidos.
Quanto às trocas, a lei da oferta e da procura era rainha. Esta lei procurava mostrar como, em
condições normais (ou seja, sem intervenção), a oferta e a procura se comportavam no mercado. O
que os economistas assinalaram é que o preço se desenvolve proporcionalmente e na mesma direção
que a procura, e proporcional, mas inversamente à oferta.
Na conceção clássica, as crises, principalmente as crises de sobreprodução, são raras, transitórias e
setoriais, surgindo não de problemas com o mercado, mas sim dos erros dos governantes. Ao deixar
os mecanismos naturais dos mercados agir, estas crises podiam facilmente ser resolvidas.
Durante grande parte da história as crises eram de subprodução, e estas eram marcas do modelo pré-
capitalista. Estas eram situações em que a procura excedia a oferta, que se via condicionada por
fatores fora do controlo dos produtores (mau tempo, guerras, epidemias, etc.). Só depois da
Revolução Industrial é que se começaram a notar crises de sobreprodução, em que a oferta excede a
procura, levando à descida dos preços para um nível incapaz de assegurar o lucro dos produtores.
Estas últimas são causadas por problemas com o consumo, não com a produção.
No caso de crises de subprodução, o aumento da procura, quando comparado com a diminuição da
oferta, significaria um aumento dos preços, levando as pessoas a consumir menos. Isto permitiria
aumentar os estoques de bens, logo, o aumento da oferta, diminuindo os preços até níveis
aceitáveis.
Nas crises de sobreprodução, o grande aumento de oferta levaria à descida dos preços, aumentando
o consumo. Este aumento da procura levaria à crescente redução da oferta, estabilizando o mercado
a seu devido tempo.
Adam Smith foi considerado o fundador da Escola Clássica e o pai da economia como ciência
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autónoma, separada da política.


Smith presenciou os primeiros grandes momentos e invenções da Revolução Industrial,
considerando-se que esta começou em 1760, sendo durante o seu tempo que a indústria se afirmou
como uma verdadeira potência. Porém, Smith não tinha plena consciência da importância que a
indústria viria a ter na economia.

A Riqueza das Nações


A magnum opus de Smith, A Riqueza das Nações, foi publicada em 1776 como uma crítica ao
mercantilismo e uma defesa do livre-cambismo, deixando de se considerar a mera acumulação de
moeda como riqueza. Nela, Smith debruçou-se sobre duas questões essenciais: de onde provinha a
riqueza das nações e porque seriam algumas nações mais ricas que outras?
Para Smith, a riqueza de uma nação era o fluxo de rendimento nacional produzido ao longo de
períodos sucessivos, e a causa desta riqueza era, essencialmente, o trabalho produtivo.
Mas para Smith o trabalho produtivo não era aquele que produzia um excedente físico, e não se
limitava a um único setor da economia, como defendiam os fisiocratas. Na conceção de Smith,
trabalho produtivo é aquele que se incorpora num objeto durável e que acrescenta valor às matérias-
primas em que é aplicado. Isto significa que tanto a agricultura como a indústria eram trabalho
produtivo, mas os serviços, apesar de serem úteis e necessários, não contavam como trabalho
produtivo.

Teoria do valor
Na teoria de Smith, o valor de um bem era medido pelo seu valor de troca.
Smith acreditava que todos os homens têm uma propensão natural para trocar os bens que têm em
excesso por aqueles que têm em quantidades escassas, visto que é impossível uma única pessoa
produzir todos os bens de que precisa.
Assim sendo, quando estamos a trocar bens estamos, na verdade, a trocar quantidades de trabalho
por outras equivalentes. Nesta teoria do valor com base no trabalho, o valor de um bem mede-se
pela quantidade de trabalho incorporada no mesmo.
Surge aqui o conceito de labour commanded, a quantidade de trabalho que um bem pode comandar.
Quanto mais trabalho está incorporado no bem que produzimos, mais poder de compra temos sobre
outros bens.
O trabalho que um bem pode comandar é definido pelo estado da sociedade.
Num estado primitivo, sem propriedade privada ou acumulação de capitais, o trabalho necessário é
medido simplesmente pelo tempo. Isto, pois o trabalhador produz por conta própria, pelo que é o
único que tem de ser recompensado.
Mas numa sociedade capitalista, com propriedade privada e acumulação de capitais, o trabalhador
trabalha em terras que não são suas, com utensílios que não são seus, e não tem controlo sobre o
produto do seu trabalho. Além da compensação pelo trabalho do trabalhador (salário), deve-se ainda
pagar uma renda ao proprietário das terras, devendo o empresário que investiu nos utensílios
necessários para a produção receber lucro.
O valor de um bem numa sociedade capitalista é então definido pelo labour commanded somado
aos custos de produção. O preço de um bem deve chegar para cobrir o salário do trabalhador, a
renda do proprietário e o lucro do empresário.
Isto foi aquilo definido por Smith. Economistas posteriores criaram duas teorias a partir daqui,
atribuindo-as a Smith.

Teoria dedutiva
Na teoria dedutiva, o labour commanded (salário) representa todo o valor do bem, sendo que a
renda e o lucro são depois deduções a esse valor, representando um excedente. A implicação aqui
presente é que os trabalhadores criam todo o valor dos bens, mas que leis naturais determinam o
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valor que cada classe vai receber e que o aumento do salário se vai converter na diminuição da
renda e do lucro, tal como o aumento destes significará a diminuição do salário.
Esta ideia de serem os trabalhadores os responsáveis pelo valor dos bens na sua totalidade foi
resgatada por Marx, que afirmou que não eram leis naturais que determinavam esta distribuição
desigual do rendimento, mas sim o sistema capitalista em si.

Teoria aditiva
Na teoria aditiva, é impossível saber o valor de cada um dos fatores de produção. O salário, renda e
lucro formam-se independentemente uns dos outros, sendo o valor do bem o somatório destes três
fatores. Esta teoria foi adotada por Jean-Baptiste Say e refletiu-se, de certa forma, nas ideias
subjetivistas-marginalistas.

Não é completamente possível afirmar se Smith adotava a teoria dedutiva ou a teoria aditiva pois o
raciocínio deste autor é bastante cíclico no que toca à formação e distribuição dos rendimentos.
Por um lado, o preço natural da mercadoria era determinado pela soma positiva do preço dos custos
de produção e do custo do trabalho, definido pelo labour commanded. Mas o preço do labour
commanded fixava-se de acordo com o preço natural da mercadoria.

Teoria da distribuição do rendimento


Smith definia três rendimentos originários da produção: o salário, a renda e o lucro.

Teoria do salário
No estado primitivo da sociedade, a recompensa natural do trabalho seria o resultado total da troca
do bem produzido pelo mesmo. Mas numa sociedade capitalista o salário é determinado por fatores
políticos, sociais e institucionais.
Em todos estes, o interesse do empregador prevalece.
O que Smith apresentou foi um eterno conflito entre duas partes com interesses contrapostos e em
posições desiguais: o patrão e o trabalhador. E este conflito é resolvido por o trabalhador não ter
escolha senão trabalhar para sobreviver, mas o patrão poder contratar quem quiser. Marx
reconheceu aqui uma coerção económica.
Por esse motivo, o salário tende a pender para o mínimo de subsistência: o mínimo suficiente para o
trabalhador se alimentar e reproduzir.
Porém, este valor pode ser alterado por oscilações entre a oferta e a procura do trabalho.
Existem alturas em que a procura de mão-de-obra aumenta, dando aos trabalhadores a possibilidade
de pedir salários mais altos. Falamos, por exemplo, de fases de crescimento contínuo. É em fases
estacionárias da economia que a procura de mão-de-obra diminui, e a concorrência entre
trabalhadores leva a que os patrões possam baixar os salários.
O aumento do salário traduz-se no aumento da natalidade, mas esta, por sua vez, traduz-se ao fim de
alguns anos numa quantidade maior de trabalhadores no mercado. Por haver mais oferta do que
procura, o valor do salário volta a baixar.
Aplica-se aqui a lei de bronze dos salários tal como sugerida por Lassale: quando os salários se
afastam do mínimo de subsistência, os fatores demográficos fazem com que eles voltem a baixar.
Este autoequilíbrio significa que o mínimo de subsistência é o preço natural do salário.
Porém, Smith considerava que os fatores demográficos só afetavam o preço do salário quando
despoletados por situações políticas ou fenómenos económicos, como fases de grande
desenvolvimento.
Pode ainda haver casos em que o preço nominal do salário (a quantidade de dinheiro recebida pelo
trabalhador) é elevado, mas o preço real do salário, que corresponde à quantidade de bens
necessários à vida que podem ser trocados pelo salário, é baixo, não permitindo aos trabalhadores
adquirir os bens de que precisam para sobreviver.

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O que Smith defendia era um salário real elevado, visto a maior parte da população ser composta
por trabalhadores e estes produzirem a maior parte da riqueza. Este último facto significava que
quantos mais trabalhadores houvesse, maior seria a atividade económica. Os salários elevados
serviriam como incentivo à produtividade.
Porém, este não era um incentivo à intervenção do Estado na economia. Smith previa que os
salários na Europa variavam por duas razões: ou pelas circunstâncias inerentes às utilizações do
trabalho ou pelas políticas adotadas pelos países.
Entre as primeiras razões Smith afirmou que o próprio caráter dos empregos (a sua facilidade, a sua
segurança, a probabilidade de sucesso, etc.) determinava o valor do salário dos trabalhadores, sendo
por isso que alguns trabalhos eram mais bem remunerados. Isto, numa sociedade onde se permitisse
que as leis naturais atuassem sobre os mercados e se garantisse perfeita liberdade a todos, era
perfeitamente normal.
Entre as segundas razões Smith via políticas que tentavam restringir a concorrência e a livre
circulação dos trabalhadores. Vemos aqui um reflexo das medidas mercantilistas.
Smith reconhecia que havia insatisfação entre a classe dos trabalhadores, que recebia menos que os
proprietários e capitalistas. Vale notar que já antes dele tinham existido revoltas de camponeses, e
que em 1779 começou o movimento do ludismo.
O que Smith teorizou sobre os movimentos de operários (que se iriam mais tarde transformar em
movimentos sindicais) é que por vezes os trabalhadores unem-se para levar as suas pretensões
(como salários mais altos e melhores condições) aos patrões, muitas vezes recorrendo à violência.
Porém, esses movimentos raramente sucediam, pois os patrões tinham mais facilidade em reunir-se
em grupos e tinham do seu lado as autoridades civis e a lei.

Teoria da renda
Dado as terras serem um bem que existe em quantidades limitadas, verifica-se uma situação de
escassez e os seus proprietários podem atuar como monopolistas, fixando um preço igual a todo o
valor que essa terra produz. Este preço seria o mais alto que o rendeiro conseguisse pagar tendo em
conta as características da terra.
A renda é precisamente a remuneração pela terra, e corresponde àquilo que esta produz subtraindo o
valor dos salários e dos lucros médios comparados com as explorações vizinhas. Não é um juro ou
um lucro, mas sim um rendimento que deve ser remunerado.
É nestes aspetos que a renda se diferencia do lucro: não se pressupõe um investimento na terra. A
única condição necessária para cobrar uma renda é a sua apropriação de terras.

Teoria do lucro
O lucro é o rendimento próprio dos empresários capitalistas, aqueles que mobilizam a sua riqueza
acumulada para contratar trabalhadores produtivos e adquirir matérias-primas e instrumentos de
trabalho. O investimento, conceito elaborado a partir dos avances dos fisiocratas, era então o capital
adiantado para cobrir estes custos. Para haver investimento, tem antes de haver capital.
Smith reconheceu desde cedo que a apropriação do lucro pressupõe uma relação desigual entre
quem acumula a riqueza (o capitalista) e quem se vê constrangido a trabalhar (o trabalhador). Esta
relação foi depois desenvolvida por Marx para integrar a sua teoria.
Mas, ao contrário de Marx, e tal como Ricardo, Smith acreditava que o lucro era um rendimento
que remunerava algo, não era apropriação ilegítima. O lucro remunerava o risco, a criatividade e a
inovação do empresário, sendo que sem o seu investimento não haveria matéria-prima, terra ou
instrumentos para o trabalhador produzir.
De todas as formas de rendimento, a única que não se dizia originária eram os juros, visto que não
provinham diretamente do processo produtivo. Os juros eram o rendimento de quem emprestava o
capital para os investimentos, representando um retorno do adiantamento dado ao empresário. Eram
por isso retirados do lucro.

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Tendo por base estas três teorias de distribuição do rendimento, Smith debruçou-se sobre o
problema-base da sua obra: De onde vem a riqueza das nações e porque é que há nações mais ricas
que outras?
Já se estabeleceu que a riqueza provém do trabalho produtivo (agricultura e indústria). E Smith
identificou duas grandes causas que levavam ao motivo pelo qual algumas nações são mais ricas do
que outras.

A divisão do trabalho
A riqueza não depende da quantidade de trabalhadores, mas sim da sua produtividade, ou seja, a sua
capacidade de produzir mais com os mesmos recursos. E a produtividade dependia da
especialização.
Esta especialização podia ser de dois tipos. A especialização interna é a divisão de tarefas dentro do
mesmo processo produtivo. Smith considerou esta como sendo a mais importante para o aumento
da produtividade pois a dedicação a uma tarefa em exclusivo aumentava a destreza e rapidez com
que o trabalhador a realizava e poupava tempo que de outra forma seria gasto na mudança de tarefa.
Esta ideia potenciou o aparecimento da maquinofatura e das linhas de montagem.
A especialização externa é a divisão dos trabalhadores por diversos processos produtivos. Este tipo
de especialização é importante para a troca, visto que quando alguém se especializa no processo
produtivo específico de um bem, só irá produzir o bem em questão, e irá produzi-lo em grandes
quantidades. Isto cria uma necessidade de trocar aquilo que tem em abundância por aquilo que lhe
escasseia, potenciando o crescimento económico. Esta ideia contribuiu para notar a importância do
comércio internacional.

Acumulação de capital
A segunda causa de riqueza das nações é a acumulação prévia de capital.
É pelo adiantamento de capital que se contratam trabalhadores e se compram instrumentos de
produção. Mas para este capital existir, tem primeiro de ser acumulado. Isso significa que para
investir é primeiro preciso renunciar ao consumo e aforrar para conseguir um stock de riqueza
acumulada. Após algum entesouramento tornava-se possível investir.
Ao identificar a acumulação prévia de capital (e, por consequência, o investimento) como um fator
determinante para a riqueza de uma nação, Smith identificou também o lucro dos empresários como
fator essencial: era só ao receber um lucro suficiente para pagar os juros.
Em princípio, todos querem poupar para garantir a sua qualidade de vida, mas nem todos o
conseguem fazer.

Teoria do comércio internacional de Smith


Apesar de Smith não considerar o comércio internacional como uma causa de riqueza de uma
nação, considerava mesmo assim que era importante para o crescimento económico.
As ideias de Smith em relação ao comércio internacional desafiavam a conceção mantida pelos
mercantilistas. Enquanto estes últimos acreditavam que para uma nação enriquecer a outra tinha
necessariamente de empobrecer, Smith afirmava que todas as nações saíam beneficiadas do
comércio internacional.
Apesar da especialização ser essencial para a riqueza das nações, a verdade é que existe um limite.
Nenhum país se pode especializar na produção de todos os bens possíveis, e as possibilidades de
troca são limitadas nos mercados internos. O que Smith procurava era um crescimento sustentável e
autorreforçado, ou self-reinforcing, e o que percebeu é que quando expandimos o nosso comércio
para uma escala internacional temos mais oportunidades de troca.
Para começar, expande-se o mercado em que podemos trocar os nossos produtos, permitindo que se
leve mais longe a especialização interna. Mas, mais importante, um mercado internacional permite
uma especialização externa à mesma escala, permitindo aos países dedicarem-se à especialização da
produção de um produto, atingindo os menores custos de produção possíveis para o mesmo.
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O que acontece nesta teoria da vantagem absoluta é que cada país se especializa na produção de um
produto, exportando-o, e importa depois aqueles produtos que os outros países produzem a um
custo menor.
Por exemplo, se o país A produzir a mercadoria x em 10 horas e a mercadoria y em 20, irá
especializar-se na produção da mercadoria x e importar a mercadoria y a quem a produza com
menores custos.
Porém, Smith reconhecia uma situação em que não havia qualquer vantagem no comércio
internacional: quando um país conseguia produzir todos os bens de troca ao menos custo possível.
Medindo os custos absolutos, não beneficiaria de trocar os seus bens por outros que tivessem
demorado mais tempo a serem produzidos.
Esta teoria da vantagem absoluta difere da teoria da vantagem relativa que seria mais tarde proposta
por Ricardo.

Teoria da mão invisível


Inspirado pelos fisiocratas, Smith concluiu, tal como eles, que era na procura da satisfação dos
interesses próprios que se conseguia o equilíbrio social, e que o Estado não deveria interferir na
esfera económica.
Porém, Smith não considerava os proprietários como uma classe puramente consumista. Também
eles tinham um excedente, que usavam depois em investimentos que se traduziam no crescimento
gradual do excedente geral.
O que Smith defendia era que as despesas das classes mais ricas beneficiam todos os demais, ideia
que levou Malthus a incentivar os consumos de luxo como forma de promover a procura efetiva.
Para Smith, o único momento em que se perdia o equilíbrio entre os interesses individuais e os
interesses comunitários era quando se tentavam provocar consequências sociais ou promover o
interesse da sociedade, vendo essas tentativas como conspirações contra o público.

A Teoria dos Sentimentos Morais


Apesar de ser principalmente conhecido pelo seu trabalho como economista, Smith também se
dedicou à filosofia moral, política e social. A sua primeira obra, Teoria dos Sentimentos Morais
(1759) dedicava-se precisamente a essa questão.
Smith tutelava duas teorias que parecem contradizer-se.
Por um lado, defendia a teoria da mão invisível segundo a qual todos os homens deveriam perseguir
os seus interesses pessoais, revelando influências do individualismo e traços da filosofia de Hobbes
e do princípio do egoísmo (também conhecido como princípio hedonístico, ou lei do interesse
pessoal).
Locke tentou apresentar uma versão racionalista do pessimismo de Hobbes
Porém, Smith foi também influenciado pelas ideias de Hume, que apresentou a simpatia como fonte
dos nossos juízos morais, permitindo-nos reconhecer valor e utilidade nos outros, harmonizando os
interesses individuais e coletivos.
Os homens eram caracterizados por esta simpatia.
Smith foi especialmente crítico de Bernard Mandeville, que afirmava que as virtudes eram ações
contrárias aos impulsos do homem através dos quais este beneficiava outros. Para Mandeville o
vício, o autointeresse do homem, era o verdadeiro fundamento da sociabilidade.
Para Smith, apesar da mão invisível e da necessidade de cada um satisfazer as suas próprias
necessidades acima das dos outros, os homens precisavam de se entreajudar e cooperar para
sobreviver.
Na sua filosofia social, Smith só considerava que o egoísmo era benéfico enquanto não impedia os
outros de prosseguir os seus interesses, criando uma espécie de equilíbrio entre egoísmo e
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altruísmo.

Jean-Baptiste Say (1767-1832)

Teoria dos três fatores de produção


Para Say, o preço de um bem equivalia ao seu valor, que era determinado por dois fatores: a sua
utilidade (sendo esta condição essencial para o bem repercutir um preço) e os seus custos de
produção (salário, renda, lucro e juros).
O que se retira daqui é que a produção não cria objetos, mas sim utilidades. Na conceção de Say
quase não existe trabalho improdutivo, visto que todo o trabalho útil (seja na agricultura, indústria
ou serviços) é trabalho produtivo.
O valor de um produto era então determinado pela sua utilidade e pelos seus custos de produção,
sendo a utilidade o determinante principal deste valor.
Segundo Say, existiam três fatores de produção a ter em conta: a natureza, o trabalho e o capital.
Cada um é importante para o processo produtivo, correspondendo a cada um deles um tipo
específico de rendimento.
Aqui Say é explícito de uma forma que Adam Smith não é e afirma que os custos de produção são
uma soma positiva: cada rendimento estabelece-se de forma independente, e os custos de produção
são a adição de cada um desses rendimentos. A subida de um não significa a descida de outro.
A teoria dos três fatores de produção teve um efeito marcante nas teorias subjetivistas-marginalistas,
visto que o que Say estava a afirmar com esta sua ideia era que trabalhadores, capitalistas e
proprietários partiam todos da mesma posição. Isto mostra uma ignorância, ou talvez até uma
negação, do papel das relações de produção no estudo da economia.

A Lei de Say
A Lei de Say pode ser reduzida a um enunciado simples: a oferta cria a sua própria procura.
Para entendermos a Lei de Say, temos primeiro de entender os seus três pressupostos.
O primeiro pressuposto de Say é de que não há entesouramento. Todo o capital é ou consumido ou
aforrado com o intuito de ser investido. Ninguém acumula riqueza pois o verdadeiro valor da moeda
não é a moeda em si, mas sim as coisas que pode adquirir.
Segundo, Say pressupõe que não há estocagem. Toda a produção é vendida porque (e isto leva-nos
ao terceiro pressuposto) os preços são perfeitamente flexíveis. O vendedor irá sempre tentar vender
os seus produtos ao maior preço possível, mas se esse preço significar que ficará com produtos
excedentes, irá descer o preço para evitar a formação de stocks. Tudo isto sugeria que quando um
produto entra no mercado, todos os fatores de produção (natureza, trabalho e capital) já foram
remunerados, tendo agora os intervenientes capacidade com o seu capital para consumir produtos
ou para investir esse capital em mais produção, que por sua vez gera mais capacidade para
consumir. Say considerava, tal como Smith, que o ser humano tinha uma propensão natural para
trocar aquilo que tinha por aquilo que não tinha, e como não havia valor na moeda em si, toda a
gente procurava, assim que recebia o seu rendimento, trocá-lo por coisas úteis.
A conclusão de Say era que o poder de compra era criado pelo próprio processo produtivo (visto
que era assim que as pessoas adquiriam rendimento para gastar), logo, nunca haveria mais produção
do que aquela que podia ser consumida. Esta ideia gerou a teoria de supply side economics, segundo
a qual a procura nunca tem de ser estimulada: enquanto houver terra e mão de obra, a economia
continuará a crescer, e enquanto houver produção as pessoas continuarão a consumir e a investir,
nunca entesourando o seu capital.
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Perante as preocupações de crises de sobreprodução, Say negou a possibilidade de existirem crises


de sobreprodução gerais. Estas crises, se existissem, seriam setoriais e temporais, resolvendo-se
quando o preço dos produtos fosse ajustado para permitir a venda de todos os produtos.
Apesar de não ter comentado diretamente a Lei de Say, as obras de Smith sugerem uma ideia
semelhante, e David Ricardo concordou. Porém, esta lei encontrou três grandes críticos: Malthus,
Marx e Keynes. Este último reabilitou algumas ideias de Malthus, corrigindo alguns dos seus
aspetos mais críticos.

Thomas Malthus (1766-1834)

Crítica à Lei de Say


Malthus era o único dos pensadores da Escola Clássica que defendia a estimulação da procura, e a
sua crítica a Say era precisamente a crítica da ideia que a oferta criava a sua própria procura e de
que não existiam crises de sobreprodução.
Foi Malthus que estabeleceu o conceito de procura efetiva, a procura feita por quem pode comprar
os produtos a um preço suficiente para incentivar continuamente a produção. Para Malthus, o
problema da economia é que esta procura raramente se verifica.
Sabemos já que o preço dos bens, o seu valor de troca, se baseia na soma do trabalho necessário
para produzir a mercadoria e dos custos de produção, tal como sabemos que, para permitir o
pagamento da renda e do lucro (dentro do qual se tinham de pagar juros), o rendimento pago pelo
trabalho, o salário, é inferior ao preço da mercadoria em si. Logo, os trabalhadores não podiam
comprar aquilo que produziam.
Sendo os trabalhadores uma parte considerável da população, podemos facilmente perceber porque
é que não há uma procura efetiva: a maior parte da população recebe salários demasiado baixos para
conseguir absorver toda a produção. E sendo que os salários pendiam sempre para o mínimo de
subsistência (Malthus não defendia uma política de salários altos, considerando que estes levariam a
um aumento da população), a única solução era que os outros titulares de rendimento (ou seja, os
capitalistas e proprietários) consumissem a maior parte da produção.
Porém, estas classes tendiam mais para o aforro do que para o consumo, criando uma situação de
subconsumo.
Era essa inexistência de procura efetiva que levava a crises de sobreprodução gerais, algo que Say
considerava impossível, e a crises de desemprego, causadas pela população excessiva.
A crítica de Malthus, porém, está sujeita às suas próprias críticas. Malthus considerava que todo o
aforramento era igual, não distinguindo entre aquilo que era aforrado para investimento e aquilo que
era aforrado para entesouramento. Para ele, todos os bens eram bens de consumo, e a única forma
de incentivar a produção era consumindo.
Porém, reconhece-se agora que os capitalistas aforram principalmente tendo em vista o
investimento, que é necessário para a produção. A procura não se limita à procura dos bens de
consumo, inclui também os bens de capital adquiridos com o investimento.
Porém, a falta de procura efetiva dos bens de consumo continuava a verificar-se, e a falta de procura
levava inevitavelmente ao desincentivo ao investimento, que significava menos trabalhadores, mais
desemprego e ainda menos consumo, criando um ciclo vicioso.
Malthus sugeriu três sugestões para este problema. Antes de mais, desenvolver a economia interna e
externa.
Em segundo lugar, investir nas obras públicas: isto permitiria distribuir rendimento aos
trabalhadores sem aumentar a produção e, visto serem este investimento vir dos impostos,
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reduzindo a produção.
Por fim, Malthus encorajava o consumo improdutivo, ou seja, o consumo das classes que tendiam a
entesourar.

Crítica de Keynes à Lei de Say


Reabilitando a conceção de Malthus de procura efetiva, Keynes apresentou a partir daí a sua crítica
à Lei de Say.
Keynes tornou a definição de procura efetiva mais abrangente, definindo-a como o montante da
despesa em consumo e investimento não só por quem pode, mas também por quem quer comprar.
Assim preenchiam-se algumas das lacunas da teoria de Malthus.
Keynes apresentou ainda a teoria unitária da moeda, apresentando três funções: meio de pagamento,
unidade de conta (sendo que é pela moeda que se pode medir o valor de um bem) e como reserva de
valor, uma ideia herdada dos mercantilistas. Por ser reserva de valor, a moeda podia ser trocada por
outros bens, usada para investir ou ser entesourada. Há sempre interesse em mantê-la em saldos
líquidos, já que isto permita a imobilização do capital.
Outro problema de Keynes com a Lei de Say era o pressuposto da absoluta flexibilidade dos preços.
Porque num mundo de monopólios, muitas empresas não precisam de se conformar aos preços
estabelecidos, adaptando o preço dos seus produtos para conseguir que sejam todos vendidos. Estas
empresas são price makers.
No mercado de concorrência imperfeita dos monopólios, as empresas podem impedir a descida dos
preços. A lei da oferta e da procura não se aplica.
Quando temos em conta a formulação mitigada que Keynes aplicou à equação do valor das trocas
dos mercantilistas juntamente com a sua crítica a Say, percebemos que Keynes estava a afirmar que
era a procura que criava a oferta: o aumento do número de transações só ocorria quando havia
acumulação de moeda, sendo que a maior parte deste aumento da quantidade de moeda seria quase
completamente absorvido para aumentar as transações caso a economia estivesse num desemprego
de meios de produção agudo.

Princípio da população
Para entendermos o princípio da população de Malthus, temos de entender o seu tempo.
Os fisiocratas e Adam Smith tinham teorizado que o laissez-faire e a atuação das leis naturais sobre
o mercado iriam beneficiar, de uma maneira ou outra, toda a população, visto que todos tinham o
mesmo interesse de enriquecer.
Mas a realidade social do mundo pós-Revolução Industrial era muito diferente. Primeiro o grande
êxodo rural, que criou grandes massas de trabalhadores em cidades que não tinham capacidade para
os albergar, e depois a propagação das máquinas, criando taxas altas de desemprego e salários
extremamente baixos, traduziram-se em condições de pobreza e miséria extrema.
Para remediar esta situação, promulgaram-se as chamadas Leis dos Pobres, destinadas a ajudar os
pobres, desempregados e aqueles incapazes de trabalhar.
Seguindo as teorias de Smith, estas leis eram contra as leis naturais que regiam a distribuição do
rendimento. Mas outros, como William Godwin, sugeriam que a miséria verificada na sociedade
não era o resultado de leis naturais, mas sim fruto do sistema socioeconómico, que se baseavam no
direito à propriedade privada e no direito à herança.
Entretanto, os sistemas de ajuda aos pobres começavam a mostrar-se ineficientes. O sistema de
Speenhamland, instituído em 1795, foi um dos maiores fracassos, sendo apontado como mau
exemplo de um subsídio de pobreza até aos dias de hoje.

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O objetivo do Speenhamland system era oferecer ajuda aos pobres que estavam afetados pelo
aumento do preço dos cereais, oferecendo o suficiente para o seu mínimo de subsistência e dos seus
filhos. Quanto maior fosse a família, maiores seriam os pagamentos.
Em 1830 estalou uma revolta em Speenhamland, e o sistema foi abolido em 1834. A causa apontada
foi que o sistema de ajuda aos pobres de Speenhamland tinha levado as pessoas a não trabalhar e a
reproduzir-se mais rapidamente, o que por sua vez levou a que a quantidade de cereais diminuísse.
Porém, investigações mais recentes mostram que a investigação do governo inglês sobre
Speenhamland teve grandes falhas e que o sistema em si não era tão defeituoso como todos
pensavam.
Como pastor anglicano, Malthus começou por apoiar as Leis dos Pobres. Mas as ideias de Godwin
e o desastre dos sistemas de ajuda aos pobres levaram-no até ao princípio da população, segundo o
qual estas traziam mais prejuízos do que benefícios.
Malthus baseou-se na obra de Smith e nas suas ideias em relação à causa de riqueza das nações.
Porém, admitiu que uma nação rica não se traduzia em benefícios para todos os seus cidadãos:
haveria sempre uma parte da população a receber menos, mas também haveria sempre um grupo de
indivíduos que iriam enriquecer. Era natural haver uma quota de miseráveis em todas as sociedades.
O problema era quando a população aumentava mais do que a quantidade de bens disponíveis, pois
era aí que as desigualdades se tornavam agudas.
O princípio da população de Malthus é que há uma pressão da população, que tende a duplicar de
25 em 25 anos, sobre os meios de subsistência, que servem como limite a este crescimento.
A população cresce a uma proporção geométrica (1 – 2 – 4 – 6, etc.), enquanto os bens de
subsistência crescem a uma proporção aritmética (1 – 2 – 3 – 4, etc.). A certo ponto, há mais
pessoas do que bens disponíveis. Quem tem meios para adquirir estes bens sobrevive, mas quem
não tem está fadado, pelas leis da Natureza, à miséria.

“Um homem que nasce num mundo já ocupado, se a sua família não pode alimentá-lo ou se a
sociedade não pode utilizar o seu trabalho, não tem o direito de reclamar qualquer porção de
alimentos, ele está realmente a mais sobre a terra. No grande banquete da natureza não há talheres
postos para ele. A natureza ordena-lhe que se vá embora e não tarda a pôr ela mesma a pôr essa
ordem em execução.”
Ao promover leis de apoio aos pobres, que Malthus considerava não só fúteis como também
perversas, os governos estavam apenas a aumentar a quantidade de pessoas em condições
miseráveis, criando situações em que o número de desempregados era muito maior do que o número
de postos de trabalho.
Assim sendo, Malthus defendia que em vez de medidas de apoio aos pobres, que permitiam àqueles
sem meios continuar a procriar e a gerar pessoas que, pelas leis da Natureza, não deveriam estar
vivas, dever-se-iam tomar medidas para reduzir a natalidade, como o aumento da idade legal para
casar.
A principal ideia por trás das sugestões de Malthus é a de moral restraint: as pessoas deveriam optar
pela abstinência por serem racionais e saberem que, ao procriarem, estavam a empobrecer-se a si
mesmas e à sociedade. Este compromisso deveria ser feito livremente, mesmo que com influências
externas, mostrando a forma como o individualismo modernista influenciou as ideias malthusianas.
Porém, as ideias de Malthus, quando acompanhadas com as novas ideias em relação à seleção
natural, levaram ao surgimento de uma corrente de pensamento que toma o nome de darwinismo
social: a crença de que, tal como as espécies, as pessoas devem lutar pelos recursos, e se não
conseguirem sobreviver era porque não eram fortes o suficiente.
Quando aplicadas às políticas sociais, a doutrina de Malthus tornou-se na crença generalizada de
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que a pobreza é um defeito de personalidade.

Teoria da renda
Presenciando já os primeiros efeitos das Corn Laws, promulgadas em 1815, Malthus estabeleceu
alguns dos princípios que ajudaram David Ricardo a desenvolver a sua teoria da renda diferencial.
O que Malthus constatou foi que a renda da terra era equivalente ao custo de produção nas terras
menos férteis, onde a despesa necessária para conseguir produzir é mais elevada. Nos países mais
desenvolvidos, como a Inglaterra, era necessário produzir e cultivar mais, levando a terras cada vez
menos férteis e a custos de produção cada vez mais altos.
Porém, Malthus não chegou a sugerir a revogação das Corn Laws. Em vez disso, sugeriu que se
diminuíssem os impostos sobre a agricultura, defendendo os interesses da aristocracia fundiária.

David Ricardo (1772-1823)

Contexto histórico
David Ricardo baseou-se largamente nas ideias de Smith, aprofundando alguns dos seus conceitos,
no princípio da população de Malthus e na lei de Say, com a qual concordava.
Em 1815, promulgaram-se as Leis dos Cereais para proteger o mercado interno do trigo, proibindo
a sua importação e tentando limitar a dependência da Inglaterra quanto ao estrangeiro.
Rapidamente se percebeu que as leis estavam a ter um efeito negativo, nomeadamente na subida do
preço dos cereais e da renda.
O aumento da população na Inglaterra tinha levado à necessidade de cultivar terras menos férteis e a
uma cultura mais intensiva para conseguir alimentar toda a população, e os preços estavam a
aumentar perigosamente, refletindo o aumento dos custos de produção. Mas as Leis dos Cereais
impediam os ingleses de importar alimentos a preços mais baixos, pelo que os preços continuavam
a aumentar. E, sendo o trigo a base de toda a alimentação, todos os outros preços fixavam-se de
acordo com este. Por esse motivo as Corn Laws levaram a várias revoltas.
Como proprietário de terras e aristocrata rural, Ricardo tinha muito a ganhar com as Leis dos
Cereais. Porém, Ricardo era a favor da sua abolição, sendo que as suas teorias (e na sua conceção,
os interesses da própria sociedade) se alinhavam com os interesses da burguesia industrial.
As Leis dos Cereais foram revogadas em 1846, já depois da morte de Ricardo, mas os seus
trabalhos foram essenciais para perceber os efeitos nocivos que estas tinham na economia em geral.
A revogação das Corn Laws foi considerada uma das maiores vitórias do livre-cambismo.

Teoria do valor
Tal como Smith, Ricardo considerava que o valor dos bens provinha do trabalho e do trabalho
apenas. Não contabilizava a utilidade como tendo peso, sendo que esta era um pressuposto do valor
do bem, nem o preço de mercado desse bem, que dependia unicamente do trabalho necessário para
a produção do bem.
Mas ao contrário de Smith, Ricardo não contabilizava o labour commanded mas sim o labour
embodied, o trabalho incorporado direta ou indiretamente no bem.
No trabalho vivo (trabalho diretamente incorporado) encontramos o trabalho que incide diretamente
sobre a matéria-prima e a transforma em mercadoria, considerando-se o trabalho morto (trabalho
indiretamente incorporado) como o trabalho necessário para obter e transportar a matéria-prima,
para criar os instrumentos de produção e para, no final de todo o processo, vender o bem. Todos

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estes trabalhos influenciavam o valor do bem.


Este valor era absoluto, mas o próprio Ricardo admitia que o trabalho não é um fator de produção
homogéneo (nem todos os bens nem todo o trabalho eram iguais), fazendo-se distinções de acordo
com situações específicas.
Os bens únicos, por exemplo, podiam comandar um preço mais alto do que os outros por serem
especialmente escassos e não poderem ser replicados por qualquer trabalho. Porém, Ricardo só
aplicava esta regra aos bens únicos, não aos bens raros.
Ricardo admitia que o valor de um bem também podia ser influenciado pela qualidade do trabalho
nele incorporado, sendo que o trabalho mais qualificado comanda um valor mais alto (v.g. se
considerarmos que o trabalho de um relojoeiro vale o quádruplo do trabalho de um operário, um
relógio que demorou 20 horas a ser produzido poderá comandar um bem manufaturado que
demorou 80 horas a ser produzido). O valor do trabalho qualificado e do trabalho não qualificado é
definido pelo próprio mercado.
Outra variável admitida por Ricardo era a proporção e tipo de capital investido na sua produção.
Aqui Ricardo faz uma importante distinção entre bens de capital fixo e bens de capital circulante.
Os bens de capital fixo eram aqueles utilizados em mais do que um ato de produção, ou seja, os
bens de produção: máquinas, instrumentos de produção, etc...
Já os bens de capital circulante eram aqueles que só podiam ser utilizados num ato de produção,
como a matéria-prima e, como Ricardo entendia, o trabalho, visto que na produção de um bem um
trabalhador realizava um trabalho, e o trabalho que incorporava na produção do bem seguinte era
outro trabalho do mesmo tipo.
A maior parte das teorias valor-trabalho pressupõe que a quantidade de investimento nos bens de
capital fixo e circulante é proporcional. Porém, Ricardo afirmou que alguns bens eram mais
intensivos na utilização de um tipo de trabalho, e o seu valor alterava-se em função disso.
O retorno do investimento era também diferente tendo em conta a proporção de capital investido em
bens fixos ou circulantes.
O valor dos bens de capital circulante repercutia-se apenas num produto, pelo que quem investia em
bens de capital circulante recebia uma recompensação quase imediata mas com juros mais baixos.
Já os bens de capital fixo, como os instrumentos de produção, tinham o seu valor repercutido em
vários produtos diferentes ao longo de um período mais extenso, pelo que a recompensação tinha
juros mais altos, se bem que demorava mais tempo a ser conseguida.
Os juros eram determinados pelo tempo de renúncia ao capital.
Assim, mesmo sem o perceber, Ricardo admitia que o valor dos bens (logo, o valor do trabalho) não
era absoluto.

Teoria da distribuição do rendimento


 Teoria da renda
Smith apresentou a renda como o preço pago pela utilização da terra, sendo um rendimento que não
precisava de investimento.
Já Ricardo apresentou a teoria da renda diferencial, uma renda representada pela diferença entre o
custo de produção dos cereais, base de toda a alimentação, e o preço da sua respetiva venda ou,
mais precisamente, a diferença entre o custo marginal e a produção efetiva.
Baseando-se no princípio da população de Malthus, Ricardo percebeu que para responder às
necessidades da população, que estava em crescimento constante, era necessário produzir cada vez
mais alimentos. Isto implicava cultivar as terras férteis mais intensamente e, a partir de certo ponto,
cultivar as terras inférteis. A resposta mais simples seria ir aumentando o número de trabalhadores e
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instrumentos de produção, mas Ricardo percebeu uma coisa importante: duplicar o número de
trabalhadores nas terras não significava duplicar a produção.
A certo ponto o retorno do investimento não é diretamente proporcional à intensidade do cultivo e à
adição de fatores produtivos. Aqui surge a lei dos rendimentos decrescentes, que é estudada mais a
fundo no 2º semestre.
Pressupondo constante a tecnologia e a técnica, sem avanços tecnológicos, a partir de um certo
nível o volume de produção adicional que se obterá acrescentando sucessivas unidades adicionais e
iguais de trabalho a uma quantidade fixa de terra será decrescente, porque a eficiência na produção
está a reduzir.
Quando a aplicação de dois elementos produtivos variáveis (neste caso, terra e trabalho) se traduz
na diminuição da produtividade, fala-se em deseconomia de escala.
Fala-se então no aumento do custo marginal, ou seja, dos custos de produção do último bem
produzido. Se o custo marginal aumenta, o preço dos produtos tem de aumentar com ele de forma a
conseguir pagar os salários e o capital investido, devendo todos os rendimentos ser remunerados.
Se o preço do produto fosse equivalente ao custo marginal, não maior, não haveria margem para o
pagamento da renda. Logo, se os custos de produção e o preço aumentam, a renda aumenta com
eles.
Quando surge a possibilidade de cobrar uma renda, surge também a vontade de açambarcar o
máximo possível de terras para cultivo, ficando o proprietário em poder de um fator de produção
bastante procurado. Ao criar estes pequenos monopólios, os proprietários faziam com que as
pessoas disputassem as terras mais férteis, oferecendo rendas cada vez mais elevadas para ficarem
com elas.
A certo ponto, começavam-se a optar por terras menos férteis, onde era preciso investir mais para
conseguir a mesma quantidade que nas terras férteis, levando ao aumento dos custos de produção.
Para garantir o maior rendimento possível, os proprietários fixavam o valor da renda de acordo com
os custos de produção nessas terras inférteis, o que se traduzia no aumento do custo marginal.
Se a renda diferencial equivalia a toda a diferença entre o custo marginal e o volume da produção
efetiva, e se, graças à lei dos rendimentos decrescentes, o custo marginal aumentava rapidamente
enquanto o volume da produção não aumentava significativamente, então a renda ia aumentando,
deixando apenas o valor dos custos de produção para ser dividido pelos trabalhadores e
empresários.
Esta condição era agravada pelas leis dos cereais. Por não ser possível importar cereais, os preços
de troca iam fixar-se de acordo com os custos de produção internos, que refletiam terras
sobrecarregadas onde o custo para produzir uma unidade adicional era cada vez mais elevado.
 Teoria do salário
Ricardo tomava o salário como uma verdadeira mercadoria, e afirmava que o seu preço natural
equivalia ao mínimo de subsistência, ideia herdada de Smith. Este mínimo de subsistência, porém,
não era um valor fixo. Estava dependente do preço de mercado dos cereais, que por sua vez estava
dependente de variações na oferta e na procura.
Para explicar a variação do valor dos salários, Ricardo apresentou a teoria wages-fund doctrine, ou
teoria do fundo dos salários.
Esta teoria partia da ideia de que existia um fundo reservado para o pagamento de salários,
resultado de capital acumulado pelo empresário especificamente para esse fim. A quantidade de
trabalhadores que estava disposto a contratar dependia desse fundo e da lei de bronze dos salários,
também adotada por Smith, segundo qual o salário, mesmo quando aumentava por causa do
aumento da procura de mão de obra, regressava sempre invariavelmente ao mínimo de subsistência
quando este aumento inicial levava ao crescimento da população.
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Porém, sendo os cereais a base de toda a alimentação na época de Ricardo, o mínimo de


subsistência teria de ser suficiente para os trabalhadores comprarem comida. Sendo que o preço dos
salários se fixava de acordo com o preço dos cereais, se as leis dos cereais aumentavam os custos de
produção, os salários tinham de subir.
Mas aquilo que subia era o salário nominal. O salário real, a capacidade de adquirir coisas
necessárias à vida, permanecia igual ou até diminuía. O que significava que, no final de contas, o
salário tinha uma tendência para se manter igual.
Ora, sendo que os salários partiam de um fundo previamente acumulado, se os salários tinham de
subir os capitalistas teriam de contratar menos pessoas para conseguir pagar todos os salários. A
certo ponto esta subida acabava por traduzir-se numa taxa mais alta de desemprego, prejudicando os
trabalhadores.
Baseando-se nas ideias de Malthus, e ao contrário de Smith, Ricardo afirmava que os salários não
deveriam ser muito elevados pois a fixação do salário no mínimo de subsistência era inevitável e
também desejável, sendo os salários baixos um travão ao crescimento excessivo da população,
mantendo-a a um nível compatível com as subsistências existentes.
 Teoria do lucro
Ricardo concebeu o lucro como um rendimento residual dentro dos rendimentos originários, sendo
pago depois da renda e dos salários.
O problema é que, como já vimos, a lei dos cereais traduzia-se num aumento do custo marginal e,
por consequência, no aumento da renda e dos preços, logo, na necessidade de aumentar os salários.
Além disso, tinha de se produzir cada vez mais cereais, tendo em conta o aumento crescente da
população, pelo que os custos não paravam de aumentar.
Nisto, o único rendimento que não aumentava era o lucro, que ia diminuindo gradualmente (Ricardo
chamou a este fenómeno lei do lucro decrescente). Mesmo quando um produtor escolhia aumentar o
preço dos seus produtos para conseguir uma margem de lucro maior, todos os outros faziam o
mesmo, pelo que tinha mais uma vez de se aumentar os salários.
Não era possível, sob as leis dos cereais, estabelecer um preço que permitisse aos empresários
valorizar o seu capital enquanto pagavam renda, salários e juros, pelo que muitos paravam de
investir por já não verem qualquer retorno.

Efeitos das Corn Laws


Tal como Smith, Ricardo considerava a acumulação prévia de capital completamente essencial para
a produção: sem ela não seria possível avançar capital para pagar os salários (sendo que a
acumulação prévia incluía a formação de um fundo de salários) nem para conseguir matéria-prima
ou instrumentos de produção.
A acumulação só era possível quando os empresários recebiam lucro suficiente para pagar os juros e
realizar o seu consumo, sendo depois o excedente entesourado. Se os empresários não recebessem
um lucro suficientemente alto (ou seja, se não houvesse nenhum excedente), não só não poderiam
acumular capital como não teriam qualquer incentivo para produzir.
Sem investimento, duas coisas aconteciam. Antes de mais, a sociedade ficava num estado
estacionário, sem qualquer progresso económico. Depois, os fundos destinados ao pagamento de
salários esgotavam-se. Ambas estas condições levavam ao desemprego.
Ao deixar as leis da natureza funcionar, Ricardo acreditava, tal como Malthus, que a população ia
diminuir até um nível compatível com as subsistências. Mas, graças às Leis dos Pobres, os novos
desempregados e as suas famílias continuariam a ter possibilidades para subsistir e reproduzir-se,
mas desta vez haveria ainda menos pessoas a produzir e a investir e ainda mais população a precisar
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de cereais.
Todo o ciclo anterior (aumento da população-subida dos preços-subida dos salários-descida do
lucro) ia repetir-se e agravar-se, até ao ponto em que as Corn Laws iam significar o fim da
sociedade.

Teoria do comércio internacional


Também chamada teoria dos custos comparativos ou teoria da vantagem relativa, a teoria do
comércio internacional de Ricardo foi apresentada em contraposição às Leis dos Cereais para
impedir que a economia permanecesse estacionária.
Tal como Smith, Ricardo defendeu que a liberdade de comércio era benéfica para todos e que cada
país deveria especializar-se na produção de um determinado bem, produzindo-o com recurso ao
mínimo possível de meios. Mas enquanto Smith defendia uma vantagem absoluta, Ricardo defendia
que os preços fixados no mercado internacional não eram custos absolutos mas sim custos de
oportunidade.
Tendo em conta a especialização, os custos de oportunidade são aqueles que temos por deixarmos
de produzir uma coisa para produzirmos outra.
Ao medir os custos de produção em horas, podemos comparar dois bens diferentes (bem A e bem B)
quanto ao seu custo doméstico. Podemos assim perceber quantas unidades do bem A poderíamos ter
produzido no tempo que demorámos para produzir o bem B, e vice-versa. Se no tempo em que
produzimos uma unidade do bem B podíamos ter produzido mais do que uma unidade do bem A, o
bem B é relativamente mais caro.
Assim, segundo a teoria de Ricardo, não era absolutamente necessário importar o bem B a um país
onde este demorasse menos horas a ser produzido. O que era vantajoso era importá-lo a um país
onde o bem A fosse relativamente mais caro em comparação com o bem B, pois os custos de
oportunidade eram mais vantajosos para ambos os países.
As vantagens internas incluíam ainda a possibilidade de manter os preços acessíveis e os salários
baixos (e, por consequência, aumentar o lucro). Porém, dado o pouco impacto que o consumo de
bens de luxo tinha na economia, Ricardo afirmou que o comércio internacional só aumentaria a taxa
de capital se trocasse bens de consumo dos trabalhadores.
Este aprofundamento da teoria de Smith representa uma vantagem ainda maior para ambos os
países, pois permite um grau de especialização maior.
A Inglaterra adotou a estratégia de Ricardo de 1846 a 1963.

Os Clássico-Marxistas

Karl Marx (1818-1883)

Contexto histórico
Vários teceram críticas à Escola Clássica antes de Marx. Um dos primeiros foi August Comte, que
apresentou a chamada crítica metodológica, segundo a qual a Escola Clássica não tinha uma
natureza científica que permitisse afirmar que estudava a ciência económica.
Vieram também críticas da Escola Histórica alemã, que criticava o uso de métodos dedutivos,
pressupostos de pura racionalidade económica e leis naturais absolutas e universais, características
da Escola Clássica, sendo que a Escola História procurava realçar a vertente histórica da economia.
Porém, nunca chegou a apresentar uma verdadeira teoria económica, pelo que é pouco considerada.

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Foi também nesta altura que surgiram as primeiras correntes socialistas.


Vale notar que os movimentos contra as injustiças sociais remontam até ao século XIV, sendo
principalmente revoltas de camponeses. Este socialismo rudimentar surgiu ligado a movimentos
isolados até ao século XIX.
Os socialistas pré-marxistas foram dos primeiros economistas a afirmar que o capitalismo não se
rege por leis naturais imutáveis mas sim por leis históricas. Isso significava que as desigualdades e
injustiças não são factos inalteráveis: podem e devem ser combatidas.
Daqui surgiram socialistas ricardianos (aceitavam as teses clássicas mas criticavam a doutrina
liberal, pedindo intervenção do Estado na ajuda aos pobres), socialistas tecnocráticos (defendiam a
primazia dos tecnocratas, que neste contexto seriam os empresários de indústria), socialistas
associacionistas (defendem não a intervenção do Estado mas sim a criação de instituições capazes
de interceder junto deste a favor dos indivíduos, levando mais tarde ao cooperativismo) e até
socialistas burgueses, que defendiam medidas que beneficiassem as classes médias e os pequenos
proprietários. Estas correntes tentavam alterar o capitalismo enquanto o mantinham como sistema
económico vigente, apelando a reformas dentro desse sistema. Sustentaram a ideia do homem como
um ser moral e da sociedade como governada por princípios morais.
Marx apresentou uma nova crítica da economia política clássica.
Chamou a estas correntes socialismo utópico, pois tinham inspiração óbvia na obra Utopia, de
Thomas Moore (1516), acreditando que a razão iria resolver os problemas sociais.
O que Marx e Engels apresentaram era um socialismo científico, uma forma histórica da sociedade
que, em vez de apelos à razão e à boa fé, demonstra de forma quase científica que o capitalismo não
é sustentável, incentivando não a sociedade em geral a mudar mas sim o proletariado.
Esta altura foi marcada por movimentos de revolta de operários e pelo aparecimento de figuras
como Rosa Luxemburgo. Em 1848, Marx e Engels publicaram o Manifesto Comunista, mesmo ano
da revolta de Paris.
O trabalho de Marx passava principalmente por determinar o que era o lucro capitalista, de onde
vinha, em que condições surgia e qual era o seu significado.

Crítica à Lei de Say


Marx tecia críticas a dois aspetos da Lei de Say.
Uma delas era à noção da moeda como intermediário das trocas. Para Marx, isto só era possível fora
da fórmula capitalista, onde se trocavam mercadorias por outras mercadorias (M-D-M). Nos
quadros do capitalismo, o objetivo da produção era a valorização do capital através da maximização
do lucro, utilizando-se o dinheiro para produzir bens e, ao vendê-los, obter mais dinheiro (D-M-D').
Quando o capitalista não encontra uma mercadoria que lhe permita valorizar o seu capital, retêm o
seu poder aquisitivo até encontrar um campo melhor para aplicar a moeda. O lucro é essencial para
o capitalismo, mais do que qualquer mercadoria.
Isto significa que numa sociedade capitalista a produção não se destina ao consumo, separa-se como
um fim autónomo. Não satisfaz necessidades, cria-as.
Marx criticava ainda a ideia de Say de que as crises de sobreprodução gerais eram impossíveis,
utilizando-a como ponto de partida para enunciar a sua teoria das crises. O que Marx identificava
era a falta de procura efetiva, consumo solvável. Porque os capitalistas procuram sempre maximizar
a mais-valia e os salários dos trabalhadores nunca eram equivalentes ao preço das mercadorias.
Tal como Malthus e Ricardo, Marx percebia que havia uma diferença entre o valor produzido pelo
trabalhador e o valor que lhe era remunerado, sendo que o trabalho assalariado não era, ao contrário
dos outros rendimentos, pago na sua totalidade. Esta diferença entre o valor do trabalho (salário) e o
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valor criado pelo trabalho (preço da mercadoria) era a mais-valia, da qual o capitalista se apoderava.
Para maximizar a mais-valia, os capitalistas optam por reduzir os salários. Mas se os trabalhadores,
que constituem a maior parte da população, recebem um salário inferior ao preço das mercadorias,
não há procura efetiva. Esta falta de poder de compra leva a crises de sobreprodução.
Estes problemas eram fruto de o objetivo da economia passar a ser o lucro e não o consumo. No
sistema capitalista era perfeitamente possível que a sobreprodução coexistisse com a miséria
extrema, sendo esta uma contradição inerente do próprio modo de produção capitalista.
Estas crises de sobreprodução não são setoriais ou temporárias mas sim gerais e cíclicas,
provocadas por qualquer interrupção no processo produtivo e agravando-se com o tempo.
Representam a face visível das contradições do capitalismo, um sistema insustentável.
Apesar de Marx defender o aumento dos salários por via da intervenção sindical, não acreditava que
o simples aumento dos salários fosse o suficiente para resolver o grande problema por trás do
capitalismo.

Teoria do valor e da mais-valia


Para Marx, o valor dos bens era determinado pelo trabalho socialmente necessário para os produzir,
ou seja, pelo trabalho despendido por um trabalhador de habilidade média, com intensidade média e
usando os instrumentos comuns da época.
Torna-se aqui importante fazer uma distinção entre trabalho, uma categoria abstrata, e força-
trabalho.
A força-trabalho é em si uma mercadoria, representando o trabalho que é comprado ao trabalhador,
a sua capacidade física e psíquica.
Mas o bem enquanto mercadoria tem um valor independente, geralmente maior, do que a
mercadoria-trabalho, sendo vendido pelo seu preço de mercado. Esta diferença entre o preço do
bem e o salário é aquilo a que Marx chama a mais-valia, e no nosso modelo económico vigente só o
capitalista se pode apropriar dela.
Mas, mesmo sendo diferente da força de trabalho, o preço de mercado continuava a ser um produto
da mesma. A mais-valia era um excedente de trabalho que não estava a ser remunerado aos
trabalhadores, era trabalho não pago. Tratava-se, basicamente, da exploração do trabalho
assalariado.

Teoria da exploração
Baseando-se o sistema capitalista no direito à propriedade privada, estabelece-se uma divisão entre
aqueles que têm acesso aos bens de produção (os capitalistas) e quem tem de vender a sua força-
trabalho para sobreviver (os trabalhadores). A propriedade privada surge aqui como condição
necessária para o sistema de exploração proposto por Marx.
Partindo da teoria do valor de Ricardo, Marx afirmou que o valor de um bem provinha da
quantidade de trabalho direto e indireto incorporado no mesmo. Este era o trabalho vivo, provinha
dos trabalhadores e produzia todo o valor do bem.
Se os trabalhadores produziam todo o valor mas recebiam apenas uma parte, então estavam a ser
privados do seu rendimento pelos capitalistas. Porque aceitavam isto?
Marx comparava o capitalismo à escravatura, na medida em que este último era uma coerção
jurídica e o primeiro era coerção económica (o trabalhador aceita os salários baixos e a exploração
porque não tem hipótese senão trabalhar). Neste sistema de exploração necessária havia sempre
alguém a explorar alguém.
No contexto desta teoria da exploração, Marx formulou a sua teoria dos salários.
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Tendo em conta a teoria do fundo dos salários de Ricardo, Marx afirmou que a procura da força de
trabalho depende da quantidade de capital investido e das técnicas de produção utilizadas. Segundo
as teorias propostas por Smith e outros autores clássicos, o aumento da procura de mão de obra
deveria traduzir-se num aumento dos salários, mesmo que por apenas algum tempo.
Mas enquanto um aumento de capital traduz-se num aumento de procura, o mesmo não se pode
dizer pelo avanço das técnicas de produção. O aparecimento das maquinofaturas traduziu-se numa
diminuição da procura de força de trabalho e num aumento do desemprego.
O que Marx teorizou é que, sendo que o capitalismo tem uma tendência para investir mais mas uma
aversão a pagar salários mais altos, tinha mecanismos próprios para garantir que o lucro não
diminuía. Entra aqui um elemento essencial do capitalismo: o exército industrial de reserva.
Ao manter sempre uma parte da população desempregada, através dos avanços técnicos, exercia-se
pressão sobre o trabalhador para aceitar salários mais baixos, visto que haveria sempre alguém para
o substituir caso ele não quisesse trabalhar por aquele preço.
Para Marx, o capital (não só o dinheiro mas também os equipamentos, stocks e meios de produção)
não contava como matéria-prima ou instrumento de produção a não ser que estivesse apropriado nas
mãos de uma classe, a ser utilizado para explorar. Porém, não existia capital sem trabalho, este era
considerado trabalho morto.
Aqui o capital não nos aparece como uma coisa mas sim como uma relação de produção
estabelecida entre capitalistas e trabalhadores.

Teoria da luta de classes


O conceito de classe foi desenvolvido antes de Marx por historiadores e economistas (sendo que
forma os socialistas utópicos que usaram pela primeira vez o termo proletariado), mas Marx
considera que foi Ricardo o primeiro economista a referir o problema do antagonismo entre classes
ao mostrar como as Leis dos Cereais, que serviam principalmente para beneficiar a aristocracia
rural, prejudicavam os empresários e os trabalhadores.
Na perceção de Marx, a existência das classes estava ligada ao desenvolvimento histórico da
produção. A população dividia-se então na burguesia, capitalistas modernos com acesso aos meios
de produção, e no proletariado, trabalhadores que, por não terem acesso aos meios de produção, se
viam forçados a vender o seu trabalho como mercadoria. O conflito relevante estabelecia-se entre
estas duas classes, algo que também já tinha sido notado por Smith e Ricardo.
Marx reconhecia ainda a existência de classes médias, mas não as considerava classes
revolucionárias na mesma medida do proletariado.
Marx e aqueles que lhe seguiram no seu pensamento afirmavam que uma classe era composta por
vários indivíduos que ocupavam o mesmo lugar num sistema historicamente definido de produção
social, mas que era a partir do momento em que esses indivíduos tinham consciência da sua classe e
mostravam solidariedade uns para com os outros que essa classe social tinha um verdadeiro sentido.
Para Marx, o desenvolvimento da indústria capitalista aumentou a consciência de classe do
proletariado, levando-o a perceber a sua força revolucionária. Este era o primeiro passo para a
revolução que Marx previa. A solução de Marx para os problemas do modelo económico vigente era
então substituir o sistema capitalista por um sistema socialista baseado na abolição da propriedade
privada dos meios de produção, acreditando que é neste sistema que é possível haver uma
distribuição igualitária dos rendimentos e acabar com as crises de sobreprodução.

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Os Subjetivistas-Marginalistas

Precursores
De certa forma, Say pode ser considerado um precursor dos marginalistas por apresentar uma visão
das classes sociais como existindo fora da análise económica.
Enquanto outros economistas clássicos apresentavam teorias diferentes para a formação da renda,
salário e lucro, apresentando-os como rendimentos que se influenciavam uns aos outros, Say
considerava que estes rendimentos surgiam de forma independente e que os trabalhadores,
capitalistas e proprietários de terras estavam numa posição idêntica.
Esta é uma sociedade harmoniosa, sem conflito de classes, onde a distribuição da riqueza era feita
segundo leis naturais e de acordo com a contribuição de cada um para a produção. Mas como o
processo produtivo garantia a todos, em princípio, a sua parte justa do rendimento, a oferta garantia
a procura.
Say foi também o primeiro a sugerir que a utilidade de um bem é um fator determinante do seu
valor, ideia que foi adotada pelos subjetivistas-marginalistas.
Porém, a utilidade de um bem não pode ser medida de forma quantitativa, pelo que os subjetivistas
começaram a tentar encontrar novas formas de medir o valor. McCulloch afirmou que o valor dos
bens era medido pelo sacrifício de quem os produzia. Nassau Senior considerou a abstinência no
consumo imediato como elemento do valor, sendo uma forma de sacrifício.
Mas nenhum destes referiu o problema de os rendimentos se formarem num mercado
estruturalmente desigual, ou dos limites relevantes do sacrifício. O trabalho e a abstinência eram
dois componentes do custo real, mas não eram capazes de se fundir numa teoria do valor
consolidada. As respostas a estas perguntas viriam a partir de 1870.

A revolução marginalista
Os economistas clássicos, na sua grande maioria, não consideravam que o valor dos bens fosse
determinado pela sua utilidade, visto que havia bens de grande utilidade com preços mais baixos
que bens de pouca utilidade. Alguns, como Ricardo, consideraram a utilidade como um pressuposto
do valor, mas por não ser possível quantificá-lo não o consideraram um fator determinante.
O que alguns economistas vieram a sustentar como determinante do valor entre 1871 e 1874 era a
utilidade marginal, que não representava uma soma de várias utilidades mas sim um aumento da
utilidade em geral.
Para os subjetivistas, o valor de um produto é determinado pela sua utilidade marginal, ou seja, a
utilidade de todos os bens da mesma espécie que existiam simultaneamente era medida pela
utilidade do último bem produzido, que era definido pela quantidade de mercadorias para consumo,
resultado do trabalho. Logo, o trabalho determina a oferta e a oferta determina o grau de utilidade
das mercadorias e o seu preço: a produção criava utilidades, ideia herdada de Say.
Porque os marginalistas não viam a utilidade de um produto como o seu valor de uso mas sim como
as necessidades que se poderiam satisfazer com esse mesmo valor de uso, estabeleceram que cada
pessoa tem uma escala individual de necessidades que influenciava o valor que davam ao bem,
sendo por isso que alguns se referem a esta teoria como teoria subjetiva do valor. Eram os sujeitos
económicos que criavam o valor dos bens tendo em conta as suas necessidades.
As necessidades são saciáveis, mas variam de pessoa para pessoa e em graus de intensidade
diferentes. Como os bens mais comuns têm mais capacidade para satisfazer integralmente as nossas
necessidades, não sentimos uma insatisfação tão intensa. Por isso a utilidade dos bens destinados à
satisfação de uma necessidade vai decrescendo com o aumento da quantidade disponível desses
bens, naquilo a que se chama a lei da utilidade decrescente.

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Assim sendo, segundo a lei da utilidade marginal, a utilidade de todas as unidades simultaneamente
disponíveis de um bem mede-se pela utilidade da última unidade disponível. O valor subjetivo de
um bem é equivalente à sua utilidade marginal, sem consideração pelos custos de produção ou
trabalho incorporado.
Os subjetivistas identificavam, em vez dos fatores de produção típicos do pensamento clássico, dois
fatores determinantes do valor de um bem (ou seja, da sua utilidade marginal): a sua raridade e a
intensidade da necessidade que este satisfaz. Quanto mais raro fosse um bem, maior seria a
dificuldade de este satisfazer as necessidades (o seu valor subjetivo), logo, maior seria o seu preço.
Sendo o objetivo da atividade económica a produção de utilidades para a satisfação de
necessidades, o consumo é o fator impulsionador da economia, afirmando-se uma supremacia do
consumidor.
Lentamente, os subjetivistas marginalistas deixaram de se preocupar com o crescimento económico
e as causas da riqueza das nações para se preocuparem com a alocação eficiente de bens escassos
(como atingir os nossos objetivos quando temos limitações quanto aos meios), problema esse que
consideravam ser possível resolver através do princípio do máximo resultado (satisfazer o maior
número possível de necessidades com os mesmos meios) e o princípio da economia de meios
(utilizar o mesmo meio para atingir vários fins alternativos).
Para resolver este problema era preciso suprimir qualquer influência cultural ou social, agindo com
completa racionalidade, pelo que os subjetivistas marginalistas apresentaram uma versão
universalizada do homem que agia fora de qualquer cultura ou classe.
A ciência económica passou a ser o estudo dos efeitos das trocas, a relação entre os homens e as
coisas, através de um raciocínio pragmático, fazendo da ciência económica uma ciência exata como
a matemática, dedicando-se principalmente a cálculos. Os subjetivistas marginalistas começaram a
referir-se a ela como Economics em vez de Economia Política.
A revolução marginalista foi então a revolução da estrutura e do conteúdo da ciência económica,
transformando a teoria económica na teoria da formação dos preços de mercado. Era, acima de
tudo, uma defesa do capitalismo sob a forma de uma cientificidade perfeitamente neutra.

Lionel Robbins (1898-1984)


Lionel Robbins apresentou uma das melhores sínteses do subjetivismo marginalista, que foi adotada
pela grande maioria dos autores subjetivistas-marginalistas.
Robbins apresentou a economia como “a ciência que estuda o comportamento humano enquanto
relação entre fins e meios escassos e suscetíveis de usos alternativos”.
Por trás desta definição encontramos alguns conceitos estruturantes do subjetivismo marginalista.
Antes de mais, a lei da escassez. Num mundo de recursos ilimitados, não existiriam bens
económicos pois todas as necessidades seriam facilmente satisfeitas. Mas a verdade é que vivemos
num mundo de recursos limitados e bens escassos (bens que não são capazes de satisfazer
integralmente todas as nossas necessidades), onde é necessário economizar e responder a algumas
questões essenciais: quanto devemos produzir, em que quantidades, como e para quem.
Identificamos também uma ideia de todo o comportamento humano se traduzir em juízos
económicos pois qualquer atividade escolhida implica a renúncia a outra atividade desejada. Todos
os fins são fins económicos.
Na conceção de Robbins, estamos perante um problema económico quando temos tempo e meios
limitados e suscetíveis de aplicação alternativa e objetivos que podem ser diferenciados por uma
hierarquia de importância. O que se dá aqui é uma escolha, o objeto de estudo da ciência económica
segundo Robbins.
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Robbins mostrava também despreocupação e neutralidade em relação aos fins em si. O objeto de
estudo da economia não era determinar se um fim é bom ou mau mas sim como é que esse mesmo
fim afeta a disposição de meios. Recupera-se aqui a ideia fisiocrata de que os juízos morais não
passam de juízos económicos.
O que Robbins defende aqui é que enquanto os economistas podem ter opiniões sobre ética e
política, estas questões não são suas para discutir.
Aqui torna-se importante recordar a distinção entre teoria, política e doutrina económica feita por
Teixeira Ribeiro: “a teoria é o conjunto das hipóteses e leis científicas, tendo um caráter
puramente dedutivo e sendo regida pelas leis lógicas e não pelas leis empíricas ou estatísticas; a
política económica é o conjunto de regras conducentes ao mesmo fim, sendo as leis a aplicação
prática da teoria; e a doutrina é o conjunto de juízos de valor feitos em relação a atos ou factos
conducentes a um fim.”
Robbins apresentou a ciência económica como uma ciência de escolha, estreitamente ligada com a
praxeologia, o estudo da estrutura lógica da ação humana. Assim, as teorias de Robbins eram
capazes de ser aplicadas a todas as sociedades, independentemente do seu modelo económico, e até
a homens isolados. Tudo pois utilizava uma simplificação do homem que não tinha em conta de
onde vinha e qual o seu passado.
Estas escolhas feitas pelos homens e pelas sociedades eram sempre feitas obedecendo ao princípio
da racionalidade, sendo que a conduta económica de uma pessoa se estabelecia sem ter em conta o
contexto histórico ou institucional.
Além de ser uma ciência da escolha, a economia era também uma ciência dedutiva. Ao estudarem
as implicações da escassez de meios e da sua utilização para usos alternativos, os economistas
formavam uma série de preposições dedutivas que não podiam ser empiricamente verificadas.
No fim, a economia acabava por ser o estudo das relações interdependentes entre homens e bens
económicos, afastando a ideia clássico-marxista de a economia ser uma ciência social.

Críticas ao subjetivismo marginalista


 Âmbito
Uma das primeiras críticas ao subjetivismo marginalista incide sobre a própria definição de
economia de Robbins.
Ao afirmar que a economia é a ciência que estuda as escolhas enquanto estas se traduzem em
relações entre fins e meios escassos suscetíveis de usos alternativos, Robbins admite que considera
que todas as escolhas são inerentemente económicas pois implicam custos de oportunidade: ao
fazermos uma escolha, estamos a renunciar a outra. Sem perceber, Robbins faz com que o âmbito
da economia marginalista seja demasiado abrangente para ser corretamente estudado.
Alguns, como Avelãs Nunes, rejeitaram completamente a definição de Robbins por este motivo.
Outros, como Teixeira Ribeiro, ofereceram uma versão diferente, corrigindo os aspetos dignos de
crítica.
Para Teixeira Ribeiro, a economia é a “ciência que estuda as escolhas que se traduzem em trocas
de bens e as afetam”. Esta definição deixa de fora as trocas involuntárias e as trocas apenas
aparentemente voluntárias, como o trabalho, e ocupa-se apenas das escolhas que se traduzem em
transferências voluntárias de bens.
O Homo Œconomicus
Uma das maiores críticas feitas ao subjetivismo marginalista é que este não apresenta um ser
humano realista mas sim um homo œconomicus, cuja conduta económica é sempre regida pelo
princípio da racionalidade, sem ser influenciado por fatores culturais ou sociais mas sim por leis e
princípios universais.
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O que rapidamente se percebeu é que este homo œconomicus dos subjetivistas-marginalistas não
passava de uma simplificação normativa, um ser puramente abstrato e extremamente previsível.
O verdadeiro homem existe integrado num grupo ou classe social, num contexto histórico e
institucional que o condiciona e que limita e influencia as suas escolhas. O único motivo pelo qual
os subjetivistas usavam o homo œconomicus como agente-modelo era porque o seu comportamento
era completamente previsível e permitia fazer teorias que, em papel, estariam sempre certas e
poderiam ser universalmente aplicadas.
Mas isso significava que qualquer modelo que se tentasse basear no homo œconomicus como agente
seria um falhanço, sendo esse o erro da mainstream economics. A teoria marginalista parte de
pressupostos a priori que só aceitava se estivessem de acordo com a ideia já estabelecida, partindo
não de uma realidade objetiva mas sim de um raciocínio circular. Os subjetivistas apenas usavam o
homo œconomicus pois sabiam que qualquer ser humano normal iria desaprovar as suas teorias.
Apesar da distinção feita entre Economics e Economia Política, afirmando que a segunda era uma
ciência normativa que se preocupava apenas com o dever-ser da economia, os subjetivistas
apresentavam também os seus próprios conceitos normativos para legitimar o modelo capitalista,
afirmando que o mercado livre e capitalista era uma escolha livre de seres completamente racionais.
 Ciência dos meios neutra quanto aos fins
A ideia da ciência económica como uma ciência dos meios sem preocupação com os fins é também
criticável.
Robbins apresentava a economia como uma ciência positiva, em contraposição a uma ciência
normativa. Isto significa que a economia se limitava a dizer o que é a realidade económica, não o
que esta devia ser, como faziam os clássico-marxistas. Tentava apresentá-la como científica e
apolítica, completamente neutra em relação a fins, onde só há espaço para juízos económicos.
Porém, muitos economistas começaram a perceber que todos os juízos económicos são, de certa
forma, juízos de valor. A própria indiferença é um juízo de valor. Todos os cientistas, os
economistas incluídos, são influenciados pela ética e pelos valores, deixando esses elementos
transparecer nos seus trabalhos. Assim sendo, para conseguir alguma objetividade era preciso expor
estas valorações como parte da teoria, deixando-as explícitas, em vez de deixar transparecer juízos
de valor que nos influenciariam indiretamente.
Alguns até começaram a afirmar que a existência de valores na economia era algo positivo, devendo
os economistas esclarecer os pressupostos filosóficos e juízos de valor da análise como uma parte
importante da sua teoria.
Os subjetivistas, mesmo sem perceber, estavam a fazer um juízo de valor ao afirmar que a afetação
eficiente dos recursos produtivos é mais importante do que outros objetivos de interesse social
como a distribuição justa do rendimento. A indiferença é um juízo de valor.
 Ignorância quanto ao capitalismo
A economia marginalista parece também mostrar uma grande ignorância em relação ao capitalismo,
e esta é uma questão que trouxe muitas críticas com o tempo.
Para os marginalistas, todos os recursos existentes são utilizados, e da forma mais eficiente, não se
preocupando com a subutilização ou a não-utilização dos recursos. Para eles, a economia estava
sempre em pleno emprego. Esta ideia foi herdada de Say, tal como a crença de que uma crise de
sobreprodução geral é impossível.
E, apesar de se assumir como a ciência das relações de troca, a economia marginalista parece
ignorar completamente a importância das relações de produção, considerando que a distribuição do
rendimento é uma troca como outra qualquer e que a diferença de rendimentos derivava de
diferenças na contribuição para o rendimento da comunidade. Por se caracterizar como uma ciência
positiva e objetiva, não uma ciência social, o pensamento marginalista faz uma apologia do
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capitalismo e procurou afastar-se de qualquer ideia que o ligasse à luta de classes, incluindo o
reconhecimento das classes como parte da realidade social.
Os atos de troca no pensamento marginalista ocorrem sucessiva e isoladamente, fruto da livre
vontade daqueles que neles participam, e os marginalistas consideram o contrato de trabalho uma
troca como outra qualquer, herdando a ideia de Ricardo do que o trabalho é um bem de capital
circulante.
Mas este ato de troca em particular destina-se a produzir efeitos ao longo de um determinado
período de tempo, não sendo isolada, e é uma troca apenas aparentemente voluntária: o empregador
goza da sua livre vontade para escolher quem contratar, mas o trabalhador só tem duas escolhas,
trabalhar e sobreviver ou não trabalhar e morrer à fome, pelo que não tem liberdade de escolha.
A diferenciação social, principalmente naquilo a que diz respeito à diferenciação no poder de
compra, é uma característica objetiva da realidade económica que não pode ser ignorada quando a
analisamos.
 Soberania do consumidor
Seguindo os mesmos pressupostos individualistas que afirmavam a liberdade dos trabalhadores na
escolha da profissão, os marginalistas afirmavam a soberania do consumidor, visto que na sua
conceção o objetivo da economia era satisfazer necessidades. Era, acima de tudo, uma sociedade de
consumo onde todos tinham o mesmo poder de voto.
Porém, esta ideia da igualdade de todos os consumidores deixa de parte o facto de que algumas
pessoas têm mais poder de compra do que outras e, apesar de os marginalistas não o reconhecerem,
isso dá-lhes mais influência.
Foi John Galbraith que afirmou que esta soberania do consumidor, central à teoria subjetivista-
marginalista, funciona apenas teoricamente, recuperando a ideia de que o objetivo da produção é a
valorização do capital.
Na conceção dos subjetivistas, o mercado está organizado de acordo com a soberania do
consumidor: não só o consumo é o móbil da produção, a verdade é que toda a produção procura
satisfazer as necessidades dos consumidores. E, como é o próprio processo produtivo que garante a
possibilidade de consumir, todos têm a possibilidade de consumir e não há possibilidade de crises
de sobreprodução. Esta soberania verificava-se em qualquer mercado livre, sendo independente da
cultura.
É no conceito de soberania do consumidor que encontramos quase todos os outros conceitos e
ideias dos subjetivistas marginalistas.
O que Galbraith percebeu é que o que prevalece acima de tudo é a soberania do produtor, sendo que
aqui o produtor não é um empresário mas sim grandes organizações empresariais que têm o poder
de planificar a economia a seu favor.
A soberania do produtor mostra um mercado de concorrência imperfeita e liberdade condicionada,
onde os capitalistas procuram atingir o máximo lucro possível através da valorização do capital,
chegando a criar necessidades para o conseguir. E como os economistas do século XX começaram a
perceber, nem todos os produtores eram price takers, como a lei de Say e a mainstream economics
suponham. Não eram os preços que se flexibilizavam de acordo com o mercado, mas sim o mercado
que se definia de acordo com os preços impostos pelos grandes monopólios. Estes eram price
makers.
Nesta conceção, a liberdade e importância dada ao consumidor supostas pelos subjetivistas-
marginalistas não existiam. Nem todos os consumidores eram iguais, para começar, sendo que
muitos partiam logo de um ponto de partida mais desfavorecido (os trabalhadores, com rendimentos
menores, e os pequenos produtores, que não conseguiam competir com os grandes monopólios)
onde a escolha era limitada e muitas vezes nem existia. O ser humano perdia importância quando
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comparado com o capital, e era exatamente por isso que existiam crises de sobreprodução: os
produtores procuravam produzir a grandes quantidades, mas só se preocupavam com a procura num
momento póstumo.
O grande problema da deslegitimação da soberania do consumidor é que era através desse modelo
que se defendia a validade e justiça da distribuição do rendimento e se contrariava a ideia da luta de
classes: os capitalistas recebiam lucros avultados porque os consumidores escolhiam de livre
vontade entregar-lhes os seus rendimentos porque estes lhes satisfaziam as necessidades, fazendo do
mercado uma votação onde todos eram iguais. Era suposto a liberdade dos mercados garantir
igualdade (formal) para todos.
Há ainda que ter em conta problemas contemporâneos como a obsolescência planeada, que mostra
que por vezes o consumidor não tem escolha senão comprar aquilo que os produtores querem que
ele compre.
No fundo, a economia marginalista ignora o poder, as suas estruturas e as relações que caracterizam
o próprio sistema que defende. Até economistas da Escola Clássica, como Smith e Ricardo,
reconheceram que há uma desigualdade inerente no capitalismo que se reflete num conflito entre os
grupos sociais mais privilegiados e os menos privilegiados.
O problema posto pela economia marginalista é então um problema de direito, mais
especificamente, de direito ambiental. O pensamento subjetivista marginalista compara os custos e
benefícios privados, deixando os custos e benefícios sociais para a Economia Política.
A melhor resposta que os subjetivistas marginalistas podem apresentar para os problemas
ambientais são medidas modo o sistema de poluidor-pagador, pois na sua conceção todos os bens
são fungíveis.
Para resolver problemas atuais, como a defesa do ambiente, os economistas não podem só pensar de
forma pragmática e matemática, tem de mostrar uma verdadeira preocupação para com o ser
humano. O excesso de produção, por exemplo, é uma das maiores ameaças ao ambiente, sendo que
muitos setores são extremamente poluentes. A racionalidade técnica do capitalismo pode dizer-nos
que produzir mais é sempre melhor, e que não haverá desperdício, mas a realidade diz-nos que,
apesar de todo o consumo, muita da produção é desperdiçada e o direito diz-nos que tem de haver
um limite que proteja bens fundamentais.
Existem também questões de foro humano e social: de que serve o crescimento contínuo da
economia e da riqueza se as pessoas estão demasiado ocupadas a trabalhar para aproveitar o que
quer que seja?
A verdade é que a nossa sociedade atual é muito diferente da sociedade dos finais do século
XIX/início do século XX. Desde os anos 30, com a Grande Depressão, que se começa a notar uma
abundância preocupante onde o problema costumava ser escassez. Já não há fome porque não há
comida, há fome porque essa comida, que existe em quantidades abundantes o suficiente para ser
necessário, a certo ponto, destruí-la, é negada constantemente àqueles que precisam dela.
Não há falta de bens, há falta de direitos.

Clássico-marxistas vs. Subjetivistas marginalistas


Quase todas as escolas de pensamento económico podem ser divididas em clássico-marxistas e
subjetivistas marginalistas.
Os clássico-marxistas recebem influência de vários economistas clássicos, em especial David
Ricardo, e de Karl Marx.
Já os subjetivistas marginalistas foram principalmente influenciados por Say.

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Estas duas escolas distinguem-se, nomeadamente, na forma como designam a ciência económica:
Economia Política, para os clássico-marxistas, e Economics, para os subjetivistas marginalistas. E,
apesar de, tecnicamente serem a mesma ciência, há uma grande diferença. A Economia Política é
uma ciência social e normativa, enquanto a Economics é uma ciência física e positiva semelhante à
matemática.
Muitos consideram a ciência económica como simplesmente o estudo da economia, mas a verdade é
que cada uma destas escolas estuda aspetos diferentes da economia.
Como ciência social, a Economia Política preocupa-se com a distribuição dos rendimentos e com a
riqueza das nações. Todas as teorias são profundamente marcadas pelo facto de existirem classes
sociais diferentes, que estabelecem entre si relações de poder que afetam as trocas.
Como ciência positiva, a Economics nega a influência da condição social dos sujeitos económicos
no seu comportamento. Adotando uma teoria aditiva quanto ao rendimento, os subjetivistas-
marginalistas só se preocupam com a distribuição do rendimento quando estudada na sua formação
nos mercados, acreditando que não há nada de inerentemente injusto quanto a esta distribuição: o
rendimento não é influenciado pela posição social do sujeito económico mas sim pelo seu
contributo para a produção, e o homem, enquanto ser completamente racional percebe isto.

Pontos importantes dos conteúdos do 1º Semestre:


 Teorias de comércio de Smith e Ricardo quando comparadas com as teorias mercantilistas;
 Saber explicar os efeitos económicos da Lei dos Cereais;
 A lei de Say (enunciar, explicar a lei e as críticas);
 Perceber e explicar o Tableau Économique;
 Saber os conceitos de utilidade marginal, conceitos básicos do marginalismo;
 Explicitar o dilema mercantilista com base na equação das trocas;

Bibliografia:
AVELÃS NUNES, Noção e Objecto da Economia Política, Coimbra, Almedina (2008)

AVELÃS NUNES, Introdução à História da Ciência Económica e do Pensamento Económico

Aulas Teóricas, Prof. Dr. Luís Pedro Cunha

Aulas Práticas, Prof. Dr. Pedro Matias Pereira

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