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Considerações sobre o impacto de um modelo de intervenção sobre a prática

pedagógica: o que permanece e o que muda.

Rebeca Puche Navarro

Sandra Patrícia Peña

Oscar Ordoñez

Liliana Lopes

O presente capítulo pretende descrever e comentar os resultados de uma


proposta de intervenção denominada Impacto do modelo de intervenção no
desenvolvimento de ferramentas científicas e espontâneas entre crianças de 2 e
6 anos1. A elaboração desses resultados constitui sem dúvida o cerne do
problema. Como foi dito na Introdução, a importância desses resultados precisa
ser complementada com outras informações qualitativas e com outros
indicadores não previstos inicialmente, mas incorporados nos relatórios dos três
países mencionados2. De toda forma os dados quantitativos obtidos pela
aplicação do questionário são importantes porque propiciam uma visão de
conjunto bem como um corpus empírico controlável acerca de vários aspectos
do sistema de crenças, idéias e concepções que tem os docentes a propósito do
desenvolvimento psicológico, da própria proposta de intervenção e do papel da
escola, assim como no que diz respeito às chamadas ferramentas científicas e ao
funcionamento da mente infantil. A informação obtida permite identificar, de
maneira confiável, algumas variáveis ligadas aos processos de intermediação e
intervenção junto aos professores e, de uma maneira mais direta, à própria
proposta de intervenção aqui apresentada. É relevante insistir que, embora
algum desses dados possam se mostrar frágeis, sendo assim temerário
pronunciar-se de maneira definitiva sobre os achados obtidos, os resultados
oferecem um panorama necessário a partir do qual se pode trabalhar.

1
Apresentam-se os resultados obtidos nos três países onde se realizou o projeto, Colômbia, Brasil e Argentina.
2
Trata-se dos capítulos compreendidos na terceira parte da versão em língua espanhola deste livro. A versão
brasileira inclui apenas o relatório brasileiro.

1
A proposta de intervenção é concretizada através de um curso-oficina dirigido a
educadoras em exercício. Consiste em organizar um sistema de assessoria
personalizada, com estratégias metodológicas individuais e grupais apoiadas em
reflexões sobre práticas de ensino atuais, visando a elaboração de critérios que
permitam sua transformação. A idéia é recuperar as capacidades naturais 3 das
crianças mediante situações de resoluções de problemas (SRPs), de modo a
aperfeiçoar as intervenções em sala de aula. Além disso, trata-se de introduzir,
ao nível da prática, algumas modalidades simples e diferenciadas de trabalho,
bem como renovar concepções e visões acerca de como a criança constrói
conhecimento.

Este capítulo apresenta a análise quantitativa e qualitativa de dados obtidos por


meio da aplicação de um questionário.

Aspectos metodológicos: instrumento e desenho.

O instrumento de trabalho consiste num questionário semi-estruturado, aplicado


em dois momentos de modo a configurar um modelo pré- / pós-teste. A primeira
aplicação é realizada no início do processo de capacitação (antes de abordar
qualquer conteúdo - pré teste) e a segunda aplicação é feita após a fase de
construção das SRPs (pós teste). As análises são realizadas globalmente e os
entrevistados desconhecem as variáveis em jogo.

A população é composta por 312 professores e professoras da Colômbia, Brasil


e Argentina, assim distribuídos: 225 da Colômbia, 60 do Brasil e 27 da
Argentina. Os questionários são respondidos individual e anonimamente. Do
conjunto total de participantes, 54,9% pertencem a instituições públicas, 37,1%
a instituições privadas, sendo que 8,1% ou não estão vinculadas a nenhuma
instituição ou não informaram a respeito. O conjunto de educadores atende
aproximadamente 7800 crianças, das quais 4906 em instituições públicas e 2894
em instituições privadas4.
3
NT: o qualificativo ‘natural’ remete ao desenvolvimento endógeno de capacidades que não dependem
diretamente de intervenções externas para ocorrer.
4
No caso da Colômbia, essas instituições se encontram distribuídas em diferentes extratos socioeconômicos:
47,8% de instituições públicas e privadas situam-se nos extratos mais baixos (1,2 3) sendo que 15,6% pertencem
ao nível 4 (o mais heterogêneo). Os restantes 36,6% correspondem aos extratos mais altos (5 e 6). Em síntese,
63,4% situam-se nos extratos mais populares (a classificação anterior corresponde à estratificação sócio

2
O questionário está organizado em dois grandes blocos independentes entre si:
1) Concepção de Desenvolvimento, Intervenção e Avaliação, 2) Condutas e
Ferramentas Científicas. Inicia-se com um modelo geral que inclui um total de
60 itens (ver anexo), a partir do qual se preparam 10 modelos de questionários
específicos, cada qual com 39 itens. Estes itens são de quatro tipos:

— perguntas de múltipla escolha com resposta única

— perguntas dicotômicas que requerem escolher entre duas alternativas


uma única resposta: sim ou não, acordo ou desacordo.

— perguntas abertas sem opções pré-determinadas de resposta, que


solicitam o desenvolvimento livre de uma resposta

— perguntas para ordenar, que solicitam hierarquizar opções de acordo


com o grau de importância que lhe atribui o respondente.

Os resultados são apresentados e analisados seguindo a mesma estrutura em que


estão organizadas as perguntas. Esta organização permite melhor apresentar a
informação e contrastar mais adequadamente a análise realizada.

1) Numa primeira parte há vários enunciados que, a partir de perspectivas


diversas, apontam para determinadas concepções de desenvolvimento infantil,
de intervenção pedagógica e de avaliação de desempenho. Vários são os pontos
para determinar o impacto do modelo proposto nas respostas:

— como as professoras concebem o desenvolvimento infantil

— que tipo de operações cognitivas são atribuídas às crianças

— que tipo de relação são estabelecidas entre idade e competências

— como as professoras se situam em seu papel de adultos que propiciam


o desenvolvimento de habilidades.

econômica feita pelo DANE, Departamento Administrativo Nacional de Estatística e utilizado para caracterizar a
população na Colômbia).

3
Os resultados e as idéias aí contidas permitem iniciar um discussão sobre as
reelaborações e novas interpretações acerca da criança no campo educativo, que
se poderiam derivar do modelo de intervenção apresentado durante o curso. Para
tratar desse último aspecto, desenvolve-se uma análise comparativa que busca
determinar os avanços e retrocessos observados como decorrência de haver
participado do processo de capacitação.

2) Uma segunda parte do questionário focaliza o tema das ferramentas


cognitivas que sustentam a racionalidade científica da criança pequena. A idéia
central subjacente aos enunciados dessa parte é, talvez, o que há de mais original
no instrumento e que mais sustentação empírica oferece ao programa de
intervenção: trata-se de mostrar que, em seu desenvolvimento espontâneo, a
criança exibe o uso de cinco ferramentas características de uma racionalidade
que permite conhecer o mundo de forma complexa e compreensiva5. Esta
estrutura permite estabelecer um certo nível de controle entre perguntas,
verificando o grau de concordância entre o conhecimento sobre a ferramenta,
sua definição e a idade de aparecimento da conduta, incluindo ainda as
ilustrações baseadas na experiência das educadoras.

Exploração das Concepções sobre a Criança

Existe um consenso bastante generalizado sobre o impacto decorrente das


concepções docentes acerca das crianças e das forma de intervenção a elas
associadas. Entretanto, apesar dessa relação ter se convertido em lugar comum,
não há estudos sistemáticos que investiguem mais profundamente essas relações.
Conhecer e explicitar o conjunto dessas concepções sem dúvida pode ser um via
que permita gerar novas alternativas de formação para educadores. Parece
impossível aproveitar as capacidades cognitivas das crianças durante os
primeiros anos, quando não se as conhecem adequadamente. Por outro lado, a
qualidade da informação que se tem sobre a mente infantil contribuirá
proporcionalmente à transformação da intervenção e ao aperfeiçoamento do
trabalho pedagógico.

5
Para uma descrição e análise detalhada de cada uma das ferramentas, consultar o primeiro capítulo desse livro.

4
Ainda que exista um crescente número de estudos e investigações sobre este
tema, boa parte dela se resume a uma abordagem descritiva. Muito desses
estudos carecem da profundidade conceitual necessária para que efetivamente se
convertam em possibilidades efetivas de transformação das práticas
pedagógicas. Sem dúvida é fundamental identificar essas concepções e práticas
que persistem cristalizadas, mas isso não é tudo: não basta dizer apenas que elas
produzem um efeito positivo ou negativo. Para tentar qualquer mudança na
educação é preciso conhecer as particularidades de concepções e práticas e
penetrar nos núcleos das contradições de tal forma que surjam estratégias que
minimizem os efeitos negativos sobre a prática. Só assim é possível avançar de
forma frutífera.

A pesquisa em psicologia, nas últimas duas décadas, tem registrado um interesse


recorrente em estudar as relações existentes entre idéias e concepções prévias e
intervenções junto a uma dada população. A partir de um estudo pioneiro
(Novak, 1978) sobre o papel das concepções espontâneas dos estudantes, no que
diz respeito à aprendizagem de conceitos, desencadeou-se uma série de novos
estudos, que representa o que hoje conhecemos como a perspectiva das teorias
implícitas ou intuitivas. Mas apesar desses estudos terem inicialmente se
circunscrito a populações escolares, atualmente estendem-se para vários outros
campos como, por exemplo, pais de família, funcionários públicos, etc. Tais
desenvolvimentos tiveram ampla repercussão por exemplo na psicologia
espanhola, sobressaindo o trabalho de Maria José Rodrigo e Juan Ignácio Pozo
(Rodrigo, 1994; Pozo, 1996). Não pretendemos dar conta desta bibliografia, mas
apenas reconhecê-la como marco necessário para contextualizar os dados que se
apresentam a seguir.

Resultados globais

Concepções sobre desenvolvimento, intervenção e avaliação

A primeira parte do questionário diz respeito a diferentes aspectos relacionados


ao que se poderia denominar "modelo de criança" 6. Trata-se de um conjunto de
idéias e concepções tradicionalmente compartilhadas pelas professoras acerca da

6
Utilizamos a expressão modelo de criança para indicar uma concepção enraizada em crenças individuais de um
sujeito particular, e que tenham sido construídas ao longo da vida. Como sugerem alguns autores, esses
"modelos" podem gerar ações específicas (Reyes, Salcedo e Perafan, 1999).

5
forma como ocorre o desenvolvimento da criança, e de como se aproxima do
conhecimento. Visando uma agilidade e economia de nossa apresentação,
optamos por resgatar as idéias que compõem uma concepção de criança que é
tradicional nos meios escolares. Fazem parte dessa concepção a forma como a
professora 7 concebe o desenvolvimento infantil, a maneira como encara seu
trabalho pedagógico e seu cotidiano profissional, e que tipo de avaliação utiliza
na escola.

As observações registradas pela professora sobre o desempenho da criança do


jardim ou do maternal ilustram a concepção que ela tem da função e do papel do
professor assim como do desempenho da criança. A maneira como a professora
explora esse desempenho, como o avalia, descreve e qualifica, oferece então
informações sobre como vê a criança. Nesta dimensão do trabalho pedagógico, o
aspecto avaliativo e os tipos de relação que se podem estabelecer entre alguns
elementos em jogo dão conta, de maneira precisa, da concepção que a professora
tem acerca da criança.

Para explorar esses aspectos, o questionário utiliza indicadores tais como a


relação entre idade e desempenho, as ações que traduzem habilidades e
competências e a relação entre competências e área de conhecimento, entre
outros aspectos.

Comecemos pelo primeiro núcleo que aponta a concepção de desenvolvimento.


Este núcleo apresenta dados surpreendentes. O primeiro enunciado pergunta se o
desenvolvimento acontece como uma série de aquisições em etapas. Os
resultados estão apresentados no gráfico a seguir.

Gráfico no 1: o desenvolvimento da criança pode ser considerado como


uma série de aquisições em etapas consecutivas8

Concordo Discordo Não Responde


7
A maioria dos participantes do curso eram mulheres. Por essa razão em todo esse capítulo se fará referência a
professoras sem que isto implique em qualquer discriminação para com os professores de sexo masculino.
8
É preciso esclarecer que apesar desses enunciados serem respondidos marcando-se concordo ou discordo, isto
não significa necessariamente que a resposta ‘concordo‘ seja correta e que ‘discordo’ seja incorreto. A natureza
de cada item define qual das polaridade é pontuada mais alto, baseando-se na fundamentação conceitual da
proposta.

6
Colômbia 79,5% 19,5% 1%

Argentina 75,7% 34,3% 0%

Brasil 58,3% 37,7% 4%

Este gráfico revela que mais de 3/4 das professoras da Colômbia e da Argentina,
seguidas de perto pelo Brasil, concebem o desenvolvimento da criança sob a
forma de um ordenamento de aquisições crescentes.

O primeiro comentário sobre esse resultado aponta para a homogeneidade das


respostas nos três países, que revelam uma concepção escalonada e progressiva
de desenvolvimento. O segundo comentário decorre da sugestão, presente nas
respostas, de que existe alguma relação direta entre idade e desenvolvimento. A
clareza e contundência com que tantas professoras concebem o desenvolvimento
de maneira linear e progressiva é pelo menos surpreendente. Por exemplo, uma
concepção como esta parece indicar que uma criança de 4 anos, além de
funcionar de maneira diferente de outra de três anos, o faça também de maneira
melhor. Em outras palavras, estes dados sugerem que a concepção apontada
como majoritária pensa a criança de quatro anos como apresentando um
acúmulo de habilidades que aumenta ano a ano, pouco levando em conta que
cada idade apresenta capacidades peculiares ao seu momento.

Outro tipo de dados enfatiza esta mesma tendência: ao perguntarmos sobre as


conseqüências da ênfase pedagógica sobre uma área específica, os dados
apontam as seguintes porcentagens.

Gráfico no 2: quando o trabalho está enfatizado numa só dimensão, produz


um desequilíbrio no desenvolvimento da criança.

Concordo Discordo Não Responde

Colômbia 48,6% 45,9% 5,5%

Argentina 55% 38,3% 6,7%

Brasil 71,8% 26,8% 1,4%

7
A relativa uniformidade entre os dados nos três países segue sendo uma
tendência. Os três países compartilham porcentagem muito similares e parecem
concordar com a idéia de que trabalhar numa só área é inadequado pois produz
um desequilíbrio no desenvolvimento9. As professoras com este enunciado
evidenciam uma concepção segmentada do desenvolvimento infantil. Enfatizar
o trabalho sobre atividades referidas a uma área determinada de conhecimento,
como por exemplo as ciências sociais ou as ciências naturais, é considerado
inconveniente pelas professoras. Pode-se interpretar isto em duas direções. Por
um lado talvez indique o perigo de não confiar nos interesses da criança,
correndo o risco de que não se consolidem. Por outro lado, estas respostas
parecem considerar que os interesses especificamente desenvolvidos pela
criança possam se transformar em obstáculos que impeçam penetrar em outros
domínios do conhecimento: por exemplo, explorar e aprofundar-se em ciências
sociais não permitiria chegar às ciências naturais. Ambas as direções coincidem
ao interpretar o desenvolvimento como não suscetível de estabelecer relações
entre diferentes avanços.

Desde outra perspectiva, a exploração da relação desenvolvimento X idade


contribui com dados interessantes.

tabela no 1: cada criança tem seu próprio programa de desenvolvimento


independentemente de sua idade (resultado combinado dos três países)

Concordo Discordo Não responde

Arg, Bra, Col 83% 15,8% 0,5%

Neste quadro também chama atenção a uniformidade entre os três países. É


surpreendente que este gráfico aponte uma direção diferente daquela vista nos
quadros anteriores. Nesta pergunta, evidencia-se uma concepção do
desenvolvimento relativamente independente da idade. Isoladamente esta
informação constitui um dado positivo da avaliação das capacidades do sujeito.
9
É preciso esclarecer que, na maioria dos dados, aqueles relativos a Colômbia são privilegiados devido ao
tamanho da amostra que confere maior consistência aos resultados.

8
O conjunto dos dados apresentados até aqui permite inferir que os professores
apresentam uma noção de desenvolvimento como um processo linear e
cumulativo, exibindo as seguintes características básicas:

1. O desenvolvimento é organizado por etapas, em que conseguir um tipo de


competência marca a passagem para uma outra etapa e assim sucessivamente,
cada nova etapa sendo entendida como mais avançada que a anterior.

2. Verifica-se uma visão segmentada do desenvolvimento na qual núcleos


distintos demonstram aspectos contraditórios entre si.

3. Curiosamente a idade não aparece como fator determinante na presença ou


ausência de certas habilidades, necessárias para desempenhar-se frente a uma
situação proposta.

4. Em termos gerais, a concepção de desenvolvimento não é homogênea. Alguns


dados sugerem uma tendência marcada por uma perspectiva cumulativa de
desenvolvimento, ligada à idade, enquanto que outros dados rompem com essa
visão.

É interessante observar a coexistência de idéias contraditórias dentro das


mesmas concepções. Essa inconsistência entretanto está presente nas próprias
teorias implícitas que são por vezes formadas apenas por fragmentos de
informação, alojando núcleos contraditórios entre si (conforme sublinhado por
Di Sessa, 1988).

Observemos agora os gráficos referentes à avaliação.

Gráfico no 3: quando a criança não manifesta uma competência frente a


uma situação, conclui-se que não a tem.

Argentina Brasil Colômbia

Concordo 10,8% 26,7% 15%

9
Discordo 89,2% 73,3% 85%

Novamente observa-se a homogeneidade dos resultados. Os dados mostram que


a maior parte das professoras compreendem que, se uma criança não resolve
uma situação, nem sempre carece da habilidade para fazê-lo. Pode existir a
possibilidade de que a situação, o problema ou a tarefa não tenham sido bem
apresentados. Assim sendo este enunciado aponta para uma certa idéia de
avaliação e intervenção.

Um enunciado complementar ao anterior é apresentado na tabela seguinte.

Tabela nº 2: A solução de um problema é indicativo da compreensão por


parte da criança

Concordo Discordo Não Informa

Argentina 54,1% 43,2% 2,7%

Brasil 71,7% 25% 3,3%

Colômbia 68,6% 27,3% 4,1%

As respostas obtidas apresentam frequências elevadas nos três países: Brasil


71,7%, Colômbia 68,6%, Argentina 54,1%. Novamente observa-se uma
homogeneidade que, aliás, coincide com o resultado anterior. Nesse gráfico
considera-se que a não resolução de um problema não significa a ausência de
competência. De maneira contundente a grande maioria das professoras
compartilha visão idêntica segundo a qual a conduta é indicadora da presença da
habilidade conceitual, embora a recíproca nem sempre seja verdadeira. Este
aspecto coincide com a informação contida no gráfico anterior.

Outro enunciado que também recupera a concepção de desempenho das crianças


é a pergunta: "O progresso da criança pode ser observado nas mudanças que
apresenta frente às situações que lhe são propostas". Em média 68% das
professoras concordam que o progresso seja observado nas situações propostas.
Estes dados indicam duas direções. A primeira delas, que poderíamos chamar de
aproximadamente adequada, é aquela segundo a qual os progressos infantis são

10
visíveis nas condutas específicas e não somente nas verbalizações que a criança
produz. Em outras palavras a apresentação das condutas em uma dada situação
pode mostrar o tipo de raciocínio usado para resolvê-la. Esta resposta se afasta
do esquema tradicional que consiste em perguntar a criança como ela faz aquilo
que ela está pensando, esperando (ingenuamente) que a criança possa verbalizar
o que pensa. Neste sentido são pertinentes as SRPs, para substituir
procedimentos diretos. Na segunda direção, menos otimista, esta pergunta traduz
uma concepção que enfatiza os resultados mas subestima os processos que lhes
são subjacentes, isto é, para a qual os resultados são mais importantes que os
processos.

A relação entre áreas de conhecimento e habilidades foi explorada em outro


enunciado, cujos resultados são encontrados no gráfico abaixo.

Gráfico Nº 4: em cada área do conhecimento, devem ser desenvolvidas


habilidades específicas

Concordo Discordo Não responde

Colômbia 69% 29% 2%

Brasil 68% 20% 12%

Argentina 37% 59% 4%

Apenas a Argentina apresenta dados coincidentes com os dados anteriores. Para


as professoras do Brasil e da Colômbia, os resultados apontam para a existência
de relação direta entre habilidades particulares e áreas do conhecimento.

O terceiro núcleo, que permite continuar esta apresentação, refere-se à


intervenção pedagógica e começa com a revisão da função do professor.
Vejamos os resultados obtidos.

Gráfico Nº 5: A função principal do docente é motivar a criança

Concordo Discordo Não responde

Colômbia 68,6 27,3 4,1

11
Brasil 71,7 25 3,3

Argentina 68,6 27,3 4,1

Este gráfico mostra que nos três países a maioria das participantes considera a
motivação como principal função do professor: em todos os três países os
professores identificam esta função como a principal. Esta pergunta aponta
assim para uma concepção de criança enquanto ser que precisa ser motivado.
Concomitantemente percebe o professor como alguém que deve motivá-la.

Mais continuemos com o resultado de outras perguntas.

Tabela nº 3: O conhecimento sobre os interesse da criança é suficiente para


que o professor planeje suas propostas de trabalho

Concordo Discordo Não responde

Ar, Bra, Col 38%¨ 59% 5%

Esta tabela amplia a informação sobre como são vistos os interesses da criança.
As participantes de todos os países coincidem quando declaram ser insuficiente
conhecer os interesses da s crianças para planejar suas propostas de trabalho.

Estes resultados contradizem o gráfico anterior e podem ser interpretados de


duas maneiras. Por um lado, nossas representações do mundo configurariam um
sistema segmentado e contraditório. Tudo ocorreria como se esses núcleos não
se conectassem embora pertençam a um mesmo sistema. Uma das características
que definem as teorias implícitas é precisamente esse isolamento de cada núcleo
de idéias. A segunda possibilidade aponta para que as duas tendências refletidas
nas duas perguntas coincidam, embora apoiadas em argumentos distintos. Nesse
caso o formato do questionário não permitiria dar conta da relação entre esses
argumentos. Por hora deixemos esse problema em suspenso enquanto
analisamos outras possibilidades.

Vejamos outra pergunta que complementa esta discussão..

12
Gráfico nº: As experiências das crianças com o seu meio não são suficientes
para dar conta de sua aprendizagem

Concorda Discorda Não Informa

Argentina 29,7% 70,3% 0%

Brasil 33,3% 65% 1,7%

Colômbia 39,1% 57,3% 3,6%

A informação obtida neste quadro demonstra que a maior parte das professoras
não considera suficiente a experiência da criança com seu meio, no que se refere
à aprendizagem.

Uma possível interpretação dos resultados para as três últimas perguntas aponta
para uma concepção que atribui um papel central e preponderante do professor
em relação aos sucessos da criança e que enfatiza sua função como motivador,
como construtor de cenários a partir do interesse das crianças, reconhecendo a
experiência com o meio como insuficiente. As características mencionadas
justificariam a concepção segundo a qual o professor precisaria acompanhar a
criança em seu processo de conhecimento. Esta tendência não seria isolada mas,
ao contrário, convergiria com outros resultados que complementam e legitimam
esta concepção.

Uma interpretação alternativa diz respeito à coexistência de aspectos


relativamente contraditórios nas próprias concepções. De toda maneira esta
interpretação contrasta com a homogeneidade dos resultados entre os três países,
fato relevante que reforça a tendência encontrada.

Os dados anteriores demonstram determinada tendência das concepções


elaboradas pelas educadoras acerca da criança. De início, existem indicadores
das dificuldade enfrentadas pelas professoras para visualizar a criança como
sujeito capaz de autoregular e autogestionar suas atividades. Mantém-se ainda a
idéia de que a aprendizagem da criança pequena resulta da capacidade do
professor para motivá-la. Aliado a este aspecto, está a concepção (relativamente
clássica) segundo a qual a escola é o único veículo de acesso ao conhecimento.
Não seria portanto arriscado afirmar que as professoras pensam seu papel na
educação da criança enquanto assistência permanente ao processo infantil de
aprendizagem, acreditando que a criança necessita de contínuas explicações e
incentivos para compreender os fenômenos que a cercam. A bibliografia
existente sobre o tema parece sustentar esta visão mas resta que, embora muito
se tenha escrito sobre o assunto, na prática tudo continua igual. Assim, se

13
justifica claramente a urgência em gerar novos conceituações que, associadas a
novas estratégias de intervenção, possam superar estes impasses.

Esta concepção implícita10 sobre a função e o papel da professora e da


instituição escolar é confirmada por outros dados. Por exemplo, diante da
pergunta: A escola é o único lugar que propicia atividades cognitivas para a
criança, 95% das professoras declararam haver outros lugares onde a criança
pode se desenvolver intelectualmente. Esta questão é importante pois as
professoras revelam uma certa consciência sobre o fato de que a escola não é o
único caminho para o conhecimento, o que sugere, em certa medida, um resgate
dos modos autônomos e autodirigidos de funcionamento da criança. Nesta
perspectiva os docentes assumem uma posição mais solidária com a criança:
buscam compreender a atividade infantil em toda a sua complexidade,
valorizando-a e resgatando-a. Este ponto não é nada desprezível quando se está
pensando em uma proposta de trabalho no campo educativo.

Resumir e recuperar os dados sobre as concepções de desenvolvimento, de


intervenção e de avaliação permite delinear um panorama sobre a perspectiva
das professoras.

Cabe também ressaltar a importância que a professora outorga ao


desenvolvimento infantil espontâneo. Em uma perspectiva mais otimista, pode-
se dizer que este tipo de resposta resgata a criança como sujeito-agente. Além
disso, é possível registrar também outro tipo de consideração sobre as
modalidades de intervenção adulta nos processos de ensino e de interação com a
criança. Isto é demonstrado em alguns exemplos de atividades com as crianças
que serão apresentados na segunda parte, em que as professoras sustentam que
as atividades devam ser indicadas ou sugeridas pelos adultos, quer sejam em
contextos lúdicos ou educativos. Esta idéia aparece em alguns dados
relacionados às falas das professoras durante o curso, por exemplo: "Por elas, as
crianças brincariam o tempo todo na areia, precisam ser guiadas.", "Se você
propõe uma atividade com um sentido claro, você vai observar coisas
determinadas; mas se elas não acontecem, o que fazer?", "A avaliação depende
do que se estabeleceu previamente, daquilo que a criança deve ou não aprender",
"Gestos e habilidades da fala devem ser estimuladas pelas pessoas que mais
tempo ficam com a criança".

Outras características deste panorama seriam as seguintes:

10
É de se notar que esta concepção não é necessariamente implícita, já que muitas professoras fazem uso destas idéias não apenas como conseqüência do tempo e experiência como docente
mas também porque são idéias promovidas explicitamente por alguns modelos pedagógicos que visam a aprendizagem por associação.

14
- As concepções das professoras sobre desenvolvimento infantil correspondem a
um processo com etapas sucessivas e cumulativas demandando uma intervenção
do adulto para compreender o mundo.

- A intervenção do adulto e do professor baseia-se em ações de motivação.

- As professoras valorizam muito o papel das verbalizações no processo de


apropriação do conhecimento.

- Mas, contraditoriamente, vêem a criança se desenvolvendo independente da


idade, valorizando atividades extra escolares.

- Existem elementos indicando uma tentativa de resgatar a criança como sujeito-


agente de seus processos de desenvolvimento.

A proposta de intervenção deste projeto aponta para o resgate e incentivo


daqueles elementos que definem a criança como transitando por um processo
irregular, que usa estratégias, procedimentos e ferramentas que são espontâneas
e autoreguladas; que se aproxima do mundo através da compreensão e do
desempenho, tanto em suas ações verbais como a nível cognitivo. Em outras
palavras a proposta parte de uma determinada concepção de criança para
planejar estratégias pedagógicas mais adequadas que possam favorecer e
enriquecer o processo de desenvolvimento.

Resultado do pós-teste

O resultado do pós-teste permite aproximarmo-nos do objetivo colocado:


conhecer as possíveis reorganizações ocorridas nas intervenções docentes, após
o termino do curso-oficina.11

As principais transformações que aparecem nas concepções docentes se


manifestam em suas respostas e dizem respeito, em primeiro lugar, à maneira
como concebem os processos de desenvolvimento e de compreensão da criança.
Em segundo lugar, e de maneira mais enfática, percebem-se transformações
acerca da noção de avaliação. Em relação às tendências demonstradas na
amostra, observa-se um elemento interessante: enquanto no pré-teste verifica-se
uma tendência homogênea nos três países, no pó-teste sobressaem diferenças
significativas.

Vejamos de maneira mais precisa os dados que sustentam estas transformações:

11
Devido ao caráter anônimo das respostas, não se faz uma comparação entre sujeitos individuais e sim através das porcentagens.

15
Em primeiro lugar há uma informação importante no núcleo de questões
relativas ao desenvolvimento infantil. No pré-teste a informação, relativamente
homogênea nos três países, apoiava uma idéia de desenvolvimento progressivo e
cumulativo. Vejamos as diferenças registradas no pós-teste.

Gráfico nº 7 : O desenvolvimento infantil pode ser considerado como uma


série de aquisições organizadas em etapas consecutivas.

Discordo Pré-teste Pós-teste

Argentina 44,3% 92%

Brasil 37,7% 40%

Colômbia 19,5% 43%

Cimo se pode observar no gráfico, há diferença entre os três países. Os


resultados apontam para mudanças na Argentina e na Colômbia, enquanto que
no Brasil se mantiveram estáveis. Isto significa que as educadoras da Argentina
e principalmente da Colômbia, que inicialmente apresentavam respostas mais
conservadoras, realizaram mudanças. O Brasil se manteve estável com dados
muito semelhantes entre o pré-teste e o pós-teste. A mudança registrada indica
que inicialmente existia um grande número de professoras, nos três países, que
apoiavam a idéia de um processo de desenvolvimento linear e cumulativo; mas
após a intervenção na Argentina e Colômbia, abre-se uma via para considerar
este mesmo processo distanciado da organização em etapas, com a possibilidade
de pensá-lo em termos de reorganizações e rupturas. Deve-se então ressaltar o
sentido positivo da transformação nos três países, já que as concepções
mudaram a favor de uma visão menos linear e progressiva do desenvolvimento.

Nesta mesma linha de idéias sobre o desenvolvimento, a exploração sobre as


dimensões enfatizadas no trabalho pedagógico oferece os seguintes resultados.

Gráfico nº 8: O trabalho pedagógico que enfatiza apenas uma dimensão


produz um desequilíbrio no desenvolvimento.

16
Discordo Pré-teste Pós-teste

Argentina 45,9% 68%

Brasil 38,3% 50%

Colômbia 26,8% 46%

Esse gráfico evidencia transformações no que concerne o aspecto da


intervenção, assim como na pergunta anterior observava-se uma homogeneidade
das mudanças. Aqui há uma tendência comum nos três países, com indícios de
que as educadoras parecem começar a questionar seriamente a idéia segundo a
qual trabalhar em apenas uma área desequilibra o desenvolvimento. Por essa via
é possível questionar uma certa concepção curricular fechada e "tubular"12, para
a qual um conhecimento é condição para que outro apareça. Dito de outro modo,
essa perspectiva indica a possibilidade de que outras vias possam ser trilhadas
para acessar e apropriar domínios do conhecimento.

Observemos no gráfico abaixo as respostas encontradas para dois outros itens.


Vejamos do que se trata:

Tabela nº 4: Comparação da média de respostas dos três países frente a dois


enunciados presentes no questionário.

Pré-teste Pós-teste

Ar, Bra, Col Ar, Bra, Col

Cada criança tem seu próprio programa de 83% 91%


desenvolvimento independente da idade
(concordo)

Quando uma criança não manifesta 81,3% 84,9%


competência em uma situação, conclui-se que
não a tem (discordo)

12
Esta feliz expressão remete à idéia segundo a qual a criança, ao participar de uma determinada intervenção educativa, passa de um conhecimento a outro completamente novo, utilizando
apenas um caminho da mesma maneira. Esta concepção supõe então que existem vias privilegiadas e canônicas para a aquisição de conhecimentos.

17
Desde o pré-teste, as respostas a esta pergunta pareciam contundentes. Boa parte
das professoras havia já abandonado a concepção que vincula desenvolvimento
e idade, e demonstravam não acreditar que é necessário observar nas condutas a
presença das competências para afirmar a existência das referidas competências.
No pós-teste, esta tendência persiste. As altas porcentagens que convergem na
independência desses dois fatores demonstram uma recuperação da concepção
de desenvolvimento como um processo mais espontâneo e autoregulado na
criança. Esta característica aparece em igual proporção entre as professoras dos
três países.

Para a maior parte das educadoras, uma conduta indica a presença de uma
habilidade mental, embora a recíproca não seja metodologicamente correta. E
as professoras compreendem isso. Conforme observável na tabela 4, os dados do
pós-teste apenas confirmam os dados anteriores. É contundente a maneira como
as professoras assumem uma posição reflexiva sobre o desempenho das
crianças, assim como também conhecem e abordam as competências cognitivas.
A grande maioria - 94% nos três países – considera, sem sombra de dúvidas, que
não se deve considerar uma conduta como única indicadora da presença de
habilidades e/ou competências na criança.

Neste mesmo sentido vamos observar o que se passa com os indicadores de


compreensão por parte da criança, analisando o gráfico 9.

Gráfico 9 : A solução de um problema é indicador de compreensão por


parte da criança

Discordo Pré-teste Pós-teste

Argentina 43,2 68

Brasil 25 40

Colômbia 27,3 31,4

Ainda que com algumas variações, é importante ressaltar que nos três países se
verifica uma mudança na maneira de observar os desempenhos das crianças.
Ainda a partir desses resultados, observa-se que as educadoras passaram a
valorizar mais os procedimentos do que os resultados finais. Esta via pode ser
mais segura para garantir que o objetivo ou solução buscada pelo criança seja a
mesma prevista pelo professor.

18
Vejamos agora os resultados obtidos quando da abordagem da relação entre
áreas do conhecimento e habilidades da criança, no gráfico 10.

Gráfico 10 : Em cada área do conhecimento, devem ser desenvolvidas


habilidades específicas para essa área.

Discordo Pré-teste Pós-teste

Argentina 59 84

Colômbia 29 49,5

Brasil 20 26,7

Este gráfico indica a mesma tendência que já se apresentara nos dados


anteriores: Argentina e Colômbia apresentam grandes mudanças, enquanto que
os dados relativos aoBrasil se mantem relativamente estáveis. Já no pré-teste as
professoras argentinas mostravam desempenhos positivos. No pós-teste esse
número aumenta, aproximando-se dos resultados colombianos (em ambos os
casos, as diferenças de porcentagem são de aproximadamente 20). Para as
educadoras argentinas, não é preciso desenvolver habilidades específicas para
cada área. Este resultado sugere que as professoras compreendem que a
aprendizagem da criança não está guiada por princípios pré-estabelecidos; que
as habilidades em uma situação não correspondem a formas menos elaboradas
de habilidades posteriores; e tampouco que existem vias preferenciais
necessárias e únicas para a aprendizagem.

No que concerne à intervenção no contexto escolar, há uma forte tendência para


resgatar e valorizar os desempenhos autônomos da criança, tomados como base
para uma concepção de desenvolvimento que se baseia na observação dos
processos que a criança ela mesma agencia.

Este resultado é complementado pelas respostas ao enunciado: "a escola não é o


único lugar que propicia atividades cognitivas às crianças", que mostram que a
escola não é mais vista como único meio de acesso ao conhecimento. Mais de
92% das professoras, nos três países, assumem esta perspectiva, indicando uma
tendência que recupera a importância do desenvolvimento espontâneo e a
autonomia demonstrada pelo desempenho infantil em diferentes espaços.

Esta tendência é reforçada pelos resultados apresentados frente ao enunciado:


"o progresso da criança pode ser observado através das mudanças que demonstra
ao resolver situações que lhe são propostas". A grande maioria das professoras

19
nos três países (92%) concorda com esta afirmação, o que sugere sua adesão a
uma concepção de desenvolvimento centrada na criança.

Avaliemos agora os resultados frente ao núcleo de questões relativas a


intervenção. A primeira pergunta diz respeito à função do professor, cujos
resultados estão apresentados no gráfico abaixo.

Gráfico 11. A principal função do docente é motivar a criança.

Discordo Pré-teste Pós-teste

Argentina 43,2 92

Brasil 25 30

Colômbia 27,3 53,2

Neste item, a maioria das professoras argentinas demonstra desacordo (92%) e


mais da metade das educadoras colombianas acompanha esta tendência (53,2%),
que mostra que a principal função do educador não se estrutura em torno da
motivação. Entretanto os dados brasileiros apresentam uma posição oposta,
sugerindo que neste aspecto a modificação terá sido mínima. Assim, apesar das
respostas demonstrarem uma concepção centrada na criança enquanto
protagonista central do cenário educativo, o exercício da função docente requer
ajustes para que possa se enriquecer com outras perspectivas e, desse modo,
atender ao funcionamento cognitivo da criança.

No que concerne ao planejamento das propostas de trabalho, os resultados da


tabela 5 demonstram o resgate da participação da criança. Vejamos a tabela.

Tabela 5 : O conhecimento sobre os interesse da criança é suficiente para


que o professor possa planejar suas propostas de trabalho.

Concordo Pré-teste Pós-teste

Argentina 65 24

Brasil 69 26,7

Colômbia 44,2 56,4

20
Nesta questão, Brasil e Argentina revelam uma tendência inversa a que vinham
apresentando, enquanto os resultados colombianos mostram um aumento
relativo. A indicação de frequências mais baixas para o pós-teste dos dois
primeiros países não deixa de ser curiosa e interessante. A intervenção parece
revelar que o impacto não consiste apenas em "aumentar" um conhecimento ou
adquirir outro, pode significar também tornar obsoleto um conhecimento
anteriormente adquirido 13. Podemos entender esta diminuição como indicação
deque as professoras começam a fazer uma articulação entre o desempenho da
criança e a atividade pedagógica que elas planejam. Dentro do modelo proposto
por esta pesquisa, esta articulação é necessária e revela a relação orgânica
existente entre os três pólos analisados ( desenvolvimento, intervenção e
avaliação).

Há outras interpretações possíveis para esses dados. Uma delas é que as


respostas das educadoras manifestam um nível de reflexão sobre a questão dos
interesses infantis que, apesar de importantes, não são suficientes já que se deve
também considerar as habilidades cognitivas da criança. Outra explicação
possível, no contexto da instituição escolar, diz respeito à necessidade das
professoras de adequar suas propostas de trabalho a exigências curriculares e
institucionais, que podem afastar-se dos interesses infantis. Entretanto essa
última interpretação colide com os dados do pré-teste discutidos acima.

Por último, vejamos os resultados da tabela 6, cujo enunciado indaga se a


experiência da criança pode dar conta de sua aprendizagem.

Tabela 6 :A experiência da criança com o seu meio não é suficiente para dar
conta de sua aprendizagem.

Concordo Pré-teste Pós-teste

Arg 29,7 60

Bra 33,3 63,3

Col 39,1 55,5

13
A idéia de que basta conhecer os interesses da criança para propor uma atividade pedagógica é tributária , sem
dúvida, de uma concepção "construtivista" mal compreendida, que acredita que uma proposta construtivista
consiste em deixar a criança sozinha em contextos que não são organizados.

21
Mais uma vez, observamos uma impressionante homogeneidade nas respostas
das professoras dos três países para o pré-teste assim como para o pós-teste.
Ademais, as diferenças observadas entre os resultados do pré- e pós-teste
mostram claramente que as educadores resgatam a dimensão espontânea do
desempenho infantil. Entretanto, ao compararmos essa tabela com a anterior,
observamos uma certa contradição, o que sugere posições todavia em processo
de definição. Parece que o processo de reflexão das educadoras, ao mesmo
tempo que busca integrar e incorporar à prática elementos de uma nova
concepção de criança, conserva ainda elementos que indicam a imposição do
modelo adulto no processo de aquisição de conhecimentos por parte da criança.

Os dados até agora apresentados e analisados, que correspondem à primeira


parte da pesquisa, permitem adiantar algumas conclusões.

Em primeiro lugar, destacamos uma tendência à homogeneidade nos três países,


relativamente ao pré-teste e na maioria dos itens. Esta uniformidade inicial é
importante: as visões de desenvolvimento, avaliação e intervenção
correspondem a concepções comuns compartilhadas pelas educadoras dos três
países. A análise das mudanças que ocorrem com a proposta de intervenção-
curso focaliza os resultados obtidos no pós-teste. Verifica-se então que Argentina
e Colômbia apresentam variações que seguem tendências similares, enquanto
que o Brasil tende a manter um mesmo padrão de respostas, sem apresentar
grandes modificações.

A proposta de intervenção apresenta resultados que podem ser consideradas


positivos na medida em que expressam uma mudança de entendimento
relativamente aos três núcleos temáticos: desenvolvimento, avaliação e
intervenção. Os dados obtidos permitem afirmar que as educadoras iniciam um
processo de revisão de suas concepções relativamente à criança e isto se
manifesta em dois planos: modifica-se o entendimento de sua função como
educadora, que promove a aprendizagem por meio da intervenção e avaliação
pedagógicas, assim como no que diz respeito às diversas dimensões relacionadas
ao desenvolvimento infantil.

De modo geral, verificam-se mudanças relativamente aos três núcleos temáticos


investigados no questionário, e isto é válido para os três países, embora em

22
proporções distintas.14 É de se destacar também que as mudanças mais marcadas
se concentram no núcleo correspondente à avaliação. Este dado específico
indica que o modelo de intervenção proposto é mais eficaz para tratar do tema
da avaliação. Mais interessante, no entanto, é que seja precisamente o tema da
avaliação o mais fácil e suscetível de mudar. Acreditamos que isso se deva à
utilização das SRPs, que evidenciam o desempenho da criança, desempenho este
que, na maioria das vezes, surpreende a educadora e a estimula a descobrir as
situações que demandam determinados mecanismos cognitivos da criança. Uma
hipótese alternativa considera que a questão da avaliação sempre marca com
muita força o lugar do professor nas práticas educativas. É justamente a
avaliação que define o lugar a partir do qual a reflexão sobre a intervenção
pedagógica permite vislumbrar posturas diferenciadas e fomentar modificações.

Continuando a análise da estratificação das mudanças, temos em segundo lugar


o núcleo dedicado às concepções sobre o desenvolvimento que apresenta
resultados interessantes. As pontuações sobre desenvolvimento são as mais
baixas no pré-teste mas mostram notável recuperação no pós-teste. As mudanças
parecem ocorrer a partir da avaliação e intervenção para incidir finalmente sobre
as concepções de desenvolvimento. Enquanto no pré-teste as tendências
apontavam desarticulações e inconsistências entre os diferentes núcleos, o pós-
teste indica modificações em um dos núcleos, que afeta os demais. As
transformações mais importantes, relativas à avaliação, se relacionam com
transformações paralelas no campo do desenvolvimento. Vale a pena lembrar
que esses dois aspectos, no pós-teste, seguiam caminhos diferentes.

Em terceiro lugar, e considerando a questão do impacto, o núcleo da avaliação


ocupa um lugar particular: permite à educadora integrar, ou pelo menos esboçar
uma integração, entre os três núcleos explorados. A esse respeito, é importante
lembrar que a proposta de intervenção supõe uma articulação entre esses três
núcleos: uma concepção de criança / desenvolvimento (a perspectiva da
racionalide majorante) determina uma forma particular de intervenção, que por
sua vez define formas especiais de avaliação. Portanto seria de se esperar que,
ao final do curso-oficina, as respostas das professoras seguissem essa mesma
direção. Este parece ser o resultado após a análise comparativa entre os
momentos inicial (pré-teste) e final (pós-teste) de testagem. Entretanto há um
aspecto surpreendente nos resultados obtidos. Trata-se da insistência, nos meios
14
É preciso advertir que existem diferenças entre os dados dos três países. Muito embora essas diferenças devam
ser levadas em conta para uma caracterização específica das concepções sobre formas de intervenção educativa
em cada país, é notável que, tomados em conjunto, os resultados evidenciam tendências muito similares.

23
escolares, em transformar concepções e práticas de avaliação, sem rever
questões importantes, como sua concepção de criança, o que deixa intactas
aquelas práticas educativas específicas que dificultam a aprendizagem da
criança.

Os resultados aqui descritos não deixam de ser interessantes, em especial porque


apontam caminhos de transformação do modelo de intervenção que propomos.
Como é de conhecimento geral, existem diversas perspectivas quanto à forma e
características que devem assumir os modelos de intervenção deste tipo. Assim,
uma perspectiva dominante afirma que, para transformar a intervenção e
avaliação pedagógicas, é necessário começar por modificar as concepções de
desenvolvimento infantil nos meios escolares. Trata-se de um caminho “de cima
para baixo”, uma vez que situa na compreensão teórica do educador o ponto de
partida para as mudanças (desejadas e/ou realizadas). Este é o caminho seguido
na presente proposta: começa-se introduzindo novas perspectivas teóricas assim
como achados recentes relativos à criança, para depois tratar da intervenção
propriamente dita.

No entanto, os resultados obtidos sugerem uma outra hipótese: a


revisão/transformação deve ocorrer primeiro na esfera da avaliação e só em
seguida alcançar as concepções de criança e desenvolvimento, seguindo agora
um caminho “de baixo para cima”. Em outras palavras, o curso/oficina seria
estrutudado de tal maneira que a revisão dos procedimentos de avaliação
antecedesse a introdução de teorias novas sobre o desenvolvimento infantil.
Embora esta posição possa sugerir uma perspectiva indutivista da apropriação
do conhecimento, os dados empíricos são muito claros: esta via assegura
resultados eficazes para a formação docente. Além disso essa hipótese vem ao
encontro de uma circunstância por demais conhecida nos meios escolares: não é
suficiente mudar as idéias docentes sobre o desenvolvimento infantil por meio
de seminários teóricos. É necessário também transformar as práticas e modos de
funcionamento docentes, não mais a partir de seminários teóricos e sim através
de atividades concretas. Quando concretamente apresentadas, as ações de
intervenção contribuem para transformar as concepções. Ë de se enfatizar que
esta perspectiva – de um modelo de intervenção de baixo para cima, da prática
para a teoria - encontra confirmação em nossos dados.

Convém esclarecer, ainda, que o objetivo da presente proposta não foi impor
uma determinada posição, concepção ou teoria, mas sim suscitar uma reflexão
crítica sobre a criança e como a compreendemos. Por reflexão crítica entenda-se
um olhar crítico sobre alguns pressupostos que caracterizam as concepções de

24
desenvolvimento, para assim promover modificações que ensejem uma
paulatina reorganização da concepção geral de criança, nas esferas relacionadas
ao desenvolvimento, à intervenção e avaliação.

Concepções sobre o uso de ferramentas cognitivas

Esta segunda parte do questionário está dirigida à exploração do que sabem as


professoras sobre as ferramentas científicas das crianças pequenas. Esta parte
está estruturada em três núcleos de informação: a definição de cada ferramenta,
a ilustração mediante uma situação onde a conduta infantil evidencia a referida
ferramenta 15 e, por último, as idades em que se acredita que tais condutas
possam aparecer pela primeira vez.

Em um primeiro nível, estes três núcleos permitem estabelecer as concepções


docentes sobre as ferramentas científicas. Na intersecção dos três núcleos, é
possível identificar o caráter autônomo e espontâneo (ou seja: não susceptível de
ensino escolarizado) atribuído ao funcionamento das ferramentas, e as
possibilidades de pensar a criança como agente de seus próprios processos de
conhecimento. Por esse caminho também são obtidos certos elementos de
controle metodológico assegurando a confiabilidade dos resultados.

Um segundo nível de análise diz respeito ao desempenho realtivo a cada um dos


três núcleos, tomados separadamente. A hipótese inicial é de que as educadoras
não dominam as definições das ferramentas, ou não o façam segundo as
definições usadas pelo modelo de intervenção, embora sejam capazes de
identificar condutas que traduzam o uso das ferramentas. Com este resultado,
pode-se evidenciar a presença, entre as educadoras, de uma compreensão da
criança a partir de suas operações mentais.

Os resultados obtidos no entrecruzamento dos três núcleos fornecem rico


material acerca dos sistemas de representação das professoras. Para apresentar
estes resultados, iniciamos com uma caracterização global das respostas em
termos de sua adequação/inadequação 16. A partir dessas primeiras categorias
inicia-se um processo de subcategorização, cujas particularidades são
15
Nestas questões, são apresentados dois enunciados igualmente válidos que ilustram a ferramenta e solicita-se a
descrição de uma situação na qual apareça uma conduta análoga àquela focalizada. Para maiores informações
consultar o Anexo da proposta.

25
determinadas pelas características específicas oferecidas pelas próprias respostas
(ou seja, uma subcategorização post hoc ). Estas categorias são aplicadas a todas
as ferramentas ainda que, devido ao seu caráter empírico, inevitavelmente
desembocam em subcategorias que apenas cobrem uma das ferramentas.
Vejamos esta subdivisão:

Para as respostas inadequadas, as subcategorias são:

- empíricas: definições e/ou ilustrações onde o uso das ferramentas é referido a


uma conduta do sujeito com os objetos (visando obter informação acerca deles),
sem incluir referência alguma quanto ao processo reflexivo/mental envolvido na
ação do sujeito;

- ambíguas: respostas que supõem uma definição tão geral que se confunde com
um clichê, o que as torna pouco precisas para indicar o grau de compreensão;

- funcionais: respostas ligadas a uma função determinada, sem indicar contexto


ou objetivo específico;

- fragmentadas: neste caso são enunciados alguns elementos característicos da


ferramenta, porém de maneira isolada, sem que se possa constatar uma
compreensão global da ferramenta.

Resultado do pré-teste

Definição de ferramentas

As definições solicitadas estão classificadas nos quadros abaixos.

Gráfico no. 12: Definições inadequadas de experimentação, formulação de


hipóteses, inferência, nos três países.

Formulação de Hipótese Experimentação Inferência

COL 53,5 75 71
16
Sabemos que a classificação adequada X inadequada pode não ser muito feliz, porém tem o mérito de oferecer
precisão na análise dos dados.

26
BRA 84 82 96,3

ARG 71,5 73,4 86,7

Os resultados desta tabela surpreendem pela homogeneidade entre os três países


(como ocorre com os dados que acabamos de ver na primeira parte do
questionário). Os resultados do pré-teste assinalam que existe um denominador
comum no manejo das definições sobre as três ferramentas: Experimentação,
Formulação de Hipóteses, e Inferência. Essas três ferramentas se comportam
de maneira muito semelhante e mostram enormes regularidades nos três países.
O mais notável são as elevadas porcentagens de respostas inadequadas,
revelando dificuldades de compreensão acerca das ferramentas. Um olhar mais
detalhado mostra que as dificuldades encontradas parecem ser de mesma
natureza nos três países. Além do mais, como veremos agora, quase todas as
ferramentas geram problemas de compreensão.

No item experimentação, os três grupos de educadoras apresentaram índices


muito altos de respostas inadequadas. Analisando o conteúdo das respostas,
encontramos definições de caráter empírico como, por exemplo17: "capacidade
das crianças para manipular objetos, em situações determinadas e buscando
conhecimentos". Há também respostas do tipo funcional, tais como: "ação
inicial que tem como intenção obter uma sensação ou uma resposta do meio".
Estes exemplos demonstram que, para as educadoras dos três países, a
Experimentação é entendida como experiência sensível, remetendo a um
significado vinculado a ações imediatas da criança. Não são definições
conceituais, formuladas por exemplo em termos de operações mentais.

Entre as respostas que se aproximam da compreensão pretendida desta


ferramenta, classificadas como respostas adequadas, verifica-se a referência a
manipulações e atividade motora, mas não a processos ou atividades mentais.
São exemplos deste categoria as respostas: "quando a criança começa a passar
o suco de um copo para o outro...", "quando jogam os objetos e ficam olhando
onde eles caem". Como já se disse, a porcentagem desse tipo de resposta é muito
baixa.

17
Respostas das professoras às perguntas abertas.

27
Também a Formulação de Hipóteses apresenta alta porcentagem de respostas
inadequadas. Os dados incluem definições funcionais: "quando a criança faz
perguntas sobre o tema proposto no projeto"; e definições ambíguas: "quando
uma criança indaga sobre sua descendência, fazendo muitas perguntas" . Nesse
último caso, é claro que formular perguntas não implica em formular hipóteses.
Perguntas podem ser feitas apenas para obter informação, ou para completar um
sentido. Não necessariamente implicam uma hipótese.

As porcentagens obtidas para a Inferência indicam as mesmas dificuldades


verificadas para as ferramentas anteriores, seguindo uma tendência negativa.
Algumas definições são ambíguas : "dar soluções a certos problemas". Outras
respostas dão lugar a um outro tipo de definição, denotando confusão de termos
(por falta de familiarização com os conceitos, às vezes, entende-se a inferência
como diferença ou interferência, para citar apenas dois casos extremos). Outras
definições são ao mesmo tempo ambíguas e funcionais. É o caso da definição de
inferência como uma suposição: "quando a criança supõe que alguma coisa vai
acontecer".

No entanto, apesar das dificuldades apontadas, algumas educadoras propõem


definições que evidenciam compreensào da ferramenta (sendo estas respostas
classificadas como adequadas). Apenas 3,4% definem a habilidade para realizar
inferências em termos de formulação de hipóteses sobre um determinado evento;
e apenas 11,8% fazem referência à capacidade de deduzir algo não explícito,
como por exemplo "quando num texto aparece uma palavra ou uma frase e a
partir daí pode-se pensar possíveis coisas que venham a acontecer".

Para complementar o panorama das ferramentas vejamos os resultados em


relação à Planejamento e Classificação.

Gráfico no. 13: Definições adequadas de planejamento nos três países.

28
Arg Bra Col

Planejamento 64,3 54,5 40,3

As definições sobre planejamento permitem afirmar ser este o item que melhor
compreensão alcançou, e de maneira muito semelhante nos três países. As
respostas são formuladas em termos de organização de ações para alcançar uma
meta, apontando para uma seqüência lógica de passos e atividades que a criança
elabora/realiza para resolver uma situação específica. O planejamento é uma das
poucas ferramentas cujas definições são formuladas como operação mental. Um
exemplo é a resposta: "coordenar e antecipar ações para chegar a um objetivo
final". As respostas também descrevem situações muito próximas daquelas que
se incluiriam dentro de um enfoque conceitual específico. "uma criança de três
anos tem um brinquedo sobre uma prateleira, primeiro pega uma cadeira,
depois aproxima da estante. Depois sobe na cadeira e em seguida na prateleira
e finalmente alcança o brinquedo desejado".

Quanto às respostas inadequadas para esta ferramenta, entendemos que são


fragmentadas, porque fazem referência a aspectos isolados que, somente
tomados em conjunto, definiriam o Planejamento. Por exemplo as respostas
mencionam uma sucessão ou organização de ações, ou a busca para alcançar
uma meta, ou alguma antecipação, o que acaba resultando em definições
incompletas. Em outras palavras, apesar de apontarem para definições
adequadas em sua compreensão parcial da ferramenta, carecem de elementos
substanciais. No entanto, convém notar que estas respostas não se confundem
com definições ambíguas.

No que concerne a Classificação mencionemos os dados específicos.

Gráfico no. 14: Definições adequadas da Classificação nos três países.

Arg Bra Col

Classificação 25 24,9 87,3

29
A Classificação rompe a homogeneidade que vinha se delineando até agora. É a
única ferramenta para a qual um dos países (Colômbia) apresenta um
desempenho excepcionalmente adequado. As porcentagens de respostas
adequadas na Argentina e Brasil revelam uma aproximação à ferramenta de
classificação que é quase inteiramente ligada às propriedades perceptivas dos
objetos: são respostas que fazem referência a ações das crianças sobre o objeto,
e não a processos de organização mental da informação. Por exemplo:
"classificar é separar os objetos por forma, tamanho, cor e textura", ou
"classificar é selecionar figuras de uma cor e de uma cor". Por outro lado, as
professoras da Colômbia, em sua maioria, consideram outros elementos da
definição, tais como organização de informação e critérios para classificar. Este
dado, no entanto, deve ser visto com moderado ceticismo: quem conhece a
realidade da educação na Colômbia sabe que esse conhecimento verbal sobre
classificação nem sempre revela um manejo apropriado da ferramenta.
Confirmam-se, por essa via, as limitações apresentadas pelo formato verbal do
instrumento utilizado p/ detectar as concepções docentes. Em especial, trata-se
de discutir as implicações de se trabalhar com informação verbalizada e referida
a uma realidade não presente (a sala de aula), que neste estudo foi obtida por
meio de questionários escritos. Pela sua importânica, esta questão é analisada na
Parte Terceira deste livro.

Alguns pontos importantes são ressaltados, que sintetizam a análise das


ferramentas até agora desenvolvida. São eles:

— a uniformidade das respostas sobre ferramentas colhidas nos três países,


sobretudo para Formulação de Hipóteses, Experimentação, Planejamento e
Inferência (não apresenta homogeneidade a classificação, onde se destaca
positivamente a Colombia);

— as definições quanto a Formulação de Hipóteses, Experimentação,


Planejamento e Inferência apresentam dificuldades de compreensão;.as
dificuldades observadas parecem ser de mesma natureza, envolvendo
generalizações e/ou ambigüidades;

— os dados relativos à Classificação mostram uma não-homogeneidade


relativa: os três países se diferenciam agora de modo mais marcado, a
Colombia se destacando por elevada porcetnagem de respostas adequadas;

— Planejamento é a ferramenta que sofreu maior impacto, apresentando


mudanças significativas entre pré- e pós-teste, no sentido de ampliar-se o
universo de entendimento docente sobre esta ferramenta;

30
— conforme já era de se esperar, a Inferência aparece como a ferramenta mais
estranha aos meios pré-escolares, o que explica em parte o aparecimento de
definições ambíguas. Por outro lado, surpreendem as dificuldades verificadas
quanto a Experimentação e Formulação de Hipóteses, que pareceriam ser
temas familiares às professoras.

— em muitas definições, existem indícios de uma concepção de intervenção que


situa no professor o ponto de partida e os meios para promover o
desenvolvimento das ferramentas.

Vejamos agora os resultados obtidos no segundo núcleo, a saber a ilustração das


ferramentas mediante situações apresentando condutas específicas..

Identificação das condutas

A identificação de condutas é examinada através de enunciados que tratam do


uso das ferramentas: cada item contem a descrição de uma situação na qual
aparece uma conduta correspondente a determinada ferramenta. Do total de itens
analisados, destacam-se as elevadas porcentagens de respostas inadequadas, nos
três países, para todas as ferramentas. A tabela abaixo apresenta estes dados.

Gráfico no. 15: Identificação inadequada das condutas.

Arg Bra Col

Hipóteses 85,8 68 75

Experimentação 93,4 41 84

Inferência 96,4 96,3 82,8

Planejamento 75 81,1 66,3

Classificação 75 91,4 76,2

A primeira característica importante destes dados se refere à homogeneidade dos


três países, o que confirma a tendência que já vinha se delineando. Em seguida,

31
sobressai a alta porcentagem de respostas inadequadas. Cabe ressaltar que o
Brasil apresenta o melhor desempenho nas ilustrações de condutas relacionadas
com a Experimentação. Em seguida vejamos com mais detalhes os dados
encontrados para cada ferramenta.

Para evidenciar a conduta Formulação de Hipóteses, um dos enunciados dizia


"a criança espera/tem a expectativa que os objetos caiam". Nesse exemplo, as
porcentagens inadequadas são muito similares nos três países. A maioria dos
exemplos apresentados pelas professoras indicam que, para elas, a atividade de
jogar um objeto está associada ao lúdico. O mesmo ocorre no caso na
experimentação, abordada com o seguinte enunciado: "uma criança que já
dominava uma tarefa, quando percebe que algo mudou, começa a variar suas
ações para responder às novas exigências da situação". Nos exemplos
oferecidos, fica claro que a Experimentação não é reconhecida como uma
atividade sistemática ou planejada. As respostas sugerem uma confusão entre a
atividade de explorar e a atividade de experimentar. A maioria dos exemplos de
situação se limita a descrever condutas onde a criança realiza uma mera
exploração sensorial de seu meio e os resultados apontam uma uniformidade
entre os três países.

No que diz respeito às condutas que se referem à Inferência, o panorama não é


diferente. O enunciado "a criança atribui estados de ânimo às pessoas segundo
gestos que expressam" obtem quase os mesmos percentuais nos três países. O
que a maior parte dos exemplos indicam é que as professoras atribuem os
estados de ânimo à própria criança, quer dizer os exemplos fazem alusão à
expressão gestual da criança. Este dado, somado à já mencionada ambiguidade
das respostas relativas à definição de inferência, mostra o quanto é
desconhecida, ainda, esta ferramenta.

Também as ferramentas de Planejamento e Classificação apresentam


dificuldades, em especial com relação à ilustração por meio de condutas
cotidianas. Este dado chama atenção, quando comparado com o elevado número
de definições consideradas adequadas. Os enunciados para estas duas
ferramentas são: "a criança coordena ações sendo que as primeiras servem
para conseguir o objetivo final" e "a criança tem a capacidade de distinguir
entre objetos animados e inanimados". A média das respostas adequadas nos três
países é de 31,8 % para Planejamento e 19% para Classificação. Apesar das
professoras fazerem referência à sucessão de eventos, não a pensam em termos
de operações mentais. Em relação às situações propostas para a Classificação,
as respostas parecem se referir à necessidade de intervenção da professora para
"ensinar a diferença" e, por extensão, agrupamentos e critérios, para, por essa
via, assegurar as condições para a classificação .

32
De uma maneira geral, os exemplos de condutas para as diferentes ferramentas
pouco se afastam dos enunciados propostos pelo questionário. Além disso, as
respostas mostram um aspecto lúdico e por vezes induzido pelo adulto 18. A partir
do conjunto de respostas, é possível afirmar que docentes, assim como adultos
em geral, têm dificuldades para reconhecer uma ferramenta a partir de uma
conduta. Essa divergência ou desencontro entre conduta e ferramenta, no
entanto, não deve surpreender. Enquanto expressa a operacionalização de
conceitos (as ferramentas) em desempenhos (as condutas infantis), a relação
ferramenta/conduta não costuma fazer parte do cotidiano escolar. Parece assim
que este é um tema ausente das rotinas pedagógicas, o que o torna um tema
pouco explorado e por isso mesmo de difícil compreensão.

A esta altura parece conveniente procedermos a uma breve síntese a propósito


das definições oferecidas para as ferramentas e das condutas que as ilustram. A
idéia é que seja possível começar a vislumbrar os aspectos que irão determinarão
o impacto do curso-oficina, tal como verificado com o pós-teste.

Em primeiro lugar, é preciso assinalar as dificuldades em reconhecer que as


ferramentas científicas constituem uma via potencial e frutífera para a
identificação da atividade intelectual da criança. Vale ainda dizer que as
referidas dificuldades se situam tanto ao nível das definições, como das condutas
que as traduzem. A esse respeito, uma valiosa contribuição deste estudo consiste
em mostrar que este traço é comum aos três países participantes: Argentina,
Brasil e Colômbia.

A informação acumulada permite afirmar que as definições das ferramentas se


agrupam da seguinte maneira. As definições inadequadas (caracterizadas como
funcionais, ambíguas, empíricas e baseadas em confusões de termos) têm um
alto nível de incidência. Em menor grau, mas não menos importante como ponto
de partida, ocorrem para algumas ferramentas (como planificação) definições
incompletas/fragmentadas, que servem como referência para determinar o
impacto após a intervenção do curso. Este panorama é similar àquele das
18
Esta tendência a ater-se rigidamente ao modelo proposto, parece um reflexo do que Gardner (1943) chamou de
tendência "mimética" em educação, ou seja, frente a um modelo ou instrução o aprendiz o copia tão fielmente
quanto possível. Isto parece ser conseqüência de certas rotinas escolares nas quais o professor "fomenta o
domínio preciso da informação ou a cópia servil dos modelos" (p.127).

33
condutas. As duas tendências observadas são, de um lado, as altas porcentagens
de identificação inadequada de condutas ilustrativas das ferramentas e, de outro
lado, a baixa porcentagem de identificação consistente com as definições
teóricas da proposta.

A homogeneidade dos dois tipos de informação ocorre em dois sentidos e revela


uma certa consistência. Por um lado, as tendências são observadas de maneira
muito similar nos três países oferecendo a oportunidade de determinar o impacto
do modelo usando os mesmos critérios de comparação. Por outro lado, chama
atenção a elevada frequência de respostas inadequadas relativamente às
respostas adequadas.

No caso das ferramentas científicas, a articulação entre definições e conduta


indica uma certa coerência entre os núcleos. Este resultado difere assim do
panorama relativo às concepções sobre desenvolvimento, avaliação e
intervenção que, evidenciadas no pré-teste, mostram desarticulações e
inconsistências próprias das teorias implícitas desse campo. No caso das
ferramentas, os dados do pré-teste mostram certa homogeneidade que convem
agora analisar.

Os dados apontam que a adoção de determinada definição (ainda que não


convergente com a perspectiva teórica divulgada no curso) está geralmente
associada à identificação de condutas coerentes com a definição adotada. Esta
característica fica claramente ilustrada pela elevada consistência entre definições
e condutas apresentadas pelas educadoras. A consistência é evidenciada nas três
ferramentas Formulação de Hipóteses, Experimentação, Inferência, embora
pelo viés inverso, já que as elevadas porcentagens de definições
inadequadas encontra seu correlato nas elevadas porcentagens de condutas
inadequadas.

Uma possível hipótese para dar sentido a estas tendências sem dúvida está
relacionada com as possibilidades do docente em traduzir as ferramentas em
termos de desempenhos específicos das crianças. Esta tradução, que corresponde
ao que a investigação em ciências humanas chama de "operacionalização",
resulta crucial, sobretudo quando se trata de pensar uma ação pedagógica a

34
partir de uma concepção de desenvolvimento, ou de noções como a de
ferramentas como é o caso da Experimentação ou da Inferência.

A seguir são apresentados os resultados relativos à idade de aparecimento das


ferramentas. A questão da idade poderá nos ajudar a melhor compreender como
se articulam as concepções de desenvolvimento com a noção de ferramentas,
que remete ao funcionamento cognitivo concreto.

Idade de aparecimento das ferramentas

Os resultados obtidos para o terceiro núcleo, que trata da idade de aparecimento


das ferramentas, também evidenciam notável semelhança entre os três países.

Gráfico no.16: Idades inadequadas de aparecimento das ferramentas.

Arg Bra Col

Hipóteses 92,9 88 96,6

Experimentação 26,2 18,2 17,1

Inferência 93,4 81,5 88,5

Planejamento 92,9 91 98,9

Classificação 75 81,8 74

A grande maioria das professoras nos três países situam tardiamente o


surgimento de quatro das cinco ferramentas. Para a maioria, as ferramentas
aparecem somente na faixa etária de 3 a 6 anos e as percentagens são quase
idênticas nos três países. Para a Formulação de Hipótese, as percentagens da
Argentina são 92,9%, Brasil 88% e Colômbia 96,6% e assim sucessivamente.
Para Classificação, a tendência também é situar o surgimento da ferramenta
entre os três e seis anos. Igualmente no caso do Planejamento, as professoras
situam a idade de aparecimento a partir dos três anos (respostas inadequadas).

35
Diferentemente das outras, a Experimentação foi assinalada dentro de uma
faixa etária adequada: para as professoras a Experimentação aparece entre 0 e 2
anos. As porcentagens de respostas adequadas são altas para os três países:
73,8% na Argentina, 81,8% no Brasil e 82,9% na Colômbia.

Excetuando-se o resultado relativo à experimentação, fica claro o quão tardio


(após os 3 anos de idade) é situado o apararecimento das demais ferramentas.
Além disso, as professoras demonstram inconsistência no conjunto de respostas
que dizem respeito às ferramentas e condutas que as ilustram. Este é o caso, por
exemplo, para a formulação de hipóteses. As professoras afirman que as
condutas associadas a esta ferramenta se manifestam desde cedo, entre 0 e 2
anos, no desenvolvimento infantil e isso nos três países (Colombia 64%,
Argentina 57% e Brasil 48%). A inconsistência aparece quando a idade de
aparecimento da ferramenta é situada muito mais tarde, o que também ocorre
nos três países.

A investigação aponta então para uma questão crucial: em que medida as


diferenças obtidas para os núcleos de definição das ferramentas por um lado, e
identificação de condutas próprias a cada ferramenta por outro lado, estariam
revelando uma inconsistência? Esta pergunta ganha força no contexto das outras
informações oferecidas pelo questionário. Por exemplo: ao descreverem
condutas que ilustram a Experimentação, as professoras atribuem às crianças
mais novas habilidades muito mais sofisticadas do que aquelas contidas nas
definições.

Quadro 1: Síntese dos resultados

em relação a: definição de ferramentas, idade de aparição e condutas


ilustrativas

Experimentação Classificação Inferência Hipótese Planejam

Definição / Exploração Há uma As definições São É definido


sensorial mais do tendência para são formuladas definidas de como uma
compreensão que uma associa-la em termos de maneira forma
atividade quase suposição; em segmentada: organizada

36
experimental exclusivament alguns casos, algumas ações ou
propriamente e às como sinônimo respostas seqüência
dita (isto é: propriedades de extrair contem lógica de
identificação, perceptivas do conclusão, de elementos passos. No
controle e objeto, isto é, dedução ou que são parte entanto, nã
variação de fazendo como sinônimo da definição, se conside
diferentes referência às de hipótese. É mas que que essa
fatores; e ações da uma das resultam habilidade
sistematicidade). criança mais ferramentas insuficientes manifeste
do que a um menos para afirmar crianças
processo de compreendidas uma pequenas.
organização . compreensão sugere hav
mental. global. A uma distân
Apresenta as maioria entre a
mais altas considera formulaçã
percentagens que é a conceitual
de definição ferramenta uma
adequada, mais ferramenta
especialmente complexa, sua
na Colômbia precisando incorporaç
(80,7). das outras às práticas
para se concretas c
manifestar. as crianças

Idade e Uma das Em relação à A tendência A maioria Situada


ordem de primeiras. ordem de central é acredita que relativame
Aparecimento ferramentas a aparecimento, assinalar ser seja a última tarde, em
aparecer. 33,2% das esta uma das a aparecer. geral na fa
entrevistadas últimas dos 3 aos 6
Provavelmente a respondem que ferramentas a anos, com
precocidade com esta é a aparecer. porcentage
que se aceita seu segunda significativ
aparecimento ferramenta a (em especi
está ligada à aparecer. no Brasil,
natureza das mesmo de
definições dos 7 anos
utilizadas. considerad
uma das
últimas a
aparecer.

37
Ilustração "quando as "quando se diz " quando peço "quando a "a chegada
crianças fazem à criança para à criança para criança faz colégio", o
massa com que escolha as me dar a massa perguntas "que a cria
farinha e água, figuras de tal de modelar, e sobre um tenha
têm a cor e as de ao lado tema capacidade
experiência de outras cores" também há um proposto" ou para organ
conhecer vários ou "quando colbon, ela "quando uma tarefas e
estados da recebem caixas sabe criança desempenh
matéria". coloridas, diferencia-los e pergunta las num
blocos lógicos, me dá a massa sobre a sua tempo dad
as crianças os de modelar" ou descendência
separam e "quando as passada ou
colocam nos crianças vêem presente"
lugares passar uma
indicados”. senhora suja e
mal vestida
associam-na
com uma
louca"

Este quadro revela de maneira sintética uma certa homogeneidade: nos três
países verificam-se dificuldades comuns na formulação de definições para as
ferramentas, sobretudo Inferência, Experimentação e Formulação de
Hipóteses. A mesma tendência ocorre com a ordem de aparecimento das
ferramentas. A maior parte das professoras tende a considerar o aparecimento de
quase todas as ferramentas como acontecendo tardiamente.

O quadro-síntese, ao resumir os resultados dos três núcleos correspondentes à


segunda parte do questionário, mostra que são bastante consistentes entre si.
Acompanhando o eixo vertical do quadro, que evidencia as relações entre
definições e os núcleos de ilustração de conduta e idade (que apresentam um
caráter mais empírico porque baseado na observação de crianças), observa-se
uma dificuldade que, de resto, já aparecera em outros momentos do trabalho. As
definições das ferramentas são fragmentadas e incompletas. Além disso, são
claras as dificuldades encontradas para ilustrar as ferramentas, relacionando-as a
desempenhos e condutas. Essas informações tomadas em conjunto permitem
arriscar a hipótese de que tenham algo em comum, que diz respeito à capacidade
docente para elaborar a relação entre apropriação da conduta como tal e a
ferramenta correspondente. Uma coisa leva a outra e isso permite afirmar que as

38
mesmas dificuldades tomam formas distintas e circulam entre os diversos
núcleos. É possível que esse fato ocorra devido ao tipo de definições utilizadas
que, por serem empiristas, aproximadas e muito descritivas, não permitem
pensar as condutas como desempenhos específicos da criança.

Outros argumentos também podem ser considerados. Os dois núcleos: ilustração


de desempenho e idade de aparecimento, dizem respeito a um conhecimento
empírico, remetendo a uma realidade concreta da criança. As professoras bem o
demonstram, pois todas as ilustrações são referentes a situações escolares. Esse
não é o cerne do problema . A questão reside em que as educadoras enfrentam
dificuldades para ir além desse nível de observação ingênua, que pode ser tão
rica quanto prolixa, e alcançar uma conceitualização suficientemente sólida que
lhes permita analisar suas observações, ao invés de permanecer em um plano
pontual e anedótico.

Para o Planejamento e a Classificação, as definições adequadas alcançam


porcentagens relativamente altas, embora situem seu aparecimento tardiamente,
isto é, entre os 3 e 7 anos. No caso da Planificação constata-se, além disso, uma
distância entre a formulação conceitual da ferramenta e sua compreensão e
incorporação às práticas efetivas junto às crianças. Ao mesmo tempo esta
ferramenta é assinalada, por muitas educadoras, como aparecendo por último.

As dificuldades observadas nas respostas aos três núcleos relativos às


ferramentas também podem ser entendidos como segue. Mesmo tendo
observado desempenhos particulares das crianças, por exemplo quando elas
formulam hipóteses, as educadoras permanecem em um plano de análise
meramente descritiva, sem atribuir capacidades cognitivas à criança. Essa
ausência aparente de articulação entre conduta e ferramenta / habilidade pode,
de acordo com nossos dados, se originar da crença segundo a qual as crianças
efetivamente carecem dessas ferramentas tão sofisticadas. Ë claro que, se não é
possível conceber a existência de uma dada competência, então será igualmente
impossível observar seu efeito sobre o desempenho infantil. Além disso, os
dados apresentados na primeira parte desse capítulo confirmam esta afirmação:
se a concepção de desenvolvimento não inclui a existência de capacidades
sofisticadas, então dificilmente as professoras poderão refletir sobre elas.

39
Finalmente, o eixo horizontal do quadro permite ao leitor verificar em que
medida as professoras refletem sobre as ferramentas de maneira analítica e
combinada, e não isoladamente, isto é, considerando cada ferramenta
isoladamente.Os resultados apontam para a manutenção da visão fragmentada:
as ferramentas não aparecem articuladas entre si.

Resultados do pós-teste

Antes de começarmos a revisão dos dados obtidos nesta etapa, observemos as


tendências mais marcantes encontradas no pré-teste.

Nos três países, os resultados são homogêneos no que concerne as dificuldades


para definir três ferramentas: Experimentação, Forumlação de Hipóteses e
Inferência. O Planejamento é a ferramenta melhor compreendida, sendo esta
compreensão muito similar nos três países (principalmente na Argentina,
observam-se porcentagens elevadas de definições adequadas). Quanto à
Classificação, os melhores resultados foram obtidos na Colômbia.

Os dados referentes à identificação de condutas que ilustram as ferramentas


também foram homogêneos nos três países, sobressaindo um alto índice de
respostas inadequadas. No entanto, os exemplos para Formulação de Hipóteses
e Experimentação indicam uma aproximação positiva a estas ferramentas (com
destaque para o Brasil relativamente à experimentação).

A grande maioria das educadoras dos três países situam o surgimento de quatro
das cinco ferramentas (a exceção sendo experimentação) de maneira muito
tardia, na faixa entre os 3 e 6 anos.

Neste contexto, a primeira característica verificada no pós-teste é que a


tendência à homogeneidade está agora diluída e já não se encontra tanta
semelhança entre os três países.

Vejamos, no gráfico abaixo, os resultados relativos à definição de ferramentas.

40
Gráfico no. 17 : Diferença nas porcentagens de respostas adequadas entre o
pré e pós testes quanto ao item definição de ferramentas.19

Ferramenta Arg. Bra. Col.

Formulação de 71,5 -8,3 27,3


Hip.

Experimentação 63,4 12 47

Inferência 86,7 29,3 42,9

Classificação 57,9 11,5 -0,3

Planejamento 35,7 -4,5 45,7

Uma análise global dos dados revela altos índices de modificação nas respostas
e, portanto, um grande impacto na reelaboração das cinco ferramentas para a
Argentina e Colômbia. O maior aumento aconteceu com a Inferência. Os dados
brasileiros demonstram mais irregularidades e menos transformações: neste
caso, as ferramentas Formulação de Hipóteses e Planejamento não registram
modificações.

Uma análise mais detalhada das respostas para cada ferramenta traz os seguintes
resultados.

As ferramentas Clasificação e Planejamento apresentam índices semelhantes


de crescimento na Argentina e Colombia. Lembrando que estes dados resultam
da comparação entre pré e pós-teste; podemos explicar a limitada diferença
observada pelo fato que os resultados do pré-teste para estas duas ferramentas
foram particularmente elevados no pré-teste (no pré-teste temos classificação:
87,3% na Colombia; planejamento: 64,3% na Argentina). A classificação
evidencia uma melhoria importante (com uma diferença de 57,9) para as
educadoras argentinas, o planejamento também evidencia uma tendência
semelhante (45,7 na Colombia e 35,7 na Argentina). O Brasil apresenta um
quadro de estabilidade relativa.
19
Nos anexos desta segunda parte é apresentadas uma tabela geral comparativa das porcentagens de respostas
obtidas tanto no pré quanto no pós-teste, para os três países e em cada um dos núcleos examinados no
questionário.

41
As demais ferramentas mostram altos índices de modificação. A Formulação de
Hipóteses e a Experimentação aumentam tanto na Argentina quanto na
Colombia. Entre as brasileiras o aumento foi menor20.

Definitivamente o caso da Inferência é o mais interessante de todos: no pré-


teste era a ferramenta menos conhecida, mas no pós-teste apresenta os melhores
resultados. Os dados são alentadores, pois nos três paises ocorre um aumento
significativo do número de definições adequadas (Argentina: 86,7%, Colombia:
42.9 %, Brasil: 29.3%).

O segundo núcleo, ao abordar a identificação de condutas que ilustram cada


ferramenta, permite explorar a compreensão docente das ferramentas científicos
e de como são usadas pelas crianças. Os resultados obtidos após a realização do
curso-oficina são apresentados abaixo.

Gráfico 18 : Diferenças de porcentagens de respostas adequadas entre o pré


e pós testes para a Ilustração de Condutas, nos três países.

Ferramenta Arg. Bra. Col.

Formulação de 35,8 1,3 20,5


Hip.

Experimentação 93,4 -1,9 47,3

Inferência 82,3 38 50,6

Classificação 66 0,5 21

Planejamento 57,2 39,1 19,7

Uma análise comparativa entre os resultados do pré e pós-teste, portanto antes e


depois do curso, revela claramente os progressos alcançados pelas professoras,
que reelaboraram conceitos assim como repensaram situações observadas com

20
As definições integram de maneira mais completa diferentes elementos característicos destas ferramentas,
sugerindo uma série de operações cognitivas desenvolvidas pelas crianças ao enfrentarem situações. O quadro-
sintése apresentado ao final inclui exemplos de definições.

42
as crianças nas salas de aula. A seguir, destacamos o grau de mudança de
compreensão de cada ferramenta, em relação com as demais.

A ferramenta Formulação de Hipóteses parece apresentar o menor aumento


global quando se consideram os três países. Dito de outra maneira, esta é a
ferramenta que menos sofre modificações em decorrência da participação no
curso.

As modificações mais importantes ocorrem para as ferramentas


Experimentação, Inferência e Classificação, embora com algumas diferenças
entre países. Argentina e Colombia evidenciam mudanças, embora em graus
diferenciados, para todas as três ferramentas. O Brasil se mantém estável quanto
à experimentação e classificação, mas evidencia importante revisão quanto à
inferência. A esse respeito é notável que, mais uma vez, os resultados relativos à
inferência são surpreendentes, com modificações consideráveis nos três países.

Finalmente, amplia-se a compreensão da ferramenta de Planejamento, o grau


de mudança maior (57.2) ocorrendo na Argentina. No Brasil, esta é a ferramenta
cuja compreensão mais se modifica em decorrência da participação no curso, ao
contrário da Colombia (planejamento é a ferramenta que menos se modifica para
as educadoras colombianas).

O terceiro núcleo, referente à idade de aparecimento de cada ferramenta,


completa o panorama desta segunda parte do questionário. Vejamos o gráfico
19.

Gráfico 19: Diferença entre as percentagens de respostas adequadas entre o


pré e o pós-teste para idade de aparecimento nos três países

Ferramenta Arg. Bra. Col.

Hip. 2,9 -4,3 36,4

Exp. 6,2 8,2 -10,7

Inf. 82,3 6,5 54

Plan. 52,9 -1,9 59,6

Class. 20,5 0 26,3

43
O panorama geral deste gráfico indica claras diferenças entre os três países. Em
algumas ferramentas, o impacto da intervenção foi pequeno. No caso da
Classificação, este resultado é evidente: Argentina e Colombia mostram
diferenças pequenas, sendo que para o Brasil não houve qualquer modificação.
A Formulação de Hipóteses praticamente não apresenta transformações na
Argentina e, no Brasil, verifica-se até uma diminuição das respostas adequadas.
Apenas os dados da Colombia confirmam um impacto moderado do curso.
Resultados similares aparecem no caso da Experimentação: nos três países as
percentagens são muito baixas sendo que na Colombia, houve até uma
diminuição. No caso do Planejamento os dados do pós-teste são favoráveis:
Argentina e Colombia apresentam porcentagens mais altas e o Brasil aponta
uma relativa estabilidade.

Quanto à Inferência, os resultados são alentadores: em todos os países se obtém


um aumento significativo de respostas adequadas, com predomínio da Argentina
e Colombia.. No Brasil, embora em menor grau, também se verifica um
aumento.

Tal como ocorreu no pré-teste, apresentamos uma síntese dos resultados no


quadro comparativo abaixo:

Quadro Nº 2: Síntese dos resultados para definições de ferramentas, idade


de aparecimento e ilustrações de condutas.

Experimentação Classificação Inferência Hipótese Planejamen

Definição É definida em As definições Agora as Definições As definiçõ


termos de se referem ao definições que integram assumem um
atividade uso de estão mais de maneira caráter
investigativa. critérios. precisas que mais científico no
Exemplos Introduzem no pré-teste. adequada pós-teste: já
incluem a elementos Pela primeira diferentes não falam m
Formulação de que apontam vez aparece elementos em simples
Hipóteses, o para como uma que são sucessão de
controle de definições ferramenta inerentes a eventos, e s

44
variáveis e mais definida em esta de processo
procedimentos conceituais termos de ferramenta. mentais com
de tipo que raciocínio, que As definições previsão e
sistemático na perceptuais. envolve a sugerem uma antecipação
atividade da Por exemplo: passagem de série de que são
criança. Por "Habilidade elementos operações necessárias
exemplo: "A da criança conhecidos cognitivas atividade
capacidade da para para chegar e que a criança organizada
criança para encontrar comprender desenvolve visa conseg
organizar sua semelhanças outros, para enfrentar um objetivo
ação de maneira e diferenças desconhecidos uma situação. "Atingir um
que possa entre dois : ”Forma de ”Ter idéias, meta atravé
conhecer uma objetos raciocínio que formular de um
situação e permitindo permite a possibilidade conjunto de
resolvê- agrupá-los criança s antes de ações que
la”.(Colombia). ou separá-los deduzir algo resolver um implica
segundo sua desconhecido, problema, processos d
condição". caracteriza-se formular-se antecipação
por uma perguntas, previsão.
situação que colocar à
não está prova um
presente, conhecimento
passando-se para ver se é
de alguns verdadeiro ou
elementos que não"
estão (Colombia).
presentes para
algo que não
conhecemos”
(Colombia).

Idade de No pós-teste as A maioria das Esta É considerada Diferenteme


aparecimento professoras professoras ferramenta é a última a do pré-teste
reafirmam respondem colocada como aparecer, na tendência
claramente a ser esta a uma das faixa de 2 a 3 agora é situa
posição do pré- segunda últimas a anos, seu
teste: esta ferramenta a aparecer mantendo-se apareciment
ferramenta é a aparecer embora, o mesmo entre 0 e 2
primeira a (também embora isso resultado do anos.
aparecer (entre 0 entre 0 e 2 aconteça pré-teste.
e 2 anos). anos). precocemente

45
(0 a 2 anos)

Ilustração de Aparece certa As ilustrações Nesse caso as Oes exemplos A sucessão


conduta sistematicidade vão além dos descrições são apresentados eventos
nas atividades elementos explicadas a se relacionam apresentada
descritas, em perceptuais, partir da com a nasa
correspondência mostrando a compreensão inferência, na ilustrações
com a definição classificação que a criança medida em corresponde
formulada em como tem de que ações necessidade
termos de agrupamentos aspectos não estão organização
procedimentos em função de diretamente associadas a para conseg
investigativos: característica observáveis, operações um objetivo
”Um carro fica s definidas: indicando que mentais. Já
sem combustível "Ao observar desenvolvem não se A criança q
e a criança deve um teatrinho um processo enunciam subir no
fazê-lo funcionar de de análise da perguntas, terraço, ma
utilizando outros marionetes, a informação: que ficam escada está
recursos". criança vai "Geralmente implícitas; o muito alta;
biucar a as crianças que se então traz u
origem do conseguem descreve é banco para
movimento identificar, a atividade da ajudar."
da partir das criança em
animação" expressões do respostas a
rosto, quando estas
uma pessoa perguntas:
está triste ou "Quando se
alegre". joga uma
bola e ela
permanece
escondida
por um
mecanismo
oculto, as
crianças vão
busca-la no
chão e se
mostram
surpresas de
não
encontra-la."

46
Com base neste quadro, é possível tentar uma hierarquização das ferramentas
observando os resultados obtidos para os três núcleos do questionário: definição,
condutas ilustrativas, idade de aparecimento.

Em primeiro lugar se encontram a Classificação e Planejamento que, desde o


pré-teste, mantiveram elevado número de respostas adequadas, particularmente
nas definições. Comparativamente, a Classificação não mostra diferenças entre
os três núcleos, o que indica a consistência das respostas; mas no caso do
Planejamento, o panorama é um pouco diferente. Ao contrário da consistência
verificada para a classificação, parecem inconsistentes os dados relativos a
definição e condutas apresentadas para o planejamento. Por um lado, são
mínimas as modificações de compreensão desta ferramenta (indo aliás no duplo
sentido de aumento e de diminuição). Ou seja, comparando condutas com
definições, encontra-se uma heterogeneidade difícil de interpretar. Enquanto que
na Argentina, o aumento de exemplos adequados de conduta superior àquele
observado nas definições, o Brasil se mantém nos mesmos patamares e a
Colombia registra diminuição (quase 20%) do número de definições adequadas.

Para essas duas ferramentas o pré-teste mostrou altas porcentagens de respostas


adequadas para as definições, porém desempenhos considerados indequados
quanto a condutas e idades de aparecimento. Esses dados mostram a
insuficiência de uma compreensão verbal, tal como expressa por uma definição,
e a consequente necessidade de uma apropriação conceitual da ferramenta pela
via empírica, qual seja, a ilustração por meio de condutas que assim
complementam a definição inicial. Neste contexto, os resultados alcançados no
pós-teste mostram uma estreita articulação entre a compreensão das condutas,
que constitui a via empírica, e o reconhecimento de idades e definições,
enquanto pólo conceitual.

De qualquer modo, para a análise do impacto do curso-oficina, parece menos


relevante centrar a atenção nos níveis iniciais de compreensão destas
ferramentas, tal como registrados no pré-teste, antes do início do curso-oficina.
Melhor seria, para a análise pretendida, identificar aquelas ferramentas que
alcançaram maior mobilidade e transformação. Tal é o caso da Inferência, cuja
compreensão muda radicalmente. É excepcional e constante o aumento de
respostas adequadas, sejam elas definições ou condutas. Por um lado, isto indica
o elevado grau de consistência das respostas relativas à Inferência e, portanto, da

47
compreensão docente desta ferramenta. Por outro lado, esta mesma consistência
parece fazer da inferência uma porta de entrada para o exercício de articular o
pólo conceitual, com as definições, e a operacionalização através de condutas
particulares, para finalmente chegar ao tema da idade de aparecimento.

A ferramenta da Experimentação mostra uma consistência similar, pelo menos


quanto à articulação entre definição e conduta ilustrativa (apesar de ocupar o
último lugar quanto à idade de aparecimento). Este último dado talvez reflita
uma tendência recorrente entre as educadoras, de confundir "experimentação"
com outros termos menos precisos e mais ambíguos. Por último, a Formulação
de hipóteses ocupa o último lugar nesta hierarquia. A heterogeneidade de
respostas é aqui indício da persistência das concepções implícitas das
educadoras acerca desta ferramenta.

Os dados relativos a Experimentação/ Formulação de Hipósteses/ Inferência,


quando comparados com Planejamento / Classificação, parecem sustentar a
idéia, já colocada na primeira parte, da necessária articulação entre aspectos
conceituais e práticos para a formação docente. Dito de outro modo, a
compreensão de uma ferramenta científica passa pelo exercício prático (e no
questionário, esta prática se expressa nas respostas aos itens condutas
ilustrativas e idade de aparecimento). O panorama geral do pós-teste confirma
esta hipótese. E mais, aponta que a análise e reflexão em torno de referentes
empíricos e da práxis podem constituir caminhos proveitosos para compreender
e rever definições e concepções, fomentando a transformação de práticas
pedagógicas e escolarizadas.

O que podemos concluir sobre os resultados obtidos? Como determinar o


impacto da intervenção? A seguir apresentamos algumas conclusões adiantando
hipóteses que respondam a estas perguntas.

Conclusões

A conclusão mais nítida a se destacar, entre os resultados da intervenção, é a


homogeneidade das mudanças alcançadas. Sem dúvida este é o aspecto mais
importante na avaliação da proposta aqui analisada. No momento do pré-teste,
são surpreendentes as semelhanças entre as concepções pedagógicas das

48
participantes dos três países. É certo que esta homogeneidade não é absoluta,
especificidades se faxendo presentes em cada país. Ainda assim, como vimos
repetidamente, as semelhanças predominam.

O exame da homogeneidade dos dados iniciais, obtidos com o pré-teste, aponta


uma característica singular deste estudo: as dificuldades que expressam as
respostas em cada um dos núcleos:

- Por um lado, as dificuldades reveladas nas respostas são da mesma natureza


nos três países, tanto para as concepções de desenvolvimento quanto para a
noção de ferramentas cognitivas (especialmente Inferência, Experimentação e
Formulação de Hipósteses).

- Outra dificuldade, distribuída homogeneamente, concerne as definições e


ordem de aparecimento das ferramentas. A maior parte das educadoras situa o
aparecimento das ferramentas tardiamente no desenvolvimento infantil.

- Finalmente é importante insistir numa dificuldade que parece ser própria das
educadoras, para identificar condutas ilustrativas de cada ferramenta, articulando
os núcleos de definição e de conduta infantil.

Se, como acabamos de ver, o pré-teste aponta auma relativa uniformidade da


caracterização das concepções docentes iniciais é complementada, o pós-teste
permite examinar o sentido das transformações alcançadas. Confirma-se assim a
consistência da intervenção realizada em diferentes contextos educacionais da
América Latina. Em especial, os resultados obtidos neste estudo, sobretudo a
uniformidade inicial da perspectiva docente nos três países, parecem sustentar a
proposição de que existe uma cultura escolar convergente, de caráter
homogeneizador, que conforma as concepções docentes (e dos adultos em geral)
relativamente à criança. Esta tendência é inversamente proporcional às
investigações em psicologia, que entendem a criança como sujeito dotado de
competências cognitivas próprias e insuspeitáveis, autônomo em sua busca de
conhecimento. Além disso, cultura escolar e concepções docentes mostram
indícios de uma concepção gradual e linear de desenvolvimento, obstáculo
importante para que as educadoras possam conceber, planejar e realizar suas
tarefas docentes junto às crianças.

Apesar da persistência destas concepções que apresentam uma visão limitada da


criança e seu desenvolvimento, os resultados do pós-teste indicam que é possível
reverter este quadro. Os resultados mostram a viabilidade de uma proposta cuja
estratégia consiste em assegurar subsídios e acompanhamento para o processo

49
de reflexão docente, a partir de uma concepção de criança que resgata a
autonomia cognitiva infantil.

Ainda sobre as respostas relativamente homogêneas obtidas no pós-teste, é


preciso enfatizar alguns pontos. Na primeira parte do questionário, relativa às
concepções de desenvolvimento, intervenção e avaliação, é o tema da avaliação
que mostra maior transformação. Este resultado sobre a avaliação permite
afirmar que a proposta se mostra eficaz quanto a este aspecto particular. Os
dados sobre desenvolvimento, que no pré-teste registraram as pontuações mais
baixas, mostram grandes avanços no pós-teste. É possível então hipotetizar que
os temas da avaliação e intervenção tenham sido instrumentais para promover a
revisão das concepções sobre desenvolvimento.

Os dados relativos à segunda parte do questionário, referente às ferramentas


cognitivas, merecem comentários particulares. Em primeiro lugar, as definições
sobre as ferramentas estão marcadas por uma certa generalidade e caráter
descritivo, que não contribuem para a análise e apropriação mais eficientes
acerca desta noção. A este fato acrescenta-se ainda a dificuldade das professoras
para identificar condutas correspondentes às ferramentas. Em outras palavras, há
uma dificuldade em articular ferramentas e condutas. O questionário não oferece
recursos para analisar essas articulações, ou sua ausência, embora mostre a
importância da intervenção para a elaboração de definições mais adequadas e a
identificação de condutas mais coerentes com o modelo teórico proposto. A
articulação entre ferramenta e conduta se torna mais nítida a propósito das SRPs
(situações de resolução de problemas) propostas pelas educadoras. A análise do
impacto de nossa intervenção requer necessariamente que se considerem as
SRPs. Isto porque, como já se disse várias vezes, o caráter discursivo do
questionário dificulta a consolidação dos resultados, constituindo-se as SRPs em
via complementar de análise das concepções docentes.

A análise comparativa entre os momentos inicial (pré-teste) e final (pós-teste) da


avaliação mostra que, apesar do panorama pessimista descortinado pelo pré-
teste, os resultados do pós-teste apontam para um prognóstico mais alentador. As
transformações observadas, tanto relativamente às concepções quanto às
ferramentas, permitem concluir que foi positivo o impacto resultante da
intervenção junto às educadoras. E necessário, todavia, especificar e detalhar
esta conclusão, o que fazemos a seguir.

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Uma comparação global dos dados obtidos no pré e pós-teste parece confirmar a
propriedade de um olhar sobre o trabalho escolar, que enfatiza a prática
investigativa e o exercício da observação sistemática pela educadora que atua
com a criança. Os resultados indicam que as professoras parecem avançar para
além de uma abordagem generalista e desconectada da experiência direta,
aproximando-se mais de um fazer reflexivo e organizado. Tanto no nível das
concepções quanto das ferramentas, o questionário mostra que a intervenção
provoca, nas educadoras, uma apreciação da criança que tende a ser mais
conseqüente com aquilo que ela, criança, efetivamente pode fazer. E isto permite
que se elabore um modelo "melhor" de criança.

Uma vez confirmadas a consistência dos resultados das concepções assim como
das ferramentas, vale a pena retornar à idéia-mestra que sustenta todo o modelo
da intervenção: é a partir da práxis que as educadoras podem revisar e re-
elaborar suas concepções. Não se trata de defender uma concepção demasiado
empirista, mas apenas reconhecer que as mudanças conceituais precisam ser
ilustradas pela prática, sem o que os processos de transformação se tornariam
muito lentos e onerosos. Não se pode, portanto, sobrevalorizar o conhecimento
que se expressa de modo predominante no plano discursivo. É, sim, necessário
resgatar a práxis como espaço de uma intervenção privilegiada.

Finalizemos com alguns comentários sobre as particularidades entre os três


países. O Brasil registra baixos indícios do impacto da intervenção,
materializados pelas porcentagens alcançadas em alguns aspectos do
questionário, embora esses resultados estejam ligados a alguns fatores
imponderáveis. As características (de formação etc) das professoras, e do setor
educativo brasileiro em geral, tendem a ser muito mais heterogêneas do que nos
demais países. As recentes mudanças nas políticas educacionais podem explicar
esses resultados. Por exemplo, a deflagração de uma greve durante a realização
do curso, que provocou uma importante deserção e a necessidade de abrir uma
segunda turma, em um tempo mais breve, para cumprir os prazos previstos.
Ainda que seja impossível precisar o efeito destes fatores, é provável que, em
sua ausência, os dados brasileiros teriam se assemelhado aos resultados obtidos
nos outros dois países.

Por sua parte, também na Argentina verificou-se a situação de abandono do


curso, sem que seja possível reverte-la. O número reduzido de educadoras (27)
que terminaram o curso poderia talvez explicar os ótimos resultados obtidos no
pós-teste, apontando dessa forma para a necessidade de relativiza-los.

Neste contexto, como já se disse no início deste capítulo, a análise se


fundamenta principalmente a partir dos dados obtidos na Colombia. Por incluir o

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maior número de educadoras participantes (225), e um nível baixíssimo de
abandono, estes resultados apresentam maior confiabilidade.

Para terminar, é necessário reafirmar uma das idéias fundantes de nosso


trabalho. Desde o início temos insistido que é necessário transformar nossa
concepção do universo infantil, abandonando uma concepção externalista da
realidade da criança – isto é, uma concepção que avalia a criança a partir de
critérios que lhe são externos e portanto alheios à sua realidade – para recuperar
e valorizar um olhar que se constitui a partir da própria criança. Este olhar
requer uma postura reflexiva, que busca a compreensão. É claro que este olhar é,
também, um olhar crítico. O que se defende, em síntese, é uma abordagem que
possa promover revisões e re-elaborações da perspectiva docente, visando uma
paulatina reorganização da concepção geral da criança. Este processo de
reconstruções deve ter como focos as temáticas do desenvolvimento infantil e da
intervenção e avaliação pedagógicas, tomando como base um melhor
conhecimento das ferramentas cognitivas com as quais a criança enfrenta o
mundo.

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