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MENINAS NARRANDO SUAS HISTÓRIAS: A CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO DE

MUDANÇA A PARTIR DE NARRATIVAS DE SI

Autora 1 Carolina Giovannetti


E-mail: carolinagiovannetti@hotmail.com
Escola: Monsenhor Artur de Oliveira
Regional: Noroeste
Formação: Professora de história/coordenadora pedagógica

Autora 2 Clea Marcia Loureço Carvalho


E-mail: clea.loureco@edu.pbh.gov.br
Escola: Monsenhor Artur de Oliveira
Regional: Noroeste
Formação: Professora de inglês

RESUMO

O presente projeto interdisciplinar surgiu de inquietações na nossa prática


pedagógica com a perpetuação de ações e condutas misóginas no ambiente
escolar, além de tentar mostrar, para a as alunas envolvidas, formas de romper com
os paradigmas patriarcais da nossa sociedade. A ideia era utilizar dois encontros
semanais para a realização de um projeto interdisciplinar, nas temáticas
diversificadas do currículo, tendo como público-alvo as alunas do 3º ciclo do Ensino
Fundamental. Propomos, como caminho metodológico, a construção de narrativas
de si com as jovens estudantes do 3º ciclo que participam do projeto. Foram
selecionadas, inicialmente, 40 jovens entre 11 e 16 anos. Acreditamos que a
execução desse projeto seja uma contribuição com novas formas e práticas
pedagógicas, que permitam o diálogo, a tolerância e a reflexão no ambiente escolar.

Palavras-chave: Mulheres, Narrativas, Gênero, Currículo

Anais do 1º Congresso de Boas Práticas dos Profissionais da Educação da RME/BH - 2018


ISBN: 978-85-907291-1-2
Introdução

Eu não desejo que as mulheres tenham poder sobre os homens; mas sobre si
mesmas.
Mary Wollstonecraft

A escola é um mundo. Um mundo cheio de universos, no qual fervilham


ações, sentimentos, possibilidades, conhecimentos… A escola além de ser um
microcosmo específico, com suas próprias demandas e características, também
pode perpetuar e manter práticas, ideias e ações da sociedade na qual ela está
inserida, ecoando ações machistas, misóginas e/ou sexistas. Dentro deste contexto,
percebemos que faz-se necessário um amplo debate com os membros da
comunidade escolar, com intuito de romper paradigmas e de promover uma
educação pautada em prerrogativas democráticas, não sexistas e dialógicas.

Quando se pensa no cotidiano escolar e nos agentes que configuram este


cenário, várias ideias se estabelecem a partir deste pensamento e, provavelmente,
surgem as concepções das múltiplas representações sociais e da pluralidade do
ambiente escolar. Práticas segregadoras e não igualitárias estão latentes em sala de
aula e no âmbito escolar, dando a impressão de serem lógicas e aceitáveis, como se
fossem quase inevitáveis, naturais e parte de um instinto inerente a homens e
mulheres. Esse processo de naturalização de práticas desiguais é justamente um
dos mecanismos primordiais das construções sociais mais poderosas.

Para Bourdieu (2002, p. 14), “o sistema de ensino é um dos mecanismos


pelos quais as estruturas sociais são perpetuadas”. É relevante ressaltar que o
sistema de ensino contribui para conservar as estruturas, e que existem outros
sistemas que também cumprem esta função, como por exemplo, o sistema
econômico. A escola, enquanto instituição formadora de cidadãos e cidadãs e
instituição social plural, também não tem se dedicado essencialmente às discussões
não sexistas e de gênero, além de ter práticas incipientes de promoção da
diversidade, da equidade e das discussões das relações de gênero. Portanto, mais
do que a realidade social dos indivíduos, é preciso compreender também os
estigmas étnicos e culturais, tais como a racialidade, o gênero, a orientação sexual e
todos os elementos próprios das diferenças entre as pessoas. Nesse sentido, faz-se

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necessário estabelecer o combate à opressão de grupos sistematicamente
marginalizados e lutar por sua inclusão no meio social e educacional.

A justificativa para pesquisa fundamenta-se, principalmente, sob o ponto de


vista social, já que nota-se recorrentemente as desigualdades entre homens e
mulheres, bem como a pouca quantidade de políticas públicas educacionais que
busquem estratégias de vencer ou reduzir tais desigualdades. Por perceber essa
relevância que se faz necessário estudos que forneçam subsídios para a alteração
deste tipo de prática pedagógica.

Alguns questionamentos emergem a partir dessas ponderações: Por que


separamos as meninas dos meninos nas filas das escolas? Por que as meninas não
participam com os meninos das aulas de Educação Física? E, também trazemos
duas perguntas centrais para este projeto, especificamente: Como as juventudes
produzem saberes acerca da vivência como adolescentes, mulheres e estudantes
do Ensino Fundamental? Como essas adolescentes se constroem como sujeitos a
partir desses saberes?

Nós como professoras do ensino básico e sempre buscando aprimoramento


teórico e didático, começamos a repensar nossas práticas pedagógicas e a buscar
alternativas em um sistema educacional tão discriminatório como o nosso. E, após
muitas discussões sobre o assunto, criamos o “Projeto Meninas Narrando Suas
Histórias”. A proposta foi promover rodas de conversas com as alunas do 3º ciclo do
Ensino Fundamental, com idades entre 12 e 16 anos, durante 2 vezes por semana.
E a partir dessas conversas, as alunas produziriam saberes e textos relativos às
vivências delas no âmbito escolar.

Referencial teórico

Estudar gênero é relacionar diretamente com a realidade vivida, pois é


impossível falar em gênero sem ter um caráter político e social. Por isso, quando
relacionamos gênero e educação, percebemos que a escola pode muitas vezes
perpetuar desigualdades de gêneros, seja pelos diferentes papeis sociais impostos a
meninos e meninas, seja pela manutenção de representações nos materiais
didáticos adotados nas escolas, seja também pelos discursos e falas estereotipadas.

Pesquisas, que estudam, discutem, refletem e problematizam a temática

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“Relações de Gênero” têm mostrado o quanto a discriminação de gênero permeia o
cotidiano escolar, bem como a importância de trabalhá-las nos conteúdos em sala
de aula (LOURO, 1997; MEYER; SOARES, 2008). Gênero é uma categoria para
pensar as relações sociais entre homens e mulheres, relações estas que são
historicamente construídas, propondo que as identidades de homens e mulheres são
construídas socialmente. Portanto, não existe determinação natural dos
comportamentos de homens e de mulheres. Para Scott (1990), gênero é a
percepção hierarquizada das diferenças sexuais. Gênero para Scott é também o
elemento constitutivo de relações sociais baseado na percepção hierarquizada da
diferença sexual, sendo a forma primária de significar as relações de poder e “a
diferença sexual tem sido concebida em termos de dominação e de controle das
mulheres”. (Scott, 1990, p. 26).

O Feminismo é o movimento social que defende igualdade de direitos e status


entre homens e mulheres em todos os campos. O movimento feminista, em suas
diversas vertentes, está presente de maneira organizada pelo menos desde meados
do século XIX. Portanto, como suporte ideológico, o Feminismo torna-se importante
para a idealização e organização de um projeto de pesquisa que pense sobre as
relações desiguais de gênero em sala de aula e no ambiente escolar. O feminismo
produz uma crítica metodológica e teórica aos saberes constituídos em diversas
áreas do conhecimento (PEDRO, 2005). As teorias feministas se caracterizam pela
interdisciplinaridade e pelos esforços pela mudança social. Os estudos sobre as
mulheres estão envolvidos com a justiça social, a concepção de currículos que são
incorporados com a teoria e também com ativismo fora da sala de aula. As
postulações feministas contemporâneas apresentam implícita ou explicitamente, um
sistema geral e amplo de ideias sobre as características básicas da vida social a
partir de uma perspectiva centrada nas experiências das mulheres.

Os movimentos feministas partem do reconhecimento das mulheres como


específica e sistematicamente oprimidas. A partir desses movimentos, o feminismo
tem produzido uma crítica contundente às características androcêntricas do modo de
produção do conhecimento. A grande reivindicação política do Feminismo é a
consideração de que as diferenças não são desigualdades, propondo a equidade de
direitos e o fim do patriarcado (PINTO, 2003). Propõe-se o direito à igualdade entre
homens e mulheres, direitos civis e humanos. O direito à diversidade é algo inerente

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ao movimento feminista, tendo em vista que homens e mulheres são diversos entre
si. Para Tomas Tadeu da Silva, “o feminismo vinha mostrando, com força cada vez
maior, que as linhas do poder da sociedade estão estruturadas não apenas pelo
capitalismo, mas também pelo patriarcado” (SILVA, 2011, p. 91).

Não se trata mais simplesmente de ganhar acesso às instituições e formas de


conhecimento do patriarcado, mas de transformá-las radicalmente para refletir os
interesses e as experiências das mulheres. “O simples acesso pode tornar as
mulheres iguais aos homens – mas num mundo definido pelos homens” (SILVA,
2011, p. 93). O que a análise feminista vai questionar é precisamente essa aparente
neutralidade – em termos de gênero – do mundo social. Dentro deste contexto “a
sociedade está feita de acordo com as características do gênero dominante, isto é, o
masculino” (SILVA, 2011, p. 93).

Ensinar igualdade entre homens e mulheres dentro da sala de aula, respeito a


todos e igualdade de oportunidades faz-se necessário, tendo em vista a grande
quantidade de práticas machistas atreladas dentro e fora dos muros da escola. No
currículo escolar percebe-se a manutenção deste panorama excludente entre
homens e mulheres, no qual o currículo reflete e reproduz os estereótipos da
sociedade mais ampla (SILVA, 2011). Os currículos, para Katia Abud (1997, p. 28),
“constituem o instrumento mais poderoso de intervenção do Estado no ensino, o que
significa sua interferência em última instância, na formação da clientela escolar para
o exercício da cidadania, no sentido que interessa aos grupos dominantes”.
Portanto, “nesse processo, o discurso do poder se pronuncia sobre a educação e
define seu sentido, forma, finalidade e conteúdo e estabelece, sobre cada disciplina,
o controle da informação a ser transmitida e da formação pretendida” (SILVA, 2011,
p. 92).

O Currículo escolar, enquanto normatização oficial, apresenta outras faces,


como, por exemplo, ser o veículo ideal para a disseminação do discurso do poder e
para a difusão da ideologia entendida como um conjunto de representações e
normas que fixam como se deve pensar, agir e sentir, com a finalidade de produzir
uma universalidade imaginária da qual depende a eficácia da ideologia para produzir
um imaginário coletivo, no qual os indivíduos se localizam, identifiquem-se e assim
legitimem involuntariamente a divisão social (CHAUÍ, 1980).

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Objetivos da experiência, metodologia, desenvolvimento

As alunas que participam da atividade, em sua maioria, já participavam de um


projeto, chamado Empodera Teen. Esse projeto era organizado em oficinas
semanais, contratadas para debater temáticas relevantes aos interesses das
meninas e que levantou inúmeros debates sobre empoderamento, machismo,
racismo, entre outros temas relevantes, consistindo em rodas de conversas.

Aproveitando os debates promovidos pelo Empodera Teen, organizamos o


Projeto Meninas Narrando Suas Histórias, no qual a partir de rodas conversas, elas
escreveriam sobre suas histórias de vida, seus anseios, inquietações, preconceitos
que sofrem no ambiente escolar e o que esperam da escola. Foram distribuídos
cadernos para as alunas participantes, que serviriam como diário. A ideia é que elas
pudessem encapar, decorar e dar sua cara ao caderno, sendo ali, um local que elas
pudessem narrar suas histórias. Duas vezes por semana, no mínimo, elas recebem
uma tarefa, escrevem previamente, a partir de temáticas especificas dadas por nós
professoras.

O primeiro passo foi organizar os grupos, formados através de interesse das


adolescentes e envolvimento com projetos anteriores. Os encontros duas vezes ou
três vezes por semana foram realizados para dialogarmos e debatermos os anseios
e inquietações de cada educanda no ambiente escolar, além de lermos suas
narrativas. Os objetivos estavam relacionados à promoção de um ambiente
dialógico, a interação social entre os pares e o incentivo à reflexão dentro da escola.
Durante as conversas, elas contavam suas histórias de vida, relatando as
dificuldades que enfrentaram, principalmente no quis diz respeito a questões de
gênero e raça.

Análise, resultados observados

Após o término de cada oficina, as meninas estavam mais seguras de si,


falando delas próprias e das mulheres de uma forma diferente, menos objetificada.
Elas perceberam, por exemplo, que existem outras referências femininas, para além
daquelas mulheres dentro dos padrões mostrados pela mídia, e que não são
obrigadas a reproduzirem o estereótipo de beleza imposto pela mídia. A troca de

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experiências, os envolvimentos nos temas, as vivências vão amplificar os saberes
das meninas na perspectiva do empoderamento, de forma coletiva. Serão
trabalhadas nas oficinas a formação política das meninas, na perspectiva não só da
promoção da autonomia, mas também na construção da identidade racial, de gênero
e da formação de cidadania.

Considerações finais

Pensamos que não podemos pensar apenas em políticas que combatam a


violência doméstica, o racismo e/ou a desigualdade sexual, mas precisamos
também fomentar a prevenção, o diálogo, o fortalecimento das meninas, para
evitarmos todos os tipos de violência, física ou psicológica, debatendo temáticas
como sexualidade, gravidez na adolescência, sexismo e preconceito racial. Após
esses encontros, as alunas continuarão produzindo textos e narrativas sobre suas
condições na escola, além de construírem um manifesto não sexista na escola.

Referências

ABUD, Katia. Currículos de História e políticas públicas: Os programas de História


do Brasil na Escola Secundária. In: BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes (org.). O
saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997.
BOURDIEU, P. Pierre Bourdieu. LOYOLA, M. A. (entrevistadora). Coleção
Pensamento Contemporâneo. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2002.
CHAUÍ, M. de S. Ideologia e Educação. Educação e Sociedade. São Paulo, n. 5,
1980. p.24-40
LOURO, Guacira Lopes. Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas.
ProPosições, 2008, vol.19, n.2 (56), p.17-23. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/pp/v19n2/a03v19n2.pdf . Acesso em: 26 de agosto de 2017.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-
estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
MEYER, D. E,; SOARES R. F. R; Introdução – Corpo, Gênero e Sexualidade nas
Práticas Escolares: um início de reflexão. In: ______. Corpo, Gênero e
Sexualidade. 2 ed. Porto Alegre: Mediação, 2008.
PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa
histórica: HISTÓRIA, SÃO PAULO, v.24, N.1, P.77-98, 2005. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/his/v24n1/a04v24n1.pdf Acesso em: 28 de março de 2018
PINTO, Celi Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo. Ed

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Fund. Perseu Abramo, 2003.
SCOTT, Joan. Gênero: Uma Categoria Útil para Análise Histórica. Educação e
Realidade, Vol 16, nº 2, pp5-22, julho-dezembro 1990.
SILVA, Tomas Tadeu. Documentos de identidade: Uma introdução às teorias do
currículo. Belo Horizonte: autêntica, 2011.

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