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PROCESSOS

PSICOLÓGICOS
BÁSICOS II
Introduzindo
as emoções
Maria Beatriz Rodrigues

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Explicar a história dos estudos sobre emoções, da filosofia à psicologia.


> Definir emoção e os seus principais componentes.
> Analisar o papel das emoções na constituição do sujeito.

Introdução
A história das emoções é longa: remonta à Grécia Antiga, com os estudos de
Aristóteles, entre outros. Porém, a história filosófica que embasa os estudos das
emoções na psicologia começou com Descartes, cientista e filósofo, fundador da
ciência moderna. Nas suas elaborações sobre a mente e o corpo, as emoções figu-
ram como importantes elementos conectivos entre eles e como reações integradas
frente a eventos e pessoas. Descartes influenciou muitos estudos posteriores,
até os dias atuais, que também ressaltam a contextualização cultural e social.
A psicologia, junto com a neurociência e outras ciências que se ocupam do
desvendamento das emoções, tenta explicar as origens e o processamento
destas, reconhecendo-as como fenômenos complexos e multidimensionais.
As discussões sobre mente e corpo evoluíram muito desde Descartes, mas
as dimensões biológicas e cognitivas, além das subjetivas e de propósitos,
continuam sendo relevantes para o estudo das emoções.
Neste capítulo, vamos percorrer alguns períodos da história das emoções,
da filosofia à psicologia, com o envolvimento de conhecimentos oriundos de
outras ciências. Vamos nos aventurar na difícil tarefa de definir emoções e
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as inter-relações de suas diferentes dimensões. Além disso, vamos analisar o


desenvolvimento dos humanos, em especial na infância, por meio da evolução
das suas emoções e da internalização dos sentimentos resultantes das relações
com outras pessoas, sobretudo os cuidadores.

A história das emoções


Embora outros filósofos, como Aristóteles (384–322 a.C.), tenham tratado an-
teriormente do tema, a referência filosófica moderna ao estudo das emoções
é René Descartes (1596–1650). Descartes interessa em especial porque é uma
figura central do racionalismo e da revolução científica ocidental. Portanto,
ele é tanto filósofo quanto um dos primeiros cientistas da história.
A natureza humana é explicada pelo autor por meio do dualismo cartesiano
ou substancial. Segundo essa visão, somos constituídos pelo corpo e pela
mente, que são instâncias integradas e permanentemente em interação.
Porém, elas são investigadas de forma separada. A alma, ou mente, tem
paixões, mas também cognição e vontade. O corpo e os seus movimentos
podem despertar paixões na mente que, por consequência, influenciam ações.
Como seres racionais, podemos controlar paixões, emoções e movimentos
físicos, e essas capacidades nos diferenciam dos animais, definem-nos como
mentes capazes e propiciam-nos bem-estar (ALVES, 2019).
Para Descartes, o corpo é físico, um mecanismo divisível, visível, mensurá-
vel e perecível. Serve para a locomoção, a circulação sanguínea e a respiração.
As ações involuntárias do corpo, como o funcionamento orgânico, o piscar dos
olhos e a respiração, respondem à distribuição de órgãos, do sangue que chega
aos músculos e do movimento dos espíritos, agitados pelo calor do coração.
Diferentemente de Aristóteles, o autor não aceitava a divisão da alma, como
vegetativa, sensitiva e racional, entre humanos e não humanos (ALVES, 2019).
A mente, segundo Descartes, é imaterial. Alguns movimentos independem
da alma, assim como o corpo mecânico pode locomover-se sem a interferência
da mente. Ele não acreditava, então, que a alma movesse e desse calor ao
corpo. Assim, a morte significaria a inexistência de movimentos devido à
falência do corpo, não ao abandono da alma, que só ocorreria após a morte
do corpo. A diferença entre vida e morte envolveria ausência ou presença de
calor devido à falência dos órgãos, ainda que o corpo morto não tivesse mais
uma alma. O cadáver seria um mecanismo quebrado (ALVES, 2019).
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Um ser vivo tem um corpo e uma mente, que possibilitam ações físicas,
liberdade, vontade, etc. Isso não se dá pela presença de partes da alma, mas
pela presença de uma alma inteira. A mente é para pensar, duvidar (cogito
ergo sum), negar, afirmar, planejar, sentir, criar, enfim, todos os modos de
cognição. Ela não ocupa um lugar no espaço e não segue as leis físicas: é
indivisível, imortal e incorruptível. Os pensamentos são atos de consciência e
se dividem em ações e paixões. As paixões são divididas em duas categorias:

1. as que têm a mente como origem, provenientes de ideias e fantasias;


2. as que têm origem no corpo, podendo ser resultados de fantasias ou
dos nervos.

As primeiras são percepções de vontade e associadas à ação, enquanto as


segundas podem ser oriundas do cérebro, de sonhos e da imaginação, bem
como de percepções de objetos fora do corpo e apetites (frio, fome, sede,
etc.). Ainda, pode ser as emoções propriamente ditas, apenas mentais, como
sentimentos vários, ódio, amor, alegria, etc. (ALVES, 2019).

As emoções revelam as conexões entre o corpo e a mente. Diver-


samente das outras paixões, as emoções são sentidas somente
pela alma. A emoção não pode ser confundida com o objeto que a provoca,
como, por exemplo, um animal do qual temos medo. A emoção é o medo, que
se distancia das características externas do animal e das sensações que temos
na sua presença, como cheiro, aparência, tamanho, etc. Emoção é sentimento.

Em uma abordagem mais recente, Otoya (2020), amparada no trabalho


de Sterns e Sterns, desenvolvido na década de 1980, discutiu a história das
emoções e dos sentimentos. O trabalho dos autores norte-americanos pro-
piciou a abertura de um novo campo de estudos historiográficos e culturais,
uma vez que revelou a importância dos padrões emocionais coletivos de
cada sociedade, as suas formas de expressão e o suporte ou impedimento
institucional a elas. Esse campo recebeu um nome metafórico de emocio-
nologia (emotionology). Então, estudos sobre as emoções começaram a ser
desenvolvidos em várias frentes (filosofia, neurociências, antropologia e
história, principalmente) e conceitos como estilo, regime, sofrimento, refú-
gio, comunidades emocionais, emotivo e gestão e navegação das emoções
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começaram a ser propostos. De fato, a primeira década do presente século


marcou a crescente atenção ao tema e o seu enriquecimento teórico.
A convergência com outras correntes teóricas que estudam a história
dos corpos, das dores, dos padecimentos subjetivos diversos, das sanções
aos desvios em prisões e instituições totais, da tortura e das emoções das
multidões revela linhas de pesquisas que se interseccionam, enriquecendo
o campo de estudos das emoções e da sua história, nas diferentes culturas
e em situações específicas. A França, por exemplo, foi um país que produziu
muito conhecimento sobre as sensibilidades, o amor, o sofrimento, os medos,
etc., inspirando trabalhos latino-americanos. Estes, por sua vez, propuseram
intersecções com temas como família e vida cotidiana, saúde, justiça e me-
mória, vivências políticas e ideológicas. Como pode ser entendido a partir
dessas integrações entre temas, as emoções são centrais para inúmeras
discussões e podem ser vistas tanto do ponto de vista coletivo quanto do
ponto de vista individual (OTOYA, 2020).
A história de um tema e as suas interconexões com outros conhecimentos
são fundamentais para defini-lo. Porém, é difícil entender a história sem
saber, em detalhes, do que exatamente estamos falando e como evoluíram
os estudos das emoções. Assim, na próxima seção, conceituaremos e discu-
tiremos as funções das emoções na vida humana.

O que são emoções?


Como visto na seção anterior, os estudos sobre emoções começaram marcados
por conceitos como alma, paixões, mente, corpo, todos importantes, mas
difíceis de serem compreendidos separadamente e impossíveis de serem
integrados. As teorias evoluíram aos dias de hoje e autores passaram a ter
uma visão bem mais pragmática do que a anterior filosófica, apesar de ainda
continuar difícil conceituar emoções.
Feldman (2015), por exemplo, define emoções como sentimentos que mo-
bilizam elementos fisiológicos e cognitivos e influenciam o comportamento.
De forma semelhante, Gazzaniga, Heatherton e Halpern (2018) afirmar que as
emoções expressam algo significativo ou relevante para as pessoas, envol-
vem alterações fisiológicas e dos processos mentais, da mesma forma como
mobilizam recursos cognitivos preexistentes, como atenção e percepção. A
fisiologia de um organismo se altera visando à aproximação, ao confronto
ou ao afastamento de algo que mobilizou a emoção. Dessa forma, influencia
decisões e ações.
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As emoções são sinalizadoras de que algo está acontecendo, tanto interna


como externamente ao sujeito, pois, pelas reações, podemos perceber tam-
bém as emoções de outras pessoas. Assim, elas mediam os relacionamentos
interpessoais. Reeve (2006) complementa que as emoções são respostas a
eventos situacionais e importantes, que geram sentimentos, ativam o corpo
para a ação e motivam, e são expressas publicamente, para quem estiver
presente. Vemos, portanto, que o termo emoção é controverso, impreciso
e ligado a muitos conceitos correlatos, como afetos, sentimentos, desejos,
motivações, etc. (GUDWIN, 2019).
Associamos automaticamente as emoções aos sentimentos que elas pro-
duzem, como alegria, raiva ou tristeza, mas as emoções são multifacetadas,
são fenômenos complexos. De fato, têm quatro dimensões:

1. subjetiva;
2. biológica;
3. proposital;
4. social.

São subjetivas porque geram sentimentos, que dependem dos indivíduos


e das suas vivências. São reações biológicas que mobilizam o nosso corpo e
a nossa energia para a adaptação e reações diversas. Elas têm um propósito,
pois são motivadas na direção de alguma ação. Por exemplo, a raiva pode
nos levar a combater pessoas ou eventos violentos ou injustos. As emoções
são essencialmente sociais, pois o comportamento decorrente faz com que
sejamos entendidos ou entendamos os sentimentos e propósitos dos atos ou
expressões. Os nossos gestos, faces, vozes e posturas revelam ou insinuam
as nossas emoções.
O reconhecimento da sua complexidade e da sua multidimensionalidade, no
entanto, não facilita a sua definição. Para que possamos entendê-las, temos
que considerar as quatro dimensões de forma integrada, não separadamente.
Cada dimensão enfatiza um aspecto diferente das emoções, como pode ser
visto na Figura 1 (REEVE, 2006).
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Sentimentos Excitação
Experiência
corporal
subjetivas Ativação fisiológica
Consciência Preparação do
fenomenológica corpo para a ação
Cognição Respostas motoras

Sentido de
propósito Social-expressivo
Estado motivacional Comunicação social
direcionado para Expressão facial
a meta
Expressão vocal
Aspecto
funcional

Figura 1. Os quatro componentes da emoção.


Fonte: Adaptada de Reeve (2006).

Emoção é mais do que a simples soma dos quatro componentes: é o cons-


truto psicológico que os une e coordena, como mostra a Figura 1. A emoção
organiza sentimentos, ativação, propósito e expressão, em ações coerentes
aos eventos que os desencadeiam. A Figura 1 também mostra que eles são
inter-relacionados. Por exemplo, se levo um susto, o meu corpo sua e o meu
coração palpita, que são reações corporais ao evento. Ainda, posso chorar,
por ter sentido fortemente a emoção, que são sentimentos, assim como
posso fechar os olhos fortemente, uma reação socioexpressiva. Também
posso simplesmente sair correndo, com o propósito de fugir da situação.
As combinações entre as dimensões podem ser inúmeras, com a presença
ou não de todas, a depender da intensidade e do tipo da emoção. A reação
emocional a um cheiro desagradável, por exemplo, será uma careta. Talvez
não seja tão forte a ponto de me fazer fugir (propósito) ou vomitar (ativação).
“Emoção é a palavra usada pelos psicólogos para dar nome a esse processo
coordenado e sincronizado” (REEVE, 2006, p. 191).
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As emoções também são vividas por animais, principalmente quando


envolvem defesa e sobrevivência. Os comportamentos decorrentes do medo,
por exemplo, servem, inclusive, para o alerta e a proteção do grupo. Estímulos,
reações e cheiros são sinalizadores das emoções entre os animais e definem
as ações decorrentes.
Charles Darwin (1809–1882), com a sua teoria da evolução, já havia notado
a importância das expressões emocionais no comportamento animal para a
preservação. Estudos posteriores, como os do psicólogo Paul Ekman (1934–),
sobre emoções e expressões faciais partem das conclusões de Darwin e che-
gam a seis emoções universais, por serem manifestadas de forma semelhante
em qualquer lugar do mundo. São elas:

1. surpresa;
2. felicidade;
3. tristeza;
4. raiva;
5. medo;
6. repugnância/nojo.

Os seus estudos são sobre o comportamento não verbal e são denomi-


nados cross-cultural, exatamente porque podem ser observados em todas
as culturas, inclusive as mais isoladas, como a de Papua Nova Guiné, onde
ele realizou as suas pesquisas. A descoberta de microexpressões faciais
facilita a identificação de fortes emoções que as pessoas querem esconder
ou disfarçar, como podemos ver na famosa série de TV Lie to me, que utilizou
os princípios das teorias de Ekman.
Em um trabalho conjunto com o Dalai Lama (1935–), Ekman desenvolveu o
Atlas das Emoções (EKMAN, 2016), representado na Figura 2, que seria o mapa
das emoções a serem desenvolvidas em busca de paz mental. O projeto, que se
dissocia do aspecto religioso, apesar de considerar importante a paz espiritual,
foi amplo e longo, envolvendo uma consulta por meio de questionário a 149
cientistas especialistas e líderes de publicações no tema, que responderam
sobre a natureza das emoções, dos humores e das suas consequências.
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Figura 2. Atlas de emoções.


Fonte: Ekman (2016, documento on-line).

O trabalho do cientista recebeu algumas críticas sobre critérios de


levantamento de dados, mas Paul Ekman e a sua filha, Eve Ekman,
coordenadores do projeto, justificaram que essa fase é uma tentativa de con-
senso e mapeamento, mais do que um projeto unicamente com fins científicos,
apesar de os autores terem sido criteriosos na coleta e na análise dos dados
(EKMAN, 2016).

Embora saibamos o que são emoções, elas são múltiplas, diversas e de


difícil definição. Experimentamos os sentimentos, os diferenciamos de outros
já vividos, detectamos mudanças e reações físicas a eles, bem como temos
a consciência cognitiva do que nos causam. Podemos, também, experimen-
tar a emoção sem a compreensão cognitiva, e essas possibilidades geram
polêmicas entre autores a respeito do que predomina nesse processo, se
emoção ou cognição. Algumas teorias defendem que primeiramente ocorre a
reação emocional e somente depois tentamos entendê-la. Outras acreditam
que primeiramente há o desenvolvimento da compreensão e apenas depois
a reação emocional (FELDMAN, 2015).
Ambas as posições continuam importantes nas pesquisas e nos debates
na psicologia. Talvez a resposta esteja entre as proposições, ou seja, em algu-
mas situações predominaria a resposta emocional e, em outras, a cognitiva.
Ambas as concepções reconhecem que podemos experimentar emoções
sem pensamentos conscientes, como, por exemplo, ter um medo irracional
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por algum animal mesmo sabendo que ele não representa real risco à nossa
integridade física (FELDMAN, 2015).
Após entender o que são as emoções no debate da psicologia e verificar
que podem ser relacionadas a sentimentos positivos e negativos, precisa-
mos nos perguntar para que elas servem. Os estudiosos das emoções não
as relacionam aos sentimentos resultantes fazendo juízos de valor do tipo
negativo ou positivo. De forma geral, consideram que as emoções sejam res-
postas construtivas e essenciais para a manutenção da vida. Mesmo as mais
terrificantes, como ânsia, agitação e ódio, têm o seu papel na sobrevivência
e na dinâmica humana. Entre as funções mais importantes, segundo Feldman
(2015, p. 314), estão as elencadas no Quadro 1.

Quadro 1. Principais funções das emoções

Função Justificativa

Preparo para a ação Pois coligam eventos e respostas. Se viesse um animal


feroz na nossa direção, teríamos a reação emocional
de medo, com a excitação fisiológica decorrente, e o
disparo da resposta de corrermos e nos defendermos.

Aprendizagem de Pois as emoções nos ensinam como agir perante


comportamentos situações já vividas. Por exemplo, uma reação
futuros emocional desagradável me ajudará a enfrentar outra
semelhante no futuro ou, se possível, a evitá-la.

Interações com os Pois as nossas emoções são comunicadas por meio


outros dos nossos comportamentos verbais e não verbais,
tornando-os mais compreensíveis às outras pessoas. A
partir das reações de outros, também podemos evitar
ou controlar as nossas emoções.

Fonte: Adaptado de Feldman (2015).

De forma semelhante, Reeve (2006) interpreta as funções das emoções


como sendo de enfrentamento (coping) e de suporte aos relacionamentos
sociais (Quadro 2). Tanto a forma de expressar ou sentir as emoções quanto a
forma de controlá-las ou contorná-las também dependem de características
culturais, além da biologia e da cognição.
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Quadro 2. Visão funcional do comportamento emocional

Emoção Estímulo Comportamento Função

Medo Ameaça Correr, fugir Proteção

Raiva Obstáculo Morder, bater Destruição

Alegria Companheiro potencial Cortejar, acasalar Reprodução

Tristeza Perda de pessoa Chorar por ajuda Reunião


valorizada

Aceitação Membro do grupo Limpar, Afiliação


compartilhar

Repugnância Objeto horrendo Vomitar, repelir Rejeição

Antecipação Novo território Examinar, mapear Exploração

Surpresa Objeto novo súbito Parar, alertar Orientação

Fonte: Adaptado de Reeve (2006).

O autor exemplifica a importância das influências culturais contrastando


as estratégias de enfrentamento do Oriente com as do Ocidente. Geralmente
o primeiro lança mão de meditação como forma de transformar emoções
negativas em positivas. O segundo, por outro lado, tende a medicalizar as
emoções, utilizando remédios para ansiedade, depressão, pânico, agitação,
entre outros. As abordagens atuais tendem a focar em aspectos culturais e
de mudanças sociais para analisar a transformação das emoções e o que é
esperado das pessoas. Hoje, fala-se muito em inteligência emocional ou em
soft skills, conceitos de Daniel Goleman (1946–), cada vez mais requeridas no
mercado de trabalho e na vida profissional.
Smith (2017) compara o conhecimento e o controle das emoções a
commodities, dando, como exemplo, a sua utilização pelos algoritmos para o
convencimento político e comercial, entre outros. De fato, conhecer ou permitir
o conhecimento das nossas emoções pode resultar em controle da situação
ou em manipulação. Se tenho inteligência emocional, tenho mais controle de
minhas emoções e não sucumbo à primeira tentação de compra ou de escolha.
Autores mais contemporâneos, como Smith, tendem a considerar superada a
proposta teórica de Ekman e entendem as emoções para além de respostas
fisiológicas. Além disso, a concepção de universalidade a partir da genética,
cross-cultural, tem sido debatida e ampliada.
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O debate sobre as emoções, as suas naturezas, influências e prevalên-


cias sobre as ações humanas continua muito acalorado e envolvendo
diversas ciências. A historiadora Tiffany Watt Smith (2017), por exemplo, tem
uma leitura complexa e contextual das transformações das emoções ao longo
da história. Compreender o que são as emoções não é simples e envolve mais
interrogações do que respostas reflexas. É um fenômeno cognitivo, físico e motor,
com intersecções culturais, políticas e econômicas. É muito relacionado com o
uso e a significação da linguagem e do corpo. A autora publicou um livro sobre
as suas teorias que se chama O livro das emoções humanas, ainda não publicado
em língua portuguesa. Porém, há alguns interessantes vídeos disponíveis na
internet sobre as suas palestras.

Os estudos e a consequente maior compreensão da emoção avançaram


muito desde as primeiras explicações filosóficas. Autores de diferentes cor-
rentes teóricas são unânimes em afirmar que se trata de um conceito difícil
de definir pela sua complexidade e pelo envolvimento de tantas dimensões
nas suas manifestações. Alguns autores ainda a tratam sob o viés biológico e
evolucionista, enquanto outros enfatizam o seu aspecto contextual. Outros,
ainda, tentam compreender a integração entre todos os fatores: biológico,
social, subjetivo e proposital.
Na próxima seção, parte desse debate será retomado, pois trata da in-
fluência das emoções na constituição do sujeito. Dessa forma, o aspecto
relacional é enfatizado. A emoção é biológica, mas também é histórica, parte
da constituição mental, motora e relacional dos sujeitos. As emoções se dão
a partir dos relacionamentos humanos, assim como o sujeito se forma a
partir dos seus laços e aprendizagens afetivas, que, por sua vez, influenciam
o desenvolvimento motor e intelectual.

As emoções na constituição do sujeito


A emoção, esse conceito multidimensional, que envolve sujeito, biologia,
contexto social e propósito, tem uma importância essencial no desenvolvi-
mento humano. A consciência surge a partir de um diálogo constante entre
os indivíduos e os outros. Assim, ela se dá por meio dos outros, nunca de
forma isolada, individual. Desde muito cedo, a consciência de si deriva das
relações com as outras pessoas. Portanto, para entender a constituição do
sujeito, é necessário descobrir como as suas relações, das mais precoces às
atuais, foram construindo a sua história de vida.
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A teoria da emoção de Wallon, referido por Alexandroff (2012), trouxe um


equilíbrio às polêmicas sobre a emoção, vista ora como elemento desagrega-
dor, ora como ativador das ações dos sujeitos. A referida teoria não assumiu
nenhuma das posições extremas; pelo contrário, valorizou o caráter contradi-
tório das emoções como sendo fundamental para organizar o comportamento
dos sujeitos. A emoção, portanto, é parte integrante do funcionamento mental,
do desenvolvimento motor e social, além de ter uma contribuição importante
para a sobrevivência e para as relações interpessoais, desde as mais básicas
(ALEXANDROFF, 2012).
O sujeito, inclusive na infância, precisa ser compreendido como um ser
integral, formado por aspectos afetivos, cognitivos e biológicos, todos eles
influenciados pelo social. A emoção se dá nas relações do sujeito com o meio.
De um lado, a motricidade emocional auxilia no conhecimento, na adaptação
e nas reações às situações externas e sociais. Por outro, a sensibilidade
emocional permite entender e representar internamente o mundo físico,
utilizando as informações à medida da necessidade dos sujeitos e dos grupos.
Dessa forma, a emoção contorna o real e os fatores externos a desencadeiam
(ALEXANDROFF, 2012).
A emoção é confundida com a afetividade, pois elas se desenvolvem in-
tegradas e em paralelo. Como o ser humano é dependente de cuidados e
proteção durante um período mais longo do que outros animais, a relação com
o cuidador é estabelecida por meio de linguagem afetiva. Quem doa à criança
a consciência de si e a dimensão do meio e do outro é o cuidador, por meio do
laço que estabelece com o bebê. Inicialmente, essa é uma relação instintiva,
emocional. Porém, após o desenvolvimento da linguagem, da consciência e
da cognição, o afeto se descola do corpo, podendo ser expresso de outras
formas. Para entender essas passagens, existem etapas e superações, desde
quando o bebê está submetido às impressões e reações orgânicas e, por sua
dependência, fundido ao cuidador até as suas crescentes independência e
autonomia afetiva e motora. Na fase inicial de vida, as emoções dominam,
pois não há linguagem ou conhecimento suficiente do mundo.
Com o crescimento, adquirindo capacidade para caminhar e falar, a criança
se torna mais livre para fazer coisas que deseja. Porém, ainda está submetida
aos adultos. A exploração e a descoberta do mundo são as suas prioridades e
permitem incrementar o desenvolvimento cognitivo. À medida que a criança
se torna mais autônoma dos cuidados básicos, ela se prepara para ir para a
escola, que é um passo importante na direção da individuação. Os grupos
com os quais convive se ampliam e isso consolida a ideia de que é uma
pessoa independente de outras, estando mais pronta a socializar, cooperar,
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disputar e experimentar jogos coletivos. A fase escolar estimula a vontade de


conhecer e aprender para a continuidade do desenvolvimento, mas podem
acontecer problemas nessa relação, entre a criança e a escola. Geralmente,
esses problemas estão relacionados a alguma condição das vivências infantis
e podem ocasionar outros subsequentes se não forem compreendidos e
atendidos (ALEXANDROFF, 2012).
A afetividade é mais abrangente do que a emoção e pode ser demonstrada
de diversas formas, tanto antes quanto após a aquisição da linguagem. A
emoção seria uma forma de demonstrar afeto em um período precoce da
vida e, por isso, é considerada a fase mais arcaica do desenvolvimento. O
bebê é pura emoção, e a afetividade e a inteligência estão fundidas, com
predominância da primeira sobre a segunda. À medida que a criança cresce,
elas continuam se influenciando mutuamente; quando a criança se torna
mais racional, a afetividade dará mais espaço ao cognitivo, ou o contrário, a
depender das situações e necessidades. A emoção é essencial no início da
vida para a consciência de si e do outro e para as transformações físicas e
cognitivas. A emoção é visível nas expressões faciais, mímicas, gestos e vai se
transformando ao longo da vida. É a chamada atividade proprioplástica, que
vai modelando o corpo, expressando emoções e expandindo a consciência
(ALEXANDROFF, 2012).
As emoções causam reações neurovegetativas, como aceleração cardíaca,
mudanças respiratórias, suor, etc., e expressivas, como posturas, gestos,
mímicas e expressões faciais. Uma particularidade das reações expressivas
é que são contagiosas e passíveis de imitação. As pessoas se influenciam e,
com a convivência, até passam a se parecer, com um certo apagamento das
individualidades. Quanto mais cedo na vida, mais perceptível é esse contágio,
pois o bebê está em fusão com o outro. Mas ele também pode ser percebido
em rituais, comícios e outros eventos em que os gestos se assemelham.
Dessa forma, orientadores, professores e cuidadores diversos precisam ser
conscientizados da importante influência das suas atitudes nas crianças.
As emoções mudam o tônus muscular, como por meio do riso, por exemplo,
ou de diferentes posturas, mais tensas ou relaxadas. A postura e o gestual
dizem muito sobre as emoções de uma pessoa: hesitações ou firmeza, destreza
ou confusão, hipotonia ou tensão, cólera ou calma, medo e tranquilidade,
etc. Essas emoções e consequências podem se alternar e transformar, pela
possibilidade ou não de descarga física ou atenuação da situação causadora.
O medo é um exemplo. Ele se apresenta muito cedo na vida, principalmente
relacionado à falta de controle do corpo, ao desamparo, e, se persistente, pode
causar até desfalecimento relacionado à defesa de manter tônus excessivo.
14 Introduzindo as emoções

Do ponto de vista emocional, pode causar pânico, terror e reações fortes


pela impossibilidade de manter o equilíbrio necessário. Isso pode acontecer
em uma situação prosaica como o banho, e as primeiras reações dos bebês
à água demonstram essa possibilidade.
Essas reações das emoções também se aplicam a situações mais tranquilas,
cotidianas, como jogos de interação com outras crianças e adultos. O tônus
muscular aumenta frente à imprevisibilidade e à expectativa do jogo, mas
de uma forma controlável e gradativamente descarregada. Assim, não se
transforma em pânico ou cólera.

A emoção é arcaica, ou seja, involuntária e incontrolada, mas vai


mudando com o desenvolvimento humano. Ela pode ser controlada
voluntariamente, mas manterá sempre a sua característica de erupção involun-
tária. Sempre que isso acontecer, fará oposição à razão, ao intelecto. A cognição
pode representar a emoção e, dessa forma, controlá-la, mas essa relação tem
limites. É um eterno equilíbrio e uma luta de forças. A emoção diminui, mas não
desaparece, pois é parte integrante das ações.

As emoções somos nós. Elas nos definem como sujeitos, marcam as nossas
vidas e tornam possíveis os relacionamentos com os outros. O ser humano não
é somente biológico, assim como não é somente psicológico: é uma integração
de todas essas dimensões. O estudo das emoções aproxima a psicologia
da complexidade humana e permite o auxílio a indivíduos nas suas marcas
mais profundas. São muitas as abordagens desses estudos, com diferenças
de concepção relevantes, mas que, juntas, reúnem elementos para decifrar
esse conceito tão complexo e multifacetado.

Referências
ALEXANDROFF, M. C. O papel das emoções na constituição do sujeito. Construção
Psicopedagógica, v. 20, n. 20, p. 35-56, 2012.
ALVES, M. A. (org.). Cognição, emoções e ação. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2019.
(CLE Collection, v. 84).
EKMAN, P. Atlas of emotions in the New York Times. Paul Ekman Group, 6 May 2016.
Disponível em: https://www.paulekman.com/blog/atlas-of-emotions/. Acesso em: 24
fev. 2022.
FELDMAN, R. S. Introdução à psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015.
Introduzindo as emoções 15

GAZZANIGA, M.; HEATHERTON, T.; HALPERN, D. Ciência psicológica. 5. ed. Porto Alegre:
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GUDWIN, R. R. Motivação e emoções em criaturas naturais e artificiais. In: ALVES, M. A.
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OTOYA, M. G. Historia de las emociones y los sentimientos: aprendizajes y preguntas
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Acesso em: 25 mar. 2022.

Leituras recomendadas
COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto
Alegre: Artmed, 2011.
SMITH, T. W. The book of human emotions. London: Profile Books, 2015.

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