Brincadeiras e Jogos No Ensino Do Indivi

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Revista Cientíica Educare - V.1 n.

3 - 2008

BRINCADEIRAS E JOGOS NO ENSINO DO INDIVÍDUO COM


DEFICIÊNCIA MENTAL

Nancy Capretz Batista da Silva*5


Antonia S. Silveira e Oliveira**
Roberta Moreno Sás*

Resumo: O texto tece relexões e faz uma breve revisão da literatura acerca da
importância do uso de brincadeiras e jogos como ferramentas instrucionais e
pedagógicas, especialmente para o indivíduo com necessidades educacionais
especiais. Busca-se enfatizar que eles divertem enquanto motivam, facilitam o
aprendizado e exercitam as funções mentais e intelectuais do indivíduo. Além de
relatar-se a participação da atividade lúdica no desenvolvimento global da criança,
são discutidos o papel do mediador, sua relação com a educação e inalmente, com
a educação especial.

Palavras-chave: Ensino. Brincadeiras. Jogos. O Indivíduo com necessidade


Educacional Especial e Ferramentas Pedagógicas.

1. INTRODUÇÃO

De uma forma geral, os jogos e as brincadeiras estão presentes não só na


infância, mas como em outros momentos, podendo ser ferramentas instrucionais
eicientes, pois divertem enquanto motivam, facilitam o aprendizado e exercitam
funções mentais.
Quando motivadores do processo de aprendizagem, eles podem ser
deinidos como jogos educacionais. Todavia, é importante ressaltar a idéia de que
o uso de recursos tecnológicos, dentre eles o jogo educacional, não pode ser feito
sem um conhecimento prévio do mesmo e que esse conhecimento deve sempre
estar atrelado a princípios teórico-metodológicos claros e bem fundamentados. Daí
a importância dos professores dominarem as tecnologias e fazerem uma análise

5* Alunas do Programa de Pós Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos, São
Carlos-SP. ** Professora do Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB e da Universidade Estadual de
Montes Claros – Unimontes.

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cuidadosa e criteriosa dos materiais a serem utilizados, tendo em vista os objetivos


que se quer alcançar (SENA & LIMA, 2007; BORBA, 2006).
Com vistas ao processo de inclusão escolar e aos atendimentos oferecidos
por proissionais em outros contextos, salienta-se neste texto a importância das
brincadeiras e jogos para o desenvolvimento e aprendizagem do indivíduo com
necessidade educacional especial. Consideramos o conhecimento prévio sobre
a importância dos mesmos, assim como sua aplicação com esses indivíduos algo
essencial e ainda alvo de atenções em pesquisas, com intuito de divulgar-se o uso
deste tipo de recurso com seriedade e objetivos claros.
Não pretende-se nesta discussão diferenciar as diversas modalidades
de atividades lúdicas possíveis, ou mesmo deinir brincadeiras e jogos, mas sim
salientar a importância de tais recursos e atenção às metas pretendidas no seu uso.
Desta forma, consideramos qualquer brincadeira/jogo/atividade lúdica planejada,
desenvolvida e avaliada dentro de propósitos pedagógicos, como adequada para
a educação e, mais especiicamente, para o ensino do indivíduo com necessidades
educacionais especiais.

2. DESENVOLVIMENTO DA TEMÁTICA

2.1 A atividade lúdica no desenvolvimento global da criança

A importância do brincar para o desenvolvimento infantil já é bastante


reconhecida. Estudiosos do desenvolvimento humano, como Piaget (1978) e
Vygotsky (1989), relacionam o brincar com o desenvolvimento cognitivo infantil.
Para Piaget, o brincar serve à necessidade da criança de perceber e manipular o
objeto, observando as relações causais entre sua ação e o objeto, consolidar seu
conhecimento e extrair prazer por dominar a situação. Para Vygotsky, a evolução
do brincar é um processo inluenciado pelo meio e pela motivação e consiste em
importante fonte de avanços no desenvolvimento cognitivo (EMMEL, 2004).
O jogo proporciona relações sociais completas, onde a pequena
comunidade age sob o domínio de regras que podem ser oriundas de costumes ou
legisladas pelo próprio grupo, possui um sistema de julgamento próprio inclusive
baseado em jurisprudência (Piaget, 1994). Ainda que seja espaço de conlitos,
embates e contradições, aspectos que enriquecem e se transformam em meios que

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permitem a discussão de valores hegemônicos, a re-signiicação, a re-elaboração e a


incorporação de novos valores, o jogo permite prevalecer atitudes de ajuda mútua,
de divisão de trabalho, de solicitude, de troca de pontos de vista e atenção de uns
para com os outros. O jogo pode ser concebido “como uma unidade propiciadora
de situações interativas, na qual conhecimentos, habilidades, valores e atitudes
devem ser socializados e desenvolvidos, numa perspectiva globalizadora” (SENA
& LIMA, 2007, p. 5).
Entre as concepções sobre o brincar, descritas por Valentim (s/d) destaca-
se as de Fröbel, o primeiro ilósofo a justiicar seu uso para educar crianças pré-
escolares. Fröbel, foi considerado por Blow e Valentim (s/d) psicólogo da infância,
ao introduzir o brincar para educar e desenvolver a criança. Sua Teoria Metafísica
pressupõe que o brinquedo permite o estabelecimento de relações entre os objetos
do mundo cultural e a natureza, uniicados pelo mundo espiritual.
Antunes (2000) elaborou um trabalho baseado nas áreas das inteligências
que podem ser estimuladas através da utilização de um jogo, de natureza material ou
até mesmo verbal. Incluem as dimensões: lingüística, lógico-matemática, espacial,
musical, cinestésico-corporal, naturalista, intrapessoal e interpessoal. Na área de
inteligência lingüística temos como exemplos o jogo da forca, bingo gramatical e
telefone sem io. Na inteligência lógico-matemática o dominó, jogos das tampinhas,
jogo das formas e baralho de contas. Na inteligência espacial temos o jogo da
sucessão, jogo da memória e damas.
Muitos jogos infantis fazem parte do folclore, que Cascudo (1979) deiniu
como a “cultura popular, tornada normativa pela tradição”. Os jogos populares, ao
lado dos acalantos, parlendas, adivinhas e cantigas de roda, estão reunidos sob o
título de “Folclore Infantil”. Os jogos tradicionais, como amarelinha, o esconde-
esconde, a queimada, a cabra-cega, etc., são encontrados, nas diferentes regiões do
mundo: Portugal, Espanha, França, Itália e outros.
Bruner (1986) acredita que o ato de brincar permite ao ser humano
condições ótimas para explorar e desenvolver habilidades mais complexas e aponta
cinco funções fundamentais da brincadeira, que são: 1. redução das conseqüências
relativas aos erros e fracassos, sendo umas atividade que se justiica por si mesma;
2. permissão da exploração, da intervenção e da fantasia; 3. imitação idealizada da
vida; 4. transformação do mundo, segundo os nossos desejos; 5. Diversão.
A despeito das diiculdades de deinição e das controvérsias suscitadas

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pelos diferentes teóricos, sobre o papel da brincadeira na educação da criança


pequena, os quais enfatizam ora a importância dos comportamentos imitados, ora
os aspectos de enriquecimento cognitivo, ora a possibilidade de socialização e
de solução de conlitos emocionais, o brincar constitui-se em fonte instigante de
preocupações cientíicas e, felizmente, ao permear as ações humanas, está presente
em todas as culturas conhecidas. Um exemplo pode ser dado, segundo Medeiros
(1988), em relação à brincadeira da Amarelinha, identiicada em diversas culturas,
cujo traçado semelhante a uma basílica parece representar, através do avanço da
pedrinha rumo “ao céu”, a necessária superação das diiculdades inerentes à vida,
num processo de elevação espiritual.
Mas é necessário considerar que alguns fatores inluenciam o desempenho
da criança no brincar, como o ambiente no qual ela se encontra, suas características
individuais e o vínculo com a pessoa que aplica as atividades. Ademais, os
brinquedos devem ser adequados ao interesse, necessidades e capacidades da etapa
de desenvolvimento em que a criança se encontra, considerando que a época e a
forma como o desenvolvimento se processa podem variar bastante de criança a
criança (EMMEL, 2004).
Sabendo da importância de brincadeiras e jogos para o desenvolvimento
humano, discutiremos o papel desses recursos para a educação, mais especiicamente.
Além disso, o papel do educador/mediador será elucidado.

2.2 O brincar na Educação

Conforme Borba (2006):

“...a escola, como espaço de encontro das crianças e dos


adolescentes com seus pares e adultos e com o mundo que
os cerca, assume o papel fundamental de garantir em seus
espaços o direito de brincar. Além disso, ao situarmos nossas
observações no contexto da contemporaneidade, veremos
que esse papel cresce em importância na medida em que a
infância vem sendo marcada pela diminuição dos espaços
públicos de brincadeira, pela falta de tempo para o lazer, pelo
isolamento, sendo a escola muitas vezes o principal universo

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de construção de sociabilidade” (p. 42).

As orientações e diretrizes oiciais da educação infantil enfatizam a


necessidade de assegurar lexibilidade ao currículo, atribuindo importância às
atividades lúdicas e ao brincar. Mas existe ambigüidade nos documentos norteadores
e constata-se desvalorização e falta de espaço concedido ao brincar nessa etapa
educacional (PINTO & GÓES, 2006).
Kishimoto (1990) aponta que a literatura educativa demonstra a importância
do brinquedo, a partir da educação greco-romana, com Platão e Aristóteles. Essa
valorização prossegue no Renascimento e explode no século XVIII, com a publicação
de Emílio de J. J. Rousseau, cujas concepções acerca da educação de crianças giram
em torno da especiicidade da natureza infantil.
No século XVII, alguns educadores perceberam a importância dos jogos na
transmissão de conteúdos escolásticos de história, de moral e de ilosoia, de forma a
intensiicar o uso de tais instrumentos no cotidiano das instituições escolares. Deve-se
mencionar que, na Idade Média, o jogo era desvalorizado, devido a sua vinculação
com a questão do vício e do jogo a dinheiro, o que o fez ser banido das escolas. Desse
modo, apenas no século seguinte, o jogo entrou no campo da educação e, de lá para
cá, houve o aparecimento de muitas teorias voltadas para a valorização da questão do
brinquedo e da brincadeira na educação e no sistema escolar.
Em 1837, Friedrich Fröebel (1782-1852), ilósofo reconhecido como o
primeiro a formular uma teoria abrangente de educação infantil, com um método
detalhado sobre a sua implementação, criou em Blankenburg, na Alemanha, uma pré-
escola (jardim de infância) onde o brinquedo e a brincadeira eram o cerne do trabalho
pedagógico. No Brasil, o movimento de valorização do brinquedo teve origem,
segundo Kishimoto (1990), nas pioneiras unidades de jardins de infância instaladas
no Rio de Janeiro (1875), São Paulo (1877) e Pará (1884) destinadas a educar crianças
de três a seis anos, por intermédio de brinquedos oriundos da pedagogia fröebeliana.
Dessa forma, nas primeiras décadas do século XX, o brincar ainda era pouco explorado
nas escolas, não havendo, portanto, a ação lúdica na sala de aula.
Um tipo especial de jogo está associado ao nome de Maria Montessori.
Trata-se dos jogos sensoriais. Baseado nos “jogos Educativos” pensados por Fröbel -
jogos que auxiliam a formação do futuro adulto -, Montessori, segundo Leif e Brunelle
(1978), elaborou os “jogos sensoriais” destinados a estimular cada um dos sentidos.

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Para atingir esse objetivo, Montessori necessitou pesquisar uma série de recursos e
projetou diversos materiais didáticos para possibilitar a aplicação do método. Durante
muito tempo confundiu-se “ensinar” com “transmitir” e, nesse contexto, o aluno era
um agente passivo da aprendizagem e o professor um transmissor. A idéia de um
ensino despertado pelo interesse do aluno acabou transformando o sentido do que se
entende por material pedagógico. Seu interesse passou a ser a força que comanda o
processo da aprendizagem, suas experiências e descobertas, o motor de seu progresso
e o professor um gerador de situações estimuladoras e eicazes. É nesse contexto que
o jogo ganha um espaço como ferramenta ideal da aprendizagem, na medida em que
propõe estímulo ao interesse do aluno.
Atualmente, observa Kishimoto (1999), o brincar está presente na escola
ora com um signiicado extremamente diretivo, eliminando a liberdade que faz parte
do processo lúdico, ora de uma forma aleatória, improvisada, sem a preocupação
dos educadores, no sentido de compreender que nesse brincar há necessidade de
objetos, de parcerias e de conteúdos, o que leva a uma atividade descomprometida
do desenvolvimento da criança e, portanto, da sua aprendizagem. Por outro lado, ao
se entender o brincar como um processo facilitador tanto do desenvolvimento infantil
como da construção do conhecimento da criança, a escola deve se preparar para criar
espaços de brincadeira, onde os objetos, os brinquedos, os materiais, as informações
e as regras do brincar devem fazer parte da formação do proissional, de forma a
capacitá-lo na utilização de tal recurso como instrumento de desenvolvimento da
criança. Borba (2006) pergunta-se porque, “à medida que avançam os segmentos
escolares, se reduzem os espaços e tempos do brincar e as crianças vão deixando de
ser crianças para serem alunos” (p. 33) e airma que a brincadeira,

“nas sociedades ocidentais, ainda é considerada irrelevante


ou de pouco valor do ponto de vista da educação formal,
assumindo freqüentemente a signiicação de oposição ao
trabalho, tanto no contexto da escola quanto no cotidiano
familiar. Nesse aspecto, a signiicativa produção teórica
já acumulada airmando a importância da brincadeira
na constituição dos processos de desenvolvimento e de
aprendizagem não foi capaz de modiicar as idéias e práticas
que reduzem o brincar a uma atividade à parte, paralela,

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de menor importância no contexto da formação escolar da


criança” (p. 34).

Vygotsky (1989) foi um dos precursores ao assinalar a importância da


mediação para a aprendizagem e o desenvolvimento mental da criança, enfatizando
que o mesmo comporta dois níveis de desenvolvimento, ou seja, o nível de
desenvolvimento real, o qual é determinado pela solução independente de problemas
e a zona de desenvolvimento proximal, onde a solução do problema é alcançada sob
a ação de um mediador.

“Conceber o jogo com inalidade educacional signiica


colocar o indivíduo em contato com os sentidos que circulam
em sua cultura para que ele possa assimilá-los e viver no
contexto social onde está inserido. Isso não quer dizer que
estará incorporando todas as informações, de maneira passiva;
ao contrário, para que se tenha uma boa aprendizagem, é
importante uma atividade que seja consciente, participativa e
transformadora de realidade interna e externa do indivíduo”
(SENA & LIMA, 2007, p. 6).

Em sua intervenção na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino


Fundamental, Sena e Lima (2007) perceberam “o jogo como um justiicável e rico
recurso de socialização e de desenvolvimento, essencial a uma formação global
e holística das crianças” (p. 13), apesar de ser uma atividade que relete opções
políticas e ilosóicas. Eles concluíram que

“o jogo, no contexto educacional, enquanto elemento e


produto da cultura pode, se respaldado por um ambiente
onde prevaleçam atitudes de respeito mútuo, de cooperação,
de solidariedade e de perseverança, tornar-se um potencial
recurso precursor de socialização e de desenvolvimento da
criança” (p. 15).

Por isso, o educador deve enxergar o potencial de aprendizagem e de

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desenvolvimento implícitos nas situações e atitudes lúdicas que o jogo promove


(Sena & Lima, 2007). Assim, é desejável que o adulto que está presente no
momento da brincadeira assuma a igura de um bom mediador, participando dela
e ajudando as crianças a brincarem, porém, sempre tendo como referencial que
a fantasia que deve ser respeitada é a da criança. É freqüente o adulto assumir
posturas autoritárias ou rígidas como, por exemplo, reprimindo brincadeiras de
ladrão, de revólver, etc., sem entender devidamente que, naquele momento, o
que está em jogo não é o real, mas sim a sua representação através do brinquedo,
ou seja, trata-se apenas de uma das linguagens, entre tantas outras, que a criança
pode utilizar para representar esse real.
Para que uma atividade pedagógica seja lúdica é importante que permita a
fruição, a decisão, a escolha, as descobertas, as perguntas e as soluções por parte das
crianças e dos adolescentes, ou será compreendida apenas como mais um exercício.
“No processo de alfabetização, por exemplo, os trava-
línguas, jogos de rima, lotos com palavras, jogos da memória,
palavras cruzadas, língua do pê e outras línguas que podem
ser inventadas, entre outras atividades, constituem formas
interessantes de aprender brincando ou de brincar aprendendo”
(BORBA, 2006, p. 43).

Então, no planejamento de atividades lúdicas, devemos perguntar: “a


que ins e a quem estão servindo? Como estão sendo apresentadas? Permitem a
escuta das vozes das crianças? Como posso me posicionar junto a elas de modo
que promova uma experiência lúdica? O que se quer é apenas uma animação ou
a intenção é possibilitar uma experiência em que se estabeleçam novas e diversas
relações com os conhecimentos” (BORBA, 2006, p. 43).
Já no contexto de educação do indivíduo com necessidades educacionais
especiais, a importância do entendimento e prática de atividades lúdicas aliadas às
pedagógicas é ressaltada. Vejamos então como se relacionam tais atividades nesse
campo de atuação.

2.3 Brincar na educação do indivíduo com deiciência mental

“A utilização de jogo para o ensino e a aprendizagem de

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crianças com deiciência mental está presente desde as


primeiras tentativas de educá-las... Desde o início, para a
consecução dos objetivos estabelecidos por Itard para a
educação de Victor, a utilização de jogos aparece como um
recurso auxiliar, com a intervenção direta do instrutor e, a
princípio, motivada pelas necessidades básicas” (SILVA,
2004, p. 107).

De acordo com Silva (2004), Itard criou jogos como as pranchas de


reconhecimento de formas, de cores e letras móveis formando o nome de objetos,
buscando estimular em Victor a atenção, a memória e a imitação como requisitos
para a aprendizagem. SILVA (2004) ainda comenta que Séguin, sob inluência de
Itard, estabeleceu um sistema de educação para crianças com deiciência mental cujo
ponto de partida é a educação sensorial para alcançar os níveis mais complexos do
pensar, o que justiica sua preocupação com os materiais empregados na educação
infantil e os brinquedos presentes no cotidiano da criança. Ele elaborou e utilizou
os chamados jogos educativos - jogos de encaixe, de reconhecimento de forma,
seriação de tamanho, classiicação, etc. Decroly, sob a inluência de Itard e Séguin,
foi o responsável pela criação e classiicação de vários jogos e da utilização de
atividades lúdicas para educar crianças com desenvolvimento típico e deicientes
mentais. Mais recentemente, estudos têm destacado o valor da utilização do jogo
como recurso pedagógico e para favorecer o desenvolvimento de crianças deicientes.
Além disso, as propostas curriculares oiciais mais recentes em educação especial
fazem referência à atividade lúdica (Silva, 2004).
Embora o jogo seja uma das principais atividades das crianças, pouco
se sabe sobre a atividade principal no desenvolvimento infantil de crianças com
deiciência mental. O jogo como um dos componentes do currículo da Educação
Infantil tem sido usado como atividades, brinquedos e jogos pós-trabalho, ainda que
seja estratégia de desenvolvimento de criatividade, competência intelectual, força
de estabilidade emocional e afetiva e socialização da criança (VICTOR, 2004).
PINTO E GÓES (2006) airmam que

“...os investimentos na brincadeira de faz-de-conta são


pequenos, em favor dos jogos de regras (de caráter didático ou

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paradidático). Quando há espaço para as crianças envolverem-


se no jogo imaginário, a intervenção da professora se dá no
sentido de fazer com que elas “voltem ao real” ou de introduzir
conceitos escolares na brincadeira” (p. 15).

No caso de crianças com necessidades educacionais especiais o


problema se acentua devido ao descrédito nas atividades imaginativas, como o
brincar, e nas possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem do aluno com
necessidade educacional especial. A mediação social pode modiicar a tendência
da criança com deiciência mental a atuar quase que exclusivamente no ambiente
concreto da brincadeira, desta forma, a educação deve ser direcionada para a
superação desses limites.
Em pesquisa sobre aspectos presentes na brincadeira de faz-de-conta
de quatro crianças com Síndrome de Down, foi encontrado que geralmente,
quando a criança da classe especial participava das brincadeiras de faz-de-conta
promovidas pelas crianças das classes de Educação Infantil, ela representava um
papel de coadjuvante, submetendo-se às ações lúdicas das outras crianças com
desenvolvimento típico, mesmo que essa participação revelasse que a criança com
Síndrome de Down apresentava condições concretas e latentes para as brincadeiras
conjuntas, favorecendo-se ao adquirir um repertório maior de temas e ações lúdicas
para a representação de seus personagens. O papel do professor neste processo é
signiicativo, visto que sua pouca e ineiciente mediação para conduzir o aluno
ao conhecimento por uma via não-verbal, como a brincadeira, e para promover
e favorecer situações de inter-relacionamentos entre essas crianças no ambiente
escolar permite sentimentos e atitudes de exclusão (VICTOR, 2004).
Já em outra pesquisa, sobre o jogo, a medicação pedagógica e a interação
entre a criança com deiciência mental e a criança com desenvolvimento típico,
as interações entre três crianças com Síndrome de Down, com idade entre quatro
e seis anos, e quinze crianças com desenvolvimento típico, com idade entre três
e sete anos, oriundas de um orfanato, foram observadas em uma brinquedoteca.
As análises revelaram que a parceria do educador na brincadeira de faz-de-conta
da criança contribuiu para a construção compartilhada da brincadeira entre as
crianças envolvidas.

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“As intervenções e as mediações pedagógicas foram


fundamentais para a continuidade das brincadeiras e
também para ampliar o conhecimento sobre a realidade
vivida e a realidade conhecida nos livros de histórias e
sobre personagens do fantástico” (VICTOR, 2004, p. 97).

Para isso, contou-se histórias com detalhes, respeitou-se o conhecimento


prévio da criança sobre o acontecimento, realizou-se uma articulação entre o real
e o fantástico, participou-se da brincadeira sem imposição das regras, promoveu-
se um contra-papel, promoveu-se interação entre as crianças, inseriu-se outros
participantes em brincadeiras iniciadas individualmente e solucionou-se com
as crianças problemas que as impediam de continuar a brincar com a temática
especíica (VICTOR, 2004). Tais estratégias evidenciam a necessidade de preparo
do educador para este tipo de intervenção junto ao educando.
Em pesquisa com professoras de educação infantil de escolas especiais
de uma cidade do interior do Estado de São Paulo (SILVA, 2004), veriicou-se
que brinquedos e materiais de parque e os jogos de regras estão entre os materiais
mais disponíveis na escola. Este e os demais materiais mais disponíveis na escola
- materiais para atividades diversas, como tinta e cola, e materiais audiovisuais e
de informática - pertencem ao campo do desenvolvimento motor e da socialização,
das atividades gráicas e pedagógicas. Já os brinquedos em escala infantil (cujo
tamanho é proporcional a estatura das crianças, como boneca-bebê e triciclo) e
os brinquedos em miniaturas (como carrinhos e animais de plástico), além dos
brinquedos de encaixe e construção e dos materiais para fantasia e dramatizações,
são os menos disponíveis na escola, parecendo, com exceção dos brinquedos de
encaixe e construção, que os brinquedos destinados à brincadeira livre são menos
privilegiados quanto à disponibilidade nas escolas especiais.
Ainda neste estudo, foi observado que os materiais para atividades
diversas são mais utilizados ao longo da semana, devido ao seu uso em diversas
atividades pedagógicas. Os brinquedos de encaixe e construção também são
bastante utilizados, já que podem ser destinados à aquisição de conteúdos
e habilidades especíicas, assim como os brinquedos e materiais de parque,
apropriados para o desenvolvimento das habilidades motoras. Os brinquedos em
escala infantil e os brinquedos em miniatura, não são os menos utilizados embora

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sejam os menos disponíveis. Por sua vez, os jogos de regras muitas vezes não
são utilizados, possivelmente pelo alto grau de comprometimento de algumas
crianças, o que impossibilita a utilização de jogos mais elaborados, e pelo fato
de muitos materiais apresentarem defeitos ou falta de peças, inviabilizando seu
uso. Ainda que a utilização dos materiais dependa de fatores como a idade da
criança, o grau de comprometimento causado pela deiciência, o planejamento de
ensino, entre outros, esses dados são representativos porque esses materiais estão
relacionados à educação infantil, de escolas regulares ou especiais.
SILVA (2004) também mostrou em seu estudo que diferentemente do que
parece ocorrer nas escolas infantis regulares, as professoras das escolas especiais
intervinham e incentivavam mais o brincar das crianças nas atividades de parque
ou inseriam mais elementos pedagógicos nessas brincadeiras, como na aquisição
de conteúdos especíicos e na promoção da sociabilidade e de habilidades motoras
das crianças. Encontrou-se pouca variedade de brinquedos, principalmente para
fantasia e dramatizações, derivados de desenho animado, etc., aparecendo com
uma variedade maior e utilização mais freqüente nos estudos que retratam escolas
regulares. Da mesma forma, os jogos de regras, ainda que disponíveis no mesmo
nível ou em níveis superiores são utilizados com crianças deicientes mentais
dependendo de suas capacidades e limitações (SILVA, 2004).
Nesse sentido, PINTO E GÓES (2006) analisaram a relação entre
os modos de mediação por outros (adulto ou parceiro) e o funcionamento
imaginativo no jogo imaginário de crianças atendidas numa instituição especial
para alunos com deiciência mental. Notaram que várias das crianças começavam
brincadeiras solitárias, realizando seqüências imaginativas restritas, com poucas
ações e dependiam da pesquisadora para desdobrar e ampliar os acontecimentos
encenados, fazer ou atender a convites de brincadeira em parceria e ampliar os
diálogos quando a brincadeira estava em andamento. Além disso, devido ao
desenvolvimento bastante comprometido do grupo, as crianças não apresentavam
fácil disposição para imaginar, criar situações iccionais e organizar brincadeiras,
necessitando de mediações para se engajarem em jogos mais elaborados, o que nos
leva a concluir sobre a necessidade de um trabalho educativo que se comprometa a
promover o brincar.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Pode-se perceber a importância dos jogos e brincadeiras infantis para o


desenvolvimento intelectual e social da criança. Desta forma, tais atividades lúdicas
são ferramentas de ensino enquanto também constituem situação de descontração e
desenvolvimento da subjetividade no contexto escolar.
A importância do preparo dos docentes para uso de tais ferramentas no ensino foi
ressaltada, mas destacou-se um aspecto por vezes esquecido que é a necessidade
da criança desenvolver habilidades não propriamente acadêmicas dentro do
espaço escolar. O momento lúdico, muitas vezes deixado em segundo plano pelas
instituições de ensino, podem contribuir signiicativamente para os processos
educacionais,intelectuais e racionais que tais instituições tanto valorizam.
Diante de tal corpo de conhecimento, sugerimos o uso de brincadeiras e jogos no
ensino do indivíduo com necessidades educacionais especiais, não diferentemente
do que tutores e estudiosos desses indivíduos vêm evidenciando como eicaz
ao longo do tempo. Deste modo, a educação especial deve fazer-se valer desses
recursos e promover, também por meio destes, o ensino adequado de sua clientela,
seja em ambientes especializados ou contextos inclusivos.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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33 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB


Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE

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