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PREPARAR O EXAME NACIONAL | CONTEÚDOS DO 11.

º ANO
Luís Rodrigues

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1. O que é a lógica?

A lógica é o estudo da validade dos argumentos.

2. Que tipos de validade existem?

Há, em termos gerais, dois grandes tipos de validade: a validade dedutiva e a validade
não dedutiva.

3. O que as distingue?

A validade dedutiva de um argumento depende exclusivamente da sua forma lógica. A


validade não dedutiva não depende unicamente da forma lógica, mas também do
conteúdo e do contexto da argumentação.

4. A que tipo de argumentos estão associados estes tipos de validade?

A validade dedutiva está associada aos argumentos dedutivos. A validade não dedutiva
está associada aos argumentos não dedutivos, como é o caso dos argumentos indutivos,
por analogia, e de outros que estudámos.

5. O que é um argumento dedutivamente válido?

É um argumento em que a verdade das premissas – suposta, imaginada ou de facto –


implica a verdade da conclusão. Esta é uma consequência lógica daquelas.

6. Em que condições podemos considerar que um argumento não dedutivo é


válido?

Um argumento não dedutivo é válido quando: 1. A verdade das premissas torna mais
provável do que improvável a verdade da conclusão e 2. A verdade das premissas é
relevante para que aceitemos a conclusão.

7. O que são argumentos?

Os argumentos são inferências em que certas proposições denominadas premissas visam


defender, apoiar ou sustentar a verdade de uma outra – a conclusão.

8. Como são constituídos os argumentos?

Os argumentos são constituídos por uma determinada ligação entre proposições.

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9. O que são proposições?

As proposições são ideias ou pensamentos expressos através de frases declarativas


(atribuem, declaram ou constatam) com sentido que podem ser verdadeiras ou falsas,
isto é, que têm valor de verdade.

10. O que distingue os argumentos das proposições?

Apenas as proposições podem ser verdadeiras (ou falsas); apenas os argumentos podem
ser válidos (ou inválidos). Em lógica, é incorreto dizer que um argumento é verdadeiro
ou que uma proposição é válida.

Validade dedutiva e validade não dedutiva

11. Podemos dizer que os argumentos são verdadeiros ou falsos?

Não. Os argumentos são válidos ou inválidos, bons ou maus, fracos ou fortes, mas
nunca verdadeiros ou falsos. Falsas ou verdadeiras podem ser as premissas ou a
conclusão, ou seja, as proposições que constituem o argumento.

12. Em que consiste a validade de um argumento?

A validade de um argumento tem a ver com a relação entre o valor de verdade das
premissas e o valor de verdade da conclusão. Em termos gerais, a validade de um
argumento significa que as premissas sustentam e apoiam logicamente a conclusão.

13. Em termos gerais, de que tipos de validade podemos falar?

Há, em termos gerais, dois tipos de validade: a validade própria dos argumentos
dedutivos e a validade caraterística dos argumentos não dedutivos.

14. O que são argumentos dedutivos?

São argumentos cuja validade depende exclusivamente da sua forma lógica.

15. O que são argumentos não dedutivos?

São argumentos cuja validade não depende unicamente da sua forma lógica.

16. O que carateriza um argumento dedutivamente válido?

Um argumento dedutivamente válido é um argumento com a seguinte caraterística:

Se as premissas forem verdadeiras, então a conclusão também tem de ser verdadeira.

Por outras palavras, se, por exemplo, for verdade que todos os portugueses gostam de
cerveja e se for verdade que Miguel é português, então segue-se necessariamente das
premissas apresentadas que é verdade que Miguel gosta de cerveja.
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Para avaliar a validade de um argumento dedutivo, não importa saber se as premissas ou
a conclusão são de facto verdadeiras. O que importa é saber se, supondo ou imaginando
que as premissas são verdadeiras, a conclusão pode ser considerada uma consequência
necessária das premissas.

17. O que é a validade dedutiva?

É a qualidade de um argumento em que é logicamente impossível as premissas serem


verdadeiras e a conclusão ser falsa.

18. Um argumento pode ser dedutivamente válido tendo premissas e conclusão


falsas?
Sim.
Ex.: Um mês tem 365 dias.
Um ano tem 31 dias
Logo, um mês é maior do que um ano.

19. Um argumento dedutivo pode ser inválido tendo premissas e conclusão


verdadeiras?
Sim.
Ex.: Bocelli é um cantor.
Todos os tenores são cantores.
Logo, Bocelli é italiano.

20. Será que o argumento seguinte dedutivamente válido? Justifique.


Ex.: Todos os portugueses são filósofos.
Trump é português.
Logo, Trump é filósofo.

R. É válido. Apesar de as premissas e a conclusão serem falsas, verificamos que as


premissas implicam a conclusão, ou seja, esta segue-se daquelas. Dadas as premissas, a
conclusão só pode ser esta. Deriva necessariamente das premissas. Se assumirmos que
não há português que não seja filósofo, assumir que Trump é português implica que é
filósofo.

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21. O que é o quadrado da oposição?

Proposições contraditórias: Duas proposições contraditórias não podem ser ambas


verdadeiras nem ambas falsas simultaneamente.
Proposições contrárias: Duas proposições contrárias não podem ser simultaneamente
verdadeiras, mas podem ser ambas falsas.
Proposições subcontrárias: Duas proposições subcontrárias não podem ser
simultaneamente falsas, mas podem ser ambas verdadeiras.
Proposições subalternas: Duas proposições subalternas serão ambas verdadeiras se a
proposição universal for verdadeira e ambas falsas se a proposição particular for falsa.
Contudo, nada podemos concluir da proposição universal falsa ou da particular
verdadeira.
Com o auxílio deste quadrado podemos então concluir que, relativamente às
proposições categóricas:

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Exemplo Negação
Todos os portugueses são Alguns portugueses não são
A – Universal
continentais. continentais.
afirmativa

E – Universal negativa Nenhum português é Alguns portugueses são


continental. continentais.
Alguns portugueses são Nenhum português é continental.
I – Particular
continentais.
afirmativa
Alguns portugueses não são Todos os portugueses são
O – Particular
continentais. continentais.
negativa

22. O que é a lógica proposicional? (Areal)


A lógica proposicional é o ramo da lógica que se ocupa dos argumentos cuja validade
depende exclusivamente do modo como as frases declarativas são modificadas por uma
partícula, como não, ou ligadas entre si por partículas como e, ou, ou… ou, se… então,
se e somente se. As partículas anteriormente referidas são chamadas por conetivas ou
operadores verofuncionais.
São seis as conetivas ou operadores verofuncionais.

Negação: a negação inverte o valor de verdade de uma proposição.


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Conjunção: uma conjunção é verdadeira se e só se ambas as conjuntas são verdadeiras. É
suficiente que uma das proposições conjuntas seja falsa para que a conjunção seja falsa.
Disjunção inclusiva: para que uma disjunção inclusiva seja verdadeira, basta que uma das
suas disjuntas seja verdadeira.

Disjunção exclusiva: a disjunção exclusiva é falsa se e só se as fórmulas que a constituem


têm o mesmo valor de verdade.

Condicional: a condicional só é falsa se e só se o antecedente for verdadeiro e o


consequente falso.

Bicondicional: a bicondicional é verdadeira se e só se as fórmulas que a constituem têm o


mesmo valor de verdade.

23. O que são tabelas de verdade?


O modo como cada operador verofuncional determina o valor de verdade das
proposições em que ocorre é representado numa tabela de verdade, ou seja, num
diagrama que mostra todos os valores de verdade possíveis para uma determinada
fórmula proposicional.
Ao construirmos uma tabela de verdade, para que todas as combinações possíveis
(circunstâncias ou casos) sejam tidas em consideração, importa saber:
Se a fórmula for constituída por uma única proposição simples, teremos duas
combinações possíveis (2¹, isto é, dois valores de verdade – V e F – e uma proposição).
Para as fórmulas constituídas por duas proposições simples, teremos quatro
combinações possíveis (2²).
Quando a fórmula incluir três proposições simples,
teremos oito combinações possíveis (2³).

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E assim sucessivamente (2ⁿ).
O método das tabelas de verdade permite estabelecer se uma dada proposição
complexa é uma tautologia, uma contradição ou uma contingência.

24. O que são tautologias?


São fórmulas cujo resultado final é sempre verdadeiro para quaisquer combinações de
valores de verdade possíveis. O princípio de identidade, o princípio de não contradição,
e o princípio do terceiro excluído são tautologias.

25. O que são contradições?


São fórmulas cujo resultado é sempre falso para todas as combinações de valores de
verdade possíveis.

26. O que são contingências?


São fórmulas em cujo resultado final há uma combinação de valores de V e
simultaneamente F.

27. O que são formas de inferência válida? (Cf. Quadro)


Um raciocínio é válido quando é impossível que as premissas sejam verdadeiras e a
conclusão falsa.

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28. Em que consiste a falácia da afirmação do consequente?
Se A, então B. B. Logo, A.
Consiste na utilização incorreta do modus ponens.

29. Em que consiste a falácia da negação do antecedente?


Se A, então B. Não A. Logo, não B.
Consiste na utilização incorreta do modus tollens.

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O discurso argumentativo: diversos tipos de argumentos
1.O que distingue essencialmente um argumento dedutivo de um argumento não
dedutivo?
Os argumentos dedutivos são argumentos cuja forma lógica é decisiva para avaliarmos a
sua validade. São argumentos cuja forma garante a verdade da conclusão, no caso de as
premissas serem também verdadeiras. Os argumentos não dedutivos são argumentos
cuja forma lógica não é decisiva para avaliarmos a sua validade. São argumentos em
que a verdade das premissas não implica a verdade da conclusão.

2. Quais são os principais tipos de argumentos não dedutivos?


Os principais tipos de argumentos não dedutivos são os argumentos indutivos
(generalizações e previsões), os argumentos por analogia e os argumentos de
autoridade.

3. O que são argumentos indutivos?


São argumentos cuja validade depende de outros fatores (contexto e conteúdo) que não
simplesmente a sua forma lógica.

4. O que significa dizer que um argumento indutivo é válido?


Quem aceita que se possa chamar válidos aos argumentos indutivos afirma que um
argumento indutivo é válido quando a verdade das premissas nos dá
boas razões para considerar mais provável do que improvável a verdade da conclusão
sem que isso exclua a possibilidade de ser falsa.

5. A validade indutiva admite graus? O que significa isso?


Considera-se que sim. Isso significa que um argumento indutivo válido pode ser mais
forte ou mais persuasivo do que outro argumento indutivo válido. Como a relação entre
a verdade das premissas e a verdade é de probabilidade, esta assume graus. A
probabilidade de a conclusão ser verdadeira é em alguns argumentos indutivos superior
à de outros. O que todos têm em comum é que nenhum garante absolutamente a verdade
da conclusão. São argumentos de risco ou em que o risco de erro ou engano não pode
ser completamente eliminado, mas unicamente controlado. Com efeito, a conclusão
baseia-se em premissas que lhe conferem simplesmente um maior ou menor grau de
probabilidade.

6. O que são generalizações?


São argumentos indutivos que consistem em tornar extensível a toda uma classe de
objetos ou de seres uma caraterística (ou caraterísticas) observada num determinado
número de casos considerados representativos. 1. A amostra deve ser ampla e
diversificada, não ocultando contraexemplos. 2. A amostra deve ser representativa. Se o
critério 1 não for respeitado, comete-se a falácia da generalização precipitada. (Ex.
Conheci três franceses antipáticos. Concluo que todos os franceses são antipáticos). Se o
critério 2 não for respeitado, comete-se a falácia da amostra não representativa. Ex.

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As pessoas que vão à missa aos domingos são contra o aborto. Logo, todos os
portugueses são contra o aborto.

7. O que são previsões?


São argumentos indutivos em que se conclui algo acerca de um acontecimento futuro
com base numa amostra considerada ampla e representativa.

8. O que são argumentos por analogia?


São argumentos que concluem que coisas diferentes, por serem semelhantes em certos
aspetos, sê-lo-ão também noutros. Para que um argumento por analogia seja aceitável,
deve cumprir duas condições: 1. Os objetos comparados têm de ser semelhantes nos
aspetos relevantes e 2. O número de semelhanças entre os objetos comparados tem de
ser significativo.
De contrário, estaremos perante a falácia da falsa analogia.

9. O que são argumentos de autoridade?


São argumentos que defendem a verdade de uma certa conclusão porque uma
autoridade num dado assunto (uma ou várias pessoas, uma ou várias instituições)
sustenta que ela é verdadeira. Para que este tipo de argumento seja aceitável, deve
respeitar as seguintes condições: 1. A autoridade invocada tem de ser de facto um
especialista reconhecido na matéria; 2. Não devem existir divergências significativas
entre os especialistas sobre o assunto em causa; 3. As opiniões de quem é reconhecido
como autoridade não devem ser condicionadas por interesses pessoais.4. As fontes
devem ser claramente identificadas.
O desrespeito dos critérios referidos leva à falácia do apelo ilegítimo à autoridade.

O discurso argumentativo: mais algumas falácias informais

1. O que distingue as falácias informais das falácias formais?

Identificamos uma falácia formal avaliando exclusivamente a forma lógica de um


argumento (dedutivo ou, em geral, formal). No caso das falácias informais, não podemos
limitar-nos à análise da forma lógica do argumento. As falácias formais devem-se a
defeitos na forma lógica. As falácias informais devem-se sobretudo a problemas no
conteúdo e desadequação do argumento ao contexto argumentativo.

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Falácias informais:

Falácia da A conclusão resulta de um suposto e improvável encadeamento


derrapagem ou bola de situações. Ex. Se és um apreciador de bons vinhos, então
de neve depois de um bom copo, beberás outro e outro e mais cedo ou
mais tarde tornar-te-ás alcoólico.

Falácia do falso Apresentam-se duas alternativas como sendo as únicas,


dilema ignorando ou tentando fazer com que se acredite que não há
mais alternativas disponíveis. Ex. Ou és crente ou és ateu. Se
não acreditas da existência de Deus és ateu.

Falácia da petição Usamos como prova aquilo que se quer provar, ou seja,
de princípio provamos a conclusão tendo como premissa a própria
conclusão. Ex. Não falta ninguém, porque está cá toda a gente.

Falácia do boneco Distorcem-se as ideias do adversário para as atacar mais


de palha ou facilmente. A tese do adversário é deturpada para ser atacada,
espantalho mas isso significa que se falha o alvo. Ex. O João diz que para
se protegerem certas espécies os Jardins Zoológicos são
importantes. Então mais valia prenderem todos os animais.

Falácia do ataque à Ataca-se indevidamente a pessoa que defende certas ideias,


pessoa (ad julgando-se erradamente que isso é atacar as ideias. Ex. É
hominem) impossível acreditar no que dizes. Como podes ter uma opinião
inteligente sobre o aborto? Não és mulher, portanto esta é uma
decisão que nunca terás que tomar.

Falácia do apelo à Transforma-se em prova a ausência de prova. Se não


ignorância (ad provarmos a falsidade de uma afirmação, então ela é
ignorantiam) verdadeira; se não provarmos que ela é verdadeira, então é
falsa. Ex. Ninguém provou que os fantasmas existem. Logo,
não existem.

Falácia do apelo ao Sustenta-se que uma proposição é verdadeira por ser aceite
povo (ad populum) como verdadeira por uma parte significativa da população. Ex.
As sondagens mostram que o PS vai ganhar as eleições.
Portanto, também deves votar no PS.

Falácia da falsa Assume-se precipitadamente uma relação causal com base


relação causal (post numa mera sucessão temporal. Ex. Sempre que chove, tiro
hoc ergo propter negativa no teste. Portanto, a chuva é a causa da negativa.
hoc)

Módulo IV — O conhecimento e a racionalidade científica e tecnológica


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1. Descrição e interpretação da atividade cognoscitiva
1.1. Estrutura do ato de conhecer
1.2. Análise comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento

1. Como se caracteriza, genericamente, o conhecimento?


Afirma-se, genericamente, que o conhecimento é uma relação entre um sujeito (aquele
que conhece) e um objeto (aquele que é conhecido). O sujeito, ao apreender as
características do objeto, constrói uma imagem ou representação mental do objeto, que
corresponde ao conhecimento.

2. Qual a definição tradicional de conhecimento?


Tradicionalmente, o conhecimento é definido como uma crença verdadeira justificada.
A definição foi proposta por Platão há mais de dois milénios. Inicialmente, parece uma
definição plausível. Vejamos. Primeiro, para saber é preciso acreditar, não há dúvida,
pois, se nem sequer acreditar que tenho teste amanhã como posso saber que tenho teste?
Depois, não faz sentido saber algo que é falso. Se sei que 2 x 2 são 22, então não sei,
mesmo que acredite saber. Por fim, faz sentido defender que a crença verdadeira deve
ser sustentada, ou justificada, para que possamos falar em conhecimento. Um simples
palpite não é conhecimento. É fundamental saber explicar o que sabemos e como
sabemos.
3. Que problemas levanta a definição tradicional de conhecimento?

O problema que a definição tripartida levanta, e que foi colocado por Gettier, relaciona-
se com as condições que são exigidas para que o conhecimento seja definido desta
forma. À primeira vista, crença, verdade e justificação parecem ser condições
necessárias para definir o conhecimento. O problema reside em saber se, em conjunto,
estas condições são suficientes para definir o conhecimento.

4. Como se distingue o conhecimento a priori do conhecimento a posteriori?


O conhecimento a priori é independente da experiência. Por exemplo, o triângulo é um
polígono com três ângulos ou Descartes ou está vivo ou está morto são afirmações
conhecidas a priori. Não precisamos de recorrer à observação ou à experiência para
estabelecer a verdade destas afirmações. O conhecimento a posteriori depende da
experiência. As afirmações existem elefantes em Lisboa e Descartes está morto, caso
sejam verdadeiras, são verdades a posteriori, pois a sua comprovação depende da
observação e da experiência.

5. Quais são as principais teses racionalistas?


Chamamos racionalismo às teorias epistemológicas que veem no pensamento ou razão a
principal fonte de conhecimento e a sua justificação. Os racionalistas desprezam o papel
dos sentidos e defendem que um conhecimento para poder merecer esse nome deve
satisfazer dois critérios: necessidade lógica e universalidade. O racionalismo opõe-se ao
empirismo.

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6. Quem foi René Descartes?
Descartes foi um filósofo, físico e matemático francês. É um dos pensadores
tradicionalmente ligado ao racionalismo. Estabeleceu os fundamentos filosóficos do que
hoje se denomina ciência moderna. No centro das suas preocupações estava:
o combate ao ceticismo reinante na sua época e a reabilitação da razão;
a criação de um método que conduzisse a razão à verdade;
a construção de um sistema baseado em princípios firmes e indubitáveis.

7. Que método escolheu Descartes?


De modo a mostrar que os céticos estavam enganados e a construir uma base
absolutamente segura para o conhecimento, Descartes institui a dúvida como método e
rejeita como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida,
para ver se restava algo absolutamente indubitável.

8. O que caracteriza a dúvida cartesiana?


A dúvida cartesiana é metódica (é o meio utilizado para descobrir o absolutamente
certo, a ferramenta da razão que permite evitar o erro), provisória (o objetivo é
encontrar certezas e reconstruir o edifício do saber), universal (nada pode escapar à
dúvida) e hiperbólica (a dúvida estende-se, inclusivamente, à existência do mundo
físico).

9. Como chega Descartes à sua primeira verdade indubitável?


Ao exercer metodicamente a dúvida, Descartes percebe que existem boas razões para
duvidar das crenças estabelecidas. A maioria das nossas crenças não é indubitável, pois:
as informações com origem nos sentidos não merecem confiança, pois os sentidos são
enganadores.
todas as crenças que possuímos acerca do mundo físico podem ser falsas (argumento
do sonho);
a crença nas verdades racionais (como as matemáticas) pode ser falsa (génio maligno)
O exercício da dúvida faz surgir uma primeira certeza indubitável: a existência do
sujeito que duvida. Causa repugnância, diz Descartes, imaginar que quem duvida possa
não existir, pois para duvidar é preciso pensar e para pensar é preciso existir: penso,
logo existo. Assim, há razões para duvidar de tudo (incluindo da existência do mundo
físico), menos do sujeito pensante que tudo pôs em dúvida.

10. Qual é, para Descartes, o critério de verdade?


Para Descartes, as coisas que concebemos muito clara e distintamente são todas
verdadeiras. Ou, dito de outro modo, clareza e distinção são o critério de verdade.

11. O que caracteriza a primeira verdade inabalável?

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O cogito (nome por que é conhecida a afirmação «Penso, logo existo») é uma evidência
que se impõe ao espírito humano de forma absolutamente clara e distinta. Enquanto
verdade primeira e exclusivamente a priori, oferece um ponto de partida seguro para o
conhecimento.

12. Qual é a função do génio maligno no sistema cartesiano?


A hipótese do génio maligno é a hipótese de existir um Deus enganador, extremamente
poderoso e astuto, que pusesse toda a sua indústria em enganar, fazendo-nos crer em
falsidades. Esta hipótese faz Descartes chegar à conclusão de que por mais que fosse
possível essa entidade existir e enganá-lo, há algo sobre o qual esse ser nunca o poderia
enganar: o cogito (se penso, existo). Assim, a possibilidade de um génio maligno o
enganar reforça a indubitabilidade do primeiro princípio, permitindo concluir a verdade
da sua existência enquanto ser pensante.

13. Como chega Descartes à existência de Deus?


Provada a existência do cogito, o sistema cartesiano afirma a existência de um sujeito
pensante e das suas ideias e nada mais. Permanecem dois problemas sem solução:
primeiro, a hipótese da existência de um génio maligno; segundo, consequência do
primeiro, a hipótese de o mundo físico não existir. Para poder prosseguir, Descartes tem
de resolver este impasse e ultrapassar o solipsismo. Para tal, Descartes vai tentar provar
a existência de um Deus sumamente bom. O raciocínio que nos propõe é o seguinte:
Eu, sujeito pensante, erro e duvido. Errar e duvidar são sinais de imperfeição. Saber que
sou imperfeito implica ter em mim a ideia de um ser perfeito. De onde me terá vindo a
ideia de um ser mais perfeito do que eu? A causa desta ideia ou está em mim ou em algo
distinto de mim. Sei que a imperfeição não pode ser causa da perfeição. Assim, a causa
da ideia de um ser perfeito não posso ser eu, sujeito pensante, pois sou imperfeito; a
causa da ideia de ser perfeito tem, pois, de proceder de algo absolutamente perfeito e
exterior a mim – Deus.
Se Deus é perfeito, então não pode ser enganador (um ser perfeito que fosse maldoso
não seria perfeito) e tem de, forçosamente, existir (um ser perfeito que não existisse não
seria perfeito).

14. Qual é o papel de Deus no sistema cartesiano?


Como Deus é perfeito e, por essa razão, não é enganador, podemos confiar na nossa
razão quando esta pensa ter descoberto ideias claras e distintas. Deus é assim a garantia
de que aquilo que conhecemos clara e distintamente é verdadeiro. Com Deus como
garantia, Descartes pode deduzir outras verdades – a existência do seu corpo e do
mundo físico, por exemplo – e construir, com toda segurança, o edifício do
conhecimento verdadeiro.

15. Existem objeções ao racionalismo cartesiano?

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Sim. Entre as mais comuns encontra-se uma que se designa por círculo cartesiano: as
ideias claras e distintas são verdadeiras, pois Deus existe e é perfeito; Deus existe e é
perfeito porque concebemos clara e distintamente a sua perfeição. Por este motivo,
Descartes é, frequentemente, acusado de incorrer numa petição de princípio.

16. Quais são as principais teses empiristas?


Todo o conhecimento deriva da experiência.
A mente é, à partida, uma tábua rasa.
Não existem ideias inatas.

17. Quem foi David Hume?


David Hume foi um filósofo empirista escocês do século XVIII que desenvolveu uma
profunda investigação sobre as capacidades do entendimento humano. Ficou célebre
pelo seu ceticismo moderado (ou mitigado).

18. Como se caracterizam os conteúdos da mente, segundo Hume?


Todos os conteúdos da mente são, segundo Hume, perceções. As perceções dividem-se
em dois tipos, de acordo com o seu grau de força e intensidade: impressões e ideias. As
impressões são mais vivas e intensas e dizem respeito ao sentir (por exemplo, a dor que
sinto quando entalo um dedo corresponde a uma impressão). As ideias são menos vivas
e intensas e dizem respeito ao pensar (por exemplo, a recordação de ter entalado o dedo
corresponde a uma ideia).
As impressões correspondem, portanto, às nossas sensações, tanto internas (emoções)
como externas (cinco sentidos). As ideias são cópias de impressões e podem ser simples
(produto da memória) ou complexas (resultado da imaginação). Na ausência de
impressões, jamais conseguiremos formar ideias.

19. Que conhecimentos formamos, de acordo com Hume?


Temos, segundo Hume, duas formas de constituir conhecimento: relações de ideias e
questões de facto.
As relações de ideias são conhecimentos a priori (anteriores e independentes da
experiência) e puramente racionais; a sua verdade é logicamente necessária (é assim e
não pode ser de outro modo, sob pena de autocontradição) e delas podemos ter certeza
absoluta; baseiam-se no raciocínio dedutivo. As verdades da lógica, da matemática e da
geometria são relações de ideias. Apesar de seguras, as relações de ideias não nos dão
qualquer informação sobre o que se passa no mundo.
As questões de facto são conhecimentos a posteriori (adquiridos através da
experiência); a sua verdade é logicamente contingente (é assim, mas pode também ser
de um outro modo, sem risco de contradição) e delas nunca podemos ter certeza
absoluta; baseiam-se no raciocínio indutivo. Os conhecimentos das ciências naturais e
das ciências humanas são questões de facto. Só as questões de facto nos dizem como
são e como acontecem as coisas do mundo.

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20. Em que consiste o problema da causalidade, segundo Hume?
Ao raciocinarmos sobre questões de facto estabelecemos relações de causalidade. A
ideia de causalidade como conexão necessária é, assim, a base dos nossos
conhecimentos sobre o mundo. Acontece que esta ideia não pode ser justificada a priori
(não pode ser inferida apenas com base na razão, independentemente da experiência),
nem tão pouco a posteriori (pois isso implicaria que tivéssemos a impressão
correspondente, o que não acontece). A causalidade resulta de uma tendência
psicológica, não existe nos objetos. Forma-se na nossa mente em virtude do costume ou
do hábito de observarmos repetidamente que dois fenómenos ocorrem conjunta e
sucessivamente. Porque o passado me mostrou existir uma conjunção constante entre A
e B, tendo a imaginar que existe uma conexão necessária, uma relação de causalidade,
isto é, que um é necessária e inevitavelmente a causa do outro. Contudo, esta crença não
está justificada. Nunca observamos qualquer conexão necessária, apenas conjunções
constantes, que podem ser arbitrárias e casuais. Nisto consiste o problema da
causalidade.

21. Em que consiste o problema da indução, segundo Hume?


O problema da causalidade cruza-se, na proposta de Hume, com um outro problema, o
da indução. As inferências indutivas são a base do nosso conhecimento sobre o mundo.
Estarão elas justificadas? Segundo Hume, não. Só poderíamos confiar na indução se
partíssemos do princípio de que a natureza é uniforme e regular, sem lugar para
imprevistos. Acontece que a nossa crença na regularidade da natureza é ela própria
fundada na indução. Estamos, pois, encerrados numa petição de princípio, numa
justificação circular que nada justifica: todos os nossos argumentos indutivos
pressupõem a crença de que a natureza é regular, crença esta que, por sua vez, foi
construída com base em inferências indutivas.
A ideia de que a natureza é uniforme é uma verdade contingente, pois é perfeitamente
possível que a natureza não seja uniforme e que o futuro não repita o passado. O
exemplo do ornitorrinco é revelador de que o número de observações que serve de base
a uma indução é logicamente independente da verdade da conclusão.

22. Por que razão Hume é um cético moderado?


Hume evidencia o seu ceticismo ao sublinhar os limites da inteligência humana,
mostrando que a parte mais considerável do nosso saber assenta apenas no costume ou
hábito e em inferências que não conseguimos justificar. Mas, apesar das conclusões a
que chega relativamente aos problemas da causalidade e da indução, Hume defende que
não devemos abandonar a nossa crença na regularidade da natureza, pois não
conseguiríamos pensar ou agir na sua ausência. Devemos, contudo, evitar o dogmatismo
e a especulação.

23. Existem objeções ao empirismo de Hume?

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Sim. Hume foi frequentemente acusado de irracionalidade, dado o seu ceticismo. Se
nenhuma das nossas crenças é racionalmente justificável, então não há diferenças
assinaláveis entre ciência e superstição e não há razões para preferir a primeira à
segunda.

Módulo IV — O conhecimento e a racionalidade científica e tecnológica


2. Estatuto do conhecimento científico
2.1. Conhecimento vulgar e conhecimento científico
2.2. Ciência e construção — validade e verificabilidade das hipóteses
2.3. A racionalidade científica e a questão da objetividade

24. O que caracteriza o conhecimento vulgar?


O conhecimento vulgar ou senso comum é um conjunto de conhecimentos fundado na
experiência concreta de cada ser humano. Este conhecimento constata regularidades
empíricas no funcionamento do mundo e com elas constrói soluções eminentemente
práticas, que permitem responder aos problemas do dia a dia sem quaisquer
preocupações com explicações teóricas baseadas em métodos específicos.

25. O que caracteriza o conhecimento científico?


O conhecimento científico pode ser caracterizado como objetivo, sistemático e
metódico. A sua sistematização faz-se por meio de leis ou teorias. Estas visam não
apenas descrever e explicar os fenómenos, mas também formular previsões e agir
eficazmente em função destas.

26. O que distingue o conhecimento vulgar do conhecimento científico?


Enquanto o conhecimento vulgar se limita a constatar o que existe sem se preocupar
com explicações e é formulado numa linguagem corrente, originando ambiguidades, o
conhecimento científico descreve e explica fenómenos, expressando-se numa linguagem
específica, mais técnica e exata, o que evita a ambiguidade. Enquanto o conhecimento
vulgar é ametódico, acrítico, subjetivo e assistemático, o conhecimento científico é
metódico, crítico, objetivo e sistemático.

27. Como se relacionam conhecimento vulgar e conhecimento científico?


Conhecimento vulgar e conhecimento científico são distintos. O facto de o segundo
assentar em pressupostos (experimentação, por exemplo) que faltam ao primeiro
estabelece uma relação que é, em muitos aspetos, de oposição e de rutura. Todavia,
existe também, para diversos pensadores, uma certa continuidade e complementaridade
entre estas duas formas de conhecimento.

28. Como procedem os cientistas, segundo a perspetiva indutivista do método


científico?

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Segundo a visão tradicional do método científico, a investigação científica começa pela
observação dos factos (recolha de dados realizada de forma absolutamente objetiva e
imparcial); a partir da observação é elaborada indutivamente uma hipótese explicativa;
por fim, através da experimentação, procura-se verificar a hipótese, isto é, provar que é
verdadeira. Caso a experimentação confirme a hipótese, o cientista pode, então, mais
uma vez indutivamente, elaborar generalizações e previsões seguras.

29. Que críticas são feitas à perspetiva indutivista do método científico?


Frequentemente, são feitas duas críticas principais à conceção indutivista do método
científico. Primeiro, criticam-se os pressupostos da observação, pois ela (1) não é o
ponto de partida da ciência; (2) nunca é completamente neutra e objetiva e (3) é seletiva.
Há coisas que interferem na observação, como noções prévias sobre o que se vai
observar ou até mesmo as expectativas que possamos ter sobre o que vamos encontrar.
A segunda crítica tem por alvo a natureza dos argumentos indutivos que servem de base
à formulação de teorias. E a questão que se coloca é se uma hipótese, enquanto
enunciado universal, pode ser justificada por casos particulares. A resposta é negativa.
Nunca um enunciado universal pode ser verificado ou confirmado em absoluto por um
caso particular, ou por uma série de casos particulares, por maior que seja o seu número.
Daí que não se possa validar universalmente a hipótese: a conclusão de um argumento
indutivo é sempre uma extrapolação.

30. Quem foi Karl Popper?


Karl Popper foi um filósofo nascido na Áustria e naturalizado inglês. A sua indiscutível
reputação como pensador está, fundamentalmente, associada à sua filosofia da ciência.
Neste campo, foi opositor feroz da perspetiva indutivista, defendendo que a observação
não é o ponto de partida da atividade científica, que existem alternativas à indução e que
o papel da experimentação é falsificar ou refutar hipóteses e não confirmá-las.

31. Como se posiciona Karl Popper face ao problema da indução?


O problema da indução, tal como foi formulado por Hume, existe e não é solucionável:
serão sempre injustificáveis as nossas tentativas de ir de enunciados singulares ou
particulares para enunciados gerais. Porém, Popper considera que existem alternativas à
indução. Segundo este filósofo, os cientistas devem submeter as suas teorias a testes que
visem falsificá-las (refutá-las), e não verificá-las (confirmá-las). A lógica subjacente à
falsificação de um enunciado universal é dedutiva e não indutiva. Vejamos porquê.
Pensemos no enunciado geral «todos os peixes têm escamas». É possível verificá-lo?
Não, pois isso implicaria observar todos os peixes, sem exceção. Contudo, sabemos que
se todos os peixes têm escamas, então não existem peixes sem escamas. Imaginemos
que somos confrontados com um peixe sem escamas. Daqui deriva, necessariamente,
que é falso que todos os peixes tenham escamas. Este exemplo mostra que é possível,
recorrendo a inferências puramente dedutivas, concluir acerca da falsidade de
enunciados universais: S implica P; não acontece P; logo, não acontece S.

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32. Em que consiste o método de Popper?
Em alternativa ao verificacionismo e ao indutivismo, Popper propõe um método
falsificacionista e hipotético-dedutivo, o método das conjeturas e refutações. Em
primeiro lugar, para Popper, já vimos, a investigação científica não começa pela
observação, mas pelo problema, que surge quando uma dada observação põe em causa a
teoria estabelecida e as expectativas do cientista. Face ao problema, a imaginação do
cientista cria uma hipótese ou conjetura para explicá-lo. Segue-se a refutação. A
hipótese é sujeita a testes empíricos rigorosos, que têm por objetivo falsificá-la ou
refutá-la, isto é, mostrar que é falsa, e não verificar a sua verdade. Se a hipótese for
refutada, a teoria é substituída por outra, mais forte e mais resistente. Se a hipótese
resistir aos testes, dizemos que se trata de uma explicação provisoriamente corroborada.

33. Corroboração e verdade são sinónimos?


Não, para Popper as hipóteses nunca perdem o seu carácter conjetural. Verdade e
corroboração não são a mesma coisa. A corroboração é um indicador temporal. Uma
teoria corroborada é uma teoria que resistiu aos testes a que foi sujeita num determinado
momento, mas isto não faz dela uma verdade, apenas indica que, até ao momento, é a
melhor teoria. Nada garante, porém, que ela não venha a ser refutada, ou parcialmente
refutada num próximo momento de falsificação.

34. Que diferença existe entre uma teoria falsificada e uma teoria falsificável?
Uma teoria falsificável ou refutável é uma teoria que tem a propriedade (uma
importante propriedade, na perspetiva de Popper) de poder ser sujeita a testes empíricos
que a possam refutar. Uma teoria falsificada ou refutada é uma teoria que já se provou
ser falsa, isto é, que foi sujeita a testes e não resistiu.

35. Porque tem o erro, para Popper, um lugar central?


Popper defende que há progresso em ciência e que o erro é o motor desse progresso.
Sempre que sujeitamos uma teoria a testes e descobrimos que ela inclui erros ou está
efetivamente errada eliminamos os erros e, assim, aproximamo-nos da verdade.
Podemos estar seguros de alguma vez termos alcançado a verdade? Não, mas, de
eliminação de erro em eliminação de erro, caminhamos na sua direção.

36. Existe progresso em ciência, para Popper?


Sim. A ciência progride por conjeturas e refutações, eliminando erros. O erro é o motor
de progresso em ciência. De cada vez que se eliminam erros, aproximamo-nos da
verdade, embora não tenhamos forma de saber se alguma vez a alcançaremos. Popper
estabelece, neste ponto, uma analogia com o evolucionismo e a ideia de seleção natural.

37. A ciência é objetiva, para Popper?


Sim, na medida em que se afasta progressivamente do erro e dado que possuímos um
método que nos permite comparar teorias e afirmar que a teoria X está mais próxima da

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verdade do que a teoria Y. A objetividade advém do método utilizado e não, por
exemplo, da forma como são elaboradas as hipóteses.

38. Existem objeções ao falsificacionismo de Popper?


Sim, na medida em que, por exemplo, se valorizam apenas os resultados negativos da
prática científica. Popper não considera uma dada descoberta, mas sim as fragilidades e
fracassos do trabalho dos cientistas. Por outro lado, na prática, os cientistas não
procedem como Popper diz.

39. Quem foi Thomas Kuhn?


Thomas Kuhn foi um pensador norte-americano e um dos filósofos contemporâneos
mais importantes, cujas ideias marcaram a reflexão sobre a ciência na segunda metade
do século XX.

40. Qual é o padrão habitual de desenvolvimento de uma ciência, para Thomas


Kuhn?
Para Thomas Kuhn, as transições em ciência acontecem segundo um processo cíclico,
em que se alternam três fases sucessivas: fase normal, fase crítica e fase revolucionária.

41. O que é uma revolução científica?


A revolução científica corresponde a uma mudança profunda nas convicções e no
trabalho dos cientistas. Trata-se de um episódio não cumulativo, no qual a comunidade
científica abandona o caminho até então seguido a favor de outra abordagem da sua
disciplina, em geral incompatível com a anterior, alterando-se a forma como olha para o
mundo e pratica ciência. As grandes mudanças no desenvolvimento científico
associadas a nomes como Copérnico, Newton, Lavoisier ou Einstein são episódios que
espelham revoluções científicas. As alterações revolucionárias de uma dada tradição
científica são relativamente raras.

42. Em que consiste a prática da ciência normal?


Ciência normal é a ciência que a maioria dos cientistas pratica no seu dia a dia. É a
ciência em que o paradigma é encarado como um dado adquirido, que não deve ser
desafiado. A ciência normal articula e desenvolve o paradigma. Kuhn descreve a ciência
normal como a atividade de resolver enigmas, dirigida pelas regras do paradigma.
Durante a atividade científica normal, a comunidade científica procede a reajustamentos
e ao aumento da abrangência e precisão do paradigma. Trata-se, por esta razão, de uma
atividade essencialmente cumulativa, conservadora e, por conseguinte, pouca dada à
inovação.

43. Qual a importância do paradigma para a prática da ciência normal?


Desde logo, a existência de um paradigma é o que distingue a ciência da não ciência. É
o paradigma que dá os suportes teóricos e práticos gerais da atividade da ciência

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normal. Do mesmo modo, o paradigma estabelece as normas necessárias para tornar
legítimo o trabalho dentro dessa ciência e forja a comunidade científica. Por fim, ele é
também fundamental, pois coordena e dirige a atividade de resolver os problemas com
que os cientistas se deparam na fase de ciência normal, fornecendo um critério para
escolher aqueles que sejam solucionáveis. Em boa medida, como diz Kuhn, estes são os
únicos problemas que a comunidade considerará científicos ou merecedores de atenção.

44. O que caracteriza o estado de crise?


As crises são uma pré-condição necessária para a emergência de novas teorias e
paradigmas. Começam a formar-se quando se dá um acumular de anomalias que, pela
sua quantidade e grau, põem em causa os fundamentos do paradigma. As anomalias
levam a um esforço suplementar, por parte da comunidade científica, para tentar
preservar a visão do mundo que o paradigma lhes garante.

45. O que se entende por ciência extraordinária?


A crise provocada pela acumulação de anomalias pode originar alterações na prática
científica, entrando-se num período de ciência extraordinária. Aqui, os cientistas
procuram encontrar soluções para as anomalias, uns dentro do paradigma vigente
(ciência normal), outros fora desse modelo (ciência extraordinária). A ciência
extraordinária é, portanto, a prática científica que acontece à margem do paradigma
dominante.

46. Como terminam as crises?


Todas as crises terminam, segundo Kuhn, de uma de três maneiras:
- A ciência normal acaba por ser capaz de lidar com o problema que gerou a crise.
- O problema é etiquetado, mas abandonado e deixado para uma geração futura.
- Emerge um novo candidato a paradigma e batalha-se pela sua aceitação.

47. Quais são as consequências de uma revolução científica?


A principal consequência de uma revolução científica é a mudança de paradigma, com
tudo o que isso implica: novas práticas da ciência normal, porque novos serão os
problemas e as soluções avançadas, novos pressupostos, novas teorias, etc. O novo
paradigma será muito diferente do velho e incompatível com ele. No fundo, o que a
revolução científica impõe é uma nova visão do mundo.

48. O que significa dizer que os paradigmas são incomensuráveis entre si?
Ao dizer que são incomensuráveis, Kuhn pretende dizer que eles não são comparáveis,
nem tão-pouco podem servir de medida um para o outro, pois o novo paradigma não é
melhor do que o anterior, é apenas diferente. Os proponentes de paradigmas rivais
praticam a sua atividade em mundos completamente distintos, discordam sobre a lista
de problemas a resolver e sobre os critérios a adotar e comunicam de forma
forçosamente parcial: termos idênticos ganham novos significados e novos termos são
adotados. A nova representação do real que o novo paradigma traz consigo não se

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acrescenta à anterior, pelo contrário, substitui-a. O que antes se via como um coelho
passa a ser visto como um pato.

49. Podemos falar em objetividade em ciência, para Kuhn?


Os critérios que Kuhn considera para avaliar uma teoria são de dois tipos: objetivos e
subjetivos. Os critérios objetivos são partilhados por toda a comunidade científica e são
os seguintes: exatidão, consistência, alcance, simplicidade e fecundidade. Os critérios
subjetivos, dada a natureza humana dos cientistas, também existem e devem ser
considerados, pois, perante uma mesma realidade, a interpretação e as convicções
podem fazer dois cientistas trabalharem de maneira diversa e adotarem paradigmas
diferentes. Pelo facto de a escolha entre paradigmas estar sujeita a critérios subjetivos
relevantes, não é possível falar em objetividade em ciência. Esta posição foi alvo de
duras críticas, tendo sido frequentemente classificada como sendo, além do mais,
contraditória.

50. O que separa Popper de Kuhn?


Popper e Kuhn respondem de forma divergente ao problema do progresso em ciência.
Popper crê que a eliminação de erros conduz, por aproximação, à verdade. O autor
estabelece, neste ponto, uma analogia com o evolucionismo e a ideia de seleção natural:
as teorias que melhor resistirem ao erro são as que se mantêm. Já para Kuhn, não existe
progresso em ciência, nem por acumulação, nem por eliminação de erros. A transição
sucessiva de um paradigma para outro ocorre por meio de revoluções científicas, nada
garantindo que o novo paradigma seja mais verdadeiro que o anterior.
Popper e Kuhn respondem também de forma relativamente distinta ao problema da
objetividade em ciência. Popper crê que a ciência é objetiva, na medida em que se afasta
progressivamente do erro e dado que existe um método que nos permite comparar
teorias e afirmar que a teoria X está mais próxima da verdade do que a teoria Y. Para
Kuhn, embora existam critérios objetivos na escolha de teorias, a ciência não é imune à
subjetividade, já que esta desempenha um papel decisivo na escolha de um determinado
modelo em detrimento de outro.

51. Existem objeções a Kuhn?


Sim. Kuhn foi frequentemente acusado de defender uma posição relativista. Kuhn
rejeitou a crítica, considerando-a injusta e redutora. Todavia, não há dúvida de que
algumas das suas afirmações a propósito do progresso científico parecem aproximar
Kuhn da tentação relativista. Se os paradigmas são incomensuráveis, se não podemos
comparar paradigmas nem concluir que um é superior ao outro, se não podemos estar
certos de que nos aproximamos da verdade, o que nos resta? Para alguns, apenas o
relativismo.

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