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História Das Mulheres Gênero e Raça
História Das Mulheres Gênero e Raça
Introdução
Segundo Mary Del Priore (2017), a história das mulheres não é só delas, é
também aquela da família, da criança, do trabalho, da mídia, da literatura. É a história
do seu corpo, da sua sexualidade, da violência que sofreram e que praticaram. É a
história da sua loucura, dos seus amores e dos seus sentimentos.
A história das mulheres é relacional, inclui tudo que envolve o ser humano, suas
aspirações e realizações, seus parceiros e contemporâneos, suas construções e derrotas.
Para que serve a história das mulheres? Para fazê-las existir, viver e ser.
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A pesquisa feminista recente por vezes contribuiu para uma reavaliação do poder
das mulheres. Em sua vontade de superar o discurso miserabilista da opressão, de
subverter o ponto de vista de dominação, ela procurou mostrar a presença, a ação das
mulheres, a plenitude dos seus papéis, e mesmo a coerência de sua ‘cultura’ na
existência de seus poderes (Perrot 1988)
A história das mulheres mudou. Em objetos seus, em seus pontos de vista. Partiu
de uma história do corpo e dos papéis desempenhados na vida privada para chegar a
uma história das mulheres no espaço público da cidade, do trabalho, da política, da
guerra, da criação. Partiu de uma história das mulheres vítimas para chegar a uma
história das mulheres ativas, nas múltiplas interações que provocam a mudança. (Perrot
2007: 15-16)
Decerto, há um avanço significativo no debate empreendido acerca da presença
pública de mulheres e da sua inserção e participação nos mercados de trabalho. Embora
ainda encontremos disparidade no que tange a temática do trabalho em se tratando de
sexo e gênero, raça e classe. Por isso, considero importantes as análises que almejam
dar visibilidade às experiências de trabalhadoras e que alarguem o entendimento acerca
do tema.
De modo geral, “Gênero” relaciona-se com uma estrutura de poder que cria
corpos hierarquizados e que por meio da cultura se institucionaliza e, por conseguinte,
permeia todas as relações sociais. “Mulher” tem a ver com uma percepção dos corpos
em termos biológicos cujas bases são fincadas, especialmente, em torno da reprodução
da espécie.
Mulheres são o Outro em relação aos homens (Strathern 2009), mas também são
diferentes entre si. A discussão anterior nos mostra que mulheres brancas e mulheres
negras possuíam preocupações diferentes; a primeira era cobrada de ser uma “boa” mãe;
a segunda, era escravizada, desenvolvia o papel de mãe (conforme veremos com
Gonzalez), e ainda era acusada de infectar moralmente crianças por meio do seu leite.
O gênero não pode ser encarado como uma palavra ou categoria generalizável.
Há de se pensar a “diferença dos sexos” como um processo, uma relação (Varikas 2016:
26). De modo que,
Ainda Scott - movida pelas reflexões de Michelle Rosaldo (1974) - desvela que
há de se “procurar não uma causalidade geral e universal, mas uma explicação
significativa” (Scott 1990: 20). Pois,
Nesta tese, apoiada em Scott (1990), importa-me ressaltar que o uso de tal
categoria não deve ser reduzido ao universo doméstico/familiar/privado, e/ou mais
precisamente falando, ao sistema de parentesco; considerando e incorporando também
junto a esta “instituição” tão familiar de análise – em se tratando de mulheres –, a dita
“vida privada”: os mercados de trabalho, a educação e, por conseguinte, os sistemas
político, cultural e simbólico operantes na sociedade (a vida pública e
suasrepresentações).
Sobre tal debate, mais uma vez subscrevo as mediações entre teorias de gênero e
história das mulheres empreendidas por Suely Kofes (1992) no texto “CATEGORIAS
ANALÍTICA E EMPÍRICA: GÊNERO E MULHER: Disjunções, conjunções e
mediações”, apresentadas anteriormente ainda no início deste capítulo. Visto que
concordo com a referida autora quando propõe que não há motivo para esses elementos
– mulher e gênero – se oporem, pois não precisam ser excludentes ou mesmo
substituíveis.
Argumento que foi uma escolha – de quem escreve a história e de quem
seleciona documentos para legar ao futuro – demarcar o período analisado (virada do
século XIX para o XX) dando ênfase às relações de trabalho em que atuavam sujeitos
masculinos; em detrimento das experiências/compromissos laborais de mulheres de
diferentes níveis sociais (tornando-as veladas e até inexistentes). Uma vez que “as
hierarquias sexuais quase sempre estão a serviço de um projeto de dominação que se
sustenta por meio da divisão sexual do trabalho, a qual é constantemente renovada,
daqueles a quem se procura governar” (Federici 2017: 8).
Concordo com Federici (2017) quando usa a categoria “Mulheres” não pura e
simplesmente a partir da perspectiva que se trata de uma história oculta que deve se
tornar visível; pois, além disso, devemos considerar as formas particulares de
exploração a que são - enquanto coletivo - acometidas, isto é, deve-se reconsiderar a
história das relações no bojo do capitalismo, do ponto de vista da história das mulheres
e das teorias feministas.
Davis desvela que para as massas de trabalhadoras a luta precisava dar conta dos
seus problemas imediatos: salários, jornada e condições de trabalho; e, de certo modo,
as causas da luta sufragista pareciam um tanto abstratas (2016: 148). Demorou até o
início do século XX para que as mulheres trabalhadoras levantassem a bandeira
sufragista, quando de fato suas necessidades estiveram alinhadas com o direito do voto,
reivindicando-o para que isso lhes ajudasse em suas lutas próprias, isto é, aquelas
relacionadas às suas lutas de classe em andamento - aqui, surge uma nova perspectiva
para a campanha sufragista, ora influenciada pelo movimento socialista e, por
conseguinte, pelas experiências das irmãs da classe trabalhadora (Davis 2016: 149).
Do ponto de vista das sufragistas “Mulher” era o critério definitivo, mas nem
todas eram consideradas qualificadas; pois, as mulheres negras foram, de certa forma,
invisibilizadas durante a campanha pelo sufrágio feminino, sendo que das 8 milhões de
mulheres trabalhadoras mais de 2 milhões eram negras até a primeira década do século
XX. Na condição de mulheres que sofriam com a combinação das restrições de sexo,
raça e classe, elas tinham um poderoso argumento pelo direito do voto. Mas o racismo
operava de forma tão profunda no interior do movimento sufragista feminino que as
portas nunca se abriram de fato às mulheres negras. (Davis 2016:149).
Contudo, elas apoiaram a luta pelo voto feminino até o último minuto (Davis
2016: 149-150). Outra questão que as diferenciava das trabalhadoras brancas se refere
ao apoio que recebiam de seus companheiros. Consoante a isso, Patrícia Hill Collins
(2017) no artigo “O que é um nome? Mulherismo, feminismo negro e além disso”
aponta que diferente do feminismo negro, o Mulherismo possibilita uma forma de
abordagem da opressão de gênero sem que haja o ataque aos homens negros (2017: 08).
Para esta autora,
Ou seja, para Collins é importante ressaltar que esse tipo de debate ocorre
principalmente entre mulheres negras privilegiadas. Portanto, tais movimentos se
beneficiariam da análise do descompasso entre as perspectivas das mulheres negras
presentes na academia, por exemplo, e do grande grupo de mulheres afro-americanas
que não tiveram acesso ao ensino superior (2017: 18).
Além do voto, a possibilidade de acesso à educação formal (vide a trajetória de
Julieta enquanto acadêmica) também ganha um lugar de destaque na luta de mulheres.
Quando antes excluídas de uma efetiva participação da vida pública em sociedade ou
impedidas do acesso à educação superior, as mulheres no século XIX viviam trancadas
ou isoladas, sujeitas a autoridade de pais, maridos e senhores. Mas nem todas, pois,
mulheres pobres e, principalmente, mulheres racializadas, sempre estiveram no espaço
público desempenhando funções as quais se entende hoje como trabalho informal.
Relativo à época que estamos tratando, Norma Telles (2017) aponta que:
De fato, existe no Brasil não só uma divisão sexual do trabalho, mas uma divisão
sexual e racial. Portanto, conforme aponta Gonzalez: “não é difícil concluir sobre o
processo de tríplice discriminação sofrido pela mulher negra (enquanto raça, classe e
gênero), assim como seu lugar na força de trabalho” (2020: 56).
Pensando a realidade dos Estados Unidos, Davis (2016) aponta que um número
ínfimo de mulheres negras conseguiu desenvolver papéis que não estivessem ligados ao
campo, à cozinha ou à lavandeira. Na Amazônia tal condição não se mostrou diferente,
mas adicione aqui mulheres indígenas e mulheres vindas do Nordeste sejam elas negras
ou brancas também no desempenho desses papéis (Cancela 1997; Wolff 1999; Fontes
2016). Ainda que extrapolando para a realidade local e para o entresséculos (XIX e
XX), aqui pôde ser visto o que Davis propõe: “racismo e sexismo convergem – e a
condição de mulheres brancas trabalhadoras é associada à situação opressiva das
mulheres de minoria étnica” (2016: 102).
Conclusão
Neste texto tive como pretensão criar diálogos possíveis por meio do emaranhado de
teorias antropológicas, estudos feministas, de gênero e história das mulheres
apresentados. Estes, ora soam confluentes, ora discordantes, quando se trata dos temas e
categorias que compõem esta tese: mulheres, trabalho, educação e família. Visto que
entendo que eles não são excludentes, mas cambiantes; ou contínuos, melhor dizendo.
Tratou-se também desses assuntos por meio dos marcadores sociais: raça, classe, sexo e
gênero.
Referências: