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——— SOCIO- oo UISTICA 2." edigéo €& ore fet Direcao Benjamin Abdala Junior Samira Youssef Campedelli Preparagao de texto ‘Sueli Campopiano Projeto gréfico/miolo Antonio do Amaral Rocha Arte-final René Etiene Ardanuy Joseval Souza Fernandes Capa Ary Almeida Normanha ISBN 85 08 00706 x 1986 reitos reservados Editora Atica S.A. — Rua Bardo de Iguape, 110 (PABX) 278-9822 — Caixa Postal 8656 ind. Telegrafico “Bomlivro” — Sao Paulo Lista de figuras e tabelas FIGURAS Diagrama dos componentes da narrativa____26 10 do uso de trés variantes relativas em textos de 61 ica de em Norwich_69 Estratificagao_ socioesti Estratificagao est istica e etéria de em Norwich_69 Retencao pronominal em trés fungdes sintéticas atra- vés de quatro perfodos de tempo. cere Freqléncia de uso de trés estratégias de relativizagdo fem quatro periodos de tempo" _77 FreqUéncia de uso de trés estratéglas de relativizagso comparadas & reten¢ao pronominal em funcdo de objeto de preposicéo em quatro periodos de tempo___78 TABELAS Centralizagtio e sentimento em relagio a Martha's Vi neyerd_————— eg Efeito estilistico sobre 0 uso de relativas com pro: nomelembrete__________ is Percentagem de uso de pronome-lembrete de acordo com estilo e classe sociel_____________s3. Percentagem de uso de trés variantes relatives em textos de media_______ 60. Desenvolvimento de cinco variéveis do espanhol por grupos etérios_— Estratificagao social de cinco variévels do espanhol do Panamg——— ig Sumario 1. A relacao entre lingua so¢iedade MJ ___________s igmatizadas/ de pre © fato soci 3. A variacao lingiiistica: primeira instancia—____________33 © envelope de 4. normalizacZo. ling 5. Variagéo e mudanca B Contemporizacio ou mort aparente, de ida e J sente, 74 6. 80 7. Vocabulério critico 85 8. Bibliografia comentada—__________ 89 Livros didaticos, 89; Antologias, 91; © trabalho de Labov, 93; Sugestdes de , 95 1 A relagéo entre lingua e sociedade Palavras Tudo aquilo que nao pode ser prontamente proces- alisado e sistematizado pela mente humana pro- voca desconforto. Na verdade, a rea¢io humana frente ao seja ele de que natureza for, é de ansiedade. Este ivro propde a vocé maneiras possiveis de se combater o processar, analisar e sistematizar o universo aparente- mente caético da lingua fa A partir dos intimeros exemplos de situagdes suge das no texto, vocé desde logo observard q ” ba camente se configura como um campo de batalha em q duas (ou mais) maneiras de se dizer a mesma coisa (dora- vante chamadas “v: ) se enfrentam em um duelo de contemporizagao, por sua subsisténcia e co- existéncia, ou, mais fatalisticamente, em um combate san- grento de morte. Para auxilié-lo na resolugdo desses im- passes apresentados no texto (ou de outros com os quais v é venha a se defrontar em suas atividades futuras de pesquisador da érea), proporei um ponto de partida basico para suas anélises, ao qual vocé podera retornar sempre que houver necessidade: a relagdo entre lingua e socie- dade. Mumicie-se desta relagéo e tire dela todo o pro- veito tedrico ¢ metodolégico possivell No entanto vocé podera se questionar: mas essa relagdo ndo é dbvia? Tal relacio, defendida arduamente pelos seguidores do modelo de concepedo estruturalista da linguagem das décadas de 20 e 30, foi sutilmente abandonada pela escola gerativo-transformacional. Lembre-se de que, segundo Chomsky (1965), 0 objeto dos estudos lingiiisticos ¢ a competéncia lingiiistica do falante-ouvinte ideal, perten- cente a uma comunidade lingijisticamente homogénea. Dentro desse modelo de anilise, vocé nem deveria aceitar © desafio por mim proposto, uma vez que a comunidade Tingiiistica € homogénea. Nao haverd heterogencidade ou “caos” para se sistematizar! Esse falante-ouvinte ideal, no entanto, no parece ser tdo “falante-ouvinte”, nem tampouco “ideal”. A cada tuacdo de fala em que nos inserimos e da qual participa- mos, notamos que a lingua falada é, a um s6 tempo, hete- rogénea e diversificada. E é precisamente essa situacio de heterogeneidade que deve ser sistematizada, Se 0 caos apa- rente, se a heterogeneidade nao pudessem ser sistemati- zados, como entdo justificar que tal diversificacdo lingiifs- tica entre os membros de uma comunidade nao os impede de se entenderem, de se comunicarem? Analisar e aprender a sistematizar variantes lingiiis- ticas usadas por uma mesma comunidade de fala serio nossos principais objetivos. O modelo de anélise a ser desenvolvido neste livro € 0 que se convencionou deno- minar “teoria da variago lingiiistica”. Trata-se de um modelo teérico-metodolégico que assume o “caos” lingiiis- tico como objeto de estudo. Como esse modelo, por prin- cipio, ndo admite a existéncia de uma ciéneia da lingua- gem que nao seja social, o préprio titulo “Sociolingiiistica” fica redundante. No meio social as variantes coexistem em seu campo natural de batalha. £ 0 uso mais ou menos provivel de uma ou de outra que iremos analisar. Breve histérico da sociolingiiistica quantitativa iniciador desse modelo tedrico-metodolégico € 0 americano William Labov. Nao que ele tenha sido o pri- meiro sociolingitista a surgir no cendrio da investigacio lingitistica. Modelos do passado mais distante, e também do mais recente, certamente o inspiraram na sua concep- gio de uma nova teoria. Nesse sentido podem ser cha- mados de sociolingiiistas todos aqueles que entendem por lingua um veiculo de comunicagio, de informacio e de expressdo entre os individuos da espécie humana. Assim sendo, tem-se em Ferdinand de Saussure um sociolingilista! © modelo de andlise proposto por Labov apresenta-se como uma reagio a auséncia do componente social no modelo gerativo. Foi, portanto, William Labov quem, mais veementemente, voltou a insistir na relagéo entre lingua ¢ sociedade e na possibilidade, virtual e real, de se sistematizar a variago existente e propria da lingua falada. Desde seu primeiro estudo, de 1963, sobre o inglés falado na ilha de Martha’s Vineyard, no Estado de Massa- chusetts (Estados Unidos), varios outros se seguiram: estu- dos sobre a estratificagao social do inglés falado na cidade de Nova Torque (1966); a lingua do gueto: estudo sobre 0 inglés vernéculo dos adolescentes negros do Harlem, Nova Torque, ¢ estudos sociolingtifsticos da Filadélfia, entre ou- tros, Além desses, uma enorme quantidade de estudos lin- 8 gilisticos de outras comunidades de fala ja foi realizada Por outros pesquisadores da Area: sobre 0 espanhol falado cidade do Panamé; sobre o espanhol falado por porto- ~riquenhos residentes nos Estados Unidos; sobre o inglés falado em Norwich, Inglaterra, e em Belfast, Irlanda; sobre © francés falado na cidade de Montreal, Canadé; ¢ sobre © portugués falado nas cidades do Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Séo Paulo. © modelo de anélise lingiifstica proposto por Labov € também rotulado por alguns de “sociolingiifstica quan tativa”, por operar com mimeros e tratamento estatistico dos dados coletados. A variavel e as variantes lingiiisticas Em toda comunidade de fala sao freqiientes. as formas iiisticas em variagio. Como referimos anteriormente, a essas formas em variago dé-se 0 nome de “variantes”. “Variantes lingifisticas” so, portanto, diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto, e com © mesmo valor de verdade. A um conjunto de variantes © nome de “varidvel lingiiistica’ Vejamos um exemplo! No portugués falado do Bra- sil, a marcagio de plural no sintagma nominal (dora SN; constituinte. frasal minimo, composto de um nticleo substantivo obrigatério, modificado por determinantes e adjetivos) encontra-se em estado de variagio. Tem-s um exemplo de varidvel lingiiistica: a marcagéo do plural no SN. A essa el correspondem duas variantes lin- icas, as adversirias do campo de batalha da variacao: a variante (1) € a presenga do segmento fénico /s/, e a variante (2), em contrapartida, é a auséncia desse seg- mento, ou seja, a forma “zero”. Para assinalar a varidvel, uusaremos parénteses angulares <>, os quais, segundo a 9 convengio do modelo, indicam a variagio do item lin- giiistico analisado. Para as variantes sero usados colche- tes. Assim, tem-se [e] O plural no portugués € marcado redundantemente a0 longo do SN: no determinante, no nome-niicleo e nos nodificadores-adjetivos. A variagio na marcagdo do plu- ral no SN pode, portanto, tomar as seguintes formas: aS menina$ bonitaS aS meninas bonitag aS meninag bonitag Isto é, em (1), nosso suposto falante reteve a marca de plural ao longo do SN, espelhando assim em seu desem- penho lingilistico a norma-padrao do portugués. Em (2), © falante retém a variante [s] na posicéo de deteminante e de nome-niicleo, mas lanca da variante[$]para a posi- cao de adjetivo modificador. Em (3), o falante utiliza-se da variante nao-padrao [4] nas duas posigdes finais do SN, retendo a marca de plural somente na posigao inicial Essa variacdo, como serd exposto no capitulo 3, se mani- festa tanto a nivel de grupo como a nivel individual Os estudos do espanhol falado na cidade do Panamé € pelos porto-riquenhos residentes na Filadélfia demonstra- ram que a variével de pluralidade correspondem trés variantes principais: duas delas, 0 [s] e 0 [¢], so idén- S as encontradas no sistema de variagéo do portugués 10 falado do Brasil, enquanto a terceira, uma fricativa aspi rada, apesar de ndo-padrao, mantém a marca de plurali- dade no SN. Assim, em espanhol, tem-se [s] th] [fe] Tgualmente, podemos imaginar combinagdes a que o falante do espanhol panamenho ou do porto-riquenho est acostumado, como e 1. laS cosaS bonitaS laH cosaH bonitaH 2. laS cosaS bonitad laH_ cosaH bonitag 3. aS cosag bonitag laH cosa¢ bonitad Esses dois exemplos de variagao, assim como outros a serem apresentados, podem ser sistematizados. Tal sis- tematizacdo consiste primordialmente em: 1) um levantamento exaustivo de dados de lingua falada, para fins de andlise, dados estes que refletem mais fielmente 0 vernéculo da comunidade; 2) descrigao detalhada da varidvel, acompanhada de um perfil completo das variantes que a constituem; 3) anélise dos possiveis fatores condicionadores (lin- giifsticos e nfio-lingiifsticos) que favorecem 0 uso de uma variante sobre a(s) outra(s); un 4) encaixamento da varidvel no sistema lingiifstico social da comunidade: em que nivel lingiifstico € social da comunidade a varidvel pode ser colocad: 5) projecdo histérica da varidvel no sistema sociolin- gilistico da comunidade. A variagdo nao implica necessa- riamente mudanca lingiifstica (ou seja, a relagéo de con- temporizaco entre as variantes). A mudanca, ao contré- rio, pressupde a evidéncia de estado de variacao anterior, com resolu¢o de morte para uma das variantes. Uma vez feita a andlise segundo 0 modelo proposto, © aparente “caos” desaparecerd e a lingua falada avultard como um sistema devidamente estruturado. Os resultados finais da andlise propiciario a formulagio de regras gra- maticais. Estas, no entanto, devido a propria esséncia natureza da fala, néo poderdo ser categéricas, optativas ou obrigatérias, Serdo, conseqiientemente, regras varidveis, pois o favorecimento de uma variante ¢ nfo de outra de- corre de circunstancias lingiifsticas (condicionamento das variantes por fatores internos) e nao-lingiifsticas (con namento das variantes por fatores externos, tais como faixa etéria, classe social etc.) aprop aplicagéo de uma regra especifica, Trata-se, portanto, de um sistema lingiiistico de probabilidades. Variagao livre (ou néo-con- dicionamento das variantes), como a preconizavam os estruturalistas das décadas de 20 ¢ 30, nio encontra res- paldo neste modelo de anélise lingiiistica. Variantes-padrao / nao-padrao, conservadoras / inovadoras, estigmatizadas / de prestigio As variantes de uma comunidade de fala encontram- -se sempre em relago de concorréncia: padrao vs. nao- 2 -padrio; conservadoras vs. inovadoras; de prestigio vs. es- tigmatizadas. Em geral, a variante considerada padrao é, a0 mesmo tempo, conservadora e aquela que goza do pres- tigio sociolingiifstico na comunidade. As variantes inova- doras, por outro lado, so quase sempre néo-padrao e estigmatizadas pelos membros da comunidade. Por exem- plo, no caso da marcacdo de plural no portugués do Brasil, a variante [s] € padrao, conservadora e de prestigio; a variante [§], por outro lado, é inovadora, estigmatizada © ndo-padrao. Nem sempre, no entanto, a coincidéncia entre os trés pares acima é verificada. Vejamos dois exemplos de situa- ¢40 conflitante: o primeiro reflete as previsdes do modelo sociolingiiistico; o segundo amplia a dimensdo que atitudes sociolingiiisticas podem alcancar. Em seu estudo sobre o inglés falado na cidade de Nova Iorque, Labov observou duas maneiras distintas de se pronunciar 0 fonema /r/ pés-vocélico. Essas duas formas séo: a presenga do segmento fénico ({r]) vs. sua auséncia ([¢]) em contextos fonolégicos idénticos. Por exemplo, em posicZo final de palavra, como em car, 0 /t/ foi ou expresso ou apagado; igualmente, em posicao inte- rior travando uma sflaba, como na palavra cart, 0 /t/ foi realizado segundo uma ou outra das duas variantes. Os resultados da anélise demonstraram que a auséncia do /t/ € estigmatizada socialmente (isto é, nao faz parte do “bom falar nova-iorquino”) e a presenea do segmento é consi- derada a variante de prestigio. Ainda mais significativo, a anélise concluiu que ao status social mais elevado de um falante corresponde 0 uso mais freqiiente do [r] Nao ha nada inerente a0 /r/ pés-vocélico que o defina como “bom”, “ruim”, “correto” ou “incorreto”. Trata-se somente de uma questo de atitude sociolingiiis- tica dos membros de uma comunidade. Na Inglaterra, por exemplo, a promincia do /r/ pés-vocélico € estigma- 3 tizada socialmente; uma situagio de variacdo, portanto, radicalmente oposta encontrada na cidade de Nova Torque. Uma perspectiva histérica indica que até a Se- gunda Guerra Mundial era a auséncia do /r/ a forma de prestigio em Nova lorque, e sua pronincia era estigma- tizada socialmente. O sistema de variaco do /r/ pés-vo- cilico, portanto, virou de cabeca para baixo: agora tem Prestigio quem pronuncia o /r/ pés-vocilico! Os resulta- dos da anélise de Labov também concluem que a prontin- cia do /t/ pés-vocélico, ao assumir prestigio sociolingiiis- tico na comunidade, tende a ser exagerada. Tal exagero ecoa mais fortemente na classe social média-alta’ e na faixa etdria mais jovem. Mas nem sempre € esse 0 caso! O exagero pode ser exercido sobre variantes que nao gozam de prestigio socio- lingilistico. Novamente a explicaco devera ser procurada na configuracdo social da comunidade em questéo. Veja- mos, portanto, uma situacdo de variagao que reflete 0 exa- gero de uma variante conservadora, ndo-padrao e estig- matizada, A comunidade é a ilha de Martha’s Vineyard no Estado de Massachusetts, estudada por Labov em 1963. Essa comunidade, durante muito tempo, relativamente iso- lada da costa da Nova Inglaterra, experimentou mudangas sociais draméticas decorrentes da invaso de veranistas do continente. Tais mudangas sociais tiveram conseqiiéncias lingiifsticas extremamente interessantes. O campo de bata- Iha de variacao encontrado nessa ilha mostrava-se nas duas maneiras distintas de se pronunciar a vogal-nicleo dos di- tongos /au/, como em house, e /ay/, como em right. A variante local conservadora, ndo-padrao e estigmatizada é a prontincia da vogal-niicleo como um schwa: [au] ; [ay] A variante mais recente, inovadora e de prestigio, pois se assemelha & prontincia do inglés-padrao, é a forma trazida pelos veranistas invasores da ilha. Como analisar essa situagdo de variagao? 14 Somente 0 encaixamento sociolingiifstico da variével na comunidade poderé explicar o resultado aparente- mente contradit6rio a que o estudo chegou: a variante conservadora, ndo-padrao e estigmatizada é a forma lin- giiistica mais forte dentro da comunidade. A proniincia de house como [haus] tornou-se marca local ¢ esta sendo exagerada pelos membros da comunidade. Os habitantes da ilha comecaram a ressentit a invasdo dos veranistas ¢ a exploragéo econémica decorrente: assim, atitudes lingtifs- ticas so as armas usadas pelos residentes para demarcar seu espaco, sua identidade cultural, seu perfil de comuni- dade, de grupo social separado. A tendéncia ao exagero da forma conservadora é ainda mais acentuada entre os jovens da comunidade que, apés um tempo de perma- néncia no continente, voltaram e se estabeleceram na ilha. E evidente que a centralizagio do ditongo em Mar- tha’s Vineyard & somente um dos tracos lingiiisticos que definem a lingua falada na ilha. Os exemplos relatados sugerem, portanto, que a lingua pode ser um fator extre- mamente importante na identificagéo de grupos, em sua configuragao, como também uma possivel maneira de de- marcar diferengas sociais no seio de uma comunidade. Préximas atragées Mas, para que vocé possa tirar © maior proveito pos- sivel da linha de trabalho sugerida neste volume — a rela- cio entre lingua ¢ sociedade —, é necessdrio que este ma- nual seja elaborado. Nossa inten¢do principal € que, com todas as limitagdes que um livro introdutério naturalmente contém, vocé possa, a partir das idéias, conceitos, exem- plos e problemas aqui apresentados ¢ discutidos, vencer uma batalha ainda maior: a de descrever, analisar e resol- ver as batalhas travadas entre variantes lingtifsticas. 15 Passemos, portanto, as proximas atragdes! O capitulo 2 sera um momento de reflexdo sobre 0 fato lingifstico deste modelo de anélise sociolingiiistica: 0 que deve ser descrito ¢ analisado! A metodologia de coleta de dados seré apresentada detalhadamente para que vocé possa aprender a constituir seu objeto de estudo. Também nesse capitulo 2 vocé deverd refletir sobre a relacao entre teoria, método e objeto de estudo. O capitulo 3 traz como titulo “A variagdo lingufstica primeira insténcia". Nele serao discutidos os seguintes as- pectos da andlise sociolingiifstica: a preparagio e a defi- nigdo do envelope de variacdo: o elenco das variantes concorrentes dentro de uma variével; o levantamento das hipéteses: quais fatores lingiifsticos e/ou extralingilisticos podem estar controlando 0 processo de uma varidvel; a primeira apreciagao da variavel pelo analista: como o es- quema de variacio em um aspecto especifico da gramé- tica falada se encaixa dentro do sistema da fala, em seu conjunto maior? E ainda, como tal esquema parece se encaixar no sistema social da comunidade de falantes? © capitulo seguinte, “A variaco lingiifstica: segunda instancia”, trataré da avaliagdo sociolingiifstica de varié- veis pelos préprios falantes da comunidade. Nesse sentido serio discutidos: a noco de estereétipos, marcadores e indicadores sociolingiiisticos; a questo sobre variacdo normalizagao lingiifstica; 0 papel desempenhado pela lingua € pelos meios de comunicagao de massa na estandardiza- 40 lingiifstica; os parametros extralingiiisticos: classe so- cial, faixa etdria, sexo, etnia, estilo. © capitulo 5, “Variacio e mudanga lingiifsticas”, enfoca a questio da lingiifstica hist6rica: a transiga0 e a implementacao de variantes, de um momento do sistema lingiifstico para outro, e uma revisio da dicotomia saus- sureana entre sincronia (estudo transversal da lingua em um determinado tempo) e diacronia (estudo longitudinal 16 da lingua, através do tempo). Em “Conclusdes”, no ca tulo 6, retornaré a questo maior: a heterogeneidade sis- tematizdvel da lingua falada. Apreciaria muito se vocé, no percurso da leitura deste 0, refletisse sobre a importancia da possibilidade de tal sistematizago, no sentido nao somente de encaré-la como um recurso para a resolucdo de problemas de varia- 40 lingiiistica mais imediatos, como também de avaliar a forga e © peso de tal modelo de investigacéo para a solugio de questdes teoricas de maior abrangéncia. Vamos a luta!? Zz O fato sociolingiiistico Teoria, método e objeto Qual é a relacdo existente entre estes trés conceitos teoria, método e objeto? Como as possiveis combinacdes entre eles podem explicar ou complicar os caminhos a serem trilhados pelo pesquisador-cientista? Como assegu- rar que eles mantenham uma relagéo coesa, ordenada e logica entre si? Embora essas perguntas nao sejam faceis de responder, vale 0 esforcgo da tentativa de responder a elas neste inicio de capitulo. Em primeiro lugar, a relacdo entre os trés conceitos € 6bvia e imperativa: toda ciéncia — a lingtifstica, em nosso caso particular — tem uma teoria prdpria, um objeto especifico de estudo e um método que Ihe é carac- teristico. Mas qual desencadeia 0 proceso da investiga- do cientifica? Qual o ponto de partida mais adequado: a teoria, 0 método ou o objeto? Comecemos a responder a essas perguntas a partir da disposicao linear em que os conceitos foram apresentados: a teoria, Imagine uma teoria que determine seu método (algo esperado e desejavel!) € 18 seu objeto, ou seja, imagine uma situagdo de investigacao cientifica em que os pressupostos te6rico-metodolégicos de- terminam © objeto de estudo! A teoria e 0 método de anélise forgosamente deverao ter sido elaborados antes mesmo que 0 objeto tenha sido descrito. Constituiré esse objeto de estudo, entéo, um verdadeiro e genuino fato? Ou ainda, poderé tal modelo te6rico dar conta de todos os fatos disponiveis para andlise? Parece-me que a res- posta é negatival Nao s6 tal modelo nao conseguird ana- lisar todos 0s fatos disponiveis, como também ter mesmo que crié-los artificialmente para se auto-afirmar. Mas nem 36 de loucura e desatino deve viver 0 pesquisador que habita em nés! Tomemos outro caminho! Uma vez que teoria e mé- todo mantém entre si uma relagdo légica, partamos do objeto de estudo. E a partir de sua existéncia real, com todas as suas intimeras, infinitas e possiveis facetas, que tentaremos construir um modelo te6rico. Nesse sentido, a teoria, em principio, deveré dar conta de todos os fatos disponiveis, pois, em sua constituigdo, ela nao filtrou os fatos: ela os analisou a todos! O modelo teérico-meto- dol6gico da sociolingiifstica parte do objeto bruto, nio-po- lido, nao-aromatizado artificialmente. Em poucas palavras, dentro do modelo de anélise proposto neste volume, o objeto — 0 fato lingiiistico — € © ponto de partida e, uma vez mais, um porto ao qual o modelo espera que retornemos, sempre que encontrarmos dificuldades de and- lise. © fato sociolingiiistico, © dado de andlise, € a0 mesmo tempo a base para o estudo lingiifstico: 0 acervo de informagées para fins de confirmagio ou rejeigio de hipéteses antigas sobre a lingua e também para o levan- tamento e 0 langamento de novas hipéteses. Mas defina- mos agora o objeto! 19 Em suma, a lingua falada € 0 vernéculo: a enuncia- cdo e expressdo de fatos, proposigées, idéias (0 que) sem a preocupagio de como enuncié-los. Trata-se, portanto, dos momentos em que o minimo de atengao é prestado & lingua, ao como da enunciacdo. Essas partes do dis- curso falado, caracterizadas aqui como o vernéculo, cons- tituem © material bésico para a andlise sociolingtifstica. Evidentemente aquele material que nao apresente as carac- teristicas do vernéculo poderd ser utilizado na anélise sociolingiiistica, caso 0 pesquisador saiba caracterizé-lo de- vidamente e desde que ele 0 aproveite com novas hipéte- ses em mente. (Mais detalhes sobre 0 aproveitamento desse material seguem no capitulo 4.) Vé-se, por conse- guinte, que a natureza do objeto de estudo sempre pre- cederé o levantamento de hipéteses de trabalho e, conse- giientemente, a construcdo do modelo te6rico. Como cole- tar, porém, o vernéculo? © paradoxo do observador Para a andlise sociolingiifstica que segue esse feitio é necesséria uma enorme quantidade de dados. Como o modelo é de natureza quantitativa, a representatividade do corpus (isto é, do material selecionado para a anélise) sera sempre avaliada em fungéo da varidvel estudada e com base nos objetivos centrais do estudo em questéo. Uma varidvel fonolégica, como a perda da pluralidade em por- tugués, recorre mais freqiientemente na fala do que uma variavel sintética, como 0 uso de oracées relativas ou a alternancia entre a voz ativa e a passiva, Conseqiiente- mente, para se chegar a resultados quantitativos, estatisti- camente significativos, sobre a varidvel sintatica, precisa-se de mais material de anélise. Uma vez que pretendemos estudar a lingua falada em situagdes naturais de comuni- cago, como entao coletar uma vasta quantidade de mate- rial, sem que a presenca do pesquisador interfira na natu- ralidade da situacio de comunicacao? Uma primeira alternativa seria a de procurar fazer © papel do pesquisador-observador: 0 pesquisador que nao participa diretamente da situagdo de comunicagio. Dessa maneira nao sera prejudicada a naturalidade da situacio! Os antropélogos — lingitistas ou no — muito tém se servido desse método de coleta de dados. O sociolingiiista, porém, sentira a necessidade de controlar t6picos de con- versa e de eliciar realizagdes da variavel lingtiistica em que esteja interessado. O pesquisador da Area da sociolingiifs- tica precisa, portanto, participar diretamente da interacio. E claro que, sendo especialmente interessado na comuni- dade como um todo, ele também se utilizaré do método da observacéo no momento de adentrar a comunidade de falantes. Sua participagdo direta na interacio com os membros da comunidade 6, no entanto, uma necessidade imposta pela propria orientagdo te6rica. 21 Como resolver, por conseguinte, 0 paradoxo do obser- vador? Isto é, de um lado, 0 pesquisador necesita de grande quantidade de dados que somente podem ser cole- tados através de sua participagao direta na interacgéo com os falantes; de outro, essa participacao direta pode per- turbar a naturalidade do evento. Como solucionar este problema? O método de entrevista sociolingiistica: a coleta de narrativas de experiéncia pessoal © propésito do método de entrevista sociolingiiistica € 0 de minimizar o efeito negativo causado pela presenca do pesquisador na naturalidade da situagdo de coleta de dados. De gravador em punho, o pesquisador-sociolin- giiista, como afirmamos, deve coletar: 1. situagdes natu- rais de comunicacao lingiiistica e 2. grande quantidade de material, de boa qualidade sonora pesquisador, ao selecionar seus informantes, estaré em contato com falantes que variam segundo classe social, faixa etdria, etnia e sexo. Seja qual for a natureza da situagdo de comunicacdo, seja qual for o t6pico central da conversa, seja quem for o informante, 0 pesquisador dever tentar neutralizar a forca exercida pela presenca do gravador e por sua prépria presenca como elemento estranho 4 comunidade. Tal neutralizagao pode ser alcan- cada no momento em que o pesquisador se decide a repre- sentar © papel de aprendiz-interessado na comunidade de falantes e em seus problemas ¢ peculiaridades. Seu obje- tivo central sera, portanto, aprender tudo sobre a comu- nidade ¢ sobre os informantes que a compéem. A palavra “lingua” deverd ser evitada a qualquer prego, pois 0 obje- tivo € que o informante nao preste atengo a sua prépria maneira de falar. \ 2 Para atingir tais propésitos metodolégicos podem-se formular médulos (ou roteiros) de perguntas: um ques- tiondrio-guia de entrevista, Esses médulos tm por obje- tivo homogeneizar os dados de varios informantes para posterior comparacio, controlar os tépicos de conversa- Gao, e, em especial, provocar narrativas de experiéncia pessoal, Os estudos de narrativas de experiéncia pessoal tém demonstrado que, ao relaté-las, 0 informante esté tao envolvido emocionalmente com 0 que relata que pres- tao minimo de atengdo ao como. E é precisamente esta a situagdo natural de comunicagio almejada pelo pes- quisador-sociolingiista. Os médulos cobrem uma série de tépicos para fins de conversagdo: dados pessoais do informante (sua his- t6ria), jogos e brincadeiras de infancia, brigas, namoro encontros amorosos, casamento, perigo de morte, medo, familia, religiao, amigos, turmas, servicos piblicos, 0 cri- me nas ruas, escola e trabalho, interagao com outros mem- bros da comunidade, esportes etc. O sucesso da aplicacéo dos médulos poder variar para cada comunidade de fala, para cada grupo de falantes ou mesmo para cada indi- viduo. Cabe, portanto, ao investigador adapté-los a cada grupo estudado! ‘A seguir vocé vera parte do médulo “Perigo de mor- te”, que provou ser o mais eficaz durante a coleta de nar- rativas de adolescentes negros do Harlem, gueto de Nova Torque. O médulo, tal como apresentado aqui, foi con- cebido por Labov e seu grupo de pesquisadores com base em intimeras aplicaces com posteriores aperfeicoamentos. Médulo: Perigo de morte Pergunta 1: Vocé j4 esteve alguma vez em uma situagao em que estivesse correndo sétio risco de vida (uma situa- do em que tenha dito a vocé mesmo: “Chegou a minha hora!”? 23 Pergunta 2: O que aconteceu? Pergunta 3: Numa situagio dessas algumas pessoas dizem: “Bom, seja 0 que Deus quiser!”. © que vocé acha? E assim por diante. Esse médulo tem sido usado com bastante sucesso por sociolingiiistas brasileiros e, além da tradugdo sugerida acima, varias outras adaptacées podem ser feitas em fungdo do grupo estudado. Passemos agora & definigdo de narrativa segundo o modelo proposto por Labov. A narrativa ‘A narrativa de experiéncia pessoal é a mina de ouro que 0 pesquisador-sociolingiiista procura. Ao narrar suas experiéncias pessoais mais envolventes, a0 colocé-las no género narrativa, o informante desvencilha-se praticamente de qualquer preocupacio com a forma. A desatengio & forma, no entanto, vem sempre embutida numa linha de relato, a que chamaremos “estrutura narrativa”. Na estrutura narrativa Labov salientou as seguintes partes: resunio, orientacdo, complicagio da aco, resolu- cio da agdo, avaliagio e coda, definidas a seguir. Cada uma dessas subpartes € composta de unidades minimas de narragdo, denominadas “oracGes narrativas”. Especialmen- te na complicagdo e na resolugdo da agdo a ordem dessas oracdes narrativas no pode ser alterada, pois é sua se- giiéncia que marca a ordenacdo dos eventos, e no qual- quer trago morfolégico no verbo. Por exemplo A{o Zé deu um murro na cara do Tido, que caiu no chao. Entio a mulher do Tiéo chamou a policia. d. E ela chamou mesmo! es 24 Nesse exemplo de complicago e de resolugio da aco de uma narrativa, a ordem das oragdes ndo pode ser alterada, pois o passado simples perpassa as quatro, isto é a morfologia do verbo por si sé ndo resolveria questées de anterioridade e de posterioridade dos acon- tecimentos narrados. O elemento desencadeador ¢ compli- cador da aco € 0 fato de Zé ter esmurrado a cara de Tigo (evento 1), 0 qual em seguida caiu ao chao (evento 2), tendo sua mulher chamado a policia (evento 3). E cla realmente 0 fez (evento 4), como nos informa o nar- rador. Qualquer alteracdo feita a essas quatro oragdes nar- rativas acarretaria a dissolucao do encadeamento légico proposto pelo informante. Nas outras subpartes da narrativa a ordem das ora- gdes nao é tao rigida. Na orientagdo, por exemplo, que consiste na introdugao das personagens, do local e do tempo de agdo, a ordem das oragdes narrativas pode ser lterada. Assim também na avaliagéo. No resumo e na coda — o primeiro introduzindo as linhas gerais da aco, @ a segunda, a marcacdo final do tempo da narrativa —, € comum ser a ordem das oragdes mais fixa. A avaliagao € a parte da narrativa através da qual o narrador procura motivar 0 destinatério (0 ouvinte de seu relato) a valorizar 0 fato narrado. Ou seja, o narrador pretende com essa parte que o destinatédrio, seu. ouvinte, se veja impedido de (e nao se sinta impelido a) fazer a célebre e frustrante pergunta: “E daf?”, Na verdade, nossa experiéncia em narrar garante-nos que uma estéria “bem contada” sempre € recompensada por interjeicdes ou lo- cugies interjetivas de surpresa ou de admiragao, do tipo: “Nossal”, “Minha nossa!”, “BE mesmo?”, “Que loucura!”, “Meu Deus!”, A uma estéria “mal contada” e de pouco interesse para o ouvinte, 0 narrador fatalmente receberd um desconcertante “E dai?” ou um irénico “E mesmo?!”. 28 Cabe, portanto, ao narrador, uma vez iniciado um relato, evitar que sua narrativa seja mal recel Nao hé ordem fixa para o aparecimento da avaliagao. Em geral, essa parte segue-se & complicagio e precede a resolugdo. Mas é também muito comum a avaliagdo se- guir a orientagdo, antes mesmo da complicac’o da aco. Esse fato pode ser explicado precisamente pela intengdo do falante de motivar seu ouvinte a reagir positivamente a sua narrativa, Talvez também a ele se prenda a opcio- nalidade de aparecimento do resumo. Mas vejamos agora um exemplo de uma narrativa de um adolescente nascido em Sao Paulo, carregador de pa- cotes em um grande supermercado e morador de uma das favelas da cidade. O médulo que provocou essa narrativa do informante é uma combinacao de familia, interagdo social com outros membros da comunidade e servicos pi- a. Néis ficd sem liz af, seis meis sem I b. Tem uns inquilinu 14 né, entao, c. Tudu barracu qui meu padastru tinha alugadu d. Entio um cumecé num pagé, atrasé c’u alugué, e. dipois num pagava Idiz nem nada. £. Af us otru falaru: “S6 néis qui vai pagé, tudu mundu_usan g. Af cumecaru a num pagd tamém, h. Um pagé, u otru num pagé, i, Af u meu padastru pegd i cortd. j. Num pag6 tamém na lait, k. Af cortaru né 1, Af ficamu sem Iiiz dipois, né. De acordo com o modelo de narrativa apresentado nesta seco, pode-se facilmente identificar as partes que compSem © relato do informante adolescente paulistano. 26 © resumo é a primeira oraco narrativa; as de letra (b) € (c) constituem a orientagdo; da oragdo (d) a (£) surge © elemento complicador da aco, que se resolve nas ora- g®es (g) a (Kk); a coda aparece na oracao narrativa (1). Para finalizar esta seco do capitulo apresentamos 0 diagrama que resume os componentes da narrativa se- gundo o modelo laboviano. FIGURA 1 — Diagrama dos componentes da narrativa GEN \V ae (Lavov, 1972b, p. 369) A comunidade e a selecdo de informantes Que tipo de comunidade estudar? Pequenas ou gran- des? Rurais ou urbanas? Industrializadas ou nao? Quais informantes selecionar € quantos? Como entrar na comu- nidade e fazer os primeiros contatos com os informantes? Essas so algumas das muitas perguntas que vocé cer- tamente se far4 no inicio de sua pesquisa. Com 0 grava- dor a tiracolo, e uma pequena receita em mente de como realizar um projeto de pesquisa, voc, mesmo assim, se sentiré perdido © tera a impressdo de estar pisando em cascas de ovos. Aqui vao, porém, alguns conselhos de quem jé intimeras vezes se sentiu tio desamparado quanto Yocé neste momento 27 1. Seja qual for a comunidade, seja qual for 0 grupo, jamais deixe claro que seu objetivo é estudar a lingua tal como é usada pela comunidade ou grupo. Se vocé inadver- tidamente o fizer, ou, mais grave ainda, se o fizer conscien- temente, é muito provavel que o comportamento de seus informantes — j4 prejudicado pelo uso do gravador e por sua presenca — se altere ainda mais, e a pesquisa, conse- qiientemente, se torne ainda mais enviesada. Procure, por- tanto, colocar ao informante os objetivos de sua pesquisa fora do campo da linguagem. Lembre-se também de que, sendo a lingua propriedade do grupo estudado, seus infor- mantes poderdo se sentir ameacados e embaracados. 2. Esclareca sempre ao informante que a fita gra- vada contendo informacGes até de natureza pessoal poderd ser inutilizada a pedido do entrevistado, na presenga do mesmo. 3. Procure acomodar seu comportamento social € lin giiistico ao do grupo ou da comunidade entrevistada, isto é tente minimizar o efeito negativo de sua presenca sobre © comportamento sociolingiifstico natural da comunidade. 4. Procure entrar na comunidade através de tercei ros, ou seja, de pessoas j4 devidamente aceitas pela comu- nidade. 5. O critério basico para a selegio de informantes seré 0 da amostragem aleat6ria. Tal critério deverd ser usado especialmente no caso de a comunidade estudada ser um grande centro urbano. A amostragem aleat6ria Ihe dard a certeza de que vocé ao menos tenha dado a chance a todos os membros da comunidade de serem entrevista- dos. A consulta ao censo da comunidade € imprescindi- vel, bem como reflexdo cuidadosa sobre os critérios de classificagdo dos informantes em grupos socioecondmicos. 6. Nos estudos de comunidade estabeleca parametros rigidos para a selecdo de informantes, como, por exemplo: somente serdo entrevistados aqueles individuos que ou te- 28 nham nascido na comunidade em questdo ou a ela tenham chegado até os 5 anos de idade. Com isso vocé evitard que a escolaridade do informante em uma outra comuni- dade, ou sua interacdo com falantes de outro centro até a fase critica da adolescéncia tenham reflexo sobre a marca sociolingiifstica do grupo estudado. 7. O tamanho da amostra dependeré da natureza lin- giiistica da varidvel a ser estudada, Uma varidvel fonol6- gica, por exemplo, é bastante recorrente na fala; j4 uma variavel sintética ocorre com menos freqtiéncia, exigindo, Portanto, uma amostragem maior, bem como estratégias especiais para fazé-la ocorrer. Mas passemos agora ao ntimero de “informants. Quantos devem ser e como organizé-los? As células sociais Ao se decidir por estudos da lingua falada e pela teoria da variagéo lingiiistica, vocé logo se deslumbrara com a riqueza dos dados. Tudo se torna subitamente tio interessante que vocé se inclinaré a abrir o leque de op¢des © maximo possivel ¢ a propor projetos de dimensoes astro- nOmicas. Tome cuidado! Certas medidas séo necessérias Para que vocé possa, por exemplo, afirmar que uma deter- minada variante € uma marca social de um grupo menos privilegiado economicamente. Vejamos entdo algumas situacdes hipotéticas. Supo- nha que vocé deseje estudar a influéncia de dois gripos socioeconémicos ¢ do sexo sobre 0 uso de certas variantes Nesse caso vocé tera duas células da variavel grupo socio- econémico e duas da varidvel sexo. Veja: Grupo socioecondmico: A e B (2 células); Sexo: Masculino ¢ Feminino (2 células). 29 Para tornar sua amostragem representativa, vocé precisard de quatro combinagées diferentes: Masculino A; Masculino B; Feminino A; Feminino B. A seguir, preveja um outro tipo de fator condicionador — faixa etéria, por exemplo, — que vocé suspeite ser signi- ficativo para a anélise da batalha entre as variantes Grupo 1: de 15 a 29 anos; Grupo 2: de 30 a 45 anos; Grupo 3: de 46 a 60 anos. Acrescentando faixa etéria as duas outras células sociais, vocé teré doze possiveis combinacdes, a saber: Classe dade 1. A 15 a 29 anos 2. A 30 a 45 anos 3 A 46 a 60 anos 4. B 15 a 29 anos 5. B 30 a 45 anos 6. Masculi B 46 a 60 anos id Feminino A 15 a 29 anos 8. Feminino A 30 a 45 anos 9. Feminino A 46 a 60 anos 10. Feminino B 15 a 29 anos u. Feminino B 30 a 45 anos 12. Feminino B 46 a 60 anos Para cada uma das doze células vocé necessitaré de um minimo de 5 informantes de modo a garantir a represen- tatividade da amostra. Se vocé incluir somente a varidvel 30 grupo socioeconémico, iré necessitar de um minimo de 10 informantes, 5 para cada grupo. Se as duas células — grupo socioecondmico e sexo — forem incluidas como pardmetros externos aos dados, seréo necessdrios 20 in- formantes; se vocé decidir que tanto grupo socioecondmico quanto idade e sexo forem significativos para a anélise das variantes linglifsticas, um minimo de 60 informantes deve- rao ser entrevistados. Como vocé vé, 0 trabalho é arduo! ‘A medida de 5 informantes para cada combinacio dos fatores extralinglifsticos pode ser-lhe muito Gtil no mo- mento de definir ¢ caracterizar 0 universo de sua amostra Ligar o gravador é muito facil, mas reflita e pondere muito sobre 0 tipo e a quantidade de material que vocé pre- tende analisar. Como elemento estranho @ comunidade, nao Ihe seré muito facil chegar ao verndculo imediata- mente, Afine-se com a comunidade o maximo possivel; acomode-se sociolingiiisticamente a ela! Vocé somente teré fa ganhar em riqueza de dados sobre as variantes que se propés a estudar. O dado nao-natural Uma vez que a conquista do vernéculo nao € tio imediata, 0 que fazer com o material que néo represente ‘0 vernaculo, tal como definido neste capitulo? Devera o pesquisador inutilizar esses dados nao-naturais do corpus? A resposta é no! Evidentemente 0 aproveitamento desses dados sera especial, pois eles poderao inspirar novos obje- tivos. Vocé poderd usar 0 dado nao-natural para estabelecer uma hierarquia estilistica do desempenho do informante: de formal (ndo-natural) a informal (natural); de cuida- doso (ndo-natural) a casual (natural). Obviamente ope- racionalizar essas dimensdes um proceso complicado, aL mas seu conhecimento dos dados e dos informantes Ihe forneceré caminhos Para que esse conhecimento de seus dados e de seus informantes seja completo, é recomendavel diagramar a entrevista. A diagramagdo consistiré em recortes da entre~ vista em termos de: 1. dado-resposta a pergunta do entre~ vistador vs. dado espontineo do entrevistado; 2. narrativas provocadas por médulos vs. narrativas espontaneas; 3 mimero de intervengdes do entrevistador; 4. narrativas subseqiientes, provocadas ou espontaneas, etc. A diagra- mao é uma forma mais prética de comparar a natura- lidade dos dados de duas ou mais entrevistas. Fazendo essa comparagiio para um mesmo informante entrevistado mais de uma vez, vocé observar que a tltima entrevista sempre contém mais 0 vernaculo que as anteriores. ‘Além do dado néo-natural que forgosamente estaré gravado em sua fita cassete, vocé poderd elaborar testes de lingua sobre as variantes estudadas a fim de ampliar 0 escopo estilistico. Nesse momento vocé diré a seu infor- mante que o teste é de Iingua. Com o teste vocé tera am- pliado a dimensao estilistica a um terceiro nivel: dado natural e ndo-natural da entrevista, e teste. O iltimo iré refletir um estilo ainda mais pensado, mais intencional que 0 dado ndo-natural da entrevista, pois vocé tera lembrado a0 informante que preste muita atencao a quest6es de lin- guagem, Essa situacdo experimental refletira a avaliagéo dada pelo informante as variantes: padro vs. ndo-padrao; estigmatizada vs. de prestigio. A coleta de dados: conclusao Depois de ter lido este capitulo, vocé talvez até sinta vontade de desistir da pesquisa sociolingiifstica. Meus con- selhos soam imperativos, e os cuidados a se tomar séo 2 muitos. Nao desanime! Quanto mais tempo vocé passar no campo, coletando dados, mais criativo vocé se tornard em relagdo as possiveis maneiras de minimizar o efeito negativo causado por sua participacdo direta na interacdo. Nos préximos capitulos vocé entraré em contato com resultados de andlises j4 realizadas sobre 0 portugués fa- ido no Bras Vocé entao se convencerd de que todo esse trabalho de coleta é extremamente ttil e gratificante, e que a andlise fluira naturalmente dos dados coletados. 3 A variagao lingiiistica: primeira instancia © envelope de variacao Nao hé loteria sem apostadores; futebol, sem adver- sérios; guerra, sem soldados, nem tampouco “caos” lin- giifstico, sem variantes! Em todas essas situagbes de com- petigio, a presenga de um mediador faz-se necessaria para que 0 conflito se resolva. Como pesquisador-sociolingiiista, sua misséo é analisar a situaco de conflito e, com base em s6lidos e firmes argumentos, desmascarar a assistema- ticidade do “caos”. Para alcancar esse objetivo é necessdrio um conheci- mento acurado das advers4rias. Enfim, para que vocé se} uum excelente juiz ¢ mediador dessa batalha, é imprescindi vel que, em primeiro lugar, apresente, defina e caracterize detalhadamente cada uma dessas concorrentes. E somente a partir do perfil individual das variantes que vocé poder explorar as armas de que cada uma dispde, bem como valiar os contextos mais favordveis a derrota de uma e & vit6ria de outra, A essa descri¢éo detalhada das va- riantes daremos o nome de envelope de variacdo. O enve-

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