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FGV DIREITO SP

Law School Legal Studies Research Paper Series

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O ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STF NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE


CONSTITUCIONALIDADE Nº 49 E OS EFEITOS PRÁTICOS DESSA DECISÃO
César Chinaglia Meneses1

Resumo
O presente artigo versa sobre o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49 pelo
Supremo Tribunal Federal, que resultou na declaração de inconstitucionalidade de diversos artigos
da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, conhecida como Lei Kandir. Nesse contexto,
para além de ser delineado o entendimento da Suprema Corte quanto à incidência do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias (“ICMS”) nas operações entre estabelecimentos do mesmo titular, serão
abordados neste trabalho os efeitos práticos dessa decisão, tanto para os contribuintes quanto para a
Administração Tributária.
Palavras-chave: Direito Tributário; ICMS; ADC nº 49.

THE UNDERSTANDING HELD BY FEDERAL SUPREME COURT IN THE


DECLARATORY ACTION OF CONSTITUTIONALITY No. 49 AND THE PRACTICAL
EFFECTS OF THIS DECISION

Abstract
This article deals with the judgment of Declaratory Action of Constitutionality No. 49 by Federal
Supreme Court, which resulted in the declaration of unconstitutionality of several articles of
Complementary Law No. 87, of September 13, 1996, known as Kandir Law. In this context, in
addition to outlining the Supreme Court's understanding of the triggering of the Tax on Circulation
of Goods ("ICMS") on transactions between establishments of the same holder, the practical effects
of this decision will be addressed in this paper, both for taxpayers and Tax Administration.
Keywords: Tax law; ICMS; ADC No. 49.

INTRODUÇÃO

A incidência do ICMS sobre operações de circulação de mercadorias entre estabelecimentos do


mesmo titular é tema que foi amplamente debatido nos Tribunais Superiores.

Em 1996, ano da publicação da própria Lei Kandir, o STJ editou a Súmula nº 166, no sentido de que
“não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro
estabelecimento do mesmo contribuinte”.

Esse entendimento foi confirmado em 2010 pela Corte Superior, cujo acórdão foi submetido ao
regime do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973 (Tema nº 259).

1
Mestrando em Direito Tributário na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo; Pós-graduado em
Direito Tributário também pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo; Bacharel em Direito pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie e, atualmente, advogado no Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga
Advogados.

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Na mesma linha, em 2020, STF analisou a questão no julgamento do Tema nº 1.099 da Repercussão
Geral, tendo afastado a incidência do imposto estadual.

No entanto, em 2021, a Suprema Corte julgou a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49, que
resultou na declaração de inconstitucionalidade de diversos artigos da Lei Kandir que suportavam a
incidência do ICMS em operações entre estabelecimento do mesmo titular.

Essa decisão, aparentemente inofensiva – já que reiterou o entendimento consolidado pela não
incidência do imposto –, acabou por criar verdadeiro cenário de insegurança jurídica, causando
grande preocupação aos contribuintes e ao Fisco.

O presente artigo tem como principal objetivo discorrer sobre os principais efeitos práticos do
entendimento firmado na ADC nº 49, todos eles, de uma forma ou outra, ligados ao efeitos erga
omnes e ex tunc das decisões proferidas em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade.

1. O ICMS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NA LEI KANDIR

Nos termos do artigo 155, II, da Constituição Federal, os Estados estão autorizados a instituir imposto
sobre “operações relativas à circulação de mercadorias”:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II -
operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações
e as prestações se iniciem no exterior; (...)”

É inegável que as expressões “operações” e “circulação de mercadorias” são abrangentes. Por isso,
naturalmente, ficou a cargo da lei complementar a definição do fato gerador do ICMS, assim como
da sua base de cálculo e contribuintes.

O artigo 146, III, da Constituição Federal dá suporte para tal procedimento:

“Art. 146. Cabe à lei complementar: III - estabelecer normas gerais em matéria de
legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies,
bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos
respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; (...)”
A Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, conhecida como Lei Kandir, é o diploma que
estabelece as normas gerais relativas ao ICMS. No entanto, conforme se depreende dos seus artigos
1º e 2º, referida norma não esclareceu o sentido do termo “operação”. É ver:

“Art. 1º Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir o imposto sobre


operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações
e as prestações se iniciem no exterior. Art. 2° O imposto incide sobre: I - operações
relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e
bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares; (...)”

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Com efeito, a Lei Kandir apenas deu exemplos do que seria considerada “operação” para fins de
incidência do imposto, tais como “o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes
e estabelecimentos similares”.

Por sua vez, no que diz respeito ao termo “circulação”, a Lei Kandir foi mais enfática. Confira-se:

“Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: I - da saída


de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro
estabelecimento do mesmo titular; (...)”
Analisando-se a literalidade do dispositivo acima, é possível concluir que “circulação” seria sinônimo
de “saída”, o que compreenderia inclusive movimentações de mercadorias “entre estabelecimentos
do mesmo titular”

Ocorre que tais dispositivos começaram a ser questionados pelos contribuintes, sobretudo após a
doutrina se manifestar no sentido que a circulação de mercadorias fora do contexto de uma operação
mercantil não seria tributável pelo ICMS.

Cita-se, como exemplo, o entendimento de Roque Antonio Carrazza:

“[...] É bom esclarecermos, desde logo, que tal circulação só pode ser jurídica (e, não
meramente, física). A circulação jurídica pressupõe a transferência (de uma pessoa
para outra) da posse ou da propriedade da mercadoria. Sem mudança de titularidade,
não há falar em tributação por meio de ICMS.” (CARRAZZA, Roque Antonio,
ICMS, São Paulo, Editora Malheiros, 12ª edição, 2007, p. 38)
Nessa mesma linha as lições de José Eduardo Soares de Melo:

“O ICMS incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias” (art. 155, II,
da CF-88), envolvendo negócio jurídico mercantil e não sobre simples mercadorias
ou quaisquer espécies de circulação; (...) Operações configuram o verdadeiro sentido
do fato juridicizado, a prática de ato jurídico como a transmissão de um direito (posse
ou propriedade).” (MELO, José Eduardo Soares de, ICMS, Teoria e Prática, São
Paulo, Editora Revista Dialética, 5ª edição, 2002, p. 13)
No tópico seguinte, comentaremos como a jurisprudência, sobretudo dos Tribunais Superiores,
interpretou a expressão “operações de circulação de mercadorias”. Depois disso, tratarmos
especificamente da ADC nº 49.

2. A JURISPRUDÊNCIA SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO


“OPERAÇÕES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS”

No tópico anterior, demonstrou-se que a Lei Kandir, além de não trazer o conceito de “operação”,
pareceu prever que a mera saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte seria hipótese de
incidência do ICMS.

Por isso, diversos contribuintes ingressaram com ações judiciais objetivando o afastamento do
imposto quando a circulação da mercadoria ocorria entre estabelecimentos do mesmo titular.

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Em 1996, ano da publicação da própria Lei Kandir, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) editou a
Súmula nº 166, no sentido de que “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de
mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.

No entanto, o tema continuou em discussão nos tribunais, já que referida súmula havia sido editada
sob a perspectiva do Decreto-Lei n. 406/1968, o qual estabelecia “normas gerais de direito financeiro,
aplicáveis aos impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre serviços de
qualquer natureza, e dá outras providências”. Isto é, não havia precedente vinculante sobre o tema à
luz da Lei Kandir.

Por isso, em 2010, o STJ jugou o Recurso Especial nº 1.125.133/SP, cujo acórdão foi submetido ao
regime do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973 (Tema nº 259), para definir se seria fato
gerador do ICMS a transferência de mercadoria entre estabelecimentos de uma mesma empresa.

Nesse caso, o contribuinte sustentou a “ilegalidade da exação fiscal, ante a inexistência de fato
gerador do ICMS em operação de transferência de equipamentos do seu ativo permanente em São
Paulo, para outro estabelecimento, situado no Rio de Janeiro”.

Já o Estado de São Paulo defendeu que “referida operação consubstancia fato gerador do ICMS,
uma vez que, apesar de não haver circulação, do ponto de vista econômico, há do ponto de vista
jurídico”.

O acórdão foi ementado da seguinte forma:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL


REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. ICMS.
TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIA ENTRE ESTABELECIMENTOS DE
UMA MESMA EMPRESA. INOCORRÊNCIA DO FATO GERADOR PELA
INEXISTÊNCIA DE ATO DE MERCANCIA. SÚMULA 166/STJ.
DESLOCAMENTO DE BENS DO ATIVO FIXO. UBI EADEM RATIO, IBI
EADEM LEGIS DISPOSITIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO
CONFIGURADA. 1. O deslocamento de bens ou mercadorias entre
estabelecimentos de uma mesma empresa, por si, não se subsume à hipótese de
incidência do ICMS, porquanto, para a ocorrência do fato imponível é
imprescindível a circulação jurídica da mercadoria com a transferência da
propriedade. (Precedentes do STF: AI 618947 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE
MELLO, Segunda Turma, julgado em 02/03/2010, DJe-055 DIVULG 25-03-2010
PUBLIC 26-03-2010 EMENT VOL-02395-07 PP-01589; AI 693714 AgR,
Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em
30/06/2009, DJe-157 DIVULG 20-08-2009 PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-
02370-13 PP-02783. Precedentes do STJ: AgRg nos EDcl no REsp 1127106/RJ, Rel.
Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2010,
DJe 17/05/2010; AgRg no Ag 1068651/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON,
SEGUNDA TURMA, julgado em 05/03/2009, DJe 02/04/2009; AgRg no AgRg no
Ag 992.603/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 17/02/2009, DJe 04/03/2009; AgRg no REsp 809.752/RJ, Rel. Ministro
MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2008,
DJe 06/10/2008; REsp 919.363/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA

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TURMA, julgado em 19/06/2008, DJe 07/08/2008) 2. "Não constitui fato gerador de


ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do
mesmo contribuinte." (Súmula 166 do STJ). 3. A regra-matriz do ICMS sobre as
operações mercantis encontra-se insculpida na Constituição Federal de 1988, in
verbis: "Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços
de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as
operações e as prestações se iniciem no exterior; 4. A circulação de mercadorias
versada no dispositivo constitucional refere-se à circulação jurídica, que
pressupõe efetivo ato de mercancia, para o qual concorrem a finalidade de
obtenção de lucro e a transferência de titularidade. 5. "Este tributo, como vemos,
incide sobre a realização de operações relativas à circulação de mercadorias. A lei
que veicular sua hipótese de incidência só será válida se descrever uma operação
relativa à circulação de mercadorias. É bom esclarecermos, desde logo, que tal
circulação só pode ser jurídica (e não meramente física). A circulação jurídica
pressupõe a transferência (de uma pessoa para outra) da posse ou da propriedade da
mercadoria. Sem mudança de titularidade da mercadoria, não há falar em tributação
por meio de ICMS. (...) O ICMS só pode incidir sobre operações que conduzem
mercadorias, mediante sucessivos contratos mercantis, dos produtores originários
aos consumidores finais." (Roque Antonio Carrazza, in ICMS, 10ª ed., Ed.
Malheiros, p.36/37). 6. In casu, consoante assentado no voto condutor do acórdão
recorrido, houve remessa de bens de ativo imobilizado da fábrica da recorrente, em
Sumaré para outro estabelecimento seu situado em estado diverso, devendo-se-lhe
aplicar o mesmo regime jurídico da transferência de mercadorias entre
estabelecimentos do mesmo titular, porquanto ubi eadem ratio, ibi eadem legis
dispositio. (Precedentes: Resp 77048/SP, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/12/1995, DJ 11/03/1996; REsp 43057/SP, Rel.
Ministro DEMÓCRITO REINALDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em
08/06/1994, DJ 27/06/1994). 7. O art. 535 do CPC resta incólume se o Tribunal de
origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a
questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a
um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham
sido suficientes para embasar a decisão. 8. Recurso especial provido. Acórdão
submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.” (STJ,
Recurso Especial nº 1.125.133/SP, Relator Ministro Luiz Fux, PRIMEIRA SEÇÃO,
J. 25.08.2010, g.n.)
Como se vê, naquela oportunidade, em recurso especial representativo de controvérsia, o STJ fixou
parâmetros importantes quanto à incidência do ICMS, quais sejam, (i) o termo “circulação”
pressuporia transferência de propriedade e (ii) o termo “operação” pressuporia ato de mercancia, cuja
finalidade é a obtenção de lucro.

Logo, a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, por não haver
transferência de propriedade, estaria fora do campo de incidência do ICMS.

Esse entendimento foi replicado por diversos tribunais locais e em múltiplos cenários. É o exemplo
do seguinte precedente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o qual analisou a incidência
do ICMS em operação de importação de aeronave pelo regime de arrendamento mercantil:

“ICMS Impetração voltada ao reconhecimento da não incidência do imposto


estadual em operação de importação de aeronave pelo regime de arrendamento
mercantil Segurança corretamente concedida em primeiro grau Artigo 3º, inciso
VIII, da Lei Complementar nº 87/96 que afasta expressamente a incidência deste

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tributo sobre as operações de arrendamento mercantil, as quais ficam sujeitas


exclusivamente ao ISS, nos termos do que prevê o artigo 1º, parágrafo 2º, e item
15.09 da lista de serviços anexos da Lei Complementar nº 116/2003 Oneração pelo
ICMS que pressupõe a existência de circulação de mercadorias, com a efetiva
transferência de propriedade do bem, a teor do que estabelece o artigo 155, inciso
II, da CF, hipótese não caracterizada na importação de produto sob o regime de
arrendamento mercantil Precedentes desta Corte e também dos Tribunais Superiores
Reexame necessário e apelo da Fazenda Estadual não providos.” (TJ/SP, Apelação
nº 0022984-15.2009.8.26.0405, Rel. Paulo Dimas Mascaretti, 8ª Câmara de Direito
Público, J. 16.05.2012, g.n.).
Em 2020, o tema veio a ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”) em sede de
Repercussão Geral, quando do julgamento do ARE 1.255.885/MS (Tema nº 1.099).

Isso porque, entendeu o Relator do caso, Ministro Dias Toffoli, que “as múltiplas decisões proferidas
sobre essa matéria pelos eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal tornam recomendável
que o Tribunal estenda esse entendimento, objeto de pacífica jurisprudência em ambas as Turmas
desta Corte, à sistemática da repercussão geral, com todos os benefícios daí decorrentes,
notadamente com a fixação de tese a ser observada pelos demais órgãos julgadores pátrios”.

Vejamos, então, a ementa do referido julgado:

“Recurso extraordinário com agravo. Direito Tributário. Imposto Sobre Circulação


de Mercadorias e Serviços (ICMS). Deslocamento de mercadorias. Estabelecimentos
de mesma titularidade localizados em unidades federadas distintas. Ausência de
transferência de propriedade ou ato mercantil. Circulação jurídica de mercadoria.
Existência de matéria constitucional e de repercussão geral. Reafirmação da
jurisprudência da Corte sobre o tema. Agravo provido para conhecer em parte do
recurso extraordinário e, na parte conhecida, dar-lhe provimento de modo a conceder
a segurança. Firmada a seguinte tese de repercussão geral: Não incide ICMS no
deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte
localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a
realização de ato de mercancia.”
Com efeito, seguindo a linha dos precedentes anteriormente mencionados, a Suprema Corte fixou a
seguinte tese de Repercussão Geral: “Não incide ICMS no deslocamento de bens de um
estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver
a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia”.

A partir daí, dúvidas não se tinham sobre a jurisprudência dos Tribunais Superiores acerca da matéria.
Havia precedentes vinculantes tanto do STF quanto do STJ entendendo pela não incidência do ICMS
no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte, ainda que
localizados em estados distintos.

Questiona-se, pois: por qual motivo seria necessário o julgamento da Ação Declaratória de
Constitucionalidade nº 49 (“ADC nº 49”)? Responderemos essa pergunta no tópico seguinte.

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3. O OBJETO DA ADC nº 49 E O ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STF

A ADC nº 49 foi ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Norte, o qual pretendia ver
declarado constitucional, entre outros, o artigo 12, I, da Lei Kandir, no trecho “ainda que para outro
estabelecimento do mesmo titular”.

“art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: I - da saída


de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro
estabelecimento do mesmo titular;”
Em 12.04.19, o Vice-Procurador-Geral da República apresentou manifestação nos autos, opinando
pelo não conhecimento da ação. Na sua visão, não haveria como “afirmar existente controvérsia
judicial relevante quando a matéria já foi pacificada no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo
Tribunal Federal, por meio de sistemática que vincula as instâncias inferiores”.

E prosseguiu, no sentido de que “o mero fato de existir decisões judiciais contrastantes acerca de
determinado tema constitucional não é suficiente para a caracterização do requisito do art. 14-III
da Lei 9.868/1999. É preciso que se demonstre a existência de controvérsia reveladora de estado de
dúvida ou incerteza quanto a legitimidade constitucional da norma. Assim, não há que se cogitar de
controvérsia judicial relevante quando o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça
possuem entendimento pacificado a respeito da constitucionalidade de lei ou de ato normativo,
inclusive em sede de recurso repetitivo e em repercussão geral”.

Contudo, o Relator da ADC nº 49, Ministro Edson Fachin, rechaçou tais argumentos citando as lições
de Luiz Guilherme Marinoni, para quem “o pressuposto da declaração de constitucionalidade não
está na divergência entre os tribunais, mas na divergência entre o Judiciário e o Legislativo”. Sobre
esse ponto, o Relator ainda afirmou em seu voto que a divergência entre Judiciário e Legislativo seria
a controvérsia que justificaria o conhecimento da ADC.

Superado a questão do conhecimento, passou-se a analisar os argumentos apresentados pelo


Governador do Estado do Rio Grande do Norte, o qual sustentou que as transferências interestaduais
de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular gerariam reflexos tributários, tais como (i) a
alteração do sujeito ativo; (ii) a garantia de parcela da receita tributária a cada unidade partícipe; (iii)
o direito ao aproveitamento dos créditos decorrente da não cumulatividade do ICMS e (iv) a emissão
de documentos fiscais para acobertamento das operações.

Defendeu, ademais, que “o legislador ordinário, ao interpretar a expressão ‘circulação de


mercadorias’, optou por entendê-la como circulação econômica, prevendo que cada estabelecimento
empresarial seria considerado autônomo e disciplinando a incidência de ICMS nas transferências
de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, além de sua base de cálculo. Assim, não

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havendo necessidade de circulação jurídica, não se exigiria a ocorrência de um negócio jurídico


correlato”.

Tais argumentos, contudo, não foram suficientes para alterar o entendimento do STF já pacificado
anteriormente. Transcreve-se, por oportuno, a ementa da ADC nº 49:

“Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO


DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. ICMS. DESLOCAMENTO
FÍSICO DE BENS DE UM ESTABELECIMENTO PARA OUTRO DE MESMA
TITULARIDADE. INEXISTÊNCIA DE FATO GERADOR. PRECEDENTES DA
CORTE. NECESSIDADE DE OPERAÇÃO JURÍDICA COM TRAMITAÇÃO DE
POSSE E PROPRIDADE DE BENS. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. 1.
Enquanto o diploma em análise dispõe que incide o ICMS na saída de mercadoria
para estabelecimento localizado em outro Estado, pertencente ao mesmo titular, o
Judiciário possui entendimento no sentido de não incidência, situação esta que
exemplifica, de pronto, evidente insegurança jurídica na seara tributária. Estão
cumpridas, portanto, as exigências previstas pela Lei n. 9.868/1999 para
processamento e julgamento da presente ADC. 2. O deslocamento de mercadorias
entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da
incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual. Precedentes.
3. A hipótese de incidência do tributo é a operação jurídica praticada por comerciante
que acarrete circulação de mercadoria e transmissão de sua titularidade ao
consumidor final. 4. Ação declaratória julgada improcedente, declarando a
inconstitucionalidade dos artigos 11, §3º, II, 12, I, no trecho “ainda que para outro
estabelecimento do mesmo titular”, e 13, §4º, da Lei Complementar Federal n. 87,
de 13 de setembro de 1996.” (STF, ADC nº 49, Relator Min. Edson Fachin, Plenário,
J. 19/04/2021)
A Suprema Corte reiterou sua posição no sentido de que o deslocamento de mercadorias entre
estabelecimentos do mesmo titular, por não resultar circulação jurídica, não geraria obrigação
tributária.

O Relator foi enfático ao aduzir que “A hipótese de incidência do tributo é, portanto, a operação
jurídica praticada por comerciante que acarrete circulação de mercadoria e transmissão de sua
titularidade ao consumidor final. A operação somente pode ser tributada quando envolve essa
transferência, a qual não pode ser apenas física e econômica, mas também jurídica.”

Ao final, consignou expressamente ser irrelevante, para fins do ICMS, que os estabelecimentos do
contribuinte estejam em estados distintos.

4. OS EFEITOS PRÁTICOS DA ADC N º 49

Apesar de o Ministro Edson Fachin ter reconhecido em seu voto que a matéria já havia sido analisada
quando do julgamento do Tema nº 1.099 da Repercussão Geral, o relator da ADC nº 49 lembrou que
o ARE 1.255.885/MS não tem a eficácia geral e vinculante de uma decisão proferida em controle
concentrado.

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Justamente por isso que, na parte dispositiva do seu voto, acompanhado por todos os demais ministros
da Suprema Corte, declarou a inconstitucionalidade dos seguintes artigos da Lei Kandir:

(i) 11, §3º, II, que trata da autonomia dos estabelecimentos, ainda que do mesmo titular,
para fins de apuração do ICMS;
(ii) 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”;
(iii) 13, §4º, que trata da base de cálculo do ICMS na saída de mercadoria para
estabelecimento localizado em outro Estado, pertencente ao mesmo titular.
Quais seriam, pois, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade perpetrada na ADC nº 49?

Como demonstrado à saciedade neste artigo, antes da ADC nº 49, a jurisprudência era absolutamente
pacífica no sentido de afastar o ICMS nas operações de transferência de mercadorias entre
estabelecimentos do mesmo titular.

Ocorre que, na prática, tal entendimento não era aplicado pelos Estados, que continuavam cobrando
o imposto estadual nessas operações. Na maioria dos casos, essa cobrança sequer era questionada
pelos contribuintes, já que, à luz do princípio da não cumulatividade, o imposto recolhido na etapa
anterior era creditado pelo destinatário da mercadoria. Dito de outro modo, muitas vezes essas
operações eram neutras do ponto de vista fiscal.

Tendo esse cenário em mente, passamos a análise dos efeitos da ADI nº 49.

4.1. Efeitos erga omnes e ex tunc das decisões proferidas em sede de Ação Declaratória de
Constitucionalidade

Como primeiro efeito decorrente da ADC nº 49, cita-se a extirpação do ordenamento jurídico dos
dispositivos declarados inconstitucionais pelo STF.

Isso porque, as decisões proferidas em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade produzem


efeitos erga omnes e ex tunc, vinculante inclusive a todos os órgãos dos Poderes Judiciário e
Executivo.

Logo, na prática, os dispositivos declarados inconstitucionais pelo STF “deixam de existir” no


ordenamento jurídico (e não a partir da decisão declaratória de inconstitucionalidade, mas desde
sempre).

Portanto, considerando o caso concreto, a ADC nº 49 excluiu do ordenamento jurídico dispositivos


da Lei Kandir que possibilitavam (i) a exigência de débitos de ICMS pelos Estados na saída de
mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte e (ii) por consequência, a possibilidade
de registro de créditos de ICMS vinculados a essas mercadorias.

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4.2. Possível estorno dos créditos de ICMS registrados pelo remetente das mercadorias
enviadas a estabelecimento do mesmo titular

A partir do cenário explicitado no Tópico 4.1, abre-se margem, como segundo efeito da ADC nº 49,
para que os Estados determinem o estorno dos créditos de ICMS registrados pelo remetente das
mercadorias enviadas a estabelecimento do mesmo titular.

Ora, se na remessa de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa não há incidência
do imposto, haveria argumentos para determinação do estorno dos créditos vinculados à aquisição
dessas mercadorias, por força do artigo 155, § 2º, II, “b” da Constituição Federal, bem como do artigo
21, I, da Lei Kandir. Transcreve-se, respectivamente:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II -
operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações
e as prestações se iniciem no exterior; § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá
ao seguinte: II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário
da legislação: b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações
anteriores; (g.n.) (...) Art. 21. O sujeito passivo deverá efetuar o estorno do
imposto de que se tiver creditado sempre que o serviço tomado ou a mercadoria
entrada no estabelecimento: I - for objeto de saída ou prestação de serviço não
tributada ou isenta, sendo esta circunstância imprevisível na data da entrada da
mercadoria ou da utilização do serviço; (g.n.)”
Frisa-se que nos embargos de declaração opostos em face do acórdão da ADC nº 49, ainda pendentes
de julgamento pelo STF, o Governador do Estado do Rio Grande do Norte reconheceu que a ADC nº
49 poderia afetar os contribuintes “dada a vedação constitucional ao aproveitamento de créditos
anteriores à operação sobre a qual não incide o tributo”.

Apesar dessa possibilidade, parece-nos que essa não seria a melhor interpretação para o caso.

Isso porque, o próprio STF, na ADC nº 49, foi claro no sentido de que “A hipótese de incidência do
tributo é, portanto, a operação jurídica praticada por comerciante que acarrete circulação de
mercadoria e transmissão de sua titularidade ao consumidor final a saída de mercadorias entre
estabelecimentos do mesmo contribuinte está fora do conceito de ‘operação’”.

Partindo-se dessa premissa, a remessa de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, por
estar fora do campo de incidência do ICMS e não ser considerada “operação”, sequer poderia ser
passível de isenção ou não incidência.

Isto é, a saída física dos produtos, na hipótese aqui estudada, não teria qualquer efeito fiscal, podendo,
inclusive, ser considerada como transferência de mercadoria dentro de um mesmo estabelecimento –
afastando-se, naturalmente, a necessidade de estorno.

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Não obstante esse raciocínio ser plausível, não se pode descartar totalmente a possibilidade de as
Fazendas Estaduais determinarem referido estorno de créditos.

Lembramos, por oportuno, que mesmo nessa hipótese, o contribuinte poderia se valer do § 3º do
artigo 21 da Lei Kandir, o qual prevê o seguinte:

“art. 21. [...]: § 3º O não creditamento ou o estorno a que se referem o § 3º do art.


20 e o caput deste artigo, não impedem a utilização dos mesmos créditos em
operações posteriores, sujeitas ao imposto, com a mesma mercadoria.”
Parece-nos, portanto, que a própria Lei Kandir deixa claro que o crédito deve permanecer atrelado à
mercadoria, podendo ser utilizado em eventual posterior saída tributada.

4.3. Possível glosa de créditos de ICMS registrados por destinatários de mercadorias


recebidas de estabelecimentos do mesmo titular

Como é sabido, a apropriação de créditos de ICMS, à luz da não cumulatividade do imposto,


pressupõe uma operação anterior tributada. É o que determina o artigo 155, § 2º, I, da Constituição
Federal e o artigo 20 da Lei Kandir:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II -
operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações
e as prestações se iniciem no exterior; § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá
ao seguinte: I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada
operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o
montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito
Federal; (g.n) (...) Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é
assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente
cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou
simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao
ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal ou de comunicação. (g.n)”
Como terceiro efeito decorrente da ADC nº 49, é possível que Estados comecem a glosar créditos de
ICMS registrados por destinatários de mercadorias recebidas de estabelecimentos do mesmo titular.

Isso, inclusive, já foi manifestado expressamente pela Fazenda do Estado de São Paulo em
reportagem veiculada no dia 30.04.2021 pelo Valor Econômico2, onde afirmou que os destinatários
paulistas não poderão mais usar os créditos recebidos em operações de transferência de outros
Estados.

É possível, nesse cenário, que os Estados utilizem como argumento de reforço a recente tese fixada
no Tema 490 da Repercussão Geral (RE 628075), no sentido de que “O estorno proporcional de

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Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/04/30/decisao-do-stf-pode-impactar-creditos-de-
icms.ghtml

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crédito de ICMS efetuado pelo Estado de destino, em razão de crédito fiscal presumido concedido
pelo Estado de origem sem autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ),
não viola o princípio constitucional da não cumulatividade”.

Apesar de tratar de contexto diverso, referida decisão acabou por referendar o entendimento de que,
se não houver tributação na etapa anterior, a glosa dos créditos pelo Estado destinatário não viola o
princípio da não cumulatividade.

Nos já mencionados embargos de declaração pendentes de julgamento da ADC nº 49, o Governador


do Estado do Rio Grande do Norte também afirmou que “a decisão proferida neste feito autoriza o
Estado de origem a exigir o estorno dos créditos das operações anteriores àquela não sujeita à
incidência do tributo, autorizando o Estado de destino, de igual modo, a exigir o ICMS integral (sem
crédito) nas operações de saída internas de mercadorias”.

Em nossa visão, o grande impacto nesse ponto aos contribuintes é que, não raro, uma mesma empresa
possui estabelecimento produtor em estado diverso do seu estabelecimento comercial.

Nesse cenário, a tributação do ICMS se tornaria “cumulativa”, pois o estabelecimento destinatário


não poderia registrar créditos no recebimento de mercadorias que, ao fim e ao cabo, serão
efetivamente tributadas na operação seguinte.

4.4. A autonomia dos estabelecimentos para fins de apuração do ICMS

Como quarto efeito da ADC nº 49, cita-se a dificuldade de operacionalização da apuração do ICMS
num cenário em que se entendeu inconstitucional a autonomia dos estabelecimentos.

Conforme mencionado anteriormente, o STF declarou a inconstitucionalidade do artigo 11, §3º, II,
da Lei Kandir, cuja redação é a seguinte:

“Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto


e definição do estabelecimento responsável, é: § 3º Para efeito desta Lei
Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não,
próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em
caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas
mercadorias, observado, ainda, o seguinte: II - é autônomo cada estabelecimento
do mesmo titular;”
Conclui-se, portanto, que o ICMS deverá ser tributado de forma centralizada, considerando todas as
operações de todos os estabelecimentos de uma mesma pessoa jurídica.

Antes da ADC nº 49, por sua vez, apesar da jurisprudência entender pela não tributação do ICMS nas
transferências entre estabelecimentos do mesmo titular, não havia discussão sobre a autonomia dos
estabelecimentos.

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Logo, após a ADC nº 49, surgem muitas dúvidas relativas à apuração do ICMS, adaptação de sistemas
fiscais; cumprimento de obrigações acessórias, etc.

Uma possível – e mais adequada - interpretação seria a de que, ao fim e ao cabo, o que o STF fez na
ADC nº 49 foi uma pronúncia de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto. Isto é, a
autonomia dos estabelecimentos só seria aplicável dentro do contexto das operações de transferência
de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.

No entanto, tal fato não está claro no acórdão da ADC nº 49, ensejando o cenário de incerteza acima
mencionado.

4.5. Possíveis impactos em benefícios fiscais concedidos pelos Estados

Por fim, como quinto efeito decorrente da ADC nº 49, vale mencionar que muitos Estados concedem
benefícios fiscais levando em consideração a tributação das operações de transferência entre
estabelecimentos de uma mesma pessoa jurídica.

Com efeito, ao declarar inconstitucionais os dispositivos discutidos na ADC nº 49 e afastar por


completo a tributação do ICMS nessas saídas, o STF acabou por reduzir a amplitude desses benefícios
fiscais, o que pode trazer impactos econômicos severos a diversos contribuintes.

Inclusive, na mencionada reportagem publicada no Valor Econômico, a Fazenda do Estado de São


Paulo reconheceu esse problema, ao afirmar que “O Estado de São Paulo é a unidade da Federação
envolvida no maior volume de transferências interestaduais, mas os efeitos da decisão serão
significativos para diversos Estados, sobretudo para aqueles que estabeleceram benefícios fiscais
que repercutem na transferência de créditos”.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme demonstrado, há, pelo menos, cinco efeitos decorrentes da ADC nº 49 que causam grande
preocupação aos contribuintes, podendo impactar não só os caixas dessas pessoas jurídicas, mas
também a forma como se organizam do ponto de vista estrutural.

Frisa-se que, em seus aclaratórios, o Governador do Estado do Rio Grande do Norte afirmou que as
consequências da ADC nº 49 “são deveras impactantes, tanto para o Estados da federação, quanto
para os próprios contribuintes”, o que demonstra preocupação inclusive das Fazendas Estaduais a
respeito do tema

Isso porque, se mantida tal interpretação pela Suprema Corte, haverá efeitos na distribuição federativa
da arrecadação do ICMS, pois, em uma operação interestadual entre estabelecimentos de um mesmo

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contribuinte, se tributada, parcela do imposto acabava sendo devida ao Estado de destino (o que não
ocorre se aplicado o entendimento firmado na ADC nº 49)

Parece-nos, concluindo, que cabe ao STF analisar a questão levando em consideração todos os efeitos
mencionados neste artigo, o que poderá ser feito quando do julgamento dos embargos de declaração
do Governador do Estado do Rio Grande do Norte.

Se, no final das contas, o entendimento da Suprema Corte restar mantido, é importante que se avalie
a possibilidade de modulação dos efeitos dessa decisão, de modo a resguardar as operações já
ocorridas e preservar a segurança jurídica das relações entre contribuinte e fisco.

Para além disso, é importante que os Estados e contribuintes dialoguem com o escopo de identificar
alternativas para as operações futuras, o que já vem sendo realizado no âmbito do Conselho Nacional
de Política Fazendária.

REFERÊNCIAS

CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS, São Paulo, Editora Malheiros, 12ª edição, 2007, p. 38
MELO, José Eduardo Soares de. ICMS, Teoria e Prática, São Paulo, Editora Revista Dialética, 5ª
edição, 2002, p. 13
Lei Complementar Nº 87, de 13 de setembro de 1996 (1996). Dispõe sobre o imposto dos Estados e
do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências. (LEI
KANDIR).

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