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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

ISAAC NEWTON DANTAS DA COSTA LUZ

Processos criativos em arte e cultura visual:


livro ilustrado Majestas

Natal – RN
2022
ISAAC NEWTON DANTAS DA COSTA LUZ

Processos criativos em arte e cultura visual:


livro ilustrado Majestas

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado na Universidade Federal do
Rio Grande do Norte como requisito básico
para a conclusão do Curso Licenciatura
em Artes Visuais - TCC 2.

Orientadora: Dra. Fabíola Cristina Alves

Natal – RN
2022
DEDICATÓRIA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

ISAAC NEWTON DANTAS DA COSTA LUZ

Processos criativos em arte e cultura visual:


livro ilustrado Majestas Dedico esta pesquisa aos meus familiares,
pela paciência em me permitir escolher os
caminhos que mais me agradam.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________
Profª. Drª. Fabiola Cristina Alves
(Orientadora - Universidade Federal do Rio Grande do Norte)

__________________________________________
Prof. Dr. Rodrigo Montandon Born
(Examinador - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte)
__________________________________________
Prof. M.e Leandro Alves Garcia
(Examinador - Universidade de Brasília)
AGRADECIMENTOS RESUMO
PROCESSOS CRIATIVOS EM ARTE E CULTURA
VISUAL: LIVRO ILUSTRADO MAJESTAS

Resumo: O presente estudo toma como centralidade


a investigação dos processos criativos na construção
dos cenários do livro ilustrado Majestas, narrativa em
desenvolvimento, sob a ótica dos estudos em cultura visual e
da influência que as imagens possuem na produção artística.
Neste sentido, discutirei as concepções a respeito da cultura
Agradeço, primeiramente a Deus, pela vida neste visual, da constituição da identidade do sujeito pós-moderno
universo de criaturas e coisas fascinantes. como um indivíduo transformado continuamente pelas
representações sociais e culturais, reconhecendo um fator
À minha família, pelo exemplo de individualidades não unificado em torno de um ‘eu’ coerente a respeito da
que dão sentido ao coletivo de “amor”. sua identidade (HALL, 2006, 1987). Apresento os conceitos
de visualidade e contravisualidade (MIRZOEFF, 2003, 2016)
À professora e orientadora Fabíola Cristina para compreender a criação de uma realidade que revele os
Alves, que aceitou participar desta pesquisa. interesses e recortes socioculturais no contexto da produção
Gentilmente contribuindo e me guiando pelos artística, e suas relações com a rede de criação formada
caminhos da cultura visual e do processo criativo. a partir da análise crítica dos documentos processuais
que revelam os caminhos adotados pelo artista para a
Aos professores e professoras do Curso de concretização da obra artística (SALLES, 1993, 2007, 2018).
Licenciatura em Artes Visuais da UFRN, por Para a atividade pedagógica a ser desenvolvida, sigo com a
proporcionarem experiências incríveis durante proposta a/r/tográfica, para enfatizar o caráter múltiplo que
este percurso. envolve a pesquisa, o professor e o artista (IRWIN, 2016), por
meio da gamificação do universo de Majestas. Neste contexto,
Aos amigos e amigas artistas, pelo carinho, apoio os aspectos coletivos que permeiam a experiência cultural,
e desabafos. Obrigado pelas conversas, risadas e social, histórica, tecnológica e artística, se manifestam nas
surtos inspiradores. particularidades do processo criativo de cada indivíduo. Sendo
assim, eleito o processo de criação de Majestas como objeto
desta análise, procuro compartilhar os aspectos intrínsecos
da minha relação com as imagens, na construção de uma
narrativa e da minha identidade como artista, pesquisador e
educador. É neste gesto de leitura, portanto, que se configura
este trabalho.

Palavras-chave: processo criativo; cultura visual; a/r/tografia.


ABSTRACT
CREATIVE PROCESSES IN ART AND VISUAL CULTURE:
MAJESTAS ILLUSTRATED BOOK

Abstract: The present study focuses on the investigation of


the creative processes in the construction of the scenarios
of the illustrated book Majestas, developing narrative, from
the perspective of studies in visual culture and the influence
that images have on artistic production. In this sense, I
will discuss the conceptions regarding visual culture, the
constitution of the postmodern subject’s identity as an
individual continually transformed by social and cultural MAJESTAS, indivíduos responsáveis
representations, recognizing a non-unified factor around a pelo desenvolvimento moral e
coherent ‘I’ regarding its identity. (HALL, 2006, 1987). I present intelectual dos habitantes do planeta
the concepts of visuality and countervisuality (MIRZOEFF, Tersa (lê-se Terza). Considerados
2003, 2016) to understand the creation of a reality that seres “iluminados”, lutam contra
reveals sociocultural interests and cuts in the context as entidades conhecidas por
of artistic production, and its relations with the creative “infras”, manifestações dos medos
network formed from the critical analysis of documents e da ignorância tersiana diante as
processes that reveal the paths adopted by the artist for the transformações físicas e espirituais do
realization of the artistic work (SALLES, 1993, 2007, 2018). planeta.
For the pedagogical activity to be developed, I continue with
a proposal from an a/r/tography perspective, to emphasize
the multiple character that involves the research, the teacher
and the artist (IRWIN, 2016), through the gamification of the
Majestas’ universe. In this context, the collective aspects
that permeate the cultural, social, historical, technological
and artistic experience are manifested in the particularities
of each individual’s creative process. Therefore, choosing
Majestas’ creation process as the object of this analysis, I try
to share the intrinsic aspects of my relationship with images,
in the construction of a narrative and of my identity as an
artist, researcher and educator. It is in this reading gesture,
therefore, that this work is configured.

Keywords: creative process; visual culture; a/r/tography.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES SUMÁRIO
Figura 1 - Páginas do mangá Saint Seiya: ORIGIN 21 INTRODUÇÃO 12
Figura 2 - Pegada de Buzz Aldrin na superfície da Lua 23
Figura 3 - Buraco negro supermassivo no centro da galáxia M87 24 CAPÍTULO I - VIVÊNCIAS E PRÁTICAS ARTÍSTICAS 15
Figura 4 - Visão aérea da superfície superior de Júpiter 25
CAPÍTULO II - ESTUDOS DE CENÁRIOS 36
Figura 5 - “A Noite Estrelada” de Vincent Van Gogh 26
Figura 6 - “O Jardim das Delícias Terrenas” de Hieronymus Bosch 27 2.1 A Torre d’Alva 42
Figura 7 - “La Maison du Mozart dans Jupiter” 30
Figura 8 - “La Maison du Prophète Elie dans Jupiter” 32 2.2 As terras de Saart 46
Figura 9 - “La Maison du Zoroastro dans Jupiter” 32
Figura 10 - Caderno de anotações pessoais de filosofia 39
2.3 O Templo Tarjz 50
Figura 11 - Torre d’Alva 43
2.4 Monte Petrus 54
Figura 12 - “A Torre de Babel” de Pieter Bruegel 44
Figura 13 - As Terras de Saart 47 2.5 A Mansão Esmeralda 58
Figura 14 - Vale da Lua, deserto do Atacama 49
Figura 15 - Templo Tarjz 51 2.6 A Cidade de Doomet 62
Figura 16 - Sailor Netuno 53
2.7 O Castelo de Kryst 66
Figura 17 - Símbolo astrológico de Netuno 53
Figura 18 - Monte Petrus 55 2.8 A Brigada de Évora 70
Figura 19 - Mapa do submundo, mangá Saint Seiya 57
Figura 20 - Mansão Esmeralda 59 2.9 Documentos processuais 75
Figura 21 - Casa de Gêmeos, Saint Seiya Ômega 61
Figura 22 - A Cidade de Doomet 63 CAPÍTULO III - MAJESTAS EM AÇÃO 77
Figura 23 - Taj Mahal 65
3.1 Dados da ação pedagógica 84
Figura 24 - Castelo de Kryst 67
Figura 25 - Catedral de Milão 69 CONSIDERAÇÕES FINAIS 88
Figura 26 - Brigada de Évora 71
Figura 27 - Antigo zigurate em Ali Air Base Iraq 73 REFERÊNCIAS 91
Figura 28 - Esboços, rabiscos e processos dos cenários 74
APÊNDICE: Mapa de Tersa 94
Figura 29 - Notas do livro ilustrado no Scrivener 76
Figura 30 - Screenshots do jogo Majestas 80 ANEXO: Certificado da Ação de Extensão 95
Figura 31 - Montagem dos arquivos enviados pelos viajantes 85-86
INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO

O
estudo analisarei a construção deste universo partindo dos
mundo contemporâneo é visualmente estimulante, registros de processos desenvolvidos nas atividades práticas
essa visualidade é formada por imagens naturais propostas em sala de aula, na disciplina de Desenho II e no
ou produzidas no interior da cultura, as quais projeto de extensão Clube Universitário de Análise e Criação
constituem o mundo que vivemos. O indivíduo de Histórias em Quadrinhos (CUCA HQ)1, a fim de questionar
pós-moderno teve que se adaptar ao constante estímulo sob a ótica dos estudos da cultura visual, como as imagens
visual presente no cotidiano globalizado e tecnológico. A influenciam ou influenciaram e se plasmam na produção ar-
leitura de imagens faz parte da vida cotidiana, lemos imagens tística, adaptando-se às necessidades e escolhas, revelando-
em níveis e práticas distintas, desde uma placa de trânsito, -nos a rede de conexões do processo criativo singular do ar-
uma propaganda de comida ou roupas, às notícias de todo o tista.
mundo em uma pequena tela de celular na palma da mão. A metodologia abordada neste trabalho parte de um
Com o avanço das mídias digitais e da comunicação processo híbrido, onde há uma necessidade de analisar as-
através da rede de internet mundial, nunca recebemos tanta pectos distintos, porém interconectados, contidos no proces-
informação pela visão e nunca nos comunicamos tanto por so criativo. Utilizo uma análise crítica dos processos e dos
meio de imagens. Neste contexto, artistas visuais tornam-se documentos processuais da narrativa em construção, junto
inquietos e inspirados, buscando novos meios de reinventar dos conceitos apresentados por SALLES (2018), com o ob-
suas práticas e abordarem conflitos internos e gerais em suas jetivo de investigar as formações das redes da criação sob a
respectivas vivências, ora criando tendências, ora questionan- ótica dos estudos em cultura visual. Dentro deste contexto,
do e denunciando aspectos da realidade social, política e são analisadas as práticas desenvolvidas no curso de Licen-
cultural. Ao pensar a relação do artista ↔ obra como criadora ciatura em Artes Visuais da UFRN que contribuíram para a
de realidades, percebo que os processos criativos não se dão à criação de Majestas.
margem do contexto social, cultural, tecnológico ou histórico Por meio de uma análise crítica dos processos criati-
de uma sociedade. Assim, posso inferir questionamentos vos, no capítulo I, descrevo as atividades e práticas desenvol-
acerca da natureza desses processos, bem como, refletir vidas na disciplina e no grupo de extensão, criando pontos
sobre os modos de apropriação e influência das referências de conexão entre o universo imagético que carrego e as novas
da cultura visual no processo criativo, do singular para o referências adquiridas no espaço acadêmico e social. Procuro
geral. refletir sobre como estes dois grupos imagéticos se fundem,
Nesta perspectiva, este estudo deseja compreender o criando possíveis hibridismos que transparecem na produ-
processo de criação de Majestas, um livro ilustrado em de- ção deste livro ilustrado. Investigo o processo criativo, pen-
senvolvimento que narra a história de indivíduos “ilumina- sando suas características e limites diante do tema, do tempo
dos” do planeta Tersa, incumbidos de resgatar as mentes necessário para o desenvolvimento e entrega, da técnica uti-
humanas que caíram no fascínio dos prazeres, da ignorân- lizada, e do recorte feito para este estudo. O universo poético
cia e da maldade. Meu interesse é o percurso de criação e de Majestas está em fase de desenvolvimento e já abarca per-
não necessariamente a obra acabada. O universo poético sonagens, arcos principais da história, cenários, entre outras
de Majestas vem sendo desenvolvido em meio às vivências e características específicas da construção da narrativa. Mas,
práticas artísticas experimentadas ao longo da minha traje-
1 Grupo criado para atender todos os interessados em análise e construção de
tória no curso de Licenciatura em Artes Visuais – UFRN. No histórias em quadrinhos, dentro e fora da comunidade acadêmica. Para mais informações:
https://sigaa.ufrn.br/sigaa/public/extensao/viewDadosCursoEvento.jsf

12 13
INTRODUÇÃO
para este estudo, me concentro na análise de cenários e suas
visualidades.
CAPÍTULO 1
No capítulo II, identifico e analiso os signos presentes
nos cenários produzidos. Fazendo uso da análise crítica das
visualidades, discuto a apropriação de referenciais imagéti-
cos da cultura visual que servem de base para a construção
da narrativa de Majestas, revelando aspectos mais literais
deste universo. Observando os documentos de processos:
anotações, esboços, desenhos, etc., investigo a simbologia
utilizada (ora consciente, ora inconscientemente), que refle-
tem as escolhas singulares como artista.
A partir desta análise crítica dos processos e das vi-
sualidades, no capítulo III, relato a experiência de imersão
Vivências e práticas
artísticas
através da ação pedagógica que implica numa forma diferen-
te de contar história e interagir com o universo de Majestas.
Através de um jogo online, os participantes puderam entrar
em contato com a realidade da narrativa. A ação pedagógi-
ca busca conhecer a relação dinâmica entre os participantes
e a cultura visual, através de uma proposição a/r/tográfica
realizada em meio ao contexto pandêmico. A A/r/tografia “é
uma pesquisa com base na prática e apresenta as ideias do
artista, do pesquisador e do professor: A, R, T em referência
ao Artist, Researcher, Teacher (artista, pesquisador e profes-
sor)” (IRWIN, 2016).
Ao final deste estudo desejo compreender como as
imagens da cultura visual interagem dentro e com o pro-
cesso criativo, revelando a rede de criação singular adotada
para a construção do universo autopoético de Majestas. Para
além da análise do objeto artístico, entender como esta rela-
ção reflete nas escolhas, na temática abordada e nos recor-
tes narrativos, que carregam em si valores e conceitos que
permeiam a minha vida enquanto sujeito, e que contribuem
para a formação da minha identidade como artista, professor
e pesquisador.

14
CAPÍTULO 1 VIVÊNCIAS E PRÁTICAS ARTÍSTICAS

A
chegada em um dem experimentar a eferves- 25). de fonte de criação de novas
novo ambien- cência cultural e social das Quando se pensa na leituras imagéticas, sendo
te representa o diversas realidades que sur- produção de imagens, é pos- esta uma habilidade base
início de novos gem a partir do contato com sível notar as grandes mu- para a sociedade industria-
desafios, a criação de novas outros estudantes e professo- danças causadas com o apri- lizada (MIRZOEFF, 2003, p.
relações pessoais e novas res, seus referenciais artísti- moramento das tecnologias 23). E não apenas isso, a re-
possibilidades de ampliar um cos e suas vivências distintas (tv, câmeras, vídeos, cinema, cepção dessas imagens passa
repertório já construído pelas do coletivo. Sendo esta inte- celulares, etc.), a internet e o também, pelas vivências des-
vivências até aquele momen- ração entre as partes, um ca- surgimento das mídias digi- tes indivíduos e implicam em
to. Levando em considera- minho para entender como o tais. Somos chamados a con- seus processos criativos mes-
ção as experiências visuais processo criativo se dá, reve- viver com as imagens o tempo mo que inconscientemente.
e como elas nos afetam, so- lando um aspecto vivo, mu- todo, dentro de nossas casas, Noto que os processos
mos vítimas das imagens que tável e rico de possibilidades nos ambientes que frequenta- de captação de imagem e (re)
permeiam a nossa realidade dentro dessas interconexões. mos, na rua, e não mais ape- criações são vivenciados por
e que produzem signos, sen- Como destaca SALLES (2018, nas em ambientes formais, todos, não só por artistas e
tidos e até mesmo realida- p.18), segundo Morin, as in- onde se esperava ver a obra educadores das artes. Nesse
des alternativas daquilo que terações são de arte como o ápice de uma sentido, identifico processos
interpretamos ao visualizar. imagem. Esta nova relação singulares nas minhas expe-
[...] como ações recíprocas que
Trazemos conosco referên- dos sujeitos com as imagens riências como indivíduo no
modificam o comportamento ou a
cias, gostos e julgamentos natureza dos elementos envolvidos; é característica da identidade mundo, e também, durante
preconcebidos, adquiridos supõem condições de encontro, do sujeito pós-moderno que a minha construção de iden-
pela formação cultural, social agitação, turbulência e tornam-se, pode ser entendida como a de tidade como educador de ar-
e ao longo da história, dos em certas condições, interrelações, um indivíduo “transformado tes no curso de Licenciatura
associações, combinações, comu-
círculos mais externos (como nicações etc., ou seja, dão origem a
continuamente em relação às em Artes Visuais – UFRN. Ao
amigos, professores, conhe- fenômenos de organização. formas pelas quais somos re- abordar algumas práticas re-
cidos e desconhecidos em presentadas ou interpelados alizadas nas aulas de artes,
encontros oportunos, com Destas interações, re- nos sistemas culturais que que levaram ao processo cria-
outros artistas dentro e fora afirma-se que “não se pode nos rodeiam” (HALL, 1987, tivo de Majestas, investigo as
das mídias sociais e meios deixar de levar em conta, por apud HALL, 2006, p. 2). As- possíveis interconexões entre
digitais, etc.), ao mais inter- exemplo, as interações entre sumindo identidades, que a cultura visual, as minhas
no (no âmbito familiar, pais, indivíduos como um dos mo- não são unificadas ao redor vivências e as referências
tios, avós, etc.). tores do desenvolvimento do de um “eu” coerente (HALL, utilizadas em sala de aula.
Na universidade, no pensamento: conversas com 2006, p. 2). Então, posso Portanto, nesta investigação
curso de Artes Visuais em amigos, aulas com mestres imaginar o artista como uma desejo colaborar para com a
específico, aqueles que alme- respeitados ou opiniões de grande antena de captação compreensão dessas inter-
jam desenvolver-se no campo leitores ou espectadores par- de imagens e sensações, as- conexões, elegendo o proces-
das práticas artísticas, po- ticulares.” (SALLES, 2018, p. sim também como uma gran- so criativo de Majestas como

16 17
CAPÍTULO 1 VIVÊNCIAS E PRÁTICAS ARTÍSTICAS
um caso singular. rem feitas, a técnica ou técni- de conteúdos e implicações experiências vividas por cada
Das disciplinas dispo- cas a serem utilizadas, o ta- pessoais, tentativas de reso- um, entrando em contato
nibilizadas pelo curso de Li- manho e o tema ou questão luções criativas para algum com o mundo imagético de
cenciatura em Artes Visuais como justificativa da produ- contexto ou um exercício de cada participante. As discus-
da UFRN, já existia em mim ção pessoal. expressão. sões propostas em rodas de
uma certa preferência por O primeiro contato de conversas sobre os temas de
conteúdos de desenho tra- uma proposta lançada em Devemos pensar, portanto, a obra interesse, serviram de guias
em criação como um sistema
dicional, construção de per- sala de aula parece atingir para adequar a melhor forma
aberto que troca informações com
sonagens e ilustração digi- nossas mentes como um ob- seu meio ambiente. Nesse sentido, para as justificativas, que se
tal 2D. Logo, com a chegada jeto jogado em uma superfície as interações envolvem também mostraram bastante diver-
do professor Rodrigo Born e de água, sendo esta super- as relações entre espaço e tempo sas. Sendo assim, os cami-
a criação do Clube Univer- fície a camada formada por social e individual, em outras nhos que se iniciaram com a
palavras, envolvem as relações do
sitário de Análise e Criação nossas experiências pesso- artista com a cultura, na qual está
elaboração deste projeto em
de Histórias em Quadrinhos ais. E este objeto, a proposta inserido e com aquelas que ele sai Desenho II, puderam ser re-
(CUCA HQ), viu-se a pos- de atividade apresentada, no em busca. (SALLES, 2018, p. 25- direcionados à narrativa de
sibilidade de produzir uma contato com a superfície gera 26). Majestas que viria a ser cria-
história em quadrinhos ou ondas que se propagam pe- da no CUCA HQ.
livro ilustrado. É importante las camadas do pensamento, Dar autonomia aos Seguindo as instru-
ressaltar que este movimen- buscando conexões, interes- discentes para se expressa- ções dadas pelo professor,
to criativo é interdisciplinar ses e manifestando possíveis rem da forma que eles/as decidi fazer uma série de 8
e teve início em 2018, no motivações para sua realiza- quiserem, influencia direta- desenhos de tamanho A3 (ta-
qual as imagens e as ideias ção. A esta altura do curso, mente no processo artístico. manho e quantidade que até
que compõem a narrativa de nos conhecíamos o bastante As poucas restrições adota- então não tinha sido explora-
Majestas se constroem, e que para saber algumas caracte- das pelo professor, a maior do nas minhas produções),
continuam a alimentar este rísticas dos gostos e prefe- delas sendo com relação ao utilizando a técnica em tin-
universo autopoético até a rências artísticas e técnicas tempo dado para a finaliza- ta nanquim e canetas POS-
sua realização futura. de cada um, mas nem por ção do projeto e a justifica- CA pretas de diversos tama-
Na disciplina de Dese- isso nos deixamos de surpre- tiva, permitiram que as ca- nhos. A escolha pela técnica
nho II, na atividade da uni- ender com novas possibilida- racterísticas particulares a do nanquim2, surgiu do inte-
dade 3 do semestre, os dis- des e interesses repentinos. cada discente viessem à su- resse e do contato constante
centes puderam desenvolver Ao pensar a obra em perfície do processo criativo que tenho com as histórias
trabalhos pessoais em série, criação, devemos ter em mais facilmente. Podendo em quadrinhos japonesas,
a partir de nossas próprias mente que ela é um resulta- levar em conta gostos, trau- conhecidas como mangás
regras. A proposta feita pelo do de processos de escolhas, mas, medos, paixões e inte- (em japonês: 漫画3 manga).
professor Rodrigo Born era de revisitações, de exclusão resses diversos inerentes às Apesar dessa forma de repre-
que pudéssemos estabelecer e integração, não só de fato-
2 Tinta desenvolvida pelos chineses há mais de 2 mil anos, é constituída de
a quantidade de obras a se- res estéticos como também, nanopartículas de carvão suspensas em uma solução aquosa.
3 Mangá significa literalmente “desenho irreverente”, e esse termo foi usado

18 19
CAPÍTULO 1 VIVÊNCIAS E PRÁTICAS ARTÍSTICAS
sentação remontar ao perío- cada uma destas nomenclaturas Figura 1 - Páginas do mangá Saint Seiya: ORIGIN
do Nara (século VIII d.C.) com pode haver outras subdivisões para
especificar os gêneros e o tipo de
o aparecimento dos rolos de público dentro de cada categoria.”
pintura japonesa, os mangás (BRAGA, 2020, p. 84).
modernos ficaram mundial-
mente conhecidos após a Se- As mais famosas his-
gunda Guerra Mundial. tórias ganham versões ani-
Segundo BRAGA madas para a televisão. No
(2020, p. 48), “sair como per- Brasil, os animes ficaram
dedor da Segunda Guerra conhecidos nos anos 1990,
Mundial deixou o Japão em com a transmissão pela ex-
uma situação bem proble- tinta Rede Manchete, Dragon
mática. O território diminu- Ball, Cavaleiros do Zodíaco,
ído. O povo com sentimento Sailor Moon e Yu Yu Hakusho
de humilhação”. O que fez o tiveram sua primeira estreia
povo japonês olhar a cultura nos anos seguintes e tiveram
norte-americana com outros e aclamação no Brasil.
olhos. A influência econômi-
ca dos EUA no território ja- Em 1994, ia ao ar pela primeira
ponês foi catalisadora para vez, pela hoje extinta Rede Man-
chete o animê Cavaleiros do Zo- Fonte: Website do autor de Saint Seiya, Masami Kurumada, 2018.
a construção moderna do díaco, que rapidamente se tornou
mangá, que agora passa a um fenômeno de público e vendas, interesse mais específico criar com apenas o uso da
ser influenciada pela Disney, tendo sido acompanhado por uma no desenho e na ilustração. cor do papel e o preto do nan-
o cinema, o rádio e a tv. Os fortíssima campanha de marketing. Em especial Cavaleiros do quim, resultando no alto con-
O desenho foi o ponto focal para Zodíaco, que introduziu traste, rico em detalhes, no
mangás passaram a ser pro-
solidificar no Brasil a presença e
duzidos em massa por revis- o gosto pelo animê e pelo mangá. no meu cotidiano uma uso de linhas de perspectiva
tas, contando com diversas (VASCONCELLOS, 2006, p. 40). narrativa fantástica rica em e de ação que simulam mo-
narrativas nos mais variados deuses, guerreiros e mundos vimentos, texturas, volumes
gêneros: Os mangás foram interconectados, visto que é e transparências, chamava
um dos primeiros contatos uma obra japonesa que trata bastante atenção, já que as
“Kodomo (crianças), Shonem que tive com as leituras de de mitologias diversas (grega, cores para mim representam
(meninos adolescentes), Shojo egípcia, indiana, nórdica, uma complexa rede de com-
(meninas adolescentes), Seinen
histórias em quadrinhos
(homens adultos) e Josei (mulheres estrangeira, e que me etc.). E posteriormente, binações variadas que não se
adultas). Mas não para por aí… em impulsionaram a ter um gerando um fascínio pela apaziguam no meu interior.
cultura, língua e arte Decidida a técnica a
pela primeira vez no século XIX pelo famoso artista de ukiyo-e (imagem desenhada na japonesa, ao qual incorporei ser empregada neste projeto,
madeira) Katsushika Hokusai. Ele deu esse nome a seus livros de desenhos variados
e esboços, a Hokusai Manga (algo como “desenhos irreverentes de Hokusai”).
ao meu estilo de desenho. a quantidade foi estabelecida
(BRAGA, 2005, p. 83). A possibilidade de a partir da decisão do tema

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CAPÍTULO 1 VIVÊNCIAS E PRÁTICAS ARTÍSTICAS
da série. Os cenários sempre acompanho diversas mídias Figura 2 - Pegada de Buzz Aldrin na supérfície da Lua
me atraíram, talvez pelas for- sociais os avanços científicos e
mas geométricas, das linhas as descobertas astronômicas.
de perspectiva e dos objetos Lembro da primeira vez que
parecerem mais simples do vi a foto da pegada do homem
que as linhas das figuras hu- na Lua e de me questionar
manas, aos quais desafiam sobre quais seriam os limites
minha paciência. Portanto, da curiosidade humana e até
decidi criar uma série de ce- onde os avanços científicos
nários diversos. poderiam nos levar. Qual
Como dito anterior- seria o próximo passo
mente, este projeto vem sen- dado pela humanidade no
do construído interdiscipli- espaço? Podemos habitar
narmente ao surgimento do outros planetas e satélites
CUCA HQ, e neste grupo de naturais? Como adaptar a
extensão pude desenvolver vida às condições extremas
uma narrativa a qual cha- do espaço e dos outros
maria mais tarde de Majes- planetas? Ver a pegada do
tas. Os cenários a serem de- homem na Lua trazia um
senvolvidos na disciplina de misto de excitação e medo
Desenho II, que inicialmen- do desconhecido. O que mais
te não foram pensados em poderíamos ver além daquilo Fonte: NASA.

combinação com este projeto que nossos olhos podem ver? como o caso da Perseverance4 em um movimento visual
de extensão, passaram a in- Nossa capacidade de em Marte, e sondas como a maior. O consumo de imagens
tegrar cidades ou locais do olhar a imensidão do universo Voyager 1 e Voyager 2, que hoje ultrapassou a barreira
mundo de Majestas. Neste foi potencializada pelas registraram os planetas mais em que se pensava a imagem
primeiro contato com a cria- tecnologias e pelos avanços distantes do sistema solar e com status apenas de objeto
ção, os cenários foram inspi- das comunicações. Hoje, que hoje estão cruzando a artístico, e se tornou parte
rados nos planetas do Siste- podemos observar mesmo heliosfera (região periférica do cotidiano das pessoas, de
ma Solar, em um exercício de que em uma imagem não tão do Sol) em zonas nunca antes outdoors, placas, memes até
imaginar como seriam as es- definida, objetos nunca antes exploradas. figurinhas e emojis. Com a
truturas de vida e arquitetu- observados diretamente, Pensando a relação atualização das tecnologias
ra em diferentes circunstân- como o primeiro registro em da produção e captura de de registro visual, tais como:
cias geológicas e biológicas. foto de um buraco negro. E imagens, pode-se dizer que a tvs, câmeras fotográficas,
Este tema é de grande enviar drones para outros sociedade está cada vez mais celulares, computadores,
interesse pessoal, já que mundos mais próximos,
4 “NASA, ULA Launch Mars 2020 Perseverance Rover Mission to Red Planet”.
Fonte: NASA. 30 July 2020.

22 23
CAPÍTULO 1 VIVÊNCIAS E PRÁTICAS ARTÍSTICAS
Figura 3 - Buraco negro supermassivo no centro da galáxia M87 Figura 4 - Visão aérea da superfície superior de Júpiter

Fonte: NASA.

telescópios, etc., as imagens de celulares tais como


adentram nossas casas Instagram, Twitter, Facebook
e nossas mentes sem e Whatsapp, a troca de
pedir permissão, elas se imagens e informações em
FONTE: Instagram @nasasolarsystem
apresentam e se relacionam tempo real ganham uma nova
em diferentes níveis, dimensão. É possível criar Neste exercício cria- so criativo, perpassando as-
transformando e criando feeds específicos para cada tivo foi possível estabelecer pectos das visualidades, reti-
novos estímulos, nos fazendo tema de interesse, seguir paralelos visuais entre os rando-as dos seus suportes e
ver e sermos vistos. Segundo as fontes de conhecimento planetas e as representações locais de origem para serem
Mirzoeff, desejáveis e receber artísticas que permeiam mi- ressignificados pela imagina-
diretamente seus conteúdos, nha experiência acadêmica. ção e pela experiência singu-
[...] mais e mais pessoas estão criar verdadeiras bibliotecas Quando lembro da pintura lar de cada pessoa, de cada
olhando para trás usando disposi-
de imagens e referências A Noite Estrelada (1889) de artista.
tivos que variam de câmeras tra-
dicionais a filmadoras e webcams para uso pessoal e para Van Gogh, imediatamente O exercício da imagi-
ou câmeras da web. Ao mesmo compartilhar com o outro. penso na superfície nebulosa nação em pensar em outros
tempo, o trabalho e o tempo livre Para os primeiros esbo- de Júpiter, com suas nuvens mundos desperta outro as-
estão cada vez mais voltados para ços do projeto, consultei os
as mídias visuais, que vão desde
torcidas em redemoinhos. E sunto fundamental para a
computadores até DVDs (discos de
perfis da NASA no Instagram mesmo que esta leitura não narrativa em que me propus
vídeo digital)5. (MIRZOEFF, 2003, (@nasasolarsystem e @nasa), tenha sido a intenção do a desenvolver, que vem do
p. 17). separando referências visuais pintor, é interessante notar território religioso ou espiri-
dos astros que me chama- como a obra de arte pode se tualista. Meu envolvimento
Através de aplicativos vam atenção. comportar diante do olhar do com a religiosidade vem de
5 [...] cada vez son más numerosas las personas que miran atrás utilizando outro com diferentes referen- família, onde há uma forte
aparatos que van desde las tradicionales cámaras fotográficas hasta las ciais visuais. É nesta pers- crença religiosa nas figuras
videocámaras y webcams o cámaras web. Al mismo tiempo, el trabajo y el tiempo
libre están centrándose progresivamente en los médios visuales de comunicación,
pectiva que compreendo que dos Santos, de Jesus e de
que abarcan desde los ordenadores hasta los DVD (digital video disk). (MIRZOEFF, os estudos em cultura visual Deus (abstrato).
2003, p. 17). começam a integrar o proces- Este mundo espiritu-

24 25
CAPÍTULO 1 VIVÊNCIAS E PRÁTICAS ARTÍSTICAS
Figura 5 - Quadro “A Noite Estrelada” (1889) de Vicent Van Gogh. Figura 6 - Quadro “O Jardim das Delícias Terrenas” de Hieronymus
Óleo sobre tela. 74x92cm. Museu de Arte Moderna, Nova Iorque Bosch. Óleo sobre madeira. 205.5x384.9 cm. Museo del Prado,
(EUA) Madrid (Espanha)

FONTE: Google Arts & Culture.

Delícias Terrenas (1503- personagens em suas telas.


FONTE: Google Arts & Culture. 1515). Bosch foi um pintor Se não fosse o bastante, todo
e gravador brabantino6 da o cenário, seja no jardim do
al proposto pelo Cristianis- diversos nomes e estimulam Idade Média tardia, seus Éden, na Terra ou no Inferno,
mo me atrai primeiramente a imaginação. quadros despertaram minha as estruturas arquitetônicas
por representar uma versão O imaginário religioso, curiosidade e questionaram naturais e não-naturais
de vida aparentemente me- principalmente quando minhas concepções trazidas são de extrema invenção e
lhor ou mais esperançosa estudamos sobre história do seio familiar sobre a capacidade imaginativa, que
que a atual; em segundo lu- da arte no período da Idade religião. O que impressiona me fez refletir sobre esses
gar, a descrição trazida pelas Média, me provocou muitas mais em suas obras é o trato lugares serem de outra
escrituras tanto do que se sensações contraditórias. com as criaturas figurativas dimensão, fora da realidade
configura como céu e inferno Em determinado momento surreais e o grande volume como a concebemos e como
quanto das criaturas que os da disciplina de Expressão de ações desprendidas pelos a religião também gosta de
habitam, soam com um gran- Visual I, nós discentes, nos
de toque de mitologias, fanta- deparamos com o tríptico 6 O Ducado de Brabante é um antigo ducado situado no sul dos Países
Baixos e norte da Bélgica atual. Sua extensão cobria a atual província neerlandesa
sias e seres incríveis que per- de Hieronymus Bosch do Brabante do Norte, as atuais províncias belgas de Antuérpia, Brabante Valão,
meiam outras culturas sob intitulado de O Jardim das Brabante Flamengo, e também a região de Bruxelas.

26 27
CAPÍTULO 1 VIVÊNCIAS E PRÁTICAS ARTÍSTICAS
representá-los. sempre fui interessado e espiritual de cada um, A pluralidade dos
Da queda dos fascinado pelas coisas do através do intercâmbio das mundos habitáveis, segundo
humanos, da expulsão de “invisível” e do “sobrenatural”, experiências sucessivas na a doutrina espírita, revela
Adão e Eva do Jardim do em algum momento da vida corpórea. Diferente do a verdade por trás das
Éden, às delícias da vida minha vida, deparei-me que muito se pensa sobre palavras do Cristo, “há
terrena e aos possíveis com a literatura espírita. O esta doutrina, ela é uma muitas moradas na casa de
enganos e ilusões dos vícios Espiritismo é uma doutrina doutrina cristã, pautada nos meu Pai” (KARDEC, 2019,
que nos levam ao sofrimento religiosa baseada nos três valores que Cristo buscou p. 37). As informações
ou ao agravamento do pilares: religião, ciência deixar como exemplo, obtidas nas comunicações
mesmo, surgem as primeiras e filosofia. Codificada por seguindo a máxima “fora da espíritas8, revelaram que
leituras que importei deste Allan Kardec (pseudônimo caridade, não há salvação” em todos os orbes celestes
cenário para o universo de de Hippolyte Léon7) que que se traduz como Lei do são moradas de diferentes
Majestas. Pensando não se dedicou ao estudo dos Amor. Os princípios básicos formas de vidas em uma
apenas nesse mundo de fenômenos paranormais, da doutrina espírita se diferente escala de evolução,
constituição diferente, mas recebendo cartas de casos resumem em: a crença em sendo a Terra um dos orbe
com problemas e desafios e comunicações espalhados Deus, na imortalidade da menos evoluídos do Sistema
tipicamente humanos visto por toda Europa e Estados alma, na comunicabilidade Solar, e Júpiter, assim como
de outro ponto de vista. Unidos. A literatura extensa dos espíritos (encarnado Saturno, exemplos de orbes
Questionamentos filosóficos das suas pesquisas, mais e desencarnados, vivos e mais evoluídos9. Na Revista
já então trabalhados pelos tarde foi compilada no que “mortos”), na pluralidade das Espírita10 de 1858, Victorien
pensadores de todas as se chama de Pentateuco existências e na pluralidade Sardou11 (1831-1908) em
épocas da história a respeito Espírita, ou as cinco obras dos mundos. estado mediúnico12, executa
da vida e da morte, da básicas do Espiritismo, são
8 Reuniões ao qual Allan Kardec participava para questionar a veracidade
existência da alma do ser elas: O Livro dos Espíritos dos fenômenos, e que posteriormente, revelou informações sobre o funcionamento
humano e de um Deus, e do (1857), O Livro dos Médiuns das leis divinas que regem o mundo visível e invisível, material e espiritual. Sendo
considerada pelos espíritas como a terceira revelação, o consolador prometido.
nosso destino são facilmente (1861), O Evangelho Segundo 9 O grau de evolução dos mundos é equivalente ao grau evolutivo dos
identificados pela leitura das o Espiritismo (1864), Céu e habitantes, a evolução aqui descrita está relacionada à lei do amor, pregada por
obras medievais. Reforçando Inferno (1865), e A Gênese Cristo. Ao passo que a humanidade se desprende dos vícios morais e materiais,
somos chamados a habitar mundos de vibração mais elevada, onde a felicidade se
também a leitura de mundo (1868). faz cada vez mais presente. Os graus de mundos conhecidos são: mundos primitivos,
e dos interesses sociais e O conteúdo desses mundos de provas e expiações, mundos de regeneração, mundos ditosos e mundos
culturais de uma época. livros reflete o caráter divinos ou celestes.
10 A Revista Espírita foi um periódico espírita francês, que circulou no último
Ainda no mesmo transitório da vida material quartel do século XIX. Lançada a 1 de janeiro de 1858 pela Sociedade de Estudos
espectro religioso, ao qual e da necessidade de evolução Espīritas, de Paris, e era editado por Allan Kardec.
11 Foi um dramaturgo francês, conhecido pelas suas comédias, constituindo
parte frequente do reportório do teatro amador. É autor de peças de teatro em que
7 Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), nascido em Lyon, na França. se baseiam os libretos das óperas Tosca de Giacomo Puccini e Fedora de Umberto
Foi um educador, autor e tradutor, discípulo de Pestalozzi e um dos pioneiros na Giordano.
pesquisa científica dos fenômenos paranormais. Ao pesquisar estes fenômenos, 12 Conhecido também como transe mediúnico, segundo o psiquiatra espírita
decidiu escrever através do pseudônimo Allan Kardec, para não sofrer perseguições Jorge Andréa, é um estado absolutamente fisiológico, onde não há a supressão
acadêmicas. total da vigilância (comparado ao estado de sonambulismo), pois o perispírito

28 29
CAPÍTULO 1 VIVÊNCIAS E PRÁTICAS ARTÍSTICAS
e grava um desenho pelo
espírito de Bernard Palissy13 No texto publicado nesta edição da Revista Espírita:
(1510-1589) que revela como
seria a morada de Mozart em É sobre a margem direita desse rio, diz o Espírito ‘cuja água te oferecia
a consistência de um leve vapor,’ que está construída a casa de Mozart,
Júpiter.
que por meu intermédio Palissy houve por bem reproduzir sobre cobre.
Figura 7 - Desenho mediúnico La Maison du Mozart dans Jupiter (1858) Só apresento aqui a fachada sul. A grande entrada fica à esquerda, dando
para a planície; à direita fica o rio; os jardins estão localizados ao norte e
ao sul.
Perguntei a Mozart quais eram seus vizinhos, - ‘Mais acima’ – disse ele ‘e
mais embaixo, dois Espíritos que não conheces; mais à esquerda, apenas
uma grande campina me separa do jardim de Cervantes’. [...]
Quanto à morada aérea de Mozart, apenas constato a sua existência: os
limites deste artigo não permitem que me estenda sobre este assunto.
Não terminarei, entretanto, sem dar explicações a propósito do gênero
de ornamentos que o grande artista escolheu para sua morada. Nele é
fácil reconhecer a lembrança de nossa música terrestre: a clave de sol
é ali freqüentemente reproduzida e, coisa bizarra, jamais a clave de fá!
Na decoração do térreo encontramos um arco, uma espécie de tiorba ou
bandolim, uma lira e uma pauta completa de música. Mais alto, é uma
grande janela que lembra vagamente a forma de um órgão; as outras têm
a aparência de grandes notas, enquanto notas menores são abundantes
por toda a fachada.
Seria erro concluir que a música de Júpiter seja comparada à nossa, e
que se represente pelos mesmos sinais: Mozart explicou-se sobre isso, de
maneira a não deixar qualquer dúvida; mas, na decoração de suas casas,
os Espíritos lembram, com prazer, a missão terrestre que lhes fez merecer
a encarnação em Júpiter e que melhor resume o caráter de sua inteligên-
cia. Assim, na residência de Zoroastro, os astros e a chama constituem os
únicos detalhes da decoração.
FONTE: Musée de l’Art Brut, Lausanne (Suíça) Há mais; parece que esse simbolismo tem suas regras e seus segredos.
Todos esses ornamentos não estão dispostos ao acaso: têm sua ordem
lógica e sua significação precisa; mas é uma arte que os Espíritos de Jú-
piter renunciam a nos fazer entender, pelo menos até hoje, e sobre a qual
não se explicam de bom grado.
De minha parte, não terei perdido tempo e serei muito feliz por me have-
rem os Espíritos escolhido como intérprete, se seus desenhos e inscrições
inspirarem a um só crente o desejo de subir mais rápido para Julnius,
e a coragem de tudo fazer para conseguir. Victorien Sardou. (KARDEC,
2014, p. 350-354).
ainda se mantém ligado ao corpo. Perispírito é o invólucro semimaterial que envolve
o corpo e o espírito. No transe mediúnico o médium é envolvido pelos fluidos do
espírito comunicante, que culminam numa sintonia mental entre eles, facilitando a Sardou ainda deixou outros registros em desenho atra-
comunicação ou a manifestação do espírito através da fala, da escrita ou desenho, vés da atividade mediúnica do espírito de Bernard Palissy:
etc.
13 Ceramista e escritor huguenote francês, particularmente associado com
decoração louça rústica, um tipo de faiança coberta com esmaltes de chumbo colorid

30 31
CAPÍTULO 1 VIVÊNCIAS E PRÁTICAS ARTÍSTICAS
Figura 8 - Desenho mediúnico La Maison du Prophète Elie dans Jupiter nificam os signos e desper-
(1858) As estruturas men- tam interpretações das mais
cionadas como moradas em variadas. Cabe então, ao pro-
Júpiter são descritas por cesso criativo figurar estru-
Sardou como elementos que turas que façam sentido para
lembram bastante as coisas cada indivíduo.
do nosso universo visual ter- As imagens são des-
reno, porém neste mundo locadas dos seus status de
evoluído, elas ganham dife- obra de arte ou da sua au-
rentes significados, despidos toridade como visualidade,
da incapacidade humana de construindo novas leituras e
perceber e associar. A descri- não releituras.
ção intrigante e as imagens
produzidas por via da ativi- A autonomia reivindicada pelo
direito a olhar tem sido, e continua
dade mediúnica de Sardou
a ser oposta pela autoridade da
por Palissy implicam em con- visualidade. Apesar do nome,
ceitos de beleza, harmonia e este processo não é composto
perfeição que parecem ainda apenas de percepções visuais
FONTE: Musée de l’Art Brut, Lausanne (Suíça) no sentido físico, mas é formado
não estar ao alcance da nos-
por um conjunto de relações
sa evolução na Terra. Sendo que combinam informação,
necessário um esforço para imaginação e introspecção em uma
Figura 9 - Desenho mediúnico La Maison du Zoroastro dans Jupiter (1858)
interpretar e imaginar o que interpretação do espaço físico e
significam. psíquico. (MIRZOEFF, 2016, p.
748)
Como cita Mirzoeff
(2003, p. 25), “A cultura vi-
Em O Direito de Olhar
sual desvia nossa atenção
(2016), Mirzoeff traz algumas
de ambientes de visualização
reflexões sobre como nos re-
estruturados e formais, como
lacionamos com as imagens,
cinema e museus, e se con-
o que está em jogo quando
centra na experiência visual
vemos, como é possível pen-
da vida cotidiana14”. As inter-
sar em outras imagens da
conexões estabelecidas entre
cultura visual ou contravisu-
a experiência pessoal e a lei-
alidades, que escapam tanto
tura de imagens (sejam elas
da realidade histórica como
obras de arte ou não), ressig-
14 “La cultura visual aleja nuestra atención de los escenarios de observación
FONTE: Musée de l’Art Brut, Lausanne (Suíça) estructurados y formales, como el cine y los museos y la centra en la experiencia
visual de la vida cotidiana.” Mirzoeff (2003, p. 25).

32 33
CAPÍTULO 1 VIVÊNCIAS E PRÁTICAS ARTÍSTICAS
a conhecemos, quanto dos o universo poético de Majes- pessoal, das tecnologias e da habitáveis (2018)18, e que
meios em que elas são difun- tas, como centros geradores cultura visual como um todo. posteriormente, integraram
didas. Para o autor, as visu- de contravisualidades, de O artista cria realidades que os cenários de Majestas.
alidades estão impregnadas minhas partilhas pessoais, levam consigo questionamen-
de estruturas de autorida- da criação de realidades al- tos, ideias e signos que se
de e que impede que outras ternativas que se separam vinculam ao outro das mais
realidades sejam trazidas à da visualidade autoritária. variadas formas, que esca-
luz, esta visualidade do he- Não seria o espectro religio- pam a leitura visual física e
rói15 fazia com que os outros so uma contravisualidade da tecnológica e se entrelaçam
fossem apenas figurantes em própria ciência, ao passo que às sensações, concepções e
seu mundo. Em entrevista16 a primeira representa aspec- experiências vividas.
ao BYU Humanities Center, tos não palpáveis, ditos “so- Com todo esse
Mirzoeff diz que a visualidade brenaturais” que tecem uma conteúdo imagético
é a “capacidade de ver a his- realidade alternativa; e a se- trazido consigo e ampliado
tória conforme ela acontece, gunda trata apenas dos fenô- dentro da experiência e
concedida apenas ao herói e menos naturais passíveis de das práticas acadêmicas,
a mais ninguém. Portanto, é serem capturados pelos olhos procurei ressignificar estes
uma forma radicalmente an- humanos e as lentes da tec- locais, conceitos e signos
tidemocrática de pensar17”. nologia? Não seria também o no processo criativo. Da
Já a contravisualidade seria espiritismo uma contravisu- ciência, emprestei-me das
a oposição a esta realidade alidade das correntes cristãs características físicas e
autoritária da visualidade, “o mais ortodoxas, mantidas químicas dos planetas
‘realismo’ da contravisualida- pelas estruturas de poder ao em nosso Sistema Solar;
de é o meio pelo qual se tenta qual suprime vertentes de do aspecto religioso e da
dar sentido à irrealidade cria- matrizes africanas, espiritua- literatura espírita, pude
da pela autoridade da visua- listas e até mesmo orientais? imergir nas descrições dos
lidade enquanto, ao mesmo O processo criativo orbes planetários, na visão
tempo, propõe uma alternati- ganha novas dimensões na espiritual relatadas pelas
va real” (2016, p. 756-757). medida em que a produção comunicações mediúnicas; e
Posso pensar esses re- de imagens é mediada pelos das aulas, pude incorporar
cortes visuais que permeiam fenômenos da experiência técnicas e referências ao
15 Denominada pelo escritor Thomas Carlyle (1795-1881), em 1840, qual minha imaginação criou
utilizava a visualidade como uma forma de tradição de liderança heróica, interconexões positivas para
que tinha como objetivo visualizar a “história para sustentar a autoridade
autocrática” (2016, p. 747). Visualizar é produzir visualidades, por isso a história
a narrativa, dando início
deveria ser feita através dos vencedores, sendo um direito exclusivo dos heróis. assim, ao processo criativo
16 Trecho retirado da entrevista cedida ao BYU Humanities Center, da série chamada de Mundos
disponível em: https://youtu.be/YH4KTAXMtPw. Acesso em: 20 de agosto de 2021.
17 “ability to see history as it happens which is given only to the hero and not 18 Referência ao capítulo III do Livro dos Espíritos, onde um dos tópicos trata
anybody else. So it’s a radically anti democratic way of thinking”. da pluralidade dos mundos habitáveis.

34 35
ESTUDO DE CENÁRIOS

N
CAPÍTULO 2 o capítulo ante-
rior, procurei dar
novo universo, seja ele um
reflexo fiel das relações do
um panorama ge- nosso mundo ou uma contra
ral das referências realidade, paralela ou fanta-
visuais que carrego em dife- siosa. A premissa que envol-
rentes níveis de relações e de ve Majestas está relacionada
como as imagens da cultura diretamente à literatura es-
visual podem ser interpre- pírita. As leis que regem este
tadas nessa relação com o universo e o planeta Tersa19
eu-artista. A partir de agora, (lê-se Terza) são as leis ba-
tratarei de descrever os as- ses presentes na codificação
pectos relacionados às ima- espírita citadas no capítulo I

Estudo de gens produzidas na discipli-


na de Desenho II, buscando
deste trabalho. Esta escolha
visa imaginar como seria vi-

cenários expor os índices do proces-


so criativo e mantendo a vi-
são crítica dos estudos em
ver em mundos mais avan-
çados espiritualmente, quais
seriam os desafios de um
cultura visual para refletir a mundo ao qual poderia já ter
utilização dessas referências superado as doenças, as di-
visuais e suas possíveis hi- ferenças de classes, as ques-
bridizações. tões de gênero e os diversos
Quando penso em problemas sociais que são
criar uma narrativa, é preci- vivenciados por nós aqui na
so levar alguns aspectos em Terra.
consideração. Buscar criar Seguindo a progressão
algo único parece uma ur- dos mundos aponta pelo
gência, mas até as obras di- Espiritismo, Tersa (um
tas originais, se baseiam em mundo de regeneração pleno,
parâmetros referenciais e em indo em direção a categoria
relações internas e externas de mundo ditoso) estaria
à visão do artista. em um grau de elevação
As bases intrínsecas espiritual maior que a Terra
à criação de narrativas pre- (atualmente passando pela
cisam ser sólidas ou justifi- transição de um mundo de
cadas para a formação desse provas e expiações para um
19 Nome do planeta ao qual escolhi para representar o local onde se constrói a
narrativa de Majestas. Em analogia ao próprio nome do planeta Terra.

37
CAPÍTULO 2 ESTUDO DE CENÁRIOS
mundo de regeneração), O Buda referia-se a este estado cional no aspecto do divino força ou entidade ao qual
porém coabitando o mesmo como a ‘felicidade suprema’. A e relacionar com o racional. não compreendemos, e esta
mente iluminada caracteriza-se
universo físico da nossa pela sabedoria, compaixão e pu-
Destaca a experiência nu- experiência nos desperta te-
realidade, em algum outro reza. O Buda ensinou que todos minosa como um fator para mor, reverência e fascinação
sistema planetário distante os seres humanos, masculinos e a experiência religiosa, ou “o ao mesmo tempo.
do nosso. A compreensão femininos, nascem com o potencial mysterium tremendum ou O conceito do numen
da iluminação.
científica, social e espiritual mistério arrepiante” (2007, e da experiência numinosa,
de Tersa já teria superado p. 51). Sendo o numen algo ficaram anotados em um
Este arquétipo de go-
muitos problemas da como estar diante da presen- caderninho que levava
verno não é baseado por
sociedade e resgatado muitos ça e do poder de uma divinda- sempre para a aula de
voto, influência e nem por
débitos em seu passado. de das quais se caracterizava filosofia, onde eu anotava
estudo específico de uma
Estando pronto para seguir por: tremendum (arrepiante), ideias, conceitos e insights
área, os indivíduos são cha-
evoluindo na escala de majestas (avassalador), enér- para futuras personagens.
mados ao posto de majestas,
planetas, o que não inibe gico, e fascinante. Em outras A ideia governante por
pela intenção pura de seus
as transformações físicas e palavras, estar diante de um trás desta narrativa ilustrada
corações, pela sabedoria em
psíquicas deste mundo e de majestas, seria o mesmo que está na interação dos majes-
usar as leis divinas em suas
seus habitantes passarem por estar diante de um poder, tas com as catástrofes natu-
ações e por serem motores de
dificuldades inimagináveis ao
transformações sociais em
nosso mundo. Figura 10 - Foto do caderno de anotações pessoas de filosofia
seus orbes.
A sociedade de Tersa
E por que o nome
é governada pelos majestas,
majestas? Esta referência
um grupo de pessoas ao qual
remonta a alguns anos no
atingiram a “iluminação”,
passado. Por volta de 2013
conciliando as necessidades
a 2018, estive na graduação
materiais e espirituais e con-
de Bacharel em Filosofia pela
vertendo-as em ação para o
UFRN, dentro deste contex-
auxílio do outro. Esta carac-
to passei a estudar alguns
terística faz referência à ilu-
filósofos que tratavam das
minação trazida pelo budis-
questões ligadas à religião,
mo, ao qual tive o primeiro
a existência de um deus, a
contato com a obra de Masa-
existência ou/e preexistên-
mi Kurumada20, onde a per-
cia da alma e alguns críticos
sonagem Shaka de Virgem
da religião. O teólogo alemão
era tido como a reencarnação
Rudolf Otto (1869-1937) em
de Buda. Para Ajahn Jayasa-
seu livro O Sagrado (1917),
ro (2018, p. 25)
vai investigar o fator não-ra-
FONTE: Acervo pessoal do artista
20 Maganká autor de Saint Seiya (Cavaleiros do Zodíaco).

38 39
CAPÍTULO 2
rais e transformações sociais
que ainda são necessárias
para o povo tersiano (lê-se
terziano). Mas, que transfor-
mações um mundo de rege-
neração avançado, aparen-
temente feliz, teria de passar
para se tornar um mundo
ditoso? A narrativa pretende
se aprofundar nas estranhas
das personagens e revelar
que mesmo a luz consegue
projetar as sombras, e que os
majestas (assim como o povo
tersiano) ainda possuem tra-
ços de baixeza humana e es-
piritual.
Sigo com o recorte
proposto para este estudo,
onde busco refletir as influ-
ências da cultura visual na
construção dos cenários e na
ambientação da narrativa de
Majestas, desenvolvidos na
disciplina de Desenho II e no
CUCA HQ.

40 41
Torre d’Alva

“Diziam os antigos que um dia toda a população desta terra viveu


em um único lugar. Mas o que parecia ser um refúgio de harmonia, se
transformou em um palco de traições e ambições das mais variadas.
Hoje, os mais fortes comandam a Torre d’Alva. Porém, seu brilho
jamais foi o mesmo…”

Amart

42 Figura 11 - Desenho da Torre d’Alva


FONTE: Acervo pessoal do artista
CAPÍTULO 2 ESTUDO DE CENÁRIOS

A
construção des- automaticamente nos diz que sociais de poder que pode- planeta Tersa. A Torre d’Alva,
te cenário se deu as pessoas com maior poder riam existir neste universo. tem este nome em alusão
através de análi- e influência teriam as me- Ao importar este ao clarão alvo da sabedoria
ses feitas a partir lhores condições, que nesta cenário para o universo de antiga.
das fotos e informações cien- imagem seria o topo da torre. Majestas, como uma parte do
tíficas do planeta Vênus. Co- E aqueles desfavorecidos ou
nhecido como o planeta mais segregados por classe, etnia e Figura 12 - A Torre de Babel (1563), de Pieter Bruegel, o velho. Óleo
quente do Sistema Solar, sua raça, ocupariam as camadas sobre painel. Museu de História da Arte, Viena.
atmosfera possui uma espes- mais baixas, num “perfeito”
sa camada de gases, princi- esquema piramidal, onde a
palmente dióxido de carbono base sustenta o topo.
e não possui água em sua Semelhante a história
superfície, que é marcada por da Torre de Babel (Gênesis
grandes impactos. 11:1-9) ao qual as gerações
Devido à grande pres- seguintes a do dilúvio se
são e a falta de recursos unem falando em uma única
neste cenário, imaginei uma língua, migram para o leste
estrutura que pudesse alcan- até Sanir, onde começam a
çar as camadas superiores construção de uma cidade e
da sua atmosfera e que reu- de uma torre que alcançasse
nisse quem quer que habi- os céus. Logo, pela relação
tasse este local, em um único entre elas, ao qual a passa-
ponto, para a garantia da so- gem diz que com a interferên-
brevivência. Mas quem habi- cia de Jeová, confundiu a hu-
taria as camadas superiores manidade pela fala. Falando
da torre? cada um, uma língua, dando
Quando se pensa na origem a diversidade de idio-
comunhão de pessoas em mas.
um determinado lugar, é im- Esta história foi repre-
possível não pensar nas di- sentada por Bruegel, em uma
ferenças e nas estruturas de pintura chamada A Torre de
poder que podem surgir a Babel (1563), que serviu de Fonte: Google Art Project.
partir das relações interpes- base para a construção deste
soais. As estruturas sociais cenário. É possível notar as
com as quais vivemos nossa diferentes camadas e estru-
realidade, acabam por refle- turas que compõem a torre,
tir no processo criativo, que em referência às estruturas

44 45
As terras de Saart

“As terras de Saart são conhecidas como o grande caminho até o


Monte Petrus. Saart foi o primeiro grande Majestas, descendente
daquele que consideramos o grande transformador da realidade, o
‘filho da luz’, Hiero. Essas terras possiam desde densas florestas,
rios que enchem e secam com o passar das estações, vales floridos,
paredes de montanhas, desertos de areia e planícies que, em época de
inverno, são cobertos por uma fina camada branca de gelo. Mas o
que antes era uma terra habitada pelo povo de Saart, se transformou
no palco para o último confronto dos Majestas contra a ‘Noite sem
Estrelas’. Hoje, ninguém habita esta zona, dando lugar apenas
aos fenômenos naturais que renascem para cobrir de cores a triste
história.”

Amart

46
Figura 13 - Desenho das Terras de Saart
FONTE: Acervo pessoal do artista
CAPÍTULO 2 ESTUDO DE CENÁRIOS

O
cenário das terras de las especiais em sua própria
Saart foi inspirado essência de lugar. Figura 14 - Vale da Lua, no deserto do Atacama.
inicialmente no A humanidade está
planeta Mercúrio. sempre em busca de locais
Sendo este planeta o mais aos quais possa viver e se
rápido do Sistema Solar e estabelecer, tendo ignorado
mais próximo do Sol, revela as áreas restritas, por não
características extremas oferecerem de prontidão o
em sua constituição física que necessitamos. Mas, estas
e geológica. Com montes áreas podem revelar muito da
ondulados e cobertos de história geológica e de como
poeira que foram erodidos pelo o planeta se comporta diante
constante bombardeamento das transformações físicas
de meteoritos, seria uma área da natureza. Não esquecendo
inóspita para os humanos. que tanto na realidade ao qual
As áreas inóspitas estamos inseridos, quanto
não são uma característica na realidade do universo de
somente de outros mundos. Majestas, o planeta é um
No próprio planeta Terra ser vivo, que tem etapas na
encontramos desertos progressão e evolução física.
escaldantes ou congelantes, No universo de Fonte: momondo.com.br
ou locais onde a ação humana Majestas, estas características
tornou a terra imprópria são incorporadas na trama
para a vida, através do através do povo que habita
uso de químicos nocivos. as terras de Saart, uma
Destacando os desertos vasta extensão de terra que
do Saara e do Atacama, os engloba diversos tipos de
desertos congelados nos biomas. Porém, após o evento
polos do planeta, os cânions, da “Noite sem Estrelas21”
a cidade de Chernobyl na tornou-se um local restrito
Ucrânia, locais onde há aos tersianos.
poucas vilas ou nenhuma.
Pensar estas áreas como
restritas, acabam por torná-

21 Seguindo a progressão dos mundos, quando o planeta Tersa era um mundo


de provas e expiações, as forças da sombra atingiram os tersianos em uma última
tentativa de impedir o avanço da luz. Este episódio ficou conhecido na história como
a “Noite sem Estrelas”.

48 49
Templo Tarjz

“O Templo Tarjz é onde estão guardados os relatos de todos os


majestas que existiram nas eras passadas, assim como vários escritos
esotéricos, poéticos, acontecimentos históricos da Antiguidade de
Tersa (’Terza’, o planeta) atribuídos à Amart. A evolução da ciência
através dos tempos, as descobertas sobre o uso da energia espiritual
e os escritos filosóficos de Vast, também são dados que podemos
encontrar neste templo. Localizado próximo às florestas das terras
de Saart, na encosta de uma barragem utilizada para drenar as águas
dos rios próximos para as cidades, foi o primeiro lugar que os Infras
atacaram no evento da ‘Noite sem Estrelas’. Com a investida dos
Infras, a barragem foi destruída e suas águas inundaram as terras
ao redor do templo. Muitos mentalizadores perderam suas vidas
tentando selar o local para que os arquivos não fossem perdidos. O
Templo Tarjz permanece submerso até os dias de hoje.”

Amart

50
Figura 15 - Desenho do Templo Tarjz
FONTE: Acervo pessoal do artista
CAPÍTULO 2 ESTUDO DE CENÁRIOS

O
cenário submerso à nossa natureza, sendo iluminação budista.
do Templo Tarjz tem uma experiência singular ou
a influência direta coletiva. E que como vimos,
do planeta Netuno. pode resguardar valores que
Concebido mitologicamente apenas o numinoso, citado Figura 16 - Sailor Netuno, Sailor Moon
como o deus Netuno (para os no capítulo anterior, poderia
romanos) ou Poseidon (para responder.
os gregos), representa o deus Ao entrar em contato
dos mares. A cor azulada do com estes locais religiosos,
planeta, dada pelo metano entro em contato com o
em sua atmosfera, faz parecer mistério do sagrado, o que
que ele é coberto por um permite pensar novamente
completo oceano do qual não sobre os locais restritos,
temos acesso ao seu interior agora não só físicos, como
até os dias de hoje. mentais e espirituais. Algo
O mistério acerca na experiência religiosa
do que pode existir na não se pode ou não se deve
parte interna dos planetas dizer. Neste sentido, a água
gasosos do Sistema Solar, que envolve os mistérios
desafia a tecnologia humana, arquivados no Templo Tarjz,
FONTE: Pinterest
que ainda não foi capaz se refere à restrição física do
de penetrá-los, apenas acesso a eles, assim como a
oferecendo uma análise dos atmosfera de alguns planetas
elementos constituintes da e a profundidade das fossas
Figura 17 - Símbolo astrológico de Netuno
sua formação. abissais marinhas, são para
Este mesmo mistério a tecnologia humana.
é incorporado na narrativa, É possível notar
através dos locais da também, a representação
experiência religiosa. Os astronômica do planeta
templos, as catedrais, Netuno e outros signos
as igrejas foram sempre cravados nas portas do
um local de reverência à templo que fazem referência
divindades por parte dos a personagem Sailor Netuno,
humanos. O interior das do mangá e anime Sailor
experiências religiosas parece Moon (1991-1997). E os FONTE: Pinterest
ser acessível apenas com a ornamentos florais em lótus
permissão de algo externo reforçam a ideia de mistério e

52 53
Monte Petrus
“Após cruzar o grande território de Saart, nos deparamos com
grandes estruturas pontiagudas de cor escura. Isto marca a
entrada do lugar conhecido como Monte Petrus. Petrus foi o pai
encarnado do grande transformador da realidade - Hiero, e também
o grande traidor. Capturado pelos Infras (entidades sombrias)
se tornou o receptáculo do mal que desejava atrasar o avanço
deTersa (’Terza’ o planeta). Conta-se que após inúmeras tentativas
de eliminar seu filho ainda criança, os supras (entidades da luz)
diante da humanidade que não seria capaz de proteger o grande
pilar da evolução, interviram diretamente no destino deste plano
pela primeira e última vez. A intervenção custou aos tersianos, a
vida de seu grande guia - Hiero, e o exílio do espírito de Petrus
no monte, antes conhecido como Monte Everet, como lembrança
da falha da humanidade em proteger a vontade da luz. O Monte
Petrus, como ficou conhecido, é coberto por uma densa névoa que
a tudo engole e apodrece, grandes estruturas que lembram crânios
rochosos servem de prisões para aqueles que possuem o espírito de
batalha, violência e intenções nefastas. Na antiguidade, grandes
povos originários usaram os arredores do monte como cemitério para
seus guerreiros, há quem diga que eles duelam juntos pela eternidade
rindo da morte.”

Amart

54
Figura 18 - Desenho do Monte Petrus
FONTE: Acervo pessoal do artista
CAPÍTULO 2 ESTUDO DE CENÁRIOS

I
nspirado no planeta- com o inferno apresentado cinzento, com cruzes finca- sericórdia dos céus. À noite,
-anão Plutão, o Monte na mitologia grega, no qual das ao longo de sua extensão. a luz da lua guarda extrema
Petrus guarda simila- está repleto de prisões e am- É possível visualizar grutas afinidade a estas almas va-
ridades com a repre- bientes diversos para atender que mais parecem caveiras e gantes, banhando-os como
sentação da vida e da morte. e punir os desvios humanos, outras estruturas pontiagu- uma esperança dos dias vin-
Assim como Plutão, ou Ha- como retrata Dante Alighieri das que parecem pedir mi- douros.
des (na mitologia grega), este em sua famosa obra A Divina
seria um cenário dedicado à Comédia (1304-1321).
vida após a morte daqueles O Monte Petrus foi Figura 19 - Mapa do submundo, do mangá Saint Seiya
que cometeram crimes con- pensado não como um lugar
tra o próximo. fixo onde as almas dos con-
A ideia de sofrimen- denados passariam a eterni-
to e punição não é nova. No dade. Esta ideia de danação
campo da cultura visual é eterna não faria sentido, ao
fácil encontrar imagens da passo que os saberes espiri-
presença de um tribunal de tuais apontam para o perdão
deuses ou Deus, que atu- e o trabalho para cura dos
am como juízes das nossas desvios humanos. Nem muito
ações na Terra. Desde os an- menos é um local abaixo da
tigos egípcios, onde era pos- terra, como se popularizou as
sível encontrar nos escritos concepções de inferno.
do Livro dos Mortos (1040 Na narrativa de Majes-
a.C.-945 a.C) rituais para o tas, o Monte Petrus é o lugar
além-vida e o caminho que a onde os mortos descansam
alma faria até o julgamento. para um dia retornarem aos
Até as religiões monoteístas degraus da evolução, e onde
onde a ideia do purgatório ou os vivos se mantêm cientes
do próprio inferno, servem de que suas ações carregam
punição para aqueles que se consequências da mesma
desviaram do bem. natureza. Contudo, os espíri-
Através do contato tos de criminosos que se re-
com a obra Saint Seiya de cusam a evoluir, se mantêm
Masami Kurumada, estabe- presos a este lugar, ignoran-
leci contatos logo na juventu- do o passar dos tempos. Fonte: Seiyapedia
de com a mitologia greco-ro- Representado como
mana. Com este cenário em um cemitério no alto do mon-
específico, tracei paralelos te, é um terreno de cor azul

56 57
Mansão Esmeralda

“A Mansão Esmeralda é um lugar mitológico. Na memória dos


tersianos (’terzianos’) é nesta mansão que, após a morte, podemos
encarar os mistérios da vida espiritual. Após subir uma longa
escadaria brilhante cercada de montanhas de mesma constituição,
chegamos à Mansão. Em sua fachada existem três painéis esculpidos:
à esquerda o espírito de destruição; no meio, os sucessivos enlaces
da vida no mundo material; e à direita, o espírito de iluminação.
Um caminho cheio de ladrilhos luminosos nos guia ao seu interior.
Muitos antigos, ao dormirem, sonhavam com este local que tem
uma cor esverdeada pulsante, o que faziam deles mestres videntes
e guias. Com o evento da ‘Noite sem Estrelas’, os relatos de sonhos
envolvendo a Mansão Esmeralda cessaram, mergulhando mais uma
vez os seus segredos naqueles que a encontram na morte.”

Amart

58
Figura 20 - Desenho da Mansão Esmeralda
FONTE: Acervo pessoal do artista
CAPÍTULO 2 ESTUDO DE CENÁRIOS

S
e o Monte Petrus era vista na obra de Saint Seiya,
o local para as almas na casa de Gêmeos, situada
ainda atormentadas no Santuário de Atena.
pelos desvios huma- Por fim, ao centro te-
nos, a Mansão Esmeralda mos um painel abstrato onde
era o oposto. Inspirada no a roda da vida representa as Figura 21 - Casa de Gêmeos, Saint Seiya Ômega (2012)
planeta Urano, na mitologia sucessivas existências para
grega conhecido como o deus a depuração do espírito hu-
dos céus, representa dentro mano. Suas laterais possuem
do mundo de Majestas, a mo- grandes janelões em forma
rada daqueles que atingiram de cruz, ligados à simbologia
seus objetivos enquanto en- do sacrifício.
carnados e que agora podem A escolha da cor
dar continuidade a sua as- esmeralda, um tom de verde,
censão espiritual. remete à cor da cura, da
Marcada por uma es- harmonia, da esperança e
cadaria entre os rochedos da renovação, utilizada no
brilhantes, que lembram os ambiente do centro espírita
templos gregos, possui uma que frequento. O que também
forma octogonal ao qual o pode ser notado na cor do
número 8 é associado ao planeta Urano, um tom azul-
símbolo do infinito. Em seu esverdeado.
frontão, no estilo ainda gre-
Fonte: tokyo3.com.br
go, temos novamente orna-
mentos em forma de flores e
folhas, indicando o equilíbrio
do material e do espiritual.
Três grandes painéis com-
põem a entrada deste local:
do lado esquerdo representa
uma entidade das sombras,
contudo a figura permanece
num espaço branco; do lado
direito, a figura de uma en-
tidade da luz mas, com con-
tornos pesados na cor preta.
Esta representação pode ser

60 61
A cidade de Doomet

“A cidade de Doomet é considerada a cidade da alta classe de Tersa


(’Terza’, o planeta). Construída aos pés do vulcão Aolanut, pelos
lendários mentalizadores, possui uma arquitetura singular em
comparação às outras cidades. É o símbolo da realeza, justiça e
beleza da humanidade. Após a vitória da ‘Grande Luz’ contra os
infras, no evento da ‘Noite sem Estrelas’, a Brigada de Évora (que
se encontra nestas terras) foi selada e abandonada. Os lendários
mentalizadores que restaram usaram suas forças para erguer, aos
pés do vulcão, uma cidade que pudesse abrigar os sobreviventes.
Retiraram matéria prima da lava negra do Aolanut e, com a magia,
lapidaram verdadeiros cristais negros que serviram de estruturas
para a cidade. À noite, a cidade de Doomet se funde com o deserto
e os céus, criando uma ilusão de horizonte sem fim, fazendo a
cidade desaparecer. O brilho dos cristais negros reflete as estrelas no
firmamento, enquanto o Aolanut se apresenta ao fundo, como um
verdadeiro monstro colossal.”

Amart

62
Figura 22 - Desenho da Cidade de Doomet
FONTE: Acervo pessoal do artista
CAPÍTULO 2 ESTUDO DE CENÁRIOS

O
próximo cenário a retirada de dentro do vulcão observação no deserto que estética do cristal negro, que
ser estudado é o que pelos mentalizadores23 e que circunda a cidade. O mármo- para este povo representava
originou a cidade de serve como uma forma de mi- re branco é substituído pela a alta realeza.
Doomet. Compos- metismo quando a noite recai
to inicialmente com a inten- sobre a cidade, fundindo a
ção de representar o planeta areia, a cidade e os céus num Figura 23 - Taj Mahal. Fotografia de E. de Gracia Camara, 2008.
Marte, esta cidade estaria manto preto brilhante.
localizada aos pés do vul- A arquitetura da cida-
cão extinto conhecido pelo de está relacionada ao fas-
nome de Monte Olimpo22, o cínio por umas das maravi-
mais alto vulcão encontrado lhas do mundo moderno, o
no Sistema Solar, até então. Taj Mahal. Construído entre
Estima-se que ele ergue-se 1932 e 1953 pelo esforço de
a 21.9km acima do nível do mais de 20 mil homens24, o
chão, sendo quase três vezes mausoléu foi levantado em
mais alto que o Monte Eve- mármore branco que o impe-
rest, aqui na Terra. rador Shah Jahan ordenou
Para o universo de construir em memória da sua
Majestas, o Monte Olimpo falecida esposa favorita Aryu-
se converteu no vulcão Ao- mand Banu Begam.
lanut, nome que brinca com Neste contexto é pos-
as letras do vulcão havaia- sível observar a cúpula da
no Mount Kilauea, um dos fundação central, como os
maiores vulcões da Terra. O pináculos que se erguem
terreno deste local é arenoso, das construções que são im-
como um grande deserto de portados do Taj Mahal para
areia de cor preta. Esta cor a arquitetura da cidade de
é a mesma do material ao Doomet. Assim como as tor- Fonte: whc.unesco.org
qual a cidade foi construída, res laterais viram torres de

22 Plescia, J. B. (2004). «Morphometric properties of Martian volcanoes». Journal


of Geophysical Research. 109 (E3). Bibcode:2004JGRE.109.3003P. ISSN 0148-0227.
doi:10.1029/2002JE002031

23 Uma ordem secundária que auxilia os majestas na defesa contra a investida


das sombras. Formado por aspirantes à majestas.

24 Dr. A. Zahoor e Dr. Z. Haq. «Taj Mahal, Agra, India». Link: https://www.
islamicity.org/11214/taj-mahal-the-jewel-of-muslim-art-in-india/. Consultado em 24
de agosto de 2021.

64 65
O Castelo de Kryst

“O Castelo de Kryst foi construído pela família de mesmo nome,


localizado nas terras de Krust, era o centro do domínio territorial
dos Kryst. Sua construção foi feita com minerais que dão um aspecto
de jóias reluzentes. Durante o evento da “Noite Sem Estrelas”, o
castelo serviu alojamento para muitos habitantes de Krust e seus
domínios, porém nem todos puderam chegar a tempo, seus grandes
portões foram fechados e aqueles que ficaram do lado de fora, se
perderam na escuridão e desapareceram. Com uma grande atuação
dos mentalizadores e do Majestas da época, uma grande armadura
de cristal foi feita ao redor do castelo e ele se elevou da terra. A
frequência-energia-vontade foi tamanha que empurraram as forças
da escuridão para fora dos seus domínios. Após os eventos da “Noite
Sem Estrelas” o Castelo de Kryst perdeu o domínio dos territórios
mais longínquos, restando apenas poucas zonas de influência ao
redor do castelo. Apesar disso, a família Kryst conta com um grande
número de mentalizadores e um Majestas extremamente talentoso
que os lidera.”

Amart

66
Figura 24 - Desenho do Castelo de Kryst
FONTE: Acervo pessoal do artista
CAPÍTULO 2 ESTUDO DE CENÁRIOS

D
entro do contexto re- sim como algumas das habi-
ligioso, as catedrais tações mencionadas, o Cas-
do estilo gótico sem- telo de Kryst não estaria fixo
pre me chamaram ao chão, seu aspecto majes-
atenção pelas características toso, imponente e aparente-
suntuosas, ricas em detalhes mente pesado, as estruturas
e de certo modo, obscuras. se comportam com extrema
Figura 25 - Catedral de Milão (1386). Milão, Itália.
Elas serviram de inspiração graça e leveza, como se flutu-
para a criação do cenário que assem sem nenhum empeci-
representaria o planeta Júpi- lho da gravidade.
ter. Se este, segundo o Espi- Os céus teriam uma
ritismo, fosse o planeta mais uma coloração rosa, e as nu-
avançado espiritualmente, vens características do pla-
certamente suas constru- neta Júpiter não poderiam
ções teriam um requinte sem faltar, assim como em A Noite
igual. Estrelada de Van Gogh, elas
Características impor- se contorcem graciosamente
tantes da arquitetura gótica como soassem um cantar vi-
foram levadas para dentro do sual nos céus.
que viria a se tornar o Cas-
telo de Kryst. A utilização de
ogivas, abóbadas em cruza-
rias, arcobotante, vitrais e de
estatuária externa, são algu-
mas das características que
se transpõem do estilo gótico,
de forma literal, para o imagi-
nário deste universo.
Após ser exposto aos
desenhos mediúnicos de Vic- Fonte: Wikipedia
torien Sardou, muitos dos ri-
cos detalhes que existem nas
suas representações das ha-
bitações de Mozart, do profe-
ta Elias e de Zoroastro, pas-
saram também a constituir o
imaginário deste cenário. As-

68 69
A Brigada de Évora

“Uma das linhas de defesas encontradas na cidade de Doomet, é o


palácio fortificado por minérios e magia. A Brigada de Évora serviu
de base de planejamento para seus cidadãos e mentalizadores na
luta contra a “Noite sem Estrelas”, tem esse nome em referência
a tenacidade de Évora, que na mitologia foi a mãe encarnada de
Hiero, o grande transformador da realidade. Ela lutou contra as
investidas dos infras e de seu marido Petrus, na tentativa de salvar
seu filho. No evento da ‘Noite sem Estrelas’, a Brigada de Évora
foi completamente danificada, causando sua desativação logo após
a Grande Luz intervir ao fim do confronto. Ao redor da brigada se
formaram grandes abismos, tornando quase impossível retornar a
ele. Neste local, paira uma constante aurora que ficou conhecida
como símbolo da vitória e esperança humana na luta contra os
infras.”

Amart

70 Figura 26 - Desenho da Brigada de évora


FONTE: Acervo pessoal do artista
CAPÍTULO 2 ESTUDO DE CENÁRIOS

E
ste outro cenário foi ticas podem ser encontradas sentava os anéis de Saturno. possui. Portanto, ganhou um
inspirado no plane- em outras estruturas arqui- A partir do momento que este novo sentido dentro deste
ta Saturno, que na tetônicas espalhadas pelo cenário foi adaptado para contexto.
mitologia grega re- mundo, como as civilizações o universo de Majestas, os
presenta Cronos, o deus do mesopotâmicas e pré-colom- anéis não fariam mais senti-
tempo. A ideia central deste bianas. do, pois o planeta Tersa não
lugar era imaginar algo que A Brigada de Évora se
resistisse à passagem dos apropria deste aspecto rígi-
tempos, ao qual sobrevivesse do, atemporal e místico, para Figura 27 - Antigo zigurate em Ali Air Base Iraq (2005)
a vida e o pós vida de seus representar um local de re-
habitantes, marcando para sistência dentro da narrativa
sempre as gerações que se de Majestas. Sua estrutura
seguissem. é inspirada nas pirâmides
Dentro deste espectro, e nos zigurates sumérios,
é impossível não relacionar construídos em tijolos bran-
com a visão que os egípcios ti- cos, com uma escadaria cen-
nham da eternidade da alma. tral que leva à entrada do
E que em função disto, orga- templo no alto plano. Em sua
nizavam-se culturalmente e base temos a figura de qua-
ritualísticamente para os cui- tro indivíduos esculpidos nas
dados do pós vida, guardan- paredes, representando qua-
do seus bens, seus órgãos e tro dos grandes majestas de
tendo o cuidado com o corpo outras eras (não utilizados
após a morte. Pois acredita- para este estudo). Eles repre-
vam que a alma necessitaria sentam os quatro elementos:
de tudo isso para a vida futu- terra, ar, fogo e água. Como
ra. elementos primordiais para a
O caráter rígido das manifestação física do espíri-
construções e das esculturas to.
egípcias desafiam a passa- Ao fundo podemos ver
Fonte: Wikipedia
gem do tempo e o intrincado três satélites naturais, que
labirinto interno de suas pi- representam a trindade, Évo-
râmides é alvo de estudos de ra, Petrus e Hiero. Três per-
arqueólogos de toda parte do sonagens que foram o ponto
mundo, a fim de revelarem de partida para a narrativa.
os mistérios desse povo tão A aurora boreal que aparece
distante. E estas caracterís- ao fundo, inicialmente repre-

72 73
ESTUDO DE CENÁRIOS
Documentos processuais te desta plasticidade do meu
processo criativo. Acolhendo
Segundo SALLES a obra ao passo que ela vai
(2018, p.12), “a criação artís- se tornando real. Até mesmo
tica é marcada por sua dina- minhas limitações no que diz
micidade que nos põe, por- respeito às técnicas emprega-
tanto, em contato com um das ou dificuldades de atingir
ambiente que se caracteriza os resultados pensados, aca-
pela flexibilidade, não fixidez, bam gerando ruídos integra-
mobilidade e plasticidade”. dos no produto final.
Com isso em mente é possí-
vel refletir um pouco sobre os Muitos erros tem sua explicação
associada à ausência de domínio
métodos e os registros visu-
da técnica, ou seja, falta de
ais e práticos adotados para conhecimento das propriedades
a construção deste universo. da matéria-prima que está sendo
Dentro dos documen- manuseada. (SALLES, 2018, p.
tos processuais, posso des- 134)
tacar alguns esboços e regis-
Os únicos esboços fí-
tros digitais da construção
sicos que possuo são os das
dos cenários e da narrativa
obras O Castelo de Kryst e A
do livro ilustrado Majestas.
Torre d’Alva.
Diferente de alguns artistas,
Apesar de algumas for-
eu trabalho diretamente na
mas se transformarem desde
superfície ao qual se planeja
a concepção até a finalização
o resultado final do desenho,
do projeto, este movimen-
por essa razão faço poucos
to é completamente aceito
esboços prévios em folhas
dentro do processo criativo.
separadas. Desenhando dire-
Sendo um fator que cria jun-
tamente na folha final, o es-
to do imaginário visual do/a
boço feito se integra a obra,
artista, novas leituras. Este
sendo completamente absor-
movimento na criação per-
vido pelas camadas de tinta
mite que o/a artista encon-
nanquim.
tre novos caminhos ao passo
Os eventuais erros ou
que avança na construção da
mudanças de conceito, testes
obra.
de degradê e até mesmo inte-
No mundo pós moder-
Documentos processuais resses repentinos, fazem par-
no é mais comum o registro

Figura 28 - Esboços, rabiscos e processos 75


FONTE: Acervo pessoal do artista
CAPÍTULO 2
digital, ainda que muitos op-
tem por carregar um cader-
detalhes da história, fichas
das personagens, descrição
CAPÍTULO 3
ninho de anotações ou um de mapas e todos os outros
sketchbook. Os celulares, elementos que envolvem a
os ipads, os notebooks são narrativa.
responsáveis por registrar e Figura 29 - Notas do livro
editar de forma tão rápida os ilustrado no Scrivener
pensamentos e os interesses
que se tornam uma ferra-
menta de grande uso.

A rapidez do processamento é,
sem dúvida alguma, extraordi-
nária. Confirma assim uma das Majestas
propriedades das mídias digitais
que se acentua, de modo acelerado,
a cada dia.SALLES, 2018, p. 120)
em ação
Também, com as redes so-
ciais, ficou muito mais fácil
compartilhar esses processos
e ainda receber opiniões que
podem intervir no processo
criativo singular, passando
agora para um processo co-
letivo. As famosas en-
quetes do instagram de ar-
tistas dão ao público certo
poder daquilo que eles/as
querem ver, formando o que
Salles vai chamar de intera-
ções.
Neste contexto, fiz uso
do instagram para compar-
tilhar alguns dos processos
deste projeto; outros regis-
tros da narrativa foram feitos
em forma de texto no progra-
FONTE: Acervo pessoal do artista
ma Scrivener. Onde escrevo

76
CAPÍTULO 3 MAJESTAS EM AÇÃO

C
om uma proposta de constitui Majestas. O jogo é periências e escolhas estéti- onde mais uma vez o exterior
imersão ao universo uma ferramenta importante cas. Como o padrão medieval das vivências acabam tocan-
de Majestas, a ação nas relações com as pessoas, de arabescos que fazem parte do o interior da produção ar-
pedagógica convidou seja na relação interpessoal deste universo do Majestas, tística e influenciando o pro-
à participação de convidados ou com os objetos da cultura, e também, da minha produ- cesso criativo. A partir daqui
externos ao processo criativo, estamos sempre envolvidos ção musical. Além disso, ou- identificarei os participantes
como uma forma de primei- em um meio de trocas de in- tras mídias foram criadas e ou jogadores como viajantes.
ra experiência formal e críti- formações, situações em que anexadas para dar suporte: O capítulo I do jogo
ca da narrativa. Observando precisamos tomar decisões e, como um canal no youtube inicia com uma mensagem
a metodologia a/r/tográfica no caso deste jogo, investigar próprio do Vast, formulá- de Vast vinda do espaço es-
(IRWIN, 2016) caberia à este por conta própria o que está rios no Google Forms, para telar, com um pedido de aju-
primeiro encontro com o uni- sendo proposto. Pensando na respostas das atividades fei- da, onde aqueles que conse-
verso de Majestas, perceber relação público ↔ obra, mes- tas pelos participantes, um guissem recebê-la, pudessem
como as redes criativas de- mo que ainda em construção, email para o projeto, trilha ajudá-lo de alguma forma.
senvolvidas para o livro ilus- pude perceber aberturas no sonora do jogo26, e o canal do Aqui cada viajante estabelece
trado se relacionam com os enredo que precisam de um JUSTFLY (projeto musical ao o primeiro contato com a nar-
participantes e que transfor- encaixe melhor ou pontos po- qual faço parte). rativa, onde é pedido um voto
mações podem ocorrer du- sitivos onde poderia avançar, Dividido em cinco ca- de confiança entre quem joga
rante este processo de imer- que poderei exemplificar me- pítulos, onde apresento as e o jogo. Jogar é muito mais
são na história. lhor adiante. personagens Vast e Amart que cumprir tarefas e ganhar
Levando em conta a Partindo da gamifica- (narradores da história), recompensas por conquis-
situação pandêmica, optei ção25 da história, a constru- mapa e lugares relacionados tas, acredito que o verdadeiro
por uma forma mais autôno- ção do jogo online foi produ- à Tersa e a trama principal jogo acontece quando viven-
ma de participação da ação zido na plataforma Genial.ly, do mundo de Majestas, cada ciamos uma experiência que
pedagógica, onde o/a partici- onde é possível criar slides participantes encarou o jogo nos faz pensar além da rela-
pante poderia desenvolver à interativos com recursos de de forma individual, sem o ção estímulo ↔ resposta, é
seu modo, o ritmo de realiza- animação, áudio e vídeo, su- conhecimento de que outros quase como o que acontece
ção das tarefas apresentadas. porte para links externos de estavam jogando também. Os quando nos emocionamos ao
Diferentemente de tratar este forma gratuita, mas também, capítulos foram introduzidos assistir um filme, ou ao que
tema lúdico de uma forma com opções pagas para uso através de questionamen- comumente se fala de experi-
tão teórica, me propus a fazer de elementos mais sofistica- tos filosóficos que permitiam ência estética, em outros ca-
um jogo, onde cada indivíduo dos e instrumentos de edi- cada participante se relacio- sos de catarse, é quando nos
teria uma experiência única ção. Busquei produzir visual- nar de uma forma pessoal, vemos dentro da narrativa e
de imersão e conhecimento mente paralelos entre o jogo suscitando sentimentos des- criamos pontes com a nos-
das bases da narrativa que e os aspectos das minhas ex- pertos no cenário pandêmi- sa vida. Quando transporto
co ao qual nos encontramos, essa ideia de um pedido de
25 Do inglês “gamefication” é uma estratégia para aumentar o engajamento de
pessoas em uma determinada tarefa, empresa, etc. 26 A trilha utilizada “Shiryu’s Pain/Remember Sadness” Original Soundtrack
de Cavaleiros do Zodíaco.

78 79
Figura 30 - Screenshots do jogo Majestas ajuda vindo do espaço para encontro com a problemática
a realidade, penso na nossa fundamental do mundo de
relação de humanos terrá- Majestas. Onde procuro
queos que buscam vida em relacionar aspectos da
outros planetas e luas, o que realidade de tempos difíceis e
nos aconteceria se um dia re- de incertezas com a narrativa
cebêssemos um sinal positivo lúdica, como uma resposta
de vida inteligente? interna ao sentimento de
Nesta primeira etapa medo, exaustão e tristeza.
do jogo, os participantes re- Mesmo que pandemias
cebem as coordenadas espa- sejam comuns na história
ciais de Vast, e ele questiona da humanidade, sempre
a localização dos jogadores representam um desafio
para que possa enviar com à tecnologia e à ciência,
mais precisão as próximas na busca de agentes que
mensagens. Figuras miste- possam remediá-la. Neste
riosas estão por todo o jogo, contexto, Vast também é
convidando os viajantes à ex- colocado em uma situação
ploração da própria curiosi- onde não é seguro para ele
dade. Respostas obtidas: andar pelas regiões de Saart,
estando preso em sua casa,
5°57’19.1”S 35°**’29.*”W a única forma de contemplar
5°**’**.7”S 35°**’13.3”W
o exterior é pela sua janela.
5°50’**.9”S **°12’**.1”W
-5.8***758”S 3*.262***8”W Janela que ele compartilha
5°48’**.*4”S 35°13’**.**5”W com os viajantes, e que
-6.5**140”S,-35.**”W vai além da janela física
*°53’08.9”S 35°1*’**.2”W que permite a vista de um
-2.6*17***07”S -.2**31**45”W
ambiente para outro.
Conectados pela in-
No capítulo II “Da
ternet, os celulares, com-
Minha Janela”, Vast introduz
putadores, ipads, tvs, entre
um pouco mais da trama
outros, funcionam com jane-
do Majestas explorando as
las virtuais para o exterior,
terras de Saart as quais
em situações de lockdown, a
estão sob ataque dos Infras
única forma de saber o que
(materializações do medo e
está acontecendo lá fora é
da ignorância dos habitantes
por meio destes aparelhos,
FONTE: Gennial.ly de Tersa). Este é o primeiro

80 81
CAPÍTULO 3 MAJESTAS EM AÇÃO
a janela de Vast expande a a realidade, que investiga- mos crianças. Sem grandes malda- me ajudando. Mas acho que os
compreensão de qual recorte da apenas pela razão parece des. Sem pensar nos problemas do principais foram o livro “ Quem
futuro. Sem suspeitar que um dia teme a morte” e “Eu estive aqui”,
de realidade queremos inten- ser muito fria. Logo o senti- aquelas tardes iriam acabar.” nas series de “Lei e Ordem” e “ O
cionalmente expor, visto que mento de perda, dá espaço à (5°48’**.*4”S 35°13’**.**5”W) Perfume” e muitos filmes da netflix
a realidade por estas jane- saudade e a possibilidade de bem gostosinhos de assistir em
las virtuais é extremamente refletir aspectos não tão pal- De forma a incorporar família.”
(-5.8***758”S 3*.262***8”W)
editável e manipulável. Em páveis sobre a existência, a outros aspectos que ajuda-
busca de conhecer melhor os vida e a morte. Aqui, os via- ram na criação do universo “Andar de bicicleta tem me ajudado
viajantes que responderam jantes também privados pela de Majestas, e que perpas- muito. eu costumava me sentir
ao seu chamado, Vast per- realidade atual, puderam sam a minha trajetória artís- muito ansiosa e não conseguia
gunta qual a visão da jane- compartilhar fragmentos de tica, no capítulo IV, introduzo recuperar o peso que perdi devido
à ansiedade, mas quando comecei
la de cada um desses novos saudades pessoais, das mais uma música do projeto musi- a pedalar com frequência tudo
amigos. As respostas seriam diversas fontes, acessando cal JUSTFLY27 como parte do se tornou mais tranquilo. ocupo
discutidas em um momento memórias esquecidas, felizes universo da narrativa. Não minha cabeça, faço bem também
mais a frente e as imagens de ou dolorosas para eles. Algu- de forma aleatória, mas refle- pro meu corpo e me deu uma
autonomia maravilhosa de poder
todas as perguntas feitas por mas dessas memórias: tindo sobre o conteúdo lírico
me virar só e ver meus amigos
Vast seriam anexadas à uma da música Dias Melhores28 ciclistas com mais frequência.”
galeria ao final do jogo. “Tenho saudades das minhas (2020), que está associado (*°53’08.9”S 35°1*’**.2”W )
viagens, da minha namorada, do
Em situações de ex- diretamente à personagem
mundo pré pandêmico... Mas esco- “‘So raise your glass if you are
trema privação, é possível lhi uma foto do início do curso de Amart e seus anseios de es-
wrong in all the right ways’. Esse
estabelecer várias formas artes, porque principalmente tam- perança e, literalmente, dias ano eu comecei a fazer terapia, algo
de relação com a realidade, bém sinto falta dos meus amigos” melhores. Mesmo frustrado que tem ajudado a me fortalecer e
aqui, através da memória. (5°57’19.1”S 35°**’29.*”W) pela morte de Amart, Vast ser alguém melhor. Um brinde aos
No capítulo III, chamado de busca refúgio nas palavras que insistem na empatia.”
“Minha estante de livros me des- (5°**’**.7”S 35°**’13.3”W)
“Saudade”, Vast compartilha perta saudades de passar dias e da música e na memória do
alguns sentimentos íntimos noites explorando os universos que seu companheiro. Ele per- “Não desista, alguém pode estar
e nos apresenta o persona- ela guarda.” gunta aos viajantes do que se inspirando em você” - Autor
(5°**’**.7”S 35°**’13.3”W)
gem Amart, seu amigo po- eles têm saudade e o que tem desconhecido. “Sou o irmão mais
eta e historiador, morto em ajudado a manter a esperan- velho da minha família, sei dos
“Sinto saudades da areia em meus problemas que minha família passa
um confronto contra os In- pés, de ouvir o som do mar, sentir ça em tempos difíceis. e ainda assim se esforçam para
fras. Amart representa o pólo o sol sob minha pele. Enquanto me manter nos estudos, e sei que
complementar de Vast, um é relaxava bebendo minha água de “Nesses tempo difíceis, muitos inspiro a maioria dos meus amigos,
coco.” livros, series e filmes andaram que olham com orgulho para mim e
a arte, o outro a ciência, um (-5.8***758”S 3*.262***8”W)
é a imaginação, o outro a ra- 27 Projeto musical potiguar que teve estreia em 2018, com a música STAY
zão. Após a partida do esti- “Sinto saudades dos meus amigos” do mini álbum INTERLUDE. Mais informações no link do instagram: https://www.
mado amigo, Vast passa a (-2.6*17***07”S -.2**31**45”W) instagram.com/oficialjustfly/
“Saudades de brincar com meus 28 O clipe de DIAS MELHORES pode ser encontrado no canal do JUSTFLY.
ter dificuldades de analisar Link: https://www.youtube.com/watch?v=7YUqciKV8PA
amigos na rua de casa quando éra-

82 83
CAPÍTULO 3 MAJESTAS EM AÇÃO
torcem para que eu consiga aquilo tes e Vast, no dia 29 de no-
que eu tanto batalho para ter. Em vembro de 2020.
momentos que quero desistir, ler
essa frase me faz lembrar de todas
essas pessoas, e me faz perceber Dados da ação pedagógica
que cheguei muito longe para sim-
plesmente deixar tudo para lá.” A ação contou com a
(5°48’**.*4”S 35°13’**.**5”W)
participação de onze viajan-
“Estranhamente tenho saudade tes de diversas localidades
da escola, não de aula, nem nada, em Natal/RN, Ceará Mirim/
mas de poder conviver com os RN, Montanhas/RN e um
amigos daquele tempo, apesar dos participante externo de São
estresses e do enem kkkk realmen-
te é uma época que guardo com
Paulo/SP, dos quais cinco ti-
muito carinho no meu coraçãozi- veram participação de 100%
nho e principalmente os amigos das atividades, três com par-
daquele tempo mesmo que a gente ticipação acima de 90% das
não se veja ou se fale tanto mais.
atividades, e três responde-
Acho que devido a pandemia posso
até inserir a faculdade nesse meio ram apenas uma tarefa ou
já que vai fazer 2 anos que não vejo não participaram das ativi-
os amigos dentro daquele espaço dades propostas. Como dito
e também sinto falta do convívio, antes, a exploração do jogo
acho que no geral é isso, sinto mui-
ta falta de conviver com as pessoas
permitia que os viajantes
queridas.” durante duas semanas pu-
(5°50’**.9”S **°12’**.1”W) dessem conversar com Vast
através dos fragmentos da
Ao final destes quatro narrativa e das atividades de
capítulos, Vast já coletou al- compartilhamento propostas
gumas informações preciosas por ele. Ao final as respostas
sobre os viajantes, por isso seriam postadas dentro do
decide que é a hora de esta- próprio jogo na aba de GALE-
belecer uma conexão mais RIA e, posteriormente, discu-
direta. No capítulo V, ele con- tidas no encontro síncrono.
vida todos os viajantes para Ao lado, na Figura
uma conferência online e re- 31, compartilho algumas
vela que cada viajante não imagens enviadas pelos
estava jogando sozinho. Este viajantes:
encontro se deu ao final de
duas semanas de trocas de
informações entre os viajan-

84 85
É importante ressaltar nadas formas de expressão
que as discussões levantadas artística. Os recortes apre-
no momento síncrono, reve- sentados também fornecem
laram aspectos importantes fragmentos das motivações
por trás das escolhas de ima- de cada viajante, seja o dese-
gens. Escolhas essas, que jo de ver o mar, estar com os
se conectam às memórias amigos, participar de even-
sensíveis desses e de outros tos, ou aspectos mais ínti-
tempos, que carregam signi- mos, como se sentir nostálgi-
ficados e possibilitam ressig- co ou preso em uma situação.
nificações diante uma nova Alguns viajantes pen-
realidade por parte dos via- saram na necessidade de
jantes. responder como um perso-
Ao serem interpelados nagem fictício deles mesmos,
por Vast, em variados aspec- possibilidade que eu não ha-
tos, os viajantes buscaram via explorado ainda.
em suas experiências com o Ao final, foi possível
mundo visual, construir uma estabelecer pontos de
narrativa que correspondes- aproximação entre os
se as suas próprias necessi- universos de cada viajante,
dades. Revelando alguns ín- onde memórias e histórias
dices dos processos criativos de um, tocam experiências
deles mesmos. Dessa forma, similares as do outro, além
por meio de desenhos, fotos, de expansões de temas e
vídeos, músicas e textos, os reflexões ligadas à teorias
viajantes puderam manifes- de toda natureza que
tar seus desejos, saudades, envolvem Majestas, como por
locais de afeto, eventos, entre exemplo, vida fora da Terra,
outros. espiritualidade e a nossa
As imagens comparti- relação com as memórias e
lhadas não são exatamente sentimentos.
da cultura visual da grande
massa, mas formam a cultu-
ra visual afetiva dos viajan-
tes. As técnica empregadas
variam, o que mostra certas
proximidades com determi-

87
CONSIDERAÇÕES FINAIS

P
ensar de forma motivadores por trás do
sistemática o universo de Majestas. A
processo criativo maneira que o processo
por trás da criativo nos permite
construção do universo de perceber essa grande rede
Majestas tem sido uma tarefa de interconexões vai além
até aqui muito prazerosa e dos registros materiais, de
desafiadora, pois como foi anotações, esboços, etc.
mostrado através dos índices Conversas pontuais, eventos

Considerações
desse processo criativo, do cotidiano, filmes, livros,
quando analiso de perto estes tudo o que está na mídia e nos
índices, percebo fragmentos meios de comunicação pode
da minha identidade e ideias ser utilizado e transformado

Finais construídas através


tempos. Alguns remontando
à ideias e imagens da
dos na construção de uma obra
estabelecendo relações em
diferentes graus, apoiando-
infância, da adolescência, se nas semióticas e signos
daquilo que eu consumia advindos da música, religião,
e consumo culturalmente, história e filosofia.
do âmbito familiar, de Volto a dizer que
um escrito guardado de este trabalho é apenas um
uma aula, de conversas e fragmento, um recorte do
discussões de temas que processo criativo, e percebo
ficaram na memória e que são que o que eu conhecia como
resgatados, transformados e Majestas no início dessa
utilizados como prerrogativa pesquisa, transformou-se
desta narrativa. Sem deixar em um novo Majestas, com
de lado o contexto atual, possibilidades ainda mais
o cotidiano pandêmico, o amplas de discussões graças
presente que está sempre em aos resultados da ação
jogo de relações com aquilo pedagógica desenvolvida.
que vem a ser esta obra. A relação com o outro por
Do ponto de vista intermédio do jogo reforçou
dos estudos em cultura o caráter transformador
visual foi de extrema dessas redes de criação,
importância revisitar e da continuidade e do
coletar os fragmentos visuais inacabamento da obra.

89
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A gamificação do
universo Majestas como
proposta a/r/tográfica
permitiu cruzar dados e
vivências com os viajantes
participantes, criando novos
pontos de reflexões sobre
a forma e o conteúdo da
narrativa e com o resultado
obtido penso em expandir a

Referências
ideia do livro ilustrado para
outras formas de contar
uma história, seja através
da música (que já faz parte
deste universo), da poesia e
de ilustrações e vídeos. Como
um multiverso conectado,
levando em consideração a
evolução das plataformas
de comunicação é possível
traçar algumas formas de
ser ouvido e de se fazer ver
neste mundo digital. Desejo
continuar trabalhando na
produção deste universo
e registrando os avanços
a partir dos estudos do
processo criativo e das
relações formadas com a
cultura visual, até que a obra
esteja (in)acabada o bastante
para ser publicada.

90
REFERÊNCIAS REFERÊNCIAS
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Institucionais, Práticas Curatoriais. Rodrigo Moura (org.). Psicológicos. Ano I - 1858. 5 ed. Tradução de Evandro Noleto
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Paulo: Instituto de Difusão Espírita: 2019. em: 17 ago. 2021.

92 93
APÊNDICE ANEXO
Mapa das terras de Tersa Certificado da Ação de Extensão

TERRAS DE SAART

MAR DE TERSA

Vulcão Aolanut

TERRAS DE KRUST

Erument

FONTE: Acervo pessoal do artista


KARDEC, Allan. Revista Espírita Jornal de Estudos
Psicológicos. Ano I - 1858. 5 ed. Tradução de Evandro Noleto
Bezerra. Brasília: FEB, 2014.

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Temática Digital, Campinas, SP, v. 18, n. 4, p. 745-768, nov.
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