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Nascimento, Giovana. Responsabilidade Tributária e As Atuais Formas de Organização Empresarial - Dissert.
Nascimento, Giovana. Responsabilidade Tributária e As Atuais Formas de Organização Empresarial - Dissert.
FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO
DIREITO PÚBLICO
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA E AS
ATUAIS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO EMPRESARIAL
Giovana Nascimento
Salvador
2014
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA E AS
ATUAIS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO EMPRESARIAL
Salvador
2014
Giovana Maria do Nascimento
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA E AS
ATUAIS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO EMPRESARIAL
Banca examinadora
Nome:_______________________________________________
Titulação e instituição___________________________________
Nome:_______________________________________________
Titulação e instituição___________________________________
Nome:_______________________________________________
Titulação e instituição___________________________________
“Os pensamentos dos justos são juízo, a diretriz dos
iníquos é engano.” (Prov. 12:5)
À minha querida família, pelo amor que nos une, incentivo, alegria e
confiança de sempre.
Aos meus amigos que nesta jornada, ainda que às vezes de longe,
estiveram sempre unidos a mim. Em especial à Milucha Perez e Andressa Amorim,
pela amizade singular de cada uma, estímulo e presença em momentos tão
importantes dessa jornada.
A meu amigo e Prof. José Antônio Garrido, pelas longas e diversas trocas
de ideias, sempre com incentivo a uma visão ampla e crítica do direito positivo.
The passive subjection and responsibility are phenomena that trigger doctrinal and
jurisprudential gatherings . Assuming that the law is a cultural object that is
manifested through different legal realities and create their own language realities :
the science of law with descriptive language and positive law with the prescriptive
language, we set out to analyze the rules that deal with said legal institutions in its
static and dynamic perspective , with emphasis on solidarity and joint liability , setting
the content , characteristics and scope in a systematic apprehension of law . The
Constitution is our light beam to follow the analyzes concerning the insertion
defendant in the tax legal relationship of the subject , although it has not committed a
presumptive sign of wealth that actually triggered the tax obligation . In particular the
analysis of the mentioned standards seek to reach a hermeneutic that reflects the
achievement of social solidarity and justice when the tax cut is narrowed to illicit
forms of business organizations
Art. Artigo
CC - Código Civil Brasileiro de 2002
CTN - Código Tributário Nacional
CF/88 - Constituição Federal de 1988
EC - Emenda Constitucional
LSA - Lei das Sociedades por Ações
ICMS – Imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações
e prestações se iniciem no exterior.
Min – Ministro
PAF – Decreto n° 70.235, de 06.03.72
Resp - Recurso Especial
RE - Recurso Extraordinário
Rel - Relator
Superior Tribunal de Justiça - STJ
Supremo Tribunal Federal - STF
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 12
Primeira Parte
PREMISSAS EPISTEMOLÓGICAS FUNDAMENTAIS: DIREITO
POSITIVO, CIÊNCIA DO DIREITO E O SISTEMA JURÍDICO TRIBUTÁRIO
Segunda Parte
A RESPONSABILIDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO
Terceira Parte
CONCLUSÃO .........................................................................................................140
REFERÊNCIAS.......................................................................................................160
INTRODUÇÃO
1 A Constituição conceituada por José Adércio Leite Sampaio: “a Constituição é, em primeiro lugar,
uma ato de fé. Fé nas possibilidades de as formas jurídicas, assentadas em um padrão de valores e
crenças positivadas, mediarem os conflitos sociais” ( SAMPAIO. José Adércio Leite Teoria e prática
do poder constituinte. Como legitimar ou desconstruir 1988 – 15 anos depois. In SAMPAIO.
José Adércio Leite ( coord.). Quinze anos de Constituição. Belo Horizonte:Del Rey, 2004.p.59.
2 LASSALE, Ferdinand. A essência da constituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1995.p.32
3 Para kelsen, a Constituição é entendida como um sistema de normas vigentes em determinado
Estado, alijadas de qualquer conteúdo ou qualquer consideração valorativa que possa ser feito, assim
como pouco importando se tais normas correspondem ou expressem o ideal de justiça. Esta
concepção, chamada de positivismo jurídico, teve sua grande expressão no citado autor, ao formular
a sua teoria pura, na qual buscou depurar o Direito, que era o seu objeto de pesquisa, de quaisquer
outros elementos informadas por outras ciência, bem como de quaisquer fatores, como o político, o
filosófico. A ciência do jusfilósofo alemão era a do dever-ser, e não a do ser. (KELSEN, Hans. Teoria
Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 8.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.)
4 A construção de Konrad Hesse se coloca como uma ponderação entre aquelas, o fio tênue que
minimiza a tensão entre a norma e o real. Pois se opõe à definição lassaliana de Constituição, bem
como à rigidez exacerbada do positivismo jurídico, afirmando que a Constituição que portanto a sua
pretensão de eficácia se firma quando imprime ordem e conformação à realidade fática . (HESSE,
Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1991, p.15.)
5 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002.p.63
morada na força normativa da Constituição, através do qual o Estado age para
regular as condutas intersubjetivas, dirimir conflitos e instalar a segurança na
realidade social, pois projetando-se sobre esta atua não como um fim em si mesmo,
mas como revelador dos valores por ela irradiados num determinado tempo
considerando-se o contexto histórico, social, cultural e político.
O fenômeno da sujeição passiva tributária e por consequência o da
responsabilidade tributária nasce na Constituição, ou melhor, na estrutura
constitucional6 que delineia a escolha do critério pessoal da regra matriz de
incidência, em letras mais específicas, do sujeito passivo da relação jurídica
tributária.
No entanto esta é apenas uma nuance a ser estudada no instituto jurídico
da sujeição passiva tributária e da responsabilidade tributária, a que se refere aos
limites constitucionais e legais de sua definição, cabendo ressaltar que estamos
tratando de um tema envolvido em névoas densas legais, doutrinárias e
jurisprudenciais.
Por esta trilha é que corremos no sentido uma hermenêutica integrativa e
contextual desses institutos jurídicos e da sua relação com outras normas do
ordenamento tributário, que lhes fundamenta a validade e norteia os seus efeitos na
relação jurídica tributária quando da aplicação do direito nas situações fáticas da
vida real, campo fértil de várias imprecisões, dúvidas e decisões não unânimes.
Assim é que o estudo ora proposto tem como feixe de luz a perspectiva
dinâmica da responsabilidade tributária não atrelada à simples análise das normas
jurídicas, em seus nexos de subordinação e derivação, mas partindo do desenho
constitucional da previsão do sujeito passivo, percorrendo as normas dispostas pelo
legislador infraconstitucional no exercício de competência tributária se conexas ou
não aos traçados constitucionais, não só no que se refere aos limites materiais e
formais da hipótese de incidência tributária quando da instituição dos tributos, mas
principalmente no que toca à máxima do constitucionalismo moderno7 centrada na
justiça social e doa administração são algumas das principais promessas da modernização. Estes os
proteção e garantia dos direitos fundamentais8, e numa nova concepção para o
direito tributário, o contribuinte (lato sensu) como seu ponto nuclear 9 para enfim
alcançarmos o propósito mais específico que mora no estudo da responsabilização
nas suas características solidária e subsidiária, em função do contexto em que
sociedades empresárias são organizadas de forma irregular, inclusive na abordagem
quanto aos atos de administração de seus sócios e administradores e a repercussão
quanto à inclusão pela norma individual e concreta veiculada pelo lançamento
tributário na constituição do crédito tributário, do sujeito passivo responsável pelo
pagamento do tributo devido, o caráter imprescindível ou não do ato para tal
inclusão, e ainda acerca da possibilidade de inclusão em momento posterior pelo
redirecionamento da execução fiscal.
O percurso é sinuoso e não menos instigante, e para fazê-lo a abordagem
abarca a tríade legislação-doutrina-jurisprudência como fontes de pesquisa que
refletem o universo jurídico – sua criação, aplicação e a proteção e garantia da
supremacia e efetividade das normas constitucionais9, a força propulsora é o de
alinhar a teoria desenvolvida à pratica obtida diante dos fatos da vida profissional.
Esmiuçando os passos a serem dados para a realização do estudo é que
partimos para a segunda premissa a ser destacada, qual seja, a ideia de que o
Direito como um fenômeno cultural, uno e indivisível, se expressa em duas
realidades inconfundíveis, com linguagem e formas próprias, assim como objetos
distintos. Trata-se da Ciência do Direito e do Direito Positivo.
Pois bem. A partir das noções fundamentais que diferenciam a Ciência do
Direito do Direito Positivo, seus conceitos, sistematização e objetos é que serão
estabelecidas as premissas fundamentais desse tratado discursivo, abrindo
fins maiores maiores do constitucionalismo democrático, inspirado pela dignidade da pessoa humana,
pela oferta de iguais oportunidades às pessoas, pelo respeito à diversidade e ao pluralismo e pelo
projeto civilizatório de fazer de cada um o melhor que possa ser.”BARROSO, Luís Roberto. Curso de
Direito Constitucional Contemporâneo: os Conceitos Fundamentais e a Construção do Novo
Modelo. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.p.114).
8 Gilmar Mendes ao se pronunciar sobre tal concepção de núcleo essencial ser determinada pelo
fato de o Constituinte considerar tão relevante o conteúdo dos direitos fundamentais que “neles se
encontram ancorados os elementos e princípios essenciais da ordem constitucional” ( MENDES,
Gilmar Ferreira. Limites da Revisão : Cláusulas Pétreas ou garantias de Eternidade.
Possibilidade Jurídica de sua Superação”, in:Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do
Sul (AJURIS), n.60,1994, p.250.) Portanto, a jurisdição constitucional é aqui percebida como um
sistema de ações estatais que garanta a supremacia constitucional e a proteção dos direitos
fundamentais, sendo suas maiores expressões, o controle de constitucionalidade das leis e atos
normativos e a interpretação sistemática e integrativa conforme a constituição, para atribuição de
sentido que realize os ditos valores constitucionais do Estado de Direito.
9 BECHO, Renato Lopes. Filosofia do Direito Tributário. São Paulo:Saraiva, 2009.p.343.
caminhos de forma lógica e coerente para o seu percurso, no sentido de que as
conclusões traçadas possam ser melhor fundamentadas e compreendidas.
Para este feito preliminar, faz-se necessário um realce na linguagem pela
qual as duas realidades jurídicas se manifestam , ou seja: a Ciência do Direito, que
tem por objeto o estudo em linguagem descritiva, do complexo das normas jurídicas
válidas em busca da uniformização, unidade e complementariedade do sistema
jurídico – o Direito Positivo - enquanto este, aqui considerado como o complexo de
tais normas jurídicas válidas10 em determinado tempo histórico, se manifesta através
de uma linguagem prescritiva, incidindo sobre fatos considerados relevantes pelo
legislador para o fim a que se propõe, juridicizando-os e atribuindo-lhes efeitos.
Ou seja, o direito positivo com a missão de disciplinar a conduta humana
no meio social, compreende um plexo de normas jurídicas válidas que são
organizadas mediante a lógica deôntica ( lógica do dever-ser, lógica das normas)11
de forma hierarquiza , numa relação de coordenação e de subordinação formando
assim um grande sistema que é o ordenamento jurídico, do qual faz parte como
microssistema, o sistema tributário.
Nesta trilha é que será demarcada metodologicamente a temática central
desse trabalho, ou seja, a partir da leitura dos enunciados prescritivos das normas
jurídicas que atinam à responsabilidade tributária no plano do Direito Positivo –
como sistema de referência, no fito de demonstrar uma possível exegese do instituto
jurídico da responsabilidade tributária possa contribuir com o desenvolvimento do
tema, para além de sua feição teórica, como também em sua aplicação prática.
A partir das premissas fincadas de que o Direito Positivo é um fenômeno
cultural manifestado em linguagem própria e sob este prisma constitui o farol para
alcançarmos o objetivo pretendido acima destacado, é que utilizamos o método
analitico-hermenêutico proposto pelo construtivismo lógico-semântico.
O próximo passo será um debruçar sobre o sistema jurídico constitucional
brasileiro, passando pela seara da norma jurídica - da norma geral e abstrata à sua
individualização e concretização – conceito, estrutura lógica, dando realce ao
conceito de tributo, ao fenômeno da incidência tributária e da regra-matriz de
incidência tributária, do fato jurídico e da norma de competência tributária que
delineia a sujeição passiva, passando pelos princípios constitucionais tributários,
10 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21.ed. São Paulo:Saraiva, 2009.p.2
11 Idem, Ibidem. p.3
ainda que todos relevantes, a ênfase será dada aos que se alinham de forma mais
estreita ao nosso objeto de estudo, para enfim tratarmos da relação jurídica
tributária, notadamente da sujeição passiva com relação à classificação de tributos
em vinculados e não vinculados, a moldura constitucional do sujeito passivo da
exação, bem como a classificação adotada no Código Tributário Nacional, em
contribuinte e responsável.
A segunda parte do trabalho envolve o estudo da responsabilidade
tributária prevista no ordenamento jurídico tributário no que se refere aos aspectos
principais que a caracterizam de forma geral, hipóteses previstas no Código
Tributário Nacional, ressaltando aspectos relevantes, sem cair nas minúcias quanto
à classificação e aos vários aspectos que envolvem a responsabilidade de terceiros,
por infrações e ainda a substituição tributária. Assuntos que por sua relevância e
extensão, nos tiraria de imediato do corte metodológico a que nos propusemos,
portanto as notas serão breves, no entanto essenciais para a compreensão da
sistematização posta pelo legislador no ordenamento jurídico tributário.
No recorte estrutural do trabalho, compondo ainda a sua segunda parte,
nos aproximamos sem perder o fôlego ao tema da solidariedade tributária e da
responsabilidade dos sócios e administradores, analisando seus conceitos, natureza
jurídica e condutas que desencadeiam a circunstância de figurarem no polo passivo
da relação jurídica tributária, nas hipótese de obrigações solidárias e subsidiárias.
Os olhos serão postos com mais apuro no sentido de buscarmos argumentos e o
sentido jurídico para a utilização do instituto da solidariedade quando da constituição
do crédito tributário, ou seja, o ingresso de pessoa jurídica diversa da que praticou o
fato jurídico tributário ou ainda se é cabível a inclusão da pessoa do sócio ou
administrador no polo passivo solidário ou subsidiário e em que circunstâncias.
Aspectos que serão tratados no primeiro momento considerando organizações
empresariais lícitas e atos de gestão com infração de lei ou em desacordo ao
estatuto ou contrato social em detrimento dos interesses do contribuinte.
Enfim, lançamos a última premissa que serve de arrimo para o traçar da
terceira e ultima parte desse trabalho: é preciso separar o joio do trigo12. Isso
12 A parábola bíblica ( Mt.13, 24-30) indica o joio como uma semente ruim, em meio à plantação da
boa semente. Como toda linguagem, há várias possibilidades de interpretação e a que trazemos para
o nosso trabalho, para o mundo da humanidade e do Direito é a questão que todos dentro do seu
livre-arbítrio escolhem as condutas dentro das múltiplas oportunidades, inclusive as ilícitas, em
proveito próprio e em detrimento de toda sociedade. A referência é sobre os que organizam a
mesmo, inclusive no universo de possibilidade da prática de fatos eleitos para
irradiarem seus efeitos tributários e assim instalar a relação jurídica tributária.
Cuidaremos neste último momento do fenômeno da solidariedade e da
subsidiariedade tributária quando da organização de sociedades empresárias de
forma ilícita, irregular, onde ao seguir os trilhos da situação fática caiba a
formalização do grupo econômico pela autoridade administrativa, ou ainda quando
esta se depara com a organização de sociedades por interpostas pessoas. As
curvas aqui se acentuam muito, no entanto passo a passo vamos tratar da distinção
entre pessoa jurídica, a personalidade e o patrimônio, considerando o conceito e a
função que uma sociedade empresária exerce, para no momento seguinte
alinharmos o tipo societário à possível atribuição de responsabilidade, considerando
as duas situações fáticas ora analisadas
A indagação é se na constituição do crédito tributário é possível tributário
a inclusão de variadas pessoas pessoas jurídicas, assim como também os sócios e
administradores como responsáveis tributários pelo tributo devido, e mais, até que
ponto os sócios com poder de gestão ou não podem ser realmente envolvidos, e
qual tipo de responsabilidade, se solidária ou subsidiária, para então anotarmos
pontos relevantes com relação à teoria da desconsideração da personalidade , da
sua necessidade ou não para o alcance da responsabilização da pessoa dos sócios
ou administradores, para enfim nas últimas anotações, fazer uma alusão ao ônus da
prova do fato que enseja a responsabilidade tributária.
Por oportuno, importa destacar que ainda que tomado o Direito Positivo
como arrimo para o desenvolvimento do trabalho, não traduz a sua redução à
normatividade, posto que não se pretende descurar da dinamicidade valorativa
imposta pela realidade social, a evolução por ela trazida e a sua irradiação no
mundo jurídico, compondo o jogo dialético entre a realidade social e a realidade
jurídica.
Afinal de contas, para fazer uma metáfora do que diz Stephen Hawking
sobre o universo, o direito também pode assim ser visto, como um espaço que
sociedade empresária como um meio, dentre outros, de não arrecadar tributos e de auferir cada vez
mais lucros. Nesse sentido é que na hermenêutica dos enunciados prescritivos que versam sobre a
“responsabilidade tributária” torna-se imprescindível a análise miúda de cada situação fática. Como
bem diz Huberto Rohden “ o livro arbítrio põe o homem numa bifurcação positiva negativa; o livre
arbítrio é o maior privilégio do homem – e também o seu maior perigo” (ROHDEN, Huberto.
Sabedoria das Parábolas. Martin Claret, 2005, p.44).
continua e continua e continua13 sempre, mas ainda que envolvido numa casca de
noz, tomada aqui como os enunciados prescritivos da norma fundamental14
Kelseniana que norteia todas as demais normas do sistema jurídico, não pode ter
sua validez lógica à margem de toda evolução.15
Estamos tratando de “responsabilidade tributária” no dizer de Eurico
Marcos Diniz de Santi, “uma das expressões que melhor espelham as perplexidades
do mundo jurídico”16, assim é que no desenrolar desse estudo não há pretensão de
pontuar com linhas de zinco as conclusões que possamos sacar, nem tampouco
direcioná-las em favorecimento de qualquer das partes da relação jurídica tributária.
A única pretensão é a de colaborar no desenvolvimento do conhecimento do tema,
onde se busca demonstrar de forma fundamentada que a interpretação do fenômeno
estudado pode ser dada com olhos postos na realização de uma das finalidades
precípuas da tributação: a solidariedade social e a justiça fiscal.
13 HAWKING, Stephen. O Universo numa Casca de Noz. 10.ed. Tradução de Ivo Korytowski. São
Paulo:Arx,2002.p. 69.
14 Para kelsen, a “Constituição é o ponto de partida de um processo: o processo da criação do Direito
17 Como Karl Popper, “acima de tudo, que nenhuma teoria está isenta do ataque da crítica; e, mais
ainda, que o instrumento principal da crítica lógica a contradição lógica - é objetivo”, e mais adiante
alinhava que “o cientista "objetivo" ou "isento de valores" é, dificilmente, o cientista ideal ( Cf.
POPPER, KARL. Lógica das Ciências Sociais. 3.ed. Tradução de Estevão de Rezende Martins. Rio
de janeiro: Tempo Brasileiro, 2004. p. 16 – 21.
18 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 4.ed. São Paulo:
Noeses, 2010.p.1.
conhecimento, mas no sentido de que após as verificações e reflexões feitas possa
contribuir na construção de determinada teoria.
O conhecimento é fato complexo18, mas no revés, age como um meio apto
a reduzir a própria complexidade da pesquisa científica, quando revela suas
peculiaridades que determinam que seja feita a delimitação do objeto de estudo, e a
escolha do método19 a ser aplicado na aproximação do objeto em análise, no intuito
que os fenômenos verificados sejam ordenados e possibilitem que as conclusões
alcançadas sejam rastreadas num fio condutor lógico, que possam garantir certa
margem de segurança nos resultados, a coerência unitária de seus juízos e a sua
adequação ao real.20
Pois bem, nessa órbita é que gravita o conhecimento jurídico científico, e
a partir de tais premissas iniciais é que se revela que o objeto da pesquisa abarca o
direito positivo em seu universo de nomas jurídicas válidas, numa perspectiva
semântica ampla, para no passo seguinte, por cortes metodológicos, alcançarmos
as normas que efetivamente serão objeto de análise, ou seja, as gerais e abstratas
do Sistema Constitucional Tributário, do Código Tributário Nacional e ainda do
Código Civil, que influam direta ou indiretamente no regramento do fenômeno da
responsabilidade tributária.
Mais precisamente a pesquisa deita nas normas de responsabilidade
tributária que atinam à solidariedade e à subsidiariedade, quanto ao seu conteúdo,
alcance e interpretação sistemática, considerando ainda o caráter estático e
dinâmico que as caraterizam, do que se faz necessário para que o processo
metodológico seja melhor acurado, que tragamos à tona aspectos práticos alinhados
ao relicário teórico dissertativo, no intuito de que se estabeleça um diálogo na
verdade intrínseco, da teoria com a experiência prática, o que no discurso metafórico
podemos dizer, verso e reverso de uma mesma medalha, que realiza o Direito.
Lourival Vilanova resume bem a conexão intrínseca entre a experiência e
a ciência para a realização do Direito:
19 Fabiana Del Padre Tomé ressalta a importância da escolha do método para a aproximação do
objeto a ser conhecido, pois o método errado acarretaria no não conhecimento, ou o conhecimento
obtido a partir de um sistema de referência errado, ou ainda sem sistema de referência impedindo o
alcance de sua veracidade.( TOMÉ, Fabiana Del Padre Tomé. A prova no Direito Tributário. São
Paulo:Noeses, 2005.p.8-19)
20 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.55
21 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógic............op.cit, p.290.
Ante a concreção existencial do Direito dado na experiência
profissional e na experiência científico dogmática (…) a análise
formal lógica do Direito nos dá muito pouco. (…) não nos dá o
universal concreto, seja axiológico, seja factual histórico,
porque estes se revelam no processo mesmo da cultura, que é
a forma concreta global em que se desenvolve o Direito, como
os demais subsistemas normativos reguladores da conduta
humana. 21
2 1 BRITO,
Edvaldo. Limites da revisão constitucional. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1993.p.17.
22CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o construtivismo lógico-
semântico. São Paulo: Noeses, 2009.p.13.
assim a ser o pressuposto por excelência para o conhecimento 22 e nesta senda é
que este será por aquela vertido no discurso científico, inclusive o jurídico.
Com o novo paradigma a linguagem passa a se bastar por si mesma, não
um meio, mas uma referência por si própria, independendo de experiências do
mundo exterior, passando a ser a criadora do sujeito, do objeto, do conhecimento e
da comunicação que se instala através dela, pois são pelas palavras, das relações
no contexto em que estão inseridas e conforme o sistema de referência que se
tenha, que a linguagem passa a construir ainda que de forma não absoluta a
realidade, e dentro dela, a realidade social, como anuncia Paulo de Barros de
Carvalho23, ou seja, a linguagem é o universo em que os dados, os
acontecimentos24, o mundo se expressa em enunciados passíveis de compreensão,
inclusive o direito.
Isso mesmo. O direito como realidade social no universo dos bens
culturais se expressa através da linguagem, a linguagem jurídica, ou mais
precisamente, em discursos jurídicos linguísticos, um que cabe à Ciência do Direito,
e o outro ao seu objeto, em sentido estrito, o direito positivo.
Nesta trilha, Eurico Marcos Diniz de Santi anuncia que:
não falam. É a linguagem que os constitui e também é ela que os destrói. Não são os eventos que se
rebelam contra uma teoria, demonstrando sua inadequação a eles. Somente uma teoria refuta outra
teoria”. ( A prova no Direito Tributário. São Paulo:Noeses, 2005.p.19)
25
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento Tributário. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p.28.
26 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21.ed.São Paulo:Saraiva,2009.p.3
Nesta trilha é que a linguística considerada em sua autorreferência, ou
melhor, a utilização do construtivismo semiótico torna-se imprescindível para que
seja alcançado os verdadeiros sentidos da significação, do alcance e conteúdo de
expressões que são utilizadas no universo da responsabilidade tributária, dentro do
próprio domínio do Direito, manifestado na linguagem prescritiva enunciada pelas
normas constitucionais, pelo Código Tributário, Código Civil e demais instrumentos
normativos verificados, sem desconsiderar os parâmetros ou critérios fincados pela
linguagem de sobre nível no sentido de alcance com mais precisão da realidade
imanente ao fenômeno jurídico objeto de nosso estudo.
Nessa perspectiva que será estudada a responsabilidade tributária, como
um fenômeno jurídico a ser interpretado em suas inter-relações por meio da
linguagem.
É claro que para os efeitos acima pretendidos há uma ferramenta que se
alinha, ou se melhor caiba, uma metodologia irrecusável27 que é ao mesmo tempo
intrínseca à linguagem prescritiva do Direito, que é a lógica deôntica que permeia as
estruturas ou fórmulas linguísticas lógicas contidas nas normas jurídicas a serem
interpretadas nos valores de válidas ou inválidas, e não nos valores de certo ou
errado, estas por sua vez, informam a linguagem descritiva da Ciência do Direito.
2 9 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Fundamentos Jurídicos ….., op.cit, p.76.
30 TOMÉ, Fabiana Del Padre . A prova ........... ,op.cit,. p. 45.
31
VILANOVA, Lourival. As Estruturas..., op.cit, 126.
Para o Direito as condutas são lícitas ou ilícitas e o sistema jurídico
passando a regular a própria criação e sua transformação, compõe o seu domínio, o
que quer dizer – como destacado nas notas iniciais desse trabalho dissertativo - que
a validade e a inclusão de uma proposição normativa no sistema só ocorre se
podemos reconduzi-la à proposição fundamental do sistema.31
Assim sendo é que as normas jurídicas são criaturas do sistema de
Direito positivo, o direito posto, cercada pelos atributos da coatividade, no viés da
sanção pelo seu descumprimento, e que tem a sua homogeneidade conferida pela
normatividade através do ponto de partida - a norma hipotética fundamental –
garantindo a unicidade do sistema, para além de sua unidade.
De outra banda o sistema da Ciência do Direito, cujo objeto é o estudo do
Direito positivo, através de uma linguagem descritiva, que emite juízos de valor
sobre o contexto normativo, interpretando-as sistematicamente em suas conexões,
no sentido de alcançar uma integração e uniformidade de conceitos e racionalidade
dos argumentos produzidos no que toca aos efeitos de tais normas, enfim da própria
atuação desse enredo normativo.32
A linguagem descritiva da Ciência do Direito, a ciência que é
caracterizada pelo ser, é a da lógica alética e os seus enunciados – que não
vinculam33 - são marcados pelos valores de verdade ou falsidade ao descrever sobre
a linguagem do seu objeto, ou melhor, sobre as significações trazidas pelo legislador
nos enunciados prescritivos das normas jurídicas, sempre com a mira de que na
construção dos sentidos possa sempre o cientista do direito eliminar as antinomias,
contradições que venham a existir no sistema do Direito positivo, através muitas
vezes da aplicação de princípios consagrados no sistema normativo.
Nesta órbita escreve poeticamente Alfredo Augusto Becker:
32 Para Paulo de Barros Carvalho “ À Ciência do Direito cabe descrever esse enredo normativo,
ordenando-o, declarando sua hierarquia, exibindo as formas lógicas que governam o entrelaçamento
das várias unidades do sistema e oferecendo seus conteúdos de significação”.(CARVALHO, Paulo de
Barros. Curso de .., op.cit, p.2).
33
A dogmática jurídica para Tércio Sampaio Ferraz Jr é uma sistematização do ordenamento e sua
interpretação, suas teorias que compõem a doutrina , e assim é que afirma “ quando o jurista discute
temas como a nulidade das sentenças, a “natureza jurídica das convenções coletivas de trabalho”, os
“efeitos jurídicos da aparência do direito” , suas teorias (doutrina) constituem, na verdade, um corpo
de fórmulas persuasivas que influem no comportamento dos destinatários, mas sem vinculá-los” .Para
o autor as proposições doutrinárias tomam ou a forma de orientações ou de recomendações. (
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. 6.ed. São paulo: Atlas, 2011.p.59)
34
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral ….... op.cit, p.66.
A atividade jurídica que estuda a consistência e a atuação
deste instrumento é atividade científica; noutras palavras, o
estudo da estrutura lógica e da atuação dinâmica da regra
jurídica é Ciência. Porém, o construir este instrumento é
atividade artística. Em síntese, a criação da regra jurídica é
Arte, sua interpretação Ciência.34
CAPÍTULO II
35 Na república todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido, baseando-se na
igualdade política dos homens, não podendo assim haver privilégios ou vantagens em favor de
pessoas ou categorias de pessoas, enquanto na democracia a sua maior característica é a proteção
dos direitos fundamentais da pessoa humana, tais princípios alinhados à forma federativa em que a
competência pública é rateada entre as pessoas políticas e balizadas pela norma Constitucional,
inclusive ao instituir tributos se irradiam e informam toda a tributação. Geraldo Ataliba considera
“tanto o princípio republicano quanto o federal são postos como regras supra constitucionais,
princípios super-rígidos, pedras basilares de todo o sistema. Tratados constitucionalmente da mesma
forma, assim como protegidos pela mesma super rigidez (art.60, § 4°), obrigando todos os
intérpretes” ( ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3.ed. São Paulo:Malheiros .2011 p.45).
36 “ No Estado constitucional moderno, o poder tributário deixa de ser um poder de fato, mera relação
tributária de força para converter-se num poder jurídico que se exerce através das normas. Esgota-se
a relação de poder a partir do momento em que o Estado exerce, no âmbito da Constituição, o seu
poder tributário e o faz por meio do instrumento de lei formal e material, ato do poder legislativo. (
BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção Tributária. 2.ed. São Paulo: Malheiros,
2011,p.25).
37 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. Rio de janeiro:
Forense, 2009.p.65.
38
Nas palavras de Sacha Calmon “Somos, indubitavelmente, o país cuja Constituição é a mais
extensa e minuciosa em tema de tributação. Este cariz, tão nosso, nos conduz a três importantes
conclusões: Primus- os fundamentos do Direito Tributário brasileiro estão enraizados na Constituição,
de onde se projetam sobre as ordens jurídicas parciais da União, dos estados e dos municípios;
Secundus – o Direito Tributário posto na Constituição deve, antes de tudo, merecer as primícias dos
juristas e operadores do Direito, porquanto é o texto fundante da ordem jurídico- trinbutária; Tertius –
as doutrinas forâneas devem ser recebidas com cautela, tendo em vista as diversidades
constitucionais” Ibidem..., 2009.p.45-46. ( COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito
Tributário Brasileiro. 10. ed. Rio de janeiro: Forense, 2009.)
39 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. Revista dos Tribunais. p.8
que acaba por garantir uma determinada segurança jurídica, uma vez que o
legislador não poderá fazer alterações no sistema tributário por legislação
infraconstitucional, a não ser que seja alterado o próprio texto constitucional por
emendas e desde que não tendentes a abolir garantias e direitos fundamentais,
inclusive os de natureza tributária.
Geraldo Ataliba define, em síntese, o sistema constitucional tributário
como um conjunto de princípios constitucionais informadores do direito tributário e
aduz à característica de unidade e ordenação das normas que tratam da matéria
tomada como princípio de relação que as unifica.39
Então. Das notas trazidas até este ponto do nosso trabalho é que se pode
alinhavar que o sistema constitucional tributário através dos seus princípios e regras
disciplinam todo o fenômeno jurídico da tributação que ganha eco não no poder que
tem o Estado de tributar, ou do seu instrumento veloz unificador, o tributo, mas
principal e notadamente nos direitos fundamentais do cidadão contribuinte40, que
passa ao mesmo tempo em que se torna seu ponto nuclear, a atuar como uma
própria fonte legitimada e legitimadora do ordenamento jurídico tributário, balizadora
da hermenêutica das normas jurídicas que o integram, notadamente quando da
atuação dos seus intérpretes.
42 Concretizar a constituição é sob outro espeque interpretá-la com vistas a realizar os valores nela
contidos no ideário de justiça , e pelas palavras de Friedrich Muller , concretizar é “produzir, diante da
provocação pelo caso de conflito social, que exige uma solução jurídica, a norma defensável para
esse caso no quadro de uma democracia e de um Estado de Direito”. MULLER, Friedrich.
Metodologia do Direito Constitucional. 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p.
129.
43 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 3 ed. São Paulo: Celso
45 A Teoria dos Valores ou Axiologia é defendida por Miguel Reale como de importância básica para a
Ciência Jurídica onde o “valor representa o mundo do dever ser, das normas ideais segundo as quais
se realiza a existência humana , refletindo-se em atos e obras, em formas de comportamento”, sendo
possível uma ordenação , ainda que não absoluta, do valioso. E acrescenta que toda sociedade
obedece a uma tábua de valores que têm como caraterísticas: a bipolaridade, implicação,
referibilidade, preferibilidade, incomensurabilidade e graduação hierárquica, além da objetividade,
historicidade e inexauribilidade. O pensamento do jusfilósofo é linear à sua Teoria Tridimensional do
Direito, segundo a qual “fatos e valores se integram dialeticamente em um processo
normativo”.REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.p.191-194
46 Não se trata de alijar o método subsuntivo de aplicação das normas ou ainda dos tradicionais,
como o sistemático ou teleológico, mas da decorrência lógica e necessária de que para que realize a
vontade da Constituição é indispensável que se lance mão de novos métodos de hermenêutica, uma
nova interpretação constitucional com base em princípios específicos para tal, como relata Luis
Roberto Barroso: “ Portanto, ao se falar em nova interpretação constitucional, normatividade de
princípios , ponderação de valores, teoria da argumentação, não se está renegando o conhecimento
convencional, a importância das regras ou a valia das soluções subsuntivas.(...) o relato da norma,
muitas vezes demarca apenas uma moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades
interpretativas à vista dos elementos do caso concreto, dos princípios a serem preservados e dos fins
a serem realizados é que será determinado o sentido da norma, com vistas à produção da solução
constitucionalmente adequada para o problema a ser resolvido”.( BARROSO, Luís Roberto. O Novo
Direito Constitucional Brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da
jurisdição constitucional no Brasil. 2.reimpressão. Belo Horizonte: Fórum, 2013. )
que seja a aplicabilidade de uma norma jurídica a um fato previamente tipificado
será sempre objeto de uma atitude interpretativa46 ainda que se trate de aplicação do
método subsuntivo.
A interpretação da norma jurídica constitucional com vistas a que se
realizem os valores, fins ou interesses por ela carreados é uma decorrência lógica
de uma nova visão hermenêutica do Direito contemporâneo que passou a ser
compreendido como um sistema aberto de regras e princípios, permeável a valores
supra positivos, no qual as ideias de justiça e de realização dos direitos
fundamentais desempenham um papel principal, notadamente os que atinam ao
universo dos contribuintes em sentido lato.
O que nos leva a entender que nenhum sentido, na verdade, pode ser
captado fora do mundo circunstancial, e sim no contexto da concreta situação fática
em que se encontra, pois não há interpretação da norma jurídica constitucional
desconectada dos problemas concretos ou do seu tempo ou ainda da compreensão
do próprio intérprete. Nesta esfera cabe afirmar que a concepção moderna da
interpretação constitucional recusa uma radical objetividade, uma neutralidade
teorética, assim como uma pura racionalidade, superando-se assim uma visão
meramente positivista da Constituição diante dos novos paradigmas.
São novas perspectivas trazidas à tona e uma nova cultura filosófica
marcada pelo ideal de concretização da Constituição por sua força normativa, pela
expansão do judiciário e por uma nova hermenêutica da norma constitucional - de
forma estreita com base na nossa temática, a norma constitucional tributária - que
também não aceita tão somente um modelo de regras e de subsunção, nem a
tentativa de ocultar o papel criativo de juízes e tribunais ao exercerem a jurisdição
constitucional, como ensina Karl Larenz, no escrever sobre a interpretação das
normas no domínio da atividade jurisprudencial e a sua missão de chegar a decisões
“justas”47 com base em uma “Jurisprudência de valoração” :
49 HÄBERLE, Peter. Hermanêutica constitucional. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1997. p.21-23 .
50 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3.ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1999.2.t.p.226
administrado, quando das imposições tributárias, como para o aplicador e intérprete
do direito, pois através da harmonia dos textos legais a tais princípios é que se extrai
a validade, a unidade e unicidade de todo o sistema jurídico tributário, e sem menos,
a constitucionalidade dos enunciados das normas que tratam do sujeito passivo
tributário e da responsabilidade tributária.
Nesta órbita jurídica - a dos princípios constitucionais que irradiam
imediatamente o sistema tributário - é que gravita um dos maiores fundamentos do
Estado Democrático de Direito - a proteção e garantia dos direitos fundamentais,
como direitos positivados constitucionalmente, com espeque na carga discursiva de
caráter valorativo que trazem em si e que por isso devem ser protegidos, garantidos
pelo ordenamento jurídico.
Na esfera das teorias dos direitos fundamentais e aqui inseridos os
direitos fundamentais do contribuinte, os ensinos de Robert Alexy são preciosos pois
para o autor alemão os direitos fundamentais são extraídos a partir de normas
obtidas por meio de enunciados normativos existentes na Constituição, que podem
ser princípios ou regras – o que resulta em uma aplicação dos mesmos adstrita a
essa configuração – posições jurídicas definitivas ou a priori, que podem ser
analisadas como deveres do Estado, direitos frente ao Estado e ainda relações
jurídicas entre sujeitos de direito privado.51
O rol de direitos fundamentais previstos no texto Constitucional é sem
dúvida digno de aplausos, uma medalha alcançada em um ideário humano, político
e social, mas que salta aos olhos que como contrapartida, ao revés, sem desejo de
querela alguma, há um hiato em progressão acelerada entre o que há de positivado
e a concretização daqueles, do que se faz induzir que os vícios que possivelmente
se instalem como óbices à efetividade de tais direitos subjetivos devam ser
51 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros Editores, 2011.p.26.
52
Para além do reconhecimento, importa mais a efetiva concretização dos direitos públicos subjetivos
fundamentais do contribuinte em face das arbitrariedades que possam surgir pelo poder do Estado.
No âmbito da tributação, tais direitos, aliados aos deveres e obrigações do sujeito passivo previstos
constitucionalmente, formam o chamado “estatuto do contribuinte”, que espanca qualquer
possibilidade de exercício de competência tributária que invada esfera jurídica do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à propriedade, à segurança jurídica e os seus reflexos no devido processo
legal, na ampla defesa e contraditório...”, ou que tão somente esteja desalinhada às balizas
constitucionais. No dizer de Roque Antonio Carraza, o “estatuto do contribuinte” exige que a
tributação, livre de qualquer arbitrariedade, realize a ideia de Estado de Direito. Às várias
possibilidades de atuação da Fazenda Pública há de corresponder a garantia dos direitos de cada
contribuinte. (...)” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Consti.... op.cit., p.422.)
sanados, sempre que possível, no momento da interpretação e aplicação da norma
tributária – para fechar no âmbito em que gravita o fenômeno tributário e os seus
reflexos.
As considerações até aqui alinhavadas servem de ponte para o anúncio
de que os direitos fundamentais do cidadão contribuinte, é direito inarredável e que é
diante deles que o Estado no exercício do poder de tributar esbarra e encontra
limitações, não podendo inclusive o fisco cair em arbitrariedades, uma vez que os
direitos fundamentais52 são diretrizes para a interpretação, aplicação e efetivação
das normas constitucionais lançando raios em todo o ordenamento jurídico, sistema
que no seu todo se posiciona como parte elementar o sistema tributário nacional, e
nesta esteira é que os princípios cardeais da tributação tem a missão precípua de
garantir sua proteção.
Não carece descartar a ideia de que alguns princípios constitucionais
tributários são alçados pela doutrina a verdadeiros direitos fundamentais, mas o fato
é que nem todos são direitos fundamentais, assim como há direitos fundamentais
que não são princípios e que a colisão entre princípios pode afetar o sentido das
normas jurídicas. Eis o terreno fértil para aplicação do princípio da
proporcionalidade, tão suscitado no campo das imposições tributárias quando da
necessidade de que haja para uma coletividade de pessoas que vivem em uma
determinada sociedade uma igualdade de distribuição da carga impositiva global.
A tal igualdade na distribuição da carga tributária é um dos notáveis meios
para que ocorra a Justiça, pois pensamos que numa visão ampla, o matiz dos
princípios constitucionais tributários é a realização da Justiça tributária e esta para
ser alcançada pressupõe que, antes de tudo, um princípio fundamental - e não só os
expressamente previstos na Constituição - seja objetivamente justo e para esse fim,
há que ser adequado à realidade 53 e ter como imagem retora, a Ética. Falamos aqui
de uma ética que anteceda e se oponha a qualque/*r preceito que fundamente o
Estado e a sua atuação, desde o legislador ao criar, modificar ou revogar leis, às
autoridades fazendárias quando da aplicação das normas à situação fática.
Klaus Tipke constrói com clareza a ideia de princípio fundamental justo
adequado à realidade e informado pela ética:
53 TIPKE, Klaus. Moral Tributária do Estado e dos Contribuintes . Tradução de Luiz Dória Furquim.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2012.p.16
54 Idem, Ibidem.p.17
(…) Como todo sistema jurídico justo também o sistema
jurídico tributário é uma construção mental fundada em
princípios coerentemente refletidos levados às ultimas
consequências. Essa construção não pode ser erigida no vazio;
ela tem uma base empírica referida à realidade e depende – da
mesma deduzido – a um princípio fundamental ético,
eventualmente também de vários princípios.54
55 Sob o ponto de vista de James Marins a vulnerabilidade do contribuinte na relação fiscal pode ser
estudada a partir de três perspectivas que espelham as funções do Estado, compreendendo o
“Estado criador da norma jurídico fiscal e a vulnerabilidade material do contribuinte; o Estado
aplicador da norma jurídico fiscal e a vulnerabilidade formal do contribuinte; e o Estado julgador da
lide fiscal e a vulnerabilidade processual do contribuinte”.(MARINS, James. Defesa e
Vulnerabilidade do Contribuinte. São Paulo: Dialética, 2009.p. 25).
56 Pode-se dizer que o planejamento fiscal figura na órbita das estratégias fiscais dos contribuintes
com o intuito principal de não pagar ou de pagar menos tributo em que não estão incluídas as
condutas ilícitas, o que quer dizer que o planejamento fiscal, enquanto conduta protegida e permitida
pelo ordenamento jurídico configura um direito subjetivo do contribuinte no universo da
fenomenologia tributária e o dever do Fisco de aceitá-lo, desde que a este oponível em termo de
eficácia. Aos olhos de Marco Aurélio Greco planejamento tributário é o “ conjunto de condutas que o
contribuinte pode realizar visando buscar a menor carga tributária legalmente possível. Ao dizer
“legalmente” estou falando de atos lícitos. Mas não estou me referindo apenas à licitude no sentido de
não haver agressão a nenhuma norma específica; “conduta legal” neste contexto tem um sentido
mais amplo por dizer respeito às condutas que estejam de acordo com a lei ( preceitos específicos) e
com o Direito (que abrange, além das leis, os princípios jurídicos e os valores prestigiados pelo
ordenamento).(GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2008. p.117)
no entanto, justificar o uso cada vez mais corrente pelos contribuintes de meios
artificiosos sob a falsa estratégia de planejamento fiscal56.
Assim como não justifica a opção pelo uso de meios ilícitos ou
fraudulentos no intuito de sonegar tributos e de auferir mais lucros, instalando uma
desigualdade socioeconômica latente e produzindo efeitos nocivos à sociedade, sem
perder de vista também, que não raro, o instituto jurídico da “empresa” está sendo
utilizado como instrumento para a prática predatória de não arrecadar tributos,
ferindo de forma insidiosa a princípios basilares do Estado de Direito e alijando de
suas condutas a clamada ética fiscal que é elemento intrínseco às atuações dos
sujeitos da relação jurídico-tributária.
Como fecho dessas considerações, que de pronto, não se trata de pura
ideologia, importa aclarar que o que buscamos neste tópico do trabalho foi tão
somente traçar uma visão panorâmica da importância, da finalidade e dos aspectos
que norteiam os princípios constitucionais tributários em sua função precípua de
alicerce de todo o ordenamento jurídico, para no passo seguinte tratarmos de forma
mais amiudada daqueles que julgamos ser diretamente atrelados ao tema da
sujeição passiva e da responsabilidade tributária.
Longe de ser um fim em si mesmo, o estudo dos princípios cardeais da
tributação, como o da capacidade contributiva, da igualdade tributária, da legalidade,
da solidariedade fiscal, da vedação do tributo como confisco e os seus reflexos
jurídicos torna-se o ponto de partida para a abordagem e análise sistêmica do
objetivo pretendido neste estudo dissertativo.
Podemos assim, com base no horizonte estabelecido da pesquisa e o
seu desenvolvimento a partir do estudo dos ditos princípios constitucionais
tributários, dar o passo seguinte, deixando claro que como uma imposição natural
estarão sempre presentes como retores fundamentais, os princípios supra positivos
da segurança jurídica , da certeza do direito e da justiça fiscal por dizerem de perto
com o fenômeno da tributação, ou escrevendo de forma mais clara, por serem
princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito, de onde aqueles derivam
e encontram as razões de validade e de eficácia e de onde se desencadeia todo o
processo hermenêutico de aplicação da norma tributária no sentido do que melhor
conduza à realização de um sistema jurídico-tributário garantido pela coerência,
unidade e conformidade.
O princípio da segurança jurídica57 é acolhido na seara tributária, dentre
outras nuanças, exigindo que o Estado no seu exercício de tributar descreva na
norma legal atada às balizas constitucionais de forma amiudada, a hipótese de
incidência do tributo levando ao contribuinte a certeza das possíveis consequências
que surgirão dos fatos praticados e da atuação da Administração Fazendária, o que
acarreta a confiança no Poder Público,.
Também, é com base na segurança jurídica que, no momento de
aplicação pela autoridade fiscal da norma tributária à situação fática, se exige um
ato fundamentado e vinculado aos termos da lei e dos valores expressos por ela, e
ainda determina ao julgador uma interpretação em matéria tributária sem
alargamentos ou analogias para que daquela resulte a realização do Direito e a
garantia e proteção de igualdade e dos demais direitos fundamentais do contribuinte
A certeza do direito age concretizando o princípio da segurança jurídica
no sentido de assegurar ao contribuinte que a norma a ser aplicada ao fato jurídico
tributário por ele realizado é regida pelos princípios constitucionais que irradiam seus
efeitos no fenômeno da tributação, como o da legalidade, da irretroatividade, da
anterioridade clássica ou nonagesimal. Vale dizer, que a norma que institui ou
majora o tributo e dispõe sobre todos os seus elementos essenciais encontra arrimo
na autoridade constitucional assegurada por seus valores protetivos ou
modificadores.
A justiça fiscal58 é neste primeiro momento trazida dentro da perspectiva
não de alcançar um sentido absoluto mas, como um objetivo a ser realizado através
da relação entre o cidadão contribuinte e o Estado, que para além de uma
57 Roque Antonio Carraza ao lançar críticas por seu magistério à hipótese de tributação antecipada
veiculada pelo § 7° do art.150 da CF (após EC 3/1993) afirma: “ É sempre bom reafirmarmos que o
princípio da segurança jurídica diz de perto com os direitos individuais e suas garantias. É, assim,
“cláusula pétrea” e, nessa medida, não poderia ter sido amesquinhado por emenda constitucional ( cf.
art. 60, § 4°, da CF). (CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Const....op.cit., p.456).
58 Na interessante visão de Paulo Caliendo pode-se compreender a justiça fiscal como um ponto de
equilíbrio entre a paz e a prosperidade que são aspirações consagrados pela sociedade e assim
argumenta o autor: “(...) A justiça fiscal irá tratar da correta relação do cidadão (parte) com a esfera
pública (todo), permitindo identificar a correta forma de contribuição que o indivíduo deve realizar à
manutenção de uma esfera pública de liberdade e igualdade. O princípio da justiça fiscal volta-se aqui
à promoção do sentido público da tributação e de seus valores essenciais” ( CALIENDO, Paulo.
Tratado de direito constitucional tributário: homenagem a Paulo de Barros Carvalho/
coordenador Heleno Taveira Tôrres. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 391)
59 Miguel Reale ao tratar da lei como fonte do direito preleciona que: “ Lei, no sentido técnico desta
palavra, só existe quando a norma escrita é constitutiva de direito, ou esclarecendo melhor, quando
ela introduz algo de novo com caráter obrigatório no sistema jurídico em vigor, disciplinando
comportamentos individuais ou atividades públicas”. ( REALE, Miguel. Lições Preliminares de
Direito. São Paulo:Saraiva, 2002. p.163)
distribuição de carga fiscal igualitária e o retorno dos recursos à sociedade, sejam
preservados de súbito a liberdade e o direito de propriedade.
de situações que revelam capacidade econômica; o princípio de numerus clausus pela descrição
minuciosa dos elementos essenciais; o princípio do exclusivismo através do qual a cada tipo tributário
corresponderá certos fatos ou situações jurídicas escolhidas e por fim abarca também o princípio da
determinação pelo qual o fundamento da decisão também deve vir descrito na lei. ( XAVIER, Alberto.
Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.
p.84-88)
62 A tipicidade fechada na seara tributária não impede que numa visão alargada da dinamicidade que
toma de conta dos fatos sociais a norma tributária a acompanhe, como desfia nesse sentido Marco
Aurélio Greco: “ a maneira de acompanhar é prever standards, padrões de conduta ou padrões de
fatos, em vez de prever condutas condutas individuais ou fatos específicos” pois entende que os
modelos possam ter uma duração maior, e assim um modelo com tessitura aberta, abstrata. (
GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Fiscal e Interpretação da Lei Tributária. São Paulo:
Dialética, 1998, p. 59-61)
alinhada em todos os sentidos à lei complementar prevista na Carta de 1988, art.
146, com a competência, dentre outras, para regular as limitações constitucionais
ao poder de tributar (art.146,II) e de estabelecer normas gerais em matéria de
tributação ( art.146, III), para citar tão somente os que dizem de forma mais casada
ao objeto específico deste trabalho: a sujeição passiva e a responsabilidade
tributária.
Tal função atribuída à lei complementar em matéria tributária é, na maior
parte, cumprida pelo Código Tributário Nacional – CTN ( lei n.5.172/66), ao estipular
normas complementares ao Texto Constitucional, traçando balizas gerais a serem
seguidas pelo legislador ordinário no momento da criação do tributo, bem como à
Fazenda Pública no momento de sua cobrança e aos julgadores, administrativos e
judiciais, enfim, a todos os seus intérpretes, representando uma das maiores
garantias fundamentais concedidas aos contribuintes.
Esmiuçando a ideia, a lei complementar dispõe acerca dos preceitos
gerais sobre o tributo, sua definição e espécies, os fatos geradores, base de cálculos
e contribuintes, do que se faz concluir que tais preceitos fincam a dita garantia ao
contribuinte de que qualquer tributo a ser pago terá sido criado, fiscalizado, lançado
e exigido com base em lei estritamente atrelada à Constituição.
Fica aqui, portanto, lançada a ideia a ser seguida ao longo do nosso
estudo, de que a arquitetura da sujeição passiva tributária é constitucional 63( art.146,
III, a), cabendo ao Código Tributário Nacional estabelecer regras matrizes de
responsabilidade tributária e ao legislador da pessoa política tecer as regras
específicas.
63 Nesse rumo Renato Lopes Becho afirma: “Em outras palavras, de pouco adiantaria se o constituinte
elaborasse detalhado sistema constitucional tributário se o legislador ordinário pudesse exigir o
tributo de qualquer pessoa, sem a menor atenção ao amplo conjunto normativo previsto na Carta
Magna. ( BECHO, Renato Lopes. A Sujeição Passiva Tributária na Jurisprudência do STF. Revista
Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 201, junho/2012, p.137).
A vedação ao Poder Público no ato de criação ou majoração de tributos
com efeitos confiscatórios tem a ver com o direito a uma existência digna, ao livre
exercício de uma atividade lícita, à proteção das condições essenciais mínimas que
envolvem o direito de propriedade, à saúde, educação, à habitação, enfim, à leitura
indispensável de que através da tributação não pode haver uma carga tributária
insuportável ou que torne inviável os direitos subjetivos protegidos pela própria Carta
Política. Nesta trilha escreve José Eduardo Soares de Melo:
64 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. São Paulo:Dialética, 2010, p. 34.
65 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Atualizada por Misabel
Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.910.
66 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.168.
67 José Souto Maior Borges anota que o direito de propriedade está assegurado no art.5°, XXII da CF
e que, de outra banda, a desapropriação só é possível na forma da lei e por necessidade ou utilidade
pública ou interesse social ( art.5°, XXII), estando assim eliminada a supressão por via de tributos ou
de que a manifestação de riqueza do signo presuntivo tributário do contribuinte não
poderá ser esgotado pela hipótese de exação confiscatória.
Ainda que a literalidade do dispositivo constitucional se refira tão somente
ao tributo, nos filiamos aos que entendem que a proibição se estende também às
multas tributárias67, ainda que mensuradas de forma diferente, uma vez que as
penalidades pecuniárias guardam em si peculiaridades: a uma, de não ter a
finalidade arrecadatória; a duas, por representar o caráter educativo e preventivo do
Direito Tributário, qual seja, uma forma de coibir e de que não se perpetuem as
práticas abusivas dos contribuintes no sentido de sonegar, fraudar ou tão somente
de pagar a menor o tributo realmente devido, desde a sua aplicação que nunca leve
à perda substancial do patrimônio do contribuinte.
O princípio que veda utilizar tributo com efeito de confisco é amplo,
absoluto, no entanto, como deve ser aplicado em conjunto às demais normais
constitucionais, abriga certa relativização no convívio com aquelas que atuam como
sua exceção, como na hipótese de objetivos extrafiscais do legislador, na
progressividade como elemento informador da proteção da função social da
propriedade ou para desestimular o consumo de certos bens e serviços, ou ainda
nos níveis mais elevados da imposição tributária que alcança aqueles que auferem
mais ganhos ou rendas, enfim, o fato é que, mesmo diante das hipóteses de
políticas extrafiscais, o tributo não poderá ser ainda que de forma indireta, o
instrumento para que o Estado se aproprie de forma desmedida do patrimônio ou da
renda do contribuinte.
O que há, portanto, é apenas uma flexibilização quando de sua aplicação
para alcançar os objetivos desejados pelo constituinte em determinadas situações,
garantindo-se sempre no mínimo, para fazer uso de um trocadilho, o mínimo legal
disponível para a existência digna do contribuinte e de sua família, onde se exige
mais uma vez, uma interpretação sistemática de todo o ordenamento jurídico
multa. Afirma ainda que é possível entender que cabe ao Poder Judiciário fixar de ofício uma multa
menor, quando observados os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, o que por suas
palavras escreve:“ É da essência da função jurisdicional atribuir o seu a cada um (suum cuique
tribuere): ao Fisco o que é do Fisco, ao contribuinte o que é do contribuinte. O que é vedado ao
judiciário será fixar de ofício a multa, i.e, com independência ou referibilidade à sua prefixação pelo
órgão administrativo e avaliada numa situação contenciosa.” ( BORGES, José Souto Maior. Relações
entre Tributos e Direitos Fundamentais In: FISCHER, Octavio Campos (coord.). Tributos e Direitos
Fundamentais. São Paulo: Dialética, p.220-221)
tributário, de forma que o Direito Tributário e os direitos e garantias fundamentais
dos contribuintes, se inter-relacionem em sínteses dialéticas constantes.68
Nesse compasso é que Sacha Calmon N. Coêlho69 afirma que “o princípio
do não-confisco se nos parece mais com um princípio de razoabilidade na
tributação”, e acrescenta “tributação razoável”, o que guarda perfeita sintonia com a
exigência de aplicação “deste princípio como um limite à edição de leis que afetam
direitos fundamentais dos contribuintes”70 como dito por Paulo Roberto Lyrio
Pimenta, que acerca do assunto ainda aduz que a jurisprudência da Corte Maior
trilha com firmeza no reconhecimento da razoabilidade das leis, quando escreve
que
Forense, p. 247-248.
70 PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. A razoabilidade das leis tributárias: direito fundamental do
contribuinte. In: FISCHER, Octavio Campos (coord.). Tributos e Direitos Fundamentais. São Paulo:
Dialética, p.303.
71 Idem,Ibidem......p. 303.
72 A ideia de constituição viva na leitura de Ingo W. Sarlet guarda relação com a noção de identidade
constitucional, que ainda que em reconstrução constante não pode ter o seu fio condutor formado por
seus elementos essenciais afastados ou mitigados e por isso alcançam proteção, dentre outros
mecanismos, pelas cláusulas pétreas, que dentre outros objetivos, tem a missão de preservar a dita
identidade. ( SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de
Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.91.) Nesta trilha, o
fenômeno tributário se posiciona como revelador da identidade constitucional, por ser instrumento
realizador dos objetivos fundamentais da República e da garantia e proteção dos direitos
fundamentais do contribuinte, daí invocarmos em conjunto: a capacidade contributiva, a igualdade
tributária, a solidariedade social e a vedação do confisco como princípios que efetivam a existência
de uma tributação justa, justiça no aspecto substancial e não apenas formal, portanto, normas
fundamentais inarredáveis por meio de emenda constitucional.
passo apenas para as exceções elencadas pelo constituinte e dentro das balizas
fincadas no ordenamento jurídico tributário, poderá ser exigido de maneira que
acarrete a perda ou que reduza de forma substancial o patrimônio, a propriedade ou
a renda daquele que praticou de forma direta o fato jurídico tributário, nem tampouco
daquele que não o realizou, a que está apenas a ele vinculado ou para ser mais
específico, aquele que deverá pagar o tributo porque assim a lei determinou.
73 Ainda que na previsão constitucional haja referência tão somente a impostos, pela análise
sistemática dos princípios e objetivos do ordenamento tributário, pensamos que a capacidade
contributiva deve ser princípio nuclear informador do regime jurídico de todas as espécies tributárias,
matizando os tributos vinculados e os não vinculados, os ditos pessoais e os reais, apenas a sua
aplicação na inteireza se realiza de forma mais ampla com relação aos impostos, pela sua
independência ou não vinculação a qualquer atuação estatal, ou escrevendo melhor, pela hipótese de
incidência dizer diretamente com o fato ou situação reveladora de capacidade econômico contributiva
do sujeito passivo, o que podemos perceber também com clareza meridiana a necessidade de sua
efetiva aplicação com relação às contribuições para a seguridade social, como no julgado: “ (…)
art.145, §1°, da Constituição Federal, que alude à capacidade contributiva, fazer referência apenas
aos impostos, não há negar que ele consubstancia uma limitação ao poder de imposição fiscal que
informa todo o sistema tributário. É certo, contudo, que o princípio da capacidade contributiva não é
aplicável, em sua inteireza, a todos os tributos. (…) Na hipótese das contribuições, todavia, o
princípio em tela, como regra, encontra guarida, como ocorre no caso das contribuições sociais
praticados os fatos de relevância econômica a que a lei tributária irradiou suas luzes
e os fez geradores de efeitos tributários e na igual medida em que forem reveladores
de força econômica de quem os praticou.
Há no enunciado da norma constitucional um parâmetro positivo da
imposição do Estado, ao passo que atua como limite negativo do exercício do poder
de tributar.
A eleição pelo legislador de fatos da vida social que demonstrem
manifestação de riqueza e aptidão para concorrer às despesas públicas, configura a
capacidade contributiva absoluta ou objetiva, o que trocando em miúdos quer dizer
que a hipótese de incidência tributária em seu aspecto material há que ser um ato ou
fato que revele ou represente manifestações de riqueza 74, e por outro lado, um limite
à graduação máxima no exercício da competência tributária, ambos fundamentam
juridicamente o tributo.
De outra banda, a capacidade relativa ou subjetiva refere-se à parcela da
riqueza que será objeto da tributação em face de condições individuais 75, ou seja, a
aptidão específica de dado contribuinte para suportar a imposição tributária na
medida de sua real possibilidade econômica de gerar os recursos destinados ao
Estado, agindo assim como critério de graduação e limite da tributação de modo
que o ônus tributário seja suportado sem afetações quanto ao direito a uma
previstas no art.195, I, b, c devidas pelo empregador. ( Excerto do voto condutor do Min. Ricardo
Lewandowski, quando do julgamento, pelo STF do RE 573675, mar/09).
74 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 4.ed. São Paulo: Malheiros,
2012, p.28-29.
75 OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Direito Tributário – Capacidade Contributiva –
no art.53 da Constituição italiana de 1947, em vigor, “tutti sono tenuti a concorrere alle spese
pubbliche in ragione della loro capacitá contributiva”, fixa critérios que vinculam a todos os seus
destinatários: “ (…)l'art. 53 fissa altresì criteri vincolanti per ogni interprete, sia esso il contribuente, il
giudice o l'amministrazione finanziaria“, ao passo que orienta a interpretação das normas na
realização do princípio ao afirmar: “ Nei limiti della legge, tra due diverse interpretazioni dovrá essere
dunque preferita quella che assicuri il rispeto dei principi constitucionali.( MOSCHETTI, Francesco.
LORENZON, Gianfranco. SCHIAVOLIN, Roberto, LORIS, Tosi. La Capacitá Contributiva . Padova:
Cedam, 1993. p.13.
existência digna, o que no revés, vem a garantir tanto o padrão de vida de quem o
suporta como a legitimidade do tributo devido.
Sob tal prisma de interpretação é que nos leva a crer que de fato, ainda
que a capacidade econômica76 seja pressuposto da capacidade contributiva77, não
abarca de forma global o seu conteúdo, devendo sempre ser preservado o mínimo
vital, eis dizer, a parcela economicamente existente, no entanto não tributável.
A busca da máxima eficácia do princípio deve ser uma constante aos
seus destinatários, desde aqueles que têm competência para a criação dos tributos
aos seus intérpretes e aplicadores da norma77, uma vez que toda a atuação estatal
deve ser no sentido de preservar as máximas fundamentais que informam o
universo da fenomenologia tributária, notadamente a capacidade contributiva por ser
o eco em que ressoa as vozes normativas da igualdade, da justiça tributária, da
proibição do confisco, do direito de propriedade e da solidariedade fiscal, que direta
ou indiretamente gravitam na órbita das normas constitucionais que possuem
eficácia plena e aplicação imediata, nos termos do § 1° do art.5° do Texto
Constitucional.
A noção de capacidade contributiva carrega em si a de igualdade
tributária, pois que impõe à lei tributária que trate de forma igual àqueles de idêntica
força econômica, com os mesmos deveres e direitos tributários, e de forma desigual
aos que destoam, vedando a concessão de privilégios e de benefícios fiscais de
forma restrita a determinadas categorias ou grupos de contribuintes.
Neste mesmo passo é que a igualdade no ordenamento jurídico italiano,
em primeiro momento teve uma motivação política para coibir privilégios de classes
ou categorias antes admitidas, para em seguida abarcar o sentido de igualdade
jurídica de todos diante da Lei, de acordo com a capacidade contributiva, como
anota Victor Uckmar:
78 O princípio da igualdade jurídica para o autor traz em sua própria essência o princípio da
generalidade da imposição fiscal. UCKMAR, Victor. Principi Comuni di Diritto Constituzionale
Tributario. 2.ed. Padova: Cedam, 1999, p.64-65.
79 Para Ricardo Lobo Torres a seletividade é um subprincípio da capacidade contributiva onde o
tributo incidirá de forma progressiva na razão inversa da essencialidade dos produtos ( TORRES,
Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 16.ed. Renovar, 2009, p.377)
80 Edvaldo Brito em sua perspicácia jurídica ensina que tudo o que se refira à proteção do patrimônio
do particular contra assédio abusivo e soberano estatal integra um núcleo legal, e este abarca
critérios como o da progressividade, não-cumulatividade, seletividade e proporcionalidade destinados
a disciplinar cada espécie de imposição. ( BRITO, Edvaldo. Princípios Constitucionais Tributários. In
Caderno de Pesquisas Tributárias n.18. Centro de Extensão Tributária e Editora Resenha
Tributária. São Paulo: 1993, p. 556-558.
imposição que o legislador há de adotar cada vez que instituir
essa espécie tributária.(...)81
justiça material, e assim a violação a princípios justos só é justificada pela aplicação de princípios de
um mesmo valor, hipótese que supomos não caber quando da aplicação da capacidade contributiva,
pois ainda que não aplicadas no entendimento do autor, às normas extrafiscais, entendemos como já
demonstrado neste estudo que há um limite à extrafiscalidade - ainda que informada por outros
objetivos relevantes - estabelecido pela vedação do confisco, que nada mais é que uma
manifestação, ou como trata a maioria da doutrina, uma decorrência do princípio da capacidade
contributiva. ( TIPKE, Klaus. YASHAMITA, Douglas. Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade
Contributiva. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p.18.)
83 “O conceito indeterminado da justiça é concretizado num primeiro nível: como segue: justiça por
meio de tratamento isonômico; tratamento isonômico segundo um critério adequado à matéria; justiça
social – tributação socialmente justa com base num princípio adequado à matéria, que somente pode
ser sacrificado por princípios de mesmo valor” ( Idem. p. 22)
84 MOSCHETTI, Francesco. La Capacità Contributiva. In: AMATUCCI, Andrea. Trattato de Dirito
Ora, se num giro, a justiça distributiva fiscal consiste em que aqueles que
possuam mais aptidão para contribuir no custeio das despesas públicas o façam em
medida maior, e noutro giro, o Estado tem o poder-dever de arrecadar tributos para
realização de suas atividades fins e que atendam à necessidade de todos, em
especial daqueles que por possuir menor aptidão para contribuir necessitam e
utilizam em medida maior os bens e serviços estatais, é que se esbarra em mais um
inarredável princípio informador do sistema tributário e também manifestação da
capacidade contributiva: a solidariedade social tributária.
Seja como mais um fundamento da tributação ou como um objetivo
constitucional, a solidariedade social emerge efetivamente pelo estreito laço que
vincula o cidadão contribuinte - ao retirar parcela de sua riqueza e na sua medida
para a cooperação recíproca entre os membros da sociedade e nesta senda exercer
o direito de exigir prestações positivas do Poder Público - ao Estado Democrático de
Direito - para a realização dos seus objetivos balizados numa coordenada
sistemática do conjunto de valores que o norteiam para a garantia e efetivação de
direitos fundamentais e construção do bem-estar social comum.
Há nesta perspectiva uma dimensão social do homem que deve também
informar todo o fenômeno da tributação proposta pela Constituição da Sociedade 85 e
sob este prisma é que a tributação escapa à função instrumental estatal de
arrecadação de recursos, pois na “ponderação de valores constitucionais, o peso do
valor “arrecadação ( por estar circunscrito ao âmbito tributário) é menor do que o
peso do valor “solidariedade social” ( por ser um objetivo fundamental)”.86
Em suma, podemos afirmar que há um liame efetivo que amarra o dever
fundamental de pagar tributos na dimensão econômica do pressuposto do fato
considerado, que tem como contrapartida o dever do Estado de realizar os objetivos
85 GRECO, Marco Aurélio. Solidariedade Social e Tributação. In: GRECO, Marco Aurélio. GODOI,
Marciano Seabra (coords.). Solidariedade Social e Tributação. São Paulo: Dialética, p.178.
86 Idem, Ibidem. p.179.
constitucionalmente consagrados pela sociedade na máxima eficácia possível dos
valores por aqueles revelados, em busca de um ordenamento jurídico que seja um
instrumento de superação às expectativas basilares suscitadas nos enunciados
normativos tributários no alcance do ponto que garanta o equilíbrio para uma
tributação efetivamente justa.
A tributação justa a que já nos referimos neste trabalho envolve a
atividade do legislador infraconstitucional no sentido dos caminhos possíveis pela
Constituição, em conjunto com a capacidade do contribuinte de pagar tributos em
que seja resguardado o limite do mínimo vital, expressão de igualdade tributária que
possibilita que contribuintes sejam diferenciados mediante ponderações econômicas
e meio para que se viabilize a dimensão social do homem pelo exercício da
solidariedade social.
Para além do citado liame, a clamada tributação justa suscita um
ordenamento constitucional em que seja garantida a livre concorrência, pressuposto
da livre iniciativa, ou melhor, que por meio dos princípios e mecanismos de
tributação seja possível o livre exercício de atividades dentro das normas e limites
legais estabelecidos, para que em tal ambiente haja a construção de uma sociedade
em que a cada pessoa humana seja viável uma existência digna.
Neste mesmo rumo - de um ordenamento tributário justo - é que a
atuação dos empresários deve prosperar no sentido de permitir tal construção, o que
envolve suas relações com a sociedade, inclusive o Fisco, de forma no mínimo,
ética, pautada pelas balizas do constituinte pátrio de que devemos todos construir
uma sociedade justa, livre e solidária.
Esta questão se aproxima do objetivo pretendido neste trabalho e nos
guia de forma segura, dentre os possíveis enfoques da interação da norma tributária
e da relação jurídica instalada, para o alcance dos fundamentos que indicam que à
norma tributária deva ser dada uma interpretação na magnitude exigida pelas várias
formas de atuação das sociedades empresárias87, dos seus sócios e o pagamento de
87A expressão “sociedade empresária” assim como “empresário” é empregada, neste estudo, na
acepção apresentada por Fábio Ulhoa Coelho, designando a pessoa jurídica que explora atividade
econômica de produção ou circulação de bens ou serviços, notadamente nas formas de sociedade
por quotas de responsabilidade limitada (Ltda) ou a de uma sociedade anônima (S/A), por dizerem
mais de perto com nosso estudo da responsabilidade tributária.(COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de
Direito Comercial. 15.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.79.)
88 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da Norma Tributária. 2.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais,1981, p.45. Para além do Direito Tributário entendemos que o fenômeno da tributação, suas
tributos.
Ou seja, a busca é pelo sentido que abarque a responsabilidade tributária
daqueles que exercem suas atividades respaldados em interesses individuais e
sociais e dessa forma agem em prol da sociedade, assim como, de forma apartada,
mas sem desgarrar a unidade que permeia o Direito, notadamente a
interdependência entre os diferentes componentes do sistema jurídico 88 , daqueles
que no intuito de proveito para si e para poucos, atuam por meio insidiosos e
simulados que intentam não sejam revelados os verdadeiros contribuintes dos
tributos devidos pelos fatos jurídicos tributários realizados, direta ou ainda que,
indiretamente.
Nesse enlace é que partimos de relance à norma jurídica tributária e sua
incidência pela completude dos elementos que a caracterizam, o que constitui um
passo a mais no intuito de encontrarmos respostas dentro do próprio ordenamento
jurídico, para a questão que atina a quem cabe de forma real diante da relação
jurídica tributária estabelecida, o dever fundamental de pagar o tributo devido e em
que viés se caracteriza tal responsabilidade, se exclusiva ou pessoal, solidária ou
subsidiária.
consequências e efeitos estão diretamente atrelados à ordem econômica, social, além do direito civil
e comercial, considerando-se a unidade do Direito, sempre na busca da coerência do sistema.
89 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito .... op.cit, p.2.
90 KELSEN, HANS. Teoria Pura.....op.cit. p.6.
91 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário...op.citp.56.
92 Eurico de Santi explica que “uma se justifica pelo fato de que as normas apresentam idêntica
estrutura lógica; a outra decorre da diversidade de conteúdos dirigidos à região material da conduta
social nas suas imanentes relações de intersubjetividade” (SANTI, Eurico Marcos Diniz de.
Lançamento …..., op.cit, 2010.p.)
significação. A norma jurídica é, portanto, veiculada pelo seu suporte físico que é o
texto do Direito positivo, utilizado como meio de alcançar a sua finalidade, em
síntese, a regulação das condutas humanas.
Não há identidade entre texto jurídico e a norma jurídica, pois aquele
através dos seus enunciados prescritivos introduz no ordenamento a norma jurídica,
enquanto esta é sob este prisma o sentido que o legislador ou o intérprete lhe
atribui, ou seja, o resultado de operações mentais, uma unidade de sentido deôntico
para que seja compreendida e cumprida pelos seus destinatários. Por isso se faz
necessário o seu estudo para que as ilações acerca do tema proposto sejam mais
acuradas.
Sobre a norma, Hans Kelsen assim se pronunciou:
97 Geraldo Ataliba vê o critério material como o mais complexo da hipótese de incidência: Este
aspecto dá, por assim dizer, a verdadeira consistência da hipótese de incidência. Contém a indicação
de sua substância essencial, que é o de mais importante e decisivo há na sua configuração. É o mais
importante aspecto, do ponto de vista funcional e operativo do conceito porque, precisamente, releva
sua essência, permitindo sua caracterização e individualização, em função de todas as demais
hipóteses de incidência. ( ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incid...., op. cit, p.106-107)
previsão hipotética da norma. Em face da hipótese normativa,
sua autonomia é verificável pela análise jurídica. A hipótese –
para utilizar a linguagem de lógica jurídica moderna – é um
descritor, não um prescritor. Descreve, não prescreve. (…) Por
isso mesmo, nela não cabe a determinação (= prescrição) do
quantum do tributo a ser pago – e, pois, dos seus requisitos de
aferição. À hipótese incumbe apenas descrever os
pressupostos fáticos necessários e suficientes para a
incidência da norma tributária. Não os seus requisitos legais de
quantificação (base tributável e alíquota). (…) Os critérios de
quantificação ( base tributável e alíquota).98
Assim, para o autor a relação jurídica tributária consiste numa relação que
somente é estruturada por normas jurídicas e o tributo na acepção de uma relação
jurídica, nada mais é do que um complexo de deveres (obrigações) e direitos
subjetivos, o que vale dizer, um complexo de normas jurídicas. 102
Ex lege, situada está no consequente da norma jurídica individual e
concreta, a relação jurídica tem dois elementos: o subjetivo e o prestacional. Esta
apenas para aclarar, se refere ao cumprimento de determinado objeto por parte do
sujeito passivo, como uma quantia a ser paga ou o cumprimento de deveres
instrumentais formais. Nesse sentido é que a relação jurídica tributária pode ser dita
“obrigacional ou prestacional” ou ainda “ secundária de caráter instrumental”.
No elemento subjetivo é que nos debruçamos por ser o foco de nosso
estudo, em que, de um lado está o sujeito ativo, pessoa política de direito público
104 José Souto Maior Borges argumenta que a obrigação tributária principal – dever individual e
concreto, nessa qualidade oposto ao dever geral e abstrato – especifica-se pela determinação do
sujeito passivo, contribuintes e responsáveis e pela prestação patrimonial estimável – dinheiro ou cujo
valor nele possa expressar-se. ( BORGES, José Souto Maior. Lançamento .......op.cit.p. 45)
105 Idem Ibidem p. 54.
106 BARRETO, Aires F. Curso de Direito tributário Municipal. São Paulo: saraiva, 2009. p.132
A Doutrina diverge com relação á estatura constitucional, ou não, da
sujeição passiva tributária. Estamos com os que pensam que o constituinte ao
desenhar em minúcias o sistema tributário constitucional, e mais específico ainda, os
critérios da regra matriz tributária, identificou dentre eles o sujeito passivo, ainda que
de forma implícita, estreitando as margens para que o legislador infraconstitucional
possa alterar o aspecto pessoal da hipótese de incidência e desse modo interferir
nos titulares da capacidade contributiva já indicada pela Constituição. 106
No sentido de que o sujeito passivo está na Constituição, expressa
Geraldo Ataliba:
que dá origem ao fato tributário. (...) Assim, pois, identificado o aspecto ou critério material da
hipótese tributária, poder-se-á buscar o contribuinte. (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário.
São Paulo: Saraiva, 2011, p.445).
escolher o sujeito que arcará com o peso da incidência fiscal,
fazendo as vezes de devedor da prestação tributária. 108
110AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.168. Nesse
mesmo sentido doutrina Roque Antonio Carraza, Renato Lopes Becho, Aires Barreto, Cleber
Giardino, dentre outros.
111 Daniel Peixoto observa que o “critério material da hipótese de incidência dos tributos vinculados
descreve uma conduta de um sujeito em relação a outro, vale dizer, do Estado em relação ao
beneficiário da atuação estatal, podendo esta mesma relação ser descrita de modo direto ou
converso, variando a formulação literal”, sendo na primeira formulação o contribuinte, como aquele
que tem relação pessoal e direta com o fato gerador o objeto indireto da atuação estatal que é o
sujeito do verbo da hipótese de incidência e na segunda, como o próprio sujeito que usufrui de tal
atuação do Estado. ( PEIXOTO, Daniel Monteiro. Responsabilidade Tributária e os atos de
formação, administração, reorganização e dissolução de sociedades. São Paulo: Saraiva, 2012,
pp. 141-143).
que constitua o fato gerador é mais bem explicitada para a identificação do
contribuinte quando a alinhamos de acordo com a categoria do tributo, se vinculado
a uma atuação estatal ou não vinculado.
Tributos vinculados são neste compasso aqueles em que a hipótese de
incidência tributária pode conter em seu núcleo, ou seja, no aspecto material,
determinado critério que identifique uma atividade do Estado dirigida ao beneficiário,
de forma mediata ou imediata. Nesta órbita estão incluídas as taxas e a contribuição
de melhoria. As primeiras pela prestação de serviço público, específico ou divisível,
ou pelo exercício de poder de polícia, enquanto a segunda pela realização de obra
pública que acarrete valorização do imóvel do particular.
Seja na formulação conversa 111 , como quer Daniel Peixoto , em que há a
fruição pelo particular da atuação do Estado, seja de forma reta da atuação do
Estado diretamente ao beneficiário, na hipótese de tributos vinculados há sempre
uma relação pessoal e direta com o fato gerador. De uma ou de outra forma, o fato
é que as notas do aspecto material da hipótese de incidência nos leva a delimitação
do sujeito passivo na figura de contribuinte da exação tributária vinculada.
No que se refere aos tributos não vinculados, temos assim aqueles que
no núcleo da hipótese de incidência tributária da regra matriz não mora uma atuação
estatal, o que quer dizer, que a prática do fato que desencadeia a obrigação
tributária é do próprio particular, sendo aquele fato signo presuntivo da riqueza a que
nos debruçamos no item 2.2.1.3 desse estudo, revelador da aclamada capacidade
contributiva.
Nesse caso aquele que tem relação pessoal e direta com o fato gerador é
a pessoa física ou jurídica que o realiza, o que figura então como sujeito passivo da
obrigação principal de acordo o desenho estrutural da hipótese normativa pelo
legislador ordinário, eis dizer, o que figura como contribuinte.
Se, de outra banda, no desenho estrutural da regra matriz de incidência
tributária como consequente não figurar como sujeito passivo da exação aquele que
realizou o fato jurídico tributário, estaremos diante não da figura do contribuinte, mas
do responsável tributário.
Há, no entanto, ampla tertúlia doutrinária e jurisprudencial quanto à
definição dos conceitos de contribuinte e responsável. Há quem defenda ser
contribuinte aquele que realmente pratica o fato jurídico tributário, o que para outros
não é suficiente, como para Maria Rita Ferragut:
112 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002.2.ed. São Paulo:
Noeses, 2009.p.29-30.
113 Paulo de Barros Carvalho critica a divisão do sujeito passivo em direto ou indireto, em termos
114Como fato gerador foi a expressão utilizada pelo legislador, em nosso trabalho também o faremos,
mas aclarando apenas que há a coincidência, como retratado no tópico 2.4, entre tal fato e o fato que
anotamos ter ocorrido na moldura desenhada pelo enunciado descrito pela linguagem da prescrição
normativa tributária projetando os efeitos previstos na formação do vínculo jurídico entre os dois
sujeitos de direito, ou ainda, como escreveu Geraldo Ataliba o fato concreto, a que denominou “fato
decorrente do tributo possa recair sobre a pessoa que o realizou ou que ainda venha
a realizar - sujeição passiva tributária antecipada ou substituição “para frente” - nos
termos da redação dada pela EC n° 3 de 1993 ao parágrafo 7° do art.150 da
Constituição Federal.115
Em suma, se a relação obrigacional for constituída em face da regra
geral de responsabilidade tributária116 estampada no artigo 128, do CTN, o vínculo
do responsável será indireto com o pressuposto de fato objetivo da exação tributária.
Noutro giro, se a relação jurídica tributária indireta for estabelecida com
fundamento nas demais regras do estatuto tributário - artigos 130 a 138 do CTN -
admitindo-se ainda as exceções cabíveis pela atuação do legislador complementar
linear ao disposto na locução “sem prejuízo do disposto neste capítulo” que permite
a exegese de que novos responsáveis tributários de acordo com as regras
estipuladas nos citados artigos poderão ser eleitos e não atender à exigência de “
vinculação ao fato gerador” - de forma que não seja pessoal ou direta, ou melhor,
indiretamente - então, tal vínculo poderá ser, para além do pressuposto objetivo do
fato de forma indireta, como também de forma direta ou indireta com o próprio
sujeito que o realiza.
Pretendemos com essas considerações demonstrar em poucas letras que
há, na verdade, dois sujeitos com o dever de pagar o tributo coercitivamente ao
Estado: o contribuinte com relação pessoal e direta com o fato gerador tributário
(sujeito passivo direto) e titular da dívida e da responsabilidade ; e o responsável (
sujeito passivo indireto), que por não ter relação direta e pessoal com os fatos
irradiadores dos efeitos tributários, não possui uma relação tributária, possuindo a
responsabilidade patrimonial de pagamento do tributo devido por terceiro, e não por
dívida própria, como regra geral, admitas algumas exceções diante das hipóteses de
imponível” , que ocorrido no universo fenomênico por corresponder à descrição prévia na hipótese de
incidência legal, faz nascer a obrigação tributária. ( Hipótese de Incid....., op.cit, p.68)
115 A hipótese de sujeição passiva por um fato gerador antecipado prevista na EC n° 3 de 1993, não
será analisada a fundo tendo em vista o objetivo específico desse trabalho, no entanto, ao tratarmos
do realizador do fato tributário, incluído está o que possivelmente vier a realizá-lo nos termos do que
dispõe o texto constitucional.
116 Para Maria Rita Ferragut o enunciado “responsabilidade tributária” detém mais de uma definição,
posto tratar-se de proposição prescritiva, relação e fato. “As acepções caminham juntas, já que, em
toda aparição do termo, faz-se possível identificar essas três perspectivas.” E acrescenta a autora em
síntese que como proposição prescritiva, é uma norma jurídica incompleta no teor deôntico, que
implica a inclusão do sujeito que realizou o fato não tributário no polo passivo da relação; como
relação a partir do vínculo entre o sujeito obrigado ao cumprimento da obrigação e o Fisco; e como
fato é o consequente da proposição prescritiva que indica os termos da relação (sujeito ativo, passivo
e objeto prestacional). ( FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Trib......op.cit, p.33-34)
substituição tributária e de responsabilidade por infrações, que cuidaremos em
momento seguinte do nosso trabalho.
No julgamento do Recurso Extraordinário n° 562.276/PR a pronúncia
feita pela Ministra Ellen Gracie foi nesse mesmo sentido de que na exegese do art.
121 do CTN ao estipular o contribuinte e o responsável como sujeitos passivos da
obrigação tributária principal “deve-se compreender que são sujeitos passivos de
relações jurídicas distintas, com suporte em previsões legais e pressupostos de fato
específicos, ainda que seu objeto possa coincidir – pagar tributo próprio (
contribuinte) ou alheio ( responsável).”117
Escandindo a ideia é que anotamos que a diferença entre contribuinte e o
responsável tributário é que este é a pessoa que não realizou o fato descrito na
regra matriz de incidência tributária e ainda assim está posicionado no polo passivo
da obrigação tributária e por sua vez tem a possibilidade de reaver ou ressarcir-se
do tributo pago brotado do fato jurídico praticado por outro, se não for o caso de
hipóteses de responsabilidade tributária por ilícitos praticados e tipificados em lei.
Ainda na busca de parâmetros para a demarcação do responsável pelo
crédito tributário é que damos ênfase, além dos pressupostos acima arrimados na
conexão normativa dos arts. 121 e 128 do CTN, ao fato de que a aplicação da
norma de responsabilidade só será possível diante da realização simultânea do fato
jurídico tributário e de um outro fato não tributário, lícito ou ilícito, pois ambos os
eventos configuram os pressupostos fáticos que em conjunto dão origem à relação
jurídica entre o Estado e o responsável tributário.
Neste ponto do nosso estudo é preciso reconhecer que o elemento de
justificação das regras que excepcionam o direito ao patrimônio constitucionalmente
assegurado, pela eleição de um responsável em que será retirada parcela de sua
riqueza para a entrega do valor do tributo à Fazenda Pública mora no aspecto de
que a responsabilidade tributária é instituto jurídico plantado com finalidades
específicas de punir o responsável (sanção), ou de viabilizar, simplificar e dar mais
117 STF, Recurso Extraordinário n° 562.276/ PR, j.03.11.2010, Min.Relatora Ellen Gracie. Em sentido
contrário é a doutrina de Alfredo Augusto Becker que entende ser o responsável tributário devedor de
débito próprio, pois para o tributarista quando o Estado pode exigir o tributo somente de uma pessoa,
não há responsabilidade tributária, trata-se de dever jurídico não de natureza tributária, mas
fiduciária. O responsável legal não é contribuinte de jure. ( Teoria Geral do Direito Tributário. São
Paulo: Lejus, 1998.pp. 558-561).
praticidade e efetividade à arrecadação de tributos, situações em que está instalada
a necessidade e o interesse do Estado credor.
Cabe acrescentar que tendo em vista o interesse público que deve ser o
arrimo de toda a atividade estatal, apesar de que a arrecadação do tributo daquele
que realiza o fato tributário ser mais diretamente atada aos limites constitucionais da
capacidade contributiva, da vedação do tributo com efeito de confisco dentre outras
normas por nós trabalhadas neste estudo, e nesta esteira se tornar mais segura e
prática tanto para o contribuinte como para o Estado, reconhece-se que em
determinadas circunstâncias pode tornar-se extremamente difícil e quase impossível
a arrecadação do tributo, o que faz com que o legislador mediante razões e técnicas
diferentes utilize a opção de por no polo passivo da obrigação tributária uma terceira
pessoa como responsável tributário, conforme as notas de valores pretendidas e que
informam o fato eleito como causa para a atribuição da responsabilidade.
Nesse diapasão é que se torna imprescindível a análise ainda que de
forma meteórica dos fatos passíveis de serem apreendidos como hipóteses da
norma de responsabilidade tributária que obriga a uma terceira pessoa ao
cumprimento do dever de adimplir a obrigação tributária a que não deu causa, no
geral, pois, de acordo com a natureza do fato escolhido e o valor da norma a ser
alcançado é que se determina o regime jurídico a ser aplicado. Andréa Medrado
Darzé de forma precisa discorre sobre o tema:
119 Conforme o Código Civil ( art.186) e a doutrina civilista são elementos que configuram o ato ilícito:
ação ou omissão voluntária e contrária ao direito, por negligência ou imprudência, intencional e que
cause dano a outro, havendo necessariamente entre o comportamento comissivo, ou omissivo e o
fato, o nexo de causalidade. Para Orlando Gomes para que o o ato seja qualificado como ilícito é
preciso que a infração seja cometida tendo o infrator conhecimento da natureza ilícita do ato, e mais o
dito nexo de causalidade é adotado na doutrina moderna dentro do “conceito de causalidade
adequada, isto é, consideram-se as consequências presumíveis da ação, segundo a experiência
comum.”( GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Revista, atualizada e aumentada de
acordo com o Código Civil de 2002, por Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito. Rio de Janeiro:
Forense, 2010. pp 377-379)
vista nosso objetivo específico de tratarmos de perto a responsabilidade tributária
diante das organizações empresariais ilícitas.
Nas lições de Orlando Gomes o ato ilícito é uma espécie do gênero fato
antijurídico, este entendido em visão alargada como aquele que destoa da
conformidade da norma. No entanto, quando o ato volitivo além de infringir a norma
jurídica, tem como efeito o dano, a lesão a um direito subjetivo e provoca como
consequência o dever de repará-lo, caracterizado está o ato ilícito. São suas
palavras:
sociais observa-se maior amplitude no âmbito civil da proteção do valor consagrado pelo direito,
indo além da proteção de bens individualmente considerados para girar em torno de determinados
bens coletivos como os relativos à propriedade, à “função social” dos contratos, etc. Neste espectro,
i.e., com relação ao bem juridicamente protegido pela norma de responsabilidade é que há uma
significativa diferença entre a norma civilista e a tributária, posto que esta, a proteção é de ordem, de
interesse público. Ademais, ainda que num instante de paralelo acerca dos dois regramentos cumpre
observar que a regra civil da responsabilidade objetiva de terceiro é a nosso ver, a que mais se
aproxima da responsabilidade tributária, na sua feição de “responsabilidade como sanção”, pela
confluência necessária para a incidência de ambas, da prática de dois atos, um lícito e outro, ilícito.
do consequente resultado danoso decorrente da conduta ilícita intencional ou pela
ausência dos deveres de negligência, prudência e perícia.
Em poucas palavras:imprescindível para a imputação da responsabilidade d
dever de reparar125 pelo resultado que causou dano é a presença do dolo ou da
culpa do agente infrator.
As noções aqui trazidas acerca da ilicitude dos atos, efeitos e o dever
jurídico deles resultantes que fundamentam a responsabilidade civil, não foram feitas
de forma aleatória, pois a nosso ver, a leitura dos seus fundamentos tornam-se
imprescindíveis para a compreensão do contexto das normas que versam sobre a
responsabilidade tributária diante da prática de atos ilícitos que configuram infrações
à ordem tributária.
Ainda que submetidas a regimes jurídicos diferentes,126 as normas
matrizes que as regem guardam semelhança pela própria unidade do direito e como
125 Existe no ordenamento jurídico eventos danosos lícitos que não acarretam o dever de reparar,
como a legítima defesa, o exercício regular de um direito reconhecido. Assim como, de outra banda,
há por disposição expressa de lei, hipóteses que ensejem a reparação de dano, independente do
elemento volitivo ou em função do exercício de situações de riscos, como disposto no art.927 do
Código Civil. No nosso ordenamento jurídico a regra geral é da infração subjetiva, embora admitidas,
por
126Cabe apontar, quando se fala em responsabilidade, que ainda que presente nas variadas
tributo e o prejuízo causado não constitui nota essencial para a caracterização da responsabilidade
tributária , uma vez que não compõe elemento normativo da hipótese de incidência e dessa forma
não cabe ao Fisco fazer prova do descumprimento da obrigação tributária. Em algumas situações,
como na hipótese das chamadas “responsabilidade por infração” tipificadas, por exemplo, nos
conceitos legais da Lei 8.137/90, “ Dos Crimes Contra a Ordem Tributária” não se exige nem o
resultado efetivo da falta de recolhimento do tributo devido, como no caso do art.1° da lei, sendo
suficiente apenas o ato ou omissão intencional e desonesta de evasão parcial ou total do tributo
devido. O fato é que o prejuízo a ser aferido em matéria tributária, por ser objeto de interesse público
a ser protegido pelo Estado, não acontece no momento de aplicação da lei, sendo feito pelo próprio
legislador no momento da sua feitura, como medida preventiva para situações que se instaladas
teriam como decorrência o não pagamento do tributo, seja pela prática de ato lícitos ou ainda pela
prática do próprio ato ou omissão fraudulentos para turbar a fiscalização e arrecadação do tributo,
como na hipótese de sucessão empresarial ou dos ilícitos tributários que em outro ângulo configuram
também ilícitos penais, respectivamente.
dever de sujeição a uma penalidade, pois trazem balizas gerais a orientar as normas
a serem veiculadas nas leis ordinárias que venham a tratar de infrações que
envolvem crimes e que estabelecem sanções penais em sentido estrito ou não raro,
sanções administrativas.
Por estarem diretamente alinhadas ao paradigma penal - cláusula geral
do citado art.136 - “ responsabilidade por infrações“128 em que há uma reprovação
social pela conduta em virtude do bem jurídico protegido é que nessas infrações o
aspecto subjetivo, no mínimo a culpa em sentido estrito, há que ser devidamente
comprovada pela Administração Pública, uma vez que na dicção legal do enunciado
geral da responsabilidade por infrações, o dolo, a intenção de causar o resultado, só
será exigido, em situações excepcionadas por lei, como próprio prevê o estatuto
tributário, na hipótese do art.137, II e II, quando exige a figura do dolo específico.
Em sentido oposto vemos o art.135 quando prevê a responsabilidade
pessoal quando os atos forem praticados com excesso de poderes ou infração de
lei, contrato social ou estatuto, da formulação textual do legislador complementar,
claro está que prescinde a presença de dolo, sendo suficiente apenas a realização
do ato ilícito para a imputação da responsabilidade tributária ao agente infrator e a
culpa. Nesta perspectiva é que afirmamos estar configurada nesta hipótese a
responsabilidade subjetiva do responsável tributário, cabendo ao Fisco comprovar
pelos meios admitidos no ordenamento jurídico o ato ilícito que desencadeou a
responsabilidade sancionatória, bem como a culpa do agente infrator.
No entanto, cabe ainda fazer o destaque de que a par de não esgotarem
todas as situações de responsabilidade sancionatória, em definição genérica , tais
enunciados prescritivos tem o caráter de pena, de reparador de dano porque a
128 No contexto da cláusula geral do art.136, entendemos abranger infrações e respectivas sanções
de caráter penal assim como administrativas, sendo com relação às últimas, não há qualquer juízo
quanto ao grau de culpabilidade ou intenção do infrator ou ainda da natureza ou extensão dos
resultados, salvo diante de exceção como previsto no texto legal . No que toca à sanção pelas
infrações de caráter penal, há sempre a aferição do juízo de culpabilidade, por imperativo do próprio
ordenamento jurídico quanto à pessoalidade da pena e o presença do elemento subjetivo pelo menos
em seu grau mínimo, posto que o dolo é exigido nas hipóteses expressas em lei. Em sentido contrário
quanto a este último posicionamento está a doutrina de Paulo de Barros Carvalho ao defender que a
posição do terceiro no polo passivo da relação jurídica tributária é sempre de cunho obrigacional, no
entanto, de índole sancionatória – sanção administrativa, como escreve;( Nosso entendimento é no
sentido de que as relações jurídicas integradas por sujeitos passivos alheios ao fato tributado
apresentam a natureza de sanções administrativas) ( Curso de Direito Trib....op. cit, p.356).
ofensa é em sentido amplo ao interesse público, ao sistema jurídico como um todo.
Ao tratar do tema, leciona Daniel Peixoto :
133 BECKER, A lfredo Augusto. Teoria Geral do Direito …...op.cit., p.555. O autor cita como exemplo
a hipótese de retenção do Imposto de Renda – IR e ensina que nesses casos há uma única hipótese
de incidência e duas regras, uma referente ao responsável legal e a outra ao substituído.
134 Luciano Amaro ensina que a escolha do responsável tributário, ainda que vinculado ao fato
gerador, não pode ser feita de forma arbitrária pela lei, sendo indispensável que haja a possibilidade
jurídica de reaver o valor do tributo destacado do seu patrimônio à conta daquele que praticou o fato
jurídico tributário, i.e, o contribuinte. ( Direito Tributário ...op.cit., p.338)
135 A dissensão doutrinária cerca a substituição tributária no direito pátrio desde a noção de que seja
uma hipótese abrangida ou não pelo fenômeno da responsabilidade tributária, pelo fato de além de
não estar expressamente prevista no CTN, não guardar total semelhança às demais hipóteses
previstas. Pois bem, de nossa parte, ainda que alvo de notas que o caracterizam de forma
diferenciada, entendemos que justificativa do acolhimento da figura do substituto tributário como
responsável deita nos seguintes pressupostos: há necessariamente a realização de dois eventos que
emergem o liame jurídico, ou seja a realização do fato jurídico tributário previsto na regra matriz de
incidência atrelado à outra norma que o coloca no tópico de sujeito passivo responsável pelo
recolhimento do tributo devido em decorrência daquele fato e desde que com este mantenha uma
relação indireta, ou ainda uma outra, direta ou indireta com o próprio sujeito que o realizou. Presentes
assim no substituto tributário as notas legais que caracterizam o responsável tributário, não há como
atribuir-lhe natureza ou regime jurídico diverso.
3.2. Notas sobre substituição tributária: repercussão jurídica por reembolso ou
por retenção na fonte
137 Há posição oposta ao entendimento quanto à necessidade de norma legal específica que
prescreva quanto ao direito de reembolso ou de retenção na fonte como anuncia Marçal Justen
Filho;” A transferência jurídica de riqueza da titularidade de um sujeito para a titularidade alheia
produz para o transferente uma situação de poder sobre o beneficiário da transferência. (…) A
relação jurídica que existe é exterior ao direito tributário. Por decorrência dessa relação jurídica extra
tributária é que surge uma situação de poder para alguém. Por atenção a essa situação de poder é
que a lei tributária pode instituir a substituição. Mas, exatamente porque há uma situação de poder,
não há necessidade de a lei tributária instituir um direito de regresso. Não se cria, entre destinatário
tributário e substituto, outra relação jurídica além daquela que já pudesse existir. ( Sujeição Passiva
...op.cit., p.281-283). O autor usa como arrimo de seus argumentos a título de exemplo a substituição
tributária prevista quando da retenção na fonte de imposto sobre rendimentos – IR, dos
empregadores em face dos rendimentos pagos ou devidos a seus funcionários, posição que
ousamos discordar, tendo em vista, necessariamente nessa situação em que há o desconto de um
valor referente ( como também no caso de contribuição previdenciária devida em geral pelos
trabalhadores empregados e e contribuintes individuais) a um direito subjetivo de retribuição pelo
serviço prestado é que entendemos ser imprescindível uma norma específica que disponha sobre a
hipótese de regra específica sobre a repercussão do ônus tributário.
138 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito...op.cit., p.567
139 Idem, Ibidem. p.534. O mestre gaúcho foi notável estudioso da concepção teorética da
substituição tributária, quando a apartou de influências extra jurídicas que a cercava, apresentando
assim notável contribuição para a formação da Teoria Geral do Direito Tributário, no entanto, a
própria classificação feita pelo autor para a sujeição passiva considerando o contribuinte ou na sua
dicção, o contribuinte de jure como gênero que abarca a espécie daquele que pratica o fato signo
presuntivo da riqueza e a do próprio substituto tributário não encontra amparo na disposição legal do
art.121 do CTN, por nós aqui já ressaltado, ao contemplar as espécies de sujeito passivo da
obrigação tributária principal, mais precisamente quando define o contribuinte como aquele que
possua relação pessoal e direta com o fato gerador do tributo.
Constituição Federa, para além da hipótese que citamos de retenção do Imposto de
Renda da Pessoa Física dos empregadores em face da remuneração feita ao
trabalhador - art.45, parágrafo único do CTN - existem ainda, dentre outras na
legislação esparsa, como a prevista com relação ao Imposto Sobre Serviços de
Qualquer Natureza - ISS – em algumas hipóteses, nas substituições “para frente” e
para trás” no Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias -
ICMS – e ainda na hipótese de retenção de 11% da contribuição previdenciária
sobre o valor da nota fiscal. 140
A responsabilidade tributária por substituição alcançou assim, com a
citada emenda constitucional, status constitucional, fundamentando as previsões
legais que dispunham sobre a sujeição passiva tributária antecipada ou substituição
tributária “para frente” e aqui, por escapar ao escopo do nosso trabalho, não vamos
nos insurgir acerca das posições díspares a respeito de sua constitucionalidade ou
não, mas por oportuno, deixamos claro que a nosso ver, o instituto da substituição é
indispensável para dar efetividade ao princípio da praticabilidade e da racionalidade
da tributação, além do que, o direito tributário não poder tornar-se alienígena à
dinamicidade da evolução social, o que insta à utilização de mecanismos, de
técnicas e procedimentos que garantam o ingresso da receita advinda dos tributos
aos cofres públicos, tudo atado às constitucionais, assim como são os vértices para
a figura geométrica do polígono.
Nota essencial da peculiaridade da substituição tributária que a destoa
das demais hipóteses jurídicas de responsável tributário está no fato de que não há
possibilidade de constituição do crédito tributário em face de quem o realizou,
espancando as notas caraterísticas de solidariedade ou subsidiariedade que possam
existir quando da escolha pelo legislador do sujeito passivo da obrigação tributária.
140 No Recurso Extraordinário n° 603.191/MT, relatado pela eminente Ministra Ellen Gracie, o Pleno
decidiu pela constitucionalidade da contribuição previdenciária de 11% sobre o valor da nota fiscal
prevista no art.31 da Lei 8.212/ 91 com a redação da Lei n° 9.711/98, com os seguintes
fundamentos:1. Na substituição tributária, sempre teremos duas normas: a) a norma tributária
impositiva, que estabelece a relação contributiva entre o contribuinte e o fisco; b) a norma de
substituição tributária, que estabelece a relação de colaboração entre outra pessoa e o fisco,
atribuindo-lhe o dever de recolher o tributo em lugar do contribuinte.2. A validade do regime de
substituição tributária depende da atenção a certos limites no que diz respeito a cada uma dessas
relações jurídicas. Não se pode admitir que a substituição tributária resulte em transgressão às
normas de competência tributária e ao princípio da capacidade contributiva, ofendendo os direitos do
contribuinte, porquanto o contribuinte não é substituído no seu dever fundamental de pagar
tributos(...). No Recurso Extraordinário n° 603.191/MT, Rel.Min.Ellen Gracie. Pleno. Por maioria.
Julgado em 1°.8.2011. DJ de 5.9.2011
Em matéria de substituição tributária ensinava Rubens Gomes de Sousa:
141 SOUZA, Rubens Gomes. Compêndio de Legislação Tributária. Coordenação: IBET, Instituto
Brasileiro de Estudos Tributários. Obra póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p.93.
142 Em momento posterior o autor reformulou sua proposição doutrinária classificatória e considerou
a sujeição passiva indireta e a responsabilidade como institutos únicos, abrangendo todas as demais
hipóteses, com exceção do sujeito passivo direto, o contribuinte.
143 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito...op.cit., p.641. Renato Lopes Becho também
se posiciona no sentido de que a classificação do sujeito passivo não pode abarcar tão somente o
contribuinte e o responsável, pois existe a figura do substituto, que não se encaixa nas duas
modalidades. ( BECHO, Renato Lopes. Sujeição Passiva..op.cit., p.342)
reveste de direitos, administrativos e judiciais perante à Fazenda Pública e sob este
prisma é que não damos a ele uma conotação pré-jurídica, mas sim como o
resultado da implicação da norma substitutiva que macula o consequente da norma
matriz de incidência tributária por retirar aquele que realizou o fato tributado, ao
mesmo tempo em que traz no seu enunciado um novo sujeito para arcar com
obrigação de quem foi substituído.
Nesse instante cabe frisar que o dever é de pagamento por dívida
própria, e não alheia, em decorrência de fato de terceiro, e assim o substituto
tributário, na verdade, atua como se duas figuras fosse, a que tem a obrigação de
efetuar o pagamento do tributo devido pelo contribuinte e para além disso, a que vai
arcar no caso de inadimplemento daquele.
Tanto é assim que caso a norma que dispõe sobre a hipótese de
substituição tributária144 for revogada, o realizador do fato tributário, ou seja, o
contribuinte, em regra, será o sujeito passivo obrigado ao pagamento do tributo
respeitados os princípios constitucionais que atuam como limites à exigência dos
tributos, em específico, ao da anterioridade clássica ou nonagesimal que proteja o
tributo da exigência no mesmo exercício financeiro ou após 90 dias da lei que o
instituiu ou aumentou, respectivamente.
Em suma, o enfoque aqui é na regra geral da hipótese de substituição
tributária prevista em lei em que o parâmetro é a licitude dos atos que implica o
nascimento da obrigação do responsável, e assim sendo, é abraçada pelo regime
jurídico que cobre todo o panorama da responsabilidade tributária traçado no Texto
Constitucional e nas normas gerais estabelecidas no CTN.
Portanto, tendo em vista o eixo temático principal do nosso trabalho, que
tem em uma de suas razões o estudo mais amiudado da hipótese de
144 Por isso mesmo é que pensamos que o instituto excepcional da substituição tributária se amolda
bem na textura legal do art.128 do CTN “ Seção I – disposição gera “, pois encontramos nesse
dispositivo causa de justificação que o fundamente em sua inteireza, pois como argumenta Paulo de
Barros Por Por isso mesmo é que pensamos que o instituto excepcional da substituição tributária se
amolda na textura legal do art.128 do CTN “ Seção I – disposição geral “ pois encontramos nesse
dispositivo causa de justificação que o fundamente em sua inteireza, pois como argumenta Paulo de
Barros Carvalho, a espécie deve representar o gênero em todos os seus atributos e mais aqueles que
a especifica, e dessa forma é que, principalmente na hipótese em que há a figura do retentor, vemos
o alinhamento ao enunciado prescritivo uma vez que a regra dispõe sobre a possibilidade de excluir
a responsabilidade do contribuinte ou atribuí-la em caráter supletivo do pagamento total ou parcial do
tributo, o que a nosso ver só ocorre por inexistência da lei que dispunha sobre a substituição, e além
do que o vínculo indireto ao fato gerador exigido no dispositivo é possível, no entanto não é
inarredável.
responsabilidade por substituição prevista no art.135, III, fundamentada na prática
de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos em
específico dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito
privado que dão origem à obrigação tributária, é que a apartamos para um tópico
próprio mais adiante.
Mas, antes de alcançá-lo, faz-se ainda necessário trazer, dentre outras,
notas gerais a respeito da responsabilidade tributária intitulada pela doutrina clássica
como “responsabilidade por transferência”, que ao contrário da sujeição passiva
indireta por substituição, é aquela em que a obrigação tributária nasce com a prática
do fato previsto na regra matriz de incidência tributária pelo contribuinte e em virtude
de ocorrência posterior de um fato não tributário, lícito ou ilícito, passa a ser de
acordo com a previsão estatuída nas normas gerais de direito tributário, obrigação
do responsável.
145 A classificação trazida para a Ciência do Direito Tributário que toma a sujeição passiva indireta
por gênero, do qual são espécies a substituição e a transferência, não guarda no seu todo de
precisão técnica, mas sabemos que no mundo da linguagem comunicacional, interpretações podem
ser feitas de diversas formas, no entanto, há a necessidade de sempre buscar eliminar ou pelo
menos reduzir ou ruídos que poluem a linguagem do legislador e do intérprete, cabendo assim à
própria Ciência do Direito minimizar os efeitos ruins das imprecisões terminológicas e das
classificações decorrentes. Nesse sentido é que utilizaremos o termo “transferência” para caracterizar
a sujeição passiva indireta nascida em virtude de fato posterior ao evento tributário, mas deixamos
claro que em grande maioria dos dispositivos do CTN que tratam da responsabilidade sob esse
manto, a figura do contribuinte permanece presente ao lado do responsável, de forma subsidiária ou
até mesmo preferencial.
146 Ainda que o dispositivo traga a hipótese de responsabilidade tributária, dentre as movimentações
societárias citadas, diante da transformação do tipo societário, como por exemplo a de uma
sociedade Ltda em uma S/A, não há alteração na sua personalidade jurídica, nem de regra na
composição do patrimônio, não havendo uma sucessão propriamente dita. Não obstante, no que toca
à extensão e limites da responsabilidade dos sócios poderá haver profundas alterações, talvez por
aquisição por pessoa física ou jurídica de estabelecimento empresarial sem a
continuação das atividades pelo alienante.
isso, numa atitude de objetividade o legislador tenha optado por juntá-la à hipótese dos sucessores.
O oposto ocorreu com relação à cisão societária, seja parcial ou total - cisão é operação de
transferência integral ou de parte do patrimônio de uma sociedade para uma ou mais sociedades -
que não foi alvo do legislador no elenco da responsabilidade tributária por movimentações
societárias. A Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) traz regramento no art.233 quanto à
responsabilidade da empresa cindida e da sucessora no tocante às relações privadas, que como
sabemos não podem ser opostas à Fazenda Pública, salvo disposição expressa em lei, e ainda o
disposto no Decreto-Lei n.1.598/77( trata do Imposto sobre a Renda), daí decorrem amplas
divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da sua plicação no que toca à responsabilidade
tributária.
147 Como a sucessão nem sempre implica a extinção do sucedido, por desaparecimento ou morte a
148 Art.129. O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente
constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos. E aos constituídos
posteriormente aos mesmos atos. Desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida
data.
que vem a ter maior proteção e segurança para a realização do negócio jurídico
pretendido.
Também não abraçamos a ideia de alguns autores que consideram de
natureza sancionatória o preceito geral sobre responsabilidade na sucessão - art. 29
– nem em específico o art.130, por dois motivos: primeiro, que o caráter
sancionatório pela omissão do adquirente em verificar a regularidade fiscal retiraria
a nota característica da repercussão jurídica do tributo obrigatória para as hipóteses
de responsabilização tributária decorrente de fatos lícitos; segundo, que a sanção
estaria ocorrendo, pelo não pagamento do tributo, e no seu conceito expresso no
art.3° do CTN , excluído está da sua natureza a hipótese de sanção por ato ilícito.
E por falar mais uma vez em tributo, ainda que os dispositivos que tratem
da sucessão refiram-se literalmente a “tributos” com exceção do art.130, o fato é que
a responsabilidade na sucessão alcança em algumas hipóteses as multas também,
de acordo com o caminho seguido por diversas decisões judiciais, com a ressalva de
que só estão abrangidas as que à época da sucessão já estavam constituídas.
Imaginamos ao mesmo tempo em que há uma preocupação no sentido de que por
meio do ato sucessório existam meios ardilosos com a intenção de não pagamento
de penalidades e ainda mais, desconhecidas do sucessor, há, noutro giro, a questão
relevante da punição não transcender à figura do infrator.
Continuando na missão constitucional – art.146, III da CF/88 - de dispor
sobre “normas gerais de Direito Tributário” o CTN prevê, ainda na seara da
responsabilidade por transferência – a responsabilidade de terceiros , nos arts.134
e 135, ou de forma estreita, a responsabilidade em sentido estrito. Como já
anunciamos, o art.135, III diz direto com o nosso tema principal, então cuidaremos
em capítulo próprio, enquanto nesse primeiro momento traçaremos as notas
essenciais que caracterizam os enunciados prescritivos do art.134.
A responsabilidade de terceiros prevista no art.134 do CTN149 pressupõe duas
condições para a imputação de responsabilidade às pessoas nele referidas: i.
impossibilidade de cumprimento da obrigação pelo contribuinte e ii. que a obrigação
tributária tenha nascido em virtude de sua interferência por ação ou omissão de um
150 BECHO, Renato Lopes. Comentários dos artigos 121 a 137. In PEIXOTO, Marcelo Magalhães;
LACOMBE, Rodrigo Santos Masset ( coords.) Comentários ao Código Tributário Nacional. São
Paulo: MP Ed., 2008, p.1043.
151 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva...op.cit., p.309/310.
feito e não foi, desencadeando uma situação jurídica tributária não desejada; a duas,
e por decorrência, resta revelada a intenção clara do legislador de punição - o
animus puniendi – e natureza sancionatória da norma, por ato ilícito culposo,152
daquele a quem a ordem jurídica exige que atue em prol e com zelo, e não contra
seus representados e em específico, se dessa forma, concorre para o não
cumprimento da obrigação tributária.
Trata-se assim, pela inteligência do caput do artigo 134 do CTN, de
responsabilidade subjetiva, em que para a sua configuração é importante perceber
que exige-se pelo menos a culpa do agente que a desencadeia e que não se
confunde com o fato tributário, mas com ele é conexo, cabendo à autoridade
administrativa lançadora demonstrar no processo administrativo por meio da
linguagem das provas cabíveis e de fortes indícios, “que existe a relação entre a
obrigação tributária e o comportamento daquele a quem a lei atribuiu a
responsabilidade,”153 sob pena de estarmos diante de uma responsabilidade
arbitrária.
Questão importante ainda com relação à responsabilidade de terceiros
prevista no art.134 do CTN é no que toca à caracterização da responsabilidade
imputada, pois na expressa literalidade do enunciado está o termo “solidariamente”
em contradição ao pressuposto a que nos referimos no inicio da análise deste artigo
que foi claro ao dispor: “nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento
da obrigação principal pelo contribuinte”, que por sua vez, caracteriza a
subsidiariedade.
Escandindo a ideia: a solidariedade é nota que caracteriza a
responsabilidade tributária prevista expressamente no art.124 do CTN, em que não
há uma definição de ordem de preferência na execução dos bens quando coexistam
mais de um devedor, seja na categoria de contribuinte, responsável, ou os dois, o
que implica que a dívida tributária poderá ser cobrada de qualquer um deles.
152 O pensamento de Regina Helena Costa segue nesta mesma trilha: “o dispositivo considera a
culpa dos terceiros apontados para atribuir-lhes a responsabilidade tributária, em razão do
descumprimento de deveres de fiscalização e de administração”. ( Curso de Direito Tributário.
Saraiva, 2009, p.203). Assim como o de Misabel Derzi quando doutrina: “... a responsabilidade dos
terceiros, arrolados no art.134, depende da ocorrência de fato ilícito, posto em norma secundária; ter
havido, em ação ou omissão, descumprimento do dever, legalmente previsto ou contratualmente
nascido, de providenciar o recolhimento do tributo devido pelo contribuinte ou de fiscalizar o seu
pagamento.” ( Nota de atualização à obra de Aliomar Baleeiro. Direito Tributário ....op.cit., p.754).
153 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito...op.cit., p.158
No revés, a subsidiariedade assegura que o responsável só poderá ser
exigido após o contribuinte, ou seja, a execução fiscal terá que ser proposta
inicialmente contra o contribuinte, e, após esgotados os meios cabíveis for
constatado não haver patrimônio disponível para arcar com a dívida tributária.
Há dissenso doutrinário e jurisprudencial quanto à característica da
responsabilidade de terceiros, mas a maior parte, nos dois casos, se posiciona
quanto à subsidiariedade, inclusive é a posição que adotamos, pela interpretação do
contexto normativo dos enunciados sobre a responsabilidade tributária e diante dos
pressupostos de ordem formal e material que a justifica, é que entendemos que na
hipótese do art.134 do CTN, só deverão ser responsabilizados os sujeitos ali
arrolados, desde que o Fisco já tenha demandado o contribuinte e para este, seja
impossível o cumprimento do dever de pagar o tributo, devido à ausência de
patrimônio disponível para a satisfação do crédito tributário ou à impossibilidade de
ser encontrado, também acontece.
Em suma: a responsabilidade contemplada no dispositivo em análise é
subsidiária, e não solidária, nem tampouco pessoal.154
Nesse sentido é que defendemos ter sido a utilização da expressão
“solidariamente” pelo legislador, uma atecnia, um equívoco da linguagem prescritiva
do enunciado, como várias outras existentes no estatuto que trata das normas gerais
de Direito Tributário, mas o fato é que não foi suficiente ou impossível de resolução
tendo em vista a hermenêutica utilizada no sentido de dar à norma o conteúdo
simétrico ao contexto em que está inserida e que lhe melhor acentue a justificativa
valorativa.
Zelmo Denari está entre aqueles que pensam diferente ao defender que a
responsabilidade de terceiros é solidária, no entanto pode ser exigido primeiro os
bens do devedor principal,155 e em sentido oposto e igual ao que pensamos, Maria
Rita Ferragut doutrina que “a responsabilidade é subsidiária na medida em que a lei
não permite que o terceiro responsabilize-se pela dívida sem que o credor certifique-
154 A análise jurídica das notas que caracterizam a responsabilidade tributária, se pessoal ou
excludente, solidária, ou subsidiária, será por nós um pouco mais aprofundada no capítulo seguinte,
com vistas a fundamentar nesse aspecto, as conclusões a serem sacadas na conclusão do trabalho.
Assim como em específico, o inciso VII, do art.134 que dispõe sobre a responsabilidade dos sócios,
no caso de liquidação de sociedade de pessoas, quando faremos um paralelo com a hipótese do
art.135, III, referente à responsabilidade dos administradores de pessoa jurídica quando atuam com
excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, casos que configuram a
substituição tributária decorrente de ato praticado com ilicitude.
155 DENARI, Zelmo. Solidariedade e Sucessão Tributária. São Paulo: Saraiva, 1977, p.54.
se de que o cumprimento da obrigação, pelo contribuinte é impossível.”156
Em suma: a responsabilidade dos terceiros - art.134 do CTN – tem
caráter sancionatório, é subsidiária e só se aplica aos tributos e às penalidades de
caráter moratório, não respondendo assim, o responsável por infração praticada pelo
contribuinte, salvo na hipótese de dolo específico do terceiro responsável na
caracterização da infração tributária.
E responsabilidade por infração tributária é o tema sobre o qual nos
debruçaremos no item seguinte desse trabalho, seguindo a mesmo traçado que
fizemos quando tratamos da responsabilidade dos sucessores e de terceiros:
aspectos normativos que a fundamenta e análise jurídica das notas essenciais que a
caracteriza no intuito de demonstrar o contexto geral das normas que versam sobre
responsabilidade tributária.
156 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e ….op.cit, p.111. A jurisprudência também
se posiciona nesse sentido: “ (...)10. Flagrante ausência de tecnicidade legislativa se verifica no artigo
134, do CTN, em que se indica hipótese de responsabilidade solidária “ nos casos de impossibilidade
de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte”, uma vez cediço que o instituto
da solidariedade não se coaduna com o benefício de ordem ou de excussão. Em verdade, o aludido
preceito normativo cuida de responsabilidade subsidiária”. ( EResp 446.955/SC, Rel. Ministro Luiz
Fux, Primeira Seção, DJ 19.05.08)
157 Não vemos justificativa para o legislador ter separado em uma seção – Seção IV, a
responsabilidade por infrações , se a responsabilidade de terceiros – arts. 134 e 135, decorre também
da prática de atos ilícitos. Talvez, pelo fato de nessa seção ,ter sido dada uma configuração da
responsabilidade diferente das outras hipóteses – objetiva – e de ter como pressuposto, de uma
forma geral, a culpa. Vamos falar melhor sobre isso no desenvolver deste item.
158Art.136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações independe da
159 ANDRADE Filho, Edmar Oliveira. Limites Constitucionais da Responsabilidade Objetiva por
Infrações Tributárias. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n° 77, 2002.p.14
Renovar, 1999, p.228.
160 Idem, ibidem.p.18. Neste mesmo sentido pensa Ricardo Lobo Torres: “ aderiu o CTN, em
princípio, à teoria da objetividade da infração fiscal. Não importa, para a punição do agente, o
elemento subjetivo do ilícito, isto é, se houve dalo ou culpa na prática do ato. Desimportante também
que se constate o prejuízo da Fazenda Pública” ( Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de
Janeiro:Renovar1999, p.228)
161 Sob esta prisma Maria Rita Ferragut escreve com maestria: “(...) é inerente à responsabilidade
tributária a noção de culpa ou dolo, pois ainda que o indivíduo não atue com consciência e vontade
de um específico resultado, a infração decorre pelo menos de culpa, incluindo-se nessa regra as
espécies in vigilando e in elegendo. ( Responsabilidade Tributária e o Código...op.cit., p147.
alegação de não conhecimento da lei, ou de simples impossibilidade financeira de
adimplir a obrigação.
No entanto, parece-nos que a inteligência do dispositivo é no sentido de
que para a configuração da responsabilidade por infrações, como regra geral o que
se dispensa é a intenção, a vontade de lesar o Fisco,162 como já anunciamos,
exigindo-se no mínimo, a culpa em um de seus graus: imperícia, imprudência ou
negligencia e independendo da efetividade, natureza ou efeitos do ato ilícito.
Quanto à culpa, trata-se de culpa relativa do sujeito passivo, e nunca é
demais lembrar, que cabe à Administração Pública demonstrar o ilícito e a conexão
do evento ao sujeito infrator, por culpa no mínimo, ou dolo, dependendo da situação
e, assim como é possível ao agente acusado, por meio de provas, demonstrar que
não teve culpa na prática da infração, e assim eximir-se da sanção tributária. Nesta
questão mora a diferença substancial entre a natureza objetiva e subjetiva da
responsabilização em matéria tributária. A culpa, no mínimo ou o dolo, em uma de
suas configurações, tem que ser demonstrado e comprovado pela autoridade fiscal
quando da constituição do crédito e da representação fiscal para fins penais.
Exceção à caracterização da culpa para a responsabilização pela infração
praticada, e por outro lado, só por disposição expressa de lei, inclusive as que o
próprio CTN faz ao exigir dolo, até mesmo dolo especifico, nas hipóteses do
art.137,163 como elemento indispensável para a tipificação da responsabilidade
pessoal, ( e eventuais coautores),assim como também para agravar a penalidade, já
que nessas situações, o artificio, o ardil, o conluio não raro estão presentes com a
intenção de não pagar tributos.
Nesse caso a responsabilidade é pessoal do agente, pois são hipóteses
de ilícitos tributários, que configuram também ilícitos penais, isto é, os crimes fiscais
tipificados na legislação penal, tais como a sonegação fiscal, a apropriação indébita.
Nesses casos tendo em vista a gravidade da ilicitude e da lesividade, notadamente
pelo bem tutelado juridicamente pela tributação - o interesse publico - o legislador
162 Como bem escreve Luciano Amaro: ”Ora, intenção aqui, significa vontade: Eu quero lesar o Fisco.
Eu quero ludibriar a arrecadação do tributo. Isto é vontade. Isto é intenção.(…) O Código não está
aqui dizendo que todos podem ser punidos independentemente de culpa. ( Curso de Direito...op.cit.,
p. 471)
163 A responsabilidade é pessoal do agente: I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes
164 A jurisprudência dominante reconhece a inexigibilidade de conduta diversa como forma de afastar
a punibilidade nos crimes de apropriação indébita previdenciária, quando caracterizado, nos autos, o
estado de insolvência incontestável da empresa. Para isso, é necessário que os bens da empresa e
dos sócios-gerentes, diretores ou administradores encontrem-se onerados”.(KERTZMAN, Ivan. Curso
Prático de Direito Previdenciário. Editora: Jus Podium. 2010, p.316).
165 AMARO, Luciano. Curso de Direito...op.cit, p.472. Além do mais, o próprio CTN , quando trata do
da multa para fins de aplicação do art.138, uma vez que este não as distingue, conforme posição do
Superior Tribunal de Justiça. “ DENÚNCIA ESPONTÂNEA.MULTA MORATÓRIA. EXCLUSÃO..1. É
desnecessário fazer distinção entre multa moratória e multa punitiva, visto que ambas são excluídas
em caso de configuração da denúncia espontânea” ( STJ.1 T.,Resp 774.058/ PR. MinTeori Albino
Zavascki, out/2009). Paulo de Barros Carvalho explica de modo diferente: “A iniciativa do sujeito
passivo, promovida com a observância desses requisitos, tem a virtude de evitar a aplicação de
iniciado pela Fazenda Pública qualquer meio tendente a verificar a ocorrência da
infração, leia-se: procedimento administrativo ou ação fiscalizatória.
A exclusão, enfatiza-se, é da multa punitiva e não do pagamento do
tributo e dos juros de mora. Quanto à possibilidade de parcelamento fazer surgir os
efeitos da denúncia espontânea, após divergências jurisprudenciais e doutrinárias,
com a introdução do art. 155-A no CTN pela Lei Complementar 104/01 , não exclui a
exigência de juros ou de multa, de qualquer natureza.
multas de natureza punitiva, porém não afasta os juros de mora e a chamada multa de mora, de
índole indenizatória e destituída de caráter de punição.” ( Curso de Direito...op.cit., p.597)
CAPÍTULO IV
167 Neste ponto, ousamos discordar de Maria Rita Ferragut para quem a solidariedade é espécie de
responsabilidade tributária, aliás nos opomos à proposta de classificação para a responsabilidade
tributária feita pela autora, in verbis: “ Consideramos que a classificação mais acertada para as
normas de responsabilidade tributária é a que as divide em (i) substituição; (ii) solidariedade; (iii)
sucessão; (iv) responsabilidade de terceiros; e (v) responsabilidade por infrações.
modalidades como querem alguns autores – a solidariedade, subsidiariedade e/ou
se pessoal ou excludente, pois a partir da análise jurídica diante dessa moldura é
que podemos
A atuação do sujeito passivo diante da obrigação de pagar o tributo
devido ou até de suportar a respectiva execução, como contribuinte ou responsável,
pode ser diante das hipóteses previstas em lei, de forma pessoal ou plural, o que
significa dizer, que na primeira hipótese, o tributo só poderá ser cobrado de uma
única pessoa, enquanto que na segunda, a exigência do tributo poderá ser feita a
mais de um sujeito passivo, contribuinte ou responsável, ou ambos, de forma
paritária ou com ordem de preferência desde que integrem o polo passivo da relação
jurídica tributária.
A sujeição passiva pessoal ou exclusiva pode ser daquele a quem a
autoridade legislativa acolhe como contribuinte, por ter relação pessoal e direta com
o fato tributado e assim desde a prática desse fato é o único que deve pagar o
tributo, assim como pode ser daquele que a lei elegeu, por ter uma proximidade
indireta com o fato tributado, ou direta ou indireta com quem o realiza, como no caso
da substituição tributária, que tem como exemplo típico, a responsabilidade da fonte
pagadora.
De outro modo, quando há mais de um sujeito passivo, 168 contribuinte ou
responsável de quem poderá ser cobrado o tributo, dar-se-á a sujeição passiva
em decorrência até do caráter ex lege da obrigação tributária, também é de estrita reserva legal,
como bem anunciamos quando tratamos dos princípios mais afinados à responsabilidade tributária, e
assim sendo é que as convenções particulares entre os contratantes são juridicamente válidas,
exceto quando tiverem a pretensão de alterar o obrigado ao pagamento da obrigação tributária (
art.123 do CTN) Não são assim oponíveis à Fazenda Pública, ou como escreve Hugo de Machado:
(…) Terá esta, não obstante o estipulado em convenções particulares, o direito de exigir o
cumprimento da obrigação tributária daquelas pessoas às quais a lei atribuiu a condição de sujeito
passivo”. ( Curso de Direito Tributário....op.cit, p.144)
plural, também chamada de “concorrente”, hipótese em que se a obrigação de pagar
o débito tributário existir, somente na impossibilidade de exigência do cumprimento d
obrigação do devedor principal ou direto, ou seja, do contribuinte, ela será
subsidiária; enquanto, noutro giro, havendo mais de um sujeito passivo obrigado ao
cumprimento da exação tributária, seja contribuinte, ou responsável, ao ainda em
conjunto, em que qualquer um deles possa vir a ser ser compelido a pagar pela
integralidade do valor do débito tributário, a nota que matiza essa sujeição passiva é
a da solidariedade.
A solidariedade169, prevista no art. 264 do Código Civil , existe quando há
mais de um credor ou de um devedor, no polo ativo ou passivo da obrigação
tributária, em que cada um deles, tem o direito ou a obrigação com relação à
integralidade do crédito ou do débito, respectivamente.
Do instituto jurídico percebe-se quatro características principais: i.
pluralidade de sujeitos ativos, passivos, ou de ambos; ii. multiplicidade de vínculos,
sendo distinto ou independente o que une o credor a cada um dos codevedores
solidários e vice-versa; iii. unidade de prestação, visto que cada devedor responde
pelo débito todo e cada credor pode exigi-lo por inteiro; e iv. corresponsabilidade dos
interessados, já que o pagamento da prestação efetuado por um dos devedores
extingue a obrigação ou o direito dos demais.170
Girando na órbita do nosso trabalho, está a solidariedade passiva, em que
a concorrência de dois ou mais devedores, cada um com o dever de prestar a dívida
toda, e por outro lado, possibilitando ao credor a seu critério exigir parte do débito de
cada um dos devedores separadamente, ou por inteiro de apenas um, ou de parte
deles.
Washington de Barros Monteiro explica:
169 Art. 264 do Código Civil : Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de credor,
ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado à dívida toda.
170 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v.2, 16.ed. São Paulo: Saraiva, 2002,
p.152
171 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 29.ed., atualizada por Carlos Alberto
173Para Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona a responsabilidade subsidiária “nada mais é que uma
forma especial de solidariedade, com benefício ou preferência de excussão de bens de um dos
obrigados” (…) Na responsabilidade subsidiária, por sua vez, temos que uma das pessoas tem o
débito originário e a outra tem apenas a responsabilidade por esse débito(...) não tendo sido
encontrados bens do devedor ou não sendo eles suficientes, inicia-se a excussão de bens do
responsável em caráter subsidiário, por toda a dívida” ( GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo
Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. v.II. Obrigações.11.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.116)
relacional estabelecido entre aqueles que participam direta ou indiretamente do
pressuposto de fato da obrigação tributária, assim como entre estes e o sujeito ativo
da exação tributária.
174 Sabemos que a atuação do Estado, enquanto pessoa, está adstrita ao principio da legalidade e ao
da supremacia do interesse público, e que este representa tanto a garantia de poderes jurídicos
recebidos e sua indisponibilidade, como uma barreira para que todo o exercício da atividade estatal
seja em prol da sua efetivação, o que necessariamente impõe que ainda que goze de uma posição
jurídica privilegiada sobre o sujeito passivo, ao disciplinar a relação jurídica tributária, quando da
feitura da prescrição normativa pelo legislador, que prevê a inclusão de obrigados solidários ao
pagamento de tributo além do seu devedor principal, bem como na interpretação da norma no
momento de sua aplicação pela autoridade competente, não seja extrapolado tal espectro com o
desvio da finalidade pública da tributação, dentre outras, a de dividir o ônus das despesas de forma
igualitária e justa. Marçal Justen Filho preocupou-se com essa temática e escreveu: “ Porém, o
sujeito ativo é destinatário de deveres e sujeições, porquanto sua tarefa é realizar interesse alheio (
no caso, interesse público). Não há como dissociar a supremacia do interesse público ( e, portanto, o
aspecto dos poderes jurídicos recebidos) da sua natureza indisponível ( ou seja, a utilização dos
poderes jurídicos necessariamente para a realização do interesse público.” ( Sujeição Passiva
...op.cit, p.87)
175 Art.124 São solidariamente obrigadas: I- as pessoas que tenham interesse comum na situação
que constitua o fato gerador da obrigação principal; II – as pessoas expressamente designadas por
lei. Parágrafo único:. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.
Trata-se de direito subjetivo do Estado, alertando-se para o fato de que o
instituto jurídico da solidariedade atende principalmente ao interesse da
administração tributária de viabilizar de forma mais segura e eficaz a arrecadação
tributária, tendo em vista, que a necessidade constante de realização da sua
atividade-fim, o serviço público em prol de toda a sociedade, não para, não sofre
solução de continuidade. É a tutela direta do crédito tributário em favor do interesse
público.
Na solidariedade passiva tributária, há assim, uma pluralidade de sujeitos
passivos, pessoas físicas ou jurídicas, em que a obrigação tributária una decorre da
prática do fato previsto no antecedente da regra matriz de incidência, de forma
pessoal e direta pelo contribuinte, e junto com este, pela norma de responsabilidade
tributária com base no interesse comum ou por disposição expressa de lei, há
inclusão de uma terceira pessoa no polo da sujeição passiva como responsável pelo
pagamento do tributo, vinculada ao fato tributado ou àquele que o praticou, o que
por dedução lógica, não poderia ser diferente, por estarmos tratando de
responsabilidade tributária, onde tais pressupostos são inarredáveis para a
configuração da fisionomia do instituto jurídico conforme o traço desenhado pelo
legislador complementar.
Bem, nesse compasso, cada um dos devedores é obrigado a cumprir com
o total da dívida tributária, não podendo nenhum deles se eximir do pagamento da
sua fração de dívida nem tampouco da fração a que cabe aos demais, no entanto é
assegurado ao que pagou reaver a fração referente aos demais coobrigados pela
ação regressiva.
Na solidariedade tributária não cabe benefício de ordem, podendo existir
em sua configuração, uma pluralidade de sujeitos passivos, na categoria de
contribuintes, ou de contribuintes e responsáveis. 176
176 Não é demais reiterar que a solidariedade não é forma de inclusão de terceiro, ou espécie de
responsabilidade tributária, mas tão somente uma nuança da responsabilidade tributária quando mais
de uma pessoa figura como obrigada ao pagamento do tributo nas mesmas condições, seja
contribuinte, ou este e o responsável tributário. Sob este mesmo prisma Misabel Derzi doutrina: “4.(...)
A solidariedade não é espécie de sujeição passiva por responsabilidade indireta como querem
alguns. (…) é apenas forma de graduar a responsabilidade daqueles sujeitos que já compõem o polo
passivo.“ ( Nota de atualização da obra de Aliomar Baleeiro. Direito Tributário..op.cit., p.729). Entre
aqueles que consideram a solidariedade como espécie de responsabilidade tributária, está além de
Maria Rita Ferragut que já citamos, Marcos Vínicius Neder, quando defende que “a norma de
solidariedade albergada pelo art.124 do CTN é uma espécie de responsabilidade tributária, apesar de
o dispositivo legal estar localizado topograficamente entre as normas gerais previstas no capítulo de
Sujeição Passiva e, por conseguinte, fora do capítulo específico que regula a responsabilidade
A doutrina, no geral, classifica a solidariedade tributária de acordo com os
critérios estabelecidos em lei, denominando-a de fato, aquela que decorre de uma
situação fática, em que o interesse comum é a tônica da relação jurídica instalada; e
de direito, quando prevista expressamente por lei.
Neste ponto cabe trazer à sirga um aspecto sutil, mas relevante: no direito
tributário a solidariedade resulta de lei, sempre. Na primeira hipótese o legislador
determina um critério - o interesse comum na situação que constitua o fato gerador –
por si só suficiente para entrelaçar as pessoas envolvida nesse liame como
solidárias, e portanto prescindindo de ser reiterado expressamente na lei instituidora
do tributo.
O que significa que a norma geral e abstrata basta como fundamento de
validade para a autoridade competente, diante da situação fática e verificado o
pressuposto, atar como solidárias aqueles que estejam ligados pelo interesse no
suporte factual da hipótese de incidência. É o caso de duas ou mais pessoas que
são coproprietárias de uma terra, e assim, naturalmente, codevedoras solidárias do
ITR, como também pode ser o caso de grupos econômicos não constituídos
formalmente, como veremos em tópico próprio do nosso trabalho.
Enquanto na segunda hipótese, o legislador abre possibilidades para o
ente político, no exercício de sua competência cravada na Carta Magna para a
instituição de tributos, estipular outras situações fáticas que configurem
solidariedade, que não seja o interesse comum na situação que configura o fato
gerador, por uma exclusão óbvia.
tributária” ( NEDER, Marcos Vinicius. Solidariedade de Direito e de Fato – Reflexões acerca de seu
conceito. In: FERRAGUT, Maria Rita. NEDER, Marcos Vinicius.( coords.) Responsabilidade
Tributária...op.cit., p.32). Não nos filiamos a esta ideia, pelos motivos que já expomos e por
entendermos que considerar a solidariedade uma espécie de responsabilidade nos levaria a tomar a
responsabilidade subsidiária, a pessoal, como espécie, o que significa a subversão dos preceitos
normativos da sujeição passiva, e mais de perto, a indireta. Como exemplo, podemos citar a hipótese
de solidariedade quando várias pessoas são proprietárias de um imóvel urbano, e naturalmente a
partir de uma relação negocial são coobrigados pelo pagamento da obrigação, o que nos faz crer que
ainda que não existisse a hipótese de solidariedade, a responsabilidade de cada um por sua fração
ideal persistiria entre os devedores e a unidade do objeto da obrigação perante o credor – o tributo
devido - o que implica dizer que ausente o pressuposto da solidariedade, não desconfigura a hipótese
de responsabilidade ( em sentido lato), o que não acontece com as demais hipóteses de
responsabilidade, como por exemplo, no caso de responsabilidade por um ato ilícito como o do
administrador no ato de gestão de uma sociedade, se não praticado, jamais emergirá sua
responsabilidade pelo tributo devido como decorrência do ato praticado. A norma de solidariedade
vem apenas dar o laço de união àqueles obrigados como pessoas vinculadas perante o credor
público e entre eles, portanto, uma questão de racionalidade e praticidade da administração tributária.
Assim também é a lição de Luciano Amaro que argumenta que é preciso
fazer a distinção diante de situações em que a responsabilidade do terceiro é por
algum outro interesse, outro vínculo e dessa forma dependerá de a lei
expressamente a estabelecer. 177
Feito este prelúdio, o que importa deixar aclarado, é que o fundamento de
validade para que seja instalada a solidariedade tributária, deita nas duas hipóteses
estabelecidas na lei de normas gerais - por interesse comum e por disposição de lei
- sobre as quais faremos um exame mais acurado no sentido de demonstrar a que
pensamos ser a fundamentação exigida pela Constituição e que melhor atende ao
sentido teleológico e sistemático da norma que tem trânsito no art.124 do CTN
quando de sua aplicação à situação fática.178
179Paulo de Barros Carvalho atenta para o fato de que a diretriz do interesse comum dos
participantes na realização do evento é vaga, não sendo um roteiro seguro para a indicação do nexo
que se estabelece entre os devedores da prestação tributária, demonstrando a precariedade do
caminho optado pelo legislador. ( Fundamentos Jurídicos ...op.cit., p.227) Também vemos dessa
forma, como um critério há ser aferido no âmbito das balizas constitucionais para que não fique um
campo muito aberto e permita interpretações desmedidas pelo aplicador da norma.
coincidência de interesse pelo objeto da prestação, o serviço, mas não há uma
unidade quanto ao resultado, uma vez que a um cabe receber o preço, e ao outro, o
serviço. È o que ocorre naturalmente nos negócios jurídicos bilaterais.
Não é assim que vemos que se configura o interesse jurídico180 comum
indispensável para a solidariedade tributária. Aqui, unimos as duas perspectivas a
que nos referimos atrás: em que o elo é estabelecido a partir da atuação em
conjunto de pessoas que assumem direitos e deveres reciprocamente, com
interesses que convergem para o atendimento da necessidade, em que há uma
expectativa quanto ao uno resultado pretendido. Como por exemplo, no caso da
atuação em conjunto de pessoas jurídicas para o benefício de uma só atividade em
que há pelos sócios a unidade de interesse jurídico nos atos negociais ( de
propriedade e de circulação)181
Há uma interdependência e uma unidade no plexo de interesses que
envolve o interesse jurídico solidário, o que nos faz crer que ainda que o resultado
econômico ou proveito da situação que constitui o fato gerador da obrigação
principal, não configure o interesse jurídico, ele tem que ser considerado pela
autoridade competente para o lançamento fiscal, pois trata-se tão somente de uma
relação de causa e efeito, efeito cascata, por sinal: atitude positiva ou negativa,
impulsionada pelo interesse jurídico, em busca do atendimento da necessidade ,
para viabilizar o resultado pretendido.
Com relação à atuação das pessoas envolvidas na prática do fato jurídico
tributário, ressaltamos que a nosso ver ela é comum, em conjunto, pela participação
direta, como contribuinte, e indireta como responsável pelo tributo excedente à sua
parte. A regra de solidariedade tem como efeito tornar o objeto da obrigação
tributária, uno, como já vimos, posto que se tal regra não existisse, cada devedor
seria obrigado pelo tributo referente à sua parte da riqueza revelada no pressuposto
do fato tributado. Tanto é assim, que há previsão expressa no art.125 do CTN,
quanto à isenção ou remissão pessoal, o que desobriga aos demais responsáveis,
exatamente em virtude de existir uma pluralidade de relações. Nesse sentido é que
entendemos ser possível a aplicação da norma de solidariedade entre os
180 Para Alf Ross interesses são atitudes baseadas em necessidades, que impulsionam para a sua
realização , o que não acontece com as atitudes morais, destituídas de necessidade e portanto, de
interesses. ( ROSS, Alf. Direito e Justiça. São Paulo: Edipro:, 2003, p.409)
181CAMELO, Bradson Tibério Luna. Grupo Econômico de Fato. Revista Dialética de Direito
182 Assim também o posicionamento de Hugo Barreto Sodré Leal: “ (…) nos termos do art.124, I, do
CTN, entendemos que há solidariedade entre os responsáveis tributários que realizam conjuntamente
o suposto do fato que deu origem à sua responsabilidade(...).” ( Responsabilidade Tributária na
Aquisição de Estabelecimento Empresarial. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.88.)
183 Como ensina Hugo de Brito Machado: “ A existência de interesse comum é situação que somente
em cada caso pode ser examinada. A solidariedade, em tais casos, independe de previsão legal.
Nem pode a lei dizer dizer que há interesse comum nesta ou naquela situação, criando presunções.
Se o faz, o preceito vale por força do inciso Ii do art.124, que admite sejam consideradas
solidariamente obrigadas pessoas sem interesse comum. Mas haverá defeito de técnica legislativa,
que deve ser evitado. ( Curso de Direito Tributário..op.cit., p.146)
ilícita. A lei, estruturada para garantir a eficácia de suas
disposições, entrelaça os dois nexos obrigacionais, sugerindo,
à primeira vista, a existência de uma única relação, com dois
sujeitos que se aproximam pelas ligações de solidariedade
jurídica 184
186 De forma contrária pensa Daniel Monteiro Peixoto, para quem a obrigação solidária é moldada a
partir da aplicação cumulativa dos dois requisitos, um de ordem formal, a lei ordinária introdutória, e o
requisito material, pelo interesse comum no arquétipo da hipótese de incidência atada com os
critérios de relação jurídica solidária entre as pessoas autoras da conduta prevista na hipótese
(Responsabilidade Tributária e os Atos de Gestão...op.cit. p.250-251)
pessoas para responder pelo adimplemento do tributo, é que trazemos à baila o tão
controvertido e objeto de acirradas discussões art.13 da Lei n.8.620/93, 187 que
previa a responsabilidade solidária dos sócios nas sociedades por cotas de
responsabilidade limitada e dos que praticam atos de gestão para com outros tipos
societários por débitos junto a Seguridade Social.
O citado dispositivo além de ter sido revogado pelo art. 79, VII da Lei
n.11.941/2009 (conversão da Medida Provisória n.449, de 3 de dezembro de 2008),
foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal188 e declarada a sua
inconstitucionalidade por vício formal e material, o que se fez importante tendo em
vista que só a revogação, subsistiria a regra para o período anterior de sua vigência.
Ainda que retirado do ordenamento jurídico, importa tecer duas
considerações por serem relevantes em termo de solidariedade. A primeira diz
respeito ao fundamento da declaração de inconstitucionalidade: o vício formal - o
fato da norma de responsabilidade não ter sido veiculada por Lei Complementar nos
termos do art.146, III da CF/88 - e o vício material - por atribuir hipótese de
responsabilidade tributária objetiva dos sócios ao mesmo tempo e da mesma forma
que implica a desconsideração da personalidade jurídica societária.
A segunda questão é o entrelace entre a hipótese de solidariedade que
previa o art.13 da Lei 8.620/93 e o CTN, pois numa visão estreita, a sua
fundamentação seria exatamente no art.124, II, pela disposição expressa em lei, o
que, no entanto, seria um ledo engano, porque este dispositivo prevê a pluralidade
de pessoas no polo passivo da obrigação tributária expresso em lei, mas requer
obrigatoriamente, que tais regras, estejam afinadas às normas gerais que desenham
a arquitetura da responsabilidade de sócios e administradores, quais sejam, o
dispositivo geral do art.128, os arts.134, VII, 135, III e ainda em conjunto aos casos
de responsabilidade por infrações quando a ilicitude configurar crime ou
contravenção, hipóteses que preveem o elemento subjetivo para a configuração da
responsabilidade dos sócios, no mínimo a culpa, nos dois primeiros, e o dolo
específico ou elementar, na segunda.
187Art.13.
O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada
respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.
Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores
respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento
das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa.
188 Nos autos do RE n.562.276 Rel. Min.Ellen Gracie, julgado em 3.11.2010 sob o rito de
189 Com relação, em específico, ao financiamento da Seguridade Social não exorbita demonstrar que
da interpretação conjunta do art.195, § 4° e do art.154,I, ambos da CF/88, observa-se que a
exigência de lei complementar é expressa, para o exercício da competência residual da União para
criação de novas fontes de custeio, ou seja, para além das previstas nos incisos I a IV do art.195 da
CF, e dentre estas, inclusa está a contribuição previdenciária, tributo objeto da obrigação solidária
prevista na Lei 8.620/93 e retirada do ordenamento jurídico.
Quanto aos efeitos da solidariedade na relação jurídica tributária, o CTN
as prevê expressamente ( art.125), excetuando disposição em contrário, se prevista
em lei.
A primeira consequência é a de que o pagamento integral da obrigação
feito por um obrigado aproveita aos demais, o que consiste numa decorrência
natural da natureza civil solidária, não podendo dessa forma o Fisco demandar
nenhum outro componente do polo passivo da obrigação tributária.
A isenção ou remissão objetiva do tributo aproveita a todos os devedores,
exceto se concedidas em caráter subjetivo, quando não faz parte dos elementos que
envolvem o próprio fato jurídico tributário, e assim terão caráter pessoal, onde o
sujeito é isento ou remido de sua fração, pois para esses a obrigação tributária
inexiste, ao mesmo tempo em que não pode ser cobrado pela fração cabível aos
demais, que por reflexo faz subsistir a coobrigação para e entre os demais sujeitos
passivos na proporção em que a situação material for imputável a essas pessoas. 190.
Importa aqui destacar que este efeito tem aplicação diferente se a
solidariedade é por interesse comum, ou por disposição de lei. Na primeira hipótese,
estamos tratando de solidariedade paritária, onde a comunhão de pessoas, por
interesse jurídico, praticam direta ou indiretamente, o fato gerador do tributo e nesta
trilha a regra de efeito cabe, sem problemas. No entanto, se a hipótese for de
responsabilidade dependente, em que a lei atribui um terceiro responsável como
solidário, se a regra de isenção ou remissão for pessoal do responsável, subsistirá a
obrigação do devedor principal, mas no revés, se for concedida ao devedor principal,
a obrigação dependente do responsável, por reflexo também não mais existirá. 191
192 A empresa por ser um fenômeno amplo e de estrutura complexa, atua como agente de produção e
de circulação de bens e serviços para o mercado, ganhando cada vez mais relevância como
fenômeno jurídico, o que acarretou a inserção no Código Civil de 2002 de regras quanto à estrutura,
funcionamento, natureza, sócios e suas responsabilidades, através do Livro Direito de Empresa. A
concepção de empresa e a sua função ressalta como seus elementos principais, o empresário, o
estabelecimento e a atividade organizada. São precisas as palavras de Waldírio Bulgarelli sobre a
concepção de empresalidade sob a perspectiva jurídica: “ o empresário, como agente responsável e
titular do exercício profissional da atividade econômica organizada; o estabelecimento, como objeto,
para o fim de reconhecer o complexo de bens organizados pelo empresário na sua unidade e ditar
um regime de circulação e de negócios jurídicos; e , a empresa, concebida como atividade econômica
organizada, ou exercício profissional de atividade econômica organizada, e qualificada como fato
jurídico servindo como elemento qualificador do sujeito e do objeto.”(Tratado de Direito Empresarial.
São Paulo: Atlas, 1997.p.108-109)
193 Nos termos do art.966 do CC, “empresário é quem exerce profissionalmente atividade econômica
193
ANTUNES, José Augusto Q.L. Engracía. Os Grupos de Sociedades: Estrutura e Organização
Jurídica da Empresa Plurissocietária. Coimbra: Almedina, 1993, p 25-26.
grupos de coordenação,194 onde as várias sociedades se unem em torno de uma
direção econômica, mas a independência entre as sociedades é mantida, a
autonomia jurídica e econômica, pois cada uma mantém sua personalidade jurídica
e seu patrimônio, individuais.
Enquanto nos grupos em que há subordinação, a direção na mesma
perspectiva, cabe a uma das sociedades que em geral é a controladora e se situa
numa posição hierárquica superior sobre as demais sociedades do grupo195, no
entanto há também a independência e a autonomia jurídica, personalidade e
patrimônio individualizados e inclusive respondendo cada uma por suas obrigações,
sem presunção de solidariedade ( art.278, §1° LSA), exceto se do contrário, houver
disposição em lei.
Cabe um hiato para aclarar um aspecto importante: a competência na
tomada de decisões nos grupos de sociedades é elemento de relevância no intuito
de analisarmos se tal atuação dependo do poder de ingerência dessa tomada de
decisões sobre as demais sociedades, pode ou não ser vinculada à
responsabilidade por obrigações tributárias.
Ainda que estejamos na esfera dos grupos econômicos regularmente
constituídos, em exercício lícitos de atividades econômicas, cabe tecer uma
importante diferença com relação à tomada de decisões estratégicas e a conexão
com a responsabilidade por obrigações tributárias de um órgão diretivo ou sociedade
coligada, no grupo de fato, ou pela controladora, no grupo de direito.
Eis a questão: em alguns grupos de sociedades o órgão diretivo ou
sociedade controladora terá competência para tomar decisões estratégicas fixando
diretrizes empresariais dirigidas a um fim econômico comum ao grupo, cabendo a
cada uma das sociedades o poder de decisão sobre a realização ou não de
operações e negócios jurídicos, ou seja, a vinculação está restrita às estratégias
gerais, ou seja, há o centro de decisões mas não há o controle direto das atividades
exercidas pelas sociedades integrantes do grupo. Nesse caso não há uma
vinculação ou uma comunhão na prática dos fatos jurídicos e nem à obrigação
surgida, e de forma específica com relação à obrigação tributária, não há é possível
a imputação de responsabilidade à todas as empresas envolvidas por faltar
pressuposto exigido expressamente no art.124 e no art.128 do CTN.
produção de provas nos lançamentos fiscais em que há pluralidade de sujeitos passivos, que no
âmbito federal está disciplinado na Portaria n° 2.284, de 29 de novembro de de 2011, expedida pela
Secretaria da Receita Federal do Brasil.” Art.2°”Os Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil, na
formalização da exigência, deverão, sempre que, no procedimento de constituição do crédito
tributário, identificarem hipóteses de pluralidade de sujeitos passivos, reunir as provas necessárias
para a caracterização dos responsáveis pela satisfação do crédito tributário lançado.”
Grupo econômico pressupõe a existência de duas ou mais
pessoas jurídicas de direito privado, pertencentes às mesmas
pessoas, não necessariamente em partes iguais ou coincidindo
os proprietários, compondo um conjunto de interesses
econômicos subordinados ao controle do capital. (…) O
importante, na caracterização da reunião dessas empresas, é o
comando único, a posse de ações ou quotas capazes de
controlar a administração, a convergência de políticas
mercantis, a padronização de procedimentos e, se for o caso,
mas sem ser exigência, o objetivo comum.200
200
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à lei básica da previdência social, tomo I. São
Paulo: LTR, 2010.p. 446.
que constitui o fato imponível. [...] 11. In casu, verifica-se que o
Banco Safra S/A não integra o polo passivo da execução, tão
somente pela presunção de solidariedade decorrente do fato
de pertencer ao mesmo grupo econômico da empresa Safra
Leasing S/A Arrendamento Mercantil. Há que se considerar,
necessariamente, que são pessoas jurídicas distintas e que
referido banco não ostenta a condição de contribuinte, uma vez
que a prestação de serviço decorrente de operações de leasing
deu-se entre o tomador e a empresa arrendadora. 13. Recurso
especial parcialmente provido, para excluir do polo passivo da
execução o Banco Safra S/A. (STJ, Resp 884.885/SC, 1ª
Turma, Rel. Min. Luiz Fux, Data do julgamento 05.02.09)201
201 STJ, Resp 884.885/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, Data do julgamento 05.02.09
4.4 A responsabilidade tributária do sócio ou administrador: interpretação e
alcance do art.135, III – CTN
resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou
estatutos.
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos ou empregados
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
204 A importância que a dogmática jurídica atribui à diferença entre a noção de pessoa física ou
jurídica é no sentido de que a primeira como pessoa natural e a segunda como uma ficção jurídica,
as duas assumem sua personalidade jurídica no sentido pelo qual ao direito importa que cada uma
represente um centro de atribuições, ações ou omissões, direitos e deveres.
capital social, ainda que não integralizado,205 o que se amolda de forma perfeita à
proteção que o ordenamento jurídico dá à livre iniciativa e à atividade econômica,
pois de outra forma, ninguém se submeteria ao risco inerente à atividade
empresarial, em que o empresário costuma ser remunerado em virtude e
linearmente ao retorno do investimento feito.
É de clareza meridiana o caráter sancionatório da norma, demonstrando
a preocupação do legislador em imputar responsabilidade ao sócio ou administrador
( aqui considerados os gerentes, diretores ou representantes) e desconsiderar a
separação patrimonial, apenas quando estiverem presentes atos ilícitos praticados
com no mínimo culpa ou o dolo.
O dispositivo é alvo de divergências doutrinárias e jurisprudenciais,
notadamente quanto a três aspectos essenciais: i. a interpretação literal da norma
que traz a regra de responsabilidade pessoal; ii. o alcance ou não somente do sócio
ou administrador que possua atos de gestão;iii. A possibilidade de extensão em
determinadas situações da responsabilidade para a pessoa jurídica.
Na tentativa de desenvolver cada item supracitado, importa primeiro
deixar claro, que estamos diante de uma fato complexo, em que há a comunhão de
um ato com excesso de poderes ou ato ilícito (norma secundária que imputa a
responsabilidade) com o fato jurídico tributário praticado ( norma básica que institui a
obrigação tributária) em virtude do nexo causal entre a prática do ilícito e o fato
tributado.
Essa é a maneira mais recorrente na doutrina de interpretação do
dispositivo206, ou seja, a prática de atos ilícitos pelo gestor da sociedade e contrário
aos interesses dessa, dando causa à obrigação tributária.
Nesse sentido usual do enunciado da norma e em qualquer outro, na
verdade, torna-se de extrema relevância que sejam identificados os atos de gestão
que foram praticados de forma ilícita e contrária aos interesses da sociedade. Por
205 A diferença entre capital subscrito ou integralizado, é que o primeiro se refere à promessa e o
comprometimento do sócio com relação à sua participação na sociedade conforme contrato social, e
o segundo representa a quantia que efetivamente foi disponibilizada, entregue para a sociedade.
206 Nesta linha de interpretação Mizabel Derzi explica os pressupostos para aplicação do art.135:(i)a
prática dolosa de um ato ilícito; (ii) o ato ilícito violador de normas que regem a relação entre o
contribuinte e o terceiro responsável, praticado contrariamente aos interesses daquele que seja
externo à norma tributária em sentido estrito; e (iii) a atuação conjunta da norma básica, que institui a
obrigação tributária em sentido estrito, e da norma secundária ( constante no dispositivo em questão,
determinadora da responsabilidade tributária.) ( Nota de atualização, in BALEEIRO, Aliomar. Direito
Tributário ...op.cit., p.757)
outro lado, é notável que o destinatário legal do enunciado da norma é aquele que
tem poder de administração, comando e prática de atos negociais da empresa, seja
como sócio, ou como administrador, que pode estar incluído o diretor, o gerente ou a
pessoa que tenha poderes de representação da sociedade, tudo nos contornos de
suas atribuições previstas no contrato social das sociedades de responsabilidade
limitada ou no estatuto social das sociedade anônimas.
Dessa forma, a conduta que desencadeia a responsabilização do sócio ou
administrador com poderes de gestão, não é tão somente uma conduta que externa
às suas atribuições, mas que seja caracterizada como abusiva e contrária à lei ou
aos atos constitutivos da sociedades, como também à própria lei tributária, o fato é
que em qualquer das hipóteses, deve ser praticada com o elemento volitivo, o dolo,
a má-fé, ou a fraude, que vem a dar causa à obrigação tributária ou mesmo de
impedir a positivação da norma de incidência tributária.
Pois é pacifico hoje na jurisprudência que o simples inadimplemento da
obrigação tributária pelo contribuinte, que é a pessoa jurídica, não caracteriza
infração à lei e não acarreta a responsabilidade pessoal do sócio ou administrador,
que por sua vez, não pode ter o redirecionamento da execução fiscal para si, se não
deu causa, nem ter seu nome inserido no polo passivo da Certidão de Dívida
Ativa207 sem o devido processo legal, em que seja garantido o contraditório e a
ampla defesa.
Ainda com referência às decisões dos tribunais, em específico o Superior
Tribunal de Justiça, tem aplicado a hipótese de responsabilização pessoal dos
sócios prevista no art.135 do CTN no caso de dissolução irregular da pessoa
jurídica208, ainda que o feito não guarde conexão com o fatos jurídico tributário,
cabendo o ônus da prova de que não incorreu nas hipóteses legais aos que estão
sendo responsabilizados, configurando mais uma forma o animus puniendi do
legislador e sendo a temática já pacificada pelo enunciado da súmula n°435, do
Tribunal Superior.209
207 Nesse sentido: STJ, Resp 656860/RS, 2ª Turma, j.16.08.2007, Rel. Min. Eliana Calmon
208 Chamada de dissolução de fato, quando não são feitas as formalidades exigidas em lei para
implicar o encerramento das atividades empresariais.
209 STJ, Agravo Regimental no Agravo n° 1.345.913/RJ, 1ª Turma, Rel.Min.Arnaldo Esteves Lima,
irregulares de gestão, combinado ao art.158, que por outro lado, traz a previsão de hipóteses de
exclusão da responsabilidade do administrador quando seus atos de gestão forem regulares,
prevendo, por outro lado situações que possam vir a configurar sua responsabilidade, no caso de
dano, por práticas ilícitas, excesso de poderes com culpa ou dolo, etc. O fato é que longe de esgotar
as possibilidades, mas o que se defende aqui à a casuística a ser verificada uma a uma, mas são
parâmetros a serem observados
213 Na esteira segue o entendimento de Daniel Peixoto ao discorrer sobre a necessidade da dupla
motivação que deve ser formulada pelo aplicador da norma de responsabilidade, como explica: “
Essa conclusão singela já demonstra o traço de nulidade presente em muitos autos de infração, ou
mesmo em atos de redirecionamento da execução fiscal , que se limitam a capitular, para efeitos de
motivação, os dispositivos do Código Tributário, quando há necessidade, também, de capitular os
dispositivos da lei que tipificam a infração.” ( Responsabilidade Tributária....op.cit., p.336)
As atuações empresarias referidas são aquelas em que há a configuração
do abuso da personalidade jurídica, a fraude, o conluio, o desvio da função social da
empresa e da sua finalidade, que estão cada vez mais presentes no universo atual
das organizações empresariais que se unem em grupos econômicos, não
formalizados juridicamente, mas que pela atuação dos seus gestores ou do órgão ou
da sociedade que controla, praticam atos ilícitos, infrações às leis, crimes tributários
e enriquecem ilicitamente, em detrimento da ordem social, econômica e tributária.
TERCEIRA PARTE
215 Na tentativa de demonstrar uma das possibilidades desta situação, façamos uma simulação:A
grande empresa multinacional “VIP” instalada no estado RS, tributada com base no lucro real, é
produtora em larga escala de um determinado bem e o comercializa para vendas em lojas próprias
como franquias no mercado interno, e para o mercado externo, de onde provem sua maior fonte de
receita. Situa-se no perfil de grandes contribuintes, utiliza pela matriz e filiais, de forma direta em sua
produção fabril em torno de 8.000 pessoas, e mantem relações negociais diversas, dentro e fora do
pais. É constituída sob a forma de sociedade anônima, possui um quadro societário enxuto, com
participação de pessoas jurídicas inclusive estrangeiras, tem como representante legal um de seu
sócios acionistas majoritário, que além dessa, é responsável, em conjunto ou não com os demais
sócios, por mais cerca de 20 empresas espalhadas pelo país. Sem dúvida, a atividade empresarial
até aqui é exercida na moldura do ordenamento jurídico, dentro dos limites legais, exercendo a
grande função social e econômica da empresa, de circular bens e riquezas, gerar empregos e
contribuir com a distribuição de rendas pelos tributos pagos. No entanto, a grande empresa muda de
estratégia e resolve abrir uma grande filial em outro estado, ainda sob o mesmo regime jurídico, e
com base no seu perfil propulsor econômico, consegue junto ao governo benefícios fiscais,
concessões de uso de bens públicos para a instalação do parque fabril e de todos os outros setores
que compõe a estrutura da empresa. Num pequeno lapso temporal, a grande filial instalada na nova
cidade, transforma-se em múltiplas pequenas empresas, agora sob a tutela do regime diferenciado de
pagamento de tributos, como por exemplo o Simples Nacional, e constituídas por outras pessoas
instaladas em várias cidades pequenas, exercendo a atividade de produção de bens, agrupadas em
cada local em um mesmo estabelecimento, com quadros societários variados e com grande alteração
e alternatividade dos sócios entre as pequenas empresas, ou seja, foram criadas no sentido de
reduzir riscos, pulverizar receitas, obter o benefício tributário, descentralizar em pessoas jurídicas o
processo de industrialização, distribuir despesas entre as mesmas, e viabilizar o processo cíclico de
obtenção de lucros e distribuições constantes, havendo de fato a subordinação patrimonial,
econômico e financeira, além da coordenação da empresa “VIP”. Observa-se ainda, só para aclarar
que as pequenas empresas foram criadas por ex-empregados da grande empresa “VIP”, que antes
uma potencial contribuinte, transformou-se numa empresa com cerca de menos de 500 empregados,
um faturamento ínfimo, e no entanto, continua realizando grandes negócios, agora através das
múltiplas sociedades pequenas. Essas, por sua vez, ( as empresas, A,B,C,D,E,F, G, H,I ) realizam
toda a fabricação para um único cliente, a empresa “VIP”, que com aquelas celebrou contratos iguais
de compra e venda, com reserva de domínio e de bens industriais, inclusive coma transferência de
todo o quadro de empregados mediante uma falsa rescisão de contrato. Configura-se inclusive, a
nosso ver nessa situação, a confusão patrimonial, gerencial e financeira entre as empresas
integrantes do grupo econômico, caracterizada por transferências financeiras para cobertura de
despesas, concessão de empréstimos, inclusive pagamentos desses, despesas básicas com o
processo de fabricação ora rateadas, ora assumidas quase na sua totalidade por uma única das
empresas, adiantamento de valores constantes pelo processo de industrialização com serviço
exclusivo para um só cliente. Importante também é o trânsito do lucro auferido agora pelas empresas
, que pagando valores irrisórios de tributos, ou os não pagando, o resultado econômico é distribuído
mensalmente entre os sócios das empresas, sem declarações no imposto de renda, claro. O fato é
que diante de tal situação fática, ainda que por exemplo, o que para nós, o que mais interessa é a
medida do interesse comum a tais sociedades, qualificado pela lei, que não está somente na esfera
econômica do resultado ou proveito obtida por uma ou mais de uma das empresas que pertencem ao
grupo econômico, mas da situação que constitui o fato gerador da obrigação principal, o interesse
jurídico, vinculado à atuação comum ou conjunta da situação que constitui o fato imponível , ou seja,
atuar na órbita da ilicitude tem o efeito reflexo da não proteção do ordenamento
jurídico, em especial, no que diz respeito aos limites constitucionais e legais para
imputação de responsabilidade de adimplir a obrigação tributária nascida de tais
atos, e assim escapam, dentre outros, os princípios da capacidade contributiva, da
vedação do tributo com efeito de confisco, da proteção patrimonial e da propriedade,
pois, como bem aclarado, o bem tutelado pela tributação é de ordem pública.
O fato é que nas trilhas da situação fática, em que presentes estão as
figuras do abuso da personalidade jurídica, a simulação, o abuso do direito, a
confusão patrimonial, há a permissão para que a autoridade fiscal desconsidere os
atos dissimulados praticados, nos termos da lei216 e colher como responsáveis pelos
tributos devidos em decorrência da realização em conjunto do fato jurídico tributário,
sem prejuízos das demais penalidade cabíveis, sancionadoras administrativas e
penais, se for o caso.
Há assim a extensão em caráter excepcional da responsabilidade para
alcançar o patrimônio de todas as pessoas atadas juridicamente pelo interesse na
realização do pressuposto do fato da tributação, destacando a individualização das
sociedades participantes do grupo econômico, apenas aparente, e para além disso,
alcançar também o patrimônio daqueles que tem poderes de gestão, de decisão dos
atos negociais das empresas, em especifico, daqueles irradiadores de efeitos
tributários.
Em suma, de todas as linhas traçadas até aqui, o nosso intuito foi a
demonstração de que a aplicação dos enunciados prescritivos da responsabilidade
tem que ser feita através da comunhão com outros enunciados prescritivos no direito
positivo, pela referência sistêmica para a capitulação legal certa diante dos fatos e
na ideia de que juntas realizam a situação configuradora do fato gerador da exação tributária, que por
outro lado decorre da necessidade em conjunto da prática dos atos jurídicos, para viabilizar o
resultado pretendido. Nesta linha, foi que nas notas acima defendemos que o interesse jurídico que
dá a nuance em certos atos negociais em conjunto, tem que ser visto sob uma perspectiva ampla,
diante da situação fática. Nesta por exemplo, clara está o abuso da personalidade jurídica, com a
constituição de empresas para fins, que não os previstos exatamente nos atos constitutivos, por
pessoas que não são os seus verdadeiros sócios, configurando a fraude a lei, a simulação e o abuso
do direito. E assim, tal situação, representa uma atual forma de organização empresarial matizada
com a patologia fiscal de não arrecadar tributos no viés do enriquecimento ilícito.
216 Art.116 do CTN. (…) Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou
negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou
a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem
estabelecidos em lei ordinária.
pela comunhão de vários, para além dos acima citados, com os arts. 121, 128,
art.124, I e II, e ainda dos 135, III e 137, I e III.
Diante desses casos é que propomos nas notas introdutórias desse
trabalho, o uso da metáfora bíblica do “ joio e do trigo”, pois somente diante do fato
é que é possível ao interprete moldá-las à norma que melhor atenda aos valores
consagrados pelo direito.
Diante dessa sorte de considerações, há fundamentação bastante para
que na hipótese de grupos econômicos irregulares, cujas pessoas jurídicas foram
constituídas por interpostas pessoas, identificados e formalizados pela autoridade
administrativa, para a aplicação da responsabilidade entre as pessoas jurídicas
envolvidas atados pelo interesse comum no fato jurídico(art.121, I e II, art.128 e
art.124,I do CTN) e se existir para corroborar a disposição em lei (art.124,II), junto
com a responsabilidade dos sócios, por infração à lei ( art.135, III), e se cabível
ainda a aplicação do art.137, I e III, quando configurado crime ou contravenção
penal, aliado aos dispositivos de referência nas lei civil e societária. A
responsabilidade a que nos referimos, é a solidária e sem benefício de ordem, entre
as pessoas jurídicas e os sócios, administradores, acionistas com poderes de
gestão, em virtude de que pela prática do ilícito e do fato jurídico tributário, o
benefício também foi comum a todos, com base em provas fundamentadas.
Por fim, damos ênfase de que a interpretação feita do relicário da
solidariedade passiva na seara tributária açula como resultado da sistematização
das normas para que seja alcançado a ratio essendi dos dispositivos legais de modo
que tal exegese descanse na acústica dos princípios constitucionais da legalidade,
isonomia tributária, capacidade contributiva e ainda da segurança jurídica –
norteadores da relação jurídico tributária.
217CC - Art.50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade,
ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério público
alcançar o patrimônio do sócio ou administrador, com intuito de garantir o
pagamento do crédito tributário.
No entanto, nem todos os casos de responsabilização se enquadram em
hipótese de desconsideração, assim como há o inverso, a aplicação da teoria em
que o efeito não é a responsabilização.
O fato é que a teoria só pode ser aplicada nas situações em que haja
fundamentos, como no caso de abuso de direito, fraude à lei, simulação, ou seja,
fatos jurídicos que fundamentem de forma suficiente à sua aplicação, o que no
revés, impede que seja baseada em arbitrariedades pela autoridade aplicadora, pois
o seu caráter é excepcional .
O que se pretende esclarecer é que há uma exigência jurídico positiva
para a sua aplicação e que diante disso, as hipóteses previstas de responsabilidade
tributária solidária, ou subsidiária, ou pessoal dos sócios ou administradores pela
obrigação da pessoa jurídica, não requer por uma interpretação axiológica, de
desconsiderar a personalidade da empresa para atribuir a responsabilidade, posto
que estão seus pressupostos devidamente desenhados pelo legislador
complementar nas hipóteses de incidência da norma, se por motivos de praticidade
e eficácia da fiscalização e arrecadação ou de caráter sancionador.
No que toca ao ônus da prova em matéria de responsabilidade tributária,
cabe ressaltar que o art.9° do Decreto 70.235,218 que disciplina o processo
administrativo fiscal dispõe sobre a necessidade de instrução por meio da linguagem
de provas de toda a situação fática e as circunstâncias pormenorizadas que deu
origem ao crédito tributário lançado e ao fato da imputação da responsabilidade, em
sua total extensão, revertendo o ônus da prova para a Fazenda Pública, caso o
sujeito passivo apresente impugnação ao lançamento fiscal.
Por outro lado, quando se trata de execução fiscal há entendimento
jurisprudencial, no sentido de que se há a mera indicação do nome do responsável
no título da CDA, há a inversão do ônus da prova, dentre outros motivos, com base
na justificativa de que a Certidão de Dívida Ativa, goza de presunção de liquidez e
quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de
obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
218 Art. 9o A exigência do crédito tributário e a aplicação de penalidade isolada serão formalizados
o substituto tributário, na verdade, atua como se duas figuras fosse, a que tem a obrigação de efetuar o pagamento do tributo
devido pelo contribuinte e para além disso, a que vai arcar no caso de inadimplemento daquele.
36. O
regime jurídico aplicado ao substituto é o do substituído, onde ele assume não só a obrigação de caráter patrimonial como as
de caráter instrumental, as acessórias, assim como se reveste de direitos, administrativos e judiciais perante à Fazenda Pública
e sob este prisma é que não damos a ele uma conotação pré-jurídica, mas sim como o resultado da implicação da norma
substitutiva que macula o consequente da norma matriz de incidência tributária por retirar aquele que realizou o fato tributado,
ao mesmo tempo em que traz no seu enunciado um novo sujeito para arcar com obrigação de quem foi substituído.
37. Os preceitos que versam sobre a responsabilidade por transferência de forma mais específica sobre a
“responsabilidade dos sucessores”, para utilizar a terminologia do legislador, estão dispostos nos arts. 129 a 133 do CTN, que
dispõem, de forma sucinta, sobre a atribuição da responsabilidade tributária àquele que adquire a titularidade de bens, pelos
tributos relativos a esses até a data do ato da transmissão, nas seguintes situações, dentre outras: i. por aquisição tradicional
de bens imóveis (art.130) ; ii. por aquisição de herança em virtude de morte de morte (art.131)iii. pela incorporação ou fusão da
pessoa jurídica ( art.132) ou ainda pela aquisição por pessoa física ou jurídica de estabelecimento empresarial sem a
38. O vínculo que existe nas hipóteses de sucessão, na verdade, é entre o contribuinte sucedido e o responsável
sucessor de forma subsidiária ou integral, em razão de fatos negociais ou não, o que não desnatura a figura do responsável
tributário desenhada no art.128 do CTN, pois deixamos claro quando das anotações iniciais sobre o tema, que diante da
interpretação sistêmica do contexto das normas que versam sobre a responsabilidade tributária, tal vínculo não ocorre somente
ao pressuposto de fato da norma matriz tributária, assim como, ambientados que estamos numa visão não radical e ortodoxa
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