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Penas e Medidas de Segurança no Direito Penal Brasileiro (fundamentos e


aplicação judicial)

Book · August 2015

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1 author:

Salo Carvalho
Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ); Unilasalle (RS)
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PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA
NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
(FUNDAMENTOS E APLICAÇÃO JUDICIAL)

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Professor Colaborador da Faculdade de Direito da UFSM.
Professor Adjunto do Departamento de Ciências Penais da UFRGS (2010-2011).
Professor Titular do Departamento de Ciências Criminais da PUCRS (1996-2009).
Pós-Doutor em Criminologia pela Universidade Pompeu Fabra (Barcelona, ES).
Doutor (UFPR) e Mestre (UFSC) em Direito.

PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA


NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
(FUNDAMENTOS E APLICAÇÃO JUDICIAL)

2013

00_penas_e_medidas_01_04.indd 3 27/05/2013 08:16:57


ISBN 978-85-02-20349
Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira César — São Paulo — SP
CEP 05413-909 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
PABX: (11) 3613 3000
SACJUR: 0800 055 7688 Carvalho, Salo de
De 2ª a 6ª, das 8:30 às 19:30
Penas e medidas de segurança no direito penal :
saraivajur@editorasaraiva.com.br fundamentos e aplicação judicial / Salo de Carvalho.
Acesse: www.saraivajur.com.br – São Paulo : Saraiva, 2013.

1. Direito penal 2. Direito penal - Brasil


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“O homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem – uma corda
sobre o abismo. Perigosa a travessia, perigoso o percurso, perigoso olhar para trás,
perigoso o tremor e a paralisação.
A grandeza do homem está em ser ponte e não meta: o que nele se pode amar é o
fato de ser ao mesmo tempo transição e declínio.
Amo os que só sabem viver em declínio, pois são os que transpõem.
Amo os que desprezam com intensidade, pois sabem venerar intensamente, e são
flechas lançadas pelo anseio-da-outra-margem. (...)
Amo o que não quer virtudes em demasia. Uma única virtude é mais virtude do
que duas, pois ela é o nó mais forte onde se ata o destino.
Amo o que prodigaliza sua alma, e que, ao fazer isto, não visa à gratidão nem ao
pagamento; pois sempre dá e nada quer em troca.
Amo o que se envergonha quando o dado cai a seu favor, e então pergunta: serei um
trapaceiro? – pois é para sua ruína que ele quer se encaminhar.
Amo o que antecede com palavras de ouro os seus atos e sempre cumpre mais do que
promete; pois ele quer o seu declínio.
Amo o que justifica os que serão e resgata os que foram; pois quer perecer por aque-
les que são.
Amo aquele que pune seu Deus porque o ama; porquanto só poderá perecer pela
cólera de seu Deus.
Amo o que, mesmo ferido, tem a alma profunda, e que um simples acaso pode fazer
perecer. Assim, ele atravessa de bom grado a ponte.
Amo aquele cuja alma transborda e a tal ponto se esquece de si que todas as coisas
nele encontram lugar. Assim, todas as coisas se tornam seu declínio.
Amo todos aqueles que são como pesadas gotas caindo uma a uma da negra nuvem
que paira sobre os homens; anunciam a chegada do raio e perecem como anunciado-
res (...).” (Zaratustra)

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Para Mari e Inês, que mudaram a minha percepção de mundo, “com todo
o amor que houver nesta vida”.

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Para Nilo Batista, que, em seu combate cotidiano contra a violência
genocida do sistema penal, demonstra ser possível conciliar ética de res-
ponsabilidade e ética de convicção.

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SUMÁRIO

Prefácio ............................................. 17
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Nota Teórico-Afetiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

PARTE I
TEORIAS DA PENA: FUNDAMENTOS TEÓRICOS DO PODER DE PUNIR . . . . . . . . 37

1. INTRODUÇÃO À PENOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
1.1. Teorias da Pena, Penologia e Poder Punitivo . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
1.2. Localização da Penologia na Estrutura do Direito Penal e os Modelos
de Justificação (Teorias da Pena) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
1.3. Crítica Criminológica às Teorias da Pena: Intencional Violação à
Lei de Hume . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

2. TEORIAS ABSOLUTAS DA PENA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53


2.1. Modelos de Retribuição: Fundamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
2.2. Modelos de Retribuição: Crítica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

3. TEORIAS RELATIVAS DA PENA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61


3.1. Modelos de Prevenção Geral Negativa: Fundamentos. . . . . . . . . . . 61
3.2. Modelos de Prevenção Geral Negativa: Crítica. . . . . . . . . . . . . . . . 65
3.3. Apêndice: Modelo de Prevenção Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
3.4. Modelos de Prevenção Especial Positiva: Fundamentos. . . . . . . . . . 75
3.5. Modelos de Prevenção Especial Positiva: Crítica . . . . . . . . . . . . . . . 80

4. MODELOS CONTEMPORÂNEOS DE JUSTIFICAÇÃO . . . . . . . . . . 91

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4.1. Revitalização das Grandes Narrativas nos Discursos
Contemporâneos de Justificação da Pena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
4.2. Teoria da Pena Merecida: Fundamentos e Crítica do
Neorretributivismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
4.3. Teorias Penológicas Neoconservadoras: Discursos Atuarial e
Funcionalista-Sistêmico: Fundamentos e Crítica . . . . . . . . . . . . . . 102
4.4. Teoria Garantista da Pena: Fundamentos e Crítica . . . . . . . . . . . . . 113

5. TEORIAS DE JUSTIFICAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE:


CRISE, FRAGMENTAÇÃO E SIGNIFICADOS DA PENA E DA
PUNIÇÃO NO GRANDE ENCARCERAMENTO . . . . . . . . . . . . . . . 119
5.1. Teorias Ecléticas e Revitalização das Teorias de Justificação:
Sintomas da Fragmentação das Narrativas Penológicas . . . . . . . . . . 119
5.2. Alternativa Inviável: Reconfiguração da Gramática Correcionalista . . 126
5.3. Hipótese sobre os Significados da Pena e a Experiência da Punição
na Era do Grande Encarceramento: o Caso Brasileiro . . . . . . . . . . . 134
PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

PARTE II
FUNDAMENTOS DA TEORIA AGNÓSTICA DA PENA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141

6. TEORIA AGNÓSTICA (OU NEGATIVA) DA PENA: PRESSUPOSTOS,


PRINCÍPIOS E TELEOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
6.1. Fins no Direito Penal e Pressupostos da Teoria Agnóstica . . . . . . . 143
6.2. Teoria Agnóstica da Pena: Dogmática Consequente . . . . . . . . . . . . 149
6.3. Teoria Agnóstica da Pena: Teleologia Redutora . . . . . . . . . . . . . . . 155

7. PROJEÇÕES DA CONCEPÇÃO AGNÓSTICA (OU NEGATIVA)


DA PENA NA CULPABILIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
7.1. Vínculos entre Pena e Culpabilidade na Dogmática Penal: Formação
do Juízo de Reprovabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
7.2. Vínculos entre Pena e Culpabilidade na Dogmática Penal:
12 Culpabilidade como Limite e Medida da Pena . . . . . . . . . . . . . . . . 168
7.3. Vínculos entre Pena e Culpabilidade no Direito Penal Brasileiro . . 177
7.4. Problemas Derivados da Finalidade Polifuncional da Pena e
Ref lexos na Culpabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185
7.5. Construção do Modelo Agnóstico a partir das Crises da
Culpabilidade: Constitucionalização do Princípio, Funções
e Conceito de Referência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190
7.6. Conteúdo Metafísico da Culpabilidade: Questão do Livre-Arbítrio . . 196

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7.7. Juízo de Reprovabilidade em Tensão: Pluralismo Jurídico e
Subculturas Criminais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206
7.8. Juízo de Reprovabilidade em Tensão: Secularização do Direito . . . 221
7.9. Bases para Delineamento da Concepção Agnóstica
(ou Negativa) da Culpabilidade: da Coculpabilidade
à Culpabilidade pela Vulnerabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 224

PARTE III
PENA E CONSTITUIÇÃO: FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DE LIMITAÇÃO DO
PODER DE PUNIR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 239

8. PRINCÍPIO DA SECULARIZAÇÃO: CONFIGURAÇÃO DO


SISTEMA DE PENAS E DE MEDIDAS DE SEGURANÇA NO
DIREITO PENAL BRASILEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241
8.1. Princípio da Secularização e o Direito Penal na Modernidade . . . . 241
8.2. Inserção Constitucional do Princípio da Secularização . . . . . . . . . . 245
8.3. Princípio da Secularização, Culpabilidade de Ato e Culpabilidade
de Autor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 247

9. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE LIMITAÇÃO DAS PENAS


E DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA NO DIREITO BRASILEIRO . . 251
9.1. Princípios Configuradores do Sistema de Garantias . . . . . . . . . . . . 251
9.2. Princípio da Legalidade dos Delitos e das Penas . . . . . . . . . . . . . . . 253
9.3. Princípio da Responsabilidade Penal Pessoal . . . . . . . . . . . . . . . . . 256
9.4. Princípio da Individualização da Pena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259
9.5. Princípio da Humanidade das Penas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264
9.6. Espécies de Penas Adotadas pela Constituição . . . . . . . . . . . . . . . . 270
9.7. Responsabilidade Penal e Penas Aplicáveis às Pessoas Jurídicas . . . . 272
SUMÁRIO

10. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INSTRUMENTAIS DA


DOGMÁTICA DA DETERMINAÇÃO DAS PENAS E DAS MEDIDAS
DE SEGURANÇA NO DIREITO BRASILEIRO: MOTIVAÇÃO E
NE BIS IN IDEM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 277
13
10.1. Fundamentação como Mecanismo de Controle da Aplicação da Pena 277
10.2. Ne Bis in Idem como Mecanismo de Controle dos Excessos na
Aplicação da Pena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 287

PARTE IV
DOGMÁTICA DA APLICAÇÃO DAS PENAS E DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA . . . . 295

11. DOGMÁTICA DA SANÇÃO PENAL E ESTRUTURA NORMATIVA


DO SISTEMA PUNITIVO BRASILEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 297

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11.1. Crise da Dogmática e Dogmática das Penas e das Medidas de
Segurança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 297
11.2. Estrutura Normativa do Sistema Punitivo Brasileiro . . . . . . . . . . . . 300

12. SISTEMA DE DETERMINAÇÃO DA PENA NO DIREITO PENAL


BRASILEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 309
12.1. Espécies de Pena e Centralidade da Prisão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 309
12.2. Etapas de Aplicação da Pena. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 311
12.3. Pena-Base: Conceito e Caracterização das Circunstâncias Judiciais . . 325
12.4. Pena-Base: Circunstâncias Gerais e Específicas, Elementares do
Tipo e Conf lito Aparente de Normas (Bis in Idem) . . . . . . . . . . . . . 335
12.5. Pena-Base: Circunstâncias Judiciais em Espécie . . . . . . . . . . . . . . . 346
12.6. Cálculo da Pena-Base . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 381
12.7. Pena Provisória: Agravantes e Atenuantes: Características Gerais . . 385
12.8. Pena Provisória: Agravantes em Espécie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 387
PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

12.9. Pena Provisória: Atenuantes em Espécie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 414


12.10. Pena Provisória: Cálculo e Circunstâncias Preponderantes . . . . . . . 435
12.11. Pena Definitiva: Causas Especiais de Aumento e de Diminuição
(Majorantes e Minorantes) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 441
12.12. Pena Definitiva: Cálculo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 445
12.13. Determinação da Pena no Concurso de Crimes e Limites de
Cumprimento das Sanções Penais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 451
12.14. Definição do Regime Inicial de Cumprimento (Regimes Aberto,
Semiaberto e Fechado) e Espécies de Penas Privativas de Liberdade
(Detenção e Reclusão) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 464
12.15. Substituição da Pena Privativa de Liberdade por Pena Restritiva de
Direitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 471
12.16. Pena de Multa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 481
14 12.17. Suspensão Condicional da Execução da Pena (Sursis) . . . . . . . . . . . 484
12.18. Efeitos da Condenação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 488

13. SISTEMA DE DETERMINAÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA


NO DIREITO PENAL BRASILEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 499
13.1. Fundamento (Periculosidade), Pressuposto (Inimputabilidade)
e Efeitos Jurídicos da Imposição da Medida de Segurança . . . . . . . . 499
13.2. Medidas de Segurança: Sistemas (Duplo Binário e Vicariante) e
Espécies (Internação e Tratamento Ambulatorial). . . . . . . . . . . . . . 504

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13.3. Medidas de Segurança: Caráter Punitivo e Critérios de Aplicação
Judicial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 508
13.4. Lógica Manicomial e Obstaculização dos Direitos dos Portadores
de Sofrimento Psíquico em Conf lito com a Lei . . . . . . . . . . . . . . . 517
13.5. Reforma Psiquiátrica como Mudança Paradigmática no Tratamento
Jurídico do Portador de Sofrimento Psíquico: Crítica aos Conceitos
de Periculosidade e de Inimputabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 523
13.6. Sanções Alternativas Aplicáveis ao Portador de Sofrimento Psíquico:
Lições da Reforma Psiquiátrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 526

Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 533

SUMÁRIO

15

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PREFÁCIO

Este trabalho expõe o estágio atual de duas décadas de investigações


acadêmicas de Salo de Carvalho, documentadas num conjunto de artigos
e livros1 que constituem referência obrigatória no debate brasileiro sobre
a questão da pena. Como sempre, Salo surpreende, e não apenas pela qua-
lidade da exposição, nem pela metodologia guerrilheira que opera “nas
lacunas e nas contradições dos discursos legitimantes”, e tampouco pela
transdisciplinaridade que rasga na dogmática janelas imprevisíveis. Salo
surpreende porque sua inquietação intelectual não lhe permite comprazer-se
no jardim concluído: seu pensamento, em permanente ebulição, desconfia
das próprias conclusões poucos minutos após alcançá-las. Por isso mesmo,
na primeira destas linhas substituí a palavra “resultado” pela locução “es-
tágio atual”, porque felizmente a ref lexão penalística de Salo não sossega
e gosta de reinventar-se todo dia.
Este livro contém a chamada teoria da pena (na qual se inscrevem
as estratégicas perguntas sobre fundamentos, funções e legitimidade da
punição) e a dogmática da aplicação da pena. Na literatura penalística
brasileira observou-se, nos últimos anos, um renovado interesse pela teoria
da pena2, pela aplicação da pena 3 e pela execução penal4, em contraste com

1
Crítica à Execução Penal, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2002; Pena e Garantias, Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2003; Aplicação da Pena e Garantismo, em coautoria com o duplamente
imprescindível Amilton Bueno de Carvalho, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2002; O Papel
dos Atores do Sistema Penal na Era do Punitivismo, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2010.
2
Por exemplo, CHAVES CAMARGO, Antonio Luís, Sistema de Penas, São Paulo, Cul-
tura Paulista, 2002; SHECAIRA, Sérgio Salomão e CORRÊA JUNIOR, Alceu, Teoria

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a obsessiva fixação em estudos3sobre4teoria do delito que a marcara, salvo
honrosas exceções5, desde a segunda década do século XX. Os penalistas,
de modo geral, restringiam seu interesse à aplicação da pena, matéria que
pode ser juridicamente reconstruída e sistematizada a partir de extensa base
normativa que ocupa o maior setor da parte geral do Código Penal (arts.
32 a 120), e também, à guisa de teoria geral da pena, às surradas concepções
legitimantes (retribucionismo versus prevencionismos). Quanto à execução

da Pena, São Paulo, RT, 2002; EL TASSE, Adel, Teoria da Pena, Curitiba, Juruá, 2003;
CIRINO DOS SANTOS, Juarez, Teoria da Pena, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005;
GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel, Funções da Pena Privativa de Liberdade no Sistema
Penal Capitalista, Rio de Janeiro, Revan, 2007; GIAMBERARDINO, André e (que luxo!)
PAVARINI, Massimo, Teoria da Pena e Execução Penal, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2011.
3
Além dos trabalhos arrolados na nota 1, e também por exemplo, FERREIRA, Gilberto,
Aplicação da Pena, Rio de Janeiro, Forense, 2000; MORAES BARROS, Carmen Silvia
PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

de, A Individualização da Pena na Execução Penal, São Paulo, RT, 2001; XAVIER DE
SOUZA, Paulo, Individualização da Pena no Estado Democrático de Direito, Porto Alegre,
Fabris, 2006; SOUZA NUCCI, Guilherme, Individualização da Pena, São Paulo, RT, 2007.
Acrescentem-se todos os manuais de direito penal vindos a lume no período, já que aplica-
ção da pena é capítulo obrigatório da parte geral. Muitos artigos sobre questões pontuais
foram também publicados; destaquemos, sempre por exemplo, VIANA, Túlio e MATTOS,
Geovana, A Inconstitucionalidade da Conduta Social e da Personalidade do Agente como Critérios de
Fixação da Pena, em Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano 2008, pp. 305 ss.
4
Recordando os clássicos FRAGOSO, Heleno – CATÃO, Yolanda – SUSSEKIND,
Elizabeth, Direitos do Preso, Rio de Janeiro, Forense, 1980 e CASTILHO, Ela Wiecko V.
de, Controle da Legalidade na Execução Penal, Porto Alegre, Fabris, 1988, mencione-se ad
exemplum FABBRINI MIRABETE, Julio, Execução Penal, São Paulo, Atlas, 1987; RAU-
TER, Cristina et al. (Org.), Execução Penal, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1995; KUEH-
NE, Maurício, Lei de Execução Penal Anotada, Curitiba, Juruá, 1999; MARCÃO, Renato,
Curso de Execução Penal, São Paulo, Saraiva, 2004; RUSSOMANO FREIRE, Christiane,
A Violência do Sistema Penitenciário Brasileiro, São Paulo, IBCCrim, 2005; DUQUE ES-
TRADA ROIG, Rodrigo, Direito e Prática Histórica da Execução Penal no Brasil, Rio de
18
Janeiro, Revan, 2005; COUTO DE BRITO, Alexis Augusto, Execução Penal, São Paulo,
Quartier Latin do Brasil, 2006; SILVA, Antônio Julião da, Lei de Execução Penal, Curitiba,
Juruá, 2007; BARROSO, Daniel Viegas S., Criminologia – do Estado de Polícia ao Estado de
Direito, Florianópolis, Conceito, 2009; MARCHI JÚNIOR, Antonio de Padova e MAR-
TINS PINTO, Felipe (Org.), Execução Penal, Curitiba, Juruá, 2008.
5
Entre as quais cabe destacar René Ariel Dotti, no tema desde a década de 1970: Pena
Privativa de Liberdade, Curitiba, 1970; Pesquisas sobre a Reforma Penal, Curitiba, 1973; Re-
forma Penal Brasileira, Rio de Janeiro, Forense, 1988; Bases e Alternativas para o Sistema de
Penas, São Paulo, RT, 1998.

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penal, isto é, quanto ao centro empírico da pena, quanto à fornalha do
engenho punitivo, muito pouco ou nada. É como se houvéssemos delega-
do o exame do produto final dos sistemas penais a outra disciplina, fosse
ela um “direito penitenciário” autônomo do penal6 ou fosse uma “peno-
logia” que estaria para este direito penitenciário mais ou menos como a
criminologia positivista estava para o direito penal7. Direito penitenciário
e penologia, respectivamente as regras e a ciência da governança peniten-
ciária, do aparelho repressivo que cuida da retífica das almas.
A reincorporação da execução penal ao vasto objeto do direito penal
pode ser atribuída, antes de mais nada, ao advento de sua regulação, em
1984. Sim, até 1984 só dispúnhamos de escassos princípios gerais8, que
permitiam aos Estados da Federação toda a arbitrariedade na previsão de
sanções disciplinares e na restrição a direitos subsistentes dos condenados.
Mas com a Lei de Execução Penal passamos a dispor de uma miríade de
artigos, parágrafos, incisos e alíneas, o que costuma ser condição episte-
mológica para o jurista enxergar a realidade. A este fator, ao advento da
regulação que finalmente judicializou a execução penal, cabe acrescerem-
-se os efeitos dogmáticos da derrocada das interdições metodológicas
neokantianas e da crise sem saída do positivismo, em paralelo à chegada
irreverente da criminologia crítica. O fato é que uma profunda renovação
no diálogo entre os saberes penais está em curso. Certa ocasião, observei
que na casa do direito penal a teoria do delito recebia as visitas na sala,
enquanto a teoria da pena ficava na cozinha e vez por outra servia um
cafezinho: já não poderia repetir hoje essa observação, sem estar ignoran-
do empreendimentos teóricos muito atraentes, ainda que díspares, na
América Latina e também na Europa.
PREFÁCIO

A primeira virtude do presente trabalho é abandonar nas coxias o


conceito de ius puniendi e levar ao proscênio, na plenitude de sua violenta
nudez, o conceito de potentia puniendi. Não existe direito penal subjetivo
do Estado. Não repetirei aqui os argumentos, hauridos em tantos autores, 19
sobre o absurdo teórico de considerar a pena uma faculdade do Estado-
-administração correlacionada à obrigação do condenado de submeter-se

6
Como proposto por MIOTTO, Armida Bergamini. Curso de Direito Penitenciário. São
Paulo: Saraiva, 1975, v. 1º, pp. 38 ss.
7
Cf. GOULART, Henny. Penologia. São Paulo: Bras. Direito, 1975, v. I, pp. 18 ss.
8
Cf. Lei n. 3.274, de 2 out. 1957.

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ao sofrimento punitivo9. O poder de punir, aquele que Hobbes chamava
de “poder do gládio”, afirmando tratar-se do maior entre todos os poderes
pensáveis10, certamente foi teorizado pelos juristas do absolutismo como
um direito do soberano. No final do século XVIII, Souza e Sampaio ain-
da podia dizer – estávamos em Portugal – que a imposição de penas, in-
clusive a capital, integrava um “direito executivo” privativo, embora de-
legável (como o “direito judiciário”), do “Summo Imperante”11. Trasladar
contudo esta concepção absolutista para o Estado democrático de direito
é risível. No campo fiscal, fala-se abertamente num “poder de tributar”
fundamentado na soberania12 ; mas o poder punitivo é ciosamente oculta-
do atrás da falsa máscara de um direito...
Agrada-me especialmente a prudente distância que o Autor guarda
das tentações moralistas. A atribuição à pena, pelas teorias legitimantes, de
sentidos morais, que se realizariam no próprio ato da execução (retribu-
cionismo) ou a prazo na alma do condenado (correcionalismo), bem como
PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

a concepção da culpabilidade como reprovabilidade, favoreceram a infil-


tração – muito visível quando um julgamento é televisionado, porque se
inf la na pena também sua velha função comunicativa – de juízos e pre-
conceitos morais. Como em seus trabalhos anteriores, Salo é de um rigor
fichteano em manter a moral bem longe do debate penalístico.
Não escapa ao olhar do Autor o desconforto entre as leis penais po-
pulistas (como a dos crimes hediondos, de 1990, e a do RDD, de 2003),
que incorporam a visão pós-industrial da prisão neutralizante, e a Lei de
Execução Penal (de 1984), com seu ingênuo compromisso correcionalista
(alguém pode ainda ser ingênuo quanto a isto?), mas também com sua
carta de direitos do condenado. A crítica às teorias legitimantes é outro
momento alto do trabalho. Quem ainda tiver sede de saber se as (mal) cha-
madas “alternativas à prisão” reduziram o emprego da privação da liberdade
ou aumentaram enormemente a criminalização e a vigilância será saciado.
20
9
Há um quarto de século lancei-os em Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de
Janeiro: Revan, 1990, pp. 106 ss.
10
Do Cidadão. Tradução de R. J. Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 118 (De
Cive, cap. VI, 6): “não se pode imaginar poder maior que este”.
11
SOUSA E SAMPAIO, Francisco Coelho de. Preleções de Direito Pátrio, Público e Particu-
lar. Coimbra, 1793, passim (esp. Parte Segunda, tít. VII, caps. I, II e III).
12
BRITO MACHADO, Hugo de. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo:
Atlas, 2003, v. I, pp. 143 ss.

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Nada, no entanto, supera que a teoria negativa ou agnóstica da pena,
fundada por Tobias Barreto e burilada por Raúl Zaffaroni, tenha agora
uma nova e valiosa contribuição para sua fundamentação, e um novo ofi-
cial para sua defesa. Sim, a teoria é brasileira. Foi preciso que o gênio
mulato, no Recife da segunda metade do século XIX, emparelhasse a pena
à guerra, negando-lhe fundamento jurídico, para que o gênio portenho,
uma centúria depois, pudesse estabelecer a regra de três segundo a qual o
direito penal está para o poder punitivo assim como o direito humanitário
está para a guerra. No fundo, redução de danos punitivos, eis um bom
horizonte teleológico para uma dogmática realista.
Encerro com uma remissão que me ocorreu quando recebi os ori-
ginais. Há quase quarenta anos, ousei pedir um prefácio a Roberto Lyra,
de quem fora aluno no doutorado da Universidade do Estado da Guana-
bara. No texto que generosamente preparou, o querido Mestre me adver-
tiu para incluir, ao lado do questionamento técnico-jurídico, “a crítica do
exercício do poder judiciário” que tornaria audíveis “clamores e gemidos
da maioria abandonada”13. Mas também falou da urgência “em transmitir,
como o mais antigo especialista em atividade, os fachos simbólicos na
corrida de revezamento das gerações”14.
Quando me encontrar com o velho Lyra, procurarei saber se estive
à altura de sua advertência. Quanto aos fachos, Salo de Carvalho tem toda
a legitimidade para empunhá-los e brandi-los.

Arpoador, 16 de dezembro de 2012.

Nilo Batista
Professor titular de direito penal da Universidade Federal do
PREFÁCIO

Rio de Janeiro e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

21

13
LYRA, Roberto. Prefácio em BATISTA, Nilo. Decisões Criminais Comentadas. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 1976, p. 7.
14
Op. cit., p. 8.

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APRESENTAÇÃO

“É a primeira vez desde que se aboliu a escravidão que um grupo


definido... vive em um estado legal de não liberdade, em forma mais ou
menos permanente... por passar por encarceramentos sucessivos ou por
sofrer as consequências, a longo prazo, de uma reclusão penal; e um per-
centual importante deles são descendentes daqueles escravos liberados.”
A afirmação poderia ter partido de qualquer criminólogo brasileiro...
mas é de Jonathan Simon, em Gobernar a través del delito1, e retrata a
realidade norte-americana atual. O livro foi escrito em 2007.
Em 2003, Robert Kagan alertara para o fenômeno da transformação
do perfil da sociedade norte-americana, sob a chancela do medo ao delito,
e registrou que a resposta ao fato de ter triplicado o número de crimes
noticiados nos Estados Unidos da América, entre 1960 e 1980, consistiu
no incremento igualmente significativo do arsenal de mecanismos penais,
processuais e penitenciários destinados a conter e neutralizar os indivíduos
tendencialmente criminosos. Além disso, salienta Kagan, “a demanda pelo
controle do crime foi alçada ao topo da agenda política”2.
Da Europa, Enrique Bacigalupo, por sua vez, colocará em evidência
a inf luência dessa virada da política criminal em parte da América do
Norte sobre os diversos ordenamentos jurídicos, a que atribui o fato de,
nos anos 60 e 70 do século XX, o modelo de ciências penais de corte li-

1
Barcelona: Gedisa, 2011, p. 17.
2
KAGAN, Robert A. Adversarial Legalism: the American Way of Law. 2. ed. Harvard Uni-
versity Press, 2003, p. 61.

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beral ter sofrido pesadas críticas, que colocaram em dúvida seus princípios,
especialmente por conta da reação pragmática do establishment norte-
-americano ao delito, com a implementação do denominado “modelo de
controle social do delito (crime control model)”.
O citado modelo, ressalta Bacigalupo, contradiz a matriz liberal de
política criminal, consagrada por Von Liszt, e atribui ao processo penal a
função de ser um dos “meios de luta contra os delitos”, sendo esta a sua
mais importante função3. A presunção de inocência passa a ser interpreta-
da de forma fundamentalmente diversa da tradição em que até então esta-
va inspirada.
Tudo isso, vale sublinhar, muito antes da derrubada das Torres Gê-
meas. As pesquisas de Simon capturaram o modo como a nova ordem
norte-americana foi se constituindo em termos de “barbárie organizada”,
lidando e manipulando o medo ao delito, que definitivamente é incorpo-
rado à agenda política, ganha lugar de destaque e prioridade na arena
pública e se estabelece com tamanho grau de rigidez, que é duvidoso que
PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

essa “barbárie organizada” possa vir a ser desmontada em curto prazo.


O papel estratégico que o debate sobre o delito assumiu na sociedade
norte-americana expandiu-se muito rapidamente, de início para os Países
ocidentais situados no círculo de alcance daquela cultura (televisão, cine-
ma, literatura etc.) e depois, com o fim da Guerra Fria e o apogeu do
neoliberalismo globalizado, terminou por atingir os lugares mais variados
e distantes da tradição cultural de origem.
Convém ressaltar que nos dias atuais o mainstream das ciências cri-
minais, como o denomina Salo de Carvalho, incorpora um sem-número
de práticas e teorias que se combinam para “ressignificar a pena desde as
mais distintas hipóteses” [Salo de Carvalho], lançando mão de um variado
e muitas vezes incongruente repertório de teses, empregado no cotidiano
das práticas sociais de controle, de modo conjuntural e despreocupado com
a coerência e as consequências geradas no corpo social.
24 Em termos de teoria o fenômeno não é novo. No diálogo que Salo
generosamente empreende com as minhas ideias, vamos buscar na antropo-
logia norte-americana, a partir das lições de Angela Alonso, o conceito
desta ferramenta, o “repertório”, cuja presença no âmbito das ciências penais
no Brasil pode ser rastreada até o século XIX e configurou a política crimi-

3
BACIGALUPO, Enrique. El Debido Proceso Penal. Buenos Aires: Hammurabi, 2005,
pp. 27-28.

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nal então dominante, destinada a conter escravos, ex-escravos e seus descen-
dentes, assim como todos os que ousassem divergir da pauta estabelecida pelo
poder central, de viés marcadamente conservador e patrimonialista.
O “repertório” nada mais é que “o conjunto de recursos intelectuais
disponível numa dada sociedade em certo tempo”4. Este cardápio, indica
Alonso, é composto de “padrões analíticos; noções estilísticas; figuras de
linguagem; metáforas” e seu emprego, sublinho, obedece aos desafios da
vida prática e aos projetos de poder que não raro exprimem perspectivas
homogêneas de sociedade e uma visão autoritária da vida e do mundo.
Nos Estados Unidos da América o redirecionamento da política
criminal resulta ainda hoje, segundo Simon, em um poder executivo mais
autoritário – e o exemplo “Guantánamo”, eloquente, pode ser interpreta-
do, penso, como “efeito Guantánamo”, que consiste em “mandar às favas
os escrúpulos” do liberalismo político dos dois últimos séculos – em um
legislativo mais passivo e em um poder judiciário mais “defensivo”, no
sentido de não rigorosamente comprometido com a tutela de direitos de
acusados da prática de crimes5.
Pelo menos por ora o Estado do Bem-Estar Social está perdendo a
batalha.
Nos últimos anos a hegemonia da concepção repressiva da vida social
tem contado com o apoio de parte da doutrina penal que fornece subsídios
ao repertório – a este conjunto de ferramentas disponíveis para vigiar, se-
gregar e encarcerar –, reelaborando fundamentos para a pena criminal.
Não se trata, por óbvio e tão somente, da contribuição dos que re-
cuperaram para os tempos modernos a noção de “direito penal do Inimi- APRESENTAÇÃO
go”. Com seriedade não se pode dizer que houve algum momento, mesmo
desde Beccaria, em que o Direito Penal deixou de ser um “direito penal
do inimigo”. A História refuta esta tese.
No entanto, o esforço da penologia moderna orientou-se a estabe-
lecer “limites ao exercício da força”, com lastro em um discurso jurídico- 25
-político que “impõe que o exercício da força no interior da ordem polí-
tica seja limitado por regras e legitimado por discursos (teorias da pena)”
[Salo de Carvalho].

4
ALONSO, Angela. Ideias em Movimento: a Geração de 1870 na Crise do Brasil-Império. São
Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 39.
5
SIMON, Jonathan. Obra citada, p. 17.

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Autores com inequívoca postura democrática, como Antoine Gara-
pon e Fréderic Gros, têm se esforçado para justificar em tese o poder de
punir – e o poder de punir em democracia –, reconhecendo, todavia, a
encruzilhada em que se encontra o ser humano na contemporaneidade:
“O homem democrático hesita, oscila e finalmente esquiva-se” entre os
termos desta oposição dicotômica: “punição ou impunidade”6.
Na América Latina a absorção de discursos legitimadores das penas
pelas agências encarregadas do controle social converge com a dissemina-
da violação sistemática dos direitos humanos e fundamenta f lagrantes
distorções funcionais e desvios semânticos7, no interior das agências e das
“teorias”, que têm se revelado, por exemplo, no uso abusivo da prisão
provisória, eleita hoje a resposta penal por excelência, supostamente capaz
de escapar aos controles de legalidade das suas concretas formas de execu-
ção, controle que, pelo lado das sanções penais, existe precariamente há
algum tempo8.
Este é o contexto, segundo vejo, em que se insere, oportunamente,
PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

a obra de Salo de Carvalho: Penas e Medidas de Segurança no Direito Penal


Brasileiro ( fundamentos e aplicação judicial).
Neste mundo acadêmico brasileiro, em que os profissionais do di-
reito são ensinados a encarar com naturalidade as violações e mortes – ver-
dadeiro genocídio, salienta Zaffaroni9 – causadas, ironicamente, em nome
do controle da criminalidade e da violência e que, por nossa sofrível tra-
dição jurídica paleopositivista, no âmbito das ciências penais, nos acostu-
mamos a reservar às penas quase nada de investigação, pesquisa e estudo,
no âmbito da formação do profissional, o livro de Salo de Carvalho é um
divisor de águas.
Didática, extraordinariamente clara, sem tomar o leitor por alguém
desprovido de senso crítico, a obra nos conduz pelos caminhos da penologia.
Salo de Carvalho recusa atalhos e não os oferece ao leitor, pois que
aposta na capacidade deste último de, conhecendo criticamente a realida-
26 de, “não apenas a partir do visível”, formar o próprio patrimônio intelec-

6
GARAPON, Antoine et al. Punir em Democracia: e a Justiça será. Lisboa: Piaget, 2002, p. 7.
7
Preciosa a referência de Salo de Carvalho ao pensamento de David Sánchez Rubio.
8
ZAFFARONI, Eugenio R. Proceso Penal y Derechos Humanos: Códigos, principios
y realidad. In: El Proceso Penal: Sistema Penal y Derechos Humanos. México: Porrúa, 2000,
p. 11.
9
La Palabra de los Muertos: Conferencias de Criminologia Cautelar. Buenos Aires: Ediar, 2011.

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tual que o habilite a opinar com clareza e responsabilidade, na esfera pú-
blica, e a trabalhar com competência, dispensando as “muletas” das “dicas
de interpretação e aplicação” que, com raras exceções, compõem a biblio-
grafia indicada para abordagem do tema.
Não há teoria quando o que se descreve não é o “mundo do real”,
tampouco o idealizado, mas uma pretensa forma de realidade que, a não
existir concretamente, perpetua discriminações e desigualdades.
O trabalho de Salo de Carvalho, convocando a realidade por meio
do forte embasamento em dados e sofisticada ref lexão, recorrendo como
poucos (diria que no Brasil no nível de Nilo Batista, Juarez Cirino dos
Santos e Vera Andrade, mais do que justas homenagens prestadas pelo
próprio autor) ao saber sem fronteiras, mais do que indica o livro, como
se este precisasse: torna-o obrigatório.
E neste contexto minha presença nestas páginas tem sentido afetivo
e de relato.
Conheci Salo em um Seminário promovido por James Tubenchlak,
no fim dos anos 1990. Na ocasião o tema era algo como “a solidão teórica
da execução penal”, esquecida pela doutrina nos sótãos do direito e do
processo penal.
Muito logo nos tornamos amigos e participamos juntos de muitas
empreitadas. Enquanto escrevo estas linhas estamos, eu e Salo, aguardan-
do o dia de nossa palestra no Presídio Central de Porto Alegre, a convite
da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, denunciado à Organização
dos Estados Americanos (OEA) como mais um destes lugares onde roti-
neiramente a dignidade da pessoa humana é violada.
A teoria de Salo é assim, militante, às escâncaras. Diria corajosa se APRESENTAÇÃO
um dia Gabriel García Márquez não houvesse lembrado que determinadas
ações não são “corajosas”, mas necessárias.
O traço de afeto que nos une e que talvez tenha, inconscientemen-
te, provocado este gentil convite, ao fim e ao cabo, tem a ver com essa
militância. 27
Durante muito tempo Salo foi um pensador “pessimista”. Pessimista
em relação ao Poder... e nisso estamos de acordo. Sempre militante, extraor-
dinário, presidente do Conselho Penitenciário de seu Estado, querendo
mudar o mundo para melhor, mas pessimista quanto às possibilidades reais
de se alcançar algum sucesso neste intento.
E me recordo de ter dito a ele: amigo, os africanos nos lembram que
o mundo, nós o herdamos de nossos filhos e temos o dever de devolver a
eles melhor do que encontramos (Eduardo Galeano)!

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Os filhos têm esse dom... de nos fazer acreditar na possibilidade de
um mundo melhor.
Creio que o largo sorriso de Salo – e da Mari – são a prova cabal de
que o pessimismo não venceu. Ao contrário, revela-se na esperança de um
mundo mais justo e solidário e hoje leva o nome de Inês!
Parabéns ao amigo e também ao afortunado leitor.

Balneário de São Sebastião do Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 2013


(dia do padroeiro da Cidade).

Geraldo Prado
Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

28

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NOTA TEÓRICO-AFETIV A

O primeiro contato que tive com o tema deste livro – que em


sentido amplo pode ser denominado penologia – foi na graduação do cur-
so de Ciências Jurídicas e Sociais da Unisinos, nas aulas do prof. Ney Fayet
de Souza.
A família Fayet, naquela época, já era uma referência afetiva, sobre-
tudo em decorrência dos fortes vínculos de amizade que eu nutria com as
gerações das décadas de 1960 e 1970 da família Agne. Em Santa Maria,
nas casas dos Agne Ritzel e dos Agne Domingues, que frequentei duran-
te toda a minha adolescência, os parentes de Porto Alegre eram sempre
mencionados: os Agne Fayet, mas, sobretudo, a enigmática D. Ignez Valdez
Weigert, que posteriormente descobri ser a matriarca dos clãs.
Para além deste olhar naturalmente afetivo e cúmplice, lembro de
frequentar curioso as aulas de Penal III em 1991. A energia e a segurança
intelectual do prof. Ney Fayet despertaram grande interesse pela matéria,
notadamente por dois temas considerados espinhosos na teoria da pena:
aplicação da pena e prescrição penal. A ênfase do professor nestes pontos,
diretamente proporcional ao seu domínio, era imensa, e muitos alunos
apresentavam naturais dificuldades na resolução dos casos propostos. Como
todo mestre, o autor de A Sentença Penal e suas Nulidades plantou uma se-
mente de curiosidade que permanece viva até hoje. Entre os debates sobre
filosofia e sociologia do direito com meu orientador Antônio Carlos Ne-
del, o interesse pela penologia foi cultivado pelo professor, amigo e colega
Ney Fayet de Souza Jr.
A questão teórica que envolve o tema da punição foi verticalizada
no Mestrado da UFSC. Em Florianópolis, sob a orientação da profa. Vera

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Andrade, pude mergulhar com intensidade na crítica criminológica e
perceber a tensão entre os discursos oficiais (declarados) e as reais funções
que a pena desempenha na sociedade ocidental. A constante presença (física
e literária) de Alessandro Baratta nas aulas do Mestrado permitiu sofisticar
e radicalizar a crítica. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal e infin-
dáveis textos de Baratta eram consumidos com voracidade junto com os
de outros autores que eram (e continuam sendo) referências obrigatórias
(Dario Melossi, Edwin Lemert, Edwin Schur, Erving Goffman, Eugenio
Raúl Zaffaroni, Georg Rusche & Otto Kirchmeier, Howard Becker, Jock
Young, Juarez Cirino dos Santos, Lola Aniyar de Castro, Louk Hulsman,
Luigi Ferrajoli, Massimo Pavarini, Michel Foucault, Nilo Batista, Roberto
Bergalli, Roberto Lyra Filho, Rosa del Olmo, Stanley Cohen).
O processo de aprendizagem e de orientação foi paralelo à constru-
ção da tese da pupila preferida de Baratta, pois Vera Andrade, naquele
período, finalizava a redação de A Ilusão de Segurança Jurídica: do controle da
PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

violência à violência do controle penal.


Em meio aos estudos de criminologia, com Edmundo Arruda Jr. e
Antonio Carlos Wolkmer pude compreender com maior clareza o que
representava, naquele momento, o Movimento do Direito Alternativo.
Apesar de ter mergulhado no movimento durante o período da Faculdade,
acompanhando meu pai, Amilton Bueno de Carvalho, nos eventos, mas,
sobretudo, nas leituras da teoria crítica do direito (Agostinho Ramalho,
Alicia Ruiz, André-Jean Arnaud, Boaventura de Souza Santos, Carlos
Cárcova, Clémerson Merlin Cléve, David Sanchez Rúbio, Jacinto Couti-
nho, Joaquin Herrera Flores, João Maurício Adeodato, José Eduardo Faria,
José Geraldo de Souza Jr., Luis Alberto Warat, Luiz Fernando Coelho,
Lédio Rosa de Andrade, Lenio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha, Michel
Miaille, Modesto Saavedra López, Nicolás López Calera, Oscar Correas,
Perfecto Ibañez, Plauto Faraco de Azevedo, Roberto Aguiar, Roberto
Kant de Lima, Rui Portanova), no mestrado tive condições de perceber
30
sua dimensão (amplitude).
Antes da conclusão do Mestrado (defesa da dissertação), no início
de 1996, retornei a Porto Alegre. O objetivo era ingressar em alguma
Faculdade de Direito e seguir a carreira docente.
Currículos enviados, recebo o convite da Unisinos para uma entre-
vista. A Faculdade estava selecionando professores. Na época eram poucas
as pessoas com titulação acadêmica, sobretudo nas ciências criminais, e o
MEC estava anunciando a exigência de número mínimo de mestres e

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doutores nas instituições de ensino superior. Após a seleção, fui designado
para lecionar duas disciplinas: Introdução do Direito Penal (Penal I) e
Penologia (Penal III). Por uma grata coincidência, assumi a disciplina do
prof. Ney Fayet, na ocasião afastado das atividades docentes.
Em princípio não desejava fazer, imediatamente, o Doutorado. Es-
tava um pouco “ressacado” da dissertação – publicada pelo querido James
Tubenchlak –, e com as energias direcionadas às atividades de ensino e de
pesquisa na Unisinos. No entanto, no final de 1996 ou início de 1997, um
encontro casual mudou meus planos.
Estava com o Amilton, esperando o elevador no antigo prédio do
Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, quando cruzamos com Cezar
Roberto Bitencourt. Cezar é um antigo e muito querido amigo da famí-
lia. Em 1981, quando meu pai assumiu a magistratura, foi designado para
uma Comarca do interior gaúcho na qual Cezar igualmente iniciava a
carreira no Ministério Público. Os laços de amizade se fortaleceram, não
apenas em decorrência de serem duas famílias estrangeiras em uma terra
desconhecida, mas, sobretudo, pela afinidade das ideias.
Naquele momento de reencontro, de “contar as novidades”, comen-
tamos que eu havia recentemente, em agosto de 1996, finalizado o mes-
trado. Cezar com Ruth Gauer e Lenio Luiz Streck estavam elaborando um
projeto de Mestrado em Ciências Criminais na PUCRS. O embrião seria
uma Especialização transdisciplinar na área. Alguns meses se passaram, a
Especialização foi aprovada e o convite para integrar o projeto veio junta-
mente com o compromisso de realizar, imediatamente, a seleção em um
NOTA TEÓRICO-AFETIVA
Programa de Doutorado.
Na época estava imerso na leitura de Direito e Razão, de Luigi Fer-
rajoli. Nas aulas da Especialização conheci grande parte dos amigos que,
posteriormente, formaram o Instituto Transdisciplinar de Estudos Crimi-
nais (ITEC), dentre eles Andrei Zenkner Schmidt, Daniel Gerber, Fábio
Roberto D’Ávila, Jader Marques, Marcelo Bertoluci, Marcelo Peruchin,
31
Paulo Vinícius Sporleder de Souza, Rodrigo Moraes de Oliveira e, espe-
cialmente, meus irmãos, Alexandre Wunderlich e Felipe Cardoso Morei-
ra de Oliveira.
Ao longo das aulas debatemos muito a estrutura garantista e o pro-
jeto justificacionista de Ferrajoli (utilitarismo reformado). Neste período
acabei desenvolvendo o projeto de tese, posteriormente apresentado ao
Programa de Doutorado da UFPR. Em Curitiba, sob a precisa e preciosa
orientação de Jacinto Coutinho, mergulhei no garantismo, notadamente

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nas teorias da pena, centro nervoso dos sistemas punitivos. Instigado pelo
orientador, realizei uma fértil temporada de estudos entre Roma e Came-
rino – Ferrajoli, na época, lecionava na Universidade de Camerino. Do
debate teórico sobre o justificacionismo direcionei o enfoque para a exe-
cução penal e a realidade carcerária brasileiras. A tese, aprovada pela ban-
ca composta pelo meu orientador, Jacinto Coutinho, Luis Alberto Machado,
Sérgio Salomão Schecaira, Lenio Luiz Streck e Nilo Batista, foi posterior-
mente publicada pela Lumen Juris sob o título Pena e Garantias.
Com o título fui efetivado no Programa de Pós-Graduação em
Ciências Criminais (PPGCCrim) da PUCRS, instituição na qual desen-
volvi, por cerca de 15 anos, pesquisas nas áreas da criminologia e do direi-
to penal, sempre com ênfase na penologia. No PPGCCrim da PUCRS
tive o prazer de trabalhar e aprender muito com Alberto Rodrigues Rufino
de Souza, Alfredo Cataldo Neto, Aury Lopes Jr., Cezar Roberto Biten-
court, Emil Sobottka, Fabrício Dreyer de Ávila Pozzebom, Gabriel Gauer,
Giovani Agostini Saavedra, Nereu José Giacomolli, Luciano Feldens, Ruth
PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Gauer e, sobretudo, com Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo e Ricardo


Timm de Souza. Ainda na PUCRS tive a oportunidade de ver surgirem
novos pesquisadores. Assim como o ITEC foi o instituto que permitiu a
reunião dos primeiros mestrandos do PPGCCrim da PUCRS, uma segun-
da e fértil geração se aglutina em torno do Instituto de Criminologia e
Alteridade (ICA), efetivando de forma concreta e radical a interdisciplina-
ridade (Alexandre Costi Pandolfo, Carla Marrone Alimena, Daniel Achutti,
Fernanda Bestetti Vasconcellos, Gabriel Divan, Grégori Laitano, Guilherme
Böes, Janaina de Souza Bujes, José Antônio Gerzon Linck, Manuela Mattos,
Marcelo Mayora Alves, Marco Antonio de Abreu Scapini, Moyses Pinto
Neto, Mariana de Assis Brasil e Weigert, Mariana Dutra Garcia e Raffaella
Pallamolla).
No início dos anos 2000, outras duas importantes experiências aca-
dêmicas permitiram amadurecer a ref lexão sobre o tema. No final da
32 década de 1990 recebi o convite para lecionar, como professor convidado,
no Mestrado em Criminologia, Direito Penal e Processo Penal da Univer-
sidade Cândido Mendes. O projeto, concebido por Nilo Batista, envolvia
grande parte dos pesquisadores de vanguarda que atuavam nas ciências
criminais latino-americanas e propunha uma leitura interdisciplinar críti-
ca dos fenômenos do crime e do controle social. Neste período fortaleci
os laços de amizade com Afrânio Silva Jardim, Geraldo Prado, Nilo Ba-
tista e Vera Malaguti Batista, todos referências teóricas e afetivas, como o
leitor poderá notar.

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A outra experiência foi no Doutorado em “Derechos Humanos y De-
sarrollo” da Universidade Pablo Olavide (UPO) de Sevilha. Coordenado
por Joaquin Herrera Flores e David Sanchez Rúbio, o curso congregava
os principais pesquisadores da teoria crítica do direito na ibero-américa.
Como resultado deste trabalho conjunto, foram publicados os Anuários
Ibero-americanos de Direitos Humanos, em uma rica parceria institucional
entre a UPO e a PUCRS.
Neste período (primeira década dos anos 2000), publiquei alguns
trabalhos sobre fundamentos do poder de punir, aplicação da pena e exe-
cução penal, dentre os quais destaco o livro Aplicação da Pena e Garantismo,
em coautoria com o Amilton, e Crítica à Execução Penal, coletânea a partir
da experiência no Conselho Penitenciário do Rio Grande do Sul, insti-
tuição que presidi durante quase dois anos.
Em 2003, Mari e eu nos apaixonamos e, juntos, realizamos vários
projetos, inclusive acadêmicos. Mari, a netinha predileta da D. Ignez, em
2005, foi morar em Barcelona para cursar o Mestrado em “Criminología y
Ejecución Penal” da Universidade Autônoma (UAB). O contato com a
profa. Elena Larrauri estabelecido por ela e pela Raffaella Pallamolla per-
mitiu que, no ano seguinte, eu apresentasse um projeto de pós-doutora-
mento. Com a transferência da profa. Larrauri para a Universidade Pompeu
Fabra, durante dois períodos letivos (2008 e 2009), retornamos a Barcelo-
na. Em 2010 publiquei O Papel dos Atores do Sistema Penal na Era do Puni-
tivismo (o exemplo privilegiado da aplicação da pena), livro que condensa as
investigações realizadas na Catalunha.
NOTA TEÓRICO-AFETIVA
Com a minha transferência para a UFRGS, em 2010, criei o Grupo
de Estudos em Ciências Criminais (GCrim). Uma das linhas de pesquisa,
concentrada na questão das penas, rendeu muitos frutos. Realizamos vários
eventos, debates, sessões de vídeo e tive a oportunidade de orientar inú-
meras monografias de conclusão na área. Junto ao trabalho desenvolvido
no GCrim, passei a coordenar (hoje sou consultor acadêmico) o G10,
33
grupo de atuação na defesa de adolescentes em conf lito com a lei no Ser-
viço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU) da UFRGS. No G10
cresceu o interesse pelas medidas socioeducativas, sobretudo pelos déficits
de legalidade na sua aplicação e execução, conforme procuro demonstrar
em alguns momentos deste livro.
Os membros do GCrim e do G10, juntamente com meus orientan-
dos e inúmeros alunos e ex-alunos da Faculdade de Direito, proporciona-
ram-me a mais rica e intensa experiência acadêmica, em uma manifestação

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pública de carinho e de afeto pela minha permanência na UFRGS que me
emociona até hoje. Não é exagero nenhum dizer que serei eternamente
grato, pela profunda generosidade, a todos os alunos que se manifestaram
publicamente e assinaram o documento de apoio redigido pelo Centro
Acadêmico André da Rocha (CAAR), sobretudo Alexandre Brandão, Ana
Carolina Svirski, André da Rocha, Arthur Amaral Reis, Antonio Goya
Martins Costa, Augusta Diebold, Bruna Rossol, Camila Mallet, Caroline
Boff, Caroline Guerra, Caroline Vidal, Cassio Macedo, Chiavelli Falavig-
no, Clarissa Baumont, Daniela Eilberg, Danielle Bettim, Denise Mayer,
Eduardo Georjão Fernandes, Elis Barbieri, Fabricio Scheffer, Fernanda
Amorim, Fabiana Simioni, Fabiane Batisti, Flora Valls, Francisco Pretto,
Gabriela Feldens, Gabriel Simões Pires, Gabriela Alvares, Guilherme Sei-
bert, Greice Stern, Henrique Richter, João Baptista Rosito, João Henrique
Conte, João Vicente Rovani, Júlia Rombaldi, Júlia Soll, Juliana Azevedo,
Laura Lotti, Leonardo Günther, Luiza Rocha, Marcel Saldanha, Marcelo
PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Azambuja, Marcio Augusto Paixão, Marcos Laguna Pereira, Mariana Chies


Santos, Mariana Kuhn, Mariela Wudich, Michele Savicki, Mimi, Natália
Otto, Nathalia Schneider, Patrícia Becker, Paula Leal, Rui Almeida, Sa-
muel Sganzerla, Thaianne Alves, Ulisses de Oliveira e Vitor Guimarães.
No entanto, é na figura da acadêmica Jéssica Pinheiro, pelo seu compro-
metimento e militância na defesa dos Direitos Humanos, que eu gostaria
de homenagear todos os demais alunos e ex-alunos que fatalmente esque-
ci de nominar.
O meu desligamento forçado da UFRGS provocou inúmeras reações
de professores e funcionários da instituição e de pesquisadores de todo o
Brasil. Além das manifestações das pessoas já referidas, sou muito grato
pelo apoio de Ades Sanchez y Vacas, Alex Niche Teixeira, Alexandre Mo-
rais da Rosa, Álvaro Oxley Rocha, Ana Paula Motta Costa, Andréa Behe-
regaray, Augusto Jobim do Amaral, Carmem Craidy, Christiane Russo-
mano Freire, Clarice Sohngen, Claudio Brandão, Dani Rudnicki,
34
Daniela Miranda, Davi Tangerino, Domingos Dresch da Silveira, Edson
de Souza, Eduardo Scarparo, Elisiane Pasini, Érica Ferraz, Fábio Morosi-
ni, Fauzi Choukr, Germano Schwartz, Giovane Santin, Gislei Lazzarotto,
Graça Correa, Jaqueline Tittoni, José Henrique Salim Schmidt, José Luiz
Bolzan de Morais, José Vicente Tavares dos Santos, Juarez Tavares, Judith
Martins-Costa, Lenora de Oliveira, Liliana Carrard, Luiz Antônio Bogo
Chies, Luiz Eduardo Soares, Marcelo Moura, Marcelo Peregrino, Marce-
lo Sgarbossa, Maria Palma Wolff, Miguel Reale Jr., Miriam Guindani,

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Mônica Delfino, Neuza Guareschi, Paula Gil Larruskaim, Paulo Abraão,
Paulo Queiroz, Raquel Scalcon, Renata Almeida da Costa, Ricardo Aro-
ne, Ricardo Gloeckner, Roberta Baggio, Rogério Maia Garcia, Rosa
Maria Borges, Rosemeri Copetti, Rubens Casara, Simone Paulon, Théo
Dias e Tupinambá Azevedo.
Este relato da minha trajetória acadêmica tem um propósito bastan-
te claro: agradecer sinceramente a todas as pessoas que inf luenciaram,
dolosa ou culposamente, na construção deste trabalho. Nenhuma obra é
individual, todos sabem. O conhecimento não se constrói solitariamente.
Motivo pelo qual é fundamental que as pessoas que o ajudaram a construir
sejam nominadas, apesar dos inerentes riscos do esquecimento. Mas quem
me conhece sabe que não temo correr riscos e assumo a responsabilidade
pelas minhas escolhas. O que não impede, logicamente, que antecipe mi-
nhas desculpas pelos eventuais lapsos de memória ou atos falhos. Para os
últimos, recorro à sempre competente orientação de Liane Pessin.
Registro igualmente que o trabalho seria impossível sem o apoio da
equipe de profissionais com a qual tenho o prazer de conviver diariamente:
Alexandre Wunderlich, Antônio Tovo Loureiro, Bruna Brochado, Camile
Eltz de Lima, Fabiani Fonseca, Felipe Bertoni, Gustavo Satt Corrêa, Inês
Majolo, Lilian Reolon, Lisiane Gallert, Luiza Gaiger, Luiza Farias Martins,
Marcelo Araújo, Mariana Gastal, Natália Píffero dos Santos, Niveti Oli-
veira, Paulo Caleffi, Patrícia Costa, Rafaela Cruz e Renata Saraiva.
Igualmente, devo especial agradecimento a Eduardo Gutierrez Cor-
nelius e Rafael Canterji, pela leitura atenta dos originais, Paola Vettori,

NOTA TEÓRICO-AFETIVA
pela transcrição das aulas que deu a estrutura do trabalho, e Thaís Weigert,
pelas sugestões e revisões no texto.
Importante dizer, ainda, que esta trajetória acadêmica não apenas
foi amparada pelo carinho das pessoas que figuram nesta “Nota Teórico-
-Afetiva”. Inegavelmente todos ajudaram a construir um conhecimento
que permitiu o desenvolvimento do meu espírito crítico. Pensamento
crítico que merece este qualificativo no sentido em que “(...) suscitando o 35
que não é visível, para explicar o visível, se recusa a crer e a dizer que a realidade se
limita ao visível”1. A crítica sabe que a realidade está em movimento e que
só o pensamento positivista ortodoxo se contenta em descrever a mera
aparência, apenas aquilo que é visível, como realidade, nas precisas palavras
de Miaille.

1
MIAILLE, Introdução Crítica ao Direito, p. 22.

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Os princípios que regem a investigação são, portanto, os da cons-
tante dúvida e da permanente desconfiança. Dúvida e desconfiança com
todos os discursos e todas as práticas desenvolvidos no e pelo sistema penal
e que são oferecidos como naturais e inevitáveis.
A partir deste primado da desconfiança, a ideia do trabalho foi a de
sistematizar toda a minha produção na área, apresentando ao público aca-
dêmico e aos atores do sistema penal um texto completo – o mais didático
possível dentro da complexidade das questões – sobre os principais temas da
penologia: (a) fundamentos teóricos do poder de punir (teorias da pena); (b)
fundamentos normativos do poder de punir; (c) aplicação das penas e das
medidas de segurança; (d) execução penal; e (e) extinção da punibilidade.
Neste primeiro texto estão contemplados os três primeiros tópicos.
A estrutura da execução das penas e das medidas de segurança e a dogmáti-
ca da extinção de punibilidade serão desenvolvidas posteriormente, em um
projeto que se inicia exatamente no momento em que termino esta nota.
PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

O projeto mais importante, porém, e que acompanhou todos os


momentos da redação deste livro, não foi acadêmico. Foi um projeto de
vida e de amor que eu e a Mari compartilhamos e que foi acompanhado
de perto por Maria Teresa Flores-Pereira, José Carlos Moreira da Silva
Filho, Gustavo Trindade, Karina Pozza, Raffaella Pallamolla, Daniel
Achutti, Fernando Rotta Weigert, Ana Luiza Bitencourt, Manoela Came-
lier, Gabriela de Carvalho, Diego de Carvalho, Amilton Bueno de Car-
valho, Néder Lopes da Rosa, Maria Rita de Assis Brasil e Sérgio Weigert.
Inegavelmente o maior projeto de todos: nossa filha, cujo nome é uma
sincera homenagem à matriarca. Não por outra razão esta apresentação se
inicia e termina com Inês.

Província de São Pedro, novembro de 2012.

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