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18 IMPENHO PASTORAL IRMAR-SE TOCANDO AS FERIDAS HUMANIDADE SOFRIDA. Diego Atalino de Melo! (RODUGAO Jesus percorria todas as cidades € povoados ensi- nando em suas sinagogas e pregando o Evangelho do Reino, enquanto curava toda sorte de docngas ¢ enfermidades. Ao ver a multidio, teve compaixto dela, porque estava cansada ¢ abatida como ovelhas sem pastor. Entio disse aos seus discipulos: “A co- Iheita é grande, mas poucos os operarios! Pedi, pois, ‘a0 Senor da colheita que envie operiios para a sua colheita” (Mt 9,35-38). © capitulo 9 do Evangelho de Mateus apresenta Jesus vando virias curas em favor dos doentes, cegos, coxos, wdos € endemoniados. Depois de imimeras atividades, sus olha seu povo e conclui que este estava desorientado e Jhandonado, como ovelhas sem pastor. De modo geral, essa pericope é utilizada como for- 1a de se destacar a importancia da oragao pedindo mais to Teoligio Francscano, Pe- as Faculdades Associa- das Vocages da Provincia 375 vocacées, podendo-se, assim, concluir que tal seja 0 obje tivo desta reflexao. No entanto, ndo obstante a necessi de rezar para reverter 0 quadro de decréscimo vocacio © intuito aqui ¢ abordar a questo do baixo engajams pastoral daqueles que ja ouviram o chamado do Seal ‘mas que ainda no entenderam o verdadeiro compro! mento que o pastoreio exige. Impulsionados pela mesma conclusio de Jesus, de ste uma caréncia de pastores, a presente reflexao tem escopo fazer uma analise acerca da falta de identi uma parte dos candidatos ao sacerdécio com esse vida de Jesus, a de ser Bom Pastor, aquele que ama, cui a Vida pelas suas ovelhas (Jo 10,11). Tal realidade é da, inclusive, em cendrios em que ha muitas vocagdes cerdécio, mas pouca paixdo pelo povo a quem se deve E importante destacar que, embora se reconh beleza e a grandiosidade daqueles que respondem generosidade ao chamado do Senhor e se fazem deiros pastores do povo de Deus, aqui trataremos da realidade oposta, ou seja, daqueles que perd pastoral ¢ missiondrio da prépria vocacao. Assim, raremos entender esse fendmeno a partir de uma critica dos modelos e propostas formativas, ani causas desse arrefecimento pastoral, bem como possiveis caminhos para um redescobrimento deiro sacerdécio ministerial vivido como oferta: pria vida pelo povo. 1, MUITO PADRE E POUCO PASTOR ‘A Exortagio Apostélica Pés-Sinodal vobis, de Sao Joao Paulo II, publicada em 1992, de maneira explicita uma visio integral da futuros clérigos, que deve levar em conta, € 376 portancia, essas quatro dimensoes: humana, intelectual, tual e pastoral Tendo como base a exortagdo apostélica supracitada, m 2016, a Congregacao para o Clero publicou a Ratio Fun- ‘entalis Institutionis Sacerdotalis, que também reiterou a mportancia da integralidade do processo formativo, cujo bjetivo é levar os formandos e seminaristas a serem capa- 1 o ‘dom de si para a Igreja, que é 0 contetido da caridade pastoral’? Se levada com seriedade, tal for- nagao poderd favorecer um estilo de vida préximo da rea- idade do povo, sensivel a problematica social e que forme ypromissados com a causa dos mais pobres. Como a ideia de fundo é que 0s seminérios possam mar discipulos missiondrios enamorados do Mestre, pastores “com 0 cheiro das ovelhas’, que vivam no meio de- Jas para servi-las e conduzi-las & misericérdia de Deus, cada uma dessas dimensdes formativas ¢ di da a “transformagao ou ass a imagem do proprio coragao de Cristo, daquele que, enviado pelo Pai para cumprir o seu desig- nio de amor, comoveu-se diante das necessidades humanas (Mt 9,35-36) e foi d procura das ovelhas ), @ ponto de oferecer por las a sua propria vida (J Assim, embora a grande misséo da formagio py teral seja a conformagao do discipulo ao Mestre, s 0 modelo do Pastor que da a vida por suas ovelhas, 0 se constata, infelizmente, é um crescente niimero dé mandos que nio encontram vibragao com esse pastoral da vocagao presbiteral, distanciando-se do a quem deveriam servir. Evidentemente existem goes, de modo que hé jovens que, desde o inicio proceso formativo, se comprometem e vibram modelo de presbitero que seja verdadeiro pastor, mo do seu rebanho. tros, pela opgio de “do outro lado di apontamento de tantas tarefas importantes rem cumpridas; quando nao ha empenho dado das pessoas, negando-thes a prio favor de tantas outras coisas menores, fl cumprimento da Lei, ea misericérdia, atributo de Deus’, ¢ desconsiderado. Incapazes de lidar com as contrariedades natut mundo contemporaneo, alguns formandos, ou me vos sacerdotes, acabam se fechando no mundo das: prias preocupagies, necessidades e exigéncias. Indife! as dores da humanidade, do povo ao qual servem mesmo, de suas familias, apegam-se a questes da fée da moral, inebriam-se com o desejo de popularidade nas redes sociais, ostentam um alto padrao de vida, gastam ‘oa parte do tempo consigo, em detrimento de uma ver- ladeira doacao ao povo de Deus. Enclausurados em estru- formativas demasiadamente protetivas, em que tudo esta previamente estabelecido e garantido, vao se tornando frigeis, inseguros e inser Assim, 0 espago € 0 tempo da criatividade, da inovagdo, da ousadia e, até mesmo, da paixio inicial esperadas dos mais jovens parecem estar se arrefecendo ou nao sendo suficientemente estimulados. Diante dessa realidade, cabe-nos perguntar se as nos- sas casas de formagao e seminarios tém sido expressio da- quela Igreja “em saida’, pedida pelo papa Francisco. Sera que o excesso de segurangas, garantias, estruturas € prote- Gio nao estéo deixando nossos jovens incapazes de reco- nhecer as diferentes periferias existenciais? Ser que essas realidades formativas tém sido expresso de uma Igreja “em saida’, “uma Igreja com as portas abertas’, capaz de “olhar nos olhos ¢ escutar, ou renunciar as urgéncias para acompanhar quem ficou caido a beira do caminho”* Sera que nao seria hora de rever © nosso modelo formativo, que muitas vezes supervaloriza os contetidos, as discipli- has e as teorias, e se esquece de que a vida pritica, concre- tae real do nosso povo também pode ser uma verdadeira escola formativa e um espaco teolégico e teofanico a ser lido e interpretado? Salvo raras excegdes, a maioria dos formandos € pro- inte de realidades sociais de periferia ou de classe mé- dia baixa, Cresceram e viveram, até entrarem no seminé- em condigdes razoaveis de vida. Sao familias que labutam, © PAPA FRANCISCO. Evang vangetho no mundo anal S80 ca sobre o amincio do 379 trabalham, correm atrés do pio de cada dia, muitas vezes enfrentando o descaso piiblico com a seguranga, coma sat: dee com seus direitos basicos. No entanto, o que se percebe é que, com o decorrer do proceso formativo, alguns desses formandos se esquecem de suas raizes, das dores dos prios familiares e amigos, vivendo anestesiados dentro ‘um esquema religioso alienante e incapaz de oferecer postas para os verdadeiros dramas humanos, existenciais espirituais das pessoas. Trabalhando na pastoral vocacional hé quase ‘anos, tenho acompanhado a mudanga de muitos jovens i ingressarem na casa de formagao ou no seminario. parecem querer esquecer ou negar a propria histéria passado de simplicidade e até mesmo de pobreza. idos por paréquias, familias e realidades mais abast gradualmente vao se afastando de suas origens, escor do seus dramas familiares, esquecendo-se de suas dinheiro, convivéncia e proximidade com pessoas maior poder aquisitivo, facilmente se deixam em por uma realidade de vida privilegiada e acabam. mindo discursos, exigéncias, ideologias, posigoes cas ¢ atitudes que mais atendem as elites do que a0 simples. Em outras palavras, vao se tornando but em ver de pastores. Assim, crescem as exigéncias, a medida que 0 de vida aumenta. Vestuario, restaurantes, viagens, rios, celulares etc. também vao sendo exigidos de com padres melhores, de modo que, em vez de se tornando “aproveitadores do rebanho” (1Pd 5,3). trora esse jovem trabalhava quarenta horas se: dava, participava da sua comunidade e ainda eni tempo para o lazer e para a familia, muito facilmer pois que passa a fazer parte de nossas estruturas, Vai 380 em uma espécie de morbide7 espiritual e laborativa. Sao ra- 108 05 casos em que se consegue fazer essa transferéncia de todo o empenho de outrora para dentro da vida formativa, © que se demonstra no empenho pastoral, no desejo de es- tar com 0 povo, no estudo sério e comprometido, na busca por uma sincera vida de oragao, na criatividade missionaria ena doagao da propria vida & comunidade. Além disso, hé aqueles que, 20 longo do processo for- mativo, distanciam-se completamente de suas comunida- des de origem. Perdem o vinculo e se afastam de suas ra- ines, esquecendo-se de que 0 “discipulo sacerdote” sai da comunidade crista ¢ a esta retorna, para servi-la e guid-la como pastor. O periodo de férias, momento em que estéo com a familia, muitas vezes nao & compreendido como uma forma de retorno para a comunidade, de convivéncia ¢ partilha da fé no lugar em que suas raizes vocacionais foram alicercadas. Esquecem-se de que © htimus da vocaga0 a0 ministério sacerdotal é a comunidade, porquanto dela que 0 seminarista provém, para Ihe ser de novo enviado a servi-la, depois. da ordenacao. Seja como seminarista, seja depois como presbitero, existe a necessidade de uma ligagio vital com @ comunidade. Esta se configura como fio condutor que harmoniza ¢ une as quatro dimensées formativas’ Para aqueles que perderam de horizonte essa relagao com a comunidade, 0 ministério vai adquirindo a concep- ‘do de um prémio, uma honra, uma condecoragao e um uulo de reconhecimento pessoal, sem vinculo com uma comunidade de fé. Exemplos disso so algumas ordenages esbiterais e celebragdes de aniversirios de ordenacio, RFIS 9, 381 cuja centralidade as vezes parece estar mais na pessoa ordenando ou do ja ministro do que no proprio Cristo, éa fonte ea origem da vocagéo. Ministério & um servigo especifico para uma munidade especifica, para responder a des especificas. A vocacio pode ser pensada um chamado pessoal, mas sempre para 0 uma comunidade, para uma necessidade Muitos na Igreja antiga foram chamados por comunidades a assumirem uma fungao — por plo, como bispos - porque aquela Igreja 0 va ~ ou os necessitava -, nio porque sentis chamado interior para aquilo. As veres eles forgados a aceitar o cargo: na historia dos rios, a esse respeito, fala-se de ordenacdes “ir (em latim), que quer dizer "contra a sua vont 2, TENTANDO ENTENDER A REALIDADE Diante do diagnéstico apresentado acima, ce leremos constatar que essa falta de ela e vibragao ral ndo se dé em todos os campos e niveis da vida pres ral. Basta olharmos o crescente interesse das novas por questées relativas a liturgia, as vestes, as celel 4 doutrina. f evidente que tais preocupagoes € mais voltadas ao culto tém a sua importancia na form desde que sejam valorizadas de modo equani brado em relagio as demais dimensdes formativas. Para entender melhor essa discrepancia de int entre questdes do cul demais expressdes pastorais, contaremos com a contri- icao do socidlogo polonés Zygmunt Bauman. 2.1, RETROTOPIA? Segundo Bauman, retrotopia é o desejo da volta a um passado idealizado (nao genuinamente como era), de onde se podem tirar solugdes para um mundo melhor. Para ele, trata-se do desejo do passado estivel, € ndo de um futuro incerto. Mais do que avangar para um novo horizonte, as novas geragées esto buscando as segurangas naquelas ter- ras jé descobertas e conhecidas. Consequentemente, essa atitude nega a ideia de progresso, de inovacio, de criagao € do despontar de novos paradigmas. apropriando-se dessa forma de analisar a re- Ivez. possamos compreender melhor algumas posigdes e atitudes das novas geragées seminaristicas. Se observarmos com atengao, perceberemos que cresce entre as novas geragdes certa supervalorizagio do passado, das tradigées, daquilo que foi resposta outrora; isso, evidente- nao é um problema. A questao é que esse retorno ao passado as vezes nao possibilita um dilogo com © presente, bem como faz apenas um recorte do que jé foi vivido, sem entender a sua totalidade dentro do contexto da época. Trata-se, portanto, de um recorte deliberado de alguns elementos do pasado em detrimento de outros. Dado interessante a ser notado € que, na maioria das vezes, trata-se de um passado nao vivido pelo sujeito. Como exemplo dessa postura retrotépica, basta olhar- ‘mos para o crescente interesse pelas vestes litirgicas e in- dumentitias pré-conciliares, pelo uso da lingua latina na liturgia, pela busca da celebragao no rito extraordinario e » BAUMAN, Zypamunt Rtrotpia. Rio de Janeieo: Zaha 383 pela valorizagao de costumes antigos. Ao mesmo tempo que supervalorizam tais questées, reforcando uma visio lericalista e imperialista da f& e da Igreja, esquecem-se de ‘que muitos daqueles padres de outrora enfrentavam lon ‘gas viagens em condigdes precirias (as vezes a cavalo, burro ou até mesmo a pé) para visitar os doentes, os sacramentos ¢ realizar suas desobrigas. [gnoram que ‘mesmos que rezavam em latim eram os que estavam tos para atender um doente a qualquer hora do dia ou noite, Aqueles que tinham uma moral bastante rigida também figis a vida de oragdo e ao cumprimento dos: votos ¢ preceitos rel horas no confess e desapegada, Muitos daqueles antigos padres que ‘yam 0 uso constante da batina, hoje equivocadamente fundida com alguns “mitos de batina’, nao o faziam quando Ihes era conveniente, mas a adotavam convictos forma de ser cons contudo, no ministério ordenado, essa qui servigo tem uma especial agio como humilde servo e sofredor. Trata-se, de um servigo destinado a transparecer 0 servi servo escatoligico." Diante dessa realidade, sente-se que falta aquela lagao ideal, nao s6 tedrica, mas existencial e pratica, tre Palavra, culto e caridade. Em ver disso, mais do qt wer: Liungiae sacraments d lee empenho pastoral dos antigos, parece que se quer resga- tar apenas aquilo que hoje se coadunaria com uma visio glamorosa e performatica do passado, cuja maior preocu- pagdo é com uma estética litdrgica que mais parece satis- fazer 0 culto a si mesmo ou os préprios caprichos do que realmente apontar para o sagrado e para o comprometi- mento com as pessoas. 2.2. O QUE £ UMA BOA PASTORAL? Para muitos dos formandos com o perfil aqui apresen- tado, uma pastoral considerada boa é aquela que enche a Igreja - nao importando os motivos que atraem as pesso- as ~, para uma celebragdo realizada com toda pompa pos- sivel em termos de paramentos e alfaias litirgicas. Dessa mentalidade, resulta um conceito pastoral reduzido e, de modo geral, centrado no culto e no altar. O zelo necessério ¢ louvavel para com as coisas sagradas relativas a0 culto pa- rece no se estender as demais realidades da vida presbite- ral, Mesmo para muitos formandos, durante o periodo de idade pastoral, parece que a grande missao do final de semana é presidir ou cerimoniar uma celebragio. Nas pala- vras do padre Ant6nio José de Almeida, trata-se de uma indevida “sacerdotalizagao” do ministério presbiteral, no sentido em que a concentragao desse ~ caridade; que o ministério presbiteral tenha tam- bém uma dimensao “sacerdotal, correto; que, po- rém, essa dimensio se sobreponha e prevalega sobre as dimensbes profética e pastoral é uma distorgao."" ALMEIDA. “Entrevista, Por um novo modelo de presbteros para as comunidades” 385 Além disso, muitas vezes parece que a pastoral ¢ siderada “atrativa” quando suscita reconhecimento,, lorizagao, retorno ¢ aplausos, caindo no clericalis cedendo “a tentagao de orientar a propria vida para a ca da aceitagao popular’ Quando se tem de assur nus de uma postura profética de defesa dos mais e vulneraveis, uma pastoral que nao da status, ou que’ na contracorrente do que a légica imperante prega, d de ser desejada. Basta pensar na pouca adesio que nas pastorais limitrofes: acompanhamento de casais de gunda unio, pessoas LGBTI e portadores de HIV/: de migrantes, famintos, sofredores de rua; da causa negros e indigenas; das juventudes mais pobres ¢ inio etc. Essas pastorais que colocam contato comumente mexem com preconcei das classes e sistemas dominantes mui adesio dos formandos e dos mais joven milagrosas, as missas-show, as celebragdes de cura, 0 € do altar das redes sociais, dos holofotes e da fama acut lam nomes daqueles que querem sua fatia de aplau reconhecimento. Igrejas nas periferias, de dificil acesso, ou mesmo: rincdes pobres desse Brasil, dificilmente atraem novos cerdotes ou formandos, deixando os poucos que la se contram sobrecarregados e/ou sozinhos. Basta pensar desequilibrio numérico dos padres que residem e Iham nas grandes cidades em rela¢ao ao niimero dos estdo nos sertdes nordestinos ou na desafiante realid amaz6nica. Para muitos, a grande preocupagao ao uma transferéncia ou uma nova missao é a garantia dos: “c”: carro, casa, comida, cel , casula e cartéo de a » RFIS33. 386 izmente, esse parece ser o critério para se avaliar uma realidade pastoral como “boa” para se trabalhar e viver. Infelizmente, parece faltar identificagao e compaixio para com as dores do povo, atitudes esperadas de um ver- dadeiro pastor: Quando olhamos 0 rosto dos que sofrem, 0 rosto do camponés ameagado, do trabalhador excluido, do indigena oprimido, da familia sem teto, do imigran- te perseguido, do jovem desempregado, da crianga cexplorada, da mie que perdeu o seu filho num tiro- teio porque o bairro foi tomado pelo narcotrifico, pai que perdeu a sua filha porque foi sujeita @ escravi indo recordamos esses “rostos € no ‘mes’, estremecem-nos as entranhas diante de tanto sofrimento e comovemo-nos... Porque “vimos e ou- ‘vimos” nio a fria estatistica, mas as feridas da hu- ‘manidade dolorida, as nossas feridas, a nossa carne. Isso é muito diferente da teorizagao abstrata ou da indignagio clegante. Iso comove-nos, move-nos, € procuramos o outro para nos movermos juntos. 2.3. A CABEGA PENSA A PARTIR DE ONDE 0s Pés PISAM ‘Tendo em vista que nossa identidade, mentalidade € personalidade vio sendo formadas a partir de varios fa- tores, inclusive pelo meio em que vivemos ¢ pelas pessoas com as quais convivemos, é interessante notar onde esté instalada boa parte de nossas estruturas formativas. “pop uml Aces em: 20 jul, 201 Nao obstante algumas excegées, nossos seminrios € casas de formagio foram pensados para locais retirados idades, em grandes sitios ou chécaras. Mesmo com aq les que, com o passar do tempo, foram sendo envolvidos instalados em grandes centros ou bairros residenciais, tém-se ainda uma grande estrutura que determina um todo préprio de vida interna. Sem desprezar o valor gogico e formativo que essas estruturas carregam col = pois ja formaram intimeras geragdes de bons sacei por vezes elas jé nao correspondem mais a desejada 640 integral que os documentos da Igreja esperam ¢ mundo de hoje exige. Se o intui i i com 0 povo e abrir-se mais & vida real das pessoas, no pode deixar de questionar um modelo formativo muitas vezes, para manter uma grande estrutura que jé corresponde tanto aos novos anseios ¢ aos novos tempos, No entanto, mesmo com a diminuigio vocacional exemplo do papa Francisco — que deixou seus isolados sentos papais para viver comunitariamente na Casa ta Marta ~, percebemos que parece haver um movi contririo. A realidade de pequenas fraternidades ou inseridas nos meios populares est cada vez mais redt devido ao retorno aos grandes conventos ¢ seminarios, dentro — nao obstante todos os valores a serem trabalh: vida é bastante diferente daquilo que 99,9% do nosso real desse povo a quem esses futuros sac servirdo esta se tornando cada vez mais desconhecida seus pastores. Aquele padre que exige pontualidade brit za que chegou vinte minutos atrasada de pastoral talvez sequer nha consciéncia do que um transporte publico lotado, chegar em casa e pr jantar para a familia e ainda ter tempo de ir para uma nido da comunidade. 388 ( chamado a serem pastores do povo de Deus exi- ge uma formagao que faca dos futuros sacerdotes peritos na arte do discernimento pastoral, isto é ‘capazes de um entendimento profundo das si iano e de realizar um bor tor das tentacdes da abstracio, do protagonismo, da excessiva seguranga de sie daquela frieza que 0 tornaria “um contabilista do espirito’, a0 in- vvés de “um bom samaritanc’ Fssa distncia, desconhecimento e falta de empatia com a vida concreta das pessoas gera uma profunda inco- municabilidade entre a mensagem da Igreja (representada concretamente pelo clero) e a busca por respostas existen- ciais das pessoas, mais visivel entre os jovens e entre as pes- ‘mais auténomos. Um distanciamento que vai limitando a forma de agir dos novos sacerdotes, desvinculando sua pregagio da realidade, tornando suas exigéncias inatingiveis, fazendo com que se perca a forca que a proximidade e a empatia produzem nas palavras ¢ conselhos proferidos. 2.4. PODE UM CEGO GUIAR OUTRO CEGO? Outro fator que considero essencial nesse processo de engajamento pastoral das novas geragées recai também so- bre os préprios formadores e/ou responsaveis pela forma- do (bispos, provinciais, superiores, coetus formatorum) tueles que tém a missao sagrada de orientar ¢ conduzir muito mais por obras do que por palavras. * REIS 120 389 Nao obstante excegies, existe a impressio de que proprio perfil para a escolha de um formador parece comumente relacionado aquela pessoa mais caseira do necessariamente mais pastoralista. Assim, de modo geral, 0 que se constata é que mi tos formadores sequer tiveram uma experiéncia past intensa e profunda. Depois de anos dentro de um sem rio, apés a ordenagio, sio transferidos diretamente trabalhar na formagio de outros seminaristas, rep assim, uma possivel viséo viciada de vida e comp! de mundo limitadas pela falta de uma experiéncia fora ambiente formativo. Quando mui formadores, fazem um tempo de preparagao e estudos alguns tos da Europa, o que também pouco bui para uma vivéncia pastoral e eclesi ‘com a nossa realidade latino-americana, Sem nunca te experimentado de forma mais intensa o cheiro do povo,: chamados a serem exemplos para os mais jovens dag que nem mesmo eles conhecem. Para essas novas geragOes de formandos, jé nao tam discursos, teorias ou imposigées. £ preciso nho pessoal de amor ao povo e doacéo aos mais Se 0s formadores, enquanto sacerdotes, nao possuem convicgao de que também sio pastores de um rebanho vai além do seu seminario, ser mais dificil ainda fazer que seus formandos assimilem esse vigor pastoral. CONSIDERAGOES FINAIS. conclusio, fica sempre a pertinente pergunta acerca modelo de presbiteros que estamos querendo formar. partir dos questionamentos e criticas propositivas ja al dados, procurei apontar caminhos para a formacdo 390 wos padres que sejam homens de comunidade e para ‘omunidade. Homens de Deus e do povo. Um modelo de presbitero identificado com as pessoas em seu mundo pessoal, social e cultural, inserido em sua comunidade. Pastores que nao sejam meros funciondrios do sagrado ou burocratas eclesidsticos. Nao somos presbiteros para nos sa santificagio jimamente ligada & do nos- so povo; a nossa uncio, A sua ungio: tu és ungido para 0 teu povo ccordar-se de que ~ povo santo, povo tiios, firmes, mas 10. superficiais; em papa Francisco € que se torna urgente rever os préprios modelos pastorais ¢ formativos para as novas geragdes. Aquilo que o Documento de Aparecida chama de “conver- pastoral” serve também diretamente para as realida- formativas, ou seja, que “nenhuma comunidade deve isentar-se de entrar decididamente, com todas as forcas, nos processos constantes de renovagio missiondria e de abandonar as ultrapassadas estruturas que ja nao favore- gam a transmissao da fe"! Aparcida. Texto conclusive da V Conferénc ‘edo Care, 13-31 de mai de 2007, 2d B Pauls, 2007, 9.365. Além disso, 0 que se apresenta aqui nao é novidade, pois 0 proprio Concilio Vaticano II jé p uma eclesiologia nao baseada na autoridade ou na rioridade de uns sobre outros, mas no servigo ena pagio de todos. Entender que os ministérios, como as realidades da vida humana, ficam expostos a0 historia a diversas mudangas e configuracées ~ segui concepgao ¢ os modelos de Igreja, as necessidades munidade e, até mesmo, da realidade social e cult momento ~ implica perceber que sua vitalidade es faz parte de uma verdadeira ecclesia semper refo Por fim, que essa necessaria renovacao nos ajude cantar 08 novos vocacionados com uma imagem de bitero mais acessivel ao povo, mais aberto aos pi angiistias e esperancas da mulher e do homem de Presbiteros nao sé apaixonados pelo culto e pela ristia, mas que facam da propria vida Eucaristia pelo povo no altar da humanidade. Homens 1 pelo Cristo Bom Pastor ¢ que, por isso, assumem as ‘mas atitudes daquele que deu a vida pelo seu rebanho. convidou a fazer 0 mesmo. Homens que nao s6 0s sacramentos, mas que sejam verdadeiros s: deixando transparecer a sacralidade de uma vida-sinal est no mundo, mas que nao ¢ do mundo. Homens confiam € creem que € 0 Deus que, no mostra a sua grandeza; no limitado, a sua infinitude; frigil, a sua graca. Jovens, seminaristas e formandos assim como tantos que existem e que nos dao es vivam a sua vocagao como oferta generosa das suas ‘em favor dos pequenos, dos tiltimos e dos esquecidos.

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