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No 8

REFLEXÕES INICIAIS SOBRE

Nota da Presidência
OS EFEITOS ECONÔMICOS
DA ENTRADA MASSIVA DE
IMIGRANTES VENEZUELANOS
NO ESTADO DE RORAIMA
Erik Alencar de Figueiredo

Brasília, junho de 2022


Governo Federal

Ministério da Economia
Ministro Paulo Guedes

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SINOPSE
3

√ A crise política, econômica e social instaurada na Venezuela desde 2013 provocou uma onda de emigração
em massa que demandou atenção especial por parte dos organismos internacionais.
√ Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), mais de 5,6 milhões de
venezuelanos deixaram o país nos últimos anos (representando quase 20% da população daquele país).
√ O estado de Roraima foi a principal porta de entrada para os venezuelanos no território brasileiro.
√ Diante dessa entrada massiva de imigrantes venezuelanos, surge uma pergunta natural: qual o impacto
desse evento na economia local?
√ Para responder a essa pergunta, esta nota segue uma estratégia similar à adotada pela literatura inter-
nacional na investigação dos efeitos do episódio conhecido como êxodo de Mariel (Mariel boatlift) sobre a
economia da Flórida, nos Estados Unidos.
√ Em Roraima, conclui-se que há uma redução de quase 10% no salário formal após a entrada dos imigrantes.
O impacto máximo acontece em 2017, exatamente no momento em que influxos migratórios aumentam
expressivamente, atingindo uma diminuição média de aproximadamente 13%.
√ Entretanto, a partir de 2018, a magnitude do efeito começa a reduzir e continua declinando no ano sub-
sequente. A redução pode ser atribuída a ações efetuadas pelo governo brasileiro, tais como o controle de
fronteiras, a operação acolhida e os acordos de interiorização, entre outras.
√ Essas medidas podem ter contribuído para absorver parte dos efeitos negativos que incidiam sobre o
salário dos nativos de Roraima, especialmente em 2018, quando as solicitações de refúgio aumentam de
forma vertiginosa.
√ A atuação brasileira indica que uma estratégia humanitária deve ser seguida por uma atuação da po-
lítica pública no sentido de conter os efeitos econômicos que, provavelmente, deteriorariam o padrão
de vida da população do país receptor dos imigrantes e em nada contribuiriam para o acolhimento dos
refugiados venezuelanos.

Nota da Presidência
A crise política, econômica e social instaurada na Venezuela desde 2013 provocou uma onda de emigração em massa que
4 demandou atenção especial por parte dos organismos internacionais. De acordo com os dados do Alto Comissariado
das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), mais de 5,6 milhões de venezuelanos deixaram o país nos últimos anos.
Caso se considerem as estimativas do Escritório de População da Organização das Nações Unidas (ONU), os refugiados
chegam a representar 20% da população daquele país em 2020. A saída de venezuelanos é tão expressiva que o país
chegou a 2020 com o mesmo nível populacional de 2010. As razões para a saída da população são diversas. Refugiados
relatam a precariedade das condições de vida, desde a penúria alimentar e a pobreza até questões relacionadas à inse-
gurança pública e à violência política.

Especificamente no Brasil, o estado de Roraima foi a principal porta de entrada dos venezuelanos. Em 2019,
o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), a pedido do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), elaborou
uma nota técnica1 enumerando os principais acontecimentos que levaram ao aprofundamento da crise venezuelana
e, consequentemente, ao intenso fluxo migratório. O gráfico 1 apresenta a relação entre os eventos acontecidos na
Venezuela, documentados pela nota técnica do MJSP, e o aumento das solicitações de refúgio em Roraima. Como pode
ser observado, os eventos ocorridos na origem (Venezuela) mostram uma correlação positiva com o aumento das soli-
citações de refúgio no estado brasileiro. A partir de 2015, período em que a crise se agrava naquele país, os pedidos de
refúgio começam a crescer de forma exponencial. Em 2018, de acordo com a ONU, pelo menos 1,5 milhão de venezuelanos
deixaram a Venezuela. Nessa mesma época, Roraima recebeu cerca de 64 mil solicitações de refúgio, configurando-se
como o maior valor da série histórica.

GRÁFICO 1
Crise na Venezuela e solicitações de refúgio no estado de Roraima

Elaboração do autor.
Obs.: Gráfico cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais (nota do Editorial).

Diante dessa entrada massiva de imigrantes venezuelanos, surge uma pergunta: qual o impacto desse evento na
economia local? Um caminho natural seria investigar como o mercado de trabalho formal foi atingido. Nesse campo
específico, existe uma ampla literatura internacional que avalia como a entrada massiva de imigrantes afeta as condi-
ções do mercado de trabalho local, em especial os salários e o emprego.

As evidências apresentadas acerca desses efeitos são divergentes e inconclusivas. Card (1990), por exemplo,
utilizou o experimento natural provocado pelo episódio conhecido como êxodo de Mariel (Mariel boatlift), em que
aproximadamente 125 mil cubanos expatriaram-se após Fidel Castro declarar que o Porto de Mariel estava aberto para
quem quisesse emigrar para os Estados Unidos, em 1980. Uma parcela substancial de imigrantes se instalou em Miami,

1. Disponível em: <https://bit.ly/3n6Xmte>.


elevando a força de trabalho em torno de 7% e a quantidade de trabalhadores cubanos em aproximadamente 20%. Os
resultados apresentados pelo autor indicaram que os choques migratórios não afetaram os salários e o emprego do 5
mercado de trabalho. Não obstante, a investigação inicial de Card (1990) apresenta diversas limitações. Nesse sentido,
após avanços técnicos relevantes, que permitiram superar as limitações de Card (1990), Borjas (2017) e Peri e Yasenov
(2019) revisitaram esse episódio. Borjas (2017) descobriu que a entrada massiva de cubanos afetou negativamente o
salário dos indivíduos pouco qualificados (low-skilled), chegando a declinar aproximadamente de 10% a 30%. Enquanto
isso, Peri e Yasenov (2019), a exemplo de Card (1990), não encontraram nenhum efeito.

Embora seja uma situação indesejada, o evento ocorrido em Roraima é similar ao que aconteceu em Miami, nos
Estados Unidos, e nos permite avaliar como a entrada massiva de venezuelanos afetou as condições do mercado de trabalho
local. Não apenas, essa investigação é fundamental e pode subsidiar o desenho de políticas públicas para atenuar os
efeitos negativos dos choques migratórios. Os efeitos desse movimento migratório sobre o Brasil serão exemplificados
a partir do seu impacto sobre o salário real no estado de Roraima. As evidências completas podem ser acessadas no
artigo de Matos e Figueiredo (2022).

Usando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua e o Método de Controle
Sintético (MCS) proposto por Abadie e Gardeazabal (2003) e Abadie, Diamond e Hainmueller (2010), esta nota avalia
como o choque migratório venezuelano afetou os salários do mercado de trabalho local, tanto para o setor formal como
para o informal. Em linhas gerais, o MCS possibilita construir a trajetória do salário e do emprego de Roraima caso o
estado não tivesse recebido os influxos migratórios (cenário contrafactual). A seguir, serão apresentadas as principais
evidências encontradas.

O gráfico 2 apresenta os resultados para o salário real do setor formal. O painel A exibe apenas a comparação
entre a trajetória do salário real de Roraima, indicada pela linha contínua, e a trajetória do salário real das unidades
pertencentes ao conjunto potencial de comparação (donor pool), representada pela linha pontilhada. Como pode ser
observado, a simples média dos estados não fornece um grupo de comparação adequado para avaliar o impacto do
choque migratório sobre o salário formal de Roraima. Enquanto isso, o painel B corresponde ao resultado do controle
sintético. A linha contínua representa a trajetória do salário real de Roraima e a linha tracejada corresponde à trajetória
da unidade sintética (ou cenário contrafactual).

GRÁFICO 2
Resultados do controle sintético para o salário formal de Roraima
2A – Painel A 2B – Painel B

Nota da Presidência

Elaboração do autor.
Obs.: Gráficos cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais (nota do Editorial).

É possível identificar que a unidade sintética rastreia bem a trajetória do salário real de Roraima no período
anterior à intervenção, sugerindo que o grupo de controle representa bem o cenário contrafactual. A partir de 2015,
período em que se agrava a crise na Venezuela e, consequentemente, aumentam os influxos de imigrantes no estado
de Roraima, observa-se um desvio importante da tendência salarial de Roraima em relação à Roraima sintética. Com
o auxílio de regressões denominadas de event study, é possível concluir que há uma redução de quase 10% no salário
6 formal de Roraima após a entrada dos imigrantes. O impacto máximo acontece em 2017, exatamente no momento em
que influxos migratórios aumentam expressivamente, atingindo uma diminuição média de aproximadamente 13%.
Entretanto, a partir de 2018, a magnitude do efeito começa a reduzir e continua declinando no ano subsequente. A
redução pode ser atribuída a ações efetuadas pelo governo brasileiro, tais como o controle de fronteiras, a operação
acolhida e os acordos de interiorização, entre outras. Essas medidas podem ter contribuído para absorver parte dos
efeitos negativos que incidiam sobre o salário dos nativos de Roraima, especialmente em 2018, quando as solicitações
refúgio aumentam de forma vertiginosa.

A atuação brasileira indica que uma estratégia humanitária deve ser seguida por uma atuação da política
pública no sentido de conter os efeitos econômicos que, provavelmente, deteriorariam o padrão de vida da população
do país receptor dos imigrantes. O próximo passo será investigar como os imigrantes venezuelanos foram acolhidos
no território nacional e qual a sua interação com o mercado de trabalho nos novos destinos. Postula-se que, em menor
escala, finalmente seja possível observar efeitos positivos da migração sobre o ambiente local.

REFERÊNCIAS
ABADIE, A.; DIAMOND, A.; HAINMUELLER, J. Synthetic control methods for comparative case studies: estimating
the effect of California’s tobacco control program. Journal of the American Statistical Association, v. 105, n. 490,
p. 493-505, 2010.
ABADIE, A.; GARDEAZABAL, J. The economic costs of conflict: a case study of the Basque country. American
Economic Review, v. 93, n. 1, p. 113-132, 2003.
BORJAS, G. J. The wage impact of the marielitos: a reappraisal. ILR Review, Los Angeles, v. 70, n. 5, p. 1077-1110, 2017.
CARD, D. The impact of the Mariel boatlift on the Miami labor market. ILR Review, Los Angeles, v. 43, n. 2,
p. 245-257, 1990.
MATOS, P.; FIGUEIREDO, E. A de. Efeitos econômicos da entrada massiva de imigrantes venezuelanos no estado
de Roraima. João Pessoa: UFPB, 2022. (No prelo).
PERI, G.; YASENOV, V. The labor market effects of a refugee wave synthetic control method meets the Mariel boatlift.
Journal of Human Resources, v. 54, n. 2, p. 267-309, 2019.
Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

EDITORIAL

Chefe do Editorial
Aeromilson Trajano de Mesquita

Assistentes da Chefia
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Samuel Elias de Souza

Supervisão
Camilla de Miranda Mariath Gomes
Everson da Silva Moura

Revisão
Alice Souza Lopes
Amanda Ramos Marques
Ana Clara Escórcio Xavier
Clícia Silveira Rodrigues
Idalina Barbara de Castro
Olavo Mesquita de Carvalho
Regina Marta de Aguiar
Reginaldo da Silva Domingos
Brena Rolim Peixoto da Silva (estagiária)
Nayane Santos Rodrigues (estagiária)

Editoração
Anderson Silva Reis
Cristiano Ferreira de Araújo
Danielle de Oliveira Ayres
Danilo Leite de Macedo Tavares
Leonardo Hideki Higa

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