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Índice

Agradecimentos 3

Introdução 3

1. O que há de tão diferente no açúcar? 6

2. Eu como porque gosto 11


A origem da dieta humana 16
As duas revoluções alimentares 18

3. Açúcar e outros carboidratos 25

4. De onde vem o açúcar 28


Açúcar de cana 29
Açúcar de beterraba 34

5. Açúcar mascavo é melhor que branco? 35

6. Refinado e não-refinado 42
Fibras 44

7. Nem só o açúcar é doce 46

8. Quem come açúcar, e quanto? 53

9. As palavras significam o que você quiser que elas signifiquem 76


De onde vem a energia 77
Puro é bom 80

10. As calorias do açúcar emagrecem – dizem 81

11. Como comer mais calorias sem comer comida de verdade 93

12. Você consegue provar? 98

13. Trombose coronariana, a epidemia moderna 118

14. Coma açúcar e veja o que acontece 136

15. Açúcar demais no sangue – ou de menos 150


Diabetes 150
Hipoglicemia 163
A relação entre doença coronariana e diabetes 166

16. Uma dor no meio 170


Úlcera péptica 176
Hérnia de hiato 177
Pedras na vesícula 178
Doença de Crohn 179
17. Um anfitrião de doenças 181
Danos aos olhos 182
Danos aos dentes 184
Danos à pele 192
Danos às articulações 194
Doença hepática 195
Há ligação entre açúcar e câncer? 197
Açúcar e a ação de drogas 201
Açúcar e proteína 202
Uma ampla gama de distúrbios 204

18. O açúcar acelera o processo da vida – e da morte também? 205


O efeito do açúcar no crescimento 205
O efeito do açúcar na maturidade 208
O efeito do açúcar na longevidade 211

19. Como o açúcar produz seus efeitos? 214


Ação local 215
A ligação entre o açúcar e a doença dental 216
A ligação entre o açúcar e a dispepsia. 216
Ação geral 220
Micróbios no trato digestivo 226
Sacarose no sangue 227

20. O açúcar deve ser proibido? 228

21. A melhor defesa é o ataque 239


Alguns dos meus melhores amigos… 241
A Organização Mundial de Pesquisa sobre Açúcar, ou, O que há em um nome? 242
Liberdade de escolha depende de liberdade de informação 245
Açúcar e adoçantes artificiais 247
A Fundação Britânica de Nutrição 250
O Diretor-Geral desaprova 252
A BNF não quer nutritionistas do QEC 253
O longo braço da indústria açucareira 255
Dizendo a verdade sobre a cárie dentária 258
De zero a dez, zero de tato 261
Intervenção amigável 263
Um ataque preventivo 265
Cientista contra cientista 267
Escreva o que você gostar, mas somente se eu gostar também 271
Puro, branco – e poderoso 271

Profecia e Propaganda 272


Introdução à edição de 2012 por Robert H. Lustig, MD 272

Agradecimentos
Grande parte do trabalho experimental que eu citarei aqui foi realizado no

Departamento de Nutrição do Queen Elizabeth College. Eu fui muito afortunado por

ter tido, ao longo de vários anos, muitos colegas e estudantes pesquisadores que

contribuíram grandemente às ideias e ao trabalho duro que envolve o lento – o

enormemente lento – desenrolar de alguns dos problemas que enfrentamos. Sem sua

colaboração, muitos dos fatos que cito não teriam sido descobertos.

Finalmente, devo dizer aqui como sou grato às muitas empresas da indústria

alimentícia e farmacêutica que, por 25 anos, têm-me dado tamanho apoio generoso e

constante na construção e manutenção do Departamento de Nutrição. Para muitas

delas, os resultados de nossa pesquisa não foram muitas vezes absolutamente de seu

interesse, mesmo assim, foi amplamente com sua ajuda que fomos capazes de

trabalhar naqueles problemas que, para mim, pareceram de tamanha importância.

Introdução
Muito já se escreveu sobre o açúcar. Existem dúzias de livros sobre o cultivo da

cana-de-açúcar e da beterraba-de-açúcar, inclusive livros que descrevem a

vergonhosa história do tráfico de escravos entre a Europa, a África Ocidental e o

Caribe. Existem dúzias de livros fornecendo os detalhes técnicos do refino de açúcar

e da fabricação de alimentos e bebidas adoçados. Mas informações precisas

adicionais sobre o açúcar como um alimento não são fáceis de se encontrar. Quantas
pessoas comem mais que a média e quantas comem menos? Quem são os pequenos

consumidores e quem são os grandes consumidores e quais são as maiores e menores

quantidades consumidas? O que aconteceria com nossa saúde se não ingeríssemos

absolutamente nenhum açúcar, ou se nós o consumíssemos em quantidades

realmente grandes?

Parte dessa informação pode, com algum trabalho, ser encontrada em publicações da

indústria, mas não toda ela. Você poderia achar que elas seriam obtidas da própria

indústria açucareira; ela indubitavelmente tem centros de informação ativos em

diversos países. Nós sabemos qual é o consumo médio de açúcar em cada país. Mas

não é possível obtermos a resposta de questões tão simples como quanto açúcar há

nas dietas de pessoas de diferentes idades, ou qual a variação do conteúdo de açúcar

da dieta de escolares britânicos de 15 anos. Pode ser que a indústria simplesmente

não tenha essa informação, ou pode ser que ela tenha mas não queira que seja

conhecida. Em especial, esperaríamos que a indústria açucareira estivesse ciente dos

níveis de consumo quando, ao rejeitar críticas dos efeitos sobre a saúde, ela

constantemente refere-se ao consumo ‘moderado’. No entanto, o que a indústria

considera moderado, sob qualquer avaliação, deve ser uma quantidade bastante

considerável. Um dos cientistas que mais fortemente apoia a indústria açucareira

escreveu, ‘A variação do consumo habitual de açúcar pode, portanto, estar entre 10 e

30 por cento das calorias totais, com a média de 15 a 20 por cento.’ Ele prossegue

dizendo, ‘Essa taxa de consumo de açúcar pode ser considerada moderada, e pode

provavelmente ser excedida um pouco sem ultrapassar o equilíbrio da moderação.’

Foram feitas muito mais pesquisas sobre os efeitos à saúde do pão na nossa dieta, ou

dos ovos, ou dos cereais matinais, ou da carne, ou dos vegetais, do que sobre os

efeitos do açúcar, embora o açúcar, em média, constitua cerca de 17 por cento da


nossa dieta, uma proporção maior do que qualquer um desses outros itens. Contudo,

em 1972, quando ​Puro, Branco e Mortal​ foi publicado pela primeira vez, as poucas

pesquisas que haviam já mostravam que o açúcar na nossa dieta poderia estar

envolvido no desenvolvimento de várias condições, incluindo não apenas cárie

dentária e sobrepeso, mas também diabetes e doença cardíaca.

Desde aquela época, pesquisas produziram ainda mais evidências de que o açúcar

esteja implicado nessas condições, e também aumentou a lista de doenças nas quais

o açúcar que comemos possivelmente, ou até provavelmente, possa ser um fator.

Muitos dos experimentos dos quais derivaram essas conclusões foram realizados no

Departamento de Nutrição do Queen Elizabeth College, Universidade de Londres,

alguns dos quais em colaboração com pesquisadores do Departamento de

Bioquímica. Quando nossos experimentos foram repetidos independentemente em

outros institutos de pesquisa, os resultados sempre estiveram alinhados com os

nossos. Aqueles que discordam do que dizemos podem, portanto, debater as

conclusões que tiramos da pesquisa, mas eles não podem legitimamente discordar

dos resultados experimentais.

Nesta edição eu aproveitei a oportunidade de atualizar e ampliar muitas das

estatísticas que citei anteriormente. Eu também resumi as pesquisas que nós e outros

fizemos durante os últimos 14 ou 15 anos que mostraram mais do que acontece em

nossos corpos quando comemos açúcar.

Muitas vezes me perguntam por que não ouvimos muito sobre os perigos do açúcar,

enquanto estamos sendo frequentemente informados que temos muita gordura em


nossa dieta e não temos fibra suficiente. Eu sugiro que você encontrará pelo menos

parte da resposta no último capítulo deste livro.

1. O que há de tão diferente no


açúcar?

O​ açúcar é bastante comum em nossas vidas, e quase todos acreditam que é


simplesmente um doce atraente – um dos muitos carboidratos da dieta dos países

civilizados. Mas o açúcar é uma substância realmente extraordinária. É singular na

planta que o sintetiza, nos materiais que os químicos produzem a partir dele e na sua

utilização em alimentos em casa e na indústria. E pesquisas recentes mostram que

também tem efeitos singulares no corpo, diferentes daqueles de outros carboidratos.

Já que atualmente ele totaliza cerca de um sexto das calorias totais consumidas nos

países mais ricos, é essencial que se saiba mais sobre seus efeitos nas pessoas quando

ele adentra o corpo através da comida e da bebida.

Curiosamente, não apenas o leigo, mas também o médico e o pesquisador médico até

recentemente assumiram que não havia necessidade de se incomodar com algum

estudo especial sobre o açúcar. Desde que o homem começou a produzir seu

alimento em vez de caçá-lo e coletá-lo, sua dieta passou a conter grandes

quantidades de carboidratos de um tipo ou de outro (veja p. xxx). Não parece ter

ocorrido a alguém que fizesse alguma diferença se esse carboidrato consistisse quase

totalmente de amido no trigo ou arroz ou milho, ou se o amido fosse sendo


gradualmente substituído por quantidades crescentes de açúcar, como tem

acontecido nos últimos 100 ou 200 anos.

Embora alguns dos primeiros pesquisadores ocasionalmente apontaram que comer

açúcar não era sempre o mesmo que comer amido, ninguém deu muita atenção a isso

até cerca de 25 anos atrás. Quando eu escrevi um livro sobre perda de peso, em 1958,

eu recomendei fortemente uma dieta baixa em carboidratos, mas fiz muito pouca

distinção entre os benefícios de se evitar amido e se evitar o açúcar. Desde então,

uma enorme quantia de novas informações vêm se acumulando, e mais estão sendo

adicionadas constantemente. A maior parte das novas pesquisas, apropriadamente,

foi publicada em revistas científicas e médicas, mas agora parece que vale a pena

para resumi-las para o público não-técnico. Afinal de contas, não são apenas os

cientistas e médicos que comem, e se comer açúcar é realmente perigoso, então isso

deve ser dito a todos.

O fato de que tanto a respeito dos efeitos do açúcar ainda estar sendo descoberto é,

por si só, uma ilustração de como foi inesperado encontrar tantas diferenças destes

efeitos daqueles de outros alimentos comuns. Você pode ter imaginado que a

descoberta de que havia diferenças teria estimulado os próprios produtores de açúcar

e refinadores a iniciarem estudos a respeito das propriedades de seu produto. Outras

indústrias que produzem alimentos como a carne ou laticínios ou frutas gastaram um

bom dinheiro no decorrer dos anos para realizar ou apoiar estudos nutricionais de

seus produtos, mesmo que esses alimentos tenham uma proporção menor na dieta

ocidental do que tem o açúcar agora. Mas o pessoal do açúcar parece bem contente

em gastar seu dinheiro em publicidade e relações públicas, fazer alegações sobre

energia rápida e – como veremos mais tarde – simplesmente rejeitar as sugestões de


que o açúcar realmente é prejudicial ao coração ou aos dentes ou à forma física ou à

saúde em geral.

Eu não posso reivindicar que tudo que digo neste livro será aceito por todos os

pesquisadores. Espero, entretanto, ter deixado claro quais as partes do livro se

referem à pesquisa científica sólida e observável e quais partes são minhas próprias

opiniões e interpretações sobre essas observações. Somente o tempo mostrará o quão

certo ou errado estou em determinada afirmação pessoal. Mas, logo no início, posso

fazer duas afirmações-chave que ninguém pode refutar:

Primeiramente, ​não há nenhuma exigência fisiológica para o açúcar;​ todas as

necessidades nutritivas humanas podem ser alcançadas sem uma única colher de

açúcar branco ou marrom ou integral sequer, isolado ou em qualquer alimento ou

bebida.

Em segundo lugar, ​se apenas uma pequena fração do que já se sabe sobre os efeitos

do açúcar fosse revelada com relação a qualquer outra substância usada como um

aditivo alimentar, essa substância seria prontamente proibida.

Pegue o caso dos ciclamatos. Atualmente, alguns países não permitem que esse

substituto do açúcar seja usado, e a proibição é baseada em experimentos nos quais

ratos são alimentados por períodos extremamente longos com quantidades imensas

de ciclamato – equivalentes a um homem que come de 4 a 5 quilos de açúcar

diariamente por 40 ou 50 anos. Mais adiante nestas páginas você lerá o que pode

acontecer a ratos que são alimentados com açúcar em quantidades pouco – ou

mesmo nada – diferentes daquelas consumidas por muitas pessoas. Eu não vou
antecipar os detalhes que você irá encontrar, mas muitos dos efeitos incluem fígados

aumentados e gordurosos, rins aumentados e diminuição da longevidade.

Pense em tudo isso na próxima vez que você ler sobre um experimento que sugere

que um outro substituto do açúcar pode ser prejudicial, como aconteceu quando o

aspartame foi introduzido. Note a publicidade incendiária encorajada pelos homens e

mulheres atarefados que administram organizações como a Sugar Information

Incorporated [Informação sobre o Açúcar Incorporada] ou o Sugar Bureau [Agência

do Açúcar]. Então pense no que já se sabe que o açúcar ​pode​ fazer, comparando com

o que um substituto ​possivelmente​ poderia fazer se tomado em quantidades

enormemente irreais por um período longo o suficiente.

Minha própria visão é que é perfeitamente seguro usar esses adoçantes sempre que

você desejar, embora (por razões que considero bem inadequadas) você não possa

encontrar ciclamato em alguns países. Mas embora sejam bem seguros, algumas

pessoas acham ser uma boa ideia não usar adoçantes. Eles preferem adquirir o

hábito de ter menos doçura em seus alimentos e bebidas, evitando os alimentos que

têm​ que ser feitos com açúcar.

Muitas pessoas criticaram o que escrevi anteriormente; dizem que os experimentos

que nós e outros realizamos utilizaram quantidades de açúcar absurdamente altas

para produzir os efeitos que descrevemos. Uma dessas pessoas é o fisiologista

americano Dr Ancel Keys, o mais importante e, certamente, o mais dogmático

pesquisador que expõe a visão de que a doença coronariana vem da gordura dietética

e que o açúcar não tem nada a ver com isso. Ele escreveu que ‘os níveis de açúcar nas

dietas experimentais são da ordem de três ou mais vezes superiores àqueles de

qualquer dieta natural’. Isso é completamente inverídico, como veremos, mas isso
surge porque pouquíssimas pessoas se incomodam em descobrir o quanto as pessoas

que gostam de açúcar, de fato, o consumem.

Você ouve histórias de que os turcos consomem uma grande quantidade de açúcar,

como você pode ver pelas quantidades que colocam em seu café. Mas os turcos,

mesmo atualmente, ingerem cerca da metade da quantidade consumida na Bretanha

e nos Estados Unidos, e, 20 anos atrás, os turcos ingeriam menos que um quarto.

Além desses tipos de questões, você também pode se enganar quando você lê as

estatísticas oficiais sem ler as letras miúdas. Relatórios anuais sobre a dieta britânica

são feitos regularmente há 40 anos, e os números relativos ao açúcar atualmente

totalizam uma média de cerca de 15 quilos por ano. Mas se você olhar atentamente,

você verá que as estatísticas não incluem lanches ou alimentos consumidos fora de

casa, e a média verdadeira revela-se três vezes maior, de cerca de 45 quilos de açúcar

por ano. Se você agora levar em consideração que se trata de uma média, e que

muitas pessoas consomem muito mais açúcar que a média, você achará que as

quantidades usadas em experimentos com seres humanos e animais não são, de

forma alguma, extraordinárias ou absurdas.

E sobre a referência do Dr Keys sobre o conteúdo de açúcar ‘de qualquer dieta

natural’? O que é uma dieta natural? É ‘natural’ para os ocidentais atualmente

comerem 20 vezes mais açúcar, ou mais, comparados ao que nossos ancestrais

comiam há apenas dois ou três séculos, e imensamente mais que nossos

antepassados mais remotos jamais comeram? Hoje em dia ouvimos muito

frequentemente as palavras ‘natural’ e ‘moderado’; nós temos que realmente montar

guarda para não sermos levados a acreditar que elas têm algum significado real, ou,
até pior, que elas fornecem evidência que algo a que essas palavras são aplicadas são

intrinsecamente saudáveis, boas e desejáveis.

Espero que quando você tiver terminado este livro eu tenha lhe convencido que o

açúcar é realmente perigoso. Pelo menos, eu espero ter persuadido você que ele ​pode

ser perigoso. Agora adicione a isso o fato – o fato indubitável – que nem você, nem

seus filhos precisam ingerir açúcar de forma alguma, ou alimentos ou bebidas feitos

com ele, a fim de desfrutar de uma dieta completamente saudável e altamente

nutritiva. Se, como resultado, você desistir agora de todo ou da maior parte do

consumo de açúcar – e eu mostrarei mais tarde que isso não é muito difícil – eu não

terei desperdiçado meu tempo escrevendo este livro e, mais importante, você não

terá desperdiçado seu tempo lendo-o.

2. Eu como porque gosto

U​ma das mais espetaculares ‘indústrias em crescimento’ atuais é aquela ligada à


produção e distribuição de alimentos saudáveis. Na Grã-Bretanha e nos Estados

Unidos quase todo bairro tem sua loja especial onde você pode, ao que parece,

garantir a juventude eterna, comprando mel tecido à mão, cenouras caipiras e ovos

moídos em moinhos de pedra.

Não há dúvida que as pessoas atualmente estão muito preocupadas com sua comida.

Mas pessoas diferentes estão preocupadas com coisas diferentes, e a maioria delas

está preocupada com as coisas erradas. Posso garantir que realmente não importa

para a sua saúde se seu frango é produzido pelo sistema de frangos de granja, ou se

você come batatas cultivadas com adubos químicos. Mas ​realmente​ importa que sua
dieta é agora, muito provavelmente, diferente daquela que evoluiu por milhões dos

anos como a dieta mais apropriada para você, como um membro da espécie ​Homo

sapiens​.

Por favor, não deixe que essas frases insinuem que eu tenha descoberto os segredos

da dieta ideal. Como eu tenho escrito bem provocantemente sobre ‘alimentos

naturais’, eu não quero dizer que tudo que você vê na loja de alimentos naturais seja

um disparate e que tudo o que vou lhe dizer é uma certeza absoluta. É verdade que

cada pessoa tende a acreditar que um conhecimento de nutrição é de alguma forma

instintivo e que o pensamento e a introspecção cuidadosos irão fornecer uma

resposta tão boa para questões nutricionais quanto os estudos e pesquisas do

nutricionista profissional.

É tolice insistir, apesar de todas as provas detalhadas em contrário, que há alguma

diferença no valor nutricional da batata produzida em terra adubada com

fertilizantes químicos ou com composto orgânico. Por outro lado, é igualmente tolice

de alguns cientistas imaginar que sabemos tudo o que há para saber sobre nutrição

humana. Não há, por exemplo, qualquer justificativa para a afirmação que ouvi numa

reunião científica, onde um químico de alimentos disse que os cientistas não

precisam se preocupar muito com a produção suficiente de alimentos ricos em

proteínas; os seres humanos em breve serão capazes de se alimentar inteiramente

com proteína sintética e outros nutrientes. E isso numa altura em que novos fatos são

descobertos quase diariamente sobre fenômenos supostamente bem compreendidos

como a obesidade, ou sobre os efeitos de diferentes carboidratos alimentares. A

posição mais segura está em algum lugar entre arrogância baseada em ignorância

desconhecida, e arrogância baseada na certeza injustificada.


Mas como encontramos essa posição? Que tipo de princípios adotamos a fim de

decidir se esta ou aquela comida é ‘boa para você’? Qual seria, de fato, a dieta ideal?

Vou dedicar o resto deste capítulo tentando responder a essas questões, lentamente e

com cuidado, porque eu acredito que uma compreensão da biologia da alimentação

fornece as pistas para o que deve ser a dieta ocidental; o que há de errado com ela

hoje; e por que ela deu errado.

Começamos por nos lembrar que todos os animais necessitam de dois tipos de

materiais para seu crescimento e sobrevivência. Um é o material que pode ser

queimado (oxidado) para produzir a energia necessária para os processos vitais –

crescimento e movimento e respiração e todas as outras atividades que distinguem

um animal vivo de um morto. Esses materiais para produção de energia são

principalmente carboidratos e gorduras, apesar de proteína também poder ser usada

dessa forma. O segundo tipo de material consiste de milhares de compostos

diferentes que formam a composição química altamente complexa das células dos

diferentes tecidos que, organizados, constituem todo o animal vivo. A vasta maioria

desses compostos pode ser feita pelo próprio corpo, a partir de um número bem

menor de matérias-primas. Mas esses são todos materiais que devem ser, cada um

deles, fornecidos ao corpo. Sem eles, um jovem organismo não conseguirá crescer, e

um organismo adulto se desgastará gradualmente por ser incapaz de reparar o

desgaste geral de suas células e tecidos.

Assim, podemos dizer a esta altura, que devemos dar materiais ao corpo tanto para

fornecer energia como para suprir as matérias-primas para crescimento e reparação.

A fonte desses materiais essenciais são nossa comida e nossa bebida. Elas têm que

fornecer cerca de 50 itens diferentes. Estes dividem-se em diversas classes – os


carboidratos, as gorduras, as proteínas, as vitaminas, os minerais – e, naturalmente,

água.

Até onde sabemos, todas as espécies de animais precisam dos mesmos componentes

para sua vida e sustento. E quase todas as espécies têm que obter todas elas da

comida. As exceções são interessantes e incluem ruminantes como as vacas, que

podem obter muitas vitaminas de micro-organismos que vivem em seus complexos

estômagos. Mas, em geral, como eu disse, a maioria dos animais precisa obter todas

as suas vitaminas, proteínas e tudo o mais de seus alimentos, e esses nutrientes são

necessários aproximadamente nas mesmas proporções para todas as espécies

animais.

Você pode, portanto, argumentar que todas as espécies de animais deveriam comer

os mesmos alimentos. Mas, na verdade, sabe-se muito bem que diferentes espécies

comem dietas realmente bem diferentes. Alguns, como o leão e o tigre, são em

grande parte carnívoros – comedores de carne. Outros, como coelhos, girafas e

cervos, são principalmente herbívoros – comedores de vegetais, ou vegetarianos.

Outros, como nós mesmos, ratos e porcos, comem dietas provenientes de fontes

vegetais e animais; esses animais são onívoros. Em contraste, alguns animais comem

apenas uma gama muito limitada de alimentos; a girafa come pouco além de folhas

de acácia. O coala come pouco além de folhas de eucalipto e, mesmo assim, só de

algumas das 400 e poucas espécies existentes.

Então há uma aparente contradição. Em primeiro lugar, todas as espécies de animais

necessitam do mesmo em forma de nutrientes, que – com poucas exceções – elas

devem obter de seu alimento. Mas em segundo lugar, diferentes espécies de animais

obtêm esses mesmos nutrientes de tipos muito diferentes de dieta. Grandes


vantagens biológicas decorrem disso, impedindo que haja competição entre as várias

espécies pelos mesmos alimentos. Cada espécie estabelece seu próprio ‘nicho

ecológico’ em relação à sua fonte de alimentação. Sua anatomia e fisiologia são bem

adaptadas para localizar, obter, comer, mastigar e digerir os alimentos que ela

escolhe.

Mas o fato é que uma espécie muitas vezes sequer tentará comer alimentos que são

muito procurados por uma outra espécie. Então o que faz um animal escolher um

tipo de dieta e um animal diferente escolher uma outra completamente distinta?

Evidentemente não pode ser porque eles estão escolhendo esses alimentos distintos

pelos nutrientes que contêm, uma vez que suas necessidades de nutrientes são tão

semelhantes. Devem ser, portanto, outras propriedades alimentares que tornam uma

gama de alimentos especialmente atraente para uma espécie e uma outra gama

especialmente atraente para outra. Essas qualidades são forma e tamanho, cor e

cheiro, sabor e textura – características que eu gostaria de agrupar, talvez muito

vagamente, sob o título de palatabilidade.

Alimentos, portanto, possuem duas propriedades diferentes – palatabilidade e valor

nutritivo. A palatabilidade dos alimentos, e assim os alimentos escolhidos para

compor a dieta total, varia de espécie para espécie; no entanto, as necessidades

nutricionais que têm de ser satisfeitas por essas várias espécies são praticamente as

mesmas para todas as espécies. Assim, animais escolhem dietas que acham

palatáveis, mas, quaisquer que sejam essas dietas, elas devem fornecer todas as suas

necessidades nutricionais. Se não o fizessem, os animais pereceriam.

Então podemos dizer que quando um animal come o que quer, ele recebe o que

necessita; ou, nos termos que venho usando, para cada espécie de animal, a
palatabilidade é um guia para o valor nutricional. Todos instintivamente sentem que

isto é correto; se você gosta muito de uma comida, tudo leva a indicar – a provar,

quase – que você precisa dessa comida.

Os hábitos alimentares são formados na infância, e as crianças gostam de alimentos

doces. Isso significa que o açúcar deve ser bom para elas? De modo nenhum, embora

eu esteja certo que a maioria das pessoas já ouviram esse tipo de argumento.

Ouve-se, também, frases como daquela velha canção burlesca, ‘A little of what you

fancy does you good’ [‘Um pouco do que desejas te faz bem’]. E enquanto os seres

humanos não produziam alimentos, este argumento era perfeitamente válido.

A origem da dieta humana

Voltarei mais tarde à questão de quando é verdade que o que você quer é o que você

precisa, e quando não é verdade. Deixe-me agora voltar à história sobre

palatabilidade e valor nutritivo e ver como ela se aplica à nossa própria espécie.

A ciência está gradualmente aprendendo bastante sobre nossas origens, e embora

ainda existam muitas incertezas sobre a dieta humana primitiva, agora podemos

fazer algumas suposições muito boas.

Geralmente se aceita que os nossos primeiros antepassados, os primatas semelhantes

a esquilos de cerca de 70 milhões de anos atrás, eram vegetarianos. Eles continuaram

como vegetarianos até cerca de 20 milhões de anos atrás, pois não tiveram

dificuldades em sobreviver de frutas, nozes, bagas e folhas. Mas então a chuva

começou a diminuir e a Terra entrou num período de 12 milhões de anos de seca. As


florestas encolheram e seu lugar foi tomado por crescentes áreas de savana aberta.

Foi nessa época que surgiu o ​Australopithecus africanus​. (​Australapithecus​ significa

‘macaco do Sul’.)

Para sobreviver, o ​africanus​ teve que abandonar a existência vegetariana e frutariana

do hominídeo aparentado ​Australopithecus robustus​ e mudar para uma existência

de carniçaria e caça principalmente carnívora. Os dentes molares do ​africanus​ têm a

forma e o fino esmalte dos de um carnívoro. Os músculos da mandíbula eram

pequenos e não precisavam do crista craniana do ​robustus​ para sua fixação. Os

caninos também eram pequenos, pois o ​africanus​ não matava nem com presas, nem

com garras ou chifres, mas com armas, tendo adotado uma postura completamente

ereta, que liberou os braços e as mãos da necessidade de serem usados para

locomoção. Os ossos foram as primeiras armas do ​africanus;​ só mais tarde é que

pedras começaram a ser usadas e, ainda mais tarde, o machado.

Assim, parece que, pelo menos por 2 milhões de anos, nossos ancestrais eram

principalmente comedores de carne. A partir desse momento, eles continuaram a ser

carniceiros e caçadores, buscando seu alimento favorito – carnes e vísceras.

Eles tinham uma vantagem sobre as espécies mais estritamente carnívoras, pois eles

também podiam comer, e comiam, alimentos vegetais. Junto com a carne, suas

dietas continham as nozes, bagas, folhas e raízes que tinham alimentado seus

antepassados. Esse potencial onívoro deu-lhes a capacidade de sobreviver quando

suas presas lhes escapavam ou escasseavam.

Em termos nutricionais, a dieta dos seres humanos pré-históricos e seus ancestrais,

durante talvez 2 milhões de anos ou mais, foi rica em proteína, moderadamente rica
em gordura e geralmente pobre em carboidratos. Se assumirmos que nossas atuais

preferências universais de paladar para doces e salgados são uma continuação das

preferências adquiridas há muito tempo, então é provável que, exceto em tempos de

fome, as pequenas quantidades de carboidratos dietéticos vinham principalmente de

frutas, em contraste às folhas e raízes menos palatáveis.

As duas revoluções alimentares

Até muito recentemente, em termos evolutivos, todos os animais, incluindo os seres

humanos, dependiam da caça, de comer a carniça de outros animais, ou do consumo

de vegetação selvagem como fonte de alimento. Foi há menos de 10.000 anos –

comparados aos 2 milhões de anos ou mais de passado carnívoro – que nos

tornamos, singularmente, produtores de alimentos. A produção agrícola de

alimentos parece ter se originado de forma independente em três diferentes

momentos em três diferentes partes do mundo, de onde, então, espalhou-se. A

primeira foi por volta de 10.000 anos atrás, no Crescente Fértil, onde estão hoje

Israel, Jordânia, Síria, Turquia e Irã, com o cultivo de trigo, cevada, lentilhas e

ervilhas e a domesticação de bovinos, ovinos e caprinos. Há cerca de 7.000 anos, a

agricultura começou na China, produzindo arroz, soja, tubérculos e porcos. A área

que desenvolveu a agricultura por último foi a América Central, onde as culturas

principais eram milho e feijão, e onde lhamas e porquinhos-da-índia eram criados.

Na maioria dos casos, então, a produção de alimentos começou com o cultivo de

cereais. Isso derivou da descoberta de que algumas das gramíneas selvagens cujas

sementes eram comidas ocasionalmente poderiam produzir muitas vezes essa

quantidade de sementes comestíveis se elas fossem deliberadamente plantadas. A


domesticação dessas gramíneas produziram os cereais que agora são o alimento

básico de grande parte da humanidade atual, e foi seguida ou acompanhada pela

domesticação de plantas com tubérculos e de animais selvagens, que eram usados

como alimento ou como animais de carga.

Os resultados da descoberta da agricultura – a Revolução Neolítica – foram muitos e

profundos. Os seres humanos deixaram de ser nômades e começaram a viver em

comunidades assentadas socialmente organizadas. Esse marco de progresso se

tornou a base para tudo o que sabemos da civilização, com suas artes, suas invenções

e suas descobertas.

Comparada à caça e coleta, a agricultura geralmente rendeu mais comida; ela

também permitia o cultivo de áreas onde os recursos existentes de comida eram

insuficientes. Assim, a população humana cresceu, porque menos morreram por falta

de comida, e as pessoas espalharam-se em áreas cada vez maiores da superfície da

terra. Mas, eventualmente, os limites da produção de alimentos novamente

tornaram-se os limites para os números que poderiam ser alimentados. A inevitável

pressão populacional sobre as fontes de alimento tendeu a produzir e estabilizar um

tipo de dieta bem diferente daquele de nossos antepassados caçadores. Era – e ainda

é – muito mais fácil produzir alimentos vegetais que alimentos animais; em uma

dada área de terra, umas dez vezes mais calorias podem ser produzidas em forma de

cereais ou de raízes que em forma de carne, ovos ou leite.

O efeito da Revolução Neolítica foi, então, alterar os componentes da dieta de modo

que agora passasse a ser rica em carboidrato e pobre tanto em proteína como em

gordura. O carboidrato era esmagadoramente amido, com açúcares fornecidos

apenas em pequena quantidade, se comparado a antes, por frutos e vegetais


silvestres. É provável que a deficiência de proteína e de muitas vitaminas começou a

afetar grandes porções da espécie humana somente depois que eles se tornaram

produtores de alimentos.

Os seres humanos, como todos os animais, constantemente enfrentam períodos

recorrentes de escassez de alimentos. Embora a Revolução Neolítica tenha

aumentado o total de mantimentos e tenha mudado radicalmente a composição de

nossa dieta, a fome e a escassez de alimento não desapareceram. Durante a maior

parte do tempo, vento, seca, inundação e nossa própria exploração da terra

combinaram-se para limitar a produção de alimentos a níveis inferiores aos

necessários para alimentar todos a nossa prole. Foi apenas nas últimas décadas que

uma proporção considerável de pessoas – embora ainda apenas uma minoria – tenha

nascido em um situação onde é provável que nunca saberão o que é fome de verdade

em suas vidas.

As razões para essa segunda mudança revolucionária são os efeitos cumulativos da

ciência e da tecnologia. É só preciso listar alguns desses para mostrar a extensão

dessa revolução e seu efeito sobre a disponibilidade de alimentos para a

humanidade: a genética e o cruzamento de variedades melhoradas de plantas e

animais para a alimentação; a engenharia e seu efeito na drenagem e irrigação; a

descoberta de fertilizantes sintéticos, herbicidas e pesticidas; o motor de combustão

interna e seu efeito sobre o transporte por mar, terra e ar; métodos modernos de

conservação de alimentos em latas, por desidratação ou congelamento. Eu poderia

citar muitos outros exemplos de mudanças que deram à humanidade a possibilidade

de produzir e preservar muito mais alimentos do que jamais estiveram disponíveis

para qualquer outra espécie.


Como resultado, nos países ricos, uma grande parte das populações tem uma ampla

variedade de alimentos, independente da estação ou geografia. O efeito foi que essas

pessoas são cada vez mais capazes de escolher alimentos que agradem seus paladares

e não simplesmente alimentos que encham seus estômagos. O primeiro e mais óbvio

resultado foi um aumento do consumo de alimentos mais palatáveis, como carnes e

frutas. E por causa da associação básica entre palatabilidade e nutrição, houve uma

melhoria simultânea dos padrões nutricionais nesses grupos, assim como sempre

houve um melhor nível de nutrição da porção bem menor que inclui os membros

ricos de qualquer população.

Os avanços em técnicas agrícolas e tecnologia em geral tiveram um efeito não apenas

no rendimento e na disponibilidade dos alimentos. Eles também tiveram um efeito

tremendo sobre a forma em que alimentos podem ser deliberadamente alterados por

extrações e adições, de forma que alimentos novos pudessem ser criados, distintos de

qualquer coisa semelhante na natureza. Alguns desses alimentos industrializados já

existem há bastante tempo – pão, por exemplo, e tortilhas e chapatis e bolos e

biscoitos. Mas a maioria deles foi produzida, ou amplamente melhorada, apenas

neste ou no século passado, ou nas últimas décadas. Estou me referindo agora a

sorvete e refrigerantes, uma gama enorme de chocolate e confeitos, e novos tipos de

lanches na forma de biscoitos doces e salgados. E agora há uma nova gama de

produtos de ‘carne’, feitos de proteína vegetal ou microbiana texturizada.

Podemos fazer tudo isso em grande parte porque valor nutritivo e palatabilidade são

duas características diferentes. Como havia dito, embora possamos usar como

alimento quase qualquer tipo de material animal ou vegetal, nossas preferências são

para as características palatáveis particulares da carne e das frutas, que juntas podem

fornecer todos os nutrientes que necessitamos. Só agora estamos começando a imitar


o sabor e a textura da carne; e as pessoas irão comer e desfrutar quantidades

significativas de alimentos com a nova proteína vegetal ou microbiana apenas

quando o fabricante de alimentos dar-lhes as qualidades que os tornem muito mais

atrativos do que tem conseguido dar até agora. Mas, por algum tempo, a indústria foi

capaz de isolar uma essência de doçura, que tem a propriedade de transmitir uma

palatabilidade muito desejável para uma ampla gama de alimentos e bebidas. As

pessoas não exigem que um determinado sabor ou textura acompanhem a doçura,

embora pareçam exigir que apenas uma gama muito limitada de sabores e texturas

acompanhem comidas salgadas.

A avidez humana para a doçura poderia, por vastos períodos de tempo, ser satisfeita

quase que exclusivamente por comer frutas; raramente e em quantidades muito

pequenas, nossos antepassados tinham a sorte suficiente de encontrar mel produzido

por abelhas selvagens. Mas, algum tempo depois da Revolução Neolítica, talvez há

apenas 2.500 anos, descobriram que se poderia produzir um tipo grosseiro de açúcar

ao extrair e secar a seiva da cana-de-açúcar. Ela primeiro começou a ser cultivada,

provavelmente, na Índia, e seu cultivo se espalhou lentamente à China, Arábia, ao

Mediterrâneo e, mais tarde, à África Meridional e Ocidental, às Ilhas Canárias, ao

Brasil e ao Caribe.

Apesar dessa crescente área de cultivo, o custo do açúcar, mesmo bruto como então,

era extremamente elevado, de forma que, em meados do século XVI, dizem ter sido

equivalente ao custo atual do caviar. Comparado com o preço de alimentos como

manteiga ou ovos, foi calculado que o preço do açúcar caiu para cerca de dois

centésimos de seu preço do século XV. Tão recentemente quanto o século XVIII, o
açúcar era um luxo, e, até mais ou menos cem anos atrás, caixas de açúcar no

mercado interno [Inglaterra] eram muitas vezes encontradas com fechadura e chave.

Foi principalmente o desenvolvimento das fazendas de açúcar no Caribe, baseadas

no comércio de escravos, que estabeleceu o padrão da indústria açucareira da forma

que conhecemos atualmente. A demanda por açúcar era tão grande, e sua produção

tão lucrativa, que melhorias enormes começaram a ser feitas a partir do meio do

século XVIII na produção de cana-de-açúcar de alto rendimento (e, mais tarde, da

beterraba); na eficiência da extração do açúcar e na fabricação de açúcar bruto; e,

finalmente, no processo de refino do açúcar. Assim, o preço caiu constantemente, a

demanda cresceu e o consumo subiu para níveis extremamente elevados.

Legisladores de muitos países têm, frequentemente, tributado o açúcar para obter

receita, assim como eles têm, frequentemente, tributado o tabaco e o álcool. E o

açúcar também lembra o álcool e o tabaco, pois é uma substância pela qual as

pessoas rapidamente desenvolvem um desejo e para o qual não há, no entanto,

qualquer necessidade fisiológica.

Quero dizer, então, que os seres humanos têm um gosto natural por coisas doces; que

os povos primitivos poderiam satisfazer esse desejo ao comer frutas ou mel; e que ao

comer frutas porque eles gostavam, eles obtinham nutrientes necessários, tais como

vitamina C. Mas agora podemos satisfazer o desejo por doces consumindo alimentos

ou bebidas que fornecem quase nenhum valor nutritivo exceto calorias. Hoje é

possível adquirir uma bebida de laranja que tem cor mais atraente que o verdadeiro

suco de laranja, que tem gosto mais doce, que tem um sabor mais aromático, que é

mais barata – e que podemos garantir não conter nenhuma vitamina C.


Já que as pessoas buscam principalmente a palatabilidade dos alimentos e bebidas, a

venda dessas bebidas aumenta sem parar. Um dia, sem dúvida, será possível

produzir, de algum polímero não-digerível, um hambúrguer que pareça mais

atraente que um hambúrguer de carne de verdade e que cheire e chie melhor na

grelha, apenas pela metade do preço. Será inteiramente ‘puro’ pois não irá conter

proteínas, nem vitaminas ou minerais. E quem dirá que não deveremos comprar essa

nova super-comida da era espacial simplesmente por não ter valor nutricional? Nós a

compraremos porque nós gostaremos dela, e apenas porque gostaremos.

A maioria das pessoas ainda acredita que os alimentos que são palatáveis devem ter

um elevado valor nutricional; muitos também acreditam no que é igualmente falso:

que alimentos com pouco sabor não têm valor nutricional. Estou certo de que é a

dissociação entre palatabilidade e valor nutritivo é a principal causa da ‘desnutrição

da riqueza’. Por essa razão, deixe-me dar mais um ou dois exemplos de como já não

se pode esperar que as duas características sejam encontradas juntas.

Primeiramente, você pode se lembrar do chá de carne, que mesmo no presente

século foi comumente dado pelos médicos aos seus pacientes convalescentes como

um ‘restaurador’. E, até hoje, muitas mães acreditam que uma saborosa sopa

transparente seja nutritiva para seus filhos. Contudo, temos aqui palatabilidade com

virtualmente nenhum valor nutritivo. Segundo, a economia da criação de frango

produz um frango de corte que, por ser abatido jovem e por causa da velocidade com

que é eviscerado, tem menos sabor que uma galinha caipira. Porém seu valor

nutritivo não é diferente, embora a menor palatabilidade seja normalmente ligada a

um menor valor nutritivo.


Algum tempo atrás, li um conto, cujo título e autor infelizmente me esqueci. Um

brilhante químico cansou-se de sua amante e decidiu livrar-se dela usando sua

habilidade profissional. Ele dedicou-se a desenvolver um novo e requintado sabor,

que ele então incorporou ao chocolate, enviando caixas e mais caixas à sua amante.

Por achá-los irresistíveis, ela os consumiu em quantidades excessivas até que morreu

por comer demais. O químico sabia que o desejo dela seria suficiente para matá-la.

Mais um exemplo do forte poder da palatabilidade é a história da serpente que

normalmente come apenas sapos. Ela não comerá, por exemplo, pedaços de carne

bovina. Mas você pode fazê-la comê-los esfregando a carne de boi sobre a pele do

sapo, presumivelmente fazendo-a, então, ter gosto de sapo.

Um argumento utilizado pela indústria dos alimentos saudáveis para demonstrar o

baixo valor nutritivo dos alimentos processados modernos é afirmar que eles têm

pouco sabor. Seus próprios produtos, dizem, devem ser nutricionalmente superiores

porque são mais saborosos. Muito do que tenho a dizer neste livro baseia-se na

proposição de que a satisfação de nosso paladar já não é mais garantia que estamos

satisfazendo nossas necessidades nutricionais.

3. Açúcar e outros carboidratos

O​s diferentes tipos de açúcar, incluindo sacarose e glicose, pertencem a um grupo


de substâncias conhecidas como carboidratos. Já que falaremos dessas substâncias

de tempos em tempos, vamos olhar para todo o grupo por um momento.


Os carboidratos em nossa dieta podem ser divididos naqueles que o corpo pode

digerir e absorver no intestino e aqueles que não podem ser absorvidos; são às vezes

chamados de ‘digeríveis e indigeríveis’ ou de ‘disponíveis e indisponíveis’. Os

carboidratos indisponíveis, que passam através do corpo praticamente inalterados,

compõem a maior parte do que hoje é conhecido como fibra e que costumava ser

chamado de forragem. São compostos, em sua maior parte, de celulose, o principal

componente do algodão e do papel.

O carboidrato disponível ou digerível da dieta consiste quase inteiramente de

açúcares e amido. Todos eles são formados por unidades chamadas

monossacarídeos. Os químicos usam a palavra ‘açúcar’ para qualquer elemento de

um grupo particular de substâncias que têm propriedades similares, mas não são

idênticas. Alguns dos açúcares mais conhecidos são glicose, frutose, maltose, lactose

e sacarose; esses são monossacarídeos ou dissacarídeos.

Os monossacarídeos mais conhecidos – açúcares compostos de unidades simples –

são glicose, frutose e galactose. A glicose é o primeiro produto da fotossíntese nas

plantas e é a principal fonte de energia tanto para plantas como para animais. A

frutose, junto com um pouco de glicose e sacarose, é encontrada nas frutas. E a

galactose existe apenas no reino animal, como parte do açúcar do leite – a lactose.

A glicose é um açúcar que é encontrado, geralmente com outros açúcares, em

algumas frutas e vegetais. É muito importante para bioquímicos, biólogos e

nutricionistas, pois é um material chave no metabolismo de todas as plantas e

animais. Muitos de nossos principais alimentos são convertidos, mais cedo ou mais

tarde, no nosso corpo, em glicose, que é uma das substâncias mais importantes
metabolizadas (oxidadas ou queimadas) nos tecidos para fornecer energia para as

atividades diárias.

Sempre há glicose na corrente sanguínea e isso é usualmente chamado de ‘açúcar do

sangue’. Em pessoas saudáveis, uma interação complicada entre vários hormônios

contribui para manter o nível do açúcar do sangue razoavelmente constante. Se você

comer açúcar comum ou amido, ou uma de diversas outras substâncias, glicose será

liberada durante a digestão e será absorvida do tubo digestivo para o sangue. O nível

de glicose do sangue, consequentemente, sobe. Imediatamente, entretanto, há uma

descarga de hormônios, principalmente de insulina do pâncreas, na corrente

sanguínea; o efeito desta é abaixar o nível de glicose a seu nível normal. Isso ocorre

principalmente convertendo-a em um polissacarídeo (feito de muitas unidades de

monossacarídeos) chamado glicogênio e armazenando-o nos músculos e no fígado,

onde pode ser chamado outra vez para liberar a glicose se o nível no sangue cair.

A sacarose, nome químico para o tema deste livro, é um de três dissacarídeos

comuns. É composta de uma unidade de glicose unida a uma unidade de frutose.

Quando digerida, uma mistura de quantidades iguais de glicose e frutose, chamada

de ‘açúcar invertido’, é produzida. Há razões para acreditar que a fração de frutose da

sacarose é responsável por muitos dos efeitos indesejáveis da sacarose no corpo.

Há outros dois dissacarídeos encontrados nas dietas humanas. Um é a maltose,

composta de duas unidades de glicose unidas. Ela é produzida durante a digestão do

amido, por exemplo, quando um grão como a cevada começa a germinar, ou quando

o amido está na boca sendo mastigado, ou quando ele chega ao intestino. Ela é

posteriormente digerida a glicose. O terceiro dissacarídeo é a lactose, produzida

unindo-se dois monossacarídeos, a glicose e a galactose. Ocorre somente no leite, ou


nos alimentos tais como o iogurte, que são feitos de leite e que incluem a parte

aquosa. Grandes quantidades de lactose provocam diarreia e até quantidades

relativamente pequenas têm esse efeito em pessoas com intolerância à lactose.

Entretanto, tais pessoas não são afetadas por quantidades pequenas de leite –

digamos, até meio litro por dia consumido fracionadamente. Eles também toleram o

queijo, já que a maioria do lactose fica no soro quando o queijo é feito.

O amido, que ocorre como uma reserva de energia nas plantas, é composto de muitas

unidades de glicose unidas e é classificado, consequentemente, como um

polissacarídeo. É facilmente digerido por enzimas no corpo ou por enzimas extraídas

de fungos, ou aquecendo-o em solução com ácido. O efeito é quebrar o amido em

partes cada vez menores. Os primeiros estágios resultam na produção de dextrinas.

Depois a maltose é produzida e, finalmente, a glicose. O glicogênio, como vimos, é

outro polissacarídeo, encontrado no fígado e nos músculos dos animais. Como o

amido, é uma reserva de energia, mas, ao contrário do amido, está presente em

quantidades relativamente pequenas: a quantidade total de glicogênio no corpo de

um humano adulto não é maior que 350 gramas. A celulose é também um

polissacarídeo, mas não é digerível.

4. De onde vem o açúcar

O​ açúcar discutido neste livro é o que a maioria das pessoas simplesmente chama
de ‘açúcar’. É por vezes chamado de ‘açúcar da cana’, embora, na verdade, cerca de

um terço do açúcar consumido venha da beterraba. Os químicos o chamam de


‘sacarose’. Neste capítulo discutimos de onde vem e como é preparado; e olharemos

então os efeitos que pode ter em nosso corpo.

Quase 99 por cento do açúcar que consumimos é feito da cana-de-açúcar ou da

beterraba-açucareira. O outro um por cento vem de fontes como o bordo na Nova

Inglaterra e Canadá, a palma na Índia, e o painço no sul dos Estados Unidos;

quantidades ínfimas também são às vezes feitas de uvas, feijões de alfarroba ou

tâmaras.

Apesar da crença popular, não há nenhuma diferença no gosto ou em nenhuma outra

propriedade normalmente reconhecível no açúcar refinado isolado da cana ou da

beterraba. Ambos contêm mais de 99,9 por cento de sacarose pura. Somente as

técnicas analíticas mais sensíveis podem detectar as diferenças devido à presença de

quantidades ínfimas de substâncias características de uma ou da outra.

Açúcar de cana

Como os cereais, a cana-de-açúcar (​Saccharum officinarum)​ pertence à família das

gramíneas. É originária, aparentemente, de algum lugar da Ásia, possivelmente da

Índia. Tem sido cultivada por 2.500 anos e seu antepassado selvagem já não é mais

conhecido. Cresce agora, em sua maior parte, em fazendas de várias partes do

mundo. O cultivo começou provavelmente na China e na Índia antes de 500 AC; em

325 AC, os soldados de Alexandre, o Grande, na Índia falavam do ‘mel que não vem

das abelhas’. O cultivo espalhou-se para o oeste, alcançando a Pérsia (em 500 DC),

Egito (640), Sicília e Chipre (700), Espanha (755), e mais tarde Madeira, Ilhas

Canárias, America do Norte, México e – no início do século XVI – o Caribe. A cana


requer um clima morno, chuvas de pelo menos 1.500 milímetros por ano ou irrigação

adequada, e abundância de fertilizante. Os países que produzem as maiores

quantidades do açúcar de cana são mostrados na tabela.

Produção mundial de açúcar (1982)

(milhões de toneladas)

Total Açúcar de cana Açúcar de


101 64​ beterraba 37​

Índia 9,1 CEE 13,4

Brasil 8,9 URSS 7,0

Cuba 8,0 EUA 2,9

Australia 3,7 Polônia 1,9

China 3,0 Turquia 1,6

Tailândia 3,0 Espanha 1,1

México 2,7

Filipinas 2,7

EUA 2,5
África do
2,4
Sul

A história do cultivo da cana-de-açúcar no Caribe dificilmente pode ser motivo de

orgulho para a humanidade. Os europeus – de Portugal, Espanha, Holanda e

Grã-Bretanha – que primeiro trouxeram a cana-de-açúcar às Índias Ocidentais,

rapidamente dominaram a população nativa do Caribe e prosseguiram a

virtualmente exterminá-los. Resolveram o problema de fornecer a mão de obra

necessária às plantações de açúcar trazendo escravos da África. Assim foi

estabelecido o infame ‘comércio triangular’. Rifles, tecidos e outros bens eram

enviados à costa ocidental da África, onde eram dados aos chefes africanos em troca

de escravos capturados no interior. Estes eram empilhados em porões de navios e

levados às ilhas caribenhas, tais como Jamaica e São Cristóvão. Aqueles que

sobreviveram às condições horrendas da viagem – frequentemente menos da metade

– eram então usados nas plantações. O açúcar bruto das ilhas era enviado de volta à

Europa – especialmente à Inglaterra – para ser refinado, completando assim o

triângulo. As condições assustadoras nos navios e nas plantações causavam tantas

mortes que o suprimento de escravos tinha que ser constantemente reabastecido por

novas importações da África Ocidental.

No início, o açúcar de cana era simplesmente o caldo seco que havia sido espremido

da cana; um produto similar conhecido como ‘gur’ ou ‘jaggery’ [rapadura] ainda é

feito na India. A maior parte do açúcar usado hoje em dia, entretanto, é açúcar

branco refinado. O açúcar de cana é produzido geralmente em dois estágios – a

extração do açúcar bruto, e então o refino deste em açúcar branco. A cana-de-açúcar


é cortada à mão ou, cada vez mais, por máquinas; as pontas e as folhas são removidas

e os talos são levados rapidamente ao engenho. Lá são cortados, esmagados, ralados

e passados através das moendas de rolo que extraem aproximadamente dois terços

do caldo. A fibra esmagada, conhecida como ‘bagaço’, é pulverizada com um pouco

de água e passada através de outro conjunto de moendas de rolo. A quantidade do

bagaço seco produzido é mais que suficiente para suprir as necessidades energéticas

do engenho; o excesso é vendido às geradoras elétricas locais ou para a fabricação de

papel, ou misturado com melado para alimentação animal.

O caldo extraído da cana é, neste estágio, um líquido turvo cinzento que contém algo

em torno de 97,5 por cento do açúcar presente originalmente. Cerca de 16 por cento

do caldo é composto de matéria sólida dissolvida ou em suspensão, dos quais 85 a 90

por cento é sacarose. O caldo é então aquecido à fervura e acrescenta-se cal. Isso

produz um depósito abundante, que rapidamente se decanta como ‘precipitado’,

deixando o caldo clarificado acima. Os ‘precipitados’ são espalhados sobre a terra

como ‘torta’, agindo como um fertilizante. O caldo clarificado é evaporado, primeiro

em recipientes abertos e então em panelas a vácuo. Eventualmente o açúcar começa

a cristalizar-se, tornando-se ‘massa cozida’, uma mistura de cristais de açúcar e

calda. Estas são separadas por rotação em uma centrífuga a até 1.200 rotações por

minuto.

O resultado são dois produtos – açúcar bruto e melado de cana, ou xarope. O melado

é fervido por duas outras vezes e o processo de cristalização e centrifugação é

repetido. Após a terceira fervura, geralmente não há mais açúcar suficiente no

melado que valha a pena se tentar extrair em cristais. O melado final, com o tanto de
açúcar que contiver, é usado em uma variedade de modos – por exemplo, para fazer

rum ou fermento ou ração para gado.

Os açúcares brutos produzidos pelas três fervuras são progressivamente mais

escuros: o mais claro é chamado demerara, mesmo que a maior parte dele já não

venha da região da Guiana que leva esse nome; a segunda leva de cristais é chamada

mascavo claro e o terceira, mascavo escuro.

A etapa seguinte é enviar os açúcares brutos, separados ou misturados, para os países

consumidores, onde eles são processados em açúcar branco refinado.

Os açúcares brutos são lavados e então dissolvidos (‘derretidos’) em água, e a solução

é descolorizada passando-a através de colunas de carvão. Em seguida, ela é posta em

evaporadores a vácuo e fervida até que a concentração de açúcar torne-se alta o

bastante para que a cristalização ocorra. Isso se inicia quando uma pequena

quantidade de cristais é lançada ao xarope concentrado; o momento preciso

determina o tamanho dos novos cristais. O conteúdo do evaporador, uma mistura de

açúcar cristalino e xarope, é então transferido para grandes centrífugas, cada uma

com uma cesta interna perfurada dentro de um cilindro maior. A rotação da cesta

provoca a saída do caldo através das perfurações, enquanto os cristais permanecem.

Se desejarem fazer cubos de açúcar, a massa úmida é despejada em uma bandeja

plana e rasa que é coberta com uma tampa e lentamente passada através de uma

câmara aquecida. A fina placa de açúcar resultante é cortada em cubos por uma

espécie de guilhotina múltipla.

Parte do caldo de cana, em vez de ser evaporado para se fazer açúcar bruto, pode ser

processado na fábrica da fazenda, produzindo o que é conhecido como o ‘branco do


engenho’. Isso pode ser feito por ‘sulfitação’, na qual dióxido de enxofre é adicionado

ao caldo caleado, formando sulfito de cálcio. Alternativamente, fosfato de cálcio pode

ser produzido no caldo, ou tanto fosfato como sulfito. Raramente, o caldo de açúcar

de cana é tratado pelo processo de carbonação que é rotineiramente usado no caldo

de açúcar da beterraba. Independentemente do método utilizado, o caldo

praticamente transparente e incolor é filtrado e secado em evaporadores para

fornecer o açúcar branco do engenho.

Açúcar de beterraba

A beterraba-açucareira, ​Beta vulgaris​ (sub-espécies ​circla)​ , cresce como uma raiz

branca, e é aparentada à beterraba vermelha comum e à acelga. Cresce bem em

climas temperados, exigindo um solo argiloso, profundo, calcário e bem drenado. A

descoberta de que a beterraba-açucareira poderia ser uma fonte de sacarose foi feita

pelo químico alemão Marggraf em 1747. Foi, no entanto, somente após as Guerras

Napoleônicas que um outro alemão, Achard, trabalhando na França, demonstrou que

ela poderia ser refinada em escala comercial. Sua principal vantagem era que, ao

contrário da cana-de-açúcar, a beterraba poderia ser cultivada em climas

temperados, e a França começou a produzir açúcar de beterraba em 1811 para evitar

os efeitos do bloqueio aliado que impedia a importação de açúcar da cana.

Uma vez que o melado da beterraba-açucareira é tão amargo a ponto de ser

inaceitável ao paladar humano, não é feita nenhuma tentativa de se extrair açúcar

bruto da beterraba; o processo é uma única operação que leva diretamente à

produção de açúcar refinado. Primeiramente as beterrabas lavadas são cortadas em

tiras, ou ‘cosettes’. A extração do caldo é realizada por difusão, em uma série de uma
ou mais dúzias de câmaras. As beterrabas fatiadas passam de uma câmara a outra em

um sentido, enquanto a água entra pelo outro lado e passa de uma câmara a outra no

sentido oposto. Assim, em uma extremidade, as fatias frescas de beterraba entram e

um caldo rico em açúcar é retirado e, no extremo oposto, água fresca é admitida e as

fatias exauridas de beterraba são descarregadas. O caldo então passa pelo processo

de refino do mesmo modo que o açúcar de cana. O açúcar mascavo pode ser

produzido misturando-se um pouco de melado de cana ou caramelo com o açúcar

branco refinado da beterraba, como às vezes é feito com açúcar de cana refinado.

Cerca de metade do açúcar branco consumido no Reino Unido vem da

beterraba-açucareira, a outra metade, da cana.

5. Açúcar mascavo é melhor que


branco?

D​e longe, a maior parte do açúcar de cana acaba sendo refinado em açúcar branco;
uma pequena quantidade é vendida como açúcar mascavo. Mas nem todo açúcar

mascavo disponível ao consumidor é esse açúcar de cana não-refinado. Uma parte

dele, como vimos, é feita do açúcar branco refinado – de cana ou de beterraba – pela

adição de melaço ou caramelo. Infelizmente, é legalmente permitido descrever como

‘demerara’ o açúcar marrom-claro feito dessa forma, que carrega uma semelhança

superficial ao açúcar bruto produzido na primeira fervura.

As características dos açúcares brutos não refinados dependem de diversos fatores.

Primeiramente, há uma proporção crescente de melaço preso nos cristais de açúcar à


medida que o xarope vai da primeira à terceira cristalização, produzindo primeiro o

açúcar demerara, a seguir o mascavo claro e o mascavo escuro. Assim, cada açúcar é

sucessivamente de uma cor marrom mais profunda (acentuada pelo maior grau de

caramelização causada pela fervura e cristalização repetidas) e tem um sabor mais

forte de caramelo e de melaço (conhecido como ‘treacle’ na Grã-Bretanha).

Mas outros fatores também estão envolvidos. Variedades de cana-de-açúcar

produzem caldos que contêm quantidades diferentes de substâncias com várias

qualidades indesejáveis, algumas das quais ficarão aderidas ao açúcar durante a

cristalização. Escolhendo um tipo apropriado de cana e tomando o cuidado de

manter afastados materiais estranhos quando é colhida e cortada, o açúcar bruto

produzido pode se transformar em cristais limpos, brilhantes, de tamanho uniforme,

com uma atraente cor marrom, com sabor e aroma agradáveis. Sem esses padrões de

diligência e cuidado, o mesmo processo geral pode render um produto sujo que

contém partículas facilmente observáveis, que não são de açúcar, misturadas a

partículas desiguais de um açúcar marrom apagado, com um aroma nada atraente.

Isso é especialmente perceptível na cristalização do mascavo escuro, mas pode ser

detectado também no demerara. Isso não importa se o açúcar bruto for produzido

como um estágio intermediário a caminho da refinaria. Entretanto, um pouco desse

açúcar bruto sujo, não realmente próprio para consumo, é posto no mercado lado a

lado do açúcar bruto limpo, que se destinava desde o início a ser consumido sem

refinamento. Você pode ver a diferença na qualidade se examinar bem uma simples

colherada, colocada em um prato branco e espalhada em uma fina camada.

Uma inspeção cuidadosa mostrará também a diferença entre esses açúcares

não-refinados e os açúcares mascavos feitos adicionando o melaço ao açúcar branco.

Nesse último, você observará que a cor está somente na superfície, e que um enxague
rápido com um pouco de água revelará os cristais brancos de sacarose. No Reino

Unido, entretanto, esse tipo de teste deveria ser desnecessário, uma vez que as

etiquetas tornam fácil a distinção entre esses dois tipos de açúcar mascavo. Os

açúcares brutos são etiquetados como ‘não-refinados’ ou ‘brutos’, e o país de origem

é citado. Os açúcares brancos colorizados têm que ser rotulados com seus

ingredientes. A descrição será algo como: ‘Ingredientes: açúcar de cana, melaço’.

Esses açúcares provavelmente também recebem descrições tais como ‘marrom claro’

ou ‘marrom escuro’ ou ‘demerara londrino’ ou ‘granulado dourado’.

Houve uma época em que o açúcar marrom, assim como o pão marrom, era

considerado menos puro e menos desejável; era também mais barato. Como

consequência, eram as pessoas mais ricas que comiam o pão e o açúcar brancos,

enquanto os pobres aspiravam em fazer o mesmo. Mas de tempos em tempos, uma

minoria assumia a postura de que, longe de indicar um grau de impureza, a cor

marrom indicava que a comida era melhor porque não havia sido privada de alguns

componentes nutricionais importantes.

Ao contrário do pão marrom, entretanto, que é quase sempre feito de farinha

produzida com grão de trigo integral ou levemente moído, uma boa parte do açúcar

mascavo disponível é feita, como vimos, pela adição de caramelo ou melaço como

cobertura dos cristais de açúcar branco refinado de cana ou beterraba. Muitos

daqueles que compram açúcar mascavo o fazem na crença de que estão comprando

açúcar bruto; isso não importa muito se o açúcar mascavo for comprado por seu

sabor. A situação é alterada, entretanto, se ele é comprado na crença de que retém

alguns nutrientes que são removidos quando o açúcar bruto é refinado.


A visão convencional do nutricionista costumava ser que nem o açúcar branco

colorizado nem o açúcar bruto contém qualquer coisa que lhes dê qualquer valor

nutricional a mais que o do açúcar refinado; eu mesmo tinha essa ideia quando

escrevi a primeira versão deste livro. Desde então, entretanto, meus colegas e eu

realizamos uma série de experimentos que mostraram que pelo menos certos

açúcares brutos podem contribuir para o valor nutricional de uma dieta.

Decidimos fazer esses experimentos por causa da publicação, em 1981, de uma série

de artigos descrevendo pesquisas realizadas em diversos laboratórios na URSS. Esses

compararam os efeitos, em ratos e camundongos, de dietas contendo açúcar branco

(refinado) ou marrom (mascavo não-refinado). Os animais alimentados com o açúcar

marrom, como relatado, mostraram um crescimento mais rápido, vida prolongada,

menor aumento na concentração do colesterol no sangue, ninhadas maiores e um

quadro metabólico melhor, especialmente com relação ao metabolismo de

carboidratos. Os pesquisadores soviéticos alegaram que essas propriedades benéficas

do açúcar marrom residiam em um número de substâncias orgânicas complexas que

chamaram de ‘substâncias biologicamente ativas’ (SBA).

Seus resultados foram suficientemente marcantes para que examinássemos as

alegações em nosso próprio laboratório. Nós preparamos a habitual dieta de

laboratório, que continha proteína, gordura, vitaminas e sais minerais, junto a açúcar

refinado ou açúcar mascavo marrom ou amido puro. Alimentamos nossos ratos, com

idades a partir de três semanas, com uma dessas dietas. Nossos resultados foram

muito diferentes daqueles relatados pelos soviéticos. Nós não conseguimos confirmar

suas alegações; as dietas de diferentes açúcares produziram a mesma taxa de

crescimento, tamanho das ninhadas e metabolismo de carboidrato. As únicas


diferenças foram as usuais que tínhamos descoberto entre os ratos alimentados com

açúcar e os alimentados com amido.

Após aproximadamente 2 anos de experimento, estávamos a ponto de interromper

nossa pesquisa quando decidimos realizar uma última investigação. Nós imaginamos

que seria interessante ver qual era o efeito não apenas nos próprios ratos, mas em

seus filhotes. Permitimos então que os filhotes permanecessem com suas mães até

que estivessem prontos para o desmame, em mais ou menos 3 semanas. Para nossa

surpresa, cerca de metade dos filhotes nascidos de mães alimentadas com amido ou

açúcar branco morreu quando tinham entre 10 e 15 dias de idade, enquanto a

maioria dos nascidos de mães alimentadas com açúcar marrom sobreviveu até que

foram desmamados aos 22 ou 23 dias. Nós repetimos essas experiências diversas

vezes, até que aproximadamente 300 filhotes tivessem nascido das mães de cada

uma das três dietas. De um total de 909 filhotes nascidos, a taxa de sobrevivência foi

de 37 por cento para as mães alimentadas com amido, 53 por cento para as

alimentadas com açúcar branco e quase 90 por cento para as alimentadas com

açúcar marrom. Além disso, cada um dos ‘filhotes do amido’ e dos ‘filhotes do açúcar

branco’, mesmo aqueles que sobreviveram, eram claramente doentes, com abdomens

inchados e pernas traseiras fracas; por outro lado, nenhum dos ‘filhotes do açúcar

marrom’ mostrou tais anormalidades.

Não fomos capazes de identificar o que havia no açúcar marrom que manteve os

filhotes vivos e bem. Entretanto, mostramos que não era alguma ‘substância

biologicamente ativa’ complexa, uma vez que o efeito continuava a ser demonstrado

quando incinerávamos o açúcar até suas cinzas. Isso queimava todo o material

orgânico, incluindo o próprio açúcar, deixando apenas sais minerais. Quando essa

cinza era adicionada à dieta das mães alimentadas com açúcar branco, a maioria dos
filhotes sobrevivia – exatamente como fazia quando as mães eram alimentadas com a

dieta de açúcar marrom.

Comparativo de preços de varejo típicos do


açúcar

(Preço do granulado equivalente a 100)

Açúcares consistindo totalmente de açúcar branco refinado de


brancos cana ou beterraba

Granulado 100

Fino 130

Cubo 170

De confeiteiro 200

Açúcares
consistindo de açúcar de cana não-refinado
brutos

Granulado dourado cana bruta 115

Demerara cana bruta 140


Mascavo escuro cana bruta 200

Açúcares consistindo de açúcar branco refinado de cana ou


marrons beterraba

com melaço adicionado

Marrom suave claro 150

Marrom suave escuro 150

Que conclusão podemos extrair, então, sobre o valor comparativo dos açúcares

brancos e marrons? Primeiramente, podemos ter certeza de que os açúcares marrons

colorizados não têm qualquer vantagem nutricional sobre o açúcar branco; mesmo

quando a única adição é o melaço, a quantidade é pequena demais para contribuir

com qualquer coisa que valha a pena. Em segundo, não encontramos até o momento

evidências de que o açúcar bruto modifique alguns dos efeitos indesejáveis do açúcar

branco. Mas, terceiro, eu tenho que dizer que o açúcar mascavo escuro, que carrega

consigo uma proporção razoável do melaço a partir do qual se cristaliza, contém

alguns materiais que em algumas circunstâncias podem contribuir ao valor nutritivo

da dieta.
Nós realizamos nossas experiências não tanto porque pensamos que pudessem nos

dizer diretamente algo sobre o efeito do açúcar bruto na saúde de ratos bebês, mas

porque o processo inteiro da reprodução – gravidez, parto e lactação – é um período

de estresse fisiológico. Uma dieta que seja, para a maioria dos propósitos, apenas

adequada, tem maior probabilidade de mostrar inadequação nutricional marginal

quando tal estresse fisiológico é imposto.

Se, então, perguntarem-me se alguém deveria comer açúcar marrom ou branco,

minha resposta tem duas partes. Primeiramente, por razões que são explicadas no

restante deste livro, eu acredito fortemente que é melhor não comer açúcar nenhum.

Em segundo, se você sentir que precisa de açúcar, então faz sentido comer o açúcar

marrom, desde que seja realmente um açúcar bruto de boa qualidade: você deve

escolher um açúcar límpido, mascavo escuro, que contenha a maior proporção de

melaço e, assim, dos nutrientes não identificados. Você deve também lembrar que é o

açúcar refinado branco que é usado pelos fabricantes de todos os refrigerantes,

sorvetes, confeitos, chocolate e bolos e biscoitos doces.

6. Refinado e não-refinado

H​oje em dia, é popular falar-se de alimentos ‘refinados’ e ‘não-refinados’ e, em


particular, do carboidrato ‘refinado’ e ‘não-refinado’. Estes termos são mais usados

quando se fala em açúcar branco e pão feito de farinha branca. Eu lamento esse

hábito por duas razões.

O primeiro é que o refinamento do açúcar e da farinha não são realmente

comparáveis. A farinha branca é feita pela retirada do farelo e do germe e, talvez, de


algumas das camadas exteriores do endosperma, a parte mais interna do grão de

trigo. Tudo que foi removido é, de fato, comestível e seria comido se todo o grão

tivesse sido moído. Tal farinha conteria 100 por cento do grão de trigo; o que é

chamado de farinha integral consiste de 92 por cento grão de trigo, enquanto a

farinha branca, geralmente cerca de 72 por cento. Por outro lado, o primeiro estágio

na produção do açúcar a partir da cana-de-açúcar é a preparação do caldo de cana,

que deixa para trás a maior parte da cana-de-açúcar como fibra não comestível e

gomas e materiais insolúveis associados. Os estágios seguintes de clarificação,

precipitação, concentração e cristalização removem mais materiais não desejados, de

modo que o açúcar bruto ‘não-refinado’ resultante representa apenas uma proporção

pequena da cana original da qual foi produzido. Esse produto é muito distante da

cana-de-açúcar original; o bagaço fibroso do qual o caldo de cana é extraído, e os

materiais removidos do caldo, compõem bem mais que 80 por cento da cana, e o que

é removido ou é não-comestível ou indesejável. Assim, o açúcar de cana bruto

consiste em aproximadamente 20 por cento da cana-de-açúcar original, açúcar de

cana branco, talvez 15 ou 16 por cento. Não faz sentido, consequentemente, deduzir

que o açúcar não-refinado é, de algum modo, o produto ‘integral’ ou ‘natural’ da

cana-de-açúcar, enquanto o açúcar refinado é, de certa forma, ‘não-natural’ ou

‘desnaturado’. Assim, embora o uso destes termos, por mais que eu não goste deles,

possa, de alguma forma, ser justificado no que diz respeito à farinha integral e ao pão

integral, eles são inválidos para o açúcar.

Há uma segunda razão para se implorar que você não fale de carboidrato refinado e

não-refinado. É verdade que o açúcar refinado é o carboidrato sacarose puro,

enquanto o açúcar bruto é, na maior parte, esse carboidrato com quantidades

pequenas de outros materiais. Por outro lado, a farinha branca não é, como algumas

pessoas imaginam, praticamente algo além do carboidrato amido. Por exemplo, a


farinha branca contém apenas uma pequena fração a menos de proteína que a

farinha integral – aproximadamente 13 por cento em vez de aproximadamente 13,5

por cento. E em muitos países, como os EUA e o Reino Unido, algumas das vitaminas

que são parcialmente removidas no processo de moagem são adicionadas pelos

produtores de farinha. Além disso, outros nutrientes são adicionados, às vezes, em

um nível muito mais elevado do que estava presente no grão de trigo original – por

exemplo, o cálcio no Reino Unido. No seu conjunto, então, é errado chamar a farinha

branca ou o pão branco de ‘carboidrato refinado’. E, particularmente, não é sensato

colocar no mesmo nível nutricional o açúcar bruto e o pão integral, ou o açúcar

branco e o pão branco.

Fibras

Há muitas pessoas que consideram que a mudança dietética mais relevante para o

padrão de doença em países ocidentais é a mudança de dietas com uma proporção

elevada de alimentos não-refinados para dietas com uma proporção elevada de

alimentos refinados. A evidência para esta alegação se dá muito pelo fato de que as

dietas dos povos que vivem em áreas rurais de África consistem, em sua maior parte,

de cereais não-refinados ricos em fibras, e é nessas áreas que a trombose coronariana

e outras doenças da prosperidade são raras. No Ocidente, onde essas doenças são

comuns, deixamos de comer o pão preto para comer o pão branco, de modo que

nossa dieta fornece agora substancialmente menos fibra.

Essa ideia é baseada na suposição de que os cereais são uma parte considerável e

‘natural’ da dieta humana. Essa é, literalmente, uma visão míope: os cereais

entraram na nossa dieta há menos de 10.000 anos, o que é aproximadamente meio


por cento do período desde que nós emergimos como uma espécie distinta. Antes

disso, por no mínimo dois milhões de anos, nossos antepassados eram – como todas

as outras espécies – caçadores e coletores de alimento. O breve período desde o

advento da agricultura, que resultou em uma dieta contendo grandes quantidades de

alimentos ricos em amido e fibras, tais como cereais, é curto demais para que a

espécie humana tenha se adaptado completamente a tal dieta. Em outras palavras,

houve muito pouco tempo, em termos evolucionários, para ter havido uma mudança

genética significativa ocasionando qualquer adaptação que possa ter sido necessária

para tal dieta, e se nossa dieta dos dias atuais é mais baixa em fibras de cereais do

que aquela, digamos, de uns cem anos atrás, então a tendência é em direção ao tipo

de dieta sem cereais, consumida pelos nossos ancestrais do pré-Neolítico.

Esta é uma razão pela qual eu não aceito a visão de que a falta da fibra pode ser

responsável pelas doenças da abundância. Uma segunda razão é que, como veremos,

a evidência obtida comparando populações (‘epidemiologia das populações’) pode ser

muito enganosa. Os povos na zona rural da África ou em outras partes do terceiro

mundo vivem muito diferentemente daqueles em regiões industrializadas e

urbanizadas do mundo. Nós não somente ingerimos menos fibra, como consumimos

mais carne, gordura, leite, açúcar e uma variedade de outros alimentos; nós

comemos mais no total; nós somos menos ativos fisicamente, fumamos mais cigarros

e somos mais sujeitos à poluição industrial.

Finalmente, os estudos que revelaram as mudanças consideráveis no metabolismo do

corpo que o açúcar pode causar envolveram comparações de dietas contendo o amido

puro (ou farinha ‘refinada’) com dietas que contêm sacarose pura. As muitas

diferenças dos efeitos das duas dietas não poderiam, consequentemente, ter sido
devidas à presença ou à ausência de fibra, mas devem ter resultado simplesmente da

presença ou da ausência de açúcar.

7. Nem só o açúcar é doce

A​ propriedade mais óbvia do açúcar é sua doçura, mas há diversas outras: ajuda na
conservação, fornece volume na confeitaria, realça o sabor e a aparência através da

caramelização com calor, dá ‘mouthfeel’ aos refrigerantes, promove a gelificação de

compotas e geleias e fornece calorias. Os adoçantes alternativos dividem-se em dois

grupos. Um fornece a doçura, mas, virtualmente, nenhuma das outras características

que eu mencionei; o outro fornece a doçura junto com calorias e diversas, se não

todas, das outras funções do açúcar.

Algumas propriedades do açúcar com exemplos de uso

Doçura (bebidas)

Intensificador de sabor (vegetais enlatados)

‘Mouthfeel’ ou ‘corpo’ (refrigerantes)

Conservação (frutas cristalizadas, geleias)

Promove a gelificação da pectina (geleias)


Produz uma variedade de texturas (confeitaria)

Diminui o ponto de congelamento (sorvete)

Carameliza (confeitaria, crosta de pão)

Decoração (glacê)

Fermentável (vinho)

Os adoçantes calóricos ou são açúcares ou são quimicamente relacionados a um ou

outro açúcar. A glicose e a frutose são os dois açúcares mais comumente usados. A

glicose, às vezes chamada de dextrose, é feita muito facilmente do amido, que, como

vimos, é uma molécula grande composta de unidades de glicose unidas. Quando o

amido é tratado com ácido ou base, ou com os enzimas apropriadas, ele divide-se nas

unidades de glicose que o compõem. Boa parte da glicose na confeitaria é usada na

forma de xarope, por exemplo, xarope de milho feito do amido de milho. Ela é menos

doce que o açúcar comum.

A sacarose, como você lembra, consiste de uma combinação de glicose com uma

quantidade igual de frutose. A frutose parece ser a parte da sacarose que produz a

maioria dos efeitos deletérios da sacarose. É, contudo, muitas vezes utilizada no

lugar da sacarose para diabéticos, porque não cria uma necessidade imediata de

insulina, como a glicose. Uma outra vantagem possível da frutose é que ela é quase

duas vezes mais doce que a sacarose, de modo que menos, com menos calorias, é

necessário para produzir o mesmo grau de doçura.


Durante os últimos vinte anos ou mais, tornou-se cada vez mais prática a produção

de uma mistura de glicose e frutose a partir do amido, que antes só podia ser feita

resultando em glicose. O processo, desenvolvido no Japão, depende do uso de uma

enzima chamada glicose-isomerase, que converte glicose em frutose. Pela

manipulação das condições, a proporção de glicose convertida em frutose pode ser

variada, produzindo uma mistura com proporções aproximadamente iguais de

glicose e fructose (como no açúcar invertido), ou com até 90 por cento de frutose. O

produto final geralmente não é cristalizado da solução em que é produzido, sendo

transportado e usado como ‘xarope de alta frutose’ (HFS). É usado atualmente em

grande escala, especialmente nos EUA e no Japão, como uma alternativa ao açúcar

comum. Os fabricantes podem mudar da sacarose para HFS e vice-versa de acordo

com as flutuações nos preços do açúcar e do amido. Por causa disso, os fazendeiros

na Europa que produzem beterraba açucareira persuadiram as autoridades da CEE a

taxar a produção de HFS e a limitar sua importação.

Os adoçantes calóricos não-açúcares são feitos a partir de açúcares e são o que os

químicos chamam de ‘polióis’. Pelo processo de redução química – adicionando

átomos de hidrogênio, por exemplo, à frutose, de modo que mais um grupo álcool

seja formado e adicionado aos cinco já presentes – o sorbitol é produzido. Outros

polióis que podem ser usados incluem o maltitol e o xilitol. Todos eles fornecem, em

uma dada quantidade, aproximadamente o mesmo número de calorias que o açúcar

comum (sacarose); entretanto, como não são tão doces, você tenderia a usar mais e,

assim, ingerir mais calorias. Estes adoçantes calóricos são, portanto, de nenhuma

ajuda em uma dieta de emagrecimento, mas o sorbitol é recomendado, às vezes,

como uma alternativa ao açúcar comum para diabéticos, e o xilitol tem sido usado

em doces e gomas de mascar porque não prejudica os dentes. A principal


desvantagem desses polióis é que, a menos que sejam consumidos em quantidades

razoavelmente pequenas, tendem a causar diarreia.

Os adoçantes não-calóricos não têm qualquer relação química com os açúcares e são

muito mais doces, de modo que somente quantidades mínimas são usadas. Por esta

razão são por vezes chamados de ‘adoçantes intensos’. Eles foram, em sua maior

parte, descobertos acidentalmente em laboratórios de pesquisa onde químicos

estavam sintetizando novas substâncias químicas para finalidades bem diferentes.

Eles podem ser usados para auxiliar a perda de peso através da ingestão reduzida de

calorias; para ajudar pessoas que sofrem de doenças como o diabetes, que afetam o

metabolismo do açúcar; para substituir o açúcar em época de falta, por exemplo

durante guerra – ou, cada vez mais, fico feliz em dizer, para ajudar a prevenir as

doenças causadas pelo açúcar descritas neste livro. O adoçante não-calórico mais

conhecido é a sacarina, que foi descoberta em 1879. Seu uso aumentou

consideravelmente durante a escassez de açúcar da Primeira Guerra Mundial. Um

outro adoçante não-calórico largamente usado é o ciclamato, descoberto em 1937;

entretanto, ele não é atualmente usado nos EUA ou no Reino Unido. Um adoçante

novo, cada vez mais popular, é o aspartame. Como os adoçantes não-calóricos não

têm as propriedades da sacarose em fornecer volume, poder preservativo e assim por

diante, eles são usados quase que exclusivamente como os chamados adoçantes de

mesa, para serem adicionados ao chá ou ao café, ou então na fabricação das bebidas

geladas de baixa caloria. Em menor grau, podem também ser usados para cozinhar

em casa, na preparação de alguns artigos tais como salada de fruta. Sua falta de

volume, entretanto, os exclui como substituto do açúcar na maioria das sobremesas,

na confeitaria e no sorvete.
De tempos em tempos, surgem suspeitas de que os adoçantes alternativos podem ser

prejudiciais. Isso acontece mais frequentemente em relação aos adoçantes

não-calóricos, provavelmente devido ao fato de a maioria ter uma composição

química completamente diferente daquela de qualquer dos açúcares naturais, ou,

certamente, de qualquer substância naturalmente existente. As suspeitas

levantam-se geralmente de alguma pesquisa superficial ou incompleta que não faz

mais do que sugerir algum efeito prejudicial possível detectado em, por exemplo,

ratos de laboratório que foram alimentados com o adoçante. O resultado é

geralmente uma grande controvérsia e o preparo de uma investigação muito mais

extensa. Nessas circunstâncias, os testes são realizados frequentemente com doses

fenomenalmente grandes do adoçante; um teste recente com sacarina usou

quantidades que em um ser humano equivaleria consumir diariamente, por exemplo,

centenas de latas de refrigerantes adoçados unicamente com sacarina. Essa

quantidade de sacarina teria o poder adoçante de uns 5 quilos de açúcar por dia.

Vale a pena gastar um tempo aqui sobre a pergunta da toxicidade das substâncias

que acidentalmente ou intencionalmente podem encontrar seu destino no nosso

alimento. O fato mais importante de se lembrar é que realmente não há algo

venenoso, ou algo que não seja venenoso, apenas simplesmente. O que importa não é

somente a natureza da substância, mas também sua quantidade. Nenhuma

substância é intrinsecamente inofensiva; você pode ficar perigosamente doente

tomando grandes quantidades de água. Nenhuma substância é intrinsecamente

prejudicial; era moda na primeira parte deste século dar remédios que continham

arsênico como um tônico, embora, é claro, as quantidades fossem realmente muito

pequenas.
Similarmente, se fosse descoberto que o ciclamato, ou a sacarina, ou qualquer outra

coisa, causa algum efeito indesejável nas quantidades diárias que são cinquenta ou

cem vezes mais do que qualquer um poderia possivelmente ingerir – e mesmo assim

somente quando feito por um período de dez anos ou mais – não seria sensato

proibi-la automaticamente.

Nos EUA, a situação foi complicada pelo que é conhecido como a Cláusula Delaney,

assinada pelo Senado dos Estados Unidos em 1958, que diz que ‘nenhum aditivo será

considerado seguro se for descoberto que induz câncer quando ingerido pelo homem

ou por um animal’. Isto foi interpretado como uma proibição ao uso como aditivo

alimentar de qualquer substância que, em qualquer quantidade e por um período

indefinidamente longo, produzisse câncer em qualquer espécie de animal. Foi essa

disposição que levou à proibição do ciclamato nos EUA em 1970. Essa decisão foi

baseada no resultado de um experimento onde uma pequena proporção de ratos

alimentados por muito tempo com doses muito grandes de uma mistura de ciclamato

e sacarina desenvolveu câncer de bexiga. Dentro de uma ou duas semanas da decisão

americana, o Reino Unido seguiu o exemplo, de modo que o ciclamato não é usado

pela indústria de alimentos em nenhum dos dois países, embora essa posição esteja

sob revisão. Entretanto, 16 dos 17 países de Europa Ocidental permitem o uso do

ciclamato.

Aquelas pessoas que ainda estão preocupadas com os possíveis perigos de se usar

adoçantes artificiais poderiam reduzir ou abolir seus motivos de preocupação através

do uso de adoçantes mistos. Isso reduziria a possibilidade de ser prejudicado por

qualquer um deles, já que cada um estaria em uma concentração mais baixa do que

se fosse o único agente adoçante.


Doçura relativa de agentes
adoçantes

(Limiar de doçura da
sacarose = 1,0)

Adoçantes
Adoçantes calóricos​
não-calóricos

Glicose 0,5 Ciclamato 30

Sorbitol 0,5 Acessulfame-K 150

Manitol 0,7 Aspartame 200

Xilitol 1,0 Sacarina 300

Frutose 1,7 Taumatina 3.000

No presente, os adoçantes não-calóricos mais conhecidos permitidos em um ou mais

dos países que controlam aditivos de alimentos são sacarina, ciclamato, aspartame,

acesulfame-K e taumatina (talin). Suas doçuras relativas comparadas ao açúcar são

mostradas na tabela. Por inúmeras razões, entretanto, esses números são apenas

aproximados. Primeiramente, a avaliação subjetiva da doçura pelas pessoas varia.

Segundo, a intensidade de alguns adoçantes aumenta ou diminui com a acidez do

alimento ou da bebida aos quais são adicionados. Em terceiro lugar, às vezes sua

doçura relativa muda com o grau de sua diluição e com a temperatura do alimento ou

da bebida.
Os adoçantes não-calóricos não são totalmente intercambiáveis. Por exemplo, a

sacarina e, em menor extensão, o aspartame, não são estáveis ao aquecimento, assim

não são usados na preparação de pratos que exigem cozimento prolongado.

Além disso, o aspartame, sendo um composto de dois aminoácidos, ácido aspártico e

fenilalanina, pode causar problemas em crianças nascidas com o quadro de

fenilcetonúria (PKU). Tais crianças são incapazes de lidar com mais do que uma

pequena quantidade por vez de fenilalanina, um dos aminoácidos encontrados na

maioria das proteínas. Se mais do que essa quantidade limitada for ingerida

regularmente, uma substância é produzida que pode causar deficiência mental. As

crianças geralmente se livram da PKU por volta dos 10 anos. Enquanto isso, o quadro

é controlado dando ao paciente uma dieta cuidadosamente planejada que contenha

tipos e quantidades de proteína que permitem a ingestão de fenilalanina de forma

limitada. Além disso, uma criança com PKU deve ficar ciente de quais refrigerantes

são adoçados com aspartame e ser ensinada a evitá-los.

8. Quem come açúcar, e quanto?

A​s pessoas olham para mim bastante incrédulas quando lhes digo que atualmente
existem muitas partes do mundo onde a pessoa média – homem, mulher e criança –

come mais de 50 quilos de açúcar por ano – um quilo ou mais por semana. Embora

isso seja verdade hoje em dia, isso ocorreu apenas recentemente e ainda não é

verdade em todos os países. Neste capítulo, quero mostrar como o consumo de

açúcar tem mudado, quanto está sendo ingerido em diferentes países e por pessoas

de diferentes idades, e quanto do consumo do homem ocidental é ingerido através


dos diferentes tipos de alimentos e bebidas industrializadas, juntamente com o

açúcar do qual as pessoas se servem à mesa.

Antes de prosseguir, devo salientar que, neste livro, estou falando sobre o açúcar

(sacarose) produzido a partir da cana e da beterraba. Ele é tecnicamente chamado de

açúcar centrifugado. Estou excluindo a sacarose produzida a partir de outras fontes,

como o bordo e a palma; os montantes são negligenciáveis e somam apenas cerca de

1 por cento do total. Eu também estou excluindo o açúcar do leite (lactose), assim

como a sacarose e outros açúcares consumidos de frutas e legumes. A razão aqui

também é sobretudo quantitativa; as quantidades de açúcar centrifugado são muito

maiores que aquelas da sacarose proveniente de outras fontes. Em um de nossos

estudos, descobrimos que adultos comeram cerca de metade do seu total de

carboidratos na forma de amido, 35 por cento como sacarose centrifugada, 7 por

cento como lactose e os restantes 8 por cento mais ou menos como os açúcares

mistos das frutas e vegetais – principalmente a glicose, frutose e sacarose.

No ano de 1850, a produção mundial de açúcar era de cerca de 1½ milhão de

toneladas. Quarenta anos mais tarde, era de mais de 5 milhões de toneladas, e, na

virada do século, era de mais de 11 milhões de toneladas. Exceto por um retrocesso

em cada uma das duas guerras mundiais, a produção continuou a subir rapidamente,

chegando a alcançar as 35 milhões de toneladas por volta de 1950 e agora é de mais

de 100 milhões de toneladas. Ao longo dos últimos 100 anos, houve um aumento de

25 vezes da produção mundial de açúcar; levando em conta o aumento da população

mundial, isso representa um aumento no consumo médio de 3 quilos por ano para

20 quilos. As estatísticas mais abrangentes de consumo e produção de açúcar foram

coletadas 25 anos atrás, em um relatório produzido para a Organização das Nações

Unidas para Alimentação e Agricultura. Embora estejam um pouco desatualizadas,


citarei alguns de seus achados porque eles ainda demonstram muitas características

interessantes que não são fáceis de descobrir em estatísticas mais recentes.

Produção mundial de açúcar

milhões de toneladas

1800 0,25

1850 1,5

1880 3,8

1890 5,2

1900 11

1950 35

1970 70

1982 101

Durante os 20 anos entre 1938 e 1958, houve um aumento na produção mundial de

várias commodities. Entre os itens da alimentação, o cacau aumentou 20 por cento, o

leite, aproximadamente 30 por cento, carne e grãos, até 50 por cento, mas a

produção de açúcar ultrapassou todos esses com seu enorme aumento: 100 por cento

nesses 20 anos. Entre 1900 e 1957, o consumo de açúcar aumentou de uma média de
5 quilos por ano para 15 quilos; atualmente, como disse, é de cerca de 20 quilos. Mas

o aumento variou em diferentes países. Ele foi mais rápido nos países que até

recentemente tinham um baixo consumo.

Antes da última guerra, a média anual da Itália era inferior a 9 quilos; por volta de

1970, era de mais de 27 quilos. Aqueles países que já tinham um alto consumo

tiveram um aumento menor ou mesmo nenhum; no Reino Unido, houve um

aumento dos aproximados 45 quilos para 55 quilos, enquanto nos Estados Unidos,

não houve nenhuma mudança dos cerca de 46 quilos anteriores. Parece haver um

limite um pouco acima de 45 quilos per capita por ano no qual todos os países param

de aumentar sua ingesta. Os países mais ricos gradualmente alcançaram esse nível

elevado através de um aumento lento e razoavelmente constante ao longo de talvez

uns 200 anos; alguns dos países mais pobres o estão alcançando muito mais

rapidamente.

As melhores estatísticas de um único país por um longo período são as do Reino

Unido. Há pouco mais de 200 anos, costumávamos consumir cerca de 2 quilos de

açúcar por ano; em meados do século XIX, isso aumentou cinco vezes, para cerca de

11 quilos por ano; agora consumimos cerca de 45 quilos por ano. Ao longo de todos

esses 200 anos, aumentamos nosso consumo em 25 vezes. Para colocar isso de outra

forma, há cerca de 200 anos, costumávamos passar um ano inteiro para ingerir a

quantidade de açúcar que agora consumimos em duas semanas.

{Figura} Consumo Médio de Açúcar no Reino Unido

A aparente queda no consumo de açúcar centrifugado no Reino Unido depois de

1970 é quase exatamente igualada por um aumento do consumo, em grande parte em


alimentos industrializados, de glicose e de pequenas quantidades do recentemente

introduzido xarope de alto teor de frutose. O consumo total de todas as três formas

de açúcar praticamente não mudou nos últimos 20 anos ou mais.

Há também alguns números de outros países ou populações. Na Suíça, o consumo

médio aumentou dez vezes nos últimos 100 anos. O consumo entre esquimós

canadenses aumentou muito mais rapidamente; em uma área, ele subiu de 12 quilos

para 47 quilos por ano entre 1959 e 1967. O consumo entre a população rural Zulu na

África do Sul aumentou dez vezes em onze anos, de três quilos por ano para 30 quilos

por ano entre 1953 e 1964.

Consumo alemão de açúcar (por habitante)

(apenas Alemanha Ocidental a partir de 1950)

kg/ano

1825 2

1850 3

1880 8

1914 18

1939 26
1960 30

1970 34

1980 36

Temos observado o modo que o consumo de açúcar vem aumentando, especialmente

durante os últimos 200 anos aproximadamente, e também o modo que o consumo de

açúcar difere em diferentes países – geralmente alto em países ricos e baixo em

países pobres. Gostaria de falar um pouco mais sobre dietas nos países ricos e

pobres, porque, embora não diretamente relacionadas ao consumo de açúcar, têm

uma influência sobre este, e também nos dão uma melhor imagem da forma que as

dietas são afetadas pela renda. Vamos olhar para as dietas em diferentes países de

acordo com sua renda nacional média e calcular quantas calorias são fornecidas por

essas dietas, quanta proteína, gordura e carboidratos, e quanto dos carboidratos são

compostos de açúcar por um lado e de outros componentes – principalmente de

amido – pelo outro.

Ao passar do grupo dos países mais pobres para os mais ricos, você encontra um

aumento de cerca de 50 por cento no número médio de calorias na dieta, de cerca de

2.000 calorias por dia para cerca de 3.000. A proteína aumenta em

aproximadamente 80 por cento, de 50 gramas para 90 gramas por dia, e a gordura

aumenta cerca de quatro vezes, de 35 gramas para 140 gramas. A quantidade total de

carboidratos é basicamente a mesma independentemente da riqueza, exceto que é

um pouco menor nos países muito mais pobres e nos muito mais ricos. Nos muito

mais pobres, as pessoas simplesmente têm muito pouco de tudo. Nos países muito
mais ricos, o consumo de alimentos ricos em proteína e gordura é alto o suficiente

para causar uma pequena redução nos alimentos ricos em carboidratos.

Países com os maiores e menores consumos

de açúcar (por habitante, 1982)

Menor

consumo kg/ano

Camboja 0,7

Ruanda 0,8

Gana 1,2

Nepal 1,2

Uganda 1,4

Laos 1,5

Birmânia 1,7

Maior Outros
Principais
produtores
consumo​ países kg/ano
de açúcar
de cana

Cuba 66,6 Islândia 52,2

Costa Rica 62,9 Israel 52,2

Fiji 60,3 Hungria 52,1

Nova
Barbados 60,2 50,9
Zelândia

Guiana 51,9 Cingapura 50,6

Austrália 51,6 Áustria 50,5

Mas mais interessante que a semelhança geral no total de carboidratos é a mudança

muito considerável nos tipos de carboidratos, ao passar dos países pobres para os

ricos. Há um grande aumento na quantidade de açúcar, e uma correspondente queda

nos demais carboidratos, principalmente do amido. Isso é semelhante à situação de

quando um determinado país torna-se cada vez mais rico: mais açúcar é consumido

– e menos pão, arroz, milho, batatas e outros alimentos ricos em amido.

Os valores que dei até agora são médias para populações inteiras. Quando digo a uma

audiência em Londres que eles comem 140 gramas de açúcar por dia, eles professam

uma descrença assombrosa. Todos insistem que eles comem muito menos que isso,
então costumo dizer que, uma vez que, como a média diária é de 140 gramas, deve

haver outras pessoas que estão comendo mais.

Consumo de refrigerantes no Reino Unido (por


habitante)

litros/ano

1939 12,3

1950 18,6

1960 35,9

1970 48,6

1980 82,7

Uma crítica frequente dos experimentos (a serem descritos adiante) realizados no

Departamento de Nutrição do Queen Elizabeth College é que usamos quantidades

excessivamente grandes de açúcar; os aparentes efeitos deletérios produzidos, dizem,

não seriam causados pelas quantidades consumidas por pessoas comuns. Afinal,

argumentam, quantidades imoderadas de qualquer alimento podem ser prejudiciais.

Quando primeiro relatamos que o açúcar na dieta aumenta as quantidades de

substâncias lipídicas no sangue (notavelmente triglicerídeos e colesterol), um

cientista americano escreveu que o açúcar não produz qualquer aumento de

triglicerídeo se as quantidades ingeridas ‘forem da mesma ordem de grandeza que o

consumo de açúcar médio da população americana’. Da mesma forma, outro


pesquisador afirmou que ‘há pouca relação, sob condições habituais, entre o açúcar

da dieta e o colesterol plasmático’. Essas referências à ‘média’ e às ‘condições

normais’ assumem que praticamente todos ingerem uma quantidade de açúcar

pouco diferente do consumo médio, que na América e no Reino Unido é de cerca de

125 gramas por dia. Isso é tão sensato como dizer que todo mundo consome

aproximadamente a quantidade média de álcool, de forma que o álcool não pode ser

uma causa de cirrose hepática.

Consumo de refrigerantes dos EUA (por habitante)

garrafas/ano

1950 40

1960 190

1980 300

Embora haja pouca informação publicada sobre o consumo individual de açúcar, a

vivência comum nos diz que varia muito. Há pessoas que tomam chá ou café sem

açúcar, raramente ou nunca tomam bebidas adoçadas, comem poucos confeitos e

normalmente não comem sobremesas. Há outros que começam o dia com cereal

adoçado e acrescentam açúcar, colocam açúcar em todas as suas bebidas quentes,

comem quantidades consideráveis de confeitos, bolos e biscoitos entre as refeições, e

sempre comem uma sobremesa cozida e fortemente adoçada junto às suas refeições

principais. Os escassos números sobre a ingesta individual de açúcar já publicados

confirmam que existe uma variação considerável. Em nossos estudos no Queen

Elizabeth College, medimos quanto de açúcar estava sendo consumido por diferentes
grupos de crianças mais velhas e por homens e mulheres de diferentes idades. Eles

não são necessariamente representativos, mas mostro os resultados na tabela abaixo,

porque eles demonstram algumas características gerais.

Deixe-me acrescentar que é provável estarmos subestimando o consumo exato, pois

as pessoas tendem a esquecer a bebida adoçada ocasional ou o pedaço de chocolate

que comeram. Ainda assim, podemos obter algumas informações interessantes,

mesmo que um tanto aproximadas.

Consumo diário de açúcar (por habitante,


em gramas)

Idade homens mulheres

15-19 156 96

20-29 112 101

30–39 126 100

40–49 96 83

50–59 90 83

60–69 92 63

A característica mais marcante é o elevado consumo pelos garotos adolescentes; mais

de 50 por cento acima daquele das garotas adolescentes. A diferença entre os sexos
persiste por toda a vida, embora não tão notavelmente. A partir dos 20 anos, os

homens consomem em torno de 15 ou 20 por cento mais açúcar que as mulheres.

Possivelmente porque as mulheres são mais preocupadas com o peso, então elas

deliberadamente – e sabiamente – restringem seu consumo de açúcar. Um declínio

do consumo de açúcar ocorre com o aumento da idade, de forma que as pessoas na

casa dos sessenta anos consomem cerca de um terço a menos de açúcar que as

pessoas na casa dos vinte.

Esses números vêm de nossos próprios estudos em Londres, mas também tentei

encontrar estatísticas relatadas por outros. Em sua maioria, no entanto, elas cobrem

apenas alguns itens com açúcar.

Um estudo com mais de 1.000 meninas e meninos americanos com idades entre 14 e

18 anos no estado de Iowa mostrou um consumo médio de açúcar pelos meninos de

389 gramas ao dia e pelas meninas de 276 gramas. Isso equivale a uma média de

mais de 40 por cento de suas calorias totais como açúcar; a média de toda a

população nos EUA era algo como 18 por cento. Em um estudo de crianças brancas

de 17 anos na África do Sul, o consumo de açúcar não era tão alto, embora um terço

dos rapazes consumia uma média de 241 gramas e um terço das meninas, uma média

de 171 gramas.

Consumo nacional de chocolate (por habitante, 1980)

kg/ano

Suíça 7,2
Alemanha Oc. 6,6

Países Baixos 5,0

EUA 3,9

Itália 1,0

Na Escócia, dentistas examinaram meninos e meninas de 13 anos, uma faixa etária

mais jovem que todas as que havíamos estudado. Eles estimaram apenas a

quantidade de confeitos que as crianças comiam, e acrescentaram que tinham

certeza que seus números foram, de fato, subestimados. A ingesta média semanal era

de 500 gramas, com os garotos comendo pouco mais que as garotas. Oito por cento

das crianças, entretanto, ingeriam mais que 900 gramas por semana.

Consumo nacional de sorvete (por habitante, 1982)

litros/ano

EUA 25

Suécia 12,5

Suíça 7,9

Reino Unido 5,2


Itália 5,1

Esses números são equivalentes a uma ingestão diária de cerca de 55 gramas por dia

de açúcar proveniente de confeitos para todas as crianças, e de 105 gramas para 8

por cento das crianças. A ingestão média de confeitos de toda a população britânica é

de 230 gramas por semana, igualada apenas pela Suíça. De acordo com dados

publicados pela indústria britânica de produtos de confeitaria, o consumo por

crianças menores de 16 anos é cerca de 480 gramas por semana, aproximadamente o

mesmo que o relatado pelos dentistas escoceses.

Além de confeitos, é claro, os adolescentes, sem dúvida, comem mais itens como

bolos, biscoitos, sorvetes e sobremesas que os adultos. Mesmo com uma estimativa

conservadora, pode-se esperar que eles consumam uma quantidade total de açúcar

50 por cento maior que a média nacional. Isso indicaria um consumo total de uma

criança de 13 anos de cerca de 210 gramas de açúcar por dia, que forneceriam 850

calorias da sua ingestão diária total de cerca de 3.000 calorias. Agora pense nas

crianças que comem não 500 gramas de doces por semana, mas mais de 900 gramas,

e é quase certo que deve haver um monte de crianças obtendo pelo menos metade de

suas calorias do açúcar.

Talvez você pensasse que, ao comer muito açúcar entre as refeições, elas cortariam o

açúcar nas refeições. De forma alguma. Um colega meu descobriu que os almoços em

várias escolas inglesas continham cerca de 25 por cento das calorias fornecidas por

açúcar e, em geral, as crianças recebem o mesmo tipo de comida da escola em casa.

Assim, realmente parece que as crianças consomem mais que a quantidade média de

açúcar, às vezes muito mais; não apenas em petiscos e bebidas entre as refeições,

mas também nas próprias refeições. Parte disso, tenho certeza, é devido às atitudes
de seus pais, que desejam dar prazer aos seus filhos, ganhar sua afeição e

alimentá-los, como eles acreditam, com a energia que eles precisam para o

crescimento, trabalho e diversão.

O Times de Londres relatou o caso de um jovem rapaz comendo mais de 3 quilos de

açúcar por semana, o que equivale a cerca de 160 quilos em um ano. Seu dentista

queixou-se que, 6 meses após ter praticamente livrado sua boca das cáries, ela estava

novamente cheia de dentes podres. Nosso próprio recorde vem de um garoto de 15

anos que também consumia quase meio quilo de açúcar por dia, ou cerca de 1.700

calorias apenas de açúcar.

Claro, assim como existem algumas pessoas que comem muito mais do que a

quantidade média de açúcar, deve haver aqueles que comem menos do que a média.

Nossos próprios números sugerem que o intervalo de variação da ingesta de açúcar é

muito maior do que a variação da maioria dos outros alimentos. Encontramos

pessoas que consomem tão pouco quanto 15 gramas por dia, bem como aqueles que

consomem tanto quanto 400 gramas; este comendo em um dia o que aquele come

em um mês.

No total, acho difícil de resistir à conclusão de que, enquanto o consumo médio

nacional de açúcar nos EUA e Reino Unido representa algo como 17 ou 18 por cento

da ingestão média de calorias, a média para crianças chegaria a cerca de 25 por cento

das calorias ou até mesmo um pouco mais. E mais uma vez deixe-me dizer que deve

haver algumas que estão ingerindo 50 por cento de suas calorias de açúcar. Em

termos absolutos, o consumo de açúcar pelas crianças deve estar mais próximo de

300 gramas por dia que da média nacional de 140 gramas.


Caso você ache que estou exagerando quanto à quantidade de açúcar consumida por

crianças, deixe-me citar, de uma propaganda da Sugar Information, a organização de

relações públicas da indústria de açúcar americana. Por enquanto, esqueça a

referência à obesidade. Vou discorrer mais sobre esse aspecto do açúcar adiante.

Aqui é a parte da propaganda:

Você provavelmente encontrou pessoas que lhe disseram para evitar isso ou aquilo

porque contém açúcar. Se você quiser ver o quanto de sentido há nessa ideia, a

próxima vez que você passar por um grupo de crianças, dê uma olhada. Crianças

comam e bebam mais coisas feitas com açúcar que qualquer um. Mas quantas

crianças gordas você vê?

A boa nutrição provém de uma dieta balanceada. Uma que forneça as quantidades

certas, e os tipos certos, de proteínas, vitaminas, minerais, gorduras e

carboidratos. O açúcar é um carboidrato importante. Com moderação, o açúcar

tem lugar em uma dieta balanceada.

A palavra que mais gosto neste anúncio é ‘moderação’. Mas você realmente aceita

como moderado o consumo médio atual de açúcar pelas crianças, provavelmente

totalizando 25 por cento ou mais de suas calorias e somando até uns 200 gramas por

dia?

Deixe-me prosseguir com este conceito de moderação, sobre o qual ouvimos tantas

vezes. Suponha que estivéssemos vivendo uns duzentos anos atrás. As pessoas na

América e na Grã-Bretanha estavam, nessa época, comendo em média uns 60

gramas de açúcar por semana. Se alguém fosse dizer, nessa época, que você deveria

comer açúcar com moderação, você pensaria em termos de, talvez, não mais que 80
gramas por semana. Você certamente teria protestado que 200 gramas por semana –

30 gramas por dia – seria uma quantidade bem excessiva. Mas hoje as pessoas

aceitam 140 gramas por dia como moderado; apenas quando alguém come muito

mais que isso é que se torna aceitável dizer que ele está comendo exageradamente.

Observe agora os bebês, que tomam mamadeira cada vez mais, muito embora haja

uma leve retomada ao aleitamento materno em alguns lares de classe média. Uma

fórmula infantil comum consiste em leite de vaca em pó, talvez modificado de

alguma forma, com açúcar adicionado. Exceto em algumas preparações sensatas, o

açúcar adicionado é a sacarose, não a lactose (o açúcar do leite), e eu mostrarei

adiante que eles não têm o mesmo efeito sobre o bebê. Aqui me refiro apenas à

desvantagem do açúcar em ter um gosto muito mais doce que a lactose, de forma que

o bebê é levado à sua futura vida rica em açúcar por ser encorajado a desenvolver um

paladar para a doçura máxima.

Assim que um bebê começa com a dieta mista – e isso é geralmente com dois ou três

meses de idade ou mesmo antes – cereais são adicionados à dieta e, depois,

alimentos como gema de ovo e carne moída e papinhas de vegetais e frutas. Muitas

mães acrescentarão açúcar aos cereais e às frutas, embora não seja, de forma alguma,

incomum acrescentá-lo ao ovo, à carne e ao peixe. E eu não mencionei o hábito

pernicioso de dar aos bebês chupetas que têm um reservatório para caldas ou que, de

tempos em tempos, são mergulhadas no açucareiro.

Eu conheci uma família de quatro pessoas: pai, mãe, uma menina de 4 anos e um

bebê de seis meses. Eles compram e usam 5 quilos de açúcar por semana, e isso não

os impede de também comprar a variedade habitual de biscoitos, sorvetes e outros

alimentos e bebidas industrializados com açúcar. O bebê certamente consome menos


que um quarto disso tudo, mas ele não está exatamente sendo privado, já que sua

chupeta é mergulhada no açucareiro da família.

Uso industrial de açúcar no Reino Unido


(aproximado, 1980-81)

milhares de
toneladas

Chocolate e confeitaria 320

Biscoitos e bolos 250

Refrigerantes 250

Sorvetes e bebidas lácteas 85

Alimentos enlatados e congelados 65

Geleias e conservas 60

Medicamentos 25

Diversos 25

Cervejaria 45

Uma das razões pela qual algumas pessoas acham difícil aceitar que, em média, os

americanos e britânicos comem cerca de um quilo de açúcar por semana é porque


eles pensam apenas no açúcar que é levado para casa como açúcar visível. Mas uma

proporção crescente de açúcar agora é adquirida já incorporada aos alimentos. Se

você olhar para seu próprio consumo de açúcar, as chances são de que, ao longo dos

anos, uma fração cada vez menor será de açúcar doméstico e uma fração cada vez

maior, de industrial. Açúcar doméstico é, em sua maior parte, o que é comprado pela

dona de casa, mas também inclui a quantidade muito menor usada em cafés e

restaurantes. O açúcar industrial vai a fábrica e chega até nós na forma de confeitos,

sorvetes, refrigerantes, bolos, biscoitos e, atualmente, também em uma ampla gama

de outros itens, especialmente nas ‘comidas de conveniência’ luxuosamente

embaladas.

Os países mais pobres, como se poderia esperar, consomem menos do seu açúcar na

forma industrial; alimentos industrializados são um luxo cada vez mais consumidos

nos países mais ricos. Ao final dos anos cinquenta, de acordo com o relatório da FAO

que mencionei anteriormente, a África do Sul consumiu apenas 20 por cento de seu

açúcar em alimentos industrializados, enquanto a França consumiu 40 por cento e a

Austrália, 55 por cento. O açúcar industrializado americano aumentou de menos de

30 por cento em 1927 para cerca de 50 por cento em 1957 e está agora a mais de 70

por cento. O aumento na proporção do açúcar industrializado nos EUA é

especialmente interessante tendo em conta o fato de que o consumo total de açúcar

por lá não mudou muito ao longo desse período.

Proporções do uso doméstico e industrial de açúcar

Doméstico Industrial
% %

Alemanha Ocidental 1957–8 55 55

1981–2 30 70

EUA 1934 70 30

1944 57 43

1954 44 56

1964 38 62

1974 34 66

*1983 39 61

* Entre 1974 e 1983, o uso de Xarope de Alto Teor de Frutose aumentou de 1,5
para 19,5 quilos por habitante; quase todo ele usado na fabricação de alimentos
como uma alternativa ao açúcar. Se isso for levado em conta, o uso industrial
de açúcar em 1983 foi de 74% e o uso doméstico, de 26%.

O uso de açúcar industrializado no Reino Unido totaliza cerca de 65 por cento. As

maneiras nas quais o açúcar é usado por fabricantes de alimentos no Reino Unido, e

os diversos montantes envolvidos, são mostrados na tabela da p. 46. Mas eu quero

amplificar esses números de várias maneiras. Para começar, acredito haver várias
razões para que os ocidentais continuem aumentando seu consumo de alimentos

industrializados que contêm açúcar. Uma é que qualquer fabricante eficiente está

constantemente produzindo alimentos cada vez mais atraentes. Devido à

concorrência, ele continua fazendo novos produtos ou novas variações de seus

antigos produtos, cada vez com o propósito de produzir algo que seja mais atraente

que antes. Cada vez mais, as pessoas acham difícil resistir a esses alimentos e bebidas

deliciosos. Em 1981, quase £100 milhões foram gastas em publicidade de alimentos

ricos em açúcar; das quais £53 milhões foram gastas na publicidade de chocolates e

confeitos.

Em segundo lugar, o açúcar, como já vimos, oferece muitas propriedades que não

apenas sua doçura. Seu uso em diferentes tipos de confeitos é dependente também

de seu volume, de sua habilidade de existir de forma cristalizada ou não cristalizada,

na sua solubilidade na água e na sua mudança de cor e sabor quando aquecido. Seu

uso em compotas é dependente de sua habilidade de se solidificar na presença de

pectina, e na sua alta pressão osmótica, que inibe o crescimento de fungos e

bactérias. Em pequenas quantidades, o açúcar parece realçar o sabor de outros

alimentos sem necessariamente acrescentar especificamente a doçura. Essas e

muitas outras propriedades do açúcar juntam-se formando uma extraordinária

versatilidade, e explicam seu uso em uma vasta gama de alimentos e bebidas.

O resultado é fácil de se ver ao se andar pelos supermercados e fazer uma lista de

alimentos com açúcar entre seus ingredientes. Deixando de lado os itens óbvios,

como bolos, biscoitos, sobremesas e refrigerantes, você encontrará açúcar em

praticamente todas as variedades de sopas enlatadas, em latas de feijões e massas

cozidos, em vários tipos de carnes enlatadas, em quase todos os matinais, em vários

vegetais e pratos pré-prontos congelados, e na maioria dos vegetais enlatados. Em


alguns desses alimentos, especialmente nos alimentos como carnes ou substitutos

vegetarianos da carne, as quantidades de açúcar são bem pequenas. Mas em muitos

outros, a quantidade é realmente surpreendentemente alta. Você pode ter uma idéia

vendo onde o açúcar se encontra na lista de ingredientes. Se é o primeiro da lista, o

alimento contém mais açúcar do que qualquer outro ingrediente. Quando eu fiz esse

teste, isso aconteceu em uma ou duas sopas enlatadas, em um ou dois alimentos

matinais e em vários picles e molhos.

Uma terceira razão por que as pessoas cada vez mais compram alimentos

industrializados contendo açúcar é que elas preferem comprar alimentos em uma

forma ‘conveniente’ – usualmente itens que previamente eles mesmos os teriam

preparado. E parece-me, pela minha amostragem, que esses alimentos

provavelmente contêm mais açúcar que tinham quando eram feitos em casa. O

fabricante parece ter descoberto, ou de algum modo convenceu-se, que as pessoas

gostam de açúcar em tudo, e cada vez mais dele. Nos últimos dois ou três anos, tenho

achado difícil ir a um bar tomar suco de tomate – minha birita favorita – que não

tenha açúcar adicionado a ele. Eu também adoro manteiga de amendoim, mas os

fabricantes das duas marcas mais populares na Inglaterra agora decidiram que

deveriam fazê-la com açúcar. Deixe-me dar, aqui, uma nota boa ao pessoal dos

alimentos saudáveis; pelo menos alguns não colocam açúcar na manteiga de

amendoim – pelo menos ainda não.

Se você deseja testar o que estou dizendo, faça o teste da próxima vez que você sair

para beber uma coisa ou outra que não seja alcoólica, não contenha açúcar e não seja

especialmente anunciada como uma ‘bebida diet’.


Parece ser verdade que, até atingirem um certo limite, a maior parte das pessoas

demandam cada vez mais açúcar enquanto elas continuam a consumi-lo. Certamente

o inverso é verdadeiro. Muitas pessoas vêm restringindo o açúcar há algum tempo,

ou porque estão preocupados com seu peso ou até mesmo por razões ainda mais

sérias; agora, quando, por razões sociais, eles têm que ingerir alimentos ou bebidas

açucaradas, eles geralmente os acham intoleravelmente doces. No seu terceiro

aniversário, meu bem-criado neto Benjamim mordeu um pedaço do seu bolo de

aniversário glaceado e não comeu mais porque, ele disse, ‘Está muito doce.’

O que me é surpreendente é a elevada proporção de açúcar em muitos dos chamados

alimentos saudáveis, além da manteiga de amendoim que citei. O açúcar parece

figurar proeminentemente nos alimentos que deveriam ser ‘bons para você’. Ovos e

bacon, ou o arenque, um velho favorito britânico, seriam melhor para você que vários

dos alimentos saudáveis matinais especiais, como muitas marcas de muesli.

Mais uma razão por que os ocidentais comem tanto açúcar é que o aumento de

riqueza dá mais oportunidades de lazer às pessoas, criando o tipo de situação –

sentar à frente da televisão, fazer uma viagem de carro – que é conducente ao

consumo de lanches e refrigerantes, tão facilmente disponíveis atualmente, e que são

considerados baratos. E lanches, geralmente, e refrigerantes, quase sempre, são

fontes abundantes de açúcar.

Outro ponto sobre refrigerantes. Quando eu era jovem, se eu tivesse sede, eu tomaria

um copo d’água. Hoje em dia, quando as crianças têm sede, parece ser quase

obrigatório que eles matem sua sede com um refrigerante ou com outra bebida

carregada de açúcar. E isso muitas vezes é verdade para os adultos também, embora

seja a mesma probabilidade de ser uma bebida alcoólica como a cerveja. Dessa
forma, o açúcar é consumido quase que inadvertidamente. A tendência moderna do

uso de bebidas como água tônica misturadas à bebida alcoólica é, para muitas

pessoas, uma fonte adicional de açúcar da qual elas dificilmente se apercebem. Duas

pequenas garrafas em seu gin ou vodca e você terá engolido 30 ou mais gramas de

açúcar.

A vida é difícil para pessoas que, como eu, querem evitar o açúcar, e particularmente

para aquelas que, como as pessoas com intolerância hereditária à frutose, adoecem

quando ingerem açúcar. Mas fico feliz em ver que um número crescente de

fabricantes não colocam açúcar em alguns dos seus produtos, e que você pode

encontrar cada vez mais rótulos marcados ‘sem açúcar’ ou ‘sem adição de açúcar’. Em

particular, é encorajador ver mais alimentos infantis rotulados dessa forma.

9. As palavras significam o que


você quiser que elas signifiquem

É​ muito confuso quando os povos usam palavras diferentes para a mesma coisa. Na
Inglaterra, chamamos ‘lift’ o que os americanos chamam de ‘elevator’ [elevador],

‘property’ o que chamam de ‘real state’ [imóvel], e ‘petrol’ o que chamam de ‘gas’

[gasolina]. Mas enganos maiores ocorrem quando os povos usam a mesma palavra

para coisas diferentes. A mulher americana carrega uma ‘handbag’ [bolsa] que

chama às vezes de ‘purse’, enquanto uma mulher inglesa carrega uma ‘handbag’ onde

coloca uma ‘purse’ [carteira] bem menor para seu dinheiro. A mulher americana leva

dinheiro em sua ‘wallet’ [carteira].


Como vimos no Capítulo 3, ‘açúcar’ às vezes significa os belos e brancos torrões e pó

aos quais este livro se refere – sacarose – mas às vezes significa uma substância

diferente que circula no sangue – glicose. Um outro exemplo é a ‘palavra’ energia,

que, como discutirei, significa uma coisa aos não-cientistas e outra bem diferente aos

nutricionistas.

A glicose é um açúcar encontrado, geralmente com outros açúcares, em algumas

frutas e vegetais. É muito importante para bioquímicos, fisiologistas e nutricionistas,

pois é um material-chave no metabolismo de todas as plantas e animais. Muitos de

nossos principais alimentos são convertidos, mais cedo ou mais tarde, em glicose e a

glicose é uma das substâncias mais importantes que é metabolizada (oxidada ou

queimada) nos tecidos para fornecer energia para as atividades diárias.

De onde vem a energia

Quase todo livro escrito por pessoas dentro da ou associadas à indústria de açúcar

contém uma seção onde se diz como o açúcar é importante por ser um componente

essencial do nosso corpo. Eles dizem que é oxidado para fornecer energia, e que é um

material chave em todos os processos metabólicos, e assim por diante. E eles deixam

implícito ou mesmo dizem explicitamente que tudo isso tem a ver com ‘açúcar’

(sacarose), ao passo que, na verdade, estavam falando sobre ‘açúcar no sangue’

(glicose). O fato é que sacarose e glicose têm estruturas químicas diferentes e seus

efeitos no corpo diferem de maneira importante. Quando a palavra ‘açúcar’ é usada

em um dado momento para significar a sacarose em seu alimento e em outro para

significar a glicose em seu sangue, essas diferenças são escondidas. Tornamo-nos tão
acostumamos a essa confusão de definições que, no final, achamos difícil aceitar as

diferenças vitais entre o sacarose que comemos e a glicose em nosso sangue.

Há uma segunda maneira na qual você pode ser levado a acreditar que o açúcar é um

importante, senão essencial, item da nossa dieta. Aqui está uma citação de um

panfleto da indústria de açúcar: ‘O açúcar trabalha por você a cada mordida que você

dá – pois seu corpo é uma fábrica de energia com açúcar como seu combustível.’ Em

primeiro lugar, não é ‘açúcar’ (sacarose) mas ‘açúcar’ (glicose) que é o combustível do

corpo, e, segundo, o que realmente significa ‘energia’? Quando você diz, ‘eu não

tenho energia’, ou ‘o Joãozinho está cheio de energia’, você usa a palavra energia para

atividade física ou para a tendência em ser fisicamente ativo? Quando você diz que

Joãozinho é cheio de energia, você o imagina correndo por aí, subindo e descendo

escadarias aos pulos, subindo uma árvore ou disparando em sua bicicleta. Por outro

lado, quando você diz que você não tem energia, você sugere que não quer fazer

muito mais que ficar sentado, ou, de preferência, deitado.

Assim, quando alguém diz, ‘O açúcar lhe dá energia’, você imagina que é justamente

isso o que necessita para pular da cadeira e correr por aí como o Joãozinho. Mas o

fisiologista e o nutricionista que falam sobre açúcar e energia querem dizer algo

diferente. O que querem dizer é que o açúcar (como qualquer outro alimento, após

ser digerido e absorvido) pode ser utilizado pelo corpo para liberar a energia que

você precisa para todas as funções do corpo. Essas incluem atividades automáticas

como respiração, batimentos cardíacos ou digestão, e todas as reações químicas do

ser vivo que, somadas, chamam-se ‘metabolismo’. Também estão incluídas

atividades voluntárias como vestir-se ou andar ou correr.


O que essas pessoas realmente querem dizer quando dizem que o açúcar lhes dá

energia é simplesmente que ele é uma fonte potencial da energia necessária para os

processos vitais. Está lá quando você precisa, do mesmo jeito que a gasolina (ou

‘petrol’!) que você põe em seu carro está no tanque, pronta para ser queimada

quando você quer ligar o motor do carro. Apenas colocar um ou dois litros no tanque,

por si só, não faz o carro ir mais rápido ou o torna mais energético. E ingerir outra

colher de açúcar não faz, por si só, você saltar de sua cadeira e sair correndo para

cortar grama.

Todo o alimento contém, então, ‘energia’, pois alguns de seus componentes podem

fornecer o combustível para o funcionamento do corpo. Normalmente você tem uma

reserva considerável desse combustível em seus tecidos, armazenada do alimento

que você comeu previamente. Se você estivesse faminto, e tivesse pouca ou nenhuma

desta reserva, e se além disso fosse imperativo que você obtivesse algum combustível

em seus tecidos em minutos, além da glicose em seu sangue, então poderia ser uma

boa ideia comer açúcar em vez de outro alimento, pois o açúcar é rapidamente

digerido, absorvido e levado aos tecidos. Um pedaço de pão com manteiga levaria

alguns minutos a mais. Essa diferença insignificante de tempo é o que os

propagandistas do açúcar querem dizer quando falam sobre a energia ‘rápida‘ do

açúcar. Mas não são muito raras as circunstâncias em que seja imperativo que você

obtenha essa vantagem na disponibilidade rápida da ‘energia’ do açúcar? E, além

disso, como veremos adiante, pode ser que a velocidade que o açúcar inunda a

corrente sanguínea seja mais prejudicial que benéfica.

Às vezes fico imaginando se a insistência em dizer que o açúcar contém energia se

deva ao fato de ele não conter mais nada. Todos os outros alimentos contêm energia,
assim como pelo menos alguns nutrientes na forma de proteína, minerais ou

vitaminas, ou uma mistura desses. O que o açúcar contém é energia, e só isso.

Puro é bom

Como mostrei, a combinação de todos os alimentos contém toda a gama de materiais

essenciais que o organismo necessita para sua sobrevivência e bem-estar. Cada um

desses é derivado de plantas ou animais vivos; se eles não forem processados de

alguma forma, eles contêm uma mistura de aproximadamente 50 materiais

essenciais. De um repolho você obtém, entre outras substâncias essenciais, um pouco

de vitamina A e vitamina C e cálcio. De um pedaço de carne, você obtém proteína,

gordura, várias vitaminas do complexo B, ferro e muitos outros nutrientes.

Mas suponha que alguém fosse cultivar pinheiros em vez de couves e, em seguida,

extrair a vitamina C e comê-la em vez de comer repolho. Seria possível agora afirmar

que você consumiu vitamina C absolutamente pura, mas não haveria nenhuma

vantagem específica em obtê-la dessa forma, em vez daquela proveniente do repolho.

Na verdade, você perderia nessa troca, pois o repolho forneceria outros benefícios

nutricionais além da vitamina C.

Ainda assim, esse é realmente o tipo de coisa que as pessoas fazem quando fabricam

açúcar. Eles plantam vastas áreas de terra com cana-de-açúcar ou beterraba em vez

de culturas que podem ser consumidas mais ou menos por inteiro. Então eles pegam

a cana ou beterraba e extraem, limpam, filtram, refinam e purificam-na até terem

algo que é virtualmente 100 por cento açúcar. A esta altura, os refinadores dizem
com a mais absoluta verdade que esse açúcar é uma dos mais puros alimentos

conhecidos.

Mais uma vez uma palavra está sendo usada em dois sentidos diferentes. Quando

você diz que água é pura, ou pão ou manteiga, isso quer dizer que não está

contaminada com algo inferior e, especialmente, não está contaminada com nada

prejudicial. Mas então você é persuadido a levar esse sentido de salubridade ao

significado dos químicos: um material que não tem nada mais misturado a ele,

independentemente se esse algo seria prejudicial ou inofensivo ou até benéfico.

Não há qualquer razão especial para elogiar o açúcar pelo fato de que, ao decorrer de

sua preparação elaborada, ele é livrado de todos os outros materiais para que seja

quimicamente ‘puro’, como a maioria dos outros materiais que o químico têm em

suas prateleiras de laboratório. Da mesma forma, eu não veria razão para ficar

contente ao ser apresentado a proteína pura para meu consumo, ou pura vitamina

B₁₂, ou qualquer outro componente dietético em seu estado isolado. Qual a virtude

que isso traria?

10. As calorias do açúcar


emagrecem – dizem

A​ inclusão de grandes quantidades de açúcar pode afetar nossa dieta de duas


maneiras. Ele pode ser ingerido além da dieta normal, ou no lugar de uma caloria

equivalente de um outro alimento. Mais provavelmente que apenas um desses

modos, isso pode ocorrer de ambas as formas: adicionando um pouco às calorias


totais e também deslocando outros alimentos. Já que, como mostrei, o açúcar

fornece quase um quinto da média das calorias de um consumidor, nenhum aspecto

do consumo do açúcar pode ser ignorado. Seus efeitos serão particularmente

evidentes naquelas pessoas cujo consumo de açúcar é apreciavelmente maior que a

média.

O consumo do açúcar além de uma dieta comum aumenta o risco de obesidade; o

consumo do açúcar no lugar de uma dieta adequada aumenta o risco de deficiências

nutricionais. Neste capítulo, eu quero tratar da questão do consumo de açúcar que

leva a um aumento na ingestão calórica.

Eu já apontei que o consumo médio de açúcar, na América ou na Grã-Bretanha,

fornece algo em torno de 500 a 550 calorias por dia. Mas esse não é o quadro

completo. Muitas pessoas consomem pelo menos duas vezes mais que a média de

130 ou 140 gramas por dia; eles estão ingerindo pelo menos 1.000 calorias por dia de

açúcar, e a ingesta de 1.500 calorias ou mais também já foi relatada. Parece muito,

mas eu não estou contando apenas o açúcar visível. Tais pessoas consomem somente

parte dessa quota diária como açúcar puro. Além disso, muito é ingerido com outros

alimentos que fornecem muitas calorias: cacau no chocolate, gordura no sorvete,

gordura e farinha nos biscoitos e nos bolos. Isso adiciona ainda mais calorias aos

números que eu acabei de fornecer.

Este livro não é sobre obesidade e suas causas e tratamento, então eu mencionarei

somente dois pontos que são particularmente relevantes na questão do açúcar – um

óbvio, e um menos óbvio e apropriadamente investigado apenas recentemente. O

óbvio é que as pessoas ingerem alimentos e bebidas doces porque gostam. E assim
como você comerá menos do que necessita se seu alimento for intragável e pouco

apetitoso, você comerá mais do que necessita se ele for especialmente apetitoso.

Deixem-me lembrá-los de alguns dos pontos que mencionei no Capítulo 2. Na

maioria das vezes, as pessoas comem chocolate ou bolo porque são tentadas pela sua

aparência e sabor e não porque necessitam realmente daquelas calorias extras. E

quando as pessoas ingerem refrigerantes açucarados, geralmente o fazem porque

estão com sede e não porque estão com fome, mesmo que as bebidas forneçam

muitas calorias (provavelmente não necessárias) junto com a água que ​é​ necessária.

Assim, as pessoas geralmente comem e bebem para satisfazer seu apetite – por

prazer, e não para satisfazer a fome.

Vale a pena gastar um momento ou dois a mais nesta distinção entre apetite e fome.

Quais são os alimentos que fazem as pessoas comerem demais? Na maior parte, as

pessoas não ficam acima do peso porque comem muita carne ou peixe, ou ovos

demais, ou muitas frutas ou vegetais. É quase sempre porque comem muito pão, ou

doces e chocolates, ou bolos e biscoitos, ou porque bebem muitos copos de chá ou de

refrigerantes açucarados. Ou, naturalmente, pode ser porque bebem muita cerveja ou

outra bebida alcoólica.

Agora apenas pensem. Quando as pessoas põem açúcar em seu chá ou café, é porque

estão com fome e precisam de calorias extras? Ou é porque eles preferem a bebida

doce? Se fosse realmente uma questão de necessidade calórica, então estariam

adicionando o açúcar somente quando estivessem com fome.

Ou pegue alguém que vai ao bar após seu jantar e bebe duas ou três garrafas de

cerveja com seus amigos. É por que lhe faltam colorias? Ele vai ao bar apenas quando
está com fome? Ou será que ele bebe apenas meia garrafa à noite quando ele fez uma

refeição particularmente grande em casa?

E o que dizer da mulher que se senta em frente à televisão, após o jantar, com uma

caixa de chocolates ao colo? Ela come apenas um chocolate porque comeu muito no

jantar daquela noite, comparado à meia caixa de chocolates que ela comeu na noite

anterior em que estava realmente com fome? O fato é que, em ambas as ocasiões, ela

belisca os chocolates porque gosta deles, e isso não tem nada a ver com a sua fome.

Em geral, as pessoas consomem açúcar ou alimentos ou bebidas açucarados ou álcool

por prazer. As calorias que, inevitavelmente, são ingeridas ao mesmo tempo são

incidentais e nada têm a ver com a satisfação que elas têm ao consumir esses itens.

Quando você pensa nisso, quase todos os alimentos tentadores que são feitos para

satisfazer o apetite em vez da fome contêm carboidrato, tanto açúcar como amido, ou

contêm álcool. Isto foi confirmado quando minha colega Diane Adie e eu realizamos

uma pesquisa entre mais de 1.400 mulheres que eram membros do Clube de

Emagrecimento da Revista Slimming [tradução livre]. Nós pedimos que nos

dissessem quais alimentos, de uma longa lista, elas julgavam ser difíceis de resistir

quando estavam com sobrepeso. Vinte e cinco por cento colocaram bolos e biscoitos

no topo da lista e um total de 72 por cento citaram alimentos ricos em carboidratos

como sua tentação principal. Sessenta e quatro por cento dos alimentos listados

continham açúcar refinado adicionado, enquanto, dos outros 16 alimentos

mencionados, nenhum foi votado mais que 4 por cento. Esses alimentos ricos em

carboidratos, a propósito, têm outra característica; eles são todos alimentos

artificiais que não existem na natureza na forma em que nós os comemos. Como eu

disse em outra parte, as pessoas não ficam propensas a engordar se comporem sua
dieta principalmente com alimentos que estavam disponíveis a nossos antepassados

pré-históricos, como carne, peixes, ovos, frutas e vegetais, ao mesmo tempo que, na

medida do possível, evitem alimentos industrializados, a maioria dos quais é rica em

carboidratos.

O fato é que, dada a escolha, as pessoas comem os alimentos que gostam, e quanto

mais gostam, mais provável que os comam. Você pode pensar que isso é tão óbvio

que é desnecessário mencionar, mas esse simples fato é responsável pela maior parte

da obesidade. Se você achar difícil de aceitar por falta de provas, deixe-me recordar

uma história de Bernard Shaw em ​Aventuras de uma Negrinha que Procurava Deus.​

Em sua peregrinação, a menina se depara com um cientista, claramente Pavlov, que

está fazendo experimentos com um cão. Quando perguntado sobre o que estava

fazendo, ele diz que descobriu que, quando mostra ao cão um pedaço de carne, o cão

saliva. ‘Mas todo mundo sabe disso’, diz a menina negra. ‘Talvez’, responde o

cientista. ‘Mas até eu fazer a experiência, não estava cientificamente demonstrado.’

Então que tal comprovar cientificamente que a disponibilidade de alimentos muito

atraentes causa a obesidade? Durante os últimos anos, pesquisadores descobriram

que a maneira mais simples de produzir um rato gordo não é lhe oferecer somente os

simples grãos que compõem o alimento muito nutritivo normalmente dado aos ratos,

mas também os deixar comerem bolos, biscoitos, chocolates e assim por diante. Os

ratos comem esses tipos de alimento com entusiasmo, e acaba sendo uma dieta de

engorda muito efetiva. Então agora é suportado pela ciência que tais alimentos

altamente atraentes induzem a comer demais e à obesidade.

Quando você pensa nisso, o fato de que uma dieta de baixo carboidrato ser uma

maneira eficaz de perder excesso de peso também sugere que a obesidade é causada
pelo consumo de alimentos irresistíveis com alto teor de carboidratos. A dieta de

baixo carboidrato limita severamente apenas aqueles alimentos que, como nós

vimos, as pessoas acham mais tentadores, enquanto permite que você coma o quanto

quiser de alimentos como carne e peixes, e vegetais. Você perde peso porque estes

últimos são alimentos que o corpo necessita para satisfazer a fome, e não apenas para

satisfazer o apetite, assim você para de comer quando está satisfeito. Isso não quer

dizer que estes alimentos não sejam apetitosos; entretanto, não incentivam a comer

demais. Deve-se também lembrar que os alimentos de baixo carboidrato são os que

contêm uma concentração elevada de nutrientes que o corpo necessita.

Deixem-me tentar explicar porque existem algumas pessoas que consomem muito

açúcar, mas não estão acima do peso. Há três razões para que isso possa acontecer. A

primeira aplica-se àqueles cuja o consumo de açúcar é combinado com uma redução

correspondente de outros alimentos, de modo que não estejam ingerindo calorias em

excesso, embora, como mostrarei, possam estar correndo risco de deficiência

nutricional. A segunda razão pode ser que sejam pessoas extremamente ativas, de

modo que ingerem muitas calorias, mas também as usam por completo. A terceira

razão possível porque as pessoas podem comer muito açúcar e ainda não engordar é

controversa. Há agora uma evidência de que os corpos de algumas pessoas sortudas

têm a facilidade de queimar as calorias em excesso; às vezes esse aumento no

metabolismo é justamente o equivalente às calorias extras que consomem, e assim

não engordam. Essa visão não é aceita universalmente nos livros de Fisiologia e

Nutrição, mas eu acho que a evidência é agora bem convincente. Mesmo essas

pessoas, naturalmente, têm um limite do número de calorias excedentes que podem

eliminar dessa maneira; elas também irão engordar se sua ingestão de calorias

exceder sua eliminação.


Se você é um dos sortudos que pode se livrar do excesso de calorias do açúcar, você

pode até não engordar, mas de maneira alguma escapará dos seus efeitos adversos.

Cárie dental, indigestão, diabetes, trombose coronariana e todas os outros quadros

que irei discutir – elas não são necessariamente evitadas pelas pessoas que podem

comer um monte de açúcar sem engordar.

Dessa forma, não há sentido em se preocupar ou não se todos concordam que o

metabolismo pode aumentar em resposta a um aumento do consumo de alimentos.

Deixe-nos apenas dizer que você não pode deixar de engordar se você estiver

ingerindo mais calorias do que você consegue gastar – e uma fonte muito óbvia e

potente de calorias em excesso é o consumo de alimentos e bebidas que contêm

açúcar, principalmente porque as pessoas os acham deliciosos.

Pode ser que você seja um daqueles que acham difícil de aceitar que o açúcar possa

ser um fator importante na causa da obesidade. Na América, especialmente, uma

intensa campanha publicitária e de relações públicas está em andamento há anos

para convencer o público de que o açúcar não tem nada a ver com o ganho de peso.

Primeiro dizem que uma colher de açúcar contém apenas 18 calorias. Os anúncios

dizem: ‘Açúcar tem o que você precisa. Somente 18 calorias por colher de chá. E é

tudo E N E R G I A’. Isso até é verdade, desde que você use uma colher bem

pequena e tenha certeza de que seja uma colherada rasa ao invés da habitual colher

cheia. Nossa experiência de pesquisa mostra que a maioria das pessoas usa o tipo de

colherada que contém algo mais próximo de 30 calorias que de 18 calorias.

Você pode querer calcular a quantidade de açúcar que ingere apenas no chá e no café.

Suponha que você consuma o número médio de xícaras, cerca de seis ao dia.

Suponha que você consuma a quantidade não absurdamente grande de duas colheres
por xícara, cada uma com ‘apenas’ 25 calorias. Que é de 50 calorias por xícara, e 300

calorias ao fim do dia. Essa provavelmente seja toda a verdade, ao invés da verdade

parcial e enganadora de aproximadamente 18 calorias por colher.

Há também uma segunda questão. O pessoal do açúcar não somente diz que o açúcar

não engorda; diz que ele realmente ajuda a emagrecer. O argumento é o seguinte. As

pessoas ficam com fome porque estão com nível baixo de glicose no sangue. Se você

comer açúcar, você para de ficar com fome porque ele é muito rapidamente digerido

e absorvido, de modo que o nível de glicose no sangue se eleva. Coma um pouco de

açúcar de tempos em tempos, então, e você acabará comendo menos, e assim

reduzirá seu peso.

Eis uma citação de uma propaganda da indústria do açúcar:

Fãs da força de vontade, a busca acabou!

E adivinhem onde está? No açúcar!

O açúcar funciona mais rapidamente que qualquer outro alimento para diminuir

seu apetite e aumentar sua energia.

Mime seu apetite com açúcar e você pode criar força de vontade.

Açúcar – apenas 18 calorias por colher de chá e é tudo energia.

Infelizmente, há três falhas nesse argumento. A primeira é a ideia de que seu apetite

é controlado pelo seu nível de açúcar no sangue. Essa teoria está atualmente
amplamente descartada. Há muitas evidências de que não esteja correta e,

certamente, não há uma explicação completa do que controla a fome. Segundo, não

há qualquer razão para acreditar que, apenas por ser rapidamente absorvido, o

açúcar afetará mais seu apetite que qualquer outro alimento. Terceiro, não há

absolutamente qualquer evidência que o açúcar reduza sua fome em maior grau que

as calorias que você obteve dele.

Suponha que você ingeriu apenas duas colheres de açúcar em cada um dos dois

copos de café, e ganhou assim 100 calorias. Você está agora com menos fome, assim

você come menos. Mas quanto menos? Cem calorias? Cinquenta calorias? Trezentas

calorias? A única evidência que conheço sugere que seu apetite é reduzido em menos

que as calorias que você consumiu de açúcar. Esta evidência veio de alguns testes que

eu realizei há alguns anos, quando a história de ‘perder peso comendo mais’ estava

sendo propagada, embora não em relação ao açúcar comum (sacarose), mas à

glicose. A ideia era que você deveria ingerir aproximadamente 10 gramas de glicose

três vezes ao dia, um pouco antes de cada refeição. Então você seguiria uma dieta

restrita em calorias e você supostamente seria capaz de fazê-la mais facilmente

porque a glicose teria reduzido sua fome.

O que eu fiz foi pegar dois grupos de pessoas acima do peso e colocá-los na mesma

dieta de baixa caloria (aquela, de fato, criada pelos fabricantes dos tabletes de

glicose) com ou sem a glicose adicional. Ao final de seis semanas, as pessoas que

ingeriram glicose tinham realmente perdido peso, por volta de 3 kg. Mas as pessoas

na mesma dieta sem glicose tinham perdido aproximadamente 5,2 kg – cerca de 2

quilos a mais, ou quase o dobro. Você pode pensar então que a glicose não fez

diferença – que as pessoas que a consumiram comeram a mesma quantidade de sua

dieta que as outras, mas perderam menos por causa das calorias extras da glicose.
Mas, de fato, isso esclareceria apenas uma diferença de aproximadamente meio

quilo, não os 2 quilos ou mais que encontramos. A única explicação parece ser que os

tabletes de glicose na verdade ​aumentaram​ a quantidade do que as pessoas

comeram em sua dieta de baixa caloria – exatamente o oposto do que deveriam fazer.

Eu suponho que seja natural para os vastos e poderosos interesses açucareiros

procurarem se proteger, já que nos países mais ricos o açúcar tem uma maior

contribuição na nossa alimentação, medida em calorias, que a carne ou o pão ou

qualquer outro produto isolado. Mas o que é sempre triste é ver cientistas sendo

persuadidos a apoiar os tipos de afirmações que acabo de descrever. Será que é

porque eles gostam de açúcar tanto quanto as outras pessoas? Ou será porque pelo

menos alguns deles ainda não chegaram a aceitar a ideia de que nem todos os

carboidratos se comportam da mesma maneira no corpo? Ou será que eles se

convenceram de que o flagelo moderno é gordura demais na dieta e assim têm

dificuldade em admitir que podem estar errados?

Igualmente, é difícil de entender como qualquer nutricionista endossaria o consumo

de açúcar no nível atual. Pois com a elevada prevalência da obesidade, não há razão

aceitável para recomendar que a ingestão de açúcar ​não​ deva ser reduzida, ou que

deva ser reduzida apenas como parte de uma redução geral da alimentação. Ele é,

afinal, o único alimento que não fornece nada de nutrientes; é, lembrem-se, a

reivindicação dos próprios refinadores de açúcar que seu produto é praticamente 100

por cento puro. Não fornece nada além de calorias e calorias são tudo o que importa

na perda de peso.

A redução de qualquer outro alimento – ​qualquer​ outro alimento – implica em

reduzir nutrientes, bem como calorias. Não há evidência que pessoas acima do peso
ingiram um excesso de nutrientes; mas há muitas evidências que sugerem que alguns

deles se beneficiariam com uma dieta nutricionalmente mais equilibrada. Eu terei

mais a dizer sobre essa questão de calorias e nutrientes no próximo capítulo.

Só se prova o pudim comendo-o – ou, neste caso, não o comendo. Muitas pessoas

perdem o excesso de peso com muito sucesso simplesmente cortando o açúcar, ou

restringindo-o severamente. Se você consome somente uma colher de açúcar em

cada copo de chá ou de café, e bebe somente cinco copos por dia, você poderia perder

5 quilos em um ano apenas eliminando o açúcar em seu café ou chá.

Às vezes, a fim reduzir seu peso a níveis aceitáveis, as pessoas também precisam

restringir alimentos com amido, e assim adotar uma dieta de baixo carboidrato

estrita. Naturalmente, cortar alimentos açucarados e com amido e bebidas

açucaradas requer certa disciplina, como qualquer outra alteração nos hábitos

dietéticos. Mas, por inúmeras razões, descritas em detalhe no meu livro anterior ​This

Slimming Business​ [​Esse Negócio de Emagrecimento]​ , a dieta de baixo carboidrato é

a maneira mais sensata e eficaz de controlar o peso corporal. E meus colegas e eu

demonstramos através de experimentos, não simplesmente com contas feitas

sentados numa poltrona, que esse tipo de dieta provê um melhor suprimento de

nutrientes que o disponibilizado no regime ortodoxo que envolve ingerir os mesmos

alimentos de antes, apenas em menor quantidade.

Eu nunca entendi realmente por que muitos doutores nas instituições médicas e

nutricionais americanas desaprovam uma dieta que manda, de fato, reduzir apenas,

ou principalmente, aqueles alimentos que lhe dão as calorias que você ​não​ precisa

enquanto lhe dão poucos nutrientes que você ​realmente​ precisa.


Embora eu disse que não iria entrar em detalhes sobre os princípios da obesidade,

devo acrescentar um ponto importante sobre bebês. Eu já mencionei o costume, cada

vez mais comum entre os pais, de adicionar açúcar ao leite em pó e ao cereal e a

outros alimentos usados para desmamar bebês, bem como de dar-lhes bebidas

açucaradas. O resultado é o número de bebês obesos vistos em toda parte, até o

ponto de as autoridades pediátricas nos Estados Unidos e no Reino Unido

frequentemente chamarem atenção ao problema.

Há alguns anos foi sugerido que superalimentar os bebês não somente os engordava,

mas incentivava o desenvolvimento e a persistência da obesidade quando se

tornavam adultos. A história era que as células do tecido adiposo dos bebês são

incentivadas pela superalimentação a se dividirem, de modo que não somente as

células existentes tornam-se cheias de gordura, mas o corpo produz mais células a

fim de acumular ainda mais gordura. Essa ideia foi baseada no achado de que o

número de células que podiam ser vistas no tecido adiposo de bebês gordos era

maior que o número em bebês magros. Essas células extras persistem na vida adulta,

de modo que o bebê gordo se torna um adulto com mais tecido adiposo e,

consequentemente, com uma maior propensão para armazenar gordura. Tal pessoa,

concluiu-se, teria, claramente, um problema maior em controlar o peso excessivo do

que uma com uma quantidade normal de tecido adiposo.

Mais recentemente, essa sugestão foi contestada, alegando que ela depende da

capacidade de se contar com precisão o número de células no tecido adiposo. Os

críticos dizem que, em bebês magros, algumas das células estão vazias e podem

facilmente não serem contadas; em um bebê gordo, todas as células contêm gordura

e são consequentemente mais visíveis e prováveis de serem contadas. Isso leva ao


que os críticos acreditam ser uma conclusão equivocada de que há menos células

gordas em bebês magros do que em bebês gordos.

Qualquer que seja a verdade sobre o número de células de gordura, é certo que bebês,

assim como crianças mais velhas e adultos, engordam se eles ingerirem mais calorias

que gastarem. E você só tem que olhar ao seu redor para ver como é fácil para um

bebê obter essas calorias excessivas. Mesmo que alguns fabricantes de comidas para

bebê tenham parado de pôr açúcar em seus produtos, as mães o farão com pouca

hesitação. Nem mesmo hesitam em dar a seus bebês bebidas açucaradas em suas

mamadeiras sempre que acham que os pequenos estão com sede.

11. Como comer mais calorias sem


comer comida de verdade

U​ma crítica frequentemente ouvida a respeito do açúcar refinado é que ele fornece
‘calorias vazias’. É verdade. Frequentemente os críticos dizem que a culpa é do

processo de refino, por remover os nutrientes essenciais que estão presentes no

açúcar não-refinado em quantidades significativas. Em grande parte, isso ​não​ é

verdade, como vimos.

Já tendo considerado o que acontece quando você ingere açúcar ​além​ dos seus outros

alimentos; deixe-nos examinar agora o que acontece quando você o ingere ​no lugar

de alguns de seus outros alimentos. Afinal, se alguém ingere 500 calorias por dia de

açúcar, e às vezes muito mais, é provável que haverá alguma redução em outros
alimentos; deve haver um limite do quanto até mesmo a pessoa mais gulosa pode

comer.

Na mais simples situação, imagine uma dieta de 2.500 calorias por dia, composta na

maior parte por alimentos nutricionalmente bons como carne e queijo e leite e peixes

e frutas e vegetais, com algumas batatas e pão e cereal matinal. Agora mantenha as

calorias em 2.500, mas substitua 500 ou 550 delas por açúcar, a quantidade média

consumida em um dia. Eu mostrei que você geralmente pode fazer isso simplesmente

adicionando apenas quantidades moderadas de açúcar branco ao seu chá e café, e

ocasionalmente consumindo um refrigerante adoçado com açúcar. Claramente, o

resultado da troca de 20 por cento de suas calorias por açúcar seria uma redução de

sua ingestão de nutrientes – proteína, todas as vitaminas, todos os elementos

minerais – também de 20 por cento.

Nenhuma deficiência nutritiva ocorrerá se sua dieta anterior contiver um excesso de

20 por cento de todos os nutrientes que você necessitava. Mas suponha que não

contenha esse excesso. Mais importante, suponha que você seja um daqueles que

consomem mais que a quantidade média de açúcar – equivalente talvez a 30 por

cento de suas calorias, ou até a 40 por cento. Agora começa a ficar mais difícil, como

você pode ver, imaginar que a dieta de 2.500 calorias, que fornecia originalmente

todos os nutrientes que você precisava, ainda o fará, quando os alimentos que os

continham forem substituídos de 30 a 40 por cento de um alimento sem nutrientes.

isto não significa que consumindo 130 ou 140 gramas de açúcar por dia – ou até 200

ou 230 gramas – você estaria se dirigindo rapidamente em direção à pelagra, ao

beribéri ou ao escorbuto. Em casos extremos, com muito açúcar e com o restante da

dieta sem estar muito bem estruturada, tais doenças ocorrem ocasionalmente. Mais
tarde farei referência ao papel do açúcar em produzir franca deficiência de proteína

em países pobres. Mas simplesmente pode ocorrer que sua dieta esteja num limite de

insuficiência em termos nutritivos, de modo que você esteja naquela zona cinzenta

entre uma saúde excelente e uma doença nutricional manifesta: não se sentindo

bem; cansado e facilmente esgotado; propenso a dores e infecções ocasionais. Todos

esses vagos, porém muito reais, sintomas ocorrem em todos nós em um ou outro

momento. Mas enquanto estar um pouco abaixo do par não é prova de que sua dieta

esteja deficiente, isto deve ser considerado como uma possível causa em pessoas

cujas dietas estão desequilibradas por uma grande quantidade de açúcar.

Há alguma maneira de mostrar que o açúcar pode realmente – não apenas

hipoteticamente – empurrar alimentos mais desejáveis para fora da dieta? Uma

maneira de descobrir isso, pensei, era verificar as tendências de consumo de

diferentes tipos de alimentos, especialmente aqueles que são universalmente

reconhecidos como altamente nutritivos – carne, leite, peixes, frutas e ovos. Em

particular, decidi olhar para as tendências da carne, por duas razões. Primeiro, ela se

enquadra na categoria de alimentos altamente nutritivos e, segundo, para a maioria

das pessoas, também é altamente palatável. Eu argumentei que o aumento no

consumo de alimentos açucarados, por serem muito palatáveis, podem ser

acompanhados de uma redução no consumo de carne.

Eu devo interromper para explicar por que, quando você olha para as estatísticas

relevantes, você tem que ter em mente duas considerações importantes. A primeira é

que, embora o consumo total de açúcar na América tenha parado de crescer há 30 ou

40 anos, e na Grã-Bretanha, nos últimos 12 a 15 anos, houve um declínio simultâneo

do uso doméstico do açúcar e um aumento da quantidade de açúcar usada em

alimentos industrializados. Grosseiramente, e não completamente precisamente,


pode-se dizer que as pessoas estão pondo, em casa, menos açúcar em suas bebidas,

mas consumindo mais açúcar em sorvetes e bolos e biscoitos, onde, incidentalmente,

vêm com abundância de outras calorias mas não muito de nutrientes. Você então

esperaria que os efeitos do açúcar em deslocar outros alimentos para fora da dieta

esteja aumentando, embora a quantidade absoluta do próprio açúcar não esteja

aumentando.

O segundo ponto a se ter em mente é que os alimentos que eu mencionei, além de

estarem entre os favoritos dos nutricionistas, são também relativamente caros, de

modo que mais deles tendem a ser consumidos por pessoas ricas que por pessoas

mais pobres. Esse gradiente social diminuiu no mundo ocidental com o crescimento

da riqueza; as fatias mais pobres da população não são tão pobres como costumavam

ser. Assim, o que nutricionistas e economistas têm previsto é que o aumento da

riqueza geral traria um aumento do consumo de carne, leite, peixes, ovos e frutas.

Esperar-se-ia pequena ou nenhuma mudança no consumo pelos grupos mais ricos da

população, que presumivelmente sempre foram capazes de comer o tanto que

quisessem desses alimentos desejáveis; por outro lado, esperar-se-ia um grande

aumento nas quantidades que os grupos mais pobres consumiriam ao melhorarem

sua situação econômica.

Então, o que dizer do meu palpite que o açúcar e alimentos ricos em açúcar estão

tirando esses alimentos melhores de nossas dietas? Nós fomos capazes de mostrar

que, nos EUA, a melhoria gradual dos padrões de vida foi acompanhada por um

aumento no consumo de frutas pela fatia mais pobre da população, mas, ao mesmo

tempo, de uma diminuição significativa pela fatia mais rica. No Reino Unido, o que

fizemos foi olhar para a mudança no consumo dos alimentos nutricionalmente mais

desejáveis entre 1936 e 1983, entre o décimo mais pobre e o décimo mais rico da
população britânica. A melhoria indubitável do padrão de vida nesse meio século se

refletiu em uma dieta significativamente melhorada entre a fatia mais pobre da

população. Nos anos de 1980, eles estavam consumindo três vezes mais leite, duas

vezes mais ovos, quase duas vezes mais peixe e 50 por cento mais carne. Mas para o

décimo mais rico da população, os números que pudemos coletar entre 1936 e 1983

mostraram uma redução significativa de todos esses itens. O consumo de leite, carne

e ovos caiu aproximadamente 30 por cento, e de peixes, mais de 50 por cento.

Quanto à carne, qualquer um com alguma vivência neste país [Reino Unido] antes da

Segunda Guerra Mundial sabe que os mais pobres comiam pouca carne (veja, por

exemplo, os famosos estudos de John Boyd Orr). Contudo, apesar de um aumento

significativo entre as pessoas mais pobres, o consumo médio de carne no Reino

Unido quase não mudou desde antes da guerra. Isto só pode ter ocorrido devido a

uma ​queda​ no consumo pelos mais ricos.

Uma evidência mais recente vem dos EUA, onde, como você provavelmente sabe,

houve nos últimos anos um considerável clamor pelos especialistas a respeito da

existência de deficiências nutricionais. O quanto de deficiência existe é incerto. O que

é​ certo é ser muito maior do que a maioria das pessoas pensava.

É improvável que a queda na qualidade nutritiva da dieta americana média tenha

sido causada pelo aumento das dificuldades econômicas. A explicação mais provável

é, outra vez, que alguns dos alimentos nutricionalmente bons foram desbancados do

consumo pelos alimentos nutricionalmente inferiores, à base de açúcar. Essa é

também a opinião do Dr. Joan Courtless, um membro do Departamento de

Agricultura dos Estados Unidos, que diz: ‘As pesquisas por si só mostram que [a

piora das dietas] se encontra na escolha que está sendo feita – aumento no consumo
de refrigerantes e diminuição no consumo de leite; aumento no consumo de petiscos

e diminuição no consumo de vegetais e de frutas.’ E ‘petiscos’ contêm uma grande

quantidade de açúcar.

12. Você consegue provar?

S​e ler este livro convencer você que o açúcar é de fato puro, branco e mortal, você
certamente se envolverá em muitas discussões ao tentar convencer outras pessoas.

Este livro ajudará você a não ser confundido se considerar cuidadosamente não

somente os fatos que lhe mostrarei, mas o problema mais amplo de como pesar a

evidência sobre as causas das doenças e de como formar sua opinião final sobre eles.

Antes que eu comece a falar sobre doenças como diabetes, doenças cardíacas e

úlceras duodenais e diversas outras condições, discutirei esse problema em linhas

gerais.

Como você verá, muitas das conclusões que estarei colocando neste livro serão

inevitavelmente baseadas parte em evidência concreta e parte na minha opinião

pessoal. Aqueles de vocês que tentarem acompanhar os relatos da enorme

quantidade de pesquisas sobre doenças cardíacas que foram e estão sendo feitas não

serão surpreendidos quando digo que temos que misturar fatos objetivos e opinião

subjetiva. Prova absoluta da causa, ou das causas, de algumas doenças às vezes não é

possível.

Para se conseguir a prova ​absoluta​ de que fumar cigarro causa câncer de pulmão,

seria necessário pegar, digamos, 1.000 jovens de 15 anos de idade; pareá-los tão

cuidadosamente quanto possível em dois grupos muito similares de 500 cada; fazer
um grupo fumar daquele momento em diante e rigidamente prevenir que o outro

grupo fume. Então, após talvez 30 ou 40 anos, você poderia começar a ver se um

número significativamente maior de pessoas no grupo de fumantes teria

desenvolvido câncer de pulmão.

Uma vez que este tipo de experiência está claramente fora de questão por razões

éticas bem como práticas, é necessário examinar evidências, em grande parte

circunstanciais, e julgá-las sobre um contexto que compreende, espera-se, princípios

biológicos gerais racionais e plausíveis. Eu tentei fazer isso aqui. Tentei reconhecer as

limitações de toda as evidências disponíveis e, ao interpretá-las, tentei me distanciar

e avaliá-las baseado principalmente se elas fazem sentido, se se encaixam com o que

pode ser percebido sobre as regras que governam os processos vitais e os organismos

vivos.

É lógico então gastar alguns minutos olhando ambos estes aspectos: verificar o tipo

de evidência que se pode esperar encontrar sobre as causas das doenças e as

limitações dessa evidência; e ver também se leis gerais podem ser identificadas que

façam sentido em relação à manutenção da saúde. Já que estou falando nesse livro

principalmente sobre o açúcar, e já que a doença mais importante que falarei a

respeito é a doença cardíaca, eu me remeterei brevemente ao açúcar e à doença

cardíaca, mas os mesmos princípios aplicam-se a qualquer causa e a qualquer

doença.

Eu também deveria discorrer um pouco sobre a palavra ‘causa’, porque eu vou falar

muito sobre o açúcar ser a ‘causa’ de um grande número de doenças. Em primeiro

lugar, é praticamente certo que nenhumas das doenças das quais eu falarei são

causadas​ pelo açúcar da mesma maneira que o calor ​causa​ o derretimento do gelo.
As pessoas diferem em sua susceptibilidade à doença, de modo que mesmo em

circunstâncias idênticas – supondo que se pudesse produzi-las – um homem possa

ter um ataque cardíaco e um outro não. Essa susceptibilidade parece em grande

parte ser herdada, assim se pode dizer que suas chances de ter um infarto são

menores se seus pais, avós, tios e tias em sua maioria viveram até uma idade

avançada sem ter a doença; as possibilidades são maiores se muitos membros de sua

família o tiveram.

Além desse fator genético, fatores ambientais têm também seu papel na doença

coronariana. A maioria das pessoas aceita a premissa que vários fatores ambientais

têm influência e que esses incluem uma vida sedentária e o tabagismo. O que espero

mostrar é que comer muito açúcar é um outro fator ambiental (ou uma causa) que

provoca doença cardíaca. Eu ​não​ estou propondo mostrar que o açúcar é o único e

exclusivo fator envolvido em produzir essa doença, ou certamente, qualquer a

doença.

Mais uma palavra sobre causas. Se um evento A desencadeia um evento B, e sem A, B

não ocorreria, então você pode dizer que A é a causa de B. Mas suponha que eu jogue

um fósforo aceso em minha cesta de lixo e meu escritório e, em seguida, minha casa

se incendeiem. A causa foi o fósforo aceso? Ou o papel jogado no meu cesto de lixo?

Ou o fato que minha casa continha vários livros e uma quantidade excessiva de

madeira? Se ​qualquer​ um desses fatores fosse diferente, a casa não teria se

incendiado. Alternativamente, poderia ter ocorrido um curto-circuito na fonte de

energia da minha luminária de mesa, assim a casa poderia ter-se incendiado por uma

razão completamente não relacionada a um fósforo aceso.


Eu poderia dizer que se eu comer alimentos açucarados eu fico com furos nos meus

dentes. Então presumivelmente os alimentos açucarados seriam a causa das cáries

dentárias. Mas eu não teria cáries dentárias, apesar desses alimentos, se eu tivesse

uma resistência genética elevada à doença; ou se eu escovasse meus dentes

imediatamente depois de comer esses alimentos; ou se eu soubesse manter minha

boca livre das bactérias que na verdade atacam os dentes após serem estimuladas a

se multiplicar e se tornar ativas pelo açúcar do alimento. O açúcar é então a ‘causa’

da cárie dentária? Ou são as bactérias? Ou a falta de resistência dos meus dentes?

Assim, como se segue, eu não espero mostrar que uma alta ingestão de açúcar seja a

única causa das doenças que menciono. Eu espero persuadi-lo, entretanto, que,

qualquer que seja sua hereditariedade, e por mais que você persista nos hábitos que

estão envolvidos na produção de uma ou outra dessas condições, suas possibilidades

de desenvolvê-las seriam reduzidas significativamente se você reduzisse seu

consumo de açúcar.

Agora, e sobre os tipos de evidência de que uma causa em particular produz uma

doença em particular? De uma maneira ampla, há dois tipos principais de evidência,

a ​epidemiológica​ e a ​experimental​. Por ‘epidemiológica’ eu quero dizer evidências

que haja uma associação entre a intensidade de uma suposta causa e a presença da

doença. Tal evidência trata destes tipos de perguntas:

A doença do coração é mais comum nas populações que comem mais açúcar?

Se houvesse um aumento no número de pessoas sofrendo da doença, teria havido um

aumento no consumo de açúcar?


Em uma dada população, o açúcar foi mais ingerido pelas pessoas que realmente têm

a doença do que por aquelas que não a têm?

A evidência ‘experimental’ é produzida quando você tenta responder a estes tipos de

perguntas:

Alimentar animais em um laboratório com açúcar produz doença cardíaca?

A retirada do açúcar da dieta reduz as possibilidades de animais ou pessoas terem

doença cardíaca?

Você também pode fazer perguntas bem menos diretas, como: se o açúcar não

produzir diretamente a doença, dar açúcar produz os tipos de mudanças que você

normalmente encontra associadas à doença?

Quanto às regras gerais, parece-me que um ou dois princípios biológicos devem ser

especialmente lembrados nestes dias de mudanças muito rápidas em nosso

ambiente. Primeiro, os organismos vivos podem com frequência adaptar-se a

mudanças, se não forem demasiadamente rápidas, nem demasiadament profundas.

Se, entretanto, a mudança for muito rápida e muito profunda, os organismos podem

não resistir. Pode ser que, em uma população, alguns indivíduos sejam mais

resistentes e poderão sobreviver mesmo que a maioria morra. Se a mudança

persistir, uma população nova pode finalmente surgir dos sobreviventes, na qual

todos os indivíduos serão equipados com essa maior resistência. É provável que, para

que uma alteração considerável ocorra em uma população, algo entre 1.000 e 10.000
gerações sejam necessárias. Em termos humanos, isto variaria entre 30.000 a

300.000 anos.

O segundo princípio é menos óbvio, mas acredito ser um corolário lógico do

primeiro. É que, se houver grandes mudanças no ambiente do homem que tenham

ocorrido em um tempo bem mais curto que 30.000 anos, é provável que surjam

sinais que o homem não se adaptou completamente e que isso se traduzirá na

presença de doenças de um tipo ou de outro.

Sei que as pessoas tendem a se incomodar com esse pensamento, mas estou

convencido que você não encontrará uma exceção a essa regra. Pense novamente no

hábito de fumar, que no Reino Unido aumentou de uma média de 1.100 cigarros por

ano por adulto em 1920 para mais de 2.500 cigarros por ano em 1980. Pense na

rápida diminuição da atividade física: o uso de dispositivos que poupam esforço, o

uso disseminado do carro, a televisão e o rádio; todos eles transformaram o homem

atual em um animal extraordinariamente sedentário durante os últimos 30 ou 40

anos. E hoje poucos negariam que fumar seja uma causa potente do câncer de

pulmão e que tabagismo e sedentarismo sejam causas importantes da doença

cardíaca.

Eu poderia continuar e apontar o fato incontestável que cada nova droga que foi

apresentada, mais cedo ou mais tarde, mostrou produzir efeitos nocivos inesperados

além dos bons efeitos esperados – embora, deixe-me logo acrescentar, ser de pouca

relevância que os efeitos bons sejam importantes e que os efeitos nocivos sejam

insignificantes.
Se houver então uma razão a ser considerada sobre uma causa dietética de uma

doença muito prevalente, deve-se procurar algum componente da dieta do homem

que tenha sido introduzido recentemente, ou tenha aumentado consideravelmente

recentemente. E por ‘recentemente’ quero dizer um período curto em termos

evolucionários, por exemplo 10.000 anos. De forma contrária, um componente

dietético é improvável ser a causa de uma doença comum se este for uma parte

significativa da dieta do homem por muito tempo – digamos, um milhão de anos ou

mais. Se há um componente que seja novo ou que agora forma uma parte muito

maior da nossa dieta do que anteriormente, deve-se também perguntar o que fez isso

acontecer.

São essas considerações que se devem ter em mente quando consideramos a

evidência conjunta que envolve o consumo do açúcar na produção de doenças no

homem. Essas considerações são tão importantes que é necessário examiná-las mais

cuidadosamente para entender seus usos e limitações. Isso é o que me proponho a

fazer agora – não muito detalhadamente, mas o suficiente para que se compreenda

porque muito do que eu escrevo neste livro tem sido objeto de discussão e

discordância, e por que eu, no entanto, acredito que o quadro total é bastante

convincente.

Primeiramente, então, ​epidemiologia.​ As perguntas parecem razoavelmente simples.

Qual a prevalência da doença em populações diferentes? Como isso se correlaciona

ao consumo do açúcar? E assim por diante. Mas de fato não há respostas fáceis.

Pegue a questão sobre a prevalência da doença. Para começar, não há nenhum

registro em nenhum lugar de quantas pessoas sofrem de uma determinada doença

em um dado momento.
Por exemplo, ninguém sabe quantas pessoas na América ou na Grã-Bretanha estão

com uma úlcera duodenal, ou mesmo qual exatamente é a prevalência da cárie

dentária nesses países. O diagnóstico de úlcera duodenal, ou a medida da quantidade

precisa de cárie dentária, não é fácil e não é suficientemente preciso para que todos

os médicos concordem em cada situação. E mesmo se você tivesse que arriscar um

palpite a respeito da prevalência da úlcera duodenal ou da cárie dentária contando,

por exemplo, o número de casos tratados nos hospitais, você não teria como

encontrar a estatística correta em um país que não tivesse serviços médicos e

odontológicos bem organizados – e isso aplica-se a mais de dois terços dos países no

mundo.

Você deve imaginar que a situação seria mais fácil com aquelas doenças que são

frequentemente fatais, porque você poderia então olhar o registro de mortalidade.

Mas uma vez mais, médicos não concordam sempre sobre um diagnóstico de

trombose coronariana ou tipos particulares de câncer. As causas da morte que

diferentes médicos relatam em casos similares podem, portanto, diferir. Os médicos

em diferentes países tendem a ter padrões diferentes, e as estatísticas dos países

menos desenvolvidos frequentemente não são muito confiáveis.

Os estudos epidemiológicos requerem também um conhecimento do consumo de

alimentos – neste exemplo particular, um conhecimento do consumo de açúcar.

Acontece que é mais fácil saber quanto de açúcar está sendo ingerido em um país do

que quanto está sendo consumido de qualquer outro alimento. Em quase todo país

do mundo, todo o açúcar é produzido em indústrias. Consequentemente, a produção,

a exportação e a importação são bem documentadas. Mas, mesmo assim, essa

informação pode não ser suficiente para as necessidades que descrevo. Essa
documentação não nos diz como o açúcar é distribuído peal população, e isso é o que

mais importa saber.

Deixe-me explicar. Imagine dois países com exatamente o mesmo consumo médio de

açúcar – vamos supor uma média de 60 gramas ao dia. Suponha que em um país a

maioria das pessoas come aproximadamente 40 gramas e relativamente poucos

comem mais de 100 gramas ao dia. No segundo país, um bom número de pessoas

come açúcar em porções pequenas, mas uma grande proporção come mais de 100

gramas ao dia. Se se necessitasse pelo menos 100 gramas de açúcar ao dia para

produzir a trombose coronariana, então mais pessoas seriam claramente afetadas no

segundo país, mesmo que a média para ambos os países fosse a mesma. Eu terei mais

a dizer sobre isso adiante.

Há também a questão de quanto tempo a doença leva para se desenvolver. Parece

que a trombose coronariana também se evidencia, assim como o diabetes, somente

muitos anos após seu início. Idealmente, então, deveríamos conhecer o consumo de

açúcar de uma pessoa talvez por 20, 30 ou 40 anos. É claramente impossível obter

essa informação. Podemos apenas esperar que uma medida cuidadosa do consumo

atual possa, em muitos casos, dar ao menos uma ideia se as pessoas consumiam

grandes, moderadas ou pequenas quantidades de açúcar, e também se mantiveram

esse hábito por grande parte de sua vida.

Essas são, então, algumas das limitações da evidência epidemiológica. Naturalmente,

não podemos ignorar tais evidência; as perguntas a serem respondidas aqui são

demasiado importantes para se descartar quaisquer indícios possíveis a respeito da

causa de doenças tais como a trombose coronariana. Mas você deve sempre ter em

mente as limitações desse tipo de evidência. Em especial, você não deve se


surpreender se parecer menos que conclusiva; você pode ter que se contentar se

simplesmente der uma idéia sobre uma possível causa, que possa, então, ser seguida

por pesquisas em outras direções.

Sob o título da epidemiologia, eu incluo também achados evolucionários. Aqui, as

limitações principais são a incerteza de alguns registros. Embora a maioria dos

especialistas em antropologia considerem que o homem foi um carnívoro por vários

milhões de anos, eles não têm um retrato exato do que ele comeu e especialmente o

quanto comeu de cada alimento. A presença de um grande número de ossos de

animais perto de restos humanos traz a certeza de que ele comeu carne, mas pode-se

discutir se a carne era somente uma pequena parte de sua dieta e que ele ingeria

principalmente alimentos vegetais e que esses, naturalmente, deixaram bem menos

evidências comparados aos ossos animais. Este não é o lugar para discutirmos o

assunto em detalhes, mas estou de acordo com a maioria que prega que o homem

primitivo era, em sua maior parte, carnívoro.

Levando tudo em consideração, a evidência epidemiológica raramente fornece a

prova conclusiva da relação entre a dieta e a doença. Entretanto, isso acrescentará

informações importantes ao meu caso, e as evidências totais, espero, serão

suficientes para convencê-lo ‘além da dúvida razoável’.

Até agora, tenho falado sobre as evidências epidemiológicas que você obtém de um

estudo populacional. Mas você também pode obter a evidência epidemiológica

fazendo a relação entre uma doença e sua possível causa nos indivíduos que

compõem uma população. Você pode fazer isso antes ou depois de eles

desenvolverem a doença. Por exemplo, você pode descobrir se pessoas que

desenvolveram câncer de pulmão eram ou não eram fumantes: o chamado estudo


retrospectivo. Ou você pode manter contato com pessoas onde algumas são fumantes

e outras não, e então ver quantas em cada grupo desenvolverão câncer de pulmão:

um estudo prospectivo. Seja qual forma seu estudo tomar, você tentará se assegurar

que as pessoas nos dois grupos difiram, até onde você conseguir saber, somente em

seus hábitos de fumar e sejam semelhantes em todos os outros aspectos. Você pode

ver que é mais fácil fazer isso com pessoas do que com populações. Se, por exemplo,

fosse verdade que uma população rural africana tivesse menos casos de apendicite

que uma população de britânicos habitantes de cidades, você poderia dizer que foi

porque os africanos comem mais fibra, ou menos gordura, ou menos açúcar – ou até

mesmo menos comida; ou você poderia dizer que não foi sua dieta, mas porque eles

não andam de carro ou assistem televisão, sendo mais fisicamente ativos. Se, por

outro lado, você descobrisse na mesma cidade que homens que acabaram de ter um

ataque cardíaco comiam mais açúcar que os homens da mesma idade e classe social

que não tiveram um ataque cardíaco, você teria uma evidência que o açúcar pode ser

uma causa possível de ataques cardíacos.

Agora voltemos para as evidências ​experimentais​ do que provoca doença, as formas

nas quais essas evidências são reunidas e as formas que elas podem ser

legitimamente interpretadas.

Uma das melhores maneiras de compreender a doença humana é reproduzir a

condição em ratos ou cobaias ou em outros animais de laboratório. Por esses meios,

a medicina adquiriu uma boa compreensão, embora de forma alguma ainda

completa, de doenças hormonais, como o excesso ou a deficiência do hormônio da

tireoide ou da hipófise ou das glândulas paratireoides. Novamente, a maioria do


conhecimento moderno sobre nutrição – sobre calorias, proteínas, vitaminas e

elementos minerais – advém do trabalho com animais de laboratório.

Por outro lado, quando não podemos produzir uma doença em animais, ficamos

tremendamente limitados. Passou-se um bom tempo antes de a medicina descobrir

como tratar a anemia perniciosa. Isso porque cada tratamento sugerido teve que ser

tentado em pacientes com a doença. Após muitos anos de pesquisa, descobriu-se que

comer fígado cru ou levemente cozido era eficaz. Então, sempre que um extrato novo

de fígado era criado, tinha que ser testado em um paciente com anemia perniciosa

não tratada.

Foi somente após um período de 23 anos que esse trabalho resultou finalmente na

descoberta de que o agente terapêutico ativo no fígado era a vitamina B₁₂. Não há

nenhuma dúvida que esse longo intervalo teria se reduzido muito se os

investigadores pudessem ter conduzido os mesmos testes em ratos ou coelhos ou em

algum outro animal no laboratório.

A doença coronariana como ocorre no homem não foi reproduzida em nenhum dos

animais de laboratório comuns . Existem evidências que ela foi reproduzida em

alguns primatas, mas ninguém sabe ainda se pode ser feito regularmente e quando se

queira. Em qualquer caso, seria extremamente difícil e caro montar um laboratório

com as centenas de macacos que seriam necessários para realizar todas os

experimentos necessários para chegar a algum ponto próximo de resolver o

problema da doença coronariana.

O que pode ser feito mais facilmente é tentar reproduzir nos animais de laboratório o

maior número possível das características que se encontram geralmente associadas à


doença no homem. Uma característica que todos comentam há anos é um nível

aumentado de colesterol no sangue. Aceita-se amplamente que as possibilidades de

alguém desenvolver um ataque cardíaco são mais altas quando o colesterol no sangue

é mais alto. É razoável, então, supor que a manipulação experimental da dieta ou de

outras circunstâncias que elevem o nível do colesterol do sangue nos animais pode

estar relacionada com a gênese da doença coronariana no homem. Como todos

sabem, houve milhares de experimentos desse tipo. Mas as pessoas com doença

coronariana muitas vezes têm outras anormalidades além de um aumento do

colesterol no sangue, e reproduzi-las experimentalmente também pode ajudar a

identificar o que causa a doença.

Uma característica importante da doença coronariana é a ocorrência de mudanças

nas artérias conhecidas como ‘aterosclerose’, que serão descritas em um capítulo

adiante. Nem todos os animais são igualmente suscetíveis a essa condição. É

relativamente fácil produzir mudanças nas artérias de coelhos, mas muito mais difícil

em ratos. E quando alguém produz mudanças gordurosas nas artérias, há sempre a

pergunta se são as mesmas que ocorrem na aterosclerose humana. Houve, por muito

tempo – e ainda há em algumas mentes – a dúvida se o que é produzido no coelho é

realmente similar à condição em pessoas. Ocasionalmente, os pesquisadores

entusiasmados empolgam-se o suficiente para alegar que produziram aterosclerose

experimental, quando o que eles realmente produziram foi algo grosseira e

demonstravelmente diferente.

O que se gostaria de ver seriam experimentos que produzissem muitas das

características da trombose coronariana todas juntas nos mesmos animais pelos

mesmos meios. Ainda seria melhor, se não for possível produzir a própria trombose

coronariana, que os mesmos experimentos fossem realizados em diferentes espécies


animais para que ninguém pudesse ser induzido por alguma resposta incomum de

uma espécie particular que por um acaso esteja sendo estudada.

Também deve-se levar em conta um pouco dos hábitos normais dos animais. Se, por

exemplo, nós estivermos estudando os efeitos da dieta, não me parece ser sensato

incluir os alimentos que não são normalmente parte da dieta do animal ou

normalmente parte de uma dieta humana. As dietas de animais herbívoros como o

coelho costumam conter muito pouca gordura e virtualmente nenhum colesterol.

Não me surpreende que dietas ricas em gordura e contendo colesterol causem

anormalidades em coelhos. Eu não acredito que isso deva ser aceito como prova que

as dietas similares produzirão efeitos similares em espécies carnívoras ou onívoras,

incluindo os seres humanos, que consomem tais dietas por centenas de milhares de

anos.

Assim como experiências com animais, poderia-se fazer também experiências com

seres humanos, desde que se tivesse certeza que não provocariam nenhum efeito

lesivo. Claramente, a intenção não seria produzir trombose coronariana, mas

produzir os tipos de mudanças que sabidamente acompanham a doença. Mais uma

vez, a alteração mais comum que tem sido procurada é um aumento no nível de

colesterol no sangue.

Deixe-me interromper por um momento para falar sobre que tipos de medições os

investigadores fazem quando realizam experiências como as que tenho comentado.

Naturalmente, o princípio orientador mais importante é medir as substâncias que,

como o colesterol, sabidamente têm suas concentrações consideravelmente alteradas

na condição examinada. Mas a pesquisa é frequentemente limitada pelos métodos

disponíveis para realizar as medidas. Pode ser que, para uma substância particular,
nenhum método exista ou nenhum seja apropriado para o uso rotineiro, pois pode

requerer instrumentos muito especiais ou pode envolver técnicas muito trabalhosas.

Em contrapartida, pode ser que existam métodos bem simples para medir a

substância, mesmo que ela não seja – ou possa vir a não ser – muito relevante para a

doença em estudo.

Isso, acredito, é a situação dos estudos sobre doença coronariana. Se isso for verdade

– e eu ainda estou longe de ser convencido – que a mudança mais importante nessa

circunstância é o nível aumentado de alguns dos lipídeos no sangue, então há muito a

ser dito sobre a visão de muitos pesquisadores que os níveis de outras substâncias

gordurosas são mais informativos que os níveis de colesterol. Uma dessas

substâncias é o triglicerídeo; outra é um dos compostos específicos que carreiam o

colesterol no sangue. Que é o colesterol ligado à proteína de alta densidade

(‘colesterol HDL’), que agora é aceito como um melhor indicador do risco

coronariano que a quantidade total de colesterol. Certamente, nem todos estão

convencidos que, na maioria das pessoas, consiga-se obter muita informação

medindo-se apenas o colesterol total. Um ilustre médico pesquisador americano

escreveu que o colesterol sanguíneo é uma medida bioquímica ainda em busca de

significado clínico!

Um tipo cabal de prova experimental é ver o que irá curar ou prevenir a doença; a

partir dela, razoavelmente, podem-se tirar conclusões sobre a causa. Um exemplo

óbvio é o escorbuto, que é curado dando laranjas ou limões; foi esta descoberta que

finalmente conduziu a identificação da causa do escorbuto: uma deficiência de

vitamina C, contida nas frutas e nos vegetais.


Mas há duas maneiras possíveis nas quais se pode ser enganado, uma óbvia e uma

menos óbvia. A óbvia, embora frequentemente negligenciada, é que há algumas

condições, como as doenças reumáticas, nas quais os sintomas flutuam. Um período

de dor é frequentemente seguido de um período de remissão, de modo que qualquer

tratamento dado quando a doença está incomodando o paciente aparentemente

apresenta uma melhora subsequente.

Pode-se também cair em uma armadilha bem mais sutil. Posso explicar melhor com

um exemplo. Muitas pessoas mais velhas que sofrem de uma variedade de doenças

desenvolvem gradualmente um grau de insuficiência cardíaca, e um dos efeitos são

pernas inchadas por edema. Isso pode ser aliviado se tomarem grandes quantidades

de vitamina C, porque a vitamina age como um diurético e aumenta a perda de

líquido através dos rins. Contudo, embora este tratamento esteja remediando um

sintoma de insuficiência cardíaca, a circunstância claramente não é devida a uma

deficiência de vitamina C.

Um exemplo mais óbvio, e talvez até ridículo, é que curar uma dor de cabeça com

aspirina não implica que a dor de cabeça foi causada pela deficiência de aspirina.

Deixe-me citar aqui os resultados de experimentos sobre o efeito de se alterar a dieta

na tentativa de prevenir a doença coronariana. Como esses experimentos foram

todos concebidos para testar o efeito de alterar o conteúdo de gordura da dieta, e não

o efeito de alterar o conteúdo de açúcar, será melhor discutir esses experimentos

agora em vez de mais tarde, quando me concentrarei no caso contra o açúcar. É

também útil fazer isso aqui porque serei capaz de demonstrar outra das dificuldades

da pesquisa sobre o tema dieta e doença cardíaca.


Houve vários estudos, ou ensaios, onde a ingestão de gordura foi mudada reduzindo

a quantidade de gorduras saturadas como a gordura da manteiga e a gordura da

carne, adicionando às vezes também óleo vegetal como óleo de milho. Em alguns

estudos, os médicos avaliaram pessoas que já tinham tido um ou mais ataques de

doença coronariana. Os pesquisadores tentaram ver se a mudança da dieta reduziu a

possibilidade dos pacientes de ter um outro ataque comparado a um grupo similar

cuja dieta não tivesse sido modificada.

Esse tipo de estudo é chamado de ‘ensaio de prevenção secundária’. Outro tipo de

estudo é o ‘ensaio de prevenção primária’, onde os investigadores mudam a dieta de

homens aparentemente saudáveis e veem quantos desenvolvem doença coronariana,

comparados a um grupo equivalente cuja dieta não tenha sido mudada.

Vários estudos de cada tipo já foram realizados, os mais importantes são aqueles que

almejam a prevenção primária. Um deles foi em um centro de veteranos

(ex-militares) em Los Angeles, onde 424 homens foram colocados em uma dieta

experimental com gordura saturada e colesterol reduzidos, e gordura poliinsaturada

aumentada. Durante os cinco anos seguintes, os pesquisadores compararam esses

homens com 422 homens cuja dieta não foi mudada. Foi divulgado que houve 63

mortes por doença coronariana no grupo experimental e 82 no grupo controle;

entretanto, o número das mortes por todas as causas foi o mesmo em ambos os

grupos. Um resultado indesejável foi que mais homens do grupo experimental

desenvolveram cálculos biliares.

Um estudo em Helsinque durou 15 anos. Ele envolveu pacientes em dois diferentes

hospitais de doenças mentais. Em um, os pacientes receberam a dieta finlandesa

padrão e, no outro, uma dieta com uma proporção elevada de gorduras


poliinsaturadas. Após cinco anos, as dietas foram trocadas. No fim da experiência de

15 anos, havia um pouco menos de mortes coronarianas nos dois hospitais durante o

tempo em que os pacientes recebiam a dieta experimental. Entretanto, nesse estudo,

não houve nenhuma diferença no número total de mortes por todas as causas. A

maneira que o experimento foi conduzido foi fortemente criticada: por exemplo, se

pacientes deixavam qualquer um dos hospitais, outros pacientes eram admitidos em

seu lugar para manter os números do ensaio, de modo que o estudo foi conduzido

não com uma população constante, mas com pacientes que ficaram no experimento

por tempos amplamente variáveis.

Estudos posteriores examinaram o efeito de mudar outros itens assim como a

quantidade da gordura da dieta, embora não mudassem a proporção de gordura

poliinsaturada. Um desses estudos, nos Estados Unidos, foi o MR FIT (Ensaio

Intervencionista de Fatores de Risco Múltiplos, na sigla em inglês), publicado em

1982. Participaram mais de 12.000 homens de meia idade com fatores de risco

coronariano elevados, e à metade deles foram dadas instruções visando reduzir seus

níveis de colesterol, pressão arterial e hábitos de fumar. Foram frequentemente

entrevistados e incentivados a insistir nessas medidas. Após sete anos, sua

concentração de colesterol do sangue havia caído apenas 2 por cento, sua

mortalidade por doença coronariana não foi significativamente diferente daquela do

grupo controle, e sua mortalidade total foi um pouco mais elevada. O custo desse

estudo foi superior a 100 milhões de dólares.

Em 1984, foram relatados os resultados do Lipid Research Clinics Primary

Prevention Trial [Ensaio de Prevenção Primária das Clínicas de Pesquisa Lipídica]. A

finalidade desse estudo, entretanto, foi estudar não o efeito da dieta, mas os efeitos

da administração de uma droga redutora de colesterol, a colestiramina. Como o


estudo MR FIT, os pacientes eram homens – aproximadamente 2.000 deles –

selecionados por causa de seu alto risco coronariano, que tinham valores de

colesterol sanguíneo 5 por cento mais elevados que os valores da população geral.

Todos foram instruídos a seguir uma dieta de baixa gordura e à metade deles foi dada

a colestiramina. Ao fim de sete anos, ambos os grupos mostraram uma diminuição

em seu colesterol sanguíneo e a redução foi significativamente maior no grupo da

droga. Esses também tiveram praticamente um quarto a menos de mortes por

doença coronariana e um número significativamente menor de ataques cardíacos

não-fatais. Infelizmente, esse efeito desejável da droga foi acompanhado de sintomas

gástricos bem desagradáveis, de modo que muitos homens no grupo da droga

desistiram de tomá-la. Claramente, o tratamento em massa da população com essa

droga não é realmente viável. Além disso, seria enormemente caro; calculou-se que

custaria aproximadamente um quarto de milhão de dólares para impedir um único

ataque cardíaco.

Um estudo subsequente, ainda em andamento, é o Stanford Heart Disease

Prevention Program [Programa de Prevenção de Doença Cardíaca de Stanford]. Ele

começou com uma campanha de publicidade maciça em duas cidades californianas,

envolvendo programas da televisão e rádio, artigos de jornais, comerciais e material

de propaganda pelo correio. O efeito foi uma redução em 3 por cento na

concentração do colesterol sanguíneo, que, após o fim da campanha, transformou-se

somente em uma redução de 1 por cento. Apesar disto, a próxima fase planejada é a

repetição do estudo em uma escala maior, envolvendo cinco cidades californianas.

Devemos concluir que todo esse esforço desde os anos de 1960 não teve sucesso em

demonstrar a eficácia da mudança na gordura da dieta em reduzir a prevalência da

doença coronariana. E mesmo assim, permanece o fato que, desde cerca de 1960 nos
EUA, e um pouco mais tarde em outros países, houve um declínio no número de

pessoas declaradas como tendo morrido de doença coronariana. Nos EUA, houve

também uma pequena diminuição no consumo de gordura total, mas essa mudança

dietética começou alguns anos ​depois​ que a queda nas mortes coronarianas

começou. Houve também outras mudanças no estilo de vida, tanto na América como

no Reino Unido, bem como em alguns outros países, embora nem todas fossem

quantificáveis. Essas mudanças incluem uma diminuição no tabagismo, um aumento

em programas físicos tais como corrida e ‘aeróbica’, uma tentativa mais difundida de

controlar a pressão arterial, e um vasto número de operações de revascularização

coronariana em pessoas com doença cardíaca. Na maioria desses países, houve

também uma diminuição pequena, mas contínua, no consumo de açúcar. O fato é

que nós não sabemos porque houve esse declínio nas mortes coronarianas, mas ele é,

naturalmente, muito bem-vindo.

Pode ser que ao final as pessoas reduzam suas chances de sofrer ataques cardíacos se

elas ingerirem grandes quantidades de gorduras poliinsaturadas tais como aquelas

encontradas no óleo de milho ou de girassol, ou naquelas margarinas especiais feitas

com esses óleos. Eu tenho que dizer que acho que seja muito improvável que isso

aconteça. Eu acredito que a melhor dieta para a espécie humana é feita tanto quanto

possível dos alimentos que estavam disponíveis na época em que caçávamos e

coletávamos. Os óleos ricos em poliinsaturadas tornaram-se disponíveis apenas

devido aos recentes avanços na agricultura e nas ainda mais recentes técnicas

industriais elaboradas de extrair e refinar óleos; o processamento químico complexo

desses e outros óleo para produzir margarina afasta esse produto ainda mais dos

tipos de alimentos disponíveis à humanidade durante milhões de anos de evolução.


13. Trombose coronariana, a
epidemia moderna

H​oje ninguém pode ignorar a enorme preocupação com o grande número de


pessoas que morrem de doença coronariana. Nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha,

elas representam mais de um quinto de todas as mortes. Nesses e em outros países

afluentes, pelo menos um em três homens com mais de 45 anos de idade morrerá de

doença cardíaca. Não é de se estranhar que em livros, revistas, rádio e programas de

televisão muito tenha se discutido sobre esse problema nos últimos 25 anos. Mas

acho que ainda há tanto mal entendido sobre a natureza da doença cardíaca que eu

tinha que dissipar as dúvidas com definições e descrições antes de começar a

considerar suas causas.

É bem possível que você já tenha o que acredita ser uma imagem simples e adequada

da doença cardíaca e de como ela ocorre. Se sim, provavelmente é essa: Há um

material gordo no sangue chamado de colesterol. À medida que você envelhece, a

quantidade de colesterol no sangue aumenta, especialmente se consumimos

alimentos que contenham muita gordura de carne ou manteiga. Por causa do alto

nível de colesterol no sangue, uma parte dele tende a se depositar no interior das

paredes das artérias, incluindo as artérias coronárias. Estas fornecem sangue ao

espesso músculo que compõe a parede do coração, que bombeia o sangue para o

corpo. O gradual estreitamento das artérias coronárias pelo depósito de colesterol

reduz o suprimento sanguíneo do coração, e então você começa a sentir dor quando

se exercita – angina, ou, mais corretamente, angina pectoris.


Os depósitos de colesterol também incentivam a formação de coágulos sanguíneos,

de modo que, mais cedo ou mais tarde, uma ou outra artéria coronária, ou um de

seus ramos, fica completamente obstruída. Como consequência, o suprimento

sanguíneo a uma parte maior ou menor do coração é cortado, e então você tem um

ataque cardíaco – dor, inconsciência se o coração parar, morte se não começar logo a

bater novamente.

Essa visão de um ataque cardíaco é muito simplificada; e é suficientemente

enganadora para que eu peça que você me acompanhe enquanto eu repasso a

história mais detalhadamente, e mais de acordo com os eventos reais. Especialmente,

quero distinguir entre o que a medicina sabe que está acontecendo e sobre o que os

estudos ainda não têm certeza.

Como qualquer outro órgão do corpo, o coração pode ser afetado por muitos tipos

diferentes de doença, de modo que, falando estritamente, é tão bobo falar de doença

cardíaca como seria falar da doença do braço ou do pé. O que as pessoas querem

dizer com doença cardíaca é o que é variavelmente chamada de doença cardíaca

coronariana, ou trombose coronariana, ou infarto do miocárdio ou doença cardíaca

isquêmica. Mesmo essa afirmação, entretanto, é um pouco enganadora, porque essas

condições não são bem as mesmas. Você compreenderá melhor a situação se tentar

seguir o processo da doença ao afetar o coração – pelo menos até onde a ciência o

compreende. Eu digo isso porque, em muitos aspectos, ninguém ainda tem certeza a

respeito do desenvolvimento dessa condição, ou condições.

Em termos humanos, quase todo mundo sabe o que estou discutindo. Um quadro

comum é o de um indivíduo, mais comumente um homem do que uma mulher, e

mais comumente acima dos 60 anos de idade, que muitas vezes é aparentemente
saudável até que seja atingido por uma severa dor no peito. Ele pode cair

inconsciente e pode não se recuperar; ou a dor pode diminuir gradualmente e ele ser

hospitalizado. Se ele se recuperar de seu primeiro ataque, pode ter ataques

subsequentes após um curto ou longo período de tempo, com a possibilidade, outra

vez, de que um desses seja fatal. Às vezes os eventos são diferentes. A imagem, então,

é de uma pessoa, de novo, muitas vezes aparentemente bem, que morre tão

repentinamente que praticamente não tem tempo para se queixar de dor ou de

qualquer outro sintoma.

O curso dos eventos que conduzem à doença estabelecida, ou às doenças,

infelizmente não está claro. Certamente, o que quer que eu escreva agora, por mais

cuidadosamente, representará as opiniões de muitos especialistas nesta área, ou até

da maioria deles, mas sempre restarão alguns que discordarão de alguns ou todos os

eventos como eu os descrevo.

Deixem-me começar falando sobre o chamado ‘depósito’ nas paredes internas das

artérias. O depósito é chamado ‘ateroma’, a condição é chamada ‘ateromatose’. A

palavra ‘ateroma’ significa ‘mingau’ em grego e refere-se aos remendos irregulares de

um material amarelado encontrado no interior das paredes das artérias; esses

remendos são chamados, por vezes, de ‘placas’. Ninguém está bem certo sobre o que

inicia o processo. Muitos crêem que começa com uma agregação de plaquetas na

superfície ou no interior da parede de uma artéria. As plaquetas são distintos corpos

minúsculos extremamente numerosos, flutuando no sangue junto aos glóbulos

sanguíneos vermelhos e brancos. Quando se juntam, incentivam a formação de

minúsculos coágulos sanguíneos. Em torno desses coágulos acumula-se

gradualmente uma massa de material gorduroso que inclui uma proporção

razoavelmente alta de colesterol. Com o devido tempo, esses remendos tornam-se


fibrosos, assim como cicatrizes que se formam em um corte na pele. É a combinação

do ateroma e cicatrizes fibrosas que leva a este estágio conhecido como aterosclerose.

Mais tarde, as placas podem se degenerar e se tornarem calcificados e duras.

A aterosclerose pode ocorrer em artérias por todo o corpo, embora seja mais provável

ocorrer em alguns locais que em outros. Ela provavelmente começa em uma idade

muito precoce, talvez na adolescência; de acordo com alguns especialistas, começa

até mesmo mais cedo. Enquanto se desenvolve, pode começar a interferir no fluxo

sanguíneo, de modo que o exercício possa lhe causar dor no peito devido ao

estreitamento dos vasos coronarianos (angina), ou dor nas pernas devido ao

estreitamento das artérias da perna (doença vascular periférica, conhecida também

como tromboangeíte obliterante, ou doença de Buerger).

Na doença vascular periférica, um aumento na gravidade da aterosclerose leva a dor

nas pernas ao andar uma certa distância, curta ou longa. Se a condição não for

tratada, chega um momento em que o suprimento sanguíneo das extremidades fica

tão diminuído que um dedo do pé pode começar a gangrenar, ou o pé todo, ou

mesmo parte da perna. O tratamento pode consistir em medicamentos que alargam

as artérias, ou de procedimentos cirúrgicos para melhorar a circulação, removendo

das artérias o material ateromatoso.

No coração, as artérias coronárias podem ficar cada vez mais obstruídas, resultando

em uma angina cada vez mais severa, provocada por cada vez menos esforço. Uma

obstrução mais completa pode também ocorrer, com ou sem angina prévia. Pode ser

que o bloqueio seja devido a um coágulo sanguíneo; isto ocorre mais rapidamente em

uma artéria com placas ateromatosas, em parte devido ao baixo fluxo sanguíneo e,

em parte, devido ao interior da artéria, normalmente liso, que agora contém material
ateromatoso áspero. Mas um bloqueio também pode ocorrer porque a estreita artéria

coronária entra em espasmo ou em uma contração longa o suficiente para cortar o

suprimento sanguíneo e causar um ataque cardíaco.

O resultado depende de diversas coisas. Uma é o tamanho da porção do coração que

era suprida pela artéria antes de ser obstruída. Um segundo fator é a parte em

particular que perde seu suprimento sanguíneo, pois algumas partes são muito mais

importantes para manter o batimento cardíaco que outras. Terceiro, o resultado

depende se a relevante porção do coração tem vasos sanguíneos provenientes de

outra direção, que podem rapidamente se expandir e levar sangue suficiente por essa

rota alternativa.

Se a parte afetada do coração for pequena ou relativamente sem importância, o

coração parará somente por um curto período, ou nem isso. Se uma porção do

coração perder permanentemente seu suprimento sanguíneo, essa porção pode

morrer. Isso é chamado infarto do miocárdio e pode ser visto anos mais tarde no

coração, onde o tecido morto é substituído por tecido cicatricial.

Parece que algo bem diferente ocorre na morte súbita. Provavelmente também está

associado à aterosclerose severa das artérias coronárias, mas o que parece acontecer,

nesse caso, é que o coração para de bater normalmente e entra em um tipo de tremor

muito rápido, conhecido como ‘fibrilação ventricular’. Isto torna ineficaz o trabalho

do coração de poderosa e regularmente bombear sangue para todo o corpo, e a morte

segue-se, de fato, muito rapidamente.

É importante lembrar que é possível estar com uma aterosclerose bem extensa sem

qualquer sintoma. Se assim for, será impossível diagnosticar a doença, a menos que
alguns dos ateromas tenha evoluído ao ponto de se calcificar, de modo que se torne

visível em um filme de raios-X. A maioria, se não todos os adultos, nos países bem

desenvolvidos, vivem com pelo menos um bom grau de ateromatose, mas se eles não

têm sintomas, geralmente é impossível dizer se eles têm aterosclerose e, se têm,

quanto ou onde.

Eu espero que você não pense que isso não tem nada a ver com o tema deste livro.

Uma das minhas principais razões para fazer pesquisa neste campo é que me tornei

cada vez mais desconfortável com a prevalente visão simplista de como as pessoas

desenvolvem doença coronariana – a ideia de que seja apenas um problema dos

níveis de colesterol no sangue. Essa ideia é hoje mantida tão tenazmente por tantas

pessoas que elas acabam acreditando que qualquer coisa que aumente o colesterol

pode causar doença coronariana, que qualquer coisa que ajude a reduzir o colesterol

pode prevenir a doença ou até mesmo curá-la, e que qualquer coisa que

invariavelmente não aumente o colesterol não deve ter nada a ver com a causa da

doença cardíaca.

Sei que sou tendencioso, mas essa imagem – em minha visão um tanto ingênua –

tem dificultado uma compreensão apropriada da doença e de suas causas, e, assim,

uma compreensão apropriada de sua prevenção.

De fato, pessoas com doença coronariana são afetadas com distúrbios muito mais

extensos que apenas um aumento do nível de colesterol no sangue. Por um lado, há

um aumento de outros componentes gordurosos no sangue, especialmente os

triglicerídeos, chamados às vezes de gorduras neutras; muitas pessoas acreditam que

esse aumento ocorre mais frequentemente que o aumento do colesterol. Há também

uma ​queda​ do colesterol HDL. Em segundo lugar, outras mudanças bioquímicas


ocorrem, incluindo o distúrbio do metabolismo da glicose, ou açúcar, do sangue do

mesmo modo que o encontrado no diabetes. Há frequentemente um aumento do

nível de insulina e de outros hormônios do sangue e, às vezes, um aumento do ácido

úrico. Há alterações na atividade de diversas enzimas. O comportamento das

plaquetas muda.

Poderia-se fazer uma lista de, pelo menos, vinte indicadores que frequentemente são

detectados como anormalmente altos, ou anormalmente baixos, nas pessoas que

estão com aterosclerose severa, e somente um desses é o frequente, embora de forma

alguma universal, aumento do nível de colesterol.

Se você for procurar mais evidências sobre o possível papel do açúcar ou de qualquer

outro fator em produzir a doença cardíaca no homem, você deve ter em mente a

complexidade das manifestações da doença. Isso é particularmente importante nos

tipos de experimentos que eu e meus colegas conduzimos em animais de laboratório.

Eu falarei sobre eles mais detalhadamente no próximo capítulo.

O primeiro defensor da ideia que a gordura poderia ser uma causa da trombose

coronariana, e desde então seu defensor mais vigoroso, foi o Dr Ancel Keys, de

Minneapolis. Em 1953, ele chamou a atenção ao fato que havia uma relação

altamente sugestiva entre o consumo de gordura em seis países diferentes e sua

mortalidade por doença coronariana. Essa foi certamente uma das contribuições

mais importantes feitas ao estudo da doença cardíaca. Foi responsável por um

avalanche de pesquisas de outros cientistas pelo mundo todo; mudou as dietas de

centenas de milhares de pessoas; e tem rendido somas enormes de dinheiro para

produtores dos alimentos que são incorporados nessas dietas especiais.


Como conseqüência, também, muito se sabe atualmente sobre o efeito de diferentes

dietas sobre os processos do metabolismo no corpo, e especialmente sobre os

processos do metabolismo da gordura. No entanto, há uma minoria considerável de

pesquisadores, dos quais sou parte, que acredita que a doença coronariana, em

grande parte, não se deve à gordura na dieta.

Deixem-me começar a discutir o caso examinando mais de perto a evidência

epidemiológica da relação entre a dieta e a doença coronariana. Desde o começo,

algumas pessoas ficaram um pouco desconfortáveis com as evidências do Dr Keys.

Os números relativos à mortalidade coronariana e o consumo de gordura existiam

em bem mais países que os seis relatados por Keys, e esses outros números não

pareceram encaixar na bela reta da relação – quanto mais gordura, mais doença

coronariana – que era evidente quando somente os seis países selecionados eram

considerados.

Além disso, evidências começaram a se acumular que nem todas as gorduras eram

iguais; algumas pareciam ser boas, algumas ruins, algumas neutras. No início, isso

foi veementemente negado pelo Dr Keys, mas, por volta de 1956, essas diferenças

foram aceitas por ele, assim como por todos os outros pesquisadores. As gorduras

‘ruins’ eram, em sua maior parte, gorduras animais, tais como aquelas da carne e de

laticínios (gorduras saturadas). As gorduras ‘boas’ eram, em sua maior parte, óleos

vegetais (gorduras poliinsaturadas). As gorduras 'neutras' não eram nem boas nem

más; um exemplo é o azeite de oliva (na maior parte, uma gordura monoinsaturada).

Parecia ser apropriado examinar os dados de mortalidade e de consumo de gordura

mais de perto do que havia sido feito até então, e isso eu fiz em 1957. Juntando toda a

informação disponível das estatísticas internacionais, descobri haver uma relação


moderada, mas de forma alguma uma relação importante, entre o consumo de

gordura e a mortalidade coronariana, que não se torna mais próxima nem quando se

separa a gordura animal da vegetal. Uma relação melhor acabou surgindo entre o

consumo de açúcar e a mortalidade coronariana em uma variedade de países. A

melhor relação de todas existia entre o aumento do número de mortes coronarianas

relatadas no Reino Unido e o aumento do número de aparelhos de rádio e televisão.

Fazer essa última observação tem duas finalidades, penso eu. A primeira e mais

superficial é ilustrar os possíveis perigos em encontrar uma associação entre dois

eventos e então dizer que um evento causa o outro. É improvável, você poderia

supor, que as possibilidades de se tornar uma vítima coronariana sejam aumentadas

apenas por se possuir uma televisão. Mas, em segundo lugar, quando se observa mais

atentamente, essa sugestão não é assim tão idiota, afinal de contas.

Os fatores que foram relacionados com a causa da trombose coronariana incluem

diversos fatores associadas à riqueza – sedentarismo, obesidade, tabagismo,

consumo de gordura, consumo de açúcar. Por um lado, dessa forma, a incidência da

trombose coronariana será mais elevada naqueles países em que há uma riqueza

maior, medida por qualquer índice, como consumo de cigarro ou de gordura, mas

também pelo número de aparelhos de televisão ou automóveis ou telefones. Por

outro lado, muitos desses índices de riqueza são, do mesmo modo, índices de

sedentarismo. As pessoas que têm TV provavelmente são fisicamente menos ativas

que aquelas que não a possuem. Assim, não é totalmente besteira pontuar essas

relações.
Tendências na mortalidade coronariana e no número de licenças de rádio e

televisão no Reino Unido

O diagrama mostra a relação estreita entre a mortalidade por trombose

coronariana (curva da direita) e da propriedade de rádio ou de televisão (curva da

esquerda). Com base apenas nessa associação, você poderia dizer que comprar um

rádio ou uma televisão aumenta suas chances de ter um ataque cardíaco.

Aqui estava eu, então, em 1957, com informações de estudos epidemiológicos

internacionais, sugerindo que seria, pelo menos, tão interessante examinar o

consumo de açúcar quanto examinar o consumo de gordura. Não havia nenhuma

sugestão, naquela época, que os estudos existentes eram uma prova do envolvimento

do açúcar. Mas, assim como na história das gorduras, agora tínhamos uma pista. E,

logo após meu artigo de 1957, um pesquisador japonês confirmou a relação entre o
consumo de açúcar e a doença coronariana em 20 países. Além desses valores gerais

derivados de estatísticas internacionais, existem alguns estudos de países ou de

populações específicas. Um pesquisador britânico demonstrou que o aumento por

mortes coronarianas na Grã Bretanha seguiu bem de perto o aumento do consumo

de açúcar. Na África do Sul, mostrou-se que a população negra teve pouca doença

coronariana enquanto as populações brancas e indígenas tiveram tanto quanto as

populações brancas dos Estados Unidos, da Europa Ocidental e da Australásia.

Parece, entretanto, que a situação está mudando na África do Sul: a doença cardíaca

está começando a ocorrer também na população negra. Esses fatos se encaixam nos

números de consumo de açúcar, que têm sido altos há muito tempo entre os brancos

e os índios, eram baixos entre a população negra há até uns 20 anos, mas que agora

estão, com a crescente riqueza, aumentando rapidamente.

Em Israel, A. M. Cohen, de Jerusalém, descobriu que os imigrantes recém-chegados

do Iêmen tinham pouca doença coronariana, embora fosse comum entre iemenitas

que tinham imigrado há 20 anos ou mais. A dieta no Iêmen era bem elevada em

gordura animal e manteiga, mas pobre em açúcar; quando os imigrantes chegaram a

Israel, eles começaram a adotar a dieta usual de alto teor de açúcar do país.

Os Masai e os Samburu são duas tribos do leste da África que vivem, em grande

parte, do leite e da carne e têm, portanto, um consumo muito elevado de gordura

animal. Há, entretanto, muito pouca doença cardíaca entre eles. Você pode dizer que

é porque são fisicamente muito ativos. Uma outra possibilidade é que têm um tipo de

metabolismo diferente de outros povos, e um estudo recente sugere que este é

realmente o caso dos Masai. Parece que eles têm uma maneira mais eficiente de lidar

com a gordura animal sem se sujeitar a um aumento do nível do colesterol. Não está

claro, entretanto, se esta é alguma característica genética dos Masai ou se se


tornaram tão bons em metabolizar gorduras porque têm lidado com grandes

quantidades por toda sua vida.

Mas o que é frequentemente deixado de lado dessas discussões é que os Masai e os

Samburu ​praticamente não comem açúcar.​

Os imigrantes da Ásia na Grã Bretanha têm uma mortalidade significativamente

mais alta por doença coronariana que os ingleses nativos – uns 20 por cento mais

alta nos homens e quase 30 por cento mais alta nas mulheres. Contudo, um estudo

recente mostrou que a ingestão total de gordura é quase a mesma em ambas as

comunidades, enquanto a ingestão de gordura saturada é mais baixa e de gordura

poliinsaturada é mais alta entre os asiáticos. Assim, a proporção entre gordura

poliinsaturada e gordura saturada na dieta (a relação P:S) é de 0,85 nos asiáticos,

comparada a 0,28 para os ingleses nativos. A alta proporção na dieta asiática

preenche a recomendação daqueles que defendem mudanças na gordura da dieta a

fim de ​prevenir​ a doença coronariana. Está claro, então, que a mortalidade

coronariana mais elevada nos asiáticos não pode ser explicada por diferenças em sua

ingestão de gordura. O que não foi medido nesse estudo foi o consumo do açúcar

pelos asiáticos, mas outras investigações mostraram que eles, de fato, comem mais

açúcar que o restante da população britânica. Como veremos mais tarde (p. xxx), isso

também é relevante para a alta prevalência de diabetes entre asiáticos na

Grã-Bretanha.

Deixem-me citar apenas mais um estudo especial, feito em Stª Helena. A doença

coronariana é muito comum nessa ilha. Isso não é porque os habitantes comem

muita gordura; eles comem menos que os americanos ou os ingleses. Não é porque

são fisicamente inativos; Stª Helena é extremamente montanhosa e há muito pouco


transporte motorizado. Não é porque fumam muito; o consumo do cigarro é muito

menor que na maioria dos países ocidentais. Há somente uma causa razoável da

elevada incidência da doença coronariana: o consumo médio de açúcar em Stª

Helena é de cerca de 45 quilos por pessoa por ano.

Em suma, pode-se dizer que na maioria das populações ricas que eu considerei, a

prevalência de doença coronariana está associada ao consumo de açúcar. Já que o

consumo de açúcar é, no entanto, apenas um dos inúmeros índices de riqueza, o

mesmo tipo de associação existe com o consumo de gordura, de cigarro, da

propriedade de automóvel e assim por diante. Neste momento, seria igualmente

justificável olhar para qualquer um desses fatores como sendo uma possível causa da

doença coronariana.

Você também pode colocar isso de maneira bem diferente ao considerar a relação

entre quaisquer dois dos fatores que mencionei. Se você olhar a quantidade de

gordura e açúcar consumida em países diferentes, você percebe que tendem a ser

muito similares em qualquer país; em geral, ambas são baixas nos países pobres,

moderadas em países moderadamente bem favorecidos e altas em países ricos. Assim

qualquer coisa que é relacionada a uma é provavelmente relacionada a outra. Você

pode dizer agora, se desejar, que a gordura é uma causa da doença coronariana e que

a associação entre o açúcar e a doença é acidental porque a gordura e o açúcar estão

relacionados. Ou você pode inverter e dizer que o açúcar é uma causa da doença

coronariana e que é a associação com a gordura que é acidental.

Quando eu cheguei a esse ponto, pareceu-me que o próximo passo seria examinar o

consumo individual de açúcar de pessoas com e sem doença coronariana. Pois

médias podem ser enganadoras; uma coisa é mostrar que há mais doença
coronariana nos países em que, na média, mais açúcar é consumido e completamente

outra mostrar que, em qualquer país, uma pessoa que coma mais açúcar tem mais

chance de ter a doença que uma pessoa que coma menos açúcar.

Nós concebemos o que pensamos ser uma maneira razoavelmente precisa de obter a

ingestão de açúcar das pessoas e medimos isso em 20 homens com doença

coronariana, 25 com doença vascular periférica e 25 pacientes controle pareados

(com outras afecções) para fins de comparação. Nós gastamos muito tempo

planejando nosso método e escolhendo nossos pacientes. Os pacientes com trombose

coronariana, por exemplo, estavam no hospital com seu primeiro ataque conhecido,

não tinham até o momento qualquer ideia que tinham doença coronariana, e não

tinham mudado conscientemente a sua dieta.

Nós os questionamos dentro das três primeiras semanas após a admissão e

perguntamos sobre sua dieta normal antes de adoecerem. Mostramos mais tarde que

esse método para medir a ingestão de açúcar era tão bom quanto o método muito

mais elaborado usado normalmente por nutricionistas para outros componentes

dietéticos. Mostramos também que fomos sensatos em termos avaliado as dietas dos

pacientes que previamente estavam aparentemente bem. Quando falamos com eles

um ou dois anos mais tarde, o que chamavam agora de ingestão normal de açúcar

era, de fato, consideravelmente mais baixa que aquela relatada na primeira ocasião.

Em nosso estudo, encontramos uma ingestão substancialmente mais elevada de

açúcar nos pacientes com doença coronariana e com doença vascular periférica que

nos pacientes controle. Os valores médios eram de 113 gramas por dia para os
pacientes coronarianos, 128 gramas para os pacientes com doença vascular e 58

gramas para os pacientes controle.

Quando publicamos esses resultados, houve uma boa quantidade de críticas tanto

das nossas conclusões como de nosso método. Nós sentimos que muito dessa crítica

não era válido, mas em um aspecto havia justificativa. Nós tínhamos avaliado a

ingestão de açúcar em nossos pacientes perguntando-lhes pessoalmente, no hospital,

sobre suas dietas. Por causa desse contato pessoal, nós sabíamos quem era um

paciente com doença arterial e quem era um controle. Seria possível que nós,

inconscientemente, estivéssemos influenciados por esse conhecimento e,

consequentemente, talvez exagerado na ingestão de açúcar dos pacientes com doença

arterial e minimizado aquela dos controles. A fim de superar essa objeção, nós

simplificamos nosso questionário dietético de modo que o próprio paciente pudesse

preenchê-lo. Os questionários foram entregues pelas enfermeiras da ala e somente

após termos calculado as dietas nós perguntávamos sobre qual categoria os

entrevistados pertenciam.

Os resultados de nosso segundo estudo foram similares àqueles do primeiro. A

ingestão média de açúcar nos pacientes coronarianos era de 147 gramas; nos

pacientes controle – desta vez havia dois grupos – era de 67 gramas e 74 gramas.

Desde então, vários outros pesquisadores examinaram a ingestão de açúcar de

pessoas com e sem doença coronariana. Alguns confirmaram nossos achados que

pacientes coronarianos consomem mais açúcar; alguns não. Há, acredito, diversas

razões para os resultados negativos. Primeiramente, as pessoas que tiveram um

ataque cardíaco muito provavelmente reduzem sua ingestão de açúcar, consciente ou

inconscientemente, como nós, de fato, encontramos. Você pode imaginar como é


chocante ter um ataque cardíaco e como as pessoas serão cuidadosas para se

certificar que reduziram suas chances de ter um outro ataque mantendo baixo o seu

peso. A primeira coisa que as pessoas tendem a fazer nessa situação é reduzir o

açúcar.

Em segundo lugar, asseguramos que nossos controles não sofressem qualquer tipo

de condição que pudesse afetar sua dieta. Assim, nós escolhemos trabalhadores

saudáveis de uma fábrica ou outros pacientes que estavam no hospital por causa de,

por exemplo, um pé quebrado, mas que não tinham qualquer condição sistêmica. Em

terceiro lugar, havíamos encontrado diferenças na ingestão de açúcar entre

diferentes grupos sócio-econômicos e entre diferentes faixas etárias, dessa forma,

fizemos com que nossos sujeitos controle se equiparassem a nossos pacientes

arteriais nesses quesitos.

Essas são tipos de razões, acredito, pelas quais é muito provável que uma seleção

menos cuidadosa das pessoas controle pode levar à falsa conclusão que há pouca ou

quase nenhuma diferença entre a quantidade de açúcar que consomem e a

quantidade consumida pelas pessoas que desenvolvem trombose coronariana.

Entretanto, disseram meus críticos que, como nem todos os pesquisadores relataram

que os indivíduos com doença coronariana eram grandes consumidores de açúcar, a

teoria do açúcar está inteiramente refutada. A maioria destes críticos são, como o Dr

Keys, fortes defensores da teoria da gordura. O ponto interessante sobre isso é que

ninguém​ jamais mostrou qualquer diferença no consumo de ​gordura​ entre pessoas

com e sem doença coronariana, mas isso, de forma alguma, tem dissuadido o Dr

Keys e seus seguidores.


Deixem-me tratar, aqui, de uma outra crítica feita pelas mesmas pessoas. Eles dizem

que o açúcar não pode ser uma causa da doença coronariana porque nos EUA houve

um aumento considerável dessa doença da metade do século passado até meados dos

anos 70, enquanto o consumo de açúcar quase não mudou durante esse período.

Mas fazer estas críticas é não compreender ou interpretar mal o que você pode

razoavelmente esperar de estudos populacionais. Primeiramente, como disse muitas

vezes, eu acredito que o açúcar é uma importante causa da doença cardíaca, mas

certamente não é a única causa. O sedentarismo e o tabagismo são apenas dois dos

outros fatores envolvidos, e a incidência de ambos mudou bastante durante este

século. Até recentemente, ambos têm aumentado consideravelmente, mas as pessoas

parecem ter-se tornado mais ativas durante os últimos anos e certamente muitos

homens pararam de fumar. Em segundo lugar, fatores tais como o açúcar e

tabagismo e falta de atividade física levam um longo tempo para produzir seus

efeitos, de modo que não é fácil relacionar o momento em que as mudanças ocorrem

ao momento em que podem afetar a prevalência da doença coronariana.

Em terceiro lugar, pode ser bem possível que o consumo elevado de açúcar seja mais

prejudicial em jovens que em pessoas mais velhas. Nós vimos anteriormente que

houve um grande aumento no consumo de refrigerantes, de sorvetes, de biscoitos e

de bolos; em grande parte, são pessoas jovens que consomem esses alimentos. As

pessoas de meia-idade têm se tornado cada vez mais preocupadas com sua forma e

agora muitos deles têm reduzido o seu consumo de açúcar. Assim, parece provável

que a constância do consumo médio de açúcar esconde um consumo aumentado em

jovens e um consumo diminuído em pessoas mais velhas.


Por último, e mais importante, parece (como veremos) que uns 25 ou 30 por cento

das pessoas são sensíveis ao açúcar, reagindo a ele de forma que os poderiam tornar

sujeitos a ataques cardíacos. Se for assim, aproximadamente três quartos da

população podem estar comendo a mesma quantidade de açúcar que as pessoas

sensíveis estão comendo, ou mais ainda, mas isto não os fará sofrer um ataque

cardíaco.

Como eu tenho dito diversas vezes neste livro, a evidência epidemiológica não pode,

por si só, ​provar​ que o açúcar ou qualquer outro fator seja a causa da doença

coronariana. Pode somente fornecer indícios a respeito das possíveis causas.

Podemos, então, procurar outros tipos de evidência para ver se nossas teorias

sobrevivem. Já que fui acusado tão frequentemente de dizer que o açúcar é ​a​ causa

da doença coronariana, deixe-me repetir o que, de fato, eu disse ou escrevi todas as

vezes em que discuti o problema. Diversos fatores estão envolvidos no

desenvolvimento da doença coronariana. Um é genético, ou seja, hereditário; outros

são adquiridos. O fator genético é responsável por algumas pessoas serem mais

suscetíveis às causas ambientais do que outras. Entre as causas adquiridas estão o

excesso de peso, o tabagismo, o sedentarismo – e também um consumo elevado de

açúcar. Pode ser que todos tenham, no fim das contas, o mesmo efeito no

metabolismo e que, dessa forma, produzam a doença coronariana pelo mesmo

mecanismo. Mas isso perdurará até ser elucidado por pesquisas futuras. Enquanto

isso, esperamos encontrar algumas pessoas que sofram um ataque cardíaco, embora

não comam muito açúcar, e alguns que não tenham um ataque cardíaco, embora

comam muito açúcar; assim como há aqueles que não comem muitos doces, mas, no

entanto, têm muitas cáries em seus dentes, e outros que comem bastante e têm

poucas cáries em seus dentes.


14. Coma açúcar e veja o que
acontece

N​o começo dos anos de 1960, eu decidi que havia evidências epidemiológicas
suficientes para sugerir que o açúcar poderia ser uma das causas de doença

coronariana. A hora havia chegado, portanto, para começar a fazer alguns

experimentos para ver que efeitos seriam produzidos pelo açúcar da dieta. Como

parecia que o grande aumento no consumo de açúcar em países ocidentais era

acompanhado de uma diminuição no consumo de amido aproximadamente à mesma

proporção, alimentamos nossos ratos e alguns outros animais no laboratório com

dietas que continham toda a proteína, gordura, carboidrato, vitaminas e sais

minerais que eles necessitavam, mas variamos a quantidade relativa de amido e de

açúcar na porção de carboidrato de suas dietas. Na maioria das vezes, o carboidrato

consistia totalmente de amido ou totalmente de açúcar; outras vezes era uma mistura

dos dois em uma proporção predeterminada. Devo dizer que experiências similares

estavam sendo realizadas em outros laboratórios, notavelmente pelo professor

Aharon Cohen, de Jerusalém, que, entretanto, estava buscando o possível papel do

açúcar da dieta em produzir diabetes em vez de doença cardíaca.

Em nossas experiências com voluntários humanos, pedimos que registrassem com

detalhes os alimentos e as bebidas que consumiram por um período de duas semanas

ou mais, com cada item sendo exatamente pesado ou medido, e anotado no momento

em que fosse consumido. Foi-lhes pedido, então, para aumentar a ingestão de açúcar

– mais açúcar no chá e no café e em seu cereal matinal, e mais geleia, doces e outros

itens – ao mesmo tempo que reduziam a quantidade de alimentos com amido, tais
como pão e batata. No momento em que estavam para fazer a mudança, nós

calculamos as quantidades de todos os elementos de suas dietas durante o período

preliminar e poderíamos agora aconselhar-lhes sobre como fazer a alteração

mantendo a mesma quantidade total anterior de carboidrato, proteína, gordura e

outras substâncias. Isso, naturalmente, não era absolutamente preciso porque nós

não quisemos interferir nas suas vidas normais mais do que já havíamos interferido,

mas uma vez que passaram a pesar e medir seus alimentos, nós sabíamos se e o

quanto se desviaram da nova dieta. Depois de duas ou três semanas na dieta de

açúcar elevado, voltaram à sua dieta habitual, enquanto continuavam a pesar e medir

seus alimentos por mais duas ou três semanas.

Em nossa primeira experiência laboratorial, procuramos ver o que o açúcar fez nos

ratos com relação às quantidades de substâncias gordurosas, tais como o colesterol e

os triglicerídeos, no sangue. Descobrimos que a quantidade de triglicerídeos no

sangue aumentou enorme e rapidamente quando os ratos comeram açúcar; a

quantidade de colesterol, por outro lado, não mudou. Além disso, trocar as dietas

resultou numa mudança muito rápida no nível de triglicerídeos, o qual não somente

aumentou com a mudança do amido para açúcar, como diminuiu outra vez quando

voltou do açúcar para o amido.

Mais tarde demonstrou-se, principalmente através dos estudos de outros

pesquisadores, que os ratos sintetizam e descartam colesterol de maneira bem

diferente da que os seres humanos lidam com ele. Em outras espécies, entretanto, o

açúcar produziu um aumento na quantidade de colesterol, às vezes um aumento

considerável, assim como um aumento dos triglicerídeos. Isso ocorre nos babuínos,

aves, porcos e coelhos. No rato espinhoso, um animal do deserto, alimentá-lo com

açúcar produz um aumento tão considerável no colesterol, e em menor extensão nos


triglicerídeos, que esses materiais gordurosos dão ao sangue uma aparência

distintamente leitosa. Além disso, enquanto o fígado do rato torna-se aumentado em

uns 25 por cento, o fígado do rato espinhoso dobra seu tamanho normal quando a

dieta contém açúcar.

Além das experiências em ratos com dieta normal, também usamos dietas contendo

tipos anormais de gorduras. Adicionando gorduras muito saturadas em vez da

gordura insaturada que nós geralmente usamos, e adicionando também uma grande

quantidade de colesterol à dieta, produzimos níveis muito mais elevados de

colesterol e triglicerídeos. Quando então substituímos o amido por açúcar nessas

dietas, houve um aumento ainda maior no colesterol e nos triglicerídeos.

O açúcar produz muitas mudanças nos ratos além dos aumentos de colesterol e de

triglicerídeos. Eu não sei quantas e quais dessas se descobrirão estar relacionadas às

mudanças relacionadas ao desenvolvimento da arteriosclerose e da doença

coronariana em humanos. Mas devo mencionar alguns dos efeitos do açúcar que,

atualmente, parecem estar ligados a essas condições. Discutirei ainda outras

mudanças, mais tarde, em relação a outras condições em humanos.

Muitos pesquisadores estudaram os mecanismos pelos quais o corpo produz e

armazena gordura; a ideia é que os fatores que afetam esses mecanismos podem ter

algo a ver com os materiais gordurosos que constituem o ateroma. Nesse sentido,

nossos estudos incluíram a medição de algumas das enzimas envolvidas na síntese e

na armazenagem de gordura. Nossas primeiras medições foram de uma enzima do

fígado chamada ‘piruvato quinase’. Essa enzima é importante na produção da

gordura no corpo a partir de uma variedade de substâncias obtidas da dieta. Um

aumento na atividade é tido como uma medida de atividade da formação de gordura


no fígado, o principal local de síntese de gordura. Ratos jovens que consumiram

açúcar na dieta mostraram, após dez dias, cinco vezes mais atividade enzimática que

ratos sem açúcar.

Nós também medimos a atividade de um complexo enzimático chamado ‘ácido graxo

sintase’, que é mais próximo à síntese de gordura que a piruvato quinase. Existe

especialmente no fígado e no tecido gorduroso (tecido adiposo). No fígado, uma

atividade aumentada implica em uma maior produção de gordura, que é, então,

transportada pela corrente sanguínea. No tecido adiposo, um aumento da atividade

implica em uma maior remoção de gordura do sangue para armazenamento.

Com uma dieta de açúcar em vez de uma dieta de amido por 30 dias, os ratos

desenvolveram duas vezes maior atividade na sintase do fígado e um terço a mais na

sintase do tecido adiposo. Um aumento no fígado e em uma queda no tecido adiposo

sugere que mais gordura foi liberada na corrente sanguínea pelo fígado. Não

obstante, não houve nenhum aumento compensatório da enzima que seria

responsável por armazenar gordura no tecido adiposo; houve, pelo contrário, uma

diminuição dessa enzima. Acreditamos ter uma explicação para isso, ligada ao fato de

que o hormônio insulina está envolvido na conversão da porção glicose do açúcar em

gordura, mas não está envolvido na conversão de frutose em gordura. A partir daqui

ocorrem reações bioquímicas muito complexas, então eu meramente direi que isso é

um exemplo das ações complexas do açúcar das quais falarei mais no Capítulo 19.

As mudanças na atividade enzimática que resultam da adição ou da retirada do

açúcar na dieta ocorrem muito rapidamente; em menos de 24 horas você pode


detectar a diferença e se você, então, mudar a dieta outra vez, o processo é revertido,

mais uma vez em menos de 24 horas.

Eu mencionei anteriormente que a doença coronariana no homem está associada a

um número de características outras que não aos níveis de substâncias gordurosas no

sangue. Desta forma, procuramos algumas dessas características em nossos ratos

alimentados com açúcar. Os efeitos incluem um aumento na pressão arterial, uma

deterioração da eficiência do corpo em lidar com níveis elevados de glicose no

sangue, uma mudança nas propriedades das plaquetas e uma mudança do nível de

insulina no sangue. Ratos alimentados com dietas com alto teor de açúcar por alguns

meses mostram todas essas características.

Dada uma dose de glicose de estômago vazio, ratos em uma dieta normal mostram

um aumento moderado no nível de glicose no sangue, que rapidamente retorna ao

nível de jejum. Os ratos mantidos em uma dieta de alto consumo de açúcar mostram

um nível de glicose em jejum mais alto, um aumento maior após uma dose de glicose

e um maior tempo antes de voltar ao nível do jejum. Terei mais a dizer sobre esse

comportamento da glicose, ‘tolerância reduzida à glicose’, quando eu discutir açúcar

e diabetes.

Um milímetro cúbico de sangue contém aproximadamente 250.000 pequenos corpos

chamados plaquetas, cerca de 5½ milhões de glóbulos vermelhos e cerca de 7.500

glóbulos brancos. Se um milímetro cúbico lhe for uma medida estranha, você pode

convertê-la em uma unidade mais familiar multiplicando por 1.000 para obter os

valores em um centímetro cúbico. Esse número multiplicado por 5.000 resulta nos

valores aproximados no corpo inteiro de um homem adulto.


As plaquetas estão profundamente envolvidas no processo de coagulação sanguínea.

Esse é um processo altamente complexo em que uma importante etapa inicial, ou

talvez mesmo a primeira etapa, é uma mudança nas propriedades das plaquetas; elas

se tornam mais pegajosas e capazes de se grudar mais prontamente às paredes das

artérias. Elas também se aglomeram mais facilmente.

.Essas e outras mudanças são comuns em pessoas com aterosclerose severa ou

doença coronariana. Testamos as plaquetas dos nossos ratos alimentados com açúcar

e descobrimos que elas se ajuntaram (‘aglomeraram’) mais facilmente que as

plaquetas dos ratos alimentados sem açúcar. O comportamento das plaquetas é uma

outra questão à qual retornarei mais tarde.

Eu estou cada vez mais inclinado a acreditar que os indícios sobre as doenças

coronarianas levam a um distúrbio dos hormônios do corpo. É por isso que eu acho

importante que o Professor A. M. Cohen e outros terem mostrado que ratos

alimentados com açúcar desenvolvem anormalidades na forma em que o pâncreas

produz insulina. Meus colegas e eu descobrimos, além disso, que os ratos

alimentados com açúcar desenvolvem também glândulas suprarrenais aumentadas.

Nós não fomos bem sucedidos em produzir ateromas em nossos ratos porque a

linhagem dos animais que usamos é resistente à doença. Mas outros pesquisadores

conseguiram. Em Paris, o Dr L. Chevillard e seus colegas relataram que os ratos

desenvolvem ateroma no principal vaso sanguíneo, a aorta, quando o açúcar é

incluído na dieta.

Apesar de ateromas não terem se desenvolvido em nossos ratos, a aorta foi analisada

para ver se havia alguma diferença nas substâncias gordurosas no interior das
paredes dessa artéria. Encontramos substancialmente mais colesterol e triglicerídeos

nas aortas dos ratos que comeram a dieta com açúcar que naqueles que comeram a

dieta com amido. Também avaliamos o efeito da adição de gordura saturada ou

insaturada à dieta e encontramos que não fez diferença alguma às substâncias

gordurosas do tecido aórtico.

Tenho falado até então sobre nossas experiências com ratos, já que a maioria das

experiências realizadas por nós e por outros sobre os efeitos da sacarose foram feitas

nesses animais. Entretanto, alguns experimentos com outros animais também foram

realizados. Nós e outros pesquisadores mostramos que coelhos alimentados com

açúcar desenvolvem um nível elevado de colesterol. Em frangos e porcos,

descobrimos que o açúcar aumentou o nível dos triglicerídeos. Nossos porcos

também desenvolveram um elevado nível de insulina no sangue. Frangos da

linhagem Rhode Island/Light Sussex desenvolveram um ateroma bem definido na

aorta com açúcar, mas não com amido. Em uma segunda experiência com frangos

White Leghorn, medimos a área de suas aortas, que foi afetada por depósitos de

gordura. Chegou a 46 por cento das aortas nos frangos alimentados com açúcar e

menos de um por cento nos frangos alimentadas sem açúcar.

E quanto aos seres humanos? O professor Ian Macdonald, do Guy Hospital em

Londres, realizou muitos experimentos em pessoas que receberam, a maioria por

alguns dias, misturas de componentes dietéticos com e sem açúcar. Resumidamente,

ele descobriu que, em homens jovens, o açúcar eleva o nível do colesterol do sangue e

eleva, especialmente, o nível dos triglicerídeos. Isso não acontece nas mulheres

jovens. Acontece em mulheres mais velhas, entretanto, após a menopausa.


O professor A. M. Cohen, de Jerusalém, realizou experimentos dos quais a maior

parte foi conduzida por períodos mais longos que aqueles do professor Macdonald, e

seus pacientes comiam alimentos normais em vez de misturas de ingredientes

alimentares puros. Foram dadas dietas em que os carboidratos eram, na maior parte,

amido na forma de alimentos como o pão, ou principalmente açúcar. O professor

Cohen e seus colaboradores descobriram que a dieta com açúcar produziu um

aumento no nível do colesterol e também uma deficiência da tolerância à glicose.

A esta altura, já está bem estabelecido por diversos laboratórios que o açúcar na dieta

provoca um aumento de colesterol e triglicerídeos no sangue de seres humanos.

Nossos próprios experimentos envolveram, na sua maior parte, a medida cuidadosa

das dietas habituais de homens jovens – e então os fizeram substituir parte do amido

por açúcar enquanto fazíamos o mínimo possível de outras alterações. Realizamos

exames abrangentes nesses homens enquanto estavam em sua dieta normal,

novamente ao fim de duas ou três semanas na dieta rica em açúcar, e então duas

semanas após voltarem à sua dieta normal.

Em nossos primeiros experimentos com dezenove homens jovens, a dieta rica em

açúcar produziu um aumento de triglicerídeos no sangue em todos eles após duas

semanas. Além disso, seis deles mostraram outras mudanças: ganharam cerca de 2

quilos de peso, o nível de insulina no sangue elevou-se e houve um aumento da

adesividade das plaquetas. Todas estas mudanças desapareceram inteiramente, ou

quase inteiramente, duas semanas após os homens voltarem à sua dieta habitual.

Achamos três aspectos desses resultados especialmente interessantes. O primeiro era

o fato que aproximadamente um quarto ou um terço de nossos pacientes mostraram

essa sensibilidade especial ao açúcar, enquanto o restante não. Isso nos sugeriu a
impressão que somente uma porção dos homens é suscetível à trombose coronariana

por comer açúcar.

Em segundo lugar, o aumento do nível de insulina nos fez lembrar que havia dois ou

três pesquisadores britânicos que haviam sugerido que um nível elevado de insulina

poderia ser um fator chave na produção da aterosclerose.

Em terceiro lugar, estávamos intrigados que os homens suscetíveis ao açúcar,

apontados pelo aumento de insulina, também ganharam muito peso quando

consumiam açúcar e perderam-no em duas semanas ao voltarem à sua dieta normal.

Isso nos lembrou da associação entre sobrepeso e tendência à trombose coronariana.

De fato, tem-se argumentado que, se comer açúcar aumenta o risco de ataque

cardíaco, esse é somente um efeito indireto, já que o açúcar da dieta predispõe as

pessoas a ficarem acima do peso, e que estar acima do peso é que predispõe à doença.

Nós testamos essa sugestão colocando alguns homens jovens para comer

excessivamente, aumentando ou o açúcar em sua dieta ou o amido. Com o açúcar,

houve um aumento na concentração tanto de triglicerídeos como de colesterol no

sangue; com o amido fornecido no mesmo número de calorias adicionais, não houve

nenhuma mudança na concentração de qualquer uma dessas substâncias gordurosas.

Não obstante, o excesso de peso aumenta o risco de desenvolver doença cardíaca.

Além disso, muitas pessoas acima do peso mostram algumas das características da

doença, incluindo pressão alta, níveis de glicose e insulina elevados e insensibilidade

dos tecidos à ação da insulina.

Uma das características comuns das pessoas que são suscetíveis a ter doença

coronariana é a pressão alta. Entre as pouquíssima investigações que foram feitas


para verificar se a pressão sanguínea se eleva quando o açúcar é incluído na dieta,

havia um estudo do Dr Richard Ahrens, dos Estados Unidos, que trabalhou no meu

laboratório por um ano. Ele conseguiu demonstrar um aumento pequeno, mas

evidente, da pressão arterial em ratos alimentados com açúcar. Mais tarde, ele

realizou uma experiência similar com homens jovens que receberam dietas contendo

quantidades variadas de açúcar; eles mostraram um aumento na pressão sanguínea

proporcional à quantidade de açúcar da dieta. Revendo o tema do açúcar e da doença

cardíaca, o Dr Ahrens escreveu que a epidemia da doença coronariana ‘continua a

aumentar em uma escala mundial aproximadamente na proporção do aumento do

consumo de sacarose, mas não na proporção do consumo de gordura saturada’.

Nossa sugestão de que somente algumas pessoas têm aterosclerose por comer muito

açúcar nos levou também a sugerir que deve haver uma diferença entre os homens de

meia idade que têm a doença e aqueles que não têm. As pessoas com a doença devem

incluir aqueles que têm um aumento na insulina por comerem açúcar, e deve,

consequentemente, existir uma relação entre a quantidade de açúcar que comem e o

nível de insulina. Aqueles que por volta da meia idade não têm nenhum sinal de

aterosclerose incluem aqueles que não são suscetíveis ao açúcar, de modo que não

deve haver qualquer relação entre sua ingestão de açúcar e o nível de insulina.

Nós testamos essa hipótese em dois grupos, cada um composto de 27 homens de

meia idade; um grupo era de pacientes com doença vascular periférica e o outro um

grupo de homens sem sintomas que vieram à clínica para um check-up de rotina. Os

resultados, traçados em um diagrama, confirmaram nossa previsão. De modo geral,

aqueles pacientes que comiam mais açúcar tinham níveis mais elevados de insulina
que aqueles que comiam menos açúcar; entre as pessoas ‘normais’, aqueles que

comiam mais açúcar tinham os mesmos níveis que aqueles que comiam menos.

Um segundo experimento de ingestão de açúcar, com 23 homens, produziu muitos

dos mesmos resultados, mas também alguns aspectos adicionais. Mais uma vez, após

duas semanas na dieta rica em açúcar, todos os homens mostraram um aumento nos

triglicerídeos e seis deles, um aumento na insulina e na adesividade das plaquetas.

Dessa vez, entretanto, todos os homens mostraram também um aumento no

colesterol e uma ​melhora​ na tolerância à glicose. Mais tarde, terei mais a dizer sobre

esse efeito sobre a tolerância à glicose.

Curiosamente, esses resultados adicionais não foram causados por uma ingestão

mais elevada de açúcar nesse experimento comparado ao outro; de fato, a ingestão

diária média de açúcar era de 300 gramas comparados à uma ingestão de 440

gramas no primeiro experimento. Nós acreditamos que o fato de não encontrarmos

sempre uma mudança particular quando ofertamos uma dieta rica em açúcar (por

exemplo, nenhum aumento no colesterol na nossa primeira experiência, mas um

aumento na segunda experiência) é devido à enorme interação das mudanças

produzidas pelo açúcar e pela habilidade do corpo em neutralizar algumas dessas

mudanças pela adaptação de seus processos metabólicos. Essa visão será discutida

mais tarde.

Solicitamos àqueles voluntários que mostraram um aumento na insulina e nas outras

mudanças associadas para nos ajudar com alguns experimentos adicionais. Em uma

dessas experiências, demos novamente a três desses homens uma dieta rica em

açúcar e examinamos mais de perto os efeitos nas plaquetas; também fizemos o

mesmo com três de nossos voluntários nos quais o açúcar não tinha produzido um
aumento na insulina. Isto é, comparamos pessoas com potencial para

‘hiperinsulinismo’ a pessoas ‘controle’. O que fizemos desta vez foi olhar o

comportamento das plaquetas quando suspensas em plasma sanguíneo e submetidas

a um elevado potencial elétrico. Esse procedimento, chamado eletroforese, faz com

que as plaquetas se movam para o pólo positivo a uma velocidade particular. Quando

uma quantidade muito pequena de uma substância chamada ‘adenosina difosfato’

(ADP) é adicionada, elas se movem um pouco mais rapidamente; quando se adiciona

mais ADP, as plaquetas se movem significativamente mais rapidamente. Pelo menos

é isso o que acontece com as plaquetas de indivíduos normais. Mas o comportamento

das plaquetas é diferente em pessoas com uma variedade de doenças, a mais visível

delas é a aterosclerose. Aqui, as plaquetas se movem muito mais rapidamente no

campo elétrico com uma concentração baixa de ADP e mais lentamente ainda

quando a concentração de ADP é aumentada.

Você vai entender, então, que estávamos interessados em ver o que uma dieta de

açúcar faz às plaquetas das pessoas nas quais produz um aumento na insulina e nas

pessoas nas quais não. Nós encontramos a resposta bem rapidamente. Quando

estavam em suas dietas usuais, as plaquetas dos três homens com hiperinsulinismo e

dos três homens controle comportaram-se normalmente; entretanto, após dez dias

na dieta rica em açúcar, as plaquetas dos homens com hiperinsulinismo

comportaram-se como as de pessoas com aterosclerose, enquanto as plaquetas das

pessoas controle não se alteraram. Uma semana após a dieta rica em açúcar, o

comportamento das plaquetas dos homens com hiperinsulinismo começou a se

reverter ao normal.

Outro experimento com nossos voluntários com hiperinsulinismo foi conduzido para

ver se um hormônio produzido pelas glândulas supra-renais foi afetado tanto quanto
a insulina. Pedimos que onze deles mais uma vez fizessem uma dieta rica em açúcar.

Antes que a fizessem e duas semanas após começarem, medimos a insulina e um

hormônio da glândula supra-renal relacionado à cortisona. Vimos que o nível de

insulina sanguíneo em jejum aumentou em aproximadamente 40 por cento após

duas semanas na dieta rica em açúcar; o nível do hormônio adrenal, entretanto,

aumentou muito mais, entre 300 a 400 por cento do valor original. Essa observação

nos faz recordar do nosso achado que o açúcar produz um aumento das glândulas

supra-renais em ratos.

Terminamos nosso artigo de pesquisa sugerindo que esses resultados poderiam ser

usados para rastrear pessoas quanto sua sensibilidade à sacarose, ou, como

dissemos, para identificar aqueles que seriam ‘sensíveis à sacarose’. Se um período

curto sob uma dieta rica em açúcar produzir um aumento da insulina ou do

hormônio adrenal, saberemos que os sujeitos estão correndo risco de desenvolver

doença coronariana por comerem açúcar demais. Se uma dieta rica em açúcar não

afetar esses hormônios, então saberemos que o açúcar não lhes causará doença

coronariana, embora naturalmente possa produzir outros efeitos nocivos.

Infelizmente, estivemos tão ocupados com outras pesquisas que não conseguimos

prosseguir com essa ideia. E ninguém mais também.

Cerca de seis anos após publicarmos os resultados dessas experiências, eles foram

confirmados pelo Dr Sheldon Reiser e seus colegas do Laboratório de Nutrição do

Departamento da Agricultura dos Estados Unidos em Beltsville, próximo a

Washington DC. Por três semanas eles deram a mulheres e homens dietas com

açúcar ou amido, trocando as dietas pelas três semanas seguintes. Na dieta com

açúcar, os homens, mais do que as mulheres, mostraram um aumento nos

triglicerídeos, no colesterol e na glicose sanguíneos. Mas o que foi ainda mais


interessante para nós foi que os pesquisadores americanos confirmaram nossa

observação que uma proporção dos indivíduos – um quarto ou mais – era

especialmente sensível ao açúcar, mostrando também um aumento na concentração

de insulina no sangue. Em algumas de suas experiências, puderam mostrar que

quantidades ‘normais’ de açúcar, aproximadamente iguais à ingestão média

americana, eram suficientes para produzir esses efeitos.

(Deixem-me inserir aqui uma pequena anedota. Algum tempo após o Dr Reiser

publicar os resultados de sua pesquisa, eu recebi um telefonema de um jornalista

médico americano. Ele me perguntou se eu tinha ouvido falar do artigo do Dr Reiser

e, se sim, se eu achava tratar-se de uma nova descoberta. Eu disse que achava que era

realmente importante, mas que minha opinião poderia ser tendenciosa pois a

publicação do Dr Reiser era uma confirmação de nosso próprio trabalho; entretanto,

por não ser nova, não poderia ser chamada de uma ‘nova descoberta’. Mas eu não

concordaria, insistiu o jornalista, que se tratava, pelo menos, de uma descoberta

americana​?)

Nossa opinião, então, é que a causa subjacente da doença coronariana é um distúrbio

do equilíbrio hormonal. Além da insulina e do hormônio adrenal elevados, por

exemplo, muitos pacientes mostram um aumento do estrogênio. Só recentemente

temos medido a concentração desse hormônio no sangue de alguns de nossos

voluntários. Isso ocorreu em alguns homens jovens que seguiam uma dieta em que

reduziram sua ingestão de açúcar de uma média de aproximadamente 150 gramas

por dia para cerca de 55 gramas. Após três semanas, a concentração de estrogênio

caiu de 11,5 unidades para 8,4 unidades; recomeçaram, então, sua dieta habitual e,
após duas semanas, sua concentração de estrogênio elevou-se novamente para 11,1

unidades.

15. Açúcar demais no sangue – ou


de menos

O​ modo que o corpo funciona é, em grande parte, uma questão de manter os órgãos
e os tecidos em um ambiente bem constante dentro do corpo. Qualquer coisa, por

exemplo, que faça o nível de açúcar (glicose) no sangue cair abaixo do normal, ou

subir acima do normal, é prontamente seguido de ações que o restauram a seu nível

original. Essas ações são controladas em parte pelo sistema nervoso, mas

principalmente pelos hormônios. Se por alguma razão os mecanismos de controle

não estiverem trabalhando corretamente, você terá uma quantidade excessiva de

açúcar no sangue, ou uma quantidade mínima, por um período ou o tempo todo. Ter

o açúcar elevado no sangue é uma condição chamada hiperglicemia, e o oposto, um

baixo nível de açúcar, é chamado hipoglicemia.

Diabetes

A causa mais comum da hiperglicemia é o diabetes. O diabetes (mais precisamente, o

diabetes melito) é uma doença que vem sendo estudada detalhadamente há um bom

tempo – certamente por mais de 100 anos. Os pesquisadores, entretanto, ainda não

estão muito certos sobre as diversas características da doença. Tentando resumir o

que sabemos atualmente, inevitavelmente o farei parecer muito mais simples do que
realmente é; terei também que ser muito mais dogmático que as limitações do nosso

conhecimento atual permitem.

Em linhas gerais, o diabetes ocorre, na maior parte, ou em crianças, ou em homens e

mulheres de meia idade. O diabetes juvenil tende a ter um componente familiar um

pouco maior que o ‘diabetes do adulto’. Mais uma vez, quando as crianças com

diabetes crescem, geralmente se tornam bem magras; o diabetes do adulto é

encontrado mais comumente em pessoas com sobrepeso. A maioria dos pacientes

com diabetes juvenil responde bem ao tratamento com insulina, enquanto a maioria

com diabetes do adulto é mais resistente à ação da insulina. Como consequência,

hoje é mais comum classificar os pacientes como o ‘insulino-dependente’ ou

‘não-insulino-dependente’. Ainda outra forma de classificação da diabetes é em Tipo

I e Tipo II. No entanto, na prática é bastante comum – especialmente entre os

pacientes não-brancos (não-caucasianos) – encontrar indivíduos que não pertencem

claramente a qualquer um desses tipos. Logo após von Mering e Minkowski

mostrarem, em 1890, que o diabetes poderia ser produzido em cães pela remoção de

seus pâncreas, tornou-se evidente que grupos de células pancreáticas, chamados de

ilhotas de Langerhans, eram responsáveis por produzir uma substância que prevenia

o diabetes. Uma preparação eficaz dessa substância foi feita por Banting e Best em

1921. À substância foi dado o apropriado nome de ‘insulina’ (​insula​ é a palavra em

latim para ilha).

Era natural, então, imaginar que todos os casos de diabetes eram causados por uma

incapacidade das ilhotas de Langerhans de produzir insulina o suficiente. Mas

sabe-se agora que isso nem sempre é verdade. Em geral, esse tipo de falha é a causa

mais comum de diabetes Tipo I, mas não do tipo II. A última condição é muitas vezes

devida a uma insensibilidade das células do organismo à insulina. Uma das ações
mais importantes da insulina é a de permitir que as células utilizem a glicose do

sangue, que é sua fonte principal de combustível. Se, entretanto, as células se

tornarem insensíveis à insulina, o pâncreas produz cada vez mais insulina a fim de

contrabalançar a insensibilidade.

Era comum tratar todas as formas de diabetes com injeções de insulina. Hoje em dia,

entretanto, é mais comum tratar pacientes com diabetes Tipo II através de drogas

orais. Essas drogas dividem-se, na maior parte, em dois grupos: aquelas que

aumentam a secreção de insulina pelo pâncreas e aquelas que parecem aumentar a

sensibilidade das células à insulina já secretada pelo pâncreas.

Mesmo que seu diabetes fosse mantido sob razoável controle através de injeções de

insulina ou pelo tratamento via oral, os pacientes estão suscetíveis, depois de vários

anos, a desenvolver inúmeras outras condições, incluindo a doença vascular

periférica e a trombose coronariana. Além disso, o diabetes pode resultar em doenças

oculares – catarata e retinite – e doença renal. Ninguém compreende bem por que

estas complicações acontecem, embora possa ser, em parte, por causa dos níveis

anormais de açúcar no sangue por muito tempo ou por causa de outras substâncias

anormais no sangue, tais como ‘corpos cetônicos’. Como mostrarei no capítulo 19, há

uma razão para se acreditar que a doença arterial possa surgir devido ao constante

nível elevado de insulina. Discorrerei, então, a interessante associação entre diabetes,

sobrepeso e doença arterial, e o fato de que as pessoas com qualquer dessas

condições geralmente terem insulina em excesso no sangue.

Há diversas razões pelas quais acredito que comer muito açúcar é uma causa do

diabetes – principalmente do diabetes Tipo II, mas, possivelmente, do diabetes Tipo

I também. Primeiramente, há a evidência epidemiológica. Muito dela se assemelha à


que já citei em relação à trombose coronariana, mas aqui a evidência está repleta de

mais dificuldades ainda.

De certa forma, poderíamos esperar uma associação entre o diabetes e o açúcar da

dieta, ou qualquer outro fator ambiental, ser mais simples que a da trombose

coronariana, porque o diabetes é diagnosticado mais facilmente durante a vida. Mas,

de fato, não há muitos países que têm os recursos para levantamentos em grande

escala e razoavelmente elaborados que seriam necessários para detectar o diabetes

precocemente. E quanto às estatísticas de mortalidade, a dificuldade aqui é que as

pessoas com diabetes frequentemente morrem de uma ou outra das muitas

complicações da doença e a morte pode, então, ser atestada como devida às

complicações mais que ao próprio diabetes. Assim, a ciência está num terreno

bastante incerto sobre a prevalência do diabetes e eu só posso mostrar as opiniões

que são geralmente, mas não universalmente, defendidas pelos especialistas.

Eles acreditam que o diabetes é hoje muito mais prevalente nos países ricos do que

costumava ser. Se você olhar com cuidado, verificando o açúcar (glicose) na urina ou

testando o nível de glicose no sangue, você pode encontrar pelo menos diabetes leve

em algo como 2 por cento da população nos países ocidentais. Atualmente ele está,

como um todo, mais prevalente nesses países do que nos países mais pobres. Entre

as pessoas descendentes de indianos estudas pelo Dr G. D. Campbell em Natal, África

do Sul, há uma prevalência muito maior do que na própria Índia. A ingestão média

de açúcar em Natal parece ser de 50 quilos ou mais por ano; na Índia, está entre 7 e 9

quilos por ano. Além disso, há muito mais diabetes entre os indianos de Natal

razoavelmente ricos que entre os mais pobres.


Um outro estudo epidemiológico que vale a pena mencionar é o do Dr E. Ziegler, da

Suíça. Ele comparou a mortalidade por diabetes na Suíça com a ingestão de açúcar,

usando um novo método para avaliar isso, o ‘clima do açúcar’ – a quantidade total de

açúcar consumida por um período de anos. Demonstrou, então, que a mortalidade

por diabetes em um período de 20 anos está correlacionada, tanto em homens

quanto em mulheres, com esse ‘clima do açúcar’.

A visão de que o diabetes pode ser causado por comer açúcar tem sido mantida por

muitas pessoas há muito tempo. O nome ‘diabetes do açúcar’ se refere, naturalmente,

ao fato que o açúcar (glicose) é encontrado na urina de pessoas afetadas. Mas as

pessoas também usam o nome para se referir ao açúcar da dieta como uma causa da

doença, assim como a um de seus sintomas. Mais uma vez, por mais de 100 anos

antes que a insulina fosse descoberta, sabia-se que as dietas pobres em carboidrato e,

especialmente, em açúcar, eram o melhor tratamento para o diabetes.

Contudo, a primeira evidência epidemiológica detalhada, proposta por Sir Harold

Himsworth há uns 50 anos, sugeriu que a doença estava mais proximamente

associada ao consumo de gordura. Ele mostrou que a mortalidade da doença em

diferentes países era frequentemente proporcional à quantidade média de gordura

das dietas locais. Mas ele mesmo expressou surpresa por isso ser assim, sabendo que

uma dieta rica em gordura era o tratamento atualmente aceito para a doença.

Himsworth escreveu:

O fator dietético que acompanha essas mudanças [na mortalidade e prevalência de

diabetes] mais de perto é o consumo de gordura, e essa correlação é

surpreendentemente consistente… Somos, então, deixados com o paradoxo de que,

embora o consumo de gordura não tenha qualquer influência prejudicial sobre a


tolerância de açúcar e que dietas ricas em gordura realmente reduzem a

susceptibilidade dos animais a agentes diabetogênicos, a incidência de diabetes

humano está correlacionada com a quantidade de gordura consumida.

Olhando o problema novamente alguns anos mais tarde, eu imaginei se a dificuldade

de Himsworth surgiu ao fazer a suposição comum de que todo carboidrato seria

equivalente. Já que o consumo total de carboidrato é similar na maioria dos países,

não havia nenhuma razão para suspeitar dos carboidratos como uma causa do

diabetes. Mas quando você considera as diferentes formas de carboidrato, então você

encontra que a prevalência do diabetes está relacionada mais proximamente à

quantidade de açúcar dietético do que à gordura dietética. Isso é especialmente

verdadeiro se você levar em conta a probabilidade de que podem levar 20 anos ou

mais para a dieta causar diabetes, como sugere o Dr Campbell.

Quando eu relacionei o número de pessoas morrendo de diabetes em diferentes

países à quantidade de açúcar ou de gordura que foram ingeridos 20 anos antes, eu

encontrei uma alta correlação com o açúcar e nenhuma correlação com a gordura. O

tipo de relação com a gordura que é encontrado às vezes, e foi encontrado por

Himsworth, acontece porque, como referi, o consumo médio de gordura em

diferentes países está frequentemente relacionado a seu consumo de açúcar. A

explicação mais provável da situação, então, é que o consumo de açúcar é a causa do

diabetes e o consumo de gordura está relacionado somente secundariamente ao

diabetes, através da sua associação ao consumo de açúcar.

Um ano antes de eu fazer essas observações, um artigo muito interessante apareceu,

do professor Aharon Cohen de Israel. Ele testou pessoas quanto a presença de

diabetes, e o seu estudo foi especialmente interessante por duas razões. Primeiro, foi
feito com judeus, que dizem ter mais diabetes que os não-judeus. Segundo, ele foi

capaz de comparar as pessoas de quatro origens diferentes: pessoas da Europa

Ocidental e América; outros do Norte da África; outros do Iêmen que tinham

chegado recentemente em Israel; e alguns do Iêmen, que haviam chegado há mais de

20 anos.

Todos, exceto os imigrantes recentes do Iêmen, tinham uma prevalência similar de

diabetes. Mas os imigrantes recentes de Iêmen tiveram uma prevalência de 0,06 por

cento comparados com 2,9 por cento dos antigos imigrantes do Iêmen. Mais tarde,

Cohen e seus colegas mostraram, como eu mencionei em relação a seu estudo da

doença cardíaca, que a principal mudança na dieta dos iemenitas em Israel era um

grande aumento do consumo de açúcar; havia muito pouca mudança em sua ingestão

de gordura.

Enquanto eu estava no processo de revisão desta seção do ​Puro, Branco e Mortal

para a edição atual, um artigo apareceu no ​British Medical Journal​ relatando uma

pesquisa da prevalência do diabetes em 34.000 asiáticos e em 27.000 europeus,

todos moradores das proximidades de Londres. Verificou-se que o diabetes era quase

quatro vezes mais comum nos asiáticos que nos europeus. De acordo com o Dr Tom

Sanders, que está trabalhando no Departamento de Nutrição da Faculdade Queen

Elizabeth e que tem feito um estudo especial das dietas de imigrantes asiáticos, eles

comem significativamente mais açúcar que os europeus entre os quais vivem.

Além desses estudos epidemiológicos, existem agora muitas evidências

experimentais que o açúcar pode causar diabetes. Novamente, alguns dos primeiros

estudos foram aqueles do professor Cohen, e meus colegas e eu confirmamos seus

resultados. Ratos alimentados com açúcar desenvolvem uma tolerância diminuída à


glicose que se assemelha à condição observada no diabetes. Isto é, quando uma dose

de glicose é administrada via oral a um animal em jejum, o já elevado nível de glicose

aumenta a um nível ainda mais anormal e não retorna ao nível em jejum dentro da

usual hora e meia, duas.

Cohen mostrou que este comprometimento da tolerância à glicose ocorreu nos ratos

após três semanas aproximadamente quando havia 67 por cento de açúcar na dieta,

após seis semanas quando continha 40 por cento de açúcar e após aproximadamente

13 semanas com 33 por cento de açúcar. A tolerância à glicose se restabeleceu após

alguns dias em dieta normal. Quando a alimentação com açúcar foi retomada,

deteriorou-se outra vez, mas desta vez após somente alguns dias.

Mais tarde, o Professor Cohen trabalhou por alguns meses em meu departamento e,

mais uma vez, estudamos os efeitos de se alimentar ratos com açúcar. Desta vez,

injetamos tolbutamida, uma das drogas usadas no tratamento do diabetes. Ela

estimula o pâncreas a secretar insulina, que abaixa o nível de glicose no sangue. Nós

discutimos que, se o açúcar da dieta tornasse o rato um pouco diabético, ele não

estaria usando a glicose tão bem como ele normalmente fazia; a tolbutamida teria,

então, um efeito menor em baixar a glicose do sangue.

Isso foi justamente o que encontramos. Em um experimento, após oito semanas, a

injeção baixou a glicose sanguínea em 31 por cento nos ratos alimentados com amido

e em 26 por cento nos ratos alimentados com açúcar. Em um segundo experimento,

os números foram 32 por cento e 27 por cento.

Em seres humanos, uma dieta rica em açúcar mantida por diversas semanas mostrou

reduzir a tolerância ao açúcar e uma dieta pobre em açúcar por diversas semanas
mostrou melhorá-la. Nós mesmos medimos a tolerância à glicose no experimento

com os homens jovens, descrito anteriormente, onde foram alimentados com uma

dieta rica em sacarose por duas semanas.

No primeiro desses experimentos, não encontramos qualquer mudança. No segundo

experimento, encontramos uma melhora na tolerância à glicose após uma semana e

uma ligeira reversão tendendo ao normal após a segunda semana. Isso pode parecer

estranho; de fato, não é nada surpreendente. O primeiro efeito do açúcar seria

melhorar o uso da glicose pelo corpo pelo processo usual de adaptação. Isso ocorreria

aumentando a produção de insulina no pâncreas ou melhorando a sensibilidade dos

tecidos do corpo à ação da insulina. Mas, ao prosseguir com uma dieta rica em

açúcar, a adaptação diminuiria e seria substituída pela exaustão, e o uso da glicose

seria agora menor que o normal. Assim, a melhoria na tolerância à glicose que

mostramos após uma semana não contradiz a deterioração que as pessoas

apresentam após várias semanas. Nem haveria conflito no fato que não encontramos

qualquer mudança em nossa primeira experiência; poderíamos muito bem ter feito

nossas medidas em um ponto em que a deterioração em andamento praticamente

anulou as melhoras iniciais induzidas pelo açúcar.

Além da diminuição da tolerância à glicose encontrada no diabetes, há outras

características notáveis da doença. Neste momento é conveniente discuti-las com

algum detalhe em relação às experiências que nós e outros fizemos com açúcar.

O diabetes a longo prazo frequentemente causa a deterioração da visão por causa do

desenvolvimento de anormalidades na retina, uma condição conhecida como

‘retinopatia diabética’ ou ‘retinite’. Alguns anos atrás, o Professor Aharon Cohen

mostrou que o açúcar dietético produziu anormalidades no olho do rato. Usando


uma técnica muito delicada que mede a resposta elétrica da retina a um flash de luz,

ele e seus colegas encontraram uma resposta diminuída em ratos alimentados com

açúcar. Esta observação foi seguida por um estudo mais detalhado feito por um

grupo de Londres que incluía um dos meus colegas; eles concluíram, através de

exame bioquímico e microscópico cuidadoso, que as anormalidades da retina

produzidas pelo açúcar eram idênticas àquelas encontradas em ratos diabéticos.

Assim como produz um aumento no tamanho do fígado, o açúcar na dieta provoca

também aumento dos rins. Logo no início da história da pesquisa sobre os efeitos do

açúcar dietético, o Professor Aharon Cohen mostrou que os rins de seus ratos

alimentados com açúcar eram anormais, com, entre outras coisas, um aumento do

tecido fibroso entre os capilares sanguíneos. Após essa descoberta, nós mesmos nos

tornamos cada vez mais interessados nos efeitos do açúcar sobre os rins. Havia duas

razões para isso. A principal era nossa crescente percepção da grande similaridade

aos efeitos do diabetes, e a segunda foi a feliz coincidência que o Dr R. G. Price, do

Departamento de Bioquímica do Queen Elizabeth College, havia conduzido, por um

bom tempo, pesquisas sobre as mudanças bioquímicas que ocorrem em várias

doenças renais. Ele e seus associados descobriram que um sinal muito precoce dos

danos ao rim era o aparecimento na urina de um aumento considerável na

quantidade de uma enzima em particular. Ela tem o nome bem elaborado (mesmo

quando abreviado) de N-acetil-ß-glucosaminidase, mas é familiarmente conhecida

como NAG. E isso já é bom, pois seu nome completo tem, de fato, 56 caracteres, em

contraste com a forma ‘abreviada’ de 23.

Dada uma dieta com açúcar, os ratos mostram um aumento da NAG na urina e o

mesmo acontece com voluntários humanos que aumentam sua ingestão de açúcar.

Após os ratos ingerirem uma dieta com açúcar por um ano, era possível detectar
pequenos depósitos calcificados no rim. Eu não diria que isto prova que o açúcar

possa ser uma das causas de pedras nos rins; se for, certamente não é a única, já que

pedras nos rins ocorrem em populações que consomem pouco açúcar e são

conhecidas por serem comuns muito tempo antes de o açúcar se transformar em um

artigo considerável da nossa dieta nos países mais ricos. Por outro lado, já que a

maioria das pedras nos rins contêm oxalato de cálcio ou ácido úrico, talvez sejam

relevantes estudos terem mostrado que o açúcar dietético aumenta as quantidades

desses materiais na urina. Os investigadores que fizeram esse estudo também

disseram que os pacientes com pedras nos rins têm uma baixa tolerância à glicose,

como a encontrada em diabéticos.

Nosso próprio trabalho sobre rins no Queen Elizabeth College, entretanto, revelou o

que eu penso ser a evidência mais impressionante da relação entre o açúcar dietético

e o desenvolvimento do diabetes. Examinamos os rins de animais alimentados com

açúcar por microscopia eletrônica, que fotografa em ampliações de 10.000 vezes ou

mais. Observamos especialmente as membranas das células que compõem o vasto

número de minúsculas unidades filtrantes, os capilares glomerulares, onde o sangue

é filtrado no primeiro estágio do elaborado processo de produção da urina. Notamos

que essas membranas celulares eram muito mais grossas do que normalmente são.

Isso era especialmente interessante porque o espessamento da chamada ‘membrana

basal glomerular’ (MBG) é aceito como a anormalidade mais característica

encontrada no diabetes entre os pacientes que desenvolvem a ‘nefropatia diabética’ –

ou seja, doença renal.

A partir disso, alguns procedimentos bioquímicos muito sofisticados foram

realizados, nos quais as membranas basais glomerulares eram separadas e medidas

de seus componentes foram tomadas. Conseguimos uma boa evidência de um


aumento na produção de MBG, mostrando que diversas das unidades químicas

específicas que compõem a membrana estavam presentes em quantidades

aumentadas nos ratos alimentados com açúcar e que havia uma maior atividade da

enzima envolvida em produzir MBG com estas unidades.

Essas anormalidades produzidas pelo açúcar são exatamente similares àquelas

desenvolvidas em ratos que desenvolvem diabetes por outros motivos.

A importância desta pesquisa pode ser julgada pelo fato que, no Reino Unido, cerca

de 15 por cento dos pacientes com insuficiência renal, tratados ou não com

transplante renal ou diálise, desenvolveram sua condição a partir do diabetes,

enquanto na América, ele é responsável por 25 por cento dos pacientes que se

submetem ao tratamento da doença renal.

No diabetes tipo II, a principal característica da doença não é a falha do pâncreas em

produzir sua quantidade normal de insulina, mas uma falha dos tecidos do corpo em

reagir suficientemente à insulina que é produzida. Isso pode ser facilmente

demonstrado no laboratório. Um pequeno pedaço de tecido é colocado em um

recipiente e um ou outro dos processos metabólicos que envolvem a insulina é

medido. Por exemplo, você pode pôr um pouco de glicose com um pedaço de tecido

muscular em um recipiente fechado e ver o quão rapidamente ele usa oxigênio ou

produz dióxido de carbono, enquanto o tecido oxida a glicose. Ou você pode colocar

um pedaço de tecido adiposo em um recipiente e medir a taxa que a gordura nova é

produzida. Se você fizer agora a mesma experiência e adicionar insulina, você

encontrará que a oxidação ou a formação de gordura foram objetivamente

aceleradas. Mas se você repetir tudo isso com um pedaço de tecido de um animal

diabético, ou de uma pessoa com diabetes tipo II, a adição de insulina faz quase
nenhuma ou nenhuma diferença à velocidade dessas reações; ou seja, o tecido

diabético é resistente à insulina. (O mesmo fenômeno, embora geralmente menos

pronunciado, pode ser visto nas pessoas que estão com sobrepeso significante; este é

um outro fato ao qual retornarei adiante.)

Experiências similares foram realizadas com animais alimentados com açúcar por

algumas semanas. Foram primeiramente relatados por pesquisadores na

Checoslováquia e, depois, por nós, no Queen Elizabeth College. Tanto no músculo

como no tecido adiposo, a inclusão de açúcar na dieta dos animais produz resistência

à insulina. Em uma de nossas experiências, a taxa da síntese de gordura no tecido

adiposo de animais alimentados com amido aumentou em aproximadamente 140 por

cento quando a insulina foi adicionada; no tecido adiposo de animais alimentados

com açúcar, por outro lado, a insulina não produziu qualquer aumento.

A diferença entre os efeitos da alimentação em curto prazo de açúcar e os efeitos da

alimentação em longo prazo pode ser importante, embora seja frequentemente

ignorada. Geralmente se diz que a concentração de glicose no sangue antes do café da

manhã – a chamada glicemia em jejum, a qual é elevada em diabéticos – não é

afetada pela adição de açúcar em uma refeição no dia anterior. Nem afeta a

tolerância à glicose – a resposta da concentração de glicose no sangue a uma dose de

glicose – nem a resposta simultânea da concentração de insulina. Mas isto não deve

significar que o açúcar possa ser consumido por diabéticos, mesmo em quantidades

moderadas, como uma parte regular da dieta. Como nós vimos, é necessário apenas o

consumo regular de açúcar diariamente por duas ou três semanas para produzir uma

diminuição significativa na tolerância à glicose e, em pessoas suscetíveis, um

aumento significativo na concentração da insulina em jejum no sangue.


Infelizmente, muitas pesquisas recentes que afirmam que um diabético pode

consumir açúcar impunemente dependem dos resultados de testes com o açúcar

dado em uma única refeição.

Por fim, devo mencionar a relação entre o diabetes e a doença coronariana, que

ocorre em ambos os sentidos. Por um lado, se você é diabético você tem uma

oportunidade maior do que o normal de sofrer de doença coronariana. Por outro

lado, se você tiver doença coronariana, você tem uma possibilidade maior que a

normal de desenvolver diabetes – ou pelo menos de ter uma tolerância à glicose

diminuída, que é chamada às vezes de ‘diabetes pré-clínico’. Eu acredito que esse tipo

de sobreposição é importante quando você tenta compreender como o açúcar pode

estar envolvido em causar essas duas doenças.

Hipoglicemia

As pessoas que melhor conhecem essa condição são diabéticos. Mais cedo ou mais

tarde eles se deparam com a situação de ter tomado muita insulina, ou uma das

novas drogas orais, e começam os sintomas muito incômodos da hipoglicemia (um

nível baixo de glicose no sangue), às vezes até levando à inconsciência. Mas a

hipoglicemia ocorre também em muitas pessoas que não são diabéticas, embora

raramente seja tão grave a ponto de as deixar inconscientes.

Você começa sentindo fome e fraqueza, e você pode começar a suar. Você pode,

então, começar a tremer, ter sensação de desmaio e tontura, e ter uma forte dor de

cabeça. Se persistir, você pode começar a ficar mentalmente confuso, cambalear e


falar indistintamente ou sem sentido. Neste momento você poderia até mesmo ser

preso por estar bêbado e desordeiro.

Todos esses sintomas acontecem porque sua glicose sanguínea caiu a um nível

anormalmente baixo. É fácil compreender como isso acontece em diabéticos, que

podem ter tomado muita insulina ou uma pílula para abaixar o açúcar do sangue, e

então pulado seu café da manhã habitual por alguma interrupção. Também é fácil de

compreender a forma como ocorre nos casos raros em que um paciente tem um

tumor do pâncreas causando uma proliferação das suas células produtoras de

insulina.

A maneira que acontece nas outras pessoas é geralmente devido ao consumo de

muitos carboidratos, especialmente açúcar. O efeito de comer qualquer refeição é o

aumento do nível de açúcar no sangue. Se açúcar ou amido ou glicose estiverem na

refeição, então toda ou uma parte deles se transformam em glicose no sangue

rapidamente. Se a proteína ou a gordura estiverem presentes na refeição, então parte

dos seus produtos da digestão também serão convertido em glicose, mas mais

lentamente; além disso, eles retardam a absorção de todos os alimentos.

O aumento da glicose no sangue é somente temporário, porque um de seus efeitos é

estimular o pâncreas a produzir mais insulina. Isso causa tanto um aumento na

quebra da glicose do sangue, quanto um aumento da sua conversão em glicogênio, a

ser armazenado nos músculos e no fígado. Como consequência, o nível de glicose

volta ao normal. Uma absorção mais rápida que a normal de uma grande quantidade

de glicose ocorre se uma grande quantidade de açúcar for consumida, especialmente

se for entre as refeições, quando não há nenhum outro alimento no estômago que

possa retardar sua absorção. Há então um rápido aumento de glicose no sangue e


uma quantidade excessiva de insulina é secretada. Por causa disso, a queda

subsequente da glicose no sangue é excessiva, o nível torna-se anormalmente baixo e,

se estiver baixo o bastante, sintomas de hipoglicemia aparecerão.

Há alguma evidência, também, de que o consumo elevado e continuado de açúcar

pode, pelo menos por um momento, resultar em um aumento da sensibilidade do

pâncreas, de modo que responda ainda mais prontamente ao aumento da secreção

da insulina, e a hipoglicemia se torna ainda mais provável de acontecer.

Então como você trata a hipoglicemia? Bem, se você não se incomodar em pensar nas

consequências do processo que eu acabei de descrever, claramente você trata uma

pessoa com açúcar baixo dando-lhes um torrão de açúcar para comer ou uma bebida

açucarada. E o efeito é consideravelmente milagroso: dentro de alguns minutos todo

o suor e fraqueza e tonturas desaparecem. Mas lembre-se do que discutimos e você

verá que isso, embora eficaz, é, em longo prazo, justamente o que não deve ser feito,

porque o aumento rápido da glicose no sangue pode ser seguido por uma queda

rápida.

O que você deve fazer é impedir essas grandes oscilações da glicose no sangue.

Somente os alimentos que resultam em um leve aumento do açúcar no sangue devem

ser comidos, de modo que uma excreção excessiva de insulina não seja evocada pelo

pâncreas. É por isso que o melhor tratamento para uma falta de açúcar (glicose) no

sangue é o tratamento paradoxal de evitar açúcar (sacarose) em sua dieta tanto

quanto possível.

Deixem-me fazer aqui uma observação sobre a hipoglicemia em bebês. Os bebês

prematuros às vezes sofrem de hipoglicemia, presumivelmente porque seu controle


hormonal do nível de glicose sanguínea ainda não se tornou apropriadamente

equilibrado. Isto pode ser muito grave, e os bebês prematuros sabidamente podem se

tornar inconscientes ou até mesmo morrer de hipoglicemia. Por ser, esta, uma

situação aguda e perigosa, o melhor tratamento em tal emergência é dar-lhes açúcar

(sacarose) ou, melhor ainda, dar-lhes glicose pela boca ou até mesmo via

intravenosa.

Seria de se esperar que os bebês não prematuros não desenvolvessem a hipoglicemia

assim prontamente, mas ainda podem ser mais sensíveis ao efeito prejudicial do

açúcar que adultos. Quando você considerar o quão precocemente dão açúcar aos

bebês, e quanto, talvez não seja tão surpreendente quanto parece ser um aumento no

número de bebês que desenvolvem hipoglicemia quando estão alguns meses mais

velhos.

Parece haver uma crença, especialmente na América, que a hipoglicemia é bem

comum. Minha própria visão é que, embora a hipoglicemia não seja exatamente rara,

ela não ocorre tão comumente quanto frequentemente se diz. Em particular, a

repetida afirmação (outra vez, especialmente na América) que o açúcar da dieta pode

causar hiperatividade em crianças e delinquência em jovens não foi fundamentada.

Diz-se que ambas as condições estão relacionadas à hipoglicemia e podem ser

curadas eliminando-se o açúcar da dieta ou, pelo menos, reduzindo-o

consideravelmente. Apesar da sugestão de que essas afirmações foram demonstradas

através de experimentos rigorosamente conduzidos, uma análise mais detalhada dos

métodos utilizados mostra que o caso está longe de ser provado.

A relação entre doença coronariana e diabetes


Descrevi com alguns detalhes porque penso que o açúcar é uma das causas do

diabetes e também da trombose coronariana. Esses não são os únicos quadros nos

quais eu acredito que o açúcar está envolvido, mas são provavelmente os mais

importantes. Antes de passar para os outros quadros, entretanto, vou resumir os

argumentos que usei em relação à doença coronariana porque – além de reunir o que

eu espalhei em muitas páginas – isso ajudará também a tornar clara a estreita

relação entre a doença coronariana e o diabetes.

A melhor forma de fazer isso é descrevendo as principais características da doença

coronariana. São elas:

1. A grande variedade de anormalidades encontradas nos pacientes.


2. A multiplicidade de causas, que incluem tabagismo, sedentarismo,
excesso de peso, doença vascular periférica e diabetes.
3. A diferença na incidência entre homens e mulheres.
4. A associação com outras doenças, particularmente com diabetes, mas
também hipertensão, gota, doença da vesícula biliar, úlcera péptica e
doença vascular periférica.

Eu expus na tabela algumas das anormalidades mais importantes encontradas na

doença coronariana; todas elas também são encontradas no diabetes do adulto.

Características nas quais anormalidades são


comumente encontradas na doença
coronariana e no diabetes

Tipo II
Doença cardíaca No sangue Em outros itens

coronariana Colesterol Tolerância à glicose

Sensibilidade à
Triglicerídeo
insulina

Agregação plaquetária Colesterol HDL

Eletroforese de
Ácido úrico
plaquetas

Glicose Pressão arterial

Insulina

Cortisol

Estrogênio

Diabetes Tipo II como acima, juntamente com retinite e nefropatia

Todas essas anormalidades podem ser produzidas pelo açúcar da dieta.

É difícil acreditar que esta larga gama de anormalidades observadas na doença

coronariana possa surgir simplesmente a partir de um distúrbio na maneira com que

o corpo lida com a gordura da dieta, ou simplesmente de um distúrbio no controle do


corpo da quantidade de colesterol no sangue. É muito mais provável que tal

complexo de relações e de anormalidades seja causado por um distúrbio do

equilíbrio hormonal. Em particular, a insulina, o cortisol e o estrogênio afetam

muitas funções e boa parte da química do organismo. Mais que isso, um distúrbio na

atividade de um desses hormônios comumente leva a um distúrbio na atividade de

um ou mais dos outros hormônios. Não é difícil, então, imaginar que o resultado

poderia muito bem ser o fundamento do surgimento de mais que uma doença.

A sugestão de que a doença coronariana é causada por um desequilíbrio hormonal do

corpo não é novidade, embora algumas das sugestões mais antigas agora estejam

quase esquecidas. O possível papel dos hormônios pode ser deduzido quase que

automaticamente a partir da considerável proteção que as mulheres têm antes da

menopausa. A sugestão original sobre a participação hormonal foi feita já em 1956.

Um grupo dos pesquisadores observou que mulheres jovens com diabetes são

especialmente suscetíveis a desenvolver a doença coronariana e sugeriu que sua

‘perda de imunidade à aterosclerose coronariana’ poderia ser devida aos efeitos das

injeções de insulina que lhes são dadas. E, em 1961, outro grupo de pesquisadores

escreveu: ‘claramente, qualquer declaração a respeito da etiologia [causa] da doença

coronariana terá que explicar a proporção entre os sexos’, e eles terminam por dizer

que isso sugere fortemente uma causa hormonal da doença.

Outros pesquisadores também sugeriram que a trombose coronariana poderia

dever-se a uma concentração anormalmente elevada de insulina circulante no

sangue. Há várias evidências que suportam essa sugestão, a mais óbvia é que a

maioria dos pacientes com a doença tem um elevado nível de insulina no sangue.

Além disso, várias das causas da doença coronariana são geralmente acompanhadas

de uma elevada concentração de insulina no sangue; entre elas o tabagismo, o


excesso de peso, a doença vascular periférica e o diabetes tipo II. Terceiro, a redução

do peso excessivo e atividade física aumentada, ambos fatores que reduzem o risco

de desenvolver doença coronariana, resultam em uma queda nos níveis de insulina.

Em quarto lugar, experimentos com ratos mostraram que a administração de

insulina produz uma quantidade aumentada de colesterol depositado na principal

artéria do corpo, a aorta.

Quanto ao açúcar, o fato mais relevante é que cada uma das anormalidades vistas na

doença cardíaca coronariana e no diabetes pode ser produzida pela inclusão de

açúcar na dieta.

16. Uma dor no meio

F​oi quase por acidente que eu fiquei interessado na relação entre o açúcar e a
indigestão severa, ou dispepsia. Eu estava envolvido num estudo sobre obesidade e

no seu tratamento por um bom tempo. Por inúmeras razões teóricas, eu comecei,

alguns anos atrás, a tratar pessoas com dietas restritas em carboidrato. No início,

essas dietas foram restritas, ​na maior parte,​ em carboidratos, mas também um tanto

restritas em gordura. Após dois ou três anos, entretanto, percebi que era necessário

restringir apenas o carboidrato, porque, na prática, se você fizer isso, você

automaticamente restringe a gordura.

Por muitos anos recomendei essa dieta a todas as muitas pessoas com sobrepeso que

eu via, no hospital ou no meu departamento da universidade. Como mostrei no

capítulo 2, tal dieta assemelha-se mais ao que nossos ancestrais comeram durante

pelo menos dois milhões de anos de evolução. A teoria por trás dela é explicada mais
inteiramente em ​The Penguin Encyclopaedia of Nutrition​. A dieta permite que você

coma o quanto quiser de carne, peixes, ovos, vegetais folhosos, manteiga, margarina,

creme ou qualquer óleo ou gordura. Recomenda que você coma até 250 gramas de

frutas por dia e meio litro de leite. Você recebe uma lista com a quantidade de

carboidratos dos alimentos e bebidas em unidades de cinco gramas, que eu chamo de

Unidades de Carboidrato, e você deve ingerir cerca de dez delas por dia.

Minhas entrevistas com pacientes com sobrepeso começou com perguntas gerais

sobre a saúde e algumas delas eram sobre indigestão. ‘Você tem indigestão ou a

algum tipo de dor ou desconforto após as refeições? Onde é a dor? Que tipo de dor é?

Com que frequência você a tem? Quanto tempo dura? O que você toma para

aliviá-la?’ Depois de muitas outras perguntas sobre sua saúde, os pacientes são

examinados, pesados ​e medidos. Depois de algumas semanas de consultas repetidas,

eu volto a essas perguntas e encontro, por exemplo, que, depois de perder algum

peso, não estão tão ofegantes, nem tão cansados, não têm nenhuma dor em suas

juntas do quadril, já não sofrem com tornozelos inchados ao fim do dia.

Todas essas mudanças eu esperava, mas como observei primeiramente anos atrás,

muitos deles disseram também, com surpresa, que minhas perguntas os lembraram

que tinham parado de ter indigestão. E este alívio foi observado não logo após a

perda de peso, mas quase a partir do momento que tinham começado a dieta de

baixo carboidrato.

Deixem-me interpor minha experiência pessoal. Quando eu era jovem, eu sofria de

dispepsia severa, e fui diagnosticado com uma úlcera duodenal. Me deram o que era

então um conselho muito atualizado: não ser operado a não ser que seja imperativo,

continuar com meu trabalho, ‘pegar leve’ e não ficar esgotado demais, e evitar
alimentos condimentados, comer mais frequentemente e fazer pequenas refeições.

Gradualmente desisti de bolos e pastéis também, porque descobri que eu sempre

tinha azia após esses alimentos. Mas eu tinha ainda com muita freqüência que tomar

antiácidos, tais como o trisilicato de magnésio ou de alumínio.

Descobri mais tarde, como vários homens muito sedentários de meia-idade, que eu

estava começando a ganhar peso. Obviamente, reduzi minha ingestão de

carboidratos muito consideravelmente, como eu havia recomendado meus pacientes

a fazerem, e isso colocou meu peso sob controle. De repente, alguns meses depois,

notei que minha indigestão tinha desaparecido quase que completamente.

Na força dessas observações, decidi testar apropriadamente a ideia de que uma dieta

de baixo carboidrato realmente alivia os sintomas da indigestão. Esse foi uma tarefa

mais considerável do que você poderia imaginar.

A indigestão severa frequentemente ocorre nas pessoas que estão sob muito estresse,

e por isso seus relatos não são muito confiáveis. Em segundo lugar, a indigestão vem

frequentemente em crises – algumas semanas de dor e então, sem nenhuma razão

aparente, algumas semanas, ou mesmo meses, sem qualquer dor. Caso você faça

algum tratamento – qualquer tipo de tratamento – antes que você tenha uma dessas

remissões, você provavelmente acreditará que foi o tratamento que o deixou melhor.

Em terceiro lugar, nenhum médico tem uma medida objetiva e certa de quanta dor

outras pessoas estão experimentando; você tem que aceitar sua própria estimativa se

esta indigestão é melhor ou pior, e se é ligeiramente ou consideravelmente melhor ou

pior.
Não obstante, eu achei que valeria a pena tentar descobrir se uma dieta de baixo

carboidrato melhoraria os sintomas da dispepsia. Então preparamos um esquema

bastante abrangente de experimentos que eliminariam as dificuldades, ou pelo

menos as minimizariam. Os testes foram realizados no King’s College Hospital, em

Londres. Solicitamos aos clínicos e cirurgiões a encaminhar qualquer um que os

busque queixando-se de dispepsia severa que tenha persistido, mesmo que não

continuamente, por mais de seis meses. Muitos tinham sintomas há cinco anos ou

mais. Os únicos pacientes não incluídos em nossa experiência eram aqueles que iram

ser operados da sua enfermidade.

Cada paciente foi cuidadosamente questionado, examinado por um médico, e então

encaminhado a um nutricionista. Pacientes foram instruídos a seguir o tratamento

dietético convencional de então ou a dieta de baixo carboidrato O tratamento

convencional consiste em dizer aos pacientes para evitar frituras e alimentos

irritantes como picles ou alimentos que condimentados, para fazer refeições

pequenas e frequentes, e para evitar o álcool, especialmente com o estômago vazio.

Periodicamente, cada paciente voltou ao médico para a avaliação do progresso de sua

condição, e ao nutricionista para verificar a dieta que estava seguindo. O médico não

sabia que dieta cada paciente seguia; o nutricionista não sabia se os pacientes

estavam melhorando.

Após três meses, as dietas dos pacientes foram invertidas, de modo que aqueles que

seguiam a dieta convencional foram transferidos para a dieta de baixo carboidrato, e

aqueles da dieta de baixo carboidrato foram transferidos para a dieta convencional.

O experimento prosseguiu por outros três meses.


Em condições de experimentos tão rigorosas, não ficamos surpresos por levarmos

mais de dois anos para reunir informações sobre 41 pacientes que se consultaram

regularmente por seis meses, e, como melhor poderíamos avaliar, aderiram às nossas

instruções . Dos registros detalhados mantidos pelo médico, ele e eu então avaliamos

separadamente o progresso total dos pacientes e os classificamos como não tendo

mostrado nenhuma mudança, ou tendo referido diversos graus de melhora ou de

deterioração ao final de cada período de três meses. Nossa avaliação diferiu em

somente um ou dois casos a respeito do grau de mudança, mas nehuma vez nós

discordamos a respeito de se o paciente relatou que estava melhor ou pior ou apenas

o mesmo. Era somente após a avaliação clínica que olhávamos para ver se o paciente

tinha começado com a dieta de baixo carboidrato ou com a outra dieta.

Em resumo, os resultados são muito claros. Dos 41 pacientes em nosso estudo, dois

disseram que estavam piores com a dieta de baixo carboidrato, onze disseram que

não tiveram nenhuma diferença com uma ou outra dieta, mas uma maioria decidida

– 28 – disse que estava muito melhor com a dieta de baixo carboidrato. Alguns deles

tinham bastante certeza de que a melhora foi tão grande que nada na Terra iria

fazê-los abandonar a dieta de baixo carboidrato. Um disse, ‘Estou melhor agora que

nos últimos cinco anos.’ Outro foi ainda mais entusiástico: ‘Eu nunca me senti tão

bem na minha barriga em toda a minha vida.’ Os pacientes incluíram homens e

mulheres, alguns com úlceras gástricas ou duodenais, alguns com hérnia de hiato, e

alguns que provavelmente tinham úlceras que, como ocorre frequentemente, não

foram reveladas pelo exame de raios-X.

Esses resultados, naturalmente, nos agradaram bastante. Eles sugeriam que a

indigestão crônica e severa, por diversas causas, poderia ser aliviada

consideravelmente somente através da dieta em torno de 70 por cento dos pacientes.


Esses resultados eram especialmente positivos porque, nos último anos, havia um

crescente desapontamento com os resultados do tratamento dietético dessas

enfermidades. Diversos pesquisadores tinham colocado pacientes em ‘dietas

gástricas’ restritas – peixe no vapor, carne branca, purê de batatas, pudins de leite –

ou na dieta mais liberal mas ainda bem convencional que eu descrevi acima. Todos

esses investigadores tinham concluído que as dietas não pareciam aliviar a dispepsia

severa de seus pacientes, tivessem eles, ou não, uma úlcera diagnosticada. Agora já

não podemos dizer que a dieta não alivia a dispepsia severa. A dieta certa pode muito

bem melhorar; mas, naturalmente, a dieta errada não.

A dieta pobre em carboidratos utilizada em nosso estudo era restrita em amido e

açúcar. Por várias razões, suspeitamos que era a redução no açúcar o principal

responsável pela melhora que vimos, por isso, realizamos uma nova experiência para

avaliarmos o efeito do açúcar em uma dieta normal. Trabalhando com homens

jovens, persuadimos sete deles a engolir uma sonda gástrica logo pela manhã. Eles

fizeram isso antes e novamente após duas semanas de uma dieta rica em açúcar.

Através desse tubo, obtivemos amostras de seus sucos gástricos em repouso, e, em

seguida, novas amostras eram colhidas em intervalos de 15 minutos após ingerirem

uma ‘refeição-teste’ branda, composta basicamente de pectina. Cada amostra foi

analisada de forma padrão, principalmente medindo o grau de acidez e de atividade

digestiva.

Os resultados mostraram que duas semanas de uma dieta rica em açúcar causavam

um aumento na acidez e na atividade digestiva do suco gástrico, um tipo de mudança

que você encontra frequentemente em pessoas com úlcera gástrica ou duodenal. A

dieta rica em açúcar aumentou a acidez em 20 por cento; a atividade enzimática

aumentou quase três vezes. É bom lembrar que esses efeitos foram observados no
início da manhã, antes do desjejum – duas semanas em dieta rica em açúcar tinham

tornado a mucosa gástrica muito mais sensível ao leve estímulo da refeição-teste de

pectina.

Úlcera péptica

As nossas experiências com indigestão foram realizadas antes da cimetidina e da

ranitidina, novas drogas que se tornaram disponíveis para o tratamento das úlceras

gástricas e duodenais. Nove dos pacientes dispépticos que tínhamos tratado, dos

quais seis tinham melhorado com a nossa dieta, tinham sido diagnosticados com

uma ou outra dessas úlceras pépticas. Hoje, essas drogas são usadas para dar um

bom e rápido alívio para a maioria desses pacientes, e suas úlceras geralmente

cicatrizam. Embora os sintomas provavelmente retornem, eles possivelmente serão

aliviados outra vez pela retomada do tratamento medicamentoso. As dietas

restritivas, consequentemente, são atualmente usadas com menos frequência do que

eram para o tratamento dessas úlceras.

Não obstante, sempre há desvantagens no tratamento medicamentoso a longo prazo.

Embora a cimetidina e, especialmente, a ranitidina raramente provoquem efeitos

colaterais, às vezes eles ocorrem. Além disso, há atualmente cada vez mais médicos, e

especialmente pacientes, que relutam em embarcar em um tratamento com uma

droga que possa continuar indefinidamente, mesmo que com interrupções. É minha

opinião que os pacientes devem ser incentivados a tentar uma dieta de baixo

carboidrato antes que a decisão pela terapia medicamentosa seja tomada.


Pacientes com úlcera duodenal mostram-se com uma tolerância à glicose diminuída

e um aumento da insulina no sangue: duas das características produzidas por uma

dieta rica em açúcar.

Hérnia de hiato

O tipo de dispepsia que talvez tenha resposta mais impressionante para a dieta de

baixo carboidrato é a hérnia de hiato. Para entender essa condição, você tem que

imaginar o esôfago passando através do diafragma depois que deixa o tórax e entra

no abdômen para se juntar ao estômago. Se existir uma fraqueza no diafragma perto

de onde passa o esôfago, então a pressão no abdômen, por qualquer motivo, pode

empurrar parte do esôfago abdominal e a porção adjacente do estômago de volta

através da parte fraca do diafragma Os sintomas usuais são queimação que ocorre

logo após uma refeição, um sentimento de plenitude excessiva do estômago e,

frequentemente, uma dor severa. Já que o alimento não pode facilmente alcançar o

estômago, parte de seu conteúdo pode retornar ao esôfago. O ácido do estômago

pode agora irritar o esôfago e o resultado é a chamada ‘esofagite de refluxo’. A dor

ocorre principalmente à noite, e é aliviada consideravelmente se o paciente sentar-se.

O tratamento usual inclui recomendar ao paciente comer refeições pequenas e não

irritantes, consistindo de alimentos brandos, como a chamada ‘dieta gástrica’. A

última refeição deve ser feita cedo em vez de imediatamente antes de ir para a cama.

O paciente deve evitar de dobrar-se, levantar pesos ou se esforçar, e deve diminuir o

peso excessivo; dormir com a cabeceira elevada também pode ajudar a melhorar a

dor.
A maioria desses conselhos vale a pena seguir. No entanto, nossa experiência indica

que uma dieta ainda melhor é aquela em que o carboidrato é consideravelmente

restrito e o açúcar, praticamente eliminado. Muitos pacientes relataram que,

adotando essa dieta, encontraram um alívio significativo pela primeira vez.

Pedras na vesícula

Uma das enfermidades que muitas vezes se apresenta simplesmente como indigestão

são os cálculos biliares. Os cálculos, que quase sempre contêm uma concentração

elevada de colesterol, acumulam-se frequentemente na vesícula bilar, onde

produzem inflamação, ou colecistite. Os cálculos biliares estão presentes em 20 por

cento ou mais dos adultos (e um pouco mais frequentemente em mulheres que em

homens), mas cerca de metade dessas pessoas nunca tem sintomas. Entretanto, de

acordo com um livro atualizado de medicina, ‘em países prósperos, a incidência de

cálculos biliares parece estar aumentando e ocorrendo em uma idade mais precoce.’

Aqueles indivíduos que têm sintomas de cálculos biliares, e que, consequentemente,

foram investigados, geralmente têm uma ou duas características adicionais. Dentre

elas diabetes tipo II, hérnia de hiato, um aumento da concentração de triglicérideo e

de insulina no sangue, e obesidade; por exemplo, pacientes com cálculos biliares

pesam, em média, 5,5 kg a mais que pacientes sem os sintomas da doença. Tudo isso

nos faz pensar que, uma vez mais, estamos lidando com uma doença onde o açúcar

da dieta pode estar envolvido. Essa sugestão foi reforçada pelo fato de que um dos

pacientes cuja dispepsia foi melhorada consideravelmente em nosso ensaio da dieta

de baixo carboidrato era um paciente cuja dispepsia havia sido diagnosticada pelo

seu médico como causada por cálculos biliares. Isso nos deixou com a ideia de que
talvez a litíase biliar, bem como sua indigestão, tivessem sido causadas por sua dieta

habitual com açúcar.

Após completarmos o estudo, alguns pesquisadores da Nova Zelândia relatarm ter

encontrado que pacientes com cálculos biliares tendiam a ingerir mais açúcar que

pessoas da mesma idade, sexo e ocupação que não tinham cálculos biliares; eles

também demonstraram uma maior concentração de insulina no sangue. O artigo

refere-se a 124 homens e a 219 mulheres com cálculos biliares, que foram

comparados a 111 homens normais e 211 mulheres normais. Os resultados

mostraram que as pessoas com cálculos biliares, tanto homens como mulheres,

ingeriam mais açúcar, principalmente em bebidas e confeitos, que os indivíduos do

grupo controle. Os autores calcularam que um aumento no consumo diário de açúcar

em 40 gramas – equivalente a duas colheres de açúcar em cada uma das três ou

quatro xícaras de chá ou café – mais que dobrava o risco de o indivíduo desenvolver

litíase biliar.

Novamente, outros pesquisadores descobriram que o açúcar na dieta poderia

produzir cálculos biliares em hamsters e em cães. A pesquisa mais recente, na

Inglaterra, mostrou que os vegetarianos tem menos chances de ter cálculos biliares

que os carnívoros. Isso poderia ser devido a algo na carne que promove cálculos

biliares, ou a algo nos vegetais que impede sua formação. Mas pode muito bem ser

devido ao fato que os vegetarianos tendem a utilizar menos açúcar refinado e bebidas

e alimentos menos açucarados.

Doença de Crohn
A doença de Crohn é uma condição desagradável do tubo digestivo que afeta

principalmente homens e mulheres entre os 20 e 40 anos. Suas características

principais são crises de dor com diarreia; a dor pode ser tão severa que pode imitar

apendicite. Ela pode afetar qualquer parte do trato digestivo. Ninguém sabe a causa

da doença de Crohn, e não há até agora nenhum tratamento satisfatório.

Ocasionalmente é necessário remover a parte do intestino que é particularmente

afetada.

Em um estudo em Bristol, Inglaterra, 30 pacientes com doença de Crohn

recentemente diagnosticada foram questionados sobre sua dieta habitual antes de

desenvolverem a doença. Essas dietas foram comparadas então às dietas de 30

pessoas saudáveis pareadas quanto a idade, o sexo e a classe social. Descobriu-se que

os pacientes consumiam 122 gramas de açúcar por dia em média, comparados aos 65

gramas dos indivíduos controle. Sua ingestão de fibra na dieta era ligeiramente mais

baixa, de 17,3 gramas, comparados aos 19,2 gramas. Em outros aspectos, as dietas

eram basicamente as mesmas para os pacientes e indivíduos controle.

Os médicos de Bristol recomendaram então a seus pacientes uma dieta que fosse rica

em fibra e baixa em açúcar. Compararam essas dietas e as respostas dos pacientes a

esse tratamento durante uma média de 52 meses com as dietas e respostas de uma

série cuidadosamente pareada de pacientes que tinham se consultado na mesma

clínica em anos anteriores.

Os resultados mostraram que os pacientes atuais foram internados por um total

médio de 111 dias durante o estudo de 52 meses, comparados a uma média de 533

dias para os pacientes que não estavam na nova dieta. A ingestão de açúcar dos
pacientes atuais havia sido reduzida a 30 gramas por dia, em comparação aos 90

gramas dos pacientes não tratados com dieta.

Esses achados foram confirmados por um estudo similar na Itália de 109 pacientes

com doença de Crohn. Lá se calculou que uma dieta com um conteúdo elevado de

açúcar aumentou duas vezes e meia o risco de desenvolver a doença.

Os italianos examinaram também as dietas das pessoas que desenvolveram colite

ulcerativa. Essa é uma enfermidade com algumas semelhanças à doença de Crohn,

exceto que afeta somente o intestino grosso (o cólon), e não há nenhuma constrição

no intestino, mas sim úlceras. Estas podem tornar-se tão severas e tão profundas a

ponto de perfurar o intestino. O principal sintoma são crises de diarreia severa com

sangue e, por vezes, pus nas fezes. Em alguns pacientes é difícil distinguir entre colite

ulcerativa e doença de Crohn. O estudo italiano envolveu 124 pacientes. Da avaliação

de suas dietas, os investigadores calcularam que, também aqui, um consumo elevado

de açúcar aumentou a possibilidade de desenvolver a colite ulcerativa em duas e

meia vezes comparada à das pessoas com um consumo baixo do açúcar.

17. Um anfitrião de doenças

Q​uero agora mencionar um número de condições completamente independentes


nas quais há evidências, com forças muito diversas, de que o açúcar possa estar

involvido.
Danos aos olhos

Os oftalmologistas se perguntam há um bom tempo se a nutritição poderia afetar a

maneira como o olho se desenvolve e, por conseguinte, afetar condições tais como

miopia e hipermetropia. Havia algumas sugestões que a miopia ocorria em crianças

quando suas dietas eram pobres em proteína. A pesquisa na qual essa noção foi

baseada não foi considerada aceitável pelos especialistas, e não há atualmente

nenhum apoio a essa opinião. Um dos meus colegas, junto com um oftalmologista,

examinou o problema fazendo alguns experimentos com ratos. Eles também não

conseguiram detectar qualquer efeito com dietas que fossem simplesmente

deficientes em proteína.

Estudaram então os efeitos das dietas que eram pobres em proteína mas também

ricas em açúcar, os tipos de dietas sabidamente comuns entre as populações

rapidamente crescentes das grandes cidades nas partes mais pobres do mundo. Em

um experimento, alimentaram ratos com dietas pobres em proteína e com ou sem

açúcar. Após seis ou sete meses, ambos os grupos tinham crescido mal quando

comparados com os ratos controle alimentados com uma dieta normal, rica em

proteínas. Os investigadores não encontraram qualquer diferença significativa da

refração entre os ratos normais e aqueles na dieta pobre em proteína e rica em

amido, mas os ratos alimentados com dieta pobre em proteína e rica em açúcar

tiveram um grau considerável de miopia, chegando a uma dioptria.

Em um segundo experimento, pegaram três outros grupos de ratos: um grupo foi

colocado em uma dieta normal; o segundo, numa dieta pobre em proteína mas com

açúcar; o terceiro grupo, numa dieta normal, mas em quantidade restrita, de modo
que os ratos crescessem com a mesma baixa velocidade que os ratos na dieta com

açúcar. Após nove semanas, não havia qualquer diferença na refração entre os

grupos. Mas perto das 15 semanas, os ratos alimentados com açúcar tinham

desenvolvido miopia, outra vez à extensão de quase uma dioptria, quando

comparados ao grupo normal e ao grupo mal-alimentado.

Nesse momento, as dietas do segundo e terceiro grupos foram invertidas. Um

resultado foi que grupo mal-alimentado, com refração normal até a época da

mudança, tornou-se míope dentro de três semanas após terem iniciado a dieta com

açúcar. O outro resultado foi que o grupo alimentado com açúcar com miopia no

momento da troca, não melhorou durante todo o restante do experimento, ainda que

ele tenha durado por mais 23 semanas após a mudança.

Medimos também a refração ocular em estudantes voluntários, que eram

participantes de um de nossos experimentos. Como antes, fizemos um grande

número de medidas antes e depois de eles terem sido alimentados com uma dieta

rica em açúcar. Após duas semanas nessa dieta, havia uma mudança pequena mas

completamente significativa de sua refração – mas essa foi uma mudança no sentido

da hipermetropia, e não da miopia.

Atualmente, estamos sugerindo que as razões estão ligadas ao nível da glicose no

sangue. Médicos sabem há algum tempo que diabéticos desenvolvem um grau

discreto mas perceptível de miopia se a sua glicemia não for apropriadamente

controlada e, consequentemente, aumentar a níveis demasiadamente elevados.

Acreditamos que essa pode ser a causa da miopia que ocorre depois que um período

longo com nossos ratos na dieta rica em açúcar; sabemos que tais animais se tornam

levemente diabéticos, com uma glicemia elevada, e que uma dieta pobre em
proteínas provavelmente acentua a circunstância. Em nossos estudantes, as duas

semanas em uma dieta rica em açúcar tenderam a produzir uma glicemia baixa,

como mostrei – então seria de se esperar não miopia, mas hipermetropia.

Eu já mencionei (p. xxx) que alterações graves ocorrem na retina do olho no diabetes.

E indiquei que alterações similares podem ser produzidas em ratos alimentando-os

com açúcar.

Danos aos dentes

Todos os anos, milhões de dentes de crianças são extraídos por dentistas em todo o

mundo ocidental. Apenas no Reino Unido, a perda é de quatro milhões de dentes,

que pesam mais de quatro toneladas. Em uma pesquisa em Dundee, na Escócia,

detectou-se que meninos e meninas de 13 anos têm uma média de 10 dentes

cariados. Mais de um terço dos adultos britânicos com mais de 16 anos teve todos os

seus dentes extraídos.

A evidência fóssil sugere que a condição conhecida agora como ‘cárie dentária’,

dificilmente ocorria em tempos pré-históricos, antes da introdução da agricultura e

do grande aumento de alimentos ricos em amido, como os cereais, na dieta humana.

A doença tornou-se muito mais comum apenas recentemente. Não há dúvidas que

isso está associado à introdução do açúcar como um componente crescente da dieta

convencional.

Para compreender o processo de formação das cáries, devemos conhecer um pouco a

respeito da estrutura do dente. Ele é composto principalmente de dentina, um tipo


de osso resistente. Esta é coberta por uma fina camada de esmalte, o tecido mais

duro do corpo. Dentro da dentina fica a polpa macia da qual a dentina é feita, e nela

estão os vasos sanguíneos. Como qualquer um que já teve uma dor-de-dente ou

visitou o dentista sabe, a polpa também possui terminações nervosas altamente

sensíveis.

A cárie começa por placas de material que se aderem à superfície dos dentes, e são

encontradas especialmente nas fissuras e sulcos normais da superfície do dente. A

placa é composta de uma base de proteínas e carboidratos, que retém partículas de

alimento, restos de saliva e incontáveis bactérias.

A evidência atual é que a cárie dentária é decorrente da produção de ácido pelas

bactérias na placa, especialmente as bactérias chamadas de ​Streptococcus mutans​ .

O ácido é produzido na placa enquanto aderida à superfície do dente. Ele não é

removido pela saliva, mas ataca gradualmente a dentina até que, sem tratamento,

expõe a polpa sensível. A produção do ácido é facilitada pelo acúmulo de um

carboidrato complexo na placa.

Parece que o que as bactérias produtoras de ácido mais gostam na placa é um

carboidrato complexo em particular chamado dextrano. Ele pode ser sintetizado

pelos streptococci a partir de qualquer açúcar, mas muito mais é produzido a partir

da sacarose.

Algumas pessoas são menos suscetíveis às cáries que outras, em parte porque

parecem ter herdado uma resistência mais elevada que a normal, em parte porque

vivem onde a água que bebem contém quantidades adequadas de fluoreto protetor,

em parte porque limpam seus dentes frequentemente, mas principalmente porque


não consomem alimento e bebidas que deixem seus dentes em contato prolongado

com açúcar. A evidência epidemiológica sobre o desenvolvimento da cárie dentária

inclui aquela que eu resumi anteriormente a respeito dos seres humanos primitivos.

Eu mostrei que os carbpodratos em geral são uma adição relativamente recente à

dieta humana. Talvez a menção específica mais antiga sobre a associação entre

açúcar e cáries tenha sido a de um viajante alemão que em 1598 fez uma observação

sobre os dentes pretos da Rainha Elizabeth da Inglaterra, ‘uma falha ao qual os

ingleses parecem sujeitos pelo seu uso demasiadamente grande de açúcar’. Muito

antes, Aristóteles falou sobre dentes serem estragados por figos, mas obviamente não

estava ciente que sua doçura era em grande parte devida à mesma sacarose que mais

tarde foi extraída da cana-de-açúcar e transformada nos doces que destruíram os

dentes da Rainha Elizabeth.

As cáries dentárias se transformaram no flagelo dos países mais ricos principalmente

durante o século atual. Eis alguns exemplos. No Reino Unido, 26 milhões de dentes

foram obturados em 1965; em 1983 o número foi de 40 milhões. Na América, tão

recentemente quanto 1980, descobriu-se que os adolescentes de 17 anos tinham uma

média de 6 dentes cariados. Na Noruega, em 1981, havia 16 superfícies de dentes

cariadas no adolescente médio de 16 anos. Na Nova Zelândia, escolares tinham uma

média de 1,5 dente obturado em 1980. E diz-se que na Alemanha somente 0,1 por

cento das crianças com mais de 15 anos têm dentes sem cárie – ou seja, apenas uma

em mil.

Percentual de crianças na Inglaterra e País de Gales com cárie


dentária
Idade 1973 1983

5 71 48

8 91 73

10 93 80

15 97 93

Houve uma queda na quantidade das cáries dentárias em crianças britânicas nos

últimos anos, como você pode ver na tabela. Isso ocorreu provavelmente pelo

aumento no número de áreas onde a água é fluoretada, pelo aumento na

disponibilidade de dentifrício com flúor, e talvez uma ligeira resposta à crescente

publicidade sobre como preservar os dentes. Não obstante, não há espaço para

complacência quando o adolescente médio de 15 anos no Reino Unido em 1983 tem

mais de cinco dentes cariados, extraídos ou obturados. No detalhe, a diminuição na

cárie dentária ocorreu somente nos países industrializados; nos países em

desenvolvimento, a rápida ascenção das cáries foi descrita pela OMS como

‘absolutamente apavorante’.

Número de dentes cariados, extraídos ou obturados em crianças da


Inglaterra e País de Gales

Idade 1973 1983

7 0,8 0,8
10 3,0 1,6

15 8,4 5,6

O aumento da cárie dentária em populações como os esquimós e os habitantes de

Tristão da Cunha seguiu sua apresentação ao açúcar. O aumento nos países em

desenvolvimento é em geral paralelo ao aumento da disponibilidade de açúcar a

essas populações. No outro sentido, as crianças da Europa Ocidental

experimentaram uma redução na cárie dental durante e logo após as duas guerras

mundiais, quando o açúcar era escasso – mas sua prevalência aumentou

rapidamente quando o açúcar se tornou de fácil acesso outra vez.

Se queremos nos livrar totalmente das cáries, é improvável que isso ocorra

simplesmente por uma continuação da considerável redução que, ao que parece, veio

em grande parte do uso do flúor. Será necessário também persuadir as pessoas, e

crianças em particular, de que devem evitar comer alimentos açucarados,

especialmente os doces e o chocolate que tendem a grudar-se aos dentes. E,

idealmente, isso seria parte de um programa de educação nutricional. Mas o

problema da educação nutricional geral não é tão fácil de se resolver quanto

aparenta. Muito tempo atrás, meus colegas e eu nos tornamos cada vez mais cientes

de que é necessário ensinar às pessoas fatos sobre nutrição, mas também conseguir

que eles usem tais fatos. Mais simplesmente, a finalidade da educação nutricional do

público não é somente melhorar o conhecimento nutricional, mas melhorar o

comportamento nutricional.

Uma pequena pesquisa que realizamos ilustra isso muito bem. Fizemos a cerca de

cem mães londrinas algumas perguntas sobre alimentação saudável, uma das quais
era, ‘Qual é a principal razão pela qual as crianças têm cáries?’ Mais de 90 por cento

das mães responderam que era porque as crianças comiam doces. Mas saber disso

não as impediu de comprar doces para seus filhos. Quando, consequentemente, me

pediram para dar a palestra anual na Escola de Odontologia de New Castle, eu

escolhi como título: ‘Cáries são preveníveis: por que não prevenidas?’, e discuti todo

o problema da educação nutricional para o público. Eu frisei especialmente o ponto

de que quase todos sabiam que uma das principais causas da cárie dentária era

comer confeitos, bolos e biscoitos grudentos e açucarados, e que ainda assim isso não

impediu que as crianças comprassem tais itens ou fossem presenteados com eles

pelos mais velhos.

A palestra foi publicada no ​British Dental Journal​ [​Jornal Britânico de

Odontologia]​ e evocou uma carta muito irritada do Professor B. Cohen, que fazia

pesquisa odontológica na Royal College of Surgeons [Colégio Real de Cirurgiões] em

Londres. Ele achou ridículo eu não ter apontado que os buracos nos dentes são

causados pelas bactérias que produzem ácido. Ele escreveu: ‘Até que seja aceito que a

cárie é uma doença causada não pelo açúcar mas pela ação das bactérias no açúcar,

esforços continuarão a ser gastos pregando uma privação que poucos pacientes

jamais praticarão, ao invés de lutar para desenvolver meios de gerenciar uma

infecção.’ O Professor Cohen estava naquela época realizando pesquisa projetada

para ver se seria possível produzir uma vacina contra a ‘infecção’ da boca contra o

causador de cárie ​Streptococcus mutans​. As experiências eram com macacos, que

foram incentivados a desenvolver cárie dentária; a eficácia das vacinas experimentais

foi testada injetando-as em metade dos macacos. Eu visitei o laboratório logo após

minha palestra, e não suponho que precise dizer a você como a cárie dentária foi
induzida nos macacos. Você terá imaginado, tenho certeza, que era lhes dando

montes de doces grudentos.

Minha palestra em Newcastle ocorreu em 1969, uns 18 meses após o nascimento de

meu neto, e uns poucos meses antes do nascimento da minha neta. Eles não

tomaram vacina anti-​Streptococcus mutans;​ eles foram, entretanto, cuidadosos

quanto a comer doces e chocolates. Com 18 e 16 anos, ele tem uma obturação e ela

não tem nenhuma. Como mencionei no Capítulo 3, meu neto recusou-se a comer seu

bolo de aniversário quando fez 3 anos, porque era doce demais.

Essas observações não provam que o açúcar é uma causa da cárie dentária. Eu já

mostrei que a associação entre doença e dieta em diferentes populações só pode ser

tomada como um indício da causa. Em seguida, deve-se ver se os indivíduos em

qualquer população que tenha cáries são aqueles que comem muito açúcar.

Curiosamente, ainda não se havia feito muita pesquisa desse tipo. Os dentistas em

Dundee, a quem me referi mais cedo, examinaram meninos e meninas de 13 anos em

1960, 1961 e 1962. Encontraram mais cáries dentais naqueles que comiam mais

doces, mas surpreendentemente não encontraram nenhuma diferença na cáries

entre aqueles que escovavam ou não seus dentes regularmente.

Nossa própria pesquisa, realizada em 1967 com um número muito menor de

crianças, também mostrou que havia mais cáries nas crianças que ingeriam mais

açúcar em alimentos sólidos (isto é, mais doces, biscoitos e assim por diante). Mas

vimos também que a relação forte entre o açúcar e a cárie ocorria somente nas

crianças que não limpavam seus dentes regularmente; se limpavam seus dentes
regularmente, tinham poucas cáries mesmo quando comiam muitos alimentos

açucarados.

Muitas experimentos foram feitos, especialmente em animais, para ver quais

mudanças na dieta afetam os dentes. Como sempre, os resultados precisos diferem

de acordo com os animais que foram usados, exatamente de que eram as dietas

experimentais, como as dietas eram dadas, e por quanto tempo. Os resultados gerais,

entretanto, parecem claros. Quando não há nenhum carboidrato, provoca-se pouca

ou nenhuma cárie. Dietas que contêm amido, ou pão (integral ou branco), produzem

ou a mesma quantidade de cáries ou muito pouco a mais. Dietas com qualquer tipo

de açúcar produzem muito mais cáries, e o açúcar mais ‘cariogênico’ é a sacarose.

As experiências com crianças mais conhecidas são aquelas feitas pelo Conselho

Britânico de Pesquisa Médica em 1950, e a feita na cidade de Vipeholm, Suécia,

alguns anos depois. O primeiro estudo durou dois anos e mostrou que a adição de

açúcar durante as refeições não aumentou a quantidade de cáries nas crianças. O

segundo estudo comparou o açúcar dado de maneiras diferentes por quatro anos, e

descobriu que pouca cáries a mais surgiam se o açúcar fosse ingerido nas refeições,

mas que muito mais ocorria se fosse ingerido sob forma de doces entre as refeições, e

especialmente se ingerido como balas grudentas entre as refeições. Obviamente, o

que importa é se o açúcar fica em contato com o dente por algum tempo. Os doces,

bolos e biscoitos grudentos entre as refeições são os principais culpados,

especialmente se for permitido que seus resíduos permaneçam, sem serem expostos

a uma boa e prolongada escovação.

Muita atenção foi dirigida ao que é chamado de ‘cárie galopante’. O costume parece

ter crescido a partir do hábito de dar, aos bebês, chupetas que possuem um pequeno
recipiente no qual se coloca calda. O efeito disso, ou de dar chupetas comuns

constantemente mergulhadas em açúcar, é que os dentes dos bebês apodrecem à

medida que nascem; então, quando têm dois ou três anos, suas bocas estão cheias de

tocos enegrecidos. Em um levantamento, viu-se que um bebê em cada 12 sofria de

cárie galopante; em outro, os números foram de um em oito.

Uma das mais interessantes e inesperadas observações do papel do açúcar em

provocar cárie dentária vem de um estudo de uma doença rara, intolerância

hereditária à frutose. Apenas algumas famílias foram relatadas com membros que

sofrem desta doença, e eles ficam violentamente doentes sempre que comem frutose

ou sacarose, que você recorda ser um composto feito de quantidades iguais de glicose

e frutose.

Muito cedo na vida, consequentemente, aprendem a evitar frutas e qualquer coisa

que contenha sacarose. Eles podem e comem alimentos ricos em amido, uma vez que

o amido é digerido somente a glicose. Mas ainda que comam muito pão branco, feito

do que as pessoas gostam de chamar de ‘farinha refinada’, eles têm muito poucas

cáries, e as que têm são de um grau muito leve.

Um dia talvez sejamos capazes de imunizar as crianças contra as bactérias envolvidas

na produção de cáries. Mas embora experimentos visando produzir imunidade às

cáries estejam em andamento há quase 20 anos, uma vacina prática ainda não foi

produzida.

Danos à pele
Ao medir a quantidade de açúcar consumida por pacientes hospitalizados, eu estava

principalmente interessado naqueles com doença coronariana. Mas ocorreu-me que

seria interessante ver quanto açúcar foi consumido por pacientes com outras duas ou

três enfermidades. Há, por exemplo, condições tais como a acne (cravos) que

ocorrem frequentemente em adolescentes, e que os médicos acreditam serem

causadas ou agravadas pela ingestão de confeitos.

Nós medimos a ingestão de açúcar nesses pacientes e a comparamos àquela de

pessoas da mesma idade e sexo, mas sem acne. Também decidimos observar uma

outra doença comum de pele chamada dermatite seborréica, mas uma não dessa vez,

porque a dieta já havia sido responsabilizada por médicos. A razão era que essa

enfermidade tem a ver com a secreção da substância oleosa chamada ‘sebo’ pelas

glândulas da pele. Há alguma evidência de que este material seja alterado quando a

dieta é rica em açúcar. Assim, medimos também a ingestão de açúcar dos pacientes

com essa doença e a comparamos àquela de pessoas sem dermatite seborréica, cada

uma escolhida com o mesmo sexo e idade de um paciente com a doença.

O resultado foi que os pacientes com acne não ingeriam mais açúcar que os sujeitos

controle, mas aqueles com dermatite seborréica consumiam apreciavelmente mais.

A consequência desses resultados é que o açúcar não está envolvido no

desenvolvimento da acne, mas pode estar envolvido no desenvolvimento da

dermatite seborréica. Poderíamos estender essas conclusões dizendo ser improvável

que os pacientes com acne melhorariam se comessem menos açúcar, embora pudesse

ser que eles fossem especialmente sensíveis. Eles poderiam por conseguinte sofrer de

acne em parte por causa do açúcar, mesmo que não ingerissem mais que outras
pessoas e, se assim fosse, certamente estariam melhores ingerindo menos açúcar.

Mas ninguém fez realmente um teste apropriadamente controlado para verificar se

menos açúcar realmente os deixa melhores.

Quanto à dermatite seborréica, o fato que os afligidos são grandes comedores de

açúcar sugere imediatamente que devemos verificar se podemos melhorá-los com

uma dieta pobre em açúcar. Embora os resultados parecessem promissores, não

pudemos continuar nossa pesquisa; teremos que esperar que outros a assumam.

Danos às articulações

A gota sempre interessou os médicos.

A idéia popular sobre a gota é que ela é encontrada em pessoas que abusam das

comidas pesadas e do álcool; na Inglaterra, pensamos no coronel aposentado

bebendo sua garrafa de vinho do porto todo dia. Pensa-se frequentemente que ela é

muito rara hoje em dia, mas na prática não é tão rara assim. Ela ocorre

principalmente da meia-idade em diante, e mais em homens que em mulheres.

As razões que fizeram parecer valer a pena avaliar o consumo de açúcar de pacientes

com gota eram bastante frágeis, devo admitir. Em primeiro lugar, uma das

características frequentemente encontradas em pessoas com aterosclerose, e em

todas as pessoas com gota, é um nível elevado de ácido úrico no sangue. Em segundo

lugar, em seres humanos e em alguns animais uma dieta rica em açúcar aumenta a

concentração de ácido úrico no sangue. Em terceiro lugar, pessoas com gota tem
maior probabilidade que as demais de ter trombose coronariana, e inversamente,

pessoas com doença coronariana tem maior probabilidade de ter gota.

Então estudamos pacientes em duas ou três clínicas de reumatologia. Na verdade,

tínhamos três grupos de pessoas: pacientes com gota, pacientes com uma doença

reumática distinta, artrite reumatóide e indivíduos normais que eram aparentemente

bem saudáveis. Como de praxe, os três grupos de indivíduos foram pareados por

idade e sexo.

Como nós meio que esperávamos, os pacientes com artrite reumatóide comiam as

mesmas quantidades de açúcar que os indivíduos controle. Mas os pacientes com

gota ingeriam apreciavelmente mais açúcar que os sujeitos controle; os valores

medianos foram 103 gramas de açúcar por dia para os pacientes gotosos e 54 gramas

para os indivíduos controle.

Doença hepática

O fígado é o órgão mais ativo do corpo; cada porção de comida e bebida que foi

digerida no trato digestório e absorvida para o sangue vai diretamente ao fígado. Lá,

a grande veia que carrega o sangue do trato digestório divide-se em capilares que

trazem os produtos da digestão para perto das células do fígado. Nessas células, a

maioria das diversas substâncias resultantes da digestão e absorção é transformada

quimicamente em materiais que devem ser usados por todos os diferentes órgãos no

corpo – including o próprio fígado – para reparar seus desgastes, ou para serem

metabolizados como combustível, ou para serem armazenados para uso futuro. Além

disso, o fígado tem a tarefa de desintoxicar diversos dos materiais prejudiciais que
podem existir no alimento ou terem sido produzidos durante o metabolismo. Por

todas essas razões, o fígado é um dos primeiros órgãos a serem afetados por itens

indesejáveis na dieta.

Muitas das atividades do fígado são afetadas não apenas diretamente pela chegada

de quantidades variáveis dessas substâncias no sangue que o atravessa, mas também

indiretamente por mudanças no conteúdo hormonal do sangue. E já que, como

vimos, as quantidades de ao menos três hormônios são afetadas pelo açúcar da dieta,

ficamos muito interessados em observar algumas das mudanças que o açúcar produz

no fígado.

Eu já mencionei (p. xxx) o aumento do fígado que é produzido pelo açúcar. Parte

desse aumento no tamanho é causada pelo acúmulo de gordura nas células do fígado;

em alguns casos, a quantidade de gordura é bastante para deixar o fígado amarelado,

exatamente como o ‘fígado gorduroso’ que ocorre ocasionalmente em pessoas que

são envenenados por substâncias como o clorofórmio, ou em alcoólatras.

Quando meus colegas investigaram se parte do aumento do fígado era devido ao

crescimento de suas células ou a um aumento no número destas, verificou-se que o

efeito do açúcar é aumentar tanto o tamanho quanto o número das células. Embora

até certo ponto uma questão técnica, um aumento no número de células hepáticas

mostra que algumas delas na prática se dividiram, indicando uma ação mais

profunda do açúcar que simplesmente fazer as células incharem.

Mais recentemente temos trabalhado de perto com nossos colegas do Departamento

de Bioquímica do Queen Elizabeth College para estudar com mais detalhes as

mudanças que o açúcar produz no fígado. Uma das razões para este estudo particular
foi um estudo antigo, de 1949, onde não apenas o álcool como também o açúcar

podem produzir fibrose do fígado – isto é, um crescimento de um tipo de "tecido

cicatricial" que precede o desenvolvimento da cirrose hepática. Essa pesquisa foi

realizada por um grupo dos cientistas conduzidos pelo Dr Charles Best, que foi um

dos responsáveis pela a descoberta da insulina em 1921. Outros investigadores

repetiram o trabalho de Best e seus colegas, e obtiveram os mesmos resultados.

Todo esses estudos prévios foram feitos com dietas especiais, desprovidas de

nutrientes específicos. É por isso que a equipe de pesquisa do Queen Elizabeth

College tem observado os efeitos das nossas dietas habituais, que não são deficientes

de maneira óbvia, e diferem apenas se os carboidratos da dieta incluem ou não o

açúcar. Os experimentos mais recentes usaram análises bioquímicas extremamente

sensíveis para detectar no sangue e no fígado os fragmentos químicos que o corpo

usa para sintetizar o colágeno que encontra-se aumentado na fibrose hepática. O

colágeno, que existe em diversas formas com estruturas químicas ligeiramente

diferentes, é a proteína que está presente nas paredes das células do corpo e que

compõe também uma grande parte do tecido conjuntivo que existe nos tendões, nas

cartilagens, ossos e no tecido cicatricial. Nossa pesquisa revelou que em ratos

alimentados com açúcar, há um aumento distinto desses fragmentos, tanto no

sangue quanto no fígado, muito antes de ser possível detectar a fibrose no fígado com

o microscópio. O mesmo aumento é visto em ratos com diabetes e em humanos com

cirrose hepática provocada pelo alcoolismo crônico.

Há ligação entre açúcar e câncer?


Há alguns cânceres que parecem se ter tornado mais comuns nos últimos 50 ou 60

anos, e que parecem também ser mais comuns nos países mais ricos que nos mais

pobres. Assim, imagine que poderia valer a pena verificar se havia alguma relação

entre os números de mortalidade por esses cânceres em diversos países e as

quantidades de açúcar que suas populações consumiam.

Os empecilhos usuais nos esperavam com os estudos epidemiológicos. Quantos

países existem que mantêm registros apropriados das causas de morte em suas

populações? Mesmo onde os registros são mantidos, quão certo você pode estar de

que o diagnóstico do câncer é feito corretamente, ou feito exatamente com os

mesmos critérios, em diferentes países?

Alguns tipos de câncer podem ser diagnosticados com razoável rapidez; outros são

frequentemente subdiagnosticados. Por causa disso, demos maior atenção a três ou

quatro, que os especialistas dizem haver uma probabilidade razoavelmente boa de

diagnóstico correto.

A evidência em discussão vem principalmente de um estudo de estatísticas

internacionais e mostra uma associação entre o consumo médio de açúcar em

diferentes países e a incidência de dois ou três tipos particulares de câncer. Os

cânceres que parecem mais provavelmente relacionados ao consumo de açúcar são o

de intestino grosso em homens e mulheres, e câncer de mama em mulheres. A taxa

de mortalidade para esses três cânceres em diferentes países está bastante associada

ao consumo médio de açúcar, a uma extensão praticamente idêntica à associação

entre o consumo do açúcar ou gordura com a taxa de mortalidade por doença

coronariana. Um exemplo é encontrado nas estatísticas internacionais de 1977–79


para mortes por câncer de mama em mulheres acima de 65 anos. Os cinco países

com as taxas as mais elevadas são, em ordem decrescente, o Reino Unido, os Países

Baixos, a Irlanda, a Dinamarca e o Canadá; os níveis mais elevados de consumo de

açúcar, outra vez em ordem decrescente, estão no Reino Unido, Países Baixos,

Irlanda, Canadá e Dinamarca. Por outro lado, a mortalidade mais baixa, em ordem

crescente, está no Japão, Iugoslávia, Portugal, Espanha e Itália, com o consumo mais

baixo de açúcar no Japão, Portugal, Espanha, Iugoslávia e Itália.

Minhas próprias observações sobre a associação entre o açúcar e o câncer de

intestino e mama foram feitas vários anos antes do estudo que acabei de citar. Eu

calculei os chamados ‘coeficientes de correlação’ entre esses cânceres e o consumo de

açúcar em todos os países para os quais as estatísticas estavam então disponíveis.

Deixem-me explicar primeiramente o que são coeficientes de correlação, e tomar

como exemplo a relação entre a altura e o peso das pessoas. Em geral, quanto mais

altas as pessoas, mais elas pesam. Mas é aceitável dizer que ‘no geral’ há uma

associação entre altura e peso; seria ainda melhor se pudéssemos dizer o quão

próxima é essa associação. Supondo que fosse uma associação precisa e exata, de

modo que uma pessoa que fosse um pouco mais alta que outra fosse inevitavelmente

mais pesada, e que uma ainda mais alta seria ainda mais pesada. Se fosse assim, você

diria que o coeficiente de correlação era 1,0.

Supondo, por outro lado – e isso é ainda mais improvável – que não houvesse

qualquer relação entre altura e peso, de modo que seria tão provável um homem de

70 quilos medir um metro e oitenta quanto um metro e meio. Nesse caso o

coeficiente de correlação seria 0. Na prática, há uma relação, mas ela não é precisa;
pessoas altas tendem a ser mais pesadas. Se você fizer as contas à risca, para homens

adultos, o coeficiente de correlação entre altura e peso é cerca de 0,6.

Os coeficientes de correlação que encontrei até o momento entre câncer e consumo

de açúcar em diferentes países são os seguintes:

Câncer do intestino grosso em homens: 0,60

Câncer do intestino grosso em mulheres: 0,50

Câncer de mama: 0,63

Entretanto, tais estatísticas internacionais, como frisei repetidamente, podem não

fazer mais que dar um indício a respeito do possível papel do açúcar ou da gordura

em produzir doença. Mas há os estudos indiretos que sugerem o motivo de o açúcar

poder aumentar o risco de mulheres em desenvolver câncer de mama, e tanto de

homens e mulheres em desenvolver câncer de intestino grosso.

Durante os últimos dez anos, o aparecimento de câncer de mama foi ligado aos

hormônios sexuais femininos, especialmente o estrogênio. A evidência para essa

associação vem de estudos em diversos países. Sugeriu-se que o câncer de intestino

pode ser causado por uma concentração elevada de insulina no sangue, mas uma

possibilidade mais provável, proposta por pesquisadores na América, Havaí e

Inglaterra, é que, como o câncer de mama, é o estrogênio que está envolvido. Outra

vez, houve recentemente um aumento na incidência de câncer de testículo em

homens jovens, e mostrou-se que suas mães frequentemente tinham sobrepeso


durante a gestação, e tinham uma concentração aumentada de estrogênio em seu

sangue.

O que quer que finalmente seja revelado como causa desses cânceres, o fato é que um

consumo elevado de açúcar pode produzir uma concentração aumentada no sangue

de ambos esses hormônios – insulina e estrogênio.

Já houve também sugestões de que outros componentes da dieta pudessem estar

envolvidos na causa do câncer, especialmente de intestino. Uma sugestão

responsabiliza a falta de fibra dietética; uma segunda é que ele é causado por um

excesso de gordura saturada e por uma deficiência de gordura poliinsaturada. Eu já

expliquei o motivo de, com bases evolucionárias, a fibra dietária, especialmente dos

cereais, e a gordura poliinsaturada, oriunda em sua maioria de óleos vegetais de

sementes, provavelmente não terem sido contribuintes significativos para a dieta dos

nossos ancestrais – muito antes que começasse a haver uma alta prevalência das

doenças da prosperidade. Ademais, o Japão, com uma incidência muito baixa de

câncer intestinal, tem um consumo de fibra muito semelhante ao do Reino Unido. E,

experimentalmente, são as gorduras poliinsaturadas e não as saturadas que tendem a

produzir câncer em animais.

Açúcar e a ação de drogas

Deixem-me acrescentar aqui mais um efeito interessante do açúcar, embora ninguém

ainda o tenha investigado o suficiente para ver se há qualquer aplicação prática. Uns

dez anos atrás, alguns de meus colegas examinaram a questão de a dieta ter algum

efeito na ação das drogas. Deram uma droga sedativa comum, o pentobarbital
(Nembutal), a ratos que tinham sido alimentados com dietas onde o carboidrato era

ou amido ou açúcar, e registraram quanto tempo os animais dormiam após tomarem

a droga. Eles descobriram que os ratos que ingeriam a dieta com açúcar dormiam por

um tempo significativamente mais curto que os ratos que comiam a dieta com amido

– na média 98 minutos, comparados com 141 minutos.

Essa descoberta levanta várias perguntas. O açúcar diminuiria o efeito do Nembutal

em seres humanos assim como em ratos? Se o açúcar tiver este efeito, outros

componentes dietéticos comportam-se da mesma maneira? Você pode

deliberadamente diminuir – ou aumentar – os efeitos de outras drogas mudando a

dieta? Se assim, o efeito seria produzido simplesmente mudando a quantidade de

açúcar ou de outro componente dietético por apenas um dia ou dois antes que o

tratamento com a droga comece, ou até mesmo no instante que ele começa?

Claramente, há muito mais pesquisa a ser feita por nutricionistas e farmacologistas

antes que nós tenhamos respostas a essas perguntas.

Açúcar e proteína

Um dos efeitos inesperados que encontramos quando pusemos o açúcar na dieta foi

que ele interfere com a utilização da proteína dietética pelo corpo. Notamos isso

primeiramente quando alimentamos nossos ratos com uma dieta que era pobre, mas

em geral adequada, em proteína. Quando alimentados com nossa dieta normal com

amido, os ratos cresceram perfeitamente bem; mas quando nós substituímos o

amido por açúcar, seu crescimento foi retardado. Olhando mais de perto as razões

para isso, descobrimos que o açúcar interferiu com o uso da proteína pelo corpo, de
modo que os ratos perderam proteína ao invés de acumulá-la – como deveriam fazer

ao crescer.

A utilização da proteína é medida de maneira indireta. Você mede o nitrogênio na

dieta, pois virtualmente todo ele está na proteína dietética; você também mede a

quantidade de nitrogênio na urina, que é por onde o corpo se livra dos produtos do

metabolismo de proteínas. Se o nitrogênio dietético for maior que o urinário, o corpo

está retendo alguma proteína, e a isto nós chamamos de balanço de nitrogênio

positivo. Se o nitrogênio dietético for menor que o urinário, o corpo está perdendo

proteína – ou seja, está em balanço de nitrogênio negativo.

Eis aqui os resultados de três de nossos experimentos com ratos:

Efeito do açúcar sobre a utilização de proteína

Dieta ​Exp. 1 ​Exp. 2 ​Exp. 3

Sem açúcar +17 +17 +6

Com açúcar −2 +2 −6

Este trabalho com animais sugere que uma dieta pobre em proteínas pode ser ainda

mais deficiente quando é acompanhada de açúcar. Parece que a utilidade de uma

dada quantidade de proteína – seu valor em promover o crescimento – é diminuída

quando o açúcar está presente na dieta. Embora não haja nenhuma evidência direta

de que o que é verdadeiro para ratos e galinhas é igualmente verdadeiro para


crianças em crescimento, essa inter-relação poderia ser de particular interesse em

países mais pobres.

Uma das características de tais países é o aumento enorme da urbanização. Há um

influxo tremendo de pessoas do campo para as grandes cidades da Índia, Tailândia,

América do Sul, Gana, Nigéria e assim por diante. O principal efeito nas dietas dos

recém-chegados, na maior parte extremamente pobres, é um aumento no consumo

de alimentos industrializados tais como bolos e biscoitos e refrigerantes, de modo

que passam a ingerir ainda menos proteína que antes, mas mais açúcar. Se o efeito

nas crianças for similar àquele em animais jovens, a combinação de açúcar e de

proteína baixa explicaria ainda melhor a elevada incidência de deficiência de

proteína que o faria apenas a baixa proteína. É a deficiência de proteína que causa a

temida doença kwashiorkor, tão comum – e frequentemente fatal – nos países em

desenvolvimento.

Uma ingestão elevada de açúcar é mais usualmente uma característica das dietas de

países abastados, e esses têm probabilidade maior de estarem adequadamente

supridos de proteína e outros nutrientes também. A pergunta que foi levantada é se

essa ingestão elevada de açúcar causa um aumento no crescimento, ao invés de uma

diminuição, e nós veremos isso no próximo capítulo.

Uma ampla gama de distúrbios

Essa é uma coleção muito variada de doenças, relembrando – câncer, cárie dental,

miopia e hipermetropia, dermatite e gota, bem como doença coronariana, diabetes e

vários quadros do trato digestivo. E a evidência de que são causadas em parte por um
consumo excessivo de açúcar não é de maneira alguma igualmente convincente para

todas elas. Em um extremo, parece que todos têm certeza do papel do açúcar na cárie

dentária, exceto talvez os fabricantes de biscoitos e confeitos. No outro extremo, não

há até agora muita evidência de que o câncer de cólon ou mama tenham realmente

maior probabilidade de surgir em pessoas que comem muito açúcar. Eu, entretanto,

ficarei satisfeito se você concordar que para o câncer especialmente, mas também

para a gota, erros de refração ocular e dermatite seborreica, valha a pena pesquisar

para testar o possível papel do açúcar em produzir tais condições.

18. O açúcar acelera o processo da


vida – e da morte também?

O efeito do açúcar no crescimento

Animais de laboratório usados para testar dietas são invariavelmente pesados com

regularidade, pelo menos uma vez por semana. Quase todos, portanto, que

analisaram os efeitos da alimentação com açúcar obtiveram informações sobre o que

ela faz com a taxa de ganho (ou perda) de peso dos animais. Às vezes, um

experimento também mede quanta comida os animais comem; dessa maneira os

pesquisadores podem ser capazes de mostrar que os animais utilizam seus alimentos

com variada eficiência – comendo a mesma quantidade de dietas diferentes, por

exemplo, mas ganhando menos peso com uma dieta que com outra. Às vezes,

também, mas muito menos frequentemente, eles não apenas pesam os animais, mas

também determinam a composição de seus corpos. Ao medir o quanto de gordura e o

quanto de massa magra um animal tem em seu corpo, os pesquisadores podem


encontrar duas dietas que parecem resultar no mesmo ganham de peso, mas

produzem uma proporção diferente de massa gorda e magra.

A maioria dos pesquisadores relataram que dietas ricas em açúcar resultam num

ganho de peso mais lento em ratos jovens, frangos jovens e porcos jovens. Quando

eles medem a quantidade de alimento que os animais ingerem, muitas vezes ocorre

que aqueles que estão sob uma dieta com açúcar ganham menos peso para cada 100

gramas de alimento. E quando eles olham para a composição dos corpos dos animais,

eles às vezes encontram mais gordura e às vezes menos.

Eis alguns exemplos. Ratos machos alimentados por seis meses, desde a idade de seis

semanas, pesavam cerca de 410 gramas quando os alimentávamos sem açúcar; com

açúcar, eles só pesavam cerca de 380 gramas. O efeito foi mais perceptível quando as

dietas eram bem pobres em proteínas; os ratos, então, chegaram a um peso de 320

gramas quando eles não tinham açúcar, mas a 270 gramas com açúcar. Como

mostrei no capítulo anterior, isso ocorreu porque o açúcar reduziu o uso, pelo corpo,

da proteína da dieta. Em uma experiência anterior com galinhas, alguns

pesquisadores americanos mostraram que o açúcar não teve efeito sobre o peso

quando a proteína era adequada, mas reduziu o ganho de peso quando a proteína

não era tão adequada.

No entanto, levantou-se a questão se, em países afluentes, onde a proteína é

adequada, o aumento paralelo do açúcar causa um aumento do crescimento. O

proponente mais ativo e entusiasta dessa ideia é o Dr Eugen Ziegler, da Suíça. Em

um número de publicações incrivelmente detalhadas e vigorosamente argumentadas,

ele chamou a atenção para as estatísticas de muitos países quanto ao peso ao nascer,

altura e peso das crianças e da altura adulta. De acordo com as informações que ele
cita, essas medidas estão intimamente relacionadas à quantidade de açúcar na dieta.

Eis alguns de seus exemplos. O peso ao nascimento de bebês na Basileia, na Suíça,

aumentou de uma média de 3,1 quilogramas para 3,3 quilogramas entre os anos de

1900 e 1960, exceto durante as duas guerras mundiais, quando diminuiu. Essas

alterações acompanharam as mudanças do consumo de açúcar. Em Oslo, a altura das

meninas entre 8 e 14 anos de idade aumentou entre 1920 e 1950; para meninas de 14

anos, o aumento foi maior que dez centímetros. A única interrupção dessa tendência

foi durante a Segunda Guerra Mundial. Novamente, essas alterações acompanham as

mudanças do consumo de açúcar. Também na Noruega, a altura dos homens adultos

aumentou em cerca de dois centímetros entre 1835 e 1870 e em outros quatro

centímetros entre 1870 e 1930. O consumo anual médio de açúcar aumentou de um

quilo em 1835 para cinco quilos em 1875 e para 30 quilos em 1937; o consumo atual é

de mais de 40 quilos, um aumento de 40 vezes em um período de cerca de 150 anos.

Mencionei, até agora, apenas o efeito do açúcar sobre o ganho de altura e peso em

crianças, ou de peso em animais experimentais. A análise dos corpos dos animais

experimentais muitas vezes mostra alterações na quantidade de gordura, como disse,

e também mudanças no tamanho e na composição de alguns dos órgãos. Em nossos

experimentos com ratos, encontramos principalmente uma diminuição moderada da

quantidade de gordura corporal; em um experimento, de 35 por cento do peso seco

do animal para 30 por cento. Por outro lado, alguns pesquisadores mostraram um

aumento na gordura corporal, por exemplo, em babuínos. Isso, provavelmente, não é

nenhuma contradição real. Há razão para se acreditar que o efeito exato do açúcar

dependa da espécie de animai que você estuda, ou até mesmo da linhagem das

espécies, como em ratos. Também depende da idade na qual a alimentação com


açúcar começa, se você está estudando animais machos ou fêmeas, e por quanto

tempo dura o experimento.

O efeito do açúcar na maturidade

Uma das características dos países ricos é o estado nutricional de seus bebês e

crianças pequenas. Já não há incidência de deficiência nutricional, como

costumávamos ver: as crianças pálidas, famintas e raquíticas que eram comuns nas

cidades maiores. Em vez disso, há um número considerável de crianças gordas,

muitas delas começando a adquirir, mesmo bem antes de um ano de idade, o quadro

que mais tarde vai se transformar em anos de luta contra a gordura.

Uma das características desses bebês e crianças com excesso de peso é que seu

crescimento em altura também é acelerado, e eles tendem a atingir a maturidade

mais cedo. Embora existam poucas estatísticas detalhadas, aceita-se que a obesidade

ocorre em bebês alimentados com mamadeira muito mais comumente que nos

alimentados com leite materno. Um artigo no jornal médico britânico Lancet sugeriu

que isso ocorre devido à introdução precoce da alimentação mista, especialmente de

cereais. O que se deixa de considerar é que a fórmula infantil comum para o bebê

alimentado com mamadeira é um pó constituído por, ou em grande parte baseada

de, leite de vaca em pó, ao qual é adicionado o açúcar comum. Também é comum

adicionar-se açúcar ao alimento com cereais quando ele é introduzido, e é bastante

comum adicionar-se açúcar aos outros alimentos ao introduzi-los, até mesmo aos

ovos e às carnes e vegetais. Muitos dos alimentos infantis enlatados, que agora são

tão comumente consumidos, também contêm açúcar adicionado, e isso se aplica não

só a papinhas e doces, mas também a muitos alimentos salgados. É bom ver, no


entanto, que um número crescente de fabricantes produzem pelo menos alguns

alimentos infantis sem açúcar.

Tudo isto aponta para o possível papel do açúcar na gênese da obesidade infantil.

Mas agora temos evidências que o açúcar também pode produzir outros efeitos em

crianças. Uma das mudanças muito notáveis que ocorreram na fisiologia humana

durante o século passado é a diminuição da idade em que meninos e meninas

atingem a maturidade. Como é mais fácil detectar a maturidade em meninas que em

meninos (pela data do início da menstruação), existem mais informações sobre

garotas, mas estudos mostram uma maturidade mais precoce também em meninos.

Resumidamente, a cada década há uma diminuição de uns três ou quatro meses na

idade em que a puberdade se inicia. Nos últimos 130 anos, a idade em que as garotas

norueguesas atingiram a puberdade caiu quase exatamente quatro anos, de uma

média de 17 anos para uma média de 13 anos. As mesmas tendências podem ser

vistas na Suécia, Inglaterra e Estados Unidos. Em 1905, a idade média da puberdade

em meninas americanas era de 14 anos e 3 meses; hoje é apenas de cerca de 12 anos.

Aliás, é completamente errado achar que a puberdade ocorre mais cedo nos trópicos;

ela ocorre, na verdade, muito mais tarde que nos países mais ricos de climas

temperados.

A explicação usual da maturação mais precoce é ser causada pela melhor nutrição

dos países mais ricos e por menos casos, durante a infância, de doenças, infecciosas

ou não. Mas o Dr Ziegler sugeriu, com uma riqueza de estatísticas, que a causa

principal é um aumento da ingestão de açúcar. Ele acredita que a maturidade sexual

precoce é parte da aceleração total do crescimento que o açúcar induz. Embora ele

não tenha nenhuma evidência experimental, ele fornece uma explicação muito
plausível em termos dos efeitos prováveis do açúcar na secreção hormonal. Discutirei

isso depois com mais detalhes.

No nosso próprio trabalho experimental, fizemos três observações que apoiam a

sugestão de que o açúcar provoca maturidade sexual precoce. Ao alimentarmos

frangos com dietas com açúcar, notamos que suas cristas tornaram-se vermelhas e

crescidas mais precocemente que as de frangos alimentados com dietas sem açúcar.

Ao final de um de nossos experimentos, descobrimos que os testículos eram

nitidamente maiores nos frangos alimentados com açúcar. Com porcos, observou-se

que aqueles que receberam açúcar eram sexualmente mais ativos, demostrado por

suas frequentes tentativas de montar um ao outro na pocilga. Em ratos, o açúcar

produz um aumento notável do tamanho das glândulas adrenais, que, entre outras

funções, produzem hormônios que afetam o desenvolvimento sexual.

Apoiando a constatação do Dr Ziegler, existe um estudo do Dr O. Schaeffer, do

Canadá. O interesse particular desse estudo é a ocorrência de um grande aumento no

consumo de açúcar entre os esquimós do norte canadense. Dr Schaeffer estudou

esquimós em três áreas e mediu pesos ao nascimento, bem como as alturas e pesos

de adultos e crianças de várias idades. Em uma das áreas, o consumo anual médio de

açúcar aumentou de 12 quilos para 47 quilos em oito anos, em uma segunda área, de

37 quilos para 50 quilos em um ano e em uma terceira área, de 21 quilos para 28

quilos em cinco anos. Os pesos ao nascer aumentaram em todas essas áreas – um

pequeno aumento com o menor aumento do consumo de açúcar, e um aumento

maior, entre 250 gramas e meio quilo, em um ano, nas outras áreas.

Entre 1938 e 1968, a estatura dos homens adultos aumentou em cerca de 5

centímetros e a das mulheres, pouco mais de 2½ centímetros. A altura das crianças


aumentou muito mais. Meninos e meninas com idades entre 2 e 10 anos ficaram de 5

a 8 centímetros mais altos; meninos de 11 anos ficaram 11½ centímetros mais altos, e

meninas de 12 ou 13 anos chegaram a ficar 20 centímetros mais altas. Essa última

mudança foi acompanhada por uma redução da idade em que houve o rápido ganho

de peso associado à puberdade: em 1968, isso ocorreu entre as idades de 11½ e 13

anos, enquanto em 1938, ocorreu entre os 13½ e 15 anos. Os esquimós parecem

mostrar um avanço da puberdade similar, mas talvez ainda mais rápido, àquele que

ocorrera na Europa Ocidental e América.

O crescimento acelerado das crianças, e especialmente o desenvolvimento mais

precoce da puberdade, é geralmente creditado a uma melhoria na nutrição,

notavelmente a um aumento da ingestão de proteína. Essa foi a explicação dada para

o considerável aumento no crescimento de escolares japoneses a partir da Segunda

Guerra Mundial. Na verdade, entretanto, enquanto a ingestão de proteína animal

duplicou, a ingestão de proteína total foi apenas 10 por cento maior, e há pouca

evidência que as crianças medidas em 1946 eram deficientes em proteína.

O papel da proteína é ainda menos provável quando você considera que sua ingestão

entre os esquimós, na verdade, caiu de mais de 300 gramas por dia para pouco mais

de 100 gramas por dia durante o período estudado pelo Dr Schaeffer. Houve também

uma queda substancial da ingestão de proteínas por islandeses, um dos grupos

estudados pelo Dr Ziegler. Por outro lado, em todos esses três exemplos – os

japoneses, os esquimós e os islandeses – a aceleração do crescimento foi associada a

um grande aumento na ingestão de açúcar.

O efeito do açúcar na longevidade


A maioria dos nossos experimentos com animais foi realizada por um tempo

relativamente curto e começou com animais bem jovens, muitas vezes com apenas

algumas semanas de idade. Tivemos pouca experiência, portanto, em medir os

efeitos de diferentes dietas sobre a longevidade de ratos, frangos, porcos e coelhos.

No entanto, mantivemos um experimento simples em andamento por muito mais

que o habitual, começando com 28 ratos de um mês de idade. Desses, a 14 deu-se

uma dieta sem açúcar e a 14, uma dieta com açúcar. Ao final de dois anos, tínhamos

oito ratos vivos no grupo com amido e apenas três vivos no grupo com açúcar.

Observações mais cuidadosas foram feitas por dois outros grupos de investigadores.

Um grupo na Holanda alimentou alguns ratos com uma mistura de alimentos que

representa a média da dieta holandesa e comparou-os com outros ratos que foram

alimentados com a mesma mistura, mas com o dobro de açúcar. Devo acrescentar

que a quantidade de açúcar na dieta holandesa fornece cerca de 15,5 por cento das

calorias, ligeiramente inferiores aos 16 por cento aproximados da dieta americana

média e aos cerca de 18 por cento da dieta britânica.

Dos ratos machos, aqueles alimentados com a dieta padrão sobreviveram uma média

de 566 dias; aqueles alimentados com açúcar extra, uma média de 486 dias. O tempo

de sobrevivência para ratos fêmeas foi de 607 dias contra 582 dias. Se a mesma

redução proporcional em duração ocorresse em seres humanos, o açúcar extra

resultaria nos ‘setenta anos’ bíblicos sendo reduzidos para cerca de 60 anos nos

homens e 67 anos nas mulheres. A maior resistência dos animais fêmeas ao açúcar é

outro assunto que discutirei adiante.


O segundo estudo sobre longevidade foi realizado por alguns pesquisadores do

Departamento de Agricultura dos EUA. As dietas eram compostas de modo a conter

amido ou açúcar como o componente de carboidrato. Os investigadores estudaram

duas linhagens de ratos e, como já mencionei, descobriram que as linhagens

responderam de forma diferente às dietas contendo açúcar. Uma viveu o mesmo com

açúcar ou amido, embora o açúcar tenha produzido fígados maiores, com mais

gordura. A outra linhagem também tinha fígados maiores com mais gordura quando

alimentados com açúcar. Além disso, entretanto, seus rins estavam aumentados, e os

ratos morreram substancialmente mais cedo, aos 444 dias em vez dos 595 dias dos

ratos alimentados com amido. Se você tomar novamente a maior longevidade como

equivalente a 70 anos para um ser humano, o tempo de vida com uma dieta rica em

açúcar foi reduzido para o equivalente a 51 anos.

Não há nenhuma evidência neste momento que o açúcar afeta a longevidade dos

seres humanos. Mas, à luz dessa pesquisa animal, isso não seria uma sugestão

inteiramente absurda. Ouvimos dizer o quão mais saudáveis são, atualmente, as

pessoas nos países ricos devido às melhorias na nutrição e pela redução das doenças

infecciosas. Como resultado, relata-se, a expectativa média de vida aumentou de

cerca de 40 anos há um século atrás para mais de 70 anos atualmente. Mas a baixa

média anterior de expectativa de vida era devida a uma alta mortalidade em bebês e

crianças pequenas; uma vez que as pessoas atingissem a idade de cerca de 25 anos,

eles provavelmente sobreviveriam à quase a mesma idade que os ocidentais de agora.

Isso apesar de todos os avanços em nutrição e medicina e higiene, por isso é razoável

supor que essas melhorias na saúde têm sido pelo menos parcialmente compensadas

por uma deterioração que impede o que de outra forma poderia ter sido um aumento

discreto, mas muito real, da longevidade.


Que o açúcar pode afetar o crescimento, maturação e longevidade é apenas

surpreendente se continuarmos a acreditar que todos os carboidratos dietéticos têm

o mesmo efeito metabólico, uma vez digeridos e absorvidos. Só deixa de ser

surpreendente, mas torna-se altamente plausível, quando se lembra que o açúcar

pode induzir alterações consideráveis no nível de potentes hormônios.

19. Como o açúcar produz seus


efeitos?

U​ma razão pela qual muitas pessoas são céticas quanto à sugestão que o açúcar faz
mal à saúde é precisamente porque o número de doenças nas quais eu creio que o

açúcar participa é tão grande. Quando meus colegas e eu dizemos que tantas

condições podem ser amplamente evitadas ou melhoradas ao se evitar o açúcar,

parece que aderimos aos comerciantes de panaceias.

Tome vinagre de maçã, os gurus dos alimentos dizem, ou levedura de cerveja com

iogurte, ou óleo de gérmen de trigo, e você será jovem e saudável para sempre – bem,

quase para sempre. Evite o açúcar, eu digo, e você terá menos probabilidade de

tornar-se gordo, ter deficiência nutricional, ataque cardíaco, ter diabetes ou cárie

dentária ou úlcera duodenal, e talvez você reduza também suas chances de ter gota,

dermatite e alguns tipos de câncer, e em geral aumente seu tempo de vida.

É difícil, certamente, imaginar que a omissão de um único alimento possa produzir

todos estes benefícios, ou que sua inclusão na dieta possa ser responsável, pelo

menos em parte, por tantas doenças diversas. Contudo, não acredito que minha
sugestão seja no mínimo implausível. Como eu mostrei, o açúcar tem uma grande

escala das propriedades que fazem dele um integrante popular dos alimentos e das

bebidas; é esta versatilidade que é responsável por seu uso em muitos produtos, e

contribui para a alta ingestão de açúcar nos dias de hoje.

Devido a essas propriedades muito variadas, torna-se mais plausível imaginar que o

açúcar pode produzir um grande número de efeitos variados no corpo. Mas os

pesquisadores não estão certos dos mecanismos pelos quais cada um dos efeitos

possa ser causado. Muito do que se segue é, portanto, inevitável teoria, mas, espero,

servirá pelo menos à finalidade de sugerir algumas das linhas por onde uma pesquisa

adicional possa ser feita.

Pode-se esperar que o açúcar produza seus efeitos de várias maneiras diferentes.

Primeiramente, ele pode agir localmente nos tecidos da boca ou do estômago antes

mesmo que seja absorvido. Em segundo lugar, pode agir após ser digerido e

absorvido na corrente sanguínea. Em terceiro, pode possivelmente agir mudando os

tipos de micróbios que vivem nos intestinos. Isto poderia resultar em uma mudança

nos produtos microbiais que surgem e são absorvidos no sangue, e esses, por sua vez,

poderiam afetar o metabolismo do corpo.

A evidência que o açúcar age de todas essas maneiras varia da quase certeza à

especulação altamente imaginativa, mas penso que para todas elas vale a pena se

olhar. Mesmo o especulativo servirá a um propósito se conduzir à investigação

destinada a esclarecer algumas das propriedades notáveis do açúcar no corpo.

Ação local
A ligação entre o açúcar e a doença dental

Existe uma grande concordância, como já mencionei, sobre as maneiras que o açúcar

está envolvido em causar a cárie dentária. As bactérias encontradas na boca são

estimuladas a crescer e produzir ácido a partir de carboidratos – do amido e de todos

os açúcares que forem encontrados em nosso alimento. A sacarose, entretanto, é uma

causa particularmente potente da cárie por duas razões. Primeiramente, a sacrose é o

ingrediente principal em alimentos particularmente pegajosos e que aderem aos

dentes; os biscoitos e os toffees são exemplos notáveis. Isso por si só favoreceria a

formação de cárie, porque o carboidrato que eles contêm não é removido; em

conseqüência, o ácido produzido pela ação bacteriana fica em contato prolongado

com a superfície do dente. Em segundo lugar, a sacarose, ao contrário de outros

hidratos de carbono, tem a propriedade única de se aglomerar em um material

chamado dextrano, que serve como a mais eficiente matéria-prima para a bactéria

produtora de ácidos, ​Streptococcus mutans.​

A ligação entre o açúcar e a dispepsia.

Os pacientes que nós tratamos no experimento mencionado no Capítulo 16 estavam

sofrendo de uma variedade de distúrbios, incluindo hérnia de hiato, úlcera duodenal,

ou dispepsia severa com ou sem ulceração existente. Não existe atualmente muita

discussão sobre as causas desses distúrbios. Mas creio que podemos imaginar uma

maneira na qual o açúcar pode produzir ou exacerbar uma inflamação na mucosa do

esôfago ou do estômago; por que uma dieta baixa em açúcar alivia os sintomas; e

talvez mesmo por que o açúcar pode realmente produzir um úlcera.


Se você pensar sobre a dieta humana ‘natural’, quero dizer, a dieta de antes do

começo da agricultura, você verá que os constituintes das refeições não seriam

irritantes ao estômago. Isso porque eles não têm uma pressão osmótica elevada.

Deixe-me explicar o que é pressão osmótica. É a propriedade de uma solução aquosa

que é medida por sua tendência a absorver mais água em circunstâncias particulares.

Se, por exemplo, você puser uma solução concentrada de açúcar sobre uma fruta, a

fruta murchará, porque sua umidade será sugada pelo açúcar. Ou se você derramar

açúcar em um corte em seu dedo, doerá como quando você põe sal sobre ele, embora

não tanto porque o sal tem uma pressão osmótica ainda mais elevada que o açúcar.

Outra vez, isso ocorre porque as células da pele murcham por ter que ceder parte de

sua água.

A pressão osmótica depende da concentração das partículas (moléculas ou íons) na

solução. Se você estiver lidando com um material como amido, que tenha moléculas

muito grandes, então mesmo uma solução concentrada não terá muita pressão

osmótica porque conterá relativamente poucas moléculas. Por outro lado, uma

concentração similar de açúcar terá uma pressão osmótica elevada, porque as

moléculas são pequenas e assim haverá muito mais delas.

A dieta pré-Neolítica, como eu indiquei anteriormente, continha provavelmente uma

quantidade razoável de proteína, uma quantidade moderada de gordura, e um pouco

de amido e açúcar. A proteína e o amido têm moléculas grandes, e a gordura não se

dissolve na água de forma alguma. Assim, a pressão osmótica dependeria na maior

parte do pouco de açúcar dessa dieta e da quantidade muito menor de outros

materiais com moléculas pequenas, tais como vários sais e vitaminas do alimento.
Esse tipo de dieta, então, não irrita os tecidos sensíveis, como a membrana mucosa

da parte superior do trato digestivo.

Grandes quantidades de açúcar, entretanto, especialmente se ingeridas em formas

concentradas com o estômago vazio, serão um irritante. Você pode realmente ver a

irritação acontecer se você colocar um endoscópio no estômago de alguém, que

permitiria ver o revestimento do estômago. Se você pedir à pessoa para engolir uma

solução moderadamente forte de açúcar – o equivalente, digamos, a quatro ou cinco

torrões em uma xícara de café – você pode observar a membrana mucosa ficar

vermelha e irritada enquanto o açúcar a alcança.

O fato é que esse açúcar nas quantidades que fazem parte da dieta ocidental média,

ingerido especialmente com o estômago vazio, será uma fonte de irritação repetida

nas membranas mucosas delicadas do esôfago e do estômago. A irritação do esôfago

é a causa mais provável da azia. Assim como para o estômago, não é surpresa que

uma dieta rica em açúcar, mesmo por somente duas semanas, possa resultar na

produção de mais ácido e de um suco gástrico muito mais ativo, como mostramos em

nossos experimentos. Finalmente, é uma opinião generalizada que a úlcera duodenal

é o resultado do excesso de secreção de suco gástrico, de modo que também não é

difícil ver por que o açúcar pode contribuir para a origem desse distúrbio.

Há uma outra maneira possível pela qual o açúcar pode agir no estômago. Como eu

mostrei, o açúcar afeta as glândulas adrenais, e sabe-se que alguns dos hormônios

produzidos por essa glândula aumenta a produção do suco gástrico. O açúcar então

estaria produzindo seus efeitos no estômago por uma ação local e por uma ação

geral.
Deixe-me repetir que estas sugestões são feitas simplesmente porque constituem

uma explicação razoável para pelo menos algumas formas de indigestão severa.

Resta ainda saber se esses são os mecanismos exatos pelos quais o açúcar pode

contribuir para provocar a úlcera duodenal, por exemplo. Mas mesmo que a

explicação seja outra, não há dúvidas da eficácia na maioria dos pacientes da dieta de

baixo carboidratos no alívio dos sintomas da indigestão severa e crônica.

O falecido Cirurgião-Comandante T. L. Cleave sugeriu um mecanismo bem diferente

para a causa da úlcera péptica e de outras doenças da prosperidade. Ele acreditava

que todo ‘carboidrato refinado’ seria igualmente responsável. Tanto a farinha branca

como o açúcar refinado causam ulceração péptica, ele sugeriu, porque eles são

concentrados – o açúcar sendo concentrado da cana ou da beterraba, e a farinha

branca do trigo integral. Ele acreditava que é a remoção de sua proteína que

transforma a farinha integral inócua na farinha branca causadora de úlceras. A idéia

por trás disso é que a proteína é necessária para a neutralização apropriada do ácido

gastrico.

Eu não achei a teoria convincente por três razões. Um é que a diferença no índice de

proteína entre a farinha integral original e a farinha branca é muito pequena,

aproximadamente 13,5 por cento comparados com os 13,0 por cento; os números

exatos dependerão da amostra da farinha e do modo específico que foi moída. Mas

mesmo a farinha feita do trigo integral contém somente um pouco mais de proteína,

talvez 14,5 por cento.

Segundo, pão não é a única fonte de proteína, assim a neutralização do ácido do

estômago não depende inteiramente do pão, marrom ou branco. O pão contribui com

aproximadamente 17 gramas de proteína na dieta média diária dos ingleses, onde a


ingestão total de proteína é de cerca de 100 gramas. A diferença entre comer pão

feito de trigo integral e comer pão branco fica em terno de um grama de proteína ao

dia, e um pouco menos se você comer os tipos inferiores de pão escuro em vez de pão

de trigo integral.

Terceiro, nossas próprias experiências mostraram que se a quantidade de amido na

dieta, a maior parte do pão branco, fosse reduzida e em seu lugar estivesse o açúcar,

haveria uma grande mudança no suco gástrico. Os efeitos do pão e do açúcar são

muito diferentes para serem agrupados como ‘carboidratos refinados’ igualmente

perigosos, como mostramos no Capítulo 6.

Ação geral

Embora não saibamos ao certo como o açúcar pode causar doenças, acredito que

algum tipo de padrão está começando a emergir. Agora temos de colocar alguma

teoria razoável baseada nesse padrão, de modo que novos experimentos revelem

mais do padrão. Naturalmente teremos que mudar nossas teorias se acabarem por

estar erradas. Na tentativa de compreender como o açúcar pode estar envolvido na

causa de tantas doenças e anormalidades, dois resultados de nosso trabalho

impressionaram-me especialmente. Um é que o açúcar produz um aumento do

fígado e dos rins de nossos animais experimentais, não apenas fazendo todas as

células incharem um pouco, mas realmente aumentando o número das células desses

órgãos. Em termos técnicos, o açúcar produz não somente hipertrofia, mas também

hiperplasia.
O segundo efeito que parece ser importante é que o açúcar pode produzir, pelo

menos em algumas pessoas, um aumento nos níveis de insulina e estrogênio e um

aumento mais impressionante no nível do hormônio cortical adrenal; isso também

produz um aumento das glândulas adrenais dos ratos. Deve-se recordar, também,

que esses efeitos são mais prováveis de ocorrer quando o sangue é repetidamente

inundado por níveis elevados de glicose e frutose produzidos quando a sacarose é

digerida. Isto de fato é o que acontece, em parte porque – como a propaganda diz – é

rapidamente digerido e absorvido, e em parte porque as pessoas frequentemente

ingerem açúcar em alimentos e bebidas entre as refeições, quando há pouca coisa no

estômago que atrase a absorção.

Para começar, os efeitos nos hormônios, no fígado e nos rins devem persuadir

qualquer pessoa razoável que o açúcar não é apenas um tipo comum de alimento. Em

segundo lugar, seu efeito em produzir níveis elevados de hormônios mostra como o

açúcar pode estar implicado em tamanho número de condições. E também, eu

sugiro, indica porque as pessoas podem desenvolver uma doença em vez de outra.

Isso porque os hormônios mantêm uma intricada interrelação, tanto nas quantidades

que circulam pelo sangue em um determinado momento como nas suas ações sobre o

metabolismo do corpo. Parece ser sempre verdade que um aumento na quantidade

de um hormônio resulta em um aumento ou em uma diminuição de vários outros

hormônios.

De maneira geral, o efeito é uma tendência a restaurar o estado do corpo ao que era

antes. Isso ocorre porque algumas das ações de diferentes hormônios se opõem umas

às outras, enquanto algumas realçam umas às outras. Mas a probabilidade é que,


depois de todos os reajustes que seguem o aumento de um hormônio, algumas ações

de todo o conjunto ainda não estariam em equilíbrio.

Eu acredito que os detalhes das maneiras que essas tentativas de reajuste são feitas

iriam variar de pessoa para pessoa. Imagine uma repentina enxurrada de água em

um córrego. Ela eventualmente força seu caminho através de uma parte fraca das

margens. Você agora conserta isso rapidamente, mas você pode buscar material

apenas de outras partes das margens: pedras e cascalho e lama e areia, um pouco de

vários lugares. Quando você consertou a ruptura, você enfraqueceu outras partes das

margens; somente a inundação seguinte lhe dirá que parte cederá agora. Irá

depender de tantas coisas, e dois córregos que parecem ser idênticos quase sempre se

comportarão diferentemente quando a pressão surgir.

Naturalmente, você pode fingir que a situação é realmente muito mais simples. Não é

difícil imaginar que o açúcar causa o diabetes porque faz as células produtoras de

insulina do pâncreas trabalharem demais até se esgotarem. E isso pode de fato ser

assim para alguns tipos de diabetes. Eu digo isso porque há uma opinião crescente

que o diabetes não é apenas uma doença, ou mesmo as duas doenças nos jovens e na

meia-idade às quais me referi antes. De forma que pode haver um mecanismo

complexo no qual o açúcar produz diabetes, ou algo como diabetes, e não se sabe o

bastante sobre a doença para tentar desvendar o mecanismo.

Sobre a aterosclerose, eu estabeleci o possível mecanismo simplesmente para meu

próprio benefício, porque nos dá idéias de que novos experimentos devemos realizar.

Essa hipótese de trabalho começa com a suposição de que a causa subjacente da

doença é um nível elevado de insulina. As razões para essa opinião são várias.
Primeiro, muitos pessoas que estão com aterosclerose definida têm um alto nível de

insulina. Segundo, diversas circunstâncias aumentam o risco da doença coronária,

incluindo fumar cigarro, sobrepeso, doença vascular periférica, e o diabetes tipo II.

Cada um dos três primeiros, e frequentemente o diabetes também, estão associados a

um nível aumentado de insulina. Terceiro, a redução do peso adicional, ou a

atividade física aumentada, ambos os quais reduzem o risco de desenvolver a doença

coronariana, resultam em uma queda dos níveis da insulina. Quarto, experimentos

com ratos mostraram que a administração de insulina produz uma quantidade

aumentada de colesterol no aorta. Finalmente, parece que algumas pessoas têm

muito mais probabilidade de ter trombose coronária que outras, assim seria

compreensível que somente algumas pessoas reagissem ao açúcar através de um

nível elevado de insulina.

Mas a razão mais convincente para acreditar que a insulina, ou talvez algum outro

hormônio, origina o processo que culmina como doença coronariana é a

multiplicidade de mudanças que acompanham a doença. Como tenho dito diversas

vezes, estamos procurando o mecanismo que produz um quadro que envolve não

somente um nível elevado de colesterol e triglicerídeos, mas também uma variedade

de outros distúrbios: na bioquímica, no comportamento das plaquetas e em um

número de outras características. Somente um distúrbio de níveis hormonais seria

possível ser capaz de explicar tão ampla variedade de mudanças.

No momento, parece que a primeira mudança mais provável seja um aumento do

nível de insulina. Mas pelo menos outros dois hormônios são afetados, como

mostrei, e há uma grande interação entre as atividades dos vários hormônios. Por

conseguinte, pode ser que a primeira alteração seja de algum outro hormônio que

não a insulina, e que o aumento do nível de insulina seja secundário a esse. Não
temos ainda informação suficiente para responder essa pergunta, mas estou

convencido que um trabalho adicional sobre atividades hormonais é agora a linha

mais promissora de pesquisa que devemos perseguir.

Ao discutir o possível papel dos hormônios na produção de aterosclerose, é bom

lembrar que os hormônios sexuais certamente desempenham um papel; que a

doença coronária é muito mais comum nos homens que nas mulheres, mas que a

diferença diminui após a menopausa, quando há uma diminuição na atividade dos

hormônios sexuais femininos; e que há uma relação particularmente estreita entre os

hormônios produzidos pelas glândulas sexuais e alguns daqueles produzidos pelas

glândulas supra-renais.

Ainda não é possível começar a descrever como a aterosclerose se desenvolve; não se

sabe o suficiente sobre ela. No entanto, talvez valha a pena alguma especulação.

Deixe-me supor que a primeira mudança induzida por uma dieta rica em sacarose

seja uma mudança na quantidade de enzimas nas células do corpo, tais como as

musculares. Você pode imaginar que, após muitos anos, uma manutenção de uma

dieta rica em açúcar resulte em uma habilidade diminuída das células de realizar

corretamente seus processos metabólicos normais. Tornam-se agora incapazes de

usar apropriadamente seus materiais metabólicos comuns tais como a glicose, para o

quais necessitam de hormônios, especialmente a insulina. Como resultado, o nível de

glicose no sangue sobe.

A fim de superar esta incapacidade das células, o pâncreas aumenta a quantidade de

insulina que produz e lança na corrente sanguínea. O aumento da insulina permite

que as células agora tenham que começar a lidar com a glicose e outras substâncias.

Nesse momento, a situação pode conduzir ao diabetes, ou pelo menos àquelas


manifestações da doença chamada diabetes tipo II. Mas a insulina produz muitas

outras ações, e em muitas células além das musculares, e essas, pode-se supor, não

foram afetadas pela sacarose da dieta. No que concerne essas outras atividades,

existe agora uma quantidade excessiva de insulina. Um resultado seria mudar o

equilíbrio dos vários outros hormônios. Um outro resultado seria produzir efeitos

tais como a formação de gordura ou a obesidade. E ainda outros resultados seriam

aumentar o acúmulo do colesterol e de outros materiais gordurosos nas artérias,

talvez mudar as propriedades das plaquetas, e, juntos, gradualmente provocar o

quadro conhecido como aterosclerose.

Nem todas essas sugestões são originais, embora eu tenha me responsabilizar por

colocá-las todas aqui no que, em última análise, pode vir a ser uma sequência

incorreta. E eu seria o primeiro a concordar que este é um cenário extremamente

hipotético. Eu o expus, no entanto, por duas razões: primeira, ele indica um possível

papel da sacarose na aterosclerose que não é totalmente implausível; segunda,

cria-se uma hipótese que pode ajudar pesquisadores a tomar decisões sobre quais

novos experimentos devem ser realizados.

Eu não acho que valha a pena seguir com meu argumento, porque muito tem que ser

especulação. Deixe-me apenas dizer que as alterações hormonais certamente afetam

a pele, a taxa de crescimento de um animal e sua maturidade sexual, e que há cada

vez mais provas da relação entre hormônios e algumas formas de câncer. Por ora,

basta dizer que o açúcar produz muitas mudanças profundas no metabolismo do

corpo. Por conseguinte, é bem possível imaginar que pode estar relacionado a uma

ampla gama de doenças, incluindo aquelas como diabetes e aterosclerose, que

manifestam profundas perturbações do metabolismo.


Micróbios no trato digestivo

A terceira maneira pela qual o açúcar pode agir é alterando o número e a proporção

dos diferentes tipos de micróbios que habitam o intestino. Eles existem e se

multiplicam nos resíduos dos alimentos que não foram absorvidos ou digeridos. Os

tipos de alimento que foram ingeridos determinarão os tipos e as quantidades desses

materiais, que por sua vez afetarão a proporção e os números dos micróbios

intestinais.

Infelizmente, a ciência médica não tem ainda muito conhecimento sobre tais

detalhes em seres humanos, embora seja absolutamente certo que as mudanças

ocorrem quando o açúcar toma o lugar do amido.

Enquanto ainda não sabemos que efeitos podem ter sobre o resto do corpo, parece

ser razoável dizer algo sobre a substituição de parte do açúcar do leite (lactose) pelo

açúcar comum (sacarose) para os bebês. Sabe-se que os bebês alimentados com

mamadeira, que frequentemente têm sacarose adicionada ao leite de vaca para

deixar a quantia total de açúcar mais próxima à do leite humano, tendem a ter

gastroenterite (diarreia e vômitos) muito mais que os bebês amamentados ao peito

que ingerem somente lactose. Também mostrou-se que as fezes de bebês

amamentados ao peito contêm muitos mais lactobacilos inofensivos que as fezes de

bebês de mamadeira, e muito menos das bactérias coli potencialmente prejudiciais.

Outra vez, as fezes de bebês amamentados ao peito tendem a eliminar as bactérias

prejudiciais; aquelas de bebês de mamadeira permitem que se multipliquem.


Esses achados sugerem que o conteúdo intestinal pode tornar um bebê mais ou

menos suscetível a infecções. Os pesquisadores atribuem isso em grande parte ao

fato que os bebês de mamadeira obtêm somente parte do açúcar como lactose e o

resto como sacarose.

Tem sido sugerido que a diverticulite, uma doença incômoda do intestino grosso, é

associada a dor e diarreia, e pode ser de alguma maneira causada pela dietas

modernas. Uma sugestão amplamente aceita é que isso decorra de ingerir alimento

com pouco resíduo, especialmente pão branco em vez de pão integral mais fibroso.

Anteriormente neste capítulo eu lhe disse porque eu não creio que se pode explicar

úlceras duodenais e outras doenças do homem ocidental dessa maneira. Eu creio,

entretanto, que uma causa possível da diverticulite seja o aumento da ingestão de

açúcar às custas do amido. Os diferentes tipos e quantidades dos micróbios que

surgem quando essa mudança dietética é feita poderiam muito bem influenciar o

próprio intestino, alterando tanto sua atividade como sua resistência a lesões.

Sacarose no sangue

Mostrei que o açúcar que comemos é digerido em glicose e frutose antes de ser

absorvido até o sangue. Essa digestão é geralmente completa a não ser quando

quantidades muito grandes de açúcar sejam consumidas; nessas circunstâncias,

quantidades muito pequenas de sacarose não digerida podem cair na corrente

sanguínea. Como estamos começando a descobrir, a sacarose tem diversas ações

potentes sobre as células vivas, e assim é completamente concebível que essas

quantidades minúsculas, por um longo período de tempo, podem produzir efeitos


prejudiciais aos tecidos do corpo. Atualmente isso é pura hipótese, mas é uma

sugestão que a pesquisa futura deve perseguir.

20. O açúcar deve ser proibido?

C​omo mostra este livro, boa parte de nossa recente pesquisa no Queen Elizabeth
College preocupa-se com os possíveis efeitos nocivos de um alto consumo de açúcar,

de forma que, cada vez mais, temos provocado um mal-estar entre muitos de nossos

amigos industriais. Como uma proporção muito grande de alimentos

industrializados contém açúcar e muitos deles em grande quantidade, era de se

esperar que as nossas relações com um ou dois amigos da indústria ocasionalmente

se tornassem bastante tensas.

Houve, na verdade, muitas reações diferentes da indústria, e elas foram bem

resumidas quando eu tive a oportunidade de conhecer os quatro ou cinco diretores

de uma empresa de fabricação de alimentos cuja amplo leque de produtos inclui uma

quantidade considerável de confeitos de açúcar e chocolate. Isso foi há vários anos,

quando o caso contra o açúcar não era tão forte como é hoje, mas, no entanto,

apresentei-lhes esta questão:

Supondo que nossa opinião acabe sendo apoiada por evidências incontestáveis de

que o açúcar e, consequentemente, alguns de seus produtos contribuam

significativamente para a mortalidade por doença coronariana; você continuaria a

fabricar seus deliciosos chocolates de dar água na boca?


A gama de respostas representa toda a gama de atitudes que encontrei entre aqueles

com quem discuti a questão de o que fazer a respeito do alto consumo de açúcar que

agora, sem dúvida, contribui para tanta doença e morte. Em um extremo, havia o

diretor que disse não ser sua função proteger as pessoas de si mesmas; ele não

estaria forçando as pessoas a comer seus produtos e se eles escolhessem fazê-lo sob o

risco de se prejudicarem, seria de sua própria livre escolha. No outro extremo, um

diretor disse que se ele fosse convencido de que o açúcar fosse prejudicial à saúde, ele

iria se demitir da companhia; da mesma forma, ele disse, nada o induziria

atualmente a ser um diretor, ou até mesmo a ter ações, de uma empresa que

fabricasse cigarros.

Vários outros pontos de vista caíram entre esses dois extremos. Um veio de um

diretor que disse que, se as provas contra o açúcar tornarem-se fortes, ele encorajaria

sua firma a investir dinheiro e esforço em uma pesquisa projetada para encontrar

maneiras de combater os seus efeitos nocivos – uma espécie de antídoto, por

exemplo, que eles pudessem por em seus produtos.

Meu próprio ponto de vista? Isso é baseado na crença que expressei anteriormente –

que as pessoas tornaram-se cada vez mais capazes de separar desejos e necessidades,

chegando ao ponto onde a satisfação de desejos desenfreada pode ser desastrosa para

o indivíduo e para a espécie humana. As pessoas sempre quiseram comer alimentos

doces porque gostavam deles. Enquanto os únicos alimentos doces que pudessem ser

encontrados fossem frutas, ao satisfazer seus desejos por doçura, eles ajudavam a

satisfazer suas necessidades de vitamina C e outros nutrientes. Mas desde que elas

começaram a produzir seus próprios alimentos, e especialmente desde que eles

desenvolveram a tecnologia do refino de açúcar e fabricação de alimentos, elas foram

capazes de produzir e separar a doçura de todos os nutrientes. O que as pessoas


querem não é mais necessariamente o que eles precisam. Por causa dos fortes

desejos que originariamente serviram importantes propósitos biológicos, não basta

dizer que as pessoas devam ser ensinadas sobre o que é bom para elas, e o que é

ruim, e depois deixá-las tomar suas próprias decisões.

Na verdade, esse suposto princípio de conhecimento associado à liberdade de escolha

não é tão inviolável, como às vezes se prega. Aceita-se, na maioria dos países, que as

pessoas não deveriam ter a livre escolha de fumar ópio se o desejarem, ou cheirar

cocaína. Então a única pergunta é: até que ponto a comunidade deve intervir para

proteger os indivíduos de seguir aqueles instintos que nossa habilidade tecnológica

tornou perigosos de seguir?

Um contínuo estende-se da situação onde a sociedade obviamente deve interferir –

fumar ópio, digamos – à situação onde não podemos interferir efetivamente – por

exemplo, exercitar-se pouco. Em algum lugar entre esses dois extremos encontra-se

o tabagismo e o consumo de açúcar.

É nessa área que a maioria das pessoas concordaria que se devem envidar esforços

para persuadir o público a adotar medidas que preservem a sua saúde. Infelizmente,

tem havido pouco apreço oficial à necessidade de estudar seriamente a eficácia de

várias técnicas de persuasão, da mesma forma que se deve estudar a eficácia de

várias técnicas cirúrgicas na cura de uma doença. Essa indiferença tornou-se clara

anos atrás quando um deputado perguntou se o British Medical Research Council

[Conselho Britânico de Pesquisas Médicas] estaria buscando formas que pudessem

influenciar as pessoas a deixar de fumar. A resposta do ministro responsável do

governo foi que isso não era a missão do Medical Research Council. Teme-se que a
mesma resposta seria dada atualmente à questão de como persuadir as pessoas a

parar de ingerir açúcar.

Uma razão pela qual as pessoas relutam em acreditar que é necessário fazer alguma

coisa sobre o estudo da arte da persuasão é que elas não apreciam a grande distância

existente entre a sabedoria e o comportamento – entre saber e fazer. Como disse

anteriormente, normalmente acredita-se que tudo o que você tem que fazer sobre a

educação para a saúde é informar as pessoas. Basta dizer que comer doces causa

furos em seus dentes e seu trabalho está terminado. E apenas lentamente percebe-se,

até mesmo por agências especiais da ONU como a Organização Mundial da Saúde e a

Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, que essa abordagem

é uma das principais causas do fracasso da educação sobre saúde nos países em

desenvolvimento. Simplesmente não é o bastante dizer às pessoas que devam comer

frutas ou que dêem leite aos seus bebês; há muito além disso.

Já vi muitas campanhas, apoiadas pelas autoridades odontológicas, para reduzir a

cárie dentária em escolares. Por vezes elas se contentam simplesmente em produzir

pôsteres atraentes; por vezes elas vão além e dão prêmios às crianças que podem

responder perguntas sobre a estrutura dos dentes e como a cárie dentária se

desenvolve. Mas raramente testaram se sua propaganda de fato resultou em uma

redução do número de dentes afetados por cáries, embora nada disso seja realmente

de alguma utilidade. Assim você pode entender porque eu creio que não deveríamos

assumir que o perigo de se comer açúcar será lidado satisfatoriamente apenas ao se

ter certeza que as pessoas estejam informadas; que as pessoas pararão de consumir

esses alimentos e bebidas assim que souberem que o açúcar está envolvido na causa

não apenas do sobrepeso e das cáries dentárias, mas também da doença cardíaca,

indigestão crônica, úlceras e diabetes, e talvez de outras doenças. O resultado


provável é que, como ocorreu com o tabagismo, algumas pessoas serão persuadidas a

parar, mas que muitos não farão nada a respeito, mesmo se pudermos convencê-los

do mal que o açúcar faz.

A sociedade deve, então, de alguma forma, forçar as pessoas a desistir do açúcar? A

maioria das pessoas iria responder a essa pergunta com um enfático ‘Não’. É

suficiente, elas acreditam, que as pessoas devam ser informadas sobre o valor dos

diferentes alimentos, bons ou ruins, e que devam fazer suas próprias escolhas. Dei

minhas próprias razões por que acredito que nossa habilidade de separar

palatabilidade do valor nutricional faz disso uma visão impraticável. Além disso, a

idéia de que a livre escolha é suficiente implica que a escolha é de fato livre; que as

pessoas têm acesso total e imparcial ao conhecimento sobre os valores dos alimentos.

Mas têm?

Aqueles que, como eu, estão preocupados com o consumo excessivo de açúcar –

dentistas, por exemplo – muitas vezes apontam para o enorme volume publicitário

de confeitos, bolos, sorvetes, refrigerantes. Apenas na Grã-Bretanha, mais de 100

milhões de libras por ano são gastas na publicidade desses bens. Mas não tenho

certeza de que a publicidade ajuda muito para aumentar a quantidade total

consumida. Há algumas evidências que o efeito da publicidade é, apenas, de

persuadir as pessoas a comprar uma marca em vez de outra marca – Coca-Cola em

vez de Pepsi-Cola, digamos.

Não estou convencido que a regulamentação da mídia sobre a aceitação da

publicidade funciona totalmente em benefício do consumidor; sinto que eles tendem

a olhar para trás um pouco ressabiados para certificarem-se que não ofenderam os

anunciantes ou seus agentes. E sou francamente muito cético ao ler as declarações da


indústria publicitária britânica e americana, dizendo ter sempre os interesses da

comunidade em seu coração. O Presidente da Associação Britânica de Publicidade

disse que seus objetivos incluem ‘manter o caminho aberto para a publicidade

honesta – pavimentando-a com honestidade, ampliando-a com novas compreensões,

tornando-a reconhecida como um serviço, provendo a comunidade como um todo’.

Tenho certeza que todos podem lembrar de exemplos de publicidade que estão longe

de cumprir esses objetivos.

Com muitos exemplos em mente de como a informação pode ser distorcida ou

omitida, torna-se ainda mais evidente que as pessoas não deveriam ser abandonadas

para decidir o que devem ou não comer. Mais cedo ou mais tarde, sinto, será

necessário introduzir alguma legislação que de alguma forma ou previna as pessoas

de consumir tanto açúcar, ou que especialmente previna que pais, parentes e amigos

destruam a saúde de bebês e crianças.

Mas enquanto isso não seja considerado uma questão de saúde pública, não há nada

que possamos fazer? Algumas pessoas acham bem fácil largar o açúcar, mas muitos

acham bem difícil. Deixe-me contar como consegui. Devo agora confessar que eu

costumava ser o mais dedicado ‘viciado’ em açúcar que você já viu. Eu destaco isso

por duas razões. Uma é que muita gente imagina que minha campanha contra o

açúcar existe só porque não gosto de coisas doces; se soubessem quantos quilos de

chocolate ao leite e balas e bolos que costumava engolir a cada semana! Como uma

estimativa grosseira, eu diria que meu consumo total de açúcar não devia ser inferior

a 300 gramas por dia, provavelmente mais próximo de 400. A segunda razão para

essa confissão é mostrar que é possível quebrar o vício em açúcar. Eu passei de dois a
dois quilos e meio por semana para cerca de sessenta ou noventa gramas por semana

– às vezes praticamente nada – e se eu consegui fazer, você também consegue.

A primeira coisa a fazer, obviamente, é ter a iniciativa. Você deve se decidir

fortemente que você realmente quer reduzir sua ingesta de açúcar. Pode ser que você

esteja começando a se preocupar com sua cintura, ou com suas contas do dentista,

mesmo que você não acredite realmente em nada do que disse sobre úlceras e

diabetes e doença cardíaca. Uma vez que você tenha se decidido, você não achará

muito difícil. Mas comece devagar. Se você coloca duas colheres ou torrões de açúcar

no seu café ou chá, reduza para uma durante uma semana ou duas e depois para

meia durante uma semana ou duas e só então pare completamente. Tente não beber

os refrigerantes normais. Em vez disso, tome bebidas de baixa caloria, ou chá gelado;

e o que há de errado com a simples água? Se você não consegue beber menos cerveja

ou sidra, escolha as versões secas. E evite os ‘aditivos’ normais para o seu uísque ou

gim ou vodca.

Você também pode reduzir gradativamente as sobremesas e sorvetes, e você pode

escolher as variedades menos doces de bolos e biscoitos. Abstenha-se dos cereais

cobertos de açúcar no café da manhã e, obviamente, não coloque açúcar neles.

Você pode achar difícil de acreditar, mas quando você ficar realmente acostumado a

pouco açúcar em seus alimentos e bebidas, você irá notar que seus alimentos têm

uma ampla variedade de sabores interessantes que você havia esquecido. Afogar tudo

em açúcar tende a esconder esses sabores e embota a sensibilidade do seu paladar.

Você notará especialmente o quanto você aprecia frutas, e todas as sutis diferenças

entre um e outro tipo de maçã ou pera ou laranja. E a menos que você coma um quilo

ou mais de frutas por dia, será impossível ingerir tanto açúcar quanto uma pessoa
média consome atualmente de açúcar refinado, muito menos a grande quantidade

que tantos comem.

Tudo isso não significa que você nunca deve, em circunstância alguma, comer um

pedaço de torta ou uma porção de sorvete. Nenhum grande mal acontecerá se, em

um jantar, você aceitar algo especial que sua anfitriã fez para a ocasião. Comer de

forma sensata não é o mesmo que tornar-se incômodo. Há claramente algumas

fontes de açúcar que o fornecem muito mais que outras. Se você perceber que põe

duas ou três colheres de açúcar no seu chá ou café e que, ao somar tudo, você

descobre estar tomando sete ou oito xícaras ao dia, você pode facilmente perceber

aqui a chance de reduzir o açúcar em sessenta a noventa gramas por dia. Adicione a

quantidade que você toma com seu cereal no café da manhã e talvez o refrigerante ou

suco de frutas eventual durante o dia, e você descobrirá que não é uma grande

dificuldade diminuir para até um quarto da sua ingestão habitual, ou até mesmo

muito menos.

É mais do que provável que os efeitos nocivos do açúcar são maiores quando você o

ingere juntamente com pouca coisa. Ingerido dessa forma, sua digestão e absorção

não são dificultados pela digestão e absorção dos outros alimentos, assim o fluxo

sanguíneo é rapidamente inundado com açúcar. Dessa forma, é mais importante

evitar o açúcar ingerido entre as refeições, por exemplo, em bebidas e confeitos, do

que, digamos, um pedaço de torta de maçã, comida ao final da refeição, quando a

digestão e a absorção do açúcar serão muito mais lentos e os seus efeitos bem

menores.

Talvez o problema mais difícil seja como criar seus filhos sem entupi-los de açúcar.

Tudo em nossa moderna forma de vida parece conspirar para enfiarmos açúcar pelas
suas pobres, inocentes e resignadas gargantas, quase a partir do momento que

nascem. Mas com um pouco de cuidado você pode fazer pelo menos com que seus

filhos não entrem na faixa de ‘um a dois quilos de açúcar por semana’.

Você deve começar escolhendo uma das fórmulas infantis que seja feita acrescida de

açúcar de leite (lactose) em vez de açúcar comum. Em seguida, quando você

introduzir cereais ou alimentação mista mais variada, escolha alimentos

instantâneos ou em conserva cujos rótulos dizem ‘Sem adição de açúcar’, ou dê-se ao

trabalho de fazer suas próprias papinhas de carnes e legumes. Certifique-se de que o

suco de laranja não teve nenhum açúcar adicionado a ele, ou, novamente, faça você

mesmo.

Mais tarde, não se prive de dar um doce ou biscoito, mas apenas ocasionalmente e

como um presente. Nunca, claro, dar na hora de dormir, depois de seus filhos terem

escovado os dentes. Um bom plano é fazer com que seus pequeninos escovem os

dentes depois de cada vez que comerem um doce ou biscoito. Perguntar-lhes quando

chegarem da escola ou de uma visita à casa da vovó se eles comeram algum doce e, se

comeram, fazer com que escovem os dentes logo em seguida. Com sorte, eles podem

ficar entediados com tanta escovação que acabarão por ficar satisfeitos com doces

somente após as refeições, após as quais, sem dúvida, você vai querer que escovem

mesmo os dentes.

No final, as dificuldades não têm a ver com o como você cria seus filhos, mas com o

quanto seus caros amigos e parentes colocam de doces em suas mãozinhas,

geralmente pelas suas costas. Embora você talvez não seja capaz de mantê-los longe

do açúcar o quanto deseja, você notará ser bem possível manter a quantidade bem

abaixo da que muitas crianças atualmente consomem. Você deve ter notado, a
propósito, que eu prefiro os refrigerantes de baixa caloria àqueles que contêm açúcar.

Você verá, disso tudo, que eu não acredito que você corre qualquer risco em tomar os

adoçantes artificiais neles contidos. Minha própria opinião é que é muito improvável

que eles façam algum mal a alguém, enquanto não há dúvidas que o açúcar pode

fazer muito mal. Você, naturalmente, pode decidir se é melhor livrar-se totalmente

de ingerir alimentos e bebidas doces, e você pode fazê-lo ainda mais rápido ao evitar

completamente o uso de substitutos de açúcar. Essa é uma decisão que você mesmo

deve tomar; tudo que importa é que você deve consumir o mínimo de açúcar que

conseguir.

Antes que você comece a reduzir seu consumo de açúcar, e outra vez no fim de sua

primeira semana, faça uma lista de todo o açúcar que você consume em um dia

típico. Faça um cálculo aproximado baseado nesta tabela e veja o quanto você cortou

desde que começou. Em particular, veja se você chegou a menos de 50 gramas por

dia durante sua primeira semana e, então, quanto tempo levará para você alcançar

20 gramas por dia.

Teor de açúcar em gramas de alguns alimentos e bebidas

1 torrão de açúcar 4

1 colher de chá rasa de açúcar 5

1 garrafa de refrigerante 12

1 copo de ‘néctar de fruta’ 20


1 colher de geleia ou doce 5

1 pedaço de bolo de 50 g 10

1 pedaço de torta de maçã de 100 g 20

1 pedaço de chocolate de 50 g 30

25 g de balas 20

1 sorvete de 50 g 12

25 g de flocos de milho 2

25 g de All-Bran 5

25 g de ketchup 5

25 g de chutney 12

25 g de picles 5

25 g de maionese 3

É verdade que muitos outros alimentos industrializados têm açúcar adicionado a

eles; alguns deles são mencionados na p. xxx. Mas uma olhada no rótulo mostrará se

é uma porção grande ou pequena do produto, e você poderá calcular se a porção que
você está ingerindo de picles ou sopa ou ensopado de carne poderá acrescentar muito

ao total de açúcar em sua dieta.

21. A melhor defesa é o ataque

U​ma das maneiras que a indústria açucareira responde ao ataque é tentar colocar
pressão sobre as outras indústrias de alimentos que parecem estar chamando a

atenção para os efeitos nocivos do açúcar. Um exemplo é uma palestra que dei,

patrocinada por um grande fabricante internacional de alimentos. Foi publicada em

um livro, juntamente com várias outras palestras sobre nutrição ministradas por

outros pesquisadores. Na minha palestra, novamente tive a oportunidade de me

referir a pesquisas sobre as qualidades indesejáveis do açúcar. Assim que o livro foi

produzido, o presidente da empresa de alimentos que tinha organizado as palestras e

que estava distribuindo o livro foi abordado pelo presidente de uma empresa de

refino de açúcar e pediu para parar com a distribuição do livro pois não era

apropriado um fabricante de alimentos ‘malhar’ o produto de outro. Depois de

alguma discussão, o distribuidor do livro concordou em fazer isso; o homem do

açúcar não deveria saber que apenas dois dos vários milhares de exemplares ainda

não tinham sido enviados.

Uma forma óbvia de responder ao ataque é simplesmente negar sua base; uma forma

ainda mais sutil é afirmar que exatamente o oposto é verdadeiro. Se a maioria das

pessoas dizem que o açúcar provoca a cárie dental, você deve continuar publicando

anúncios ou artigos curtos em que frisam que o açúcar não é importante; o que

importa é a propensão constitucional para a cárie dentária, ou se a pessoa escova os

dentes com frequência suficiente. E quando a maioria das pessoas dizem que o
açúcar torna você gordo, você monta uma campanha em que você diz que, na

verdade, o açúcar torna você magro. Vimos alguns exemplos disso antes.

A atividade publicitária mais intensa da indústria do açúcar tem sido o seu ataque ao

ciclamato. Essa campanha foi em frente, embora, como mostrei, os interesses do

açúcar gostam de pedir imunidade do ataque de outros produtores de alimentos.

Por outro lado, a indústria açucareira tem apoiado muito pouco a pesquisa sobre o

que o açúcar faz no corpo. Ela apoiou, é verdade, por vários anos, pesquisas sobre o

açúcar e a cárie dentária, mas até mesmo parte desse apoio foi retirada. Eu mesmo já

convidei várias vezes a Fundação Internacional de Pesquisa sobre Açúcar para apoiar

o trabalho que estávamos fazendo em meu laboratório, baseado na premissa que o

pessoal do açúcar deveria ser o primeiro a saber se o seu produto de fato produz

efeitos nocivos. Duas ou três vezes realmente pareceu que eles iriam nos ajudar

financeiramente em nossa pesquisa, mas todas as vezes a sugestão foi retirada.

A Fundação Internacional de Pesquisa sobre Açúcar, em ocasiões muito raras, apoiou

trabalhos experimentais diretamente relacionando o possível envolvimento do

açúcar em produzir doença. Por exemplo, um artigo de pesquisa apareceu em

meados de 1971, da Universidade Wake Forest, na Carolina do Norte. Uma dúzia de

porcos miniatura foi alimentada com ração contendo açúcar e comparada a uma

dúzia alimentada sem açúcar. Seis porcos de cada grupo foram mortos ao final de um

ano; os seis restantes de cada grupo foram mortos ao fim de dois anos. A Fundação

Internacional de Pesquisa sobre Açúcar triunfalmente alegou que os resultados

provam que o açúcar nada faz tanto ao nível de colesterol quanto ao desenvolvimento

de aterosclerose. Um olhar atento aos resultados, no entanto, mostra que o colesterol

no grupo com açúcar era, por acaso, um pouco menor do que o do grupo de controle
no início do experimento; depois ficou quase continuamente maior. Além disso,

houve, de fato, mais aterosclerose nos porcos alimentados com açúcar que nos

porcos controle.

Você consegue imaginar que alguém às vezes se torna bem desanimado ao avaliar se

vale a pena fazer pesquisa científica sobre assuntos de saúde? Os resultados podem

ser de grande importância para ajudar as pessoas a evitar doenças, mas aí você

descobre que eles estão sendo desencaminhados por propaganda desenvolvida para

promover interesses comerciais de forma que você acreditava existir apenas em

filmes de segunda.

Alguns dos meus melhores amigos…

Volta e meia, as pessoas são informadas que devem comer, ou que não devem comer,

um certo alimento devido aos seus efeitos sobre a saúde. A publicidade pode ou não

pode ser bem fundamentada; o que é importante para o produtor ou fabricante do

alimento é se as pessoas acreditam e agem com essa informação. Se as pessoas

realmente acreditarem que estão menos propensas a sofrer um ataque cardíaco se

comerem margarina em vez de manteiga, o fabricante de margarina irá festejar e os

produtores de manteiga ficarão entristecidos. E, compreensivelmente, ambos

tomarão medidas para promover ou proteger seus interesses comerciais.

Portanto, não é despropositado que os produtores e refinadores de açúcar, e os

fabricantes de produtos ricos em açúcar, reajam energicamente à publicidade que

sugira que o açúcar é prejudicial à saúde e que seu consumo deva ser reduzido. O que

pode ser considerado menos razoável são algumas das maneiras específicas como
essas organizações reagem. Algumas delas foram dirigidas à minha direção, e neste

capítulo eu dou alguns exemplos que podem ser interessantes para aqueles que se

perguntam se existe justificativa para as preocupações expressas ao longo do tempo

sobre o poder que está nas mãos das ‘multinacionais’.

A Organização Mundial de Pesquisa sobre Açúcar, ou, O

que há em um nome?

No primeiro ou segundo ano da publicação no Reino Unido de ​Puro, Branco e

Mortal,​ o livro foi traduzido em finlandês, alemão, húngaro, italiano, japonês e

sueco. Em 1979, ele claramente necessitava de atualização, uma vez que houve um

bom número de novas descobertas sobre os efeitos do açúcar. Embora os editores

estivessem me pressionando para produzir uma nova edição, eu estava então muito

ocupado com outras atividades para ter tempo para o que teria que ser um livro

reescrito bem extensivamente. Então a edição inglesa deixou de ser impressa.

Esse fato não foi negligenciado pela indústria açucareira. O ​Boletim Trimestral​ da

Organização Mundial de Pesquisa sobre Açúcar (WRSO), publicada a partir da sede

em Londres, é uma espécie de boletim informativo contendo principalmente

resumos de pesquisas que trazem boas novas para a indústria. No conjunto, essas

vêm de artigos que ou comentam favoravelmente sobre o uso do açúcar, sua

produção ou marketing, ou que chamam a atenção para um aspecto desfavorável da

utilização de açúcar e, em seguida, são criticados no ​Boletim​.

Em 1979 ele publicou o seguinte sob o título, ‘Para sua lata de lixo’:
‘Puro, Branco e Mortal’. J. Yudkin. Davis-Poynter Ltd, Londres 1972.

Os leitores de ficção científica certamente ficarão desolados em saber que, segundo

a editora, a obra acima está esgotada e não pode mais ser adquirida.

Como qualquer pesquisador sério, eu não me importo que as pessoas discordem de

quaisquer conclusões que eu tiro da pesquisa – da minha própria ou da de outros

investigadores sérios. Mas dizer que o meu trabalho é ‘ficção científica’ é dizer que o

que eu publiquei representando os resultados da minha pesquisa e dos meus colegas

de departamento, bem como a pesqueisa de outros cientistas que citei, foi inventado

e imaginário.

A minha opinião sobre a declaração publicada no ​Boletim​ foi compartilhada por

todos os colegas que a viram. Meu advogado, que tinha grande experiência em casos

de difamação, foi da mesma opinião, mas sabiamente solicitou o parecer de dois

outros advogados, ambos especialistas em lei de difamação. Eles também

consideraram ser difamatório sugerir que um cientista cujo trabalho foi publicado

em revistas científicas britânicas e estrangeiras de renome vem, na verdade,

apresentando achados científicos fictícios.

Abrimos uma ação por difamação, o que deu início a uma troca de cartas de quatro

anos entre os advogados. Ao final, a organização açucareira e seus editores

concordaram em publicar uma retratação, e pagar minhas contas advocatícias, que

até aquele momento não haviam atingido um nível muito alto. Fizemos, então, um

acordo com a organização e abandonamos a ação. Aqui está a declaração que foi

publicada no ​Boletim​ em março de 1984:


No Boletim Trimestral de setembro de 1979, comentamos sobre o fato que o livro

‘Puro, Branco e Mortal’ do Professor John Yudkin não estava mais sendo impresso.

Nós também fizemos outros comentários relacionados ao conteúdo e valor do livro.

Lamentamos que a publicação desses comentários tenha sido tomada pelo

Professor Yudkin como feita para impugnar a sua integridade ou reputação como

cientista.

O Professor Yudkin é conhecido internacionalmente por seu trabalho em nutrição,

tendo escrito um grande número de trabalhos de pesquisa que foram publicados em

uma ampla gama de revistas científicas e médicas da mais alta reputação. Ele

também é o autor de vários livros amplamente lidos sobre nutrição, um assunto

primordialmente focado em seus estudos. Ao longo dos anos, ele vem agindo como

consultor para uma série de empresas preocupadas com a produção de alimentos

ou ingredientes ligados aos alimentos, incluindo a Ranks Hovis McDougall, a

Unilever e o National Dairy Council. Baseado em uma série de experimentos que ele

tem realizado desde o final dos anos 1950, ele formou opiniões, pelas quais é bem

conhecido, evidenciando que o açúcar não é uma mercadoria segura para o

consumo humano. Nós aceitamos que ele tem esses pontos de vista e nenhuma

imputação é lançada sobre sua sinceridade ou a boa-fé de sua pesquisa. O Professor

Yudkin reconhece que nós não concordamos com essas opiniões e aceita que temos

o direito de expressar nossa divergência.

Um aspecto irônico deste caso foi que o então Editor do ​Boletim​ era na época

membro do Conselho, ou seja, do corpo administrativo, do Queen Elizabeth College,

onde fui Professor de Nutrição por muitos anos. Ele havia sido nomeado Tesoureiro

Honorário, e tinha sido um membro do Conselho da Universidade em 1976, quando,

cinco anos após eu ter formalmente me aposentado, me elegera um Fellow da


Universidade – uma honra anteriormente dada apenas a membros administrativos

aposentados da Universidade. Ele, portanto, deve ter votado, ou pelo menos

tolerado, minha eleição como Fellow, dada ‘em reconhecimento da [minha]

contribuição para a reputação da Universidade em ajudar a estabelecer e construir

um próspero e altamente conceituado Departamento de Nutrição’.

Durante o período prolongado quando os advogados trocavam cartas sobre minha

‘obra de ficção’, participei de uma festa informal na Universidade, onde eu fui

abordado pelo Diretor. Ele me chamou no canto e me disse que ele tinha ouvido dizer

que eu estava tentando processar o Tesoureiro do Conselho de Universidade. Assim

que lhe iria agradecer por simpatizar comigo por ser difamado pelo Tesoureiro, ele

deixou claro sua opinião que era eu que era culpado por atacar um oficial do

Conselho da minha própria Universidade. Pensei que seria mais adequado se ele

tivesse sugerido que o Tesoureiro deveria demitir-se do Conselho por seu ataque

infundado contra um Professor Emérito da Universidade e um Fellow da

Universidade.

Liberdade de escolha depende de liberdade de

informação

Por si só, o caso que acabo de descrever seria de pouco interesse público. Mas é

apenas um pequeno exemplo das atividades das várias organizações que compõem a

indústria açucareira multinacional.

Pegue o tabagismo. Quando se fala em ajudar a prevenir o câncer de pulmão ou a

bronquite crônica causada pelo tabagismo, controlando a publicidade ou


aumentando os impostos sobre o tabaco, há protesto considerável, principalmente da

indústria do tabaco, que tais ações restringem a liberdade de escolha. Dizem-nos que

a sociedade não tem o direito de interferir se uma pessoa está disposta a correr o

risco de morrer de câncer, ou de se tornar incapaz de trabalhar por causa de

bronquite severa. Mas a liberdade de escolha existe somente se houver liberdade de

informação. A indústria açucareira constantemente tenta impedir o público de ser

informado sobre os efeitos nocivos do açúcar. Para fundamentar essa acusação,

deixe-me citar algumas das minhas próprias experiências dos últimos 20 anos ou

mais.

No início de 1964, eu recebi um convite para ler um artigo sobre a pesquisa que

estávamos conduzindo sobre hábitos alimentares. O convite veio do secretário de

uma organização em Paris chamado La Fondation Internationale pour le Progrés de

l’Alimentation (FIPAL). Disseram-me que a organização era financiada pela

indústria alimentícia, mas que seu trabalho não era influenciado por considerações

de natureza comercial. Em julho daquele ano, eu publiquei no Lancet alguns dos

nossos resultados, incluindo evidências sugerindo que o açúcar era uma causa de

doença cardíaca coronariana. Pouco tempo depois, recebi uma carta nervosa do

Secretário da FIPAL, perguntando se havia alguma verdade nos resultados dessa

pesquisa que tinha aparecido nos jornais franceses. A razão desta carta, disse o

remetente, foi que, além de ser secretário de FIPAL, ele também era secretário da

organização francesa responsável em promover o açúcar.

Minha resposta a isso foi que os resultados do nosso trabalho estavam corretos, e eu

sugeri que naquelas circunstâncias seria melhor que eu me retirasse da conferência.

Isso provocou uma forte negação que sua carta implicaria qualquer sugestão de que a

minha presença no encontro proposto não seria bem vinda. O secretário repetiu a
declaração na sua primeira carta que o único objetivo da FIPAL era promover o

trabalho e discussão sobre problemas nutricionais.

A reunião ocorreu em setembro daquele ano, e os artigos foram lidos por algumas

dezenas de pesquisadores. Um dos meus colegas me acompanhou a Paris, e foi-nos

solicitado que ficássemos por dois ou três dias após o encontro, a fim de editar as

contribuições para a publicação. Alguns meses depois, enviaram-me os rascunhos do

meu próprio artigo, com um pedido do secretário: já que eu tinha mencionado que

agora havia evidências de que o considerável aumento recente no consumo de açúcar

era uma possível causa do aumento de algumas doenças, se eu retiraria, por favor,

essa declaração, ou que colocasse uma nota de rodapé que isso era uma opinião

pessoal que não era universalmente aceita? Escrevi para dizer que esse pedido não

era compatível com suas garantias iniciais da imparcialidade da FIPAL; sugeri que se

eles não quisessem publicar meu artigo como eu o havia apresentado, eu preferiria

que eles nem o publicassem.

Foi precisamente isso o que aconteceu. O livro apareceu com meu nome na lista

daqueles que contribuiram para o encontro, mas você não vai encontrar nenhum

registro do que eu disse lá.

Açúcar e adoçantes artificiais

Você esperaria que a indústria de açúcar manteria uma constante campanha contra o

uso de adoçantes artificiais, como a sacarina e o ciclamato, e alguns dos produtos

mais novos, como o aspartame. Essa campanha está muito menos ativa do que

costumava, uma vez que as próprias refinarias de açúcar estão em processo de


desenvolver novos adoçantes artificiais. No entanto, é ainda interessante se observar

algumas das suas atividades anteriores nesse campo.

Veja o caso do ciclamato. A indústria do açúcar gastou muito dinheiro em pesquisa e

publicidade sobre os possíveis efeitos danosos do ciclamato. Eles anunciaram isso

repetidamente em seus relatórios de informação até 1969, quando o ciclamato foi

banido nos EUA, no Reino Unido e em alguns outros países. Eis aqui uma citação de

uma agência americana de açúcar, já de 1954, explicando porque o açúcar estava

gastando tanto dinheiro com publicidade:

‘Esses substitutos talvez nunca dominem uma parte realmente significativa do

mercado em termos de garrafas, latas e caixas, mas sua parte do mercado em termos

de preconceito humano pode ser certamente muito prejudicial. Isso obviamente pede

um grande programa de informação sobre o açúcar entre os consumidores. É a única

garantia real que a indústria pode ter.’

Em 1964, a indústria de açúcar tinha chegado à conclusão que os adoçantes artificiais

eram realmente uma séria ameaça. O presidente da Sugar Information Incorporated

[Informação Açucareira Incorporada], dirigindo-se ao Sugar Club [Clube do Açúcar],

disse então, ‘Cada homem nesta sala é afetado diretamente em sua carteira pela

ameaça dos adoçantes sintéticos. Eu quero discutir com vocês a natureza deste

desafio, suas dimensões e seu impacto. Quero dizer-lhes o que estamos fazendo para

encará-lo.’ Ele prosseguiu descrevendo uma campanha de marketing ‘questionando o

valor dos refrigerantes com adoçantes sintéticos.’

Alguns experimentos com ciclamato que o pessoal do açúcar patrocinou não foram

realmente bem executados. Por exemplo, em um experimento, ratos foram


alimentados com uma dieta que continha 5 por cento de ciclamato, o equivalente ao

poder adoçante de uma quantidade da açúcar uma vez e meia maior que o total de

comida normalmente consumida! Ninguém consequentemente ficará surpreso que

os ratos não se desenvolveram com essa dieta e não cresceram tão bem quanto os

ratos sem ciclamato.

Mas a grande descoberta científica sobre o que 5 por cento de ciclamato na dieta faz

ao crescimento dos ratos foi amplamente divulgada, não só em muitas revistas, mas

em um folheto informativo enviado a, entre outros, cada membro do Parlamento da

Grã-Bretanha.

A maior ironia da história é que o banimento eventual desse adoçante nos Estados

Unidos foi o resultado de pesquisas patrocinadas pela Abbott Laboratories, o maior

fabricante mundial de ciclamato. Nessa pesquisa, realizada pela Food and Drug

Research Laboratories [Laboratórios de Pesquisa de Alimentos e Medicamentos], em

Nova York, ratos receberam enormes doses de ciclamato com sacarina, o equivalente

ao poder adoçante de 5 quilos de açúcar por dia. Ao fim de dois anos, um tempo

muito longo na vida de um rato, alguns animais mostraram um princípio de câncer

de bexiga. Normalmente, um grupo de especialistas seria formado para tentar avaliar

a relevância que esses estudos têm com o consumo humano de cerca de um

quinquagésimo da dose equivalente – aproximadamente a quantidade máxima de

ciclamato que alguém ingeriria. Na verdade, hoje amplamente se aceita que a

ocorrência de câncer naquele experimento nada tinha a ver com ciclamato ou

sacarina.

No entanto, a decisão de banir o ciclamato foi inevitável por causa da Cláusula

Delaney da legislação de alimentos e medicamentos americana. Ela, como você se


lembra, diz que qualquer material que, em qualquer dose, não importa por quanto

tempo, causa câncer em qualquer animal, não pode ser usado na alimentação

humana. Então o ciclamato foi banido nos EUA, e depois em vários outros países,

assim, presumivelmente, convidando a todos a comer todo o açúcar que eles

queriam. Agora, entretanto, a maioria dos países, tendo reconsiderado a posição,

removeu a proibição.

Há também uma reviravolta pessoal sobre esses experimentos e resultados. Quando

relatei acerca de alguns experimentos que meus colegas e eu fizemos, por vezes com

até 400 gramas de açúcar por dia em jovens, mas geralmente com muito menos,

ouvimos que eram quantidades anormalmente demasiadas e que nossos resultados

não eram válidos. Na verdade, elas não chegam nem perto às quantidades

astronômicas de ciclamato que tiveram que ser usadas para mostrar o quão ‘perigoso’

é esse material.

A Fundação Britânica de Nutrição

A British Nutrition Foundation [Fundação Britânica de Nutrição] nasceu em 1967, 26

anos após o nascimento da Nutrition Foundation [Fundação de Nutrição] dos

Estados Unidos. Esta é financiada quase inteiramente pela indústria alimentícia

americana e tem um grande Conselho, composto não apenas de membros da

indústria mas também de pesquisadores da nutrição e da ciência dos alimentos e de

membros distintos do público. Ela publica um jornal mensal regular, ​Nutrition

Reviews​ [​Revisões de Nutrição]​ , que discute e comenta a respeito de pesquisas

recentemente publicadas no amplo campo da nutrição. A Nutrition Foundation

também publica volumes ocasionais que compilam o que a pesquisa descobriu nas
principais áreas da nutrição. Em geral, pode-se dizer que a American Nutrition

Foundation não é influenciada pelo fato de ser financiada pela indústria alimentícia,

embora tenha de se admitir que raramente critica os aspectos da indústria que um

grupo completamente descompromissado poderia considerar merecer pelo menos

algum grau de crítica.

Assim, quando foi criada em 1967, a Fundação Britânica de Nutrição (BNF, na sigla

em inglês) teve a organização norte-americana como modelo, e foi também

financiada pela indústria alimentícia. Seus primeiros e principais patrocinadores

foram os refinadores de açúcar Tate & Lyle, e os moleiros de farinha então

conhecidos como Rank. Essa combinação ocorreu, ao que parece, principalmente por

causa da amizade pessoal entre, de um lado, as famílias Tate e Lyle, e de outro lado a

família Rank. Havia também uma amizade empresarial entre os dois grupos, já que

Rank era uma usuária considerável de açúcar – por exemplo, na fabricação de bolos e

biscoitos – especialmente após ter se amalgamado com duas outras grandes

empresas da indústria de moagem e panificação para formar a Ranks Hovis

McDougall.

O primeiro Diretor da Fundação Britânica de Nutrição foi o falecido Professor

Alastair Frazer, um bioquímico que criou um interesse especial na bioquímica de

medicamentos e tinha acabado de se aposentar da Cadeira de Farmacologia da

Universidade de Birmingham. Sua maior pesquisa havia sido sobre como o corpo

digere e absorve a gordura da comida. Quanto a isso, então, ele estava envolvido com

a nutrição, embora em um campo bastante estreito. Inicialmente ele foi mantido

ocupado abordando outras empresas da indústria alimentícia, a maioria das quais

ficaram, ao que parece, menos que entusiasmadas com o promissor apoio financeiro

à organização; por esse motivo, o BNF sobreviveu precariamente nos seus primeiros
anos. No entanto, uma abordagem para a indústria alimentícia parecia mais bem

sucedida do que as outras: a alegação do Professor Frazer que, num clima de

crescente preocupação do consumidor com os processos e os aditivos utilizados pela

indústria alimentícia, a BNF ficaria como uma espécie de cerca protetora entre a

indústria e o público. Apesar destes esforços demorados em levantar fundos para a

Fundação, o Director-Geral, no entanto, encontrou tempo para supervisionar e

apoiar um filme contando as virtudes do açúcar como um alimento.

Pelo que já disse, você pode perguntar se a BNF naquele momento pendia um pouco

para o lado do açúcar, e, caso positivo, se se manteve assim. Vou deixar você decidir

sozinho ao terminar de ler este capítulo.

O Diretor-Geral desaprova

No final dos anos 1960, a Ranks Hovis McDougall (RHM) decidiu iniciar a pesquisa

da possibilidade de produzir um alimento de alta proteína barato: uma tentativa que,

cerca de vinte anos e dezenas de milhões de libras mais tarde, recentemente resultou

em uma excelente torta salgada surgida no mercado. No início do projeto, fui

convidado pelo então director de investigação da RHM para atuar como consultor do

projeto.

Ao mesmo tempo ele me contou que seus amigos da Rank Hovis McDougall e da Tate

& Lyle, ambos ainda grandes patrocinadores da BNF, tinham dito que não era

apropriado, para mim, aconselhar a RHM; no entanto, ele mesmo queria que eu o

fizesse. Pouco tempo depois que o projeto foi lançado, ele me disse que o

Diretor-Geral da BNF o estava pressionando a me falar para desistir de dizer que o

açúcar era prejudicial. Eu disse que seria mais sensato se tivéssemos uma reunião
com o Professor Frazer, na qual eu iria descrever os resultados de nossas pesquisas

recentes e explicar a razoabilidade das minhas opiniões.

Encontramo-nos na sede da BNF: Professor Frazer, o diretor de pesquisa da RHM,

dois ou três membros da BNF e eu. Tivemos uma discussão interessante, da qual

ficou claro que o Professor Frazer não estava muito atualizado nas pesquisas das

causas da doença cardíaca coronariana, ou nas pesquisas sobre alguns dos efeitos do

açúcar no corpo. Ele rejeitou fortemente a sugestão de que o açúcar tinha, ou poderia

ter, qualquer coisa a ver com a doença coronariana. Ele insistiu que não havia

nenhuma relação entre o aumento do consumo de açúcar e qualquer aumento da

doença coronária; na verdade, ele disse, não houve um aumento da doença. Eu disse

que isso foi contestado pelo reconhecimento geral de que fumar cigarros é uma causa

importante da doença; como houve também um tremendo aumento do tabagismo,

decorreu também ter havido um aumento na prevalência de doença cardíaca. ‘Isso só

mostra,’ disse o Professor Frazer, ‘que fumar também não tem nada a ver com a

doença’ – uma opinião que teria sido apoiada por muito poucos outros cientistas ou

médicos.

Enquanto saíamos do quarto depois do almoço, escutamos o Diretor-Geral dizer,

‘Você pode acreditar que o Yudkin não vai receber nenhum financiamento para

pesquisas da BNF’; essa profecia certamente foi cumprida.

A BNF não quer nutritionistas do QEC

Durante todo meu tempo como Chefe do Departamento de Nutrição no Queen

Elizabeth College, nem eu nem qualquer dos meus colegas tivemos qualquer

associação com a BNF. Eu devo apontar aqui que meu Departamento, instituído em
1953, foi o primeiro em qualquer a universidade européia a ser devotada ao ensino de

graduação e pos-graduação da nutrição, e que realizava pesquisas que eram

provavelmente pelo menos tão extensas como aquelas de qualquer outro

departamento de nutrição no país.

Em termos dos propósitos da BNF, seu comitê mais importante deveria ser seu

Comitê Científico. Os presidentes deste comitê foram sempre cientistas distintos;

nenhum foi um nutricionista profissional, mas todos eles tiveram algum contato, às

vezes bem distante, com o tema nutrição. Até este momento, houve cinco presidentes

desse comitê desde que a Fundação começou; entre eles o falecido Sir Charles Dodds,

um dos bioquímicos mais proeminentes da época, e o falecido Sir Ernst Chain, que

dividiu o Prêmio Nobel pela descoberta da penicillina com Florey e Fleming. Tanto

Dodds como Chain me abordaram quando eram Presidentes e me perguntaram por

que eu não estava no Comitê Científico da BNF, ou sequer em qualquer de seus

outros comitês. Quando eu disse que não havia sido convidado, eles perguntaram se

poderiam sugerir que eu fosse nomeado. Concordei, embora supusesse qual seria a

resposta. E então foi comprovado. A ambos os presidentes, foi-lhes dito no devido

momento que não havia possibilidade de eu estar de qualquer forma associado à

BNF. O que eu não tinha suposto era que o membro do Conselho da BNF

proveniente da Tate & Lyle, que seguia como um dos maiores patrocinadores da

fundação, tinha dito que, se eu fosse nomeado, renunciaria ao cargo, e que se

certificaria que sua empresa – e outras, retirasse seu patrocínio.

Depois que foi fundado em 1953, o Departamento de Nutrição do Queen Elizabeth

College rapidamente transformou-se em um centro próspero da pesquisa da

nutrição, e logo foi o responsável por instruir vários dos graduados que pesquisam

nutrição em outros laboratórios neste país e no exterior. Estivemos claramente


interessados, portanto, quando em 1970 foi anunciado que uma comissão conjunta

do Agricultural Research Council [Conselho de Pesquisa Agropecuária] e do Medical

Research Council ​Conselho de Pesquisa Médica​ estava sendo criada para analisar o

estado atual da pesquisa em nutrição no Reino Unido, e quais problemas

importantes mais precisavam ser investigados. Para nossa surpresa, nem eu nem

ninguém da minha equipe de funcionários fomos nomeados para o comitê

ARC-MRC.

Depois que o relatório foi publicado, ocorreu de eu escrever para o Presidente da

Comissão, que era um amigo de longa data. No curso de minha carta eu disse que me

interessaria em saber por que ninguém do meu departamento havia sido convidado

para fazer parte do seu comitê, tendo em vista nossa posição como um importante

centro de pesquisa em nutrição. Ele respondeu que, por não ser nutricionista, pediu

sugestões a pessoas da área. Ele consultou a British Nutrition Foundation, e foi eles

que lhe disseram que eu não era uma pessoa apropriada para estar no Comitê da

Pesquisa de Nutrição.

O longo braço da indústria açucareira

Você pode muito bem considerar que minhas experiências com a Fundação Britânica

de Nutrição refletem um tipo bastante remoto, e talvez sem importância, de

intervenção dos interesses do açúcar nos assuntos dos profissionais acadêmicos que

realizam pesquisa e divulgam seus resultados. Deixe-me então mencionar duas

intervenções mais diretas.


Aqueles de vocês que foram à Suíça, sem dúvida, viram uma das muitas filiais

elegantes da cadeia de supermercados Migros, ou compraram gasolina em um dos

postos Migros. Durante sua vida, o fundador dessa grande organização,

Gottlieb-Duttweiler, criou um truste cuja renda é uma porcentagem do retorno do

negócio. Entre muitas outras atividades, ele organiza simpósios ocasionais sobre

assuntos de interesse internacional, tais como ecologia e energia nuclear. Em 1977, o

Instituto Gottlieb-Duttweiler nomeou Al Imfeld para organizar esses simpósios,

começando com um que iria considerar o tema do açúcar – sua produção e

distribuição, seus papéis e origens políticas e econômicas, e seu papel na nutrição

humana. Al Imfeld pediu-me para ser um dos palestrantes nesse simpósio e

convidou-me a ler um artigo sobre o papel nutritivo do açúcar. Logo depois de eu lhe

enviar meu artigo, e um mês ou dois antes do evento, Imfeld escreveu-me para dizer

que o encontro fora cancelado e que ele fora dispensado do seu emprego; ele

acrescentou que ele sabia que eu entenderia as razões para esses acontecimentos.

O Instituto Gottlieb-Duttweiler realizou uma reunião sobre o açúcar em 1981,

embora dessa vez eu não tenha recebido um convite para participar. Foi um encontro

um tanto quanto censurado pois nenhum dos palestrantes trataram das atividades

financeiras e políticas internacionais das empresas de açúcar, como estava previsto

na reunião originalmente planejada por Imfeld. Não obstante, era interessante ler no

relatório da reunião o que foi dito por Eugenie Hollinger, o representante de

assuntos do consumidor da organização de Migros: ‘Lembro-me bem do lançamento

da tradução alemã do relato sobre o açúcar de John Yudkin, ​Süss aber gefährlich

(Puro, Branco e Mortal)​ em 1974. Tive a maior dificuldade àquela época em

persuadir qualquer editor de jornal de que o livro deveria ser resenhado. Estavam
todos receosos de um boicote publicitário anunciado pela indústria alimentícia e

distribuidores afetados.’

Em seguida, Imfeld publicou um livro com o simples título ​Zucker,​ que indiciava

fortemente as atividades mundiais da indústria do açúcar e apontava explicitamente

o papel que ela desempenhou em provocar o abandono do encontro original do

Instituto e também na perda do seu emprego.

Meu segundo exemplo ocorreu três ou quatro anos mais tarde. Um novo adoçante

artificial, o aspartame, estava a ponto de ser aprovado pelo governo no Reino Unido,

nos EUA e em diversos outros países. O aspartame é produzido pela companhia

farmacêutica americana G. D. Searle, que tem uma grande presença na Inglaterra. Eu

fui abordado pela companhia inglesa para organizar uma conferência tratando, em

geral, dos carboidratos na nutrição, embora houvesse também um palestrante da

Searle, que apresentaria um artigo sobre o novo e ainda pouco conhecido aspartame.

Eu gastei um bom tempo me correspondendo com possíveis palestrantes, do Reino

Unido e de outros países, e discutindo as áreas particulares que eles deveriam cobrir.

As reservas foram feitas para a viagem e a acomodação dos participantes, assim

como os arranjos para a própria conferência em um grande hotel em

Stratford-upon-Avon. Aproximadamente duas semanas antes de seu início, ela foi

cancelada. Nesta fase final, eu fiquei com a desagradável tarefa de informar aos

palestrantes, com quem eu tinha tido uma longa e detalhada correspondência, e que

já tinham, agora, preparado os artigos que pretendiam apresentar na conferência.

Mais difícil ainda, eu tive que ter o maior tato possível para evitar dizer que sabia o

real motivo do cancelamento.


A pessoa da Searle que por meses tinha feito os múltiplos arranjos técnicos para a

conferência deu-me a notícia sobre o cancelamento; estava compreensivelmente

muito chateado e irritado. Dessa forma, não foi surpresa ele não ter se contido o

suficiente para manter o segredo que a companhia presumivelmente gostaria em

relação à razão para o cancelamento da conferência. De acordo com ele, foi a

Coca-Cola Company que pressionou a Searle a cancelar o encontro. A Coca-Cola é o

maior usuário de açúcar do mundo. Em 1977, me disseram, ela usou um milhão de

toneladas de açúcar nos EUA, assim, ela tinha um grande interesse no que se

dissesse ao público sobre o açúcar. Enquanto isso, produziam também a Coca Diet

para as pessoas que quisessem refrigerantes de baixas calorias; embora fosse apenas

uma pequena fração do consumo total de refrigerantes, era, não obstante, um grande

e próspero mercado. Assim, no início dos anos 80, a Coca-Cola estava negociando

com a Searle sobre usar o aspartame nessas bebidas em vez de apenas sacarina – um

enorme mercado potencial para o novo adoçante. Esse fato deu à Coca-Cola a

oportunidade de sugerir que sua decisão dependeria se a Searle procederia com a

conferência, que indubitavelmente divulgaria novas pesquisas sobre os malefícios

produzidos pelo consumo de açúcar. E a Searle abandonou a conferência.

Dizendo a verdade sobre a cárie dentária

A campanha mais impressionante para informar às pessoas dos malefícios do

consumo de açúcar foi, acredito, a iniciada em 1977 pela Aassociação de Planos

Odontológicos da Renânia do Norte (a Kassenzahnärztlichen Vereinigung Nordrhein,

ou KZV). Ela foi realizada em boa parte através das atividades entusiásticas e

energéticas de seu presidente, o Dr Edvard Knellecken. Com as mais de £1 milhão

por ano que eles separaram para propaganda anti-açúcar, a KZV anunciava em
jornais e revistas, escrevia cartas para médicos, cientistas e políticos, e faziam

campanha para uma série de medidas legislativas para combater as atividades

promocionais da indústria açucareira. Sugeriram que os pacotes de chocolates e

doces deveriam ter impressos algum símbolo, como uma escova de dentes, para

indicar os danos potenciais aos dentes devido ao consumo desses produtos.

Solicitaram que os anúncios não pudessem conter nenhuma sugestão de que o açúcar

promovia saúde ou boa forma, ou desempenho nos esportes.

Solicitaram um imposto sobre o próprio açúcar, e sobre comidas e bebidas ricas em

açúcar, assim como o do tabaco e álcool.

A KZV convocou uma extensa conferência pública em que a imprensa fosse bem

representada e onde palestrante após palestrante descrevessem os malefícios do

consumo de açúcar e as pesquisas que haviam sido feitas para demonstrá-los. Aceitei

com muito gosto seu convite a essa conferência e fui o único não-alemão presente.

Falei de nossa pesquisa sobre o açúcar especialmente em relação à doença cardíaca e

ao diabetes.

Não ficamos surpresos que a publicidade conseguida por essa reunião viesse seguida

pela forte reação dos vários ramos da indústria açucareira. Uma dessas foi de meu

especial interesse especial; era uma cópia de uma carta recebida pelo Dr Knellecken,

escrita por um doutor austríaco, o Dr Göttinger. Eis uma tradução de parte da carta:

Muito obrigado por gentilmente me enviar suas informações sobre a cárie dental.
Estou surpreso pelo que parece ter escapado de sua atenção de que a cárie dental

tem há muito sido aceita como uma infecção, e que vacinas contra essa

circunstância já estão sendo desenvolvidas…

Talvez tenha escapado também de sua atenção que o professor Yudkin não é um

professor universitário, e não tem nenhuma cadeira acadêmica. É, apenas, um

professor de gramática em Londres, como indicado em seus livros, e que também

nunca realizou nenhum trabalho experimental, mas usou apenas argumentos

estatísticos. Eu conheço seus livros e tenho alguns deles. Na opinião de muitas

autoridades, ele de fato não é um cientista a ser levado a sério.

Eu tento imaginar qual motivo tinha o Dr Göttinger para fazer um ataque tão

ultrajante e injustificável a um colega médico. Eu escrevi a ele para corrigir seu

equívoco e apontar que eu tinha uma série de qualificações universitárias, que fui

Titular da Cadeira de Nutrição e Dietética da Universidade de Londres e que tinha

publicado perto de 300 artigos de pesquisa em muitas revistas científicas e médicas

de renome internacional, bem como vários livros, e que claramente ele não os tinha

lido. Você talvez não fique surpreso ao saber que o Dr Göttinger não respondeu a

essa ou às cartas subsequentes; eu, no entanto, ainda recebo dele um pedido de cópia

cada vez que publico um novo trabalho de pesquisa.

Infelizmente, as atividades da KZV foram interrompidas quando o Dr Knellecken foi

acusado de fraude financeira em relação aos fundos da associação – acusações

instigadas pela indústria do açúcar. Como consequência, a tentativa da KZV de

informar o povo alemão dos danos consideráveis que o açúcar faz à sua saúde foi

levada a uma paralisação repentina. Uns três ou quatro anos mais tarde, entretanto,

fiquei satisfeito ao ver que, embora tardiamente, a reputação do Dr Knellecken tenha


sido inteiramente restaurada, como ficou claro através de uma reportagem na revista

alemã ​Naturarzt.​ A reportagem disse que o Dr Knellecken havia sido acusado de

apropriação indébita, durante os três anos de sua presidência, de DM 22 milhões em

fundos da KZV, gastando-os na disseminação de material educacional sobre os danos

à saúde causada pelo uso de açúcar refinado. O veredito da corte rehabilitou o Dr

Knellecken completamente. Ele tinha tido muito cuidado para agir somente após ter

obtido o consentimento de seus colegas, particularmente quando haviam despesas

envolvidas, e a corte não encontrou nada que apontasse pressão indevida em suas

sugestões em relação à linha de ação a ser tomada pela associação. A ​Naturartz

acrescentou o seguinte comentário:

O Dr Knellecken foi submetido, sem nenhuma justificativa, a difamação persistente

devido à sua luta pela saúde e bem estar dos pacientes e contra os ataques à

integridade de seus dentistas. O Dr Knellecken, seus amigos e sua família foram

publicamente agredidos e humilhados. Sua posição, após trinta anos da atividade

profissional, foi posta em grave perigo.

Entretanto, antes que esse julgamento exonerasse totalmente o Dr Knellecken, seu

sucessor na KZV foi persuadido a assinar um acordo segundo o qual todas as

afirmações que a KZV fizesse, no futuro, sobre promoção de saúde, seriam acordadas

com a indústria açucareira.

De zero a dez, zero de tato

Já que a maioria do nosso alimento nos chega como o produto de algum tipo de

atividade agrícola, e já que o alimento que comemos tem tamanha influência sobre
nossa saúde, é surpreendente que haja tão pouca discussão sobre a relação entre a

agricultura e a nutrição. Por isso fiquei contente quando, em junho de 1978, soube

que o Instituto de Biologia – do qual sou um Fellow – havia organizado uma reunião

conjunta com o Centro para Estratégia Agrícola. A reunião seria para considerar o

possível impacto que ocorreria na agricultura se as pessoas fossem persuadidos por

razões nutricionais a reduzir seu consumo de leite ou açúcar, ou mudar as

quantidades e os tipos de gordura que comem, ou aumentar seu consumo da fibra

dietética de cereais, frutas e vegetais.

Cada um desses quatro assuntos deveria ser considerado inicialmente por um

pequeno painel de especialistas que se encontrariam algumas vezes antes de preparar

um relatório a ser apresentado no Simpósio em novembro. Eu fui convidado a

presidir o painel que consideraria o açúcar e os outros adoçantes.

No meio de outubro, o Secretário Geral do Instituto de Biologia recebeu uma carta da

qual cito:

Caro Dr Copp,

Estou lhe escrevendo como um Fellow do Instituto e não como o Executivo Chefe do

Grupo de Pesquisa e Desenvolvimento da Tate and Lyle.

Estou surpreso que o professor Yudkin tenha sido escolhido para falar sobre

‘adoçantes’ em geral no vindouro Simpósio sobre ‘Alimento, Saúde e Cultivo’,

quando ele, na verdade, não conduziu nenhuma pesquisa definitiva sobre o assunto

– com a possível exceção de seu trabalho sobre sacarose. Seria, na minha opinião,

de maior interesse e valor ao simpósio ter selecionado um palestrante sobre esse


assunto que, pelo menos, se pudesse esperar ser objetivo. O Professor Yudkin, como

você sabe, usou, no passado, simpósios desse tipo para ataques contra o açúcar

apesar de evidências médicas que contradizem suas opiniões… É verdadeiramente

uma pena que você não tenha incluído alguém no seu programa que … poderia

apresentar novos dados ao invés da ‘mesma velha história’ que ouvimos

periodicamente do Professor Yudkin.

O Secretário Geral do Instituto de Biologia respondeu a isso em uma carta que

incluia o seguinte:

Obrigado pela sua carta de 11 de outubro. Entretanto, acredito que você pode não

ter visto o programa para a Conferência sobre ‘Alimento, Saúde e Cultivo’, sendo

assim incluí um. Você verá que o Professor Yudkin estará apresentando o relatório

de um painel. Consequentemente, ele estará expondo opiniões acordadas por um

grupo de cientistas responsáveis, incluindo o Diretor de Pesquisa da Beechams

Limited.

Intervenção amigável

No início do anos de 1960, o Departamento de Nutrição do Queen Elizabeth College

tornara-se superlotado e a Faculdade decidiu que deveria ser expandido. Um apelo

foi lançado para coletar fundos para isso, e então o Tesoureiro da Faculdade, que era

muito conectado com a indústria alimentícia, escreveu a seus amigos e conhecidos de

algumas das principais companhias de alimentos. Entretanto, diferentemente de

todas os fabricantes de alimentos que foram abordados, a Tate & Lyle recusaram o

convite para fazer uma contribuição. A carta da companhia dizia que a diretoria
havia pensado muito sobre o pedido da Faculdade, e prosseguia: ‘Você prontamente

compreenderá a relutância da nossa Diretoria em patrocinar um estabelecimento

onde o Professor de Nutrição considera ser o açúcar um artigo não essencial de nossa

dieta e que presumivelmente ensine essa teoria.’ A parte que eu mais gosto são as

últimas palavras: que acho significarem que nos teriam dado apoio apenas se eu

estivesse ensinando a meus alunos o que eu mesmo ​não​ acreditava.

Em 1966, fui convidado a me juntar a um pequeno grupo de médicos e dentistas

alemães para encontrar representantes da indústria açucareira do sul da Alemanha

para uma discussão em uma mesa-redonda sobre nossas diferenças. Esse era, pensei,

um movimento muito bem-vindo, melhor que uma contínua partida de gritos que

claramente não progrediu em direção a uma mútua compreensão. Tivemos uma

discussão útil; sem termos persuadido os representantes dos refinadores ou dos

fabricantes de que o açúcar era certamente prejudicial, nós, acredito,

convencemo-los que tínhamos alguma justificativa para nossa preocupação sobre os

efeitos na saúde.

No meu retorno a Londres, escrevi uma carta ao Presidente da Tate & Lyle,

descrevendo a reunião que havíamos tido e sugerindo que esse deveria ser o padrão

para nosso relacionamento futuro.

O Presidente respondeu e disse que pensava ser uma boa ideia se eu me encontrasse

com um representante da companhia. Oportunamente, uma reunião foi agendada e o

representante veio ver-me em meu escritório no Queen Elizabeth College. Eu

comecei a falar-lhe sobre nossa pesquisa, e como nossos resultados novos, ainda não

publicados, estavam nos convencendo cada vez mais dos perigos do consumo de

açúcar. Logo transpareceu, entretanto, que o presidente havia enviado alguém para
me encontrar que não era familiriarizado com nosso trabalho. Ele era, na verdade, o

Gerente de Vendas Geral encarregado do Departamento de Vendas Técnicas da

companhia.

Isso foi completamente diferente do que eu havia encontrado na Alemanha. E era

também o fim das minhas esperanças de que eu poderia estabelecer um diálogo útil

com o pessoal da indústria açucareira.

Um ataque preventivo

Puro, Branco e Mortal​ foi publicado pela primeira vez na Grâ Bretanha em junho de

1972, mas apareceu nos Estados Unidos algumas semanas mais cedo sob o título

Doce e Perigoso.​ Os editores americanos tinham a visão de que seria útil dar uma

lista dos então 30 artigos em jornais científicos e médicos que descreviam as

experiências que nós tínhamos feito sobre os efeitos do açúcar, e expor seus

resultados. Isso permitiria qualquer cientista interessado em ver se as afirmações do

livro eram justificadas pelos resultados de nossos experimentos. O editor da edição

britânica, por outro lado, achou que nenhum de seus leitores estaria interessado em

tal lista, e assim ela foi omitida.

A publicação prévia de ​Doce e Perigoso​ alertou a indústria açucareira britânica do

surgimento iminente no Reino Unido de ​Puro, Branco e Mortal.​ O então

Departamento Britânico do Açúcar (agora Departamento do Açúcar), que é o braço

da publicidade do ‘refino e manufatura britânicos de açúcar’, pegaram a

oportunidade de produzir um ‘Boletim de Notícias’ que enviaram aos jornais, revistas


e estações de rádio e televisão que pudessem avaliar ​Puro, Branco e Mortal.​ Eu cito

apenas dois ou três itens desse documento:

Nesse livro, o Dr Yudkin atribui o aumento do número de doenças principalmente

ao papel do açúcar na dieta moderna.

O Departamento está preocupado pela … maneira irresponsável que a evidência é

apresentada.

O livro é considerado ser não apenas não-científico em sua abordagem, mas

contém muito pouco mais que um número de afirmações emocionais baseadas na

própria teoria do Dr. Yudkin de que o açúcar é a causa principal de muitas doenças

e deveria ser banido.

Pode ser significativo que na versão norte-americana do livro, intitulada Doce e

Perigoso … o Dr Yudkin baseou-se em uma bibliografia selecionada que contém

uma série de referências a artigos científicos, quase todos escritos por Yudkin ou

Yudkin et al. Na versão inglesa do livro, entretanto, não há nenhuma referência,

nem mesmo a seus próprios artigos publicados, para corroborar suas afirmações.

Não acredito ser comum um livro ser atacado publicamente antes mesmo de ser

publicado ou criticado.

Você pode pensar de que minhas próprias poucas experiências ilustram uma reação

razoavelmente contida da indústria açucareira em se proteger do que considera

ataques infundados a seu produto. Então, você ficará interessado em saber que isso
agora está mudando; a indústria não irá responder tão docilmente àqueles que até

agora a atacaram tão injustamente.

O Editor de uma revista em que eu tinha escrito brevemente sobre alguns dos

malefícios produzidos pelo açúcar recebeu uma carta em que cada um de meus

comentários foi criticado vigorosamente. O autor da carta que fez estes contrapontos

bem técnicos era o Diretor Executivo de Marketing e Vendas, do Açúcar Britânico,

que é a companhia envolvida com a produção e o refino do açúcar de beterraba. Isso

me recorda as qualificações do homem da Tate & Lyle que veio me ver no Queen

Elizabeth College quase 20 anos atrás para discutir nossa pesquisa. Após lidar com as

questões bioquímicas e clínicas ligadas ao meu artigo, a carta do Açúcar Britânico

continua, ‘A indústria açucareira agora reconhece o seu erro em não efetivamente

contradizer, ao longo dos anos, a má informação e a desinformação fomentadas por

indivíduos com um desejo de lucrar com a credulidade da população. Isso está em

processo de correção.’

Eu apontei anteriormente que de nenhuma maneira todo cientista concorda com

minhas opiniões sobre o açúcar. E não há nada errado com isso: muito do material

sobre o que tenho escrito ainda resulta apenas de evidência circunstancial e não

prova absoluta. Mas por circunstancial que seja, ela vem se acumulado

sustentadamente nos últimos 20 anos de vários laboratórios, e há um número

crescente de pessoas que acreditam que o caso está agora bem forte de que o açúcar

é, por exemplo, uma das causas da doença coronariana.

Cientista contra cientista


Eu mencionei o Dr Ancel Keys e seu trabalho pioneiro em relação à dieta e à doença

cardíaca. Em 1970, ele escreveu um memorando enviado a um grande número de

cientistas que trabalhavam nesse campo e que, com muito poucas mudanças, foi

publicado em uma revista médica, a ​Atherosclerosis​. Ele consistia inteiramente de

uma forte crítica ao trabalho que eu publicava de tempos em tempos sobre a teoria

de que o açúcar é o fator dietético principal envolvido em provocar a doença

cardíaca.

A publicação contém um número de afirmações completamente incorretas e

injustificadas; por exemplo: que nunca havíamos testado nosso método para

mensurar o açúcar ingerido; que ninguém come as quantidades de açúcar que nós e

outros usamos em nossas experimentos; que era absurdo de minha parte, em 1957,

usar estatistícas internacionais de 41 países como evidência do relacionamento entre

o açúcar e a doença cardíaca (exatamente as mesmas estatísticas que o Dr Keys

previamente usara de apenas seis países selecionados para mostrar o relacionamento

entre a gordura e a doença cardíaca).

Ele encerra triunfalmente mostrando que a ingestão de açúcar e a de gordura estão

relacionadas à doença cardíaca, mas que a causa deve ser a gordura, e não o açúcar,

porque ele descobriu, em 1970, que a ingestão de gordura e a ingestão de açúcar são

intimamente ligadas. Você deve lembrar da minha própria discussão sobre esse fato

baseado no fato que, já em 1964, eu havia demonstrado esse mesmo relacionamento

entre a ingestão de gordura e a ingestão de açúcar.

O Dr Keys pelo menos tem sido consistente em suas opiniões. Um exemplo bem

diferente de forte discordância com nossos achados foi dado pelo Professor Vincent
Marks, um bioquímico na Universidade de Surrey. O Professor Marks e um colega

relataram, na ​Lancet,​ em 1977, alguns experimentos que mostraram que beber gim e

tônica poderia provocar hipoglicemia se a água tônica contivesse açúcar, mas não se

contivesse sacarina. Esse trabalho foi vigorosamentemcriticado em uma carta ao

Lancet​ pelo então Diretor-Geral da Fundação Internacional da Pesquisa do Açúcar –

a precursora do WSRO. O Professor Marks iniciou sua resposta:

Posso sugerir que uma pista para a razão dos comentários mordazes do Sr Hugil

sobre o nosso trabalho pode ser encontrada em seu endereço? A Fundação

Internacional da Pesquisa do Açúcar deve se sentir ameaçada pela evidência

acumulada de que a descrição de John Yudkin de seu produto principal como puro,

branco e mortal não acertou longe do alvo.

Em 1985, o Professor Marks foi capaz de escrever, em relação à sugestão de que o

açúcar poderia ser uma causa da doença coronariana, ‘uma das teorias mais

infundadas coloca o açúcar como o vilão da peça e nada mais é que uma fraude

científica’. E ele prossegue dizendo que outras afirmações de ‘autores geralmente

mal-informados sugerindo que o açúcar é a causa primária, ou mesmo contribuinte,

da doença cardíaca coronariana não são apenas falsas e enganosas, mas abertamente

maliciosas’. Esse comentário apareceu em 1985 em um suplemento colorido –

inserido na revista de comércio ​Grocer​ – escrito, elaborado e produzido pela

empresa de relações públicas que trabalhava para a Agência do Açúcar.

Três meses depois, o professor Marks era o palestrante pago em uma das ‘reuniões

de discussão’ organizadas pela ‘Dieta e Saúde‘ que eram patrocinadas pela Agência
do Açúcar. O sumário publicado de sua conversa, que circulou antes da reunião,

começa como se segue:

O Escândalo da Dieta – ou estamos sendo enganados? O que causou a mudança na

imagem pública do açúcar, daquela de um constituinte importante da dieta àquela

de um aditivo alimentar desnecessário, responsável, em maior ou menor extensão,

por uma série de doenças e perversidades sociais? É a riqueza das evidências

experimentais recentemente produzidas? … Ou é um movimento sensacionalista

baseado em nada mais do que dados anedóticos, incorretamente interpretados?

Devo deixar claro que eu não tenho nenhuma desavença geral com cientistas que

mudam suas opiniões. Qualquer cientista pode ter que fazer isso sob a luz de novas

descobertas. Esses podem mostrar que a visão anterior foi baseada em experimentos

em que foram utilizadas técnicas falhas, ou que novas observações ou técnicas

revelaram fatos até então desconhecidos; em ambos os casos, será necessário

modificar as conclusões tiradas a partir das observações prévias. Até onde consigo

enxergar, no intervalo entre as opiniões mais antigas e mais recentes do Professor

Marks, nenhuma dessas condições se aplica. Uma pesquisa experimental mais

recente realizada a respeito do açúcar e da doença, em diversos laboratórios

independentes, confirmou nossas conclusões prévias e acrescentou novas

observações que as amparam. Acho surpreendente, então, que o Professor Marks

escolha agora absolver o açúcar da acusação de ser prejudicial à nossa saúde.

Infelizmente, tais afirmações fornecem uma fonte potente e contínua de munição à

indústria de açúca,r não apenas para defender-se, mas para atacar cientistas e

trabalhadores da área da saúde que estão tentando informar o público da

necessidade de reduzir seu consumo do açúcar.


Escreva o que você gostar, mas somente se eu gostar

também

Eu suponho que as pessoas, na maior parte das vezes, não ouvem falar dos esforços

feitos para interferir com o que estão fazendo, se esses forem feitos pelas suas costas.

Mas ocasionalmente eles vêm à tona. Certa vez me pediram para elaborar uma dieta

de emagrecimento para o Conselho Nacional de Laticínios. Esse projeto me atraiu

porque um plano de emagrecimento sensato não deve apenas reduzir a quantidade

total de alimentos, mas deve fazê-lo sem cortar excessivamente os nutrientes

essenciais na comida – as proteínas, vitaminas e elementos minerais. Assim, você

procura reduzir os alimentos que fornecem pouco ou nada além de calorias e

mantém os alimentos que fornecem muitos nutrientes em relação às suas calorias. O

único alimento que não contém nada exceto calorias é o açúcar; o alimento com o

maior número e quantidade de nutrientes para suas calorias é o leite.

Essa era o fundamento simples da dieta que projetei para o Conselho Nacional de

Laticínios. Depois que publicaram a dieta, uma das companhias principais do açúcar

– mui cordialmente – solicitou ao Conselho remover ou pelo menos ‘des-enfatizar’ a

necessidade de cortar o açúcar. O Diretor do Conselho contou-me desse pedido,

claramente esperando que eu me recusasse a fazer qualquer mudança; quando

recusei, disse com um sorriso que me apoiava totalmente.

Puro, branco – e poderoso


Deixem-me terminar este conto pessoal repetindo que eu não acuso aqueles

cientistas que expressam desacordo às minhas opiniões de assim fazê-lo por motivos

indevidos. Não obstante, acho notável que ainda haja tantos nessa categoria após

diversos anos de evidências acumuladas que apoiam as conclusões que eu e uns

poucos outros pesquisadores alcançamos. É especialmente interessante que alguns

desses que começaram se inclinando para aceitar essas opiniões agora as rejeitem.

É difícil evitar a conclusão de que esse seja o resultado das atividades vigorosas,

contínuas e crescentes dos interesses açucareiros. Seu produto é puro e branco; seria

difícil usar esses adjetivos para o comportamento dos produtores e distribuidores e

seus intermediários. No entanto, não seria recompensador procurar por um

departamento organizado de truques sujos; parece ser mais uma ação protetora

instintiva daqueles na indústria de negar qualquer acobertamento dos males

produzidos pelo seu produto, ou de qualquer malfeito de sua fraternidade. O

resultado é um núcleo de poder tão compacto que, como um ímã cercado por uma

potente bobina de indução, produz um campo de influência que invisivelmente afeta

muitos daqueles que não estão em contato direto com o centro.

Profecia e Propaganda

Introdução à edição de 2012 por Robert H. Lustig, MD

Tudo que é velho fica novo outra vez. Pegue a moda, por exemplo: boca de sino,

espartilhos, minissaias, saltos plataforma, gravatas finas e lingerie elegante estão de

volta. Um filme mudo ganhou o Oscar de Melhor Filme em 2012. A banda de rock
chiclete ABBA e os passos de swing estão em voga novamente. Cocktails especiais

estão de volta: martinis estão fazendo furor, e agora há oitenta variedades. Até

mesmo toca-discos e LPs de vinil tem novos seguidores.

Ideias também vêm e vão. Alguém está sempre na vanguarda. O argumento parece

inevitável. Ele ganha seguidores, às vezes seguidores um pouco zelosos demais.

Depois ele sai de moda, às vezes devido à filosofia, às vezes, à experiência, às vezes,

aos eventos mundiais concorrentes, e às vezes, a forças obscuras que tentam manter

o status quo para seus próprios propósitos.

Mas a ciência deve ser baseada na verdade, não na moda. E diretrizes devem ser

baseadas na ciência. Fatos não devem mudar. E, de fato, não mudam. Mas sua

interpretação, sim. Considere a ideia de que a inflamação provoca doença cardíaca.

Primeiramente defendida ao final do século 19, após a invenção da aspirina pela

Bayer, essa ideia foi relegada ao cesto de lixo da ciência médica em favor da hipótese

do colesterol, que reinou durante a segunda metade do século 20. Mas ao longo da

última década, a ‘hipótese da inflamação’ teve um ressurgimento definitivo, e agora

se crê ser o principal fator na gênese das placas ateroscleróticas e da trombose.

Infelizmente, a interpretação da ciência médica é frequentemente influenciada pelas

forças obscuras da indústria, que existe para faturar. E quando há dinheiro a se

ganhar, haverá grandes vencedores, mas também grandes perdedores – incluindo os

que foram mortos. Veja a derrocada do tabaco. Os riscos do tabagismo são

conhecidos desde os anos de 1930; o relatório do cirurgião-geral norte-americano

[Ministro da Saúde] de 1964 diretamente enfrentava a indústria do tabaco. Isso

colocou a máquina de propaganda do tabaco no turbo para esmagar a ciência e

quaisquer cientistas que estivessem em seu caminho. O meu colega da Universidade


da Califórnia, San Francisco, o Dr Stanton Glantz era (e até hoje ainda é) o Inimigo

Público Número Um da indústria do tabaco. Durante vinte e cinco anos, ele foi um

‘profeta no deserto’. Stan avisou sobre as táticas da indústria do tabaco em todos os

níveis: os políticos comprados, o marketing, a publicidade para crianças, o

merchandising em filmes. Ele até descobriu a escancarada fabricação de dados pela

indústria para exonerar seu produto. Aonde isso o levou? Vinte e cinco anos de

batalhas constantes, tanto no tribunal de justiça como no tribunal da opinião pública.

Ele foi retratado como um ‘falso profeta, um fanático’. Mas Stan tinha a coragem das

suas convicções. Mais importante, ele tinha os dados. É claro que ele estava, e ainda

está, no rumo certo.

Na verdade, quem determina a diferença entre um profeta e um herege? Quem

termina por escrever a história. É somente através de nosso retrospectoscópio que

parece termos visão perfeita. Pergunte a Galileo.

E assim ocorreu com o Dr John Yudkin. Vamos montar o cenário. Em 1955, o

presidente Eisenhower sofreu um ataque cardíaco no exercício do mandato. A

questão da doença cardíaca e sua prevenção foi lançada à consciência pública. Qual

componente da dieta causou a doença cardíaca? Essa foi a questão fundamental da

saúde pública, disputada no meio acadêmico e na mídia ao longo das décadas de

1960 e 1970. Duas facções surgiram. Dr Yudkin foi um fisiologista, nutricionista e

médico da Universidade de Londres, e o expoente principal da ideia de que o açúcar

era o fator dietético promotor das doenças cardíacas, e de várias outras também.

Publicado pela primeira vez em 1972, e atualizado com nova ciência em 1986, ​Puro,

Branco e Mortal​ foi, é e continua a ser, uma profecia. Yudkin previu a fartura de

açúcar que culminou com o advento do xarope de milho com alto teor de frutose. Ele

pregou no deserto, e ninguém escutou. No outro canto, Ancel Keys foi um


epidemiologista da Universidade de Minnesota que, em 1953, primeiro defendeu a

tese de que a gordura saturada era a principal causa de doença cardíaca, culminando

com o seu volume ​Seven Countries: A Multivariate Analysis of Death and Coronary

Heart Disease​ (Harvard University Press, Cambridge, 1980) [​Sete Países: Uma

Análise Multivariada sobre Morte e Doença Cardíaca Coronariana]​ . O debate

cresceu além do meio acadêmico; o rancor tornou-se direto e pessoal, com Keys

declarando em 1971: ‘É claro que Yudkin não tem nenhuma base teórica ou evidência

experimental para apoiar a sua alegação de uma grande influência da sacarose

dietética na etiologia da [doença cardíaca coronariana]; sua afirmação de que os

homens que têm DCC são comedores vorazes de açúcar não é confirmada em

nenhum lugar, mas é refutada por muitos estudos superiores em metodologia e/ou

magnitude aos dele; e sua “evidência” proveniente de estatísticas populacionais e

tendências temporais não irá se sustentar ao exame crítico mais elementar.’ (Keys,

A., ​Atherosclerosis​, 14:193-202, 1971)

Três descobertas científicas nos anos de 1970 derrubaram o caso do Yudkin e

selaram seu destino. Em primeiro lugar, através do estudo da doença genética

hipercolesterolemia familiar​ (vítimas sofrem ataques cardíacos até mesmo aos 18

anos de idade), Michael Brown e Joseph Goldstein descobriram as lipoproteínas de

baixa densidade (LDL) e o receptor de LDL (o que lhes deu um Prêmio Nobel),

levando à hipótese de que o LDL era o protagonista na doença cardíaca. Em segundo

lugar, estudos dietéticos mostraram que a gordura dietética elevava os níveis de LDL.

Em terceiro lugar, grandes estudos epidemiológicos mostraram que os níveis de LDL

estavam correlacionados à doença cardíaca nas populações. De goleada, certo? ​É a

gordura, estúpido.
Os fariseus dessa guerra santa nutricional declararam Keys como vencedor, Yudkin

um herege e fanático, jogaram o agora desacreditado Yudkin do penhasco proverbial

e relegaram seu trabalho fundamental para a lata de lixo da história, enquanto este

livro deixou de ser impresso e praticamente desapareceu de cena. A propaganda do

‘baixo teor de gordura’ como o tratamento para doença cardíaca foi perpetuada pelos

próximos trinta anos. E o grupo de doenças (obesidade, diabetes, hipertensão,

problemas lipídicos, doença cardíaca) coletivamente chamado de ‘síndrome

metabólica’ aumentou de forma parabólica sob o abrigo da indústria do açúcar e de

sua máquina de propaganda.

Mas boas ideias são duras de matar. Estudos maiores começaram a demonstrar que

os níveis de triglicerídeos séricos estavam correlacionados à doença cardíaca, com o

consumo de açúcar como seu principal motor. E não havia um tipo de LDL, havia

dois: o LDL grande e flutuante, impulsionado pela gordura dietética, mas que era

neutro em termos de doença cardíaca; e o LDL pequeno e denso, impulsionado pelo

carboidrato dietético, e que se oxida rapidamente, levando à formação de placas

ateroscleróticas (endurecimento das artérias). A dieta Atkins agora estava sendo

levada a sério. Os carboidratos começaram a assumir o centro do palco na promoção

da doença metabólica, com o consumo de açúcar implicado como o carboidrato mais

notório.

Eu esbarrei no Dr Yudkin quase por acidente em 2008. Eu estava em Adelaide,

Austrália, dando uma palestra na Associação Australasiana de Bioquímicos Clínicos

sobre minha pesquisa a respeito do papel do açúcar na patogênese da síndrome

metabólica. Dr Leslie Bennett disse-me: ‘Certamente você já leu Yudkin’, e eu admiti

que não. Quando cheguei em casa, procurei ​Pure, Branco e Mortal,​ e não consegui

encontrá-lo na nossa biblioteca da UCSF ou em qualquer livraria de San Francisco.


Eventualmente eu o consegui através de um empréstimo entre bibliotecas. Eu abri o

livro, e ele abriu meus olhos. Eu já sabia através do meu próprio trabalho que o

açúcar em nossa atual taxa de consumo é um desastre médico. Mas saber que Yudkin

previu o problema que era o açúcar trinta e seis anos atrás, e em uma dose muito

menor (ou seja, antes do advento do xarope de milho com alto teor de frutose e da

garrafa de dois litros), foi uma verdadeira revelação. Na verdade, eu era um discípulo

de Yudkin e eu nem tinha me apercebido disso.

Yudkin não tinha os dados volumosos que existem hoje. Ele tinha correlação, mas

não causalidade. Ele não tinha o mecanismo. Ele não sabia que o açúcar causava

resistência à insulina por ser transformado em gordura no fígado através do processo

de lipogênese de novo, ou que o açúcar induzia danos às proteína através da reação

de ​Maillard​ ou de ​caramelização.​ Ele não sabia que o açúcar era fracamente

viciante, embora suspeitasse disso. Apesar disso, ​Puro, Branco e Mortal​ traça linhas

diretas entre o açúcar e a cárie dentária, gota, doença auto-imune, doença cardíaca e

câncer. Na verdade, isso mostra que as taxas de consumo de açúcar e mortalidade

andam de mãos dadas.

Em face da ciência atual e da explosão da nutrição, e a queda da hipótese da

baixa-gordura, a editora Penguin Books UK decidiu reeditar este ‘velho’ livro, que é

‘novo’ outra vez. Estamos agora quase 27 anos distantes da atualização do Dr Yudkin

de 1986. Certamente, com tudo o que aprendemos, este livro deveria ser obsoleto

agora, não? De forma alguma. Primeiramente, as verdadeiras profecias não saem de

moda. É como dizer que ​A Origem das Espécies​ de Darwin é irrelevante porque

Darwin não sabia o que eram os genes. Em segundo lugar, é uma placa de sinalização

em uma viagem de peregrinação. Ela lhe dá a perspectiva de onde você veio, e para

onde você está indo. E por último, Yudkin apontou corretamente o açúcar e as
indústrias de alimentos pelo que eles eram, e ainda são. Aqueles que não entendem a

história estão condenados a repeti-la – especialmente em face da propaganda

persistente. E este livro ​é história.​

Estou orgulhoso de ser um discípulo Yudkin, de contribuir para ressuscitar seu

trabalho e sua reputação, e de ajudar no avanço do seu legado e sua mensagem de

saúde pública. Todo cientista está aos ombros de gigantes. Para um homem de

estatura e estrutura relativamente diminuta, o Dr John Yudkin era de fato um

gigante.

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