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USO SE BRANCO, CRIME SE PRETO - O HISTÓRICO DO USO DE DROGAS E SEU

PROCESSO CRIMINALIZATÓRIO, CLASSISTA E RACISTA

Tatiana Figueiredo Ferreira Conceição. 1

RESUMO: O presente trabalho possui a intencionalidade de


abordar sobre a política proibicionista das drogas e como esta
associa-se a uma lógica mercadológica que atende ao modo de
produção capitalista e direciona a Guerra as drogas ao
segmento mais pauperizado da classe trabalhadora e o identifica
através de sua cor. Ou seja, o debate proposto traz como
discussão como o uso de drogas se configurou no Brasil e como
esta política é atualmente implementada.
Palavras-chave: Raça, Classe, Políticas Proibicionistas e
Guerra as Drogas.

ABSTRACT: The present work has the intentionality to approach


on the prohibitionist policy of drugs and how it associates to a
market logic that attends to the mode of capitalist production and
directs the War the drugs to the more pauperized segment of the
working class and identifies it through its color. That is, the
proposed debate brings as a discussion how drug use was
configured in Brazil and how this policy is currently implemented.
Keywords: Race, Class, Prohibitionist Politics and Drug War.

1Assistente Social, Prefeitura Municipal de Resende,Mestranda do Programa de Pós- Graduação em


Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. thatyferreira@yahoo.com.br.
INTRODUÇÃO:

Iniciamos este artigo com a intencionalidade e ousadia em correlacionar Guerra as


Drogas, leis proibicionistas, modo de produção capitalista, apontando um recorte racial para
esta “guerra”.
Pensamos que ao discutirmos a política de drogas no Brasil, precisamos fazer um
debate interseccional. Não é um debate apenas que vai se centrar na dualidade entre Saúde
Pública ou Segurança Pública, mas pensar que esta política é a que mais encarcera na
atualidade e não de forma indiscriminada. Ela tem alvo. E os dados oficiais nos mostram
aumento do encarceramento da população associada a Lei de Drogas: São mulheres, homens
e jovens negros.
Esclarecemos que o debate interseccional que estaremos apresentando neste artigo
coaduna com Passos e Pereira (2017) ao apontarem a partir da crítica de Kergoat que
“assumem a concepção marxista interseccional, reconhecendo que as relações de opressão
de classe, gênero e raça encontram-se imbricadas entre si e que essas relações sociais
estruturam e perpetuam o modo de produção capitalista”. (p.30)
Ao discutir Políticas de Drogas, se faz necessário ampliar o debate, articulando com
as nuances conjunturais e as intervenções que o modo de produção capitalista lucra com essa
política. Destacamos o lucro, pois ao longo do período escravista, perdurando pelo século XIX
até o início do período republicano no Brasil, as drogas eram utilizadas para o trabalho ou
recreação. (AVELAR,2014).
A partir do Brasil República cresce um sentimento moral, associado a repressão da
cultura negra, que nos diziam estar liberta desde 1988, no Brasil. Os seus hábitos
relacionados as suas atividades de vida cotidiana foram cerceadas e o Estado se
materializava através da coerção e aprisionamento. Percebemos o início, de forma
transparente, a associação do Estado com a política de Drogas e o seu direcionamento
apenas a uma parcela da população, a população negra.

2 - DESENVOLVIMENTO

Pensar atualmente em políticas proibicionistas de drogas, objetivo de nosso trabalho,


é articular como esse processo encontra se imbricado a relações raciais, pois a população
negra torna-se alvo desta política
Entendemos por proibicionismo, como uma forma simplificada de classificar o
paradigma que rege a atuação dos Estados em relação a determinado conjunto de
substâncias das drogas (FIORE, 2012, p.9)
Para contextualizar o debate, compreendemos ainda por droga, como “qualquer substância
não produzida pelo organismo que tem propriedade de atuar sobre um ou mais de seus
sistemas produzindo alterações em seu funcionamento” (Organização Mundial de Saúde,)
sendo complementada com a Lei 11.343/2006, onde complementa que estas substâncias são
capazes de causar dependência.
Destacamos que para os “padrões” desta sociedade capitalista ocidental, o uso de drogas é
considerado um desvio de padrões pré-estabelecidos, onde o indivíduo em uso,é considerado
desviante, devido não adequação aos padrões impostos.
Nessa sociedade, organizada nos moldes capitalistas, responsáveis pela
crescente desigualdade social, também se configura no cenário de uma
tendenciosa mudança de valores, voltada para a competitividade,
individualismo, estética e consumo. Em uma sociedade regida pelos
imperativos de consumo, o uso de drogas é considerado a maximização de
oportunidades de obtenção de prazer e evasão de sofrimentos para indivíduos
que buscam soluções que são meras tentativas de escape, apesar de tal
atitude estar embutida pela faceta de contestação e/ ou transgressão às
normas vigente. (SOUZA, KANTORKI, MIELKE,2006, p.02)

As drogas foram consideradas nocivas ou benéficas, de acordo com sua época, da


cultura onde se inseriam seu uso e sobretudo, em função do padrão a dos motivos subjacentes
ao seu consumo. Poiares (1999) afirma que nos últimos dois séculos a droga acabou por
assumir uma tripla dimensão:
a da mercadoria, como ponto de ligação entre as componentes jurídica,
econômica e fiscal; a dimensão lúdica e terapêutica, como fonte de desinibição
favorecedora de convívio social e como instrumento de tratamento médico; e
por último, as dimensões de objeto e origem do crime, numa perspectiva
emergente, sobretudo em meados do século XX (POIARES,1999, p.4)

Ao pensar dentro da perspectiva proibicionista das drogas no Brasil, Delmanto (2013)


e Carneiro (2002) explicam que essas ações possuem correlações com influências
estadunidense associadas a direcionamento de organismos internacionais, que à época
interessada no aproveitamento máximo da força de trabalho e a coesão industrial estabeleceu
como principais alvos o sexo e as drogas inclusive o álcool.
Outro fator importante em se pensar o proibicionismo no Brasil é compreende-lo como
legitimador da violência policial e do extermínio da juventude pobre, de maioria
negra, decorrente destes abusos. Ainda, como estabelece o negócio altamente
lucrativo do tráfico, o proibicionismo torna-se ferramenta fundamental nos
esquemas de corrupção das policias e das forças de segurança no país,
favorecendo milícias e organizações criminosas (CARVALHO, 2010 e
SOARES,2006)

Segundo Delmanto (2013 apud Rodrigues,2003):


Para as organizações da droga, a manutenção da proibição e da repressão
ineficientes de um largo leque de drogas psicoativas amplamente desejadas e
consumidas maximiza os lucros do negócio, ao mesmo tempo em que a
facilidade com que conseguem influência nas instituições públicas garante que
os canais estatais se abram aos objetivos do crime organizado. Por outro lado,
a proibição às drogas fornece ao Estado uma importante justificativa para a
intervenção na sociedade, através da repressão à produção e consumo ilegais
que na realidade, incidem diretamente sobre o usuário e o traficante varejista
(geralmente proveniente de classes sociais baixas). A guerra às drogas é
ineficiente para desbaratar os setores oligopólios, mas é extremamente
operacional como uma estratégia política de controle social. A simbiose se dá,
portanto, não só na penetração de um modelo repressivo vantajoso para
“perseguidor” (Estado) e “perseguido” (narcotráfico) .

Assim, diante desta problematização apontada por Rodrigues (2003), nos implica a pensar e
correlacionar proibicionismo com luta de classes, que é tão intrínseco e fundante nesta
sociedade capitalista, onde a guerra as drogas possuem o seu público alvo o segmento mais
pauperizado da classe trabalhadora, onde possui além do recorte de classes, o recorte de
raça/etnia.
É importante salientar que este Estado não se afirmar apenas para esta população
enquanto instituição de coerção legitimada por interesses dominantes, mas se apresenta
dentro de uma perspectiva moralizadora e simbólica, com discursos de criminalização das
drogas, endossadas por uma parcela burguesa desta sociedade.
Durante o Brasil colônia, a aguardente e o tabaco era a principal droga de circulação e
ingestão no Brasil, usada como moeda de troca, onde juntos adquiram 48% dos escravos que
chegaram vivos na América Portuguesa entre 1701 e 1810.
A droga era compreendida como “qualquer conjunto de riquezas exóticas, produtos de
luxo destinados ao consumo, ao uso médico e também como adubo da alimentação”
(AVELAR,2014, p.23). Estas cumpriam também o papel de facilitar as trocas no território latino-
americano.
Segundo Avelar (2014) na mesma proporção que a cana de açúcar crescia em território
brasileiro, os negros escravizados utilizavam a maconha ou como era conhecida
“pito de Angola” ou “fumo de Angola” para rituais religiosos ou como forma de resistência,
objetivando “estabilizar” a relação entre os senhores e os escravizados. Os senhores
compreendem inclusive que a aguardente servia como estimulante para trabalhos mais
árduos.
Durante este período, o Estado Brasileiro busca formas de coibir a embriaguez pública
através de prisões de pessoas que fossem flagradas em uso de álcool, porem há diversos
registros que apontam números significativos de escravizados presos. “As elites pretendiam
transformar a capital do Império num lugar em que os transeuntes se comportassem de acordo
com um modo de viver “civilização”, como o das grandes cidades europeias [...]”
(AVELAR,2014, p.23).
O referido autor salienta que todo esse movimento à época, promoveu um processo
de repressão que fora utilizado para o aprisionamento de escravos que circulavam nas ruas
do Brasil colônia.
Assim, esse contexto de repressão não se finda no Brasil colônia, apenas se adensa,
atingindo um possível status de guerra, onde conforme Avelar (2014) destaca que a proibição
é uma forma de recuar o reconhecimento dos direitos individuais, onde provoca e intensifica
a segregação e nega os direitos aos não brancos.

A necessidade da repressão às drogas nasce [aumenta] com as contradições


do processo de abolição da escravatura no Brasil, em 1988. Com a perda da
ferramenta da escravidão há de se criar outras para que se possa controlar a
cultura negra que agora luta para fazer parte do tecido social existente, “não
se pode correr o risco de os negros impregnarem os brancos e seus
costumes, diziam à época políticos”, governantes, cidadãos.
(LUNARDON,2015) – Grifos da autora

Parcela esta que historicamente fez uso de substâncias e legitimava o mesmo, pois
até 1911
[...] o vício era limitado à classe média, passou a se espalhar pela cidade, entre
as classes sociais “perigosas”, ou seja, entre os pardos, negros, imigrantes e
pobres, sendo motivo de preocupação para o governo e mais uma vez
evidenciando o caráter classista [racista] que influenciou o proibicionismo no
Brasil (LAIKOVSKI, 2015, p.8).

Com o aumento das cidades, aumentava-se na mesma proporção, o uso de drogas


por toda a população e consequentemente os que se preocupavam com a repressão.
Salientamos que esta repressão, não se destinava exclusivamente ao uso das substâncias
psicoativas, mas as manifestações culturais e religiosas da população negra, a citar capoeira,
samba e as manifestações religiosas, símbolos de uma construção da coletividade da
população negra.
A partir da Convenção de Haia em 1912, onde o Brasil torna-se signatário, estabeleceu-
se princípios do controle internacional sobre drogas, compreendendo estas apenas as ilícitas,
onde ainda não havia um processo de criminalização, mas a proibição da venda em diversos
lugares e em locais em que era permitido, incidia-se enorme tributação. No Brasil, esse
direcionamento se constituiu na direção de um modelo sanitário (MARTINS, 2013; MVUMBI,
2016).
Em 1921, o Código Criminal passa a usar a palavra entorpecente, ao mencionar o ópio
e a cocaína como substâncias proibidas, onde ao usuário era sujeitado a uma
“internação por 3 meses a 1 ano em estabelecimento correcional adequado” (MARTINS, 2013,
p. 17177).
Em 1934, cria-se a Delegacia de Costumes, Tóxicos e Mistificações (DCTM), voltada
para controlar e reprimir o uso das drogas ilícitas e reprimir os costumes da população negra.
“Nada mais evidente de que se reprimiam elementos da cultura negra como política pública
para a criminalização desta população” (LUNARDON,2015, p.9).
A partir do Golpe Civil-Militar de 1964, Rodrigues (2016, p. 142) destaca que este período é
o“marco divisório entre o modelo sanitário e o modelo bélico de política criminal para drogas.”,
onde Martins (2013) salienta que:

O decreto-lei 385/68 editado pelo Governo Militar revoga este entendimento e


criminaliza o usuário, com pena idêntica à do traficante. Trata-se,
provavelmente, de uma das medidas legislativas mais radicais e simbólicas do
período, apesar de, na pratica, haverem sido implementadas ações muito mais
restritivas pelo Estado autoritário. O mesmo decreto não perdeu oportunidade
de introduzir alguns verbos no tipo de injustodo tráfico
(“preparar”, produzir”) e de sua ampliação para as matérias-primas” (p.
17.179)

O contexto político – econômico, propiciou as condições necessárias para a formação


de um discurso político que transformasse a droga como uma ameaça à ordem. Nota-se que,
as ações governamentais e a grande mídia trabalhavam o estereótipo políticocriminal, e na
medida em que se enuncia a transição democrática, este novo inimigo interno justifica maiores
investimentos no controle social.(MVUMBI, 2016). Com isso, o usuário deixa de ser visto do
ponto de vista clínico e passa a ser visto como criminoso. Rodrigues
(2006)
o Dec.-lei nº 385/68 apresenta outro mérito que é o de alcançar, na proibição
legal, a figura do próprio consumidor das substâncias proibidas... E nada mais
lógico uma vez que, combatida e restringida a classe dos viciados,
evidentemente, por via oblíqua, também se combateria a traficância. Não
havendo quem compre, não haverá quem venda. É a velha lei da oferta e da
procura (p. 144 – trecho extraído do livro GOMES, Geraldo. Os alucinógenos
e o direito: LSD. São Paulo: Juriscred, 1972, p. 26, referente ao comentário de
um Juiz de Direito da 13ª Vara Criminal de São Paulo)

As décadas seguintes são marcadas por contexto de controle penal, sendo ora
entendido como tratamento, ora como crime. O que marca essas décadas são os contextos
políticos e econômicos que se configuram a época e estão correlacionados ao entendimento
desta política. Que ficam evidentes diante da construção que fora estabelecida no Brasil ao
longo dos anos anteriores, com inclusive influência norte-americana.
A Constituição de 1988 revoga os dispositivos de censura, mas mantém os anseios de
uma política punitivista, baseado em controle penal e moral, construído e fomentado nesta
sociedade, após anos de exposição, à doutrina do inimigo. O que nos marca o entendimento
que a política de drogas no Brasil, esteve associada intrinsecamente a uma construção de
moralidade, voltada ao terror da droga e inimigo social e, que o tratamento se equivale a
punição, ou que todos devem ser tratados através de um enclausuramento, pois são
considerados incapazes.

A legislação de drogas brasileira acabou por reforçar o grande fosso existente


entre as camadas mais altas e mais baixas da população. Para os traficantes,
mesmo os de pequeno porte ou viciados, pertencentes aos estratos mais
desfavorecidos da sociedade, a resposta penal é a prisão fechada, de no
mínimo três anos, agravando ainda mais as terríveis condições das
superlotadas e infectas prisões brasileiras. Aos usuários de drogas sem
antecedentes, não-viciados, que possuem condições de comprar droga sem
traficar, a despenalização. (RODRIGUES, 2006, p. 163)

Assim, este trecho nos aponta que precisamos ir além da aparência do processo, mas
perceber que associada a política de drogas se construiu uma seletividade penal, baseada em
leitura de classes, território e estereótipo, onde que nos direciona para um contexto racial que
vemos apontando ao longo deste trabalho.
Até então, percebemos que estas práticas proibicionistas possuem prática
preconceituosa e políticas de exclusão social, porém essas práticas não se restringiam as
fronteiras brasileiras, pois seu processo foi influenciado pela política antidrogas
norteamericana.
No processo de articulação proibicionista nos EUA, setores
empresariais ligados a empresas têxteis de algodão e petrolífera, foram
importantes financiadores destas campanhas (HERER, 2014). Fatores
como a invenção do maquinário para o barateamento da colheita de
algodão, por exemplo, influenciaram as empresas têxteis a financiar a
proibição não só do uso recreativo, mas da existência da planta para
qualquer fim, na intenção de dominar o mercado. O mesmo se deu com
a indústria petrolífera, que necessitava da garantia do mercado
consumidor para viabilizar os altos investimentos necessários à
prospecção do de petróleo e seu refinanciamento em óleos e plásticos.
Eliminar a maconha, grande produtora de fibras e óleos, garantia o
domínio do mercado. (HERER, 2014 apud LUDARNON, 2015, p.15)
Olmo (1990) apud Rodrigues (2006, p. 152) destaca que a politica de Guerra as Drogas
é uma política genocida, pois os EUA transfere a
maior parte da responsabilidade para os países latinos produtores de
droga. A “tropicalização” do discurso repressivo, aliado ao fato de os
EUA se considerarem “polícia mundial” no controle dos
entorpecentes, trouxe graves consequências para essas regiões,
sentidas até hoje. A militarização do combate às drogas, a violência
policial, a opção por um direito penal simbólico, o aumento de penas
e imposição maciça da pena de prisão como estratégia de política
criminal podem ser apontados como fatores preponderantes a marcar
fortemente a política de drogas, a partir dos anos 80, no Brasil e na
América Latina em geral.

Rodrigues (2006) aponta ainda que mesmo o Brasil não se apresentar enquanto
produtor de entorpecentes, a sua posição geográfica de proximidade com os países
produtores e sua posição estratégica frente a estes países, fizeram com que o país também
sofresse forte influência dessa política externa norte-americana.
Martins (2013) destaca ainda que esta época é marcada pela transnacionalização do
combate à droga, através da criação de agências internacionais destinadas a controle e
repressão ao tráfico que irão influenciar as ações na América Latina e Brasil.
Anos de 1980, com a globalização do capital, reestruturação produtiva, divisão
internacional do trabalho, o mercado da droga também é atingido, onde transformou algumas
dessas substâncias em negócios transnacionais com reflexos sociais e políticos. Os discursos
do EUA centram-se no narco- dólares detecta-se uma perda de mais de 02 bilhões de dólares
com a venda de cocaína. (DELOMMO, 1998 apud Martins, 2013.) Desta forma, fica evidente
o papel do capital neste discurso de Guerra as Drogas, onde Carneiro (2015, p. 01) destaca
que:

Na época atual de predomínio financeiro, o principal ramo do comércio mundial


é o das drogas, se incluirmos aí os cerca de US$ 500 bilhões do tráfico ilícito,
e acrescentarmos os capitais das drogas legais, como o álcool e o tabaco, mas
também o café, o chá, etc, além das drogas da indústria farmacêutica, onde no
Brasil, por exemplo, os quatro maiores mercados são os de cerveja (R$ 8,8
bilhões anuais); refrigerante (R$ 7,4 bilhões); cigarro (R$ 5,3 bilhões); e
aguardente (R$ 2,1 bilhões). Cf. (Folha de S. Paulo, 03.08.1998. A Ambev,
fusão das cervejarias Brahma e Antarctica, tornou-se a maior empresa privada
do país.

Desta forma, este mesmo autor (2011) salienta que esta guerra se apresenta altamente
custosa, longa e com grande quantitativo de encarceramento dos segmentos pauperizados,
se apresenta como mecanismo de controle social das populações pobres, pois permitem à
polícia devassar a privacidade dos indivíduos em qualquer circunstância, sob o pretexto de
busca de drogas e controle de matérias-primas que são fundamentais na indústria
farmacêutica, garantindo a hegemonia dos remédios desta indústria contra o uso de plantas
tradicionais.
Assim, associado a esse modelo de repressão, o Brasil foi construindo sua política de
drogas, baseado diante da importação do modelo proibicionista, importado pelo EUA que
difundiram a Guerra as Drogas e estabeleceram parâmetros para a seleção de drogas
consideradas legais e ilegais. (MVUMBI, 2016).
Desta forma, construiu-se no Brasil, um modelo repressivo, que segundo MVUMBI
(2016, p. 29) “redundou na instauração de modelo genocida de segurança pública, centrado
na lógica bélica de eliminação/neutralização de inimigo”, com aprofundamento da Lei
11.343/2006 que se vale de um modelo abstêmio e repressivo-penal, correlacionado com essa
lógica bélica, entendida como política pública.
O artigo art. 28, § 2º da Lei 11.346/06, aponta que cabe ao juiz recorrer à “natureza e
quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a
ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do
agente” para determinar se se trata de posse para uso ou para comércio da droga.
O destaque marca o punitivismo com relação a segmento mais pauperizado da
população, demonstrando o elitismo da justiça brasileira. Já o artigo 33, que versa sobre o
porte de drogas para o comércio, onde caberá a autoridade judicial se valer de valores
subjetivos para compreensão do que é tráfico, onde região de abordagem, maneira de se
vestir, cor da pele, características de classe social, tipo de linguagem “influenciam” ( e não
deveriam) em sua análise.
De acordo com Maíra Fernandes (2017), ex-presidente do Conselho Penitenciário do
Estado do Rio de Janeiro em entrevista à Revista Consultor Jurídico, destaca que:

Nas autuações por tráfico de drogas é difícil reverter o depoimento dos policiais, afinal,
eles têm fé pública. Mas a situação fica ainda mais complicada se o acusado for negro
e pobre, onde essas prisões têm tudo a ver em relação ao lugar onde houve a
apreensão da droga. Como a lei não distingue precisamente uso de tráfico, uma mesma
quantidade de droga apreendida no Complexo do Alemão [na Zona Norte do Rio] e na
Rua Farme de Amoedo [em Ipanema, na Zona Sul do Rio] pode gerar um registro de
tráfico no primeiro caso e um de uso no segundo. Então, tem muito a ver com o CEP, a
cor, com o nível social do abordado”, diz a advogada.

Quando pensamos no recorte de classe, não há como deslocar a situação racial, onde
ainda hoje, a população negra ainda ocupa os lugares mais vulneráveis da sociedade.

Criminalização da pobreza. O termo é autoexplicativo, e bem familiar ao


brasileiro de baixa renda, que traz inscrita na cor da pele e nas características
raciais a marca de classe e, com ela, os desafios de viver num país que insiste
em negar uma segregação que é óbvia até ao observador mais desatento. Os
lugares sociais a essa categoria reservados são deduzidos a partir desses
indicadores étnicos. Quanto mais distante fisicamente do padrão branco
europeu, mais baixa a posição na pirâmide social. No país que ocupa o quarto
lugar em concentração de renda no mundo, ser negro é sinônimo de ser pobre.
Entretanto, avançando nesse raciocínio perverso, parcela da população
começa a considerar legítima a correlação de pobreza com criminalidade,
comprando a ideia de que nossos pobres e miseráveis são de fato bandidos
perigosos. As consequências desse raciocínio, sobre as quais pretendo aqui
tecer algumas considerações, além de perversas, são contraproducentes, na
medida em que impedem o diagnóstico do problema em sua real dimensão, ao
mesmo tempo em que estimulam a manutenção do inegável quadro de
segregação existente no país (GELÉDES, 2009)

Desta forma, corroborando com Borges (2018), pensamos quando abordamos que as
Guerra as Drogas possui um direcionamento classista e racial, quando problematiza: Quem
define se uma pessoa é usuária ou traficante? e diante de toda discussão apresentada:
quais as chances de uma pessoa negra, com uma pequena quantidade de substância
ilícita ser considerada traficante ou usuária? Quais as influências sociais, políticas,
sociais, territoriais, raciais e de gênero para a definição desta diferenciação? E assim
respondemos com a autora: Todas as influências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pretendemos neste trabalho, trazer um debate desafiador no campo das políticas


públicas e no contexto da saúde mental. Abordar proibicionismo é mexer nas estruturas de
uma sociedade com histórico e práticas escravagistas, patriarcais, homofóbicas e sexistas.
Debater tais temas, faz-se necessário pensar e entender a constituição desta sociedade sob
essas práticas morais.
Não esgotamos o temas, pois entendemos que esta discussão não se esgota e debate
se constitui cada vez mais necessário na atualidade, onde a banalização da vida é cada vez
mais recorrente.
Racismo não é discurso de vitimismo, quando temos de acordo com dados oficiais do
IBGE a maioria da população brasileira são negros, porém esta mesma população não ocupa
espaços de poder e não por falta de mérito, como os ideais burgueses querem nos incutir
como meritocracia, mais sim uma falta de acesso com qualidade a educação, pois ainda
mesmo sendo maioria em nossa população, ainda estamos em locais vulneráveis e nosso
acesso ainda é subalternizado.
Falar sobre acesso e locais subalternizados da população negra é resgatar a história
deste país, com práticas e ideias higienistas, mas nos apresentadas como progresso e
culpabilização daquele indivíduo que não acessa.
A Política Moral e Encarceraria de Drogas na atualidade nos aponta uma direção de
aprisionamento de toda e qualquer pessoa que se relaciona com substâncias psicoativas em
instituições totais, sendo ela em prisões ou atualmente em comunidades terapêuticas, sob
esta última, na lógica do cuidado. Porém precisamos salientar que esta política não deixa claro
quem é o usuário e quem é o traficante, a leitura deste individuo é subjetivo e fica a cargo de
quem deu o flagrante, onde como apontamos no trabalho, o território, comportamento, classe
e raça influenciam em ser traficante ou usuário e assim temos a constituição de um
encarceramento em massa da população negra em nosso país.
As Guerras as Drogas, nada mais é do que disputa de mercado, dos empresários do
narcotráfico, os dados evidenciam que os flagrantes se centram em pequenos traficantes e
não de fato em quem financia o comércio de drogas, além de seu direcionamento de aça e
classe.

REFERENCIAS:
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LUNARDON, Jonas Araújo. “Ei, polícia, maconha é uma delícia!” – O proibicionismo das
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