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OAB

Direito
Internacional
Privado

1
Sumário
1. Conceitos Iniciais ............................................................................................................ 5

2. Conflito de Leis no Tempo e no Espaço ..................................................................... 12

3. Aplicação das Normas do DIP...................................................................................... 17

4. Elementos de Conexão ................................................................................................. 25

5. Aplicação da Lei Estrangeira: Natureza Jurídica ....................................................... 34

6. Limites à Aplicação do Direito Estrangeiro - Ordem Pública - Art. 17, LINDB. ....... 39

7. Direito Civil Internacional ............................................................................................. 44

8. Direto do Comércio Internacional e Lex Mercatoria ................................................... 56

9. Direto do Trabalho Internacional .................................................................................. 62

10. Direito Internacional ..................................................................................................... 70

11. Direito Processual Internacional ................................................................................. 83

12. Arbitragem Internacional ............................................................................................. 95

2
Apresentação
Olá, caro (a) estudante!

O período de dedicação e preparação para uma prova de concurso público é uma


jornada árdua e trabalhosa. Pensando nisso, elaboramos esta Apostila com toda dedicação e
atenção que você merece.

O conteúdo dela foi criado com todo o rigor necessário para sua utilização como
material de apoio ao estudo para todas as pessoas que almejam prestar concursos e/ou
realizar o exame da ordem. Os conteúdos citam fontes confiáveis, atualizadas e completas
sobre os mais variados temas em Direito e foram elaborados por profissionais com experiência
em ensino e prática jurídica.

O material está organizado hierarquicamente (em modo decrescente de hierarquia:


Temas, Tópicos e Subtópicos). Essa estrutura permite a exploração organizada dos
conteúdos da disciplina e agrupam os objetos do conhecimento que se relacionam, conferindo
uma leitura mais fluida e orgânica. Mapas mentais, que são um método de memorização e
organização do conhecimento adquirido, foram desenvolvidos ao final de cada Tema com o
objetivo de facilitar o aprendizado dos conteúdos estudados.

O Direito Internacional Privado tem como principal objeto de estudo a escolha da lei a
ser aplicada quando uma relação jurídica privada envolve o direito de diferentes países. Terá
aplicação quando uma disputa ou transação jurídica envolver a escolha de uma jurisdição, a
lei aplicável para a solução de uma relação jurídica, ou ainda, o reconhecimento ou execução
de uma sentença estrangeira.

Ao contrário do que ocorre com o Direito Internacional Público que tem como principal
fonte as convenções internacionais, no Direito Internacional Privado, a principal fonte é a lei
interna. Contudo, o Direito Internacional Privado também é regulado em tratados e
convenções incorporados no direito nacional, costumes e outros instrumentos que regulam as
relações plurilocalizadas.

O Direito Internacional Privado lida com uma variedade de tópicos, como contratos
(internacionais); indenizações (lex loci delicti); questões familiares como o casamento, a
adoção e o sequestro internacional de crianças; o reconhecimento de sentenças, questões
envolvendo bens imóveis (lex rei sitae); propriedade intelectual; entre outros.

3
Desejamos bons estudos e uma excelente prova!

Atenciosamente,

Equipe pedagógica LFG.

4
1. Conceitos Iniciais

O Direito Internacional Privado (DIPr) tem como objetivo estudar a aplicação das normas
jurídicas que regulam fatos sociais que se relacionam com o direito de mais de um Estado.
Como estes fatos transnacionais podem, em tese, ser regulados por mais de um ordenamento
jurídico, o DIPr do país em que ocorre o processo regula qual a lei será aplicável dentre
aquelas que potencialmente poderiam regular a relação conflituosa, evitando situações como
a de omissão (ausência de normas) ou sobreposição espacial 1.

1.1. Natureza, objeto e denominação do Direito Internacional Privado.

As relações jurídicas de direito privado, na maioria dos casos, estão vinculadas


estritamente ao território do Estado no qual os tribunais julgam uma eventual lide entre duas
partes. Mas, no mundo inteiro, cada vez mais são frequentes as relações jurídicas com
conexão internacional a transcender as fronteiras nacionais. Assim é também no Brasil, onde
a mobilidade da população e as relações comerciais entre empresas ganham constantemente
caráter internacional2.

O Direito Internacional Privado (DIPr) é composto de princípios e regras, sendo estas


positivadas ou costumeiras, que têm por primordial função resolver os conflitos de leis no
espaço. Tais conflitos de leis no espaço podem ser caracterizados como a existência de duas
ou mais leis potencialmente aplicáveis ao mesmo fato ou mesma relação jurídica em uma
determinada situação, sendo que uma delas é de um ordenamento jurídico estrangeiro. Em
outras palavras, um fato ou uma relação jurídica que gera efeitos em dois ou mais
ordenamentos jurídicos.

Assim, a causa do conflito de leis no espaço é a existência de elemento estrangeiro


contido na relação jurídica, situação que se afigura cada vez mais cotidiana em função do
atual cosmopolitismo humano impulsionado pela globalização econômica, cultural e política.
Esses elementos estrangeiros são aqueles que dão a uma relação ou situação jurídica o
caráter internacional. Exemplos que internacionalizam a relação jurídica de emprego são a
nacionalidade do empregado e do empregador, o lugar da sede da empresa, o local da
prestação de serviços e o foro da celebração do contrato.

1
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direito Internacional Privado. São Paulo: Saraiva Educação:2018. p. 24.
2
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 16.

5
A principal função do Direito Internacional Privado é a solução de conflito das leis no
espaço, isto é, a potencial aplicação dos diversos direitos aplicáveis (nacional ou estrangeiro)
a uma mesma relação jurídica. Esse, inegavelmente, é o campo mais amplo e importante de
seu objeto, o estudo dos princípios e regras que orientam o Juiz sobre a escolha da lei a ser
aplicada. O conflito entre as legislações permanece, mas a situação concreta é resolvida
mediante a aplicação de uma das leis, escolhida de acordo com as regras fixadas, seja pelo
legislador, seja pela doutrina ou pela jurisprudência3.

Essa situação pode ocasionar a flexibilização do princípio da territorialidade das leis na


medida em que prescreve, em determinados casos, a aplicação do direito estrangeiro pelo
juiz nacional.

Importante enfatizar que mesmo que as normas desse ramo do Direito indiquem a
aplicação de normas de direito material de natureza privada, a natureza de suas normas é de
direito público, porque se dirigem ao juiz.

Quanto a seu objeto, o DIPr resolve conflitos de leis no espaço referente ao direito privado,
ou seja, determina o direito aplicável a uma relação jurídica de direito privado com conexão
internacional. Ele não soluciona a questão jurídica propriamente dita, indicando, tão somente,
qual direito, dentre aqueles que tenham conexão com a lide sub judice, deverá ser aplicado
pelo juiz ao caso concreto (direito internacional privado stricto sensu). Como a aplicação desse
tipo de norma jurídica depende de normas processuais específicas, isto é, das normas do
direito processual civil internacional, considera-se que o direito internacional privado abrange
também normas processuais respectivas na sua disciplina (direito internacional privado lato
sensu)4.

Entendendo-se que o DIPr regula relações privadas, sendo assim direito privado, mas o
direito processual civil internacional pertencer ao direito público, como o direito processual em
geral, surge uma controvérsia. A visão de Jacob Dolinger é similar, entendendo que o direito
internacional privado não se restringe a instituições de direito privado, mas atua, igualmente,
no campo do direito público. Dolinger preleciona que questões trabalhistas, fiscais, financeiras,
monetário-cambiais, penais e administrativas assumem, igualmente, aspectos internacionais

3
DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p.1-5
4
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 17.
6
a exigir o recurso a regras e princípios do direito internacional privado5. No entanto, há
unanimidade no entendimento de que as normas de direito internacional privado se destinam
a resolver conflitos de leis no espaço, o que sempre pressupõe fatos, juridicamente
relevantes, com conexão internacional6.

1.2. Fontes do DIP: leis, tratados internacionais, doutrina,


jurisprudência e costume.

Ao contrário do que ocorre no Direito Internacional Público que tem como principal fonte
os tratados internacionais, o DIPr tem como sua principal fonte a lei nacional e a constituição
do país em que a solução do conflito é buscada. Além disso, como em outros ramos do direito
nacional, há outras fontes que serão utilizadas pelos juízes na elaboração de suas decisões:

a) Leis. A lei é a fonte primária do direito internacional privado na grande maioria dos países.
São elas que devem ser consultadas em primeiro lugar diante de uma relação jurídica de
direito privado com conexão internacional. No Brasil, as regras básicas do direito internacional
privado estão disciplinadas na Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro, e isso de
acordo com a Lei n. 12.376/20107, que alterou a ementa do Decreto-Lei n. 4.657/42. Antes de
sua vigência, a denominação oficial desse diploma legal era Lei de Introdução ao Código Civil
Brasileiro (LICC) (Dec.-Lei n. 4.657, de 4-9-1942)8.

b) Tratados Internacionais. São acordos internacionais, concluídos por escrito entre Estados
e regidos pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou
mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica 9. Cada país
regula, individualmente, a incorporação do tratado internacional ao sistema jurídico interno 10
e a sua ordem hierárquica dentro desse sistema 11. No Brasil, após a Emenda Constitucional

5
DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p.3
6
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 23.
7
LINDB. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12376.htm>. Acesso em: 13,
Nov. 2019.
8
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 82.
9
De acordo com a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm>. Acesso em 13, Nov. 2019.
10
REZEK, José Francisco. Direito internacional público; curso elementar, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998. p. 68-70.

11
VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, 5. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1980, v. 1. p. 95-7

7
n. 45, de 8 de dezembro de 200412, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal mudou 13,
pois, conforme o novo art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais14.

Antes da sua vigência, no Brasil, o tratado internacional, em regra, é negociado,


assinado, aprovado, ratificado, promulgado, registrado e publicado. Além disso, para poder
vigorar no plano internacional, precisa obedecer aos critérios estabelecidos pelo próprio
tratado. Internacionalmente um Estado é juridicamente vinculado a um tratado pela
ratificação15. Esta se caracteriza como ato pelo qual o chefe de Estado confirma o tratado
perante a comunidade internacional, na medida em que deva vincular o Estado ratificante
juridicamente16. O Brasil pode excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições de
tratados multilaterais ou convenções mediante uma declaração unilateral, que é a reserva, se
o próprio instrumento assim permitir.

c) Jurisprudência. É reconhecida, tradicionalmente, como fonte jurídica no direito


internacional privado17. Esta pode ser levada em consideração quando a relação jurídica sub
judice não pode ser decidida unicamente com base na legislação, na doutrina e na
jurisprudência pátrias.

d) Doutrina. Influenciou a evolução do DIPr em todas as partes do mundo, tendo elaborado


um sistema de regras jurídicas constitutivas da parte geral do direito internacional privado.

12
Emenda Constitucional 45. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019.
13
Atualmente, o STF atribui aos tratados internacionais de direitos humanos caráter “supralegal”. Cf., nesse sentido, entre
outros, STF, HC 94.013-7/SP, 1 ª T., j.10-2-2009, rel. Min. Carlos Ayres Britto, RT, 885:155-9, 2009.
14 De acordo com a nova redação do art. 109, V-A e § 5 º, da Constituição Federal> 109, V-A: “Art. 109. Aos juízes federais
compete processar e julgar: V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
15
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 87.
16
Hildebrando Accioly e Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva, Manual de direito internacional público, 12. ed., São Paulo,
Saraiva, 1996, p. 25.
17
DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. P.64.

8
e) Costume. No vigente Código Civil Brasileiro, o direito costumeiro só se aplica em caso de
falta ou omissão da lei18. O elemento essencial à formação de uma regra do direito costumeiro
internacional é o uso prolongado e geral, que consiste na prática uniforme e reiterada de atos
com efeitos jurídicos, culminando na convicção jurídica de se tratar de uma regra de direito
(opinio necessitatis), isto é, a certeza da imprescindibilidade da norma. É mister que seja
suficientemente objetiva e clara, para ser reconhecida como regra de direito.

Por fim, enfatiza-se que a fonte por excelência do Direito Internacional Privado é a lei
interna, ou seja, cada Estado tem competência para legislar sobre esta área do direito. No
Brasil, a principal fonte do DIPr é a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-
Lei 4.657/1942), que trata do DIPr nos arts. 7° a 17 19. Além dessa, é possível identificar na
legislação nacional outros diplomas que abordam assuntos de interesse do DIPr, tais como a
Constituição Federal, que trata da sucessão internacional no art. 5°, XXXI, e da competência
do STJ em temas de cooperação judiciária internacional no art. 105, I, i, além do Código de
Processo Civil, de 2015, que trata dos limites da jurisdição nacional, da cooperação
internacional e do auxílio direto no seu Título II (artigos 21 a 41) e da homologação de
sentenças estrangeiras e cartas rogatórias nos artigos 960 a 963.

Já o tratado mais antigo no campo do DIPr ratificado pelo Brasil, e ainda em vigor, é o
Código Bustamante, que é a denominação da Convenção de Havana de Direito Internacional
Privado de 1928 e que funciona como um código internacional de DIPr.

Algumas das principais organizações internacionais elaboradoras de regras do DIPr


são:

 A Conferência de Haia, que é uma organização intergovernamental que trabalha para


a unificação progressiva das regras de direito internacional privado, que tem mais de
60 Estados-membros e que visa a elaboração de tratados que busquem a unificação
do DIPr. É a grande referência na atualização multilateral do direito internacional
privado.

18
Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4º: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito”.
19 Decreto-lei 4.657. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657.htm>. Acesso em: 9, Nov.
2019.

9
 Instituto de Direito Internacional, que é uma instituição privada que promove o estudo
e o desenvolvimento do direito internacional e funciona por meio de sessões anuais e
de comissões científicas.
 Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (Unidroit): É uma
organização intergovernamental que tem por função estudar as formas de harmonizar
e de coordenar o direito internacional privado entre Estados e preparar gradualmente
a adoção, pelos diversos Estados, de uma legislação de direito internacional privado
uniforme.

Mapa Mental

Fontes Leis e CF

Tratados Internacionais
Doutrina
Jurisprudência
Costume

10
Referências Bibliográficas

Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm>. Acesso em:
13, Nov. 2019.

Decreto-lei 4.657. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-


lei/del4657.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019.

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral. 3. ed., Rio de Janeiro:
Renovar, 1994.

Emenda Constitucional 45. Disponível em: <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm>. Acesso em: 13,
Nov. 2019.

Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Disponível em <


https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes -
permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica -
externa/EstCortIntJust.html >. Acesso em: 13, Nov. 2019.

LINDB. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-


2010/2010/Lei/L12376.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019.

RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direito Internacional Privado. São Paulo: Saraiva
Educação:2018.

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo:
Saraiva, 2003.

REZEK, José Francisco. Direito internacional público; curso elementar, 7ª ed., São Paulo:
Saraiva, 1998.

VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, 5. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos,
1980, v. 1.

11
2. Conflito de Leis no Tempo e no Espaço

Os conflitos de leis no tempo ocorrem com o ingresso de uma nova lei no ordenamento
jurídico com possível e consequente revogação de outras leis. Para isso, deve-se tentar
visualizar, em um determinado caso concreto, qual lei deverá ser aplicada: se a anterior
(revogada) ou a posterior (revogadora).

Isso é o conflito de leis, ou seja, o conflito que pode surgir nos casos concretos em
relação à aplicação de lei anterior ou posterior, em que vige a regra de que a lei posterior
revoga a lei anterior naquilo que com ela é incompatível ou quando expressamente a revoga. 20

Por outro lado, como vimos, nos conflitos de leis no espaço, aplicam-se principalmente
os artigos 7º, 10, 12 e 17, da LICC21.

Ao analisarmos a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, vemos que é um


instrumento que orienta a sua própria aplicação do direito em geral, definindo e compondo
diferentes situações. Constituem uma base de suma importância para entendermos algo mais
sobre o mundo jurídico, que constitui objeto da disciplina de Instituições de Direito Público e
Privado.

Assim, a LICC é aplicável a todo o ordenamento jurídico, já que tem as funções de regular
a vigência e a eficácia das normas jurídicas (arts. 1°e 2°), apresentando soluções aos conflitos
de normas no tempo (art. 6°) e no espaço (art. 7° a 19), critérios de hermenêutica (art. 5°),
estabelecer mecanismos de integração de normas, quando houver lacunas (art. 4°), garantir
não só a eficácia global da ordem jurídica, não admitindo erro de direito (art. 3°) que a
comprometeria, mas também a certeza, segurança e estabilidade do ordenamento,
preservando as situações consolidadas em que o interesse individual prevalece (art. 6°).

20
Como consta do art. 2º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro: “Não se destinando à vigência temporária, a
lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,
quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2o A lei nova, que
estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3o Salvo
disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657.htm>. Acesso em: 12, nov. 2019.

21
Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del4657.htm>. Acesso em: 12, nov. 2019.

12
2.1. Reenvio e Conflitos Positivos e Negativos

Ao analisarmos os conflitos de leis no espaço podemos identificar conflitos


denominados positivos e negativos. Quando uma relação jurídica é plurilocalizada, isto é, tem
elementos que a conectam a mais de um ordenamento jurídico, os direitos dos Estados
envolvidos se tornam potencialmente aplicáveis e competentes. Isso quer dizer que, em regra,
mais de um direito pode ser aplicado a uma mesma situação de fato, gerando o chamado
conflito aparente de normas que é solucionado pelo DIPr.

Os conflitos se resolvem pela lex fori, isto é, pela aplicação das regras de DIPr previstas
no local em que a pessoa busca a solução de sua lide perante o Poder Judiciário. Essas regras
visam solucionar o aparente conflito, indicando qual o direito será aplicável para solucionar
um problema no quadro previsto em lei, como por exemplo, a capacidade da pessoa, a
validade de um casamento, ou qual a lei aplicável para reger a sucessão de uma pessoa
falecida.

No DIPr brasileiro, por exemplo, quando se trata de determinar o direito aplicável à


capacidade de uma pessoa, será adotada a lei do país em que ela for domiciliada. Contudo,
em outros Estados, a DIPr determina a competência da lei aplicável como sendo a do país da
sua nacionalidade, a chamada a lex patriae22.

Há, contudo, hipóteses em que o DIPr de um Estado estabelecer a competência do


direito de outro país e a norma de DIPr deste último ordenará que se aplique o direito do
primeiro Estado ou de um terceiro Estado. Por exemplo, se país A considera aplicável a lei de
país B, e, por sua vez, o país B considera aplicável a lei de país A, o país A remeteria para a
lei do país B, e este, reenviando, devolvendo para a lei do país A23. Como, nesse caso, cada
uma das legislações por seu DIPr considera inaplicável sua própria legislação, negando
competência a seu próprio sistema jurídico para a solução de uma questão específica, chama-
se conflito negativo.

Uma das alternativas para solucionar os conflitos negativos é justamente através do


retorno ou reenvio.

22
DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. P.297.
23
Apud p. 298.

13
2.2. Teoria do Retorno ou Reenvio

Como dito acima, quando um determinado país nega competência à sua própria lei e
considera aplicável a lei de outro país, e o mesmo ocorrer no sentido inverso, levando a uma
situação em que ambos os países remetam reciprocamente ao outro, dá-se o fenômeno
chamado de reenvio ou retorno ou devolução. Quando no reenvio ocorrer a indicação da
aplicação da lei do primeiro Estado (A) como sendo o competente na aplicação da Lei do
Estado (B) ocorrerá o chamado reenvio de primeiro grau.

O reenvio pode também ter caráter mais complexo, situação em que será chamado de
reenvio de 2º grau, que é justamente quando o DIPr do país (A) remeter ao direito aplicável
de país (B), e este, por sua vez, remeter à aplicação do direito do país (C)24.

É importante salientar que o reenvio é vedado pelo direito brasileiro, devendo o intérprete
aplicar a lei estrangeira indicada pela regra de conflito nacional, sem que seja considerada
qualquer remissão por ela realizada à aplicação de outro direito. Isto quer dizer que se o direito
nacional indicar a aplicação do direito do Estado (B) será esse o direito aplicável, mesmo que
as regras de conflito daquele Estado indiquem como a aplicável a de outro Estado. 25

24
DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. P.297-8.
25
“Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição
desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.”. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del4657compilado.htm>. Acesso em: 12, Nov. 2019.

14
Mapa Mental
Conflitos de Leis

Conflitos de leis no Conflitos de leis no


tempo espaço

conflitos positivos e
Reenvio
negativos

15
Referências Bibliográficas

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral. 3. ed., Rio de Janeiro:
Renovar, 1994

Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Disponível em <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019.

16
3. Aplicação das Normas do DIP

As Normas de Direito Internacional Privado integram a ordem jurídica interna de cada


país e devem ser aplicadas pelo juiz de ofício. Na sua essência, elas designam o direito
aplicável a relações jurídicas de direito privado com conexão internacional. Este sempre será
ou o direito interno ou um determinado direito estrangeiro. Quanto à aplicação do direito
interno, não há dúvida de que o juiz o aplique de ofício. No entanto, é assunto controvertido,
na doutrina, o “como” o juiz deve aplicar o direito estrangeiro no processo26.

A doutrina e a jurisprudência internacional predominantes frisam o dever do juiz de aplicar


ex officio às normas que designam o direito aplicável a uma causa de direito privado com
conexão internacional, questão essa que é incontroversa no Brasil 27.

Por vezes, o direito internacional privado da lex fori faculta às partes escolherem o direito
aplicável a suas relações contratuais com conexão internacional, mesmo na pendência de um
processo civil28. Sendo essa escolha juridicamente válida, o juiz deve respeitar a vontade das
partes, considerando ser esta o próprio elemento de conexão, mediante o qual é determinado
o direito aplicável à causa sub judice.

O direito brasileiro regula, expressamente, como o juiz deve aplicar o direito estrangeiro 29.
O juiz brasileiro deve, em princípio, aplicar o direito estrangeiro de ofício. Com efeito, se não
for adotada tal regra no processo, as normas de direito internacional privado designativas do
direito aplicável qualificar-se-iam como imperfeitas, o que, na realidade, não é o caso30. O
próprio direito internacional privado não faz restrições à aplicação do direito estrangeiro e não
o discrimina em relação ao direito interno. Se o juiz não for obrigado a aplicar o direito
estrangeiro de ofício, torna-se incerto se o direito designado pelas normas do direito
internacional privado será, de fato, o aplicado no processo. Não existe qualquer garantia,
nesse caso, de que a norma do direito internacional privado será aplicada como ela mesma

26
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 155
27
VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, 5. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1980, v. 1. p. 224
28
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 156.
29
Lei de Introdução ao Código Civil, art. 14: “Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova
do texto e da vigência”.
30
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 156-158.
17
ordena, razão pela qual incumbe ao próprio juiz tomar a iniciativa de aplicar o direito
estrangeiro ao processo31.

Como já realçado, aplicar o direito estrangeiro de ofício não significa que o juiz não tenha
a faculdade de ordenar a colaboração das partes e determinar-lhes diligências para apuração
do teor, da vigência e da interpretação do direito estrangeiro.

De fato, em regra, o juiz não conhece tão bem o ordenamento jurídico estrangeiro quanto
o direito pátrio que lhe é familiar. Por essa razão, justifica-se a necessidade da participação
ativa das partes no processo quando inexistir, por parte do juiz, conhecimento certo do direito
estrangeiro aplicável a uma causa com conexão internacional32,33.

De acordo com o CPC 2015, cabe ao juiz determinar que as partes demonstrem o seu
teor e a sua vigência nos autos do processo, como consta do art. 376: “A parte que alegar
direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se
assim o juiz determinar”.

Vale lembrar que a doutrina e a jurisprudência são tranquilas em afirmar que o juiz deve
aplicar o direito de acordo com as regras que o próprio juiz estrangeiro observaria em
conformidade com o ordenamento jurídico vigente em seu país, e isso no interesse da
concordância da decisão com o sistema jurídico alienígena34. Isto é, o juiz nacional deverá
aplicar a lei estrangeira da mesma forma que o magistrado estrangeiro a aplica, de acordo
com todo o seu ordenamento jurídico.

3.1. Estatuto Pessoal e Elementos de Conexão

Quando um país adota como elemento de conexão a nacionalidade ou o domicílio da


pessoa física, o direito aplicável se determina de acordo com esses dois princípios. Nesse
caso, o objeto de conexão, correspondente a esses elementos de conexão, é o estatuto
pessoal da pessoa física. O estatuto pessoal da pessoa física determina o direito aplicável às

31
Ibid., p. 26-8.
32
Ibid., p. 156.
33
No sentido de que a prova da lei estrangeira possa ser dispensada pelo magistrado vide: STJ, AgRg no REsp 1.139.800/SC,
2ª T., rel. Min. Humberto Martins, j. 17-2-2009, DJe, 19-2-2010,
34
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003 p. 33-4.
18
suas relações pessoais de direito privado com conexão internacional35. No DIPr brasileiro a
capacidade da pessoa é regulada de acordo com a lei de seu domicílio 36.

3.2. Estatuto Pessoal da Pessoa Jurídica no Direito Internacional


Privado

O estatuto pessoal da pessoa jurídica determina a lei aplicável nas suas relações jurídicas
internacionais de direito privado, e é denominado, pela doutrina, lex societatis. Assim sendo,
regula a natureza jurídica da pessoa jurídica, a sua constituição, a sua dissolução e liquidação,
bem como a sua capacidade de gozo ou de direito, aquela de exercício ou de fato, o seu nome
comercial, a sua organização interna, particularmente da sociedade com os seus sócios, o
regime jurídico da responsabilidade civil pela violação de normas do direito societário, a
responsabilidade jurídica pelas dívidas da pessoa jurídica, a sua administração, gestão e
funcionamento, a sua representação perante terceiros, a emissão de títulos e seu regime
jurídico37.

Consoante a teoria da incorporação, é aplicável a lei do lugar da constituição da pessoa


jurídica. De acordo com a teoria da incorporação, os sócios fundadores possuem a faculdade
de constituir a pessoa jurídica conforme o direito de sua escolha, ainda que esta não
desenvolva as suas principais atividades no país da sua constituição. É sempre decisiva a
sede estatutária ou aquela designada no contrato social da pessoa jurídica.

Já a teoria da sede social determina como direito aplicável aquele do lugar da sede efetiva
da pessoa jurídica, que se situa no lugar da sua administração real. A sede estatutária, ou
aquela designada no contrato social da pessoa jurídica, tem de coincidir, obrigatoriamente,
com a sede efetiva para que se reconheça a sua capacidade jurídica 38. No DIPr brasileiro, as
pessoas jurídicas obedecem à lei do Estado em que se constituem39.

35
Ibid., p. 106.
36
Art. 7o A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome,
a capacidade e os direitos de família. Lei de Introdução às normas do direito brasileiro. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm>. Acesso em: 18, Nov. 2019.
37
Ibid., p. 103.
38
Ibid., p.109.
39
Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do
Estado em que se constituírem. Lei de Introdução às normas do direito brasileiro. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm>. Acesso em: 18, Nov. 2019.
19
3.3. Qualificação

A teoria das qualificações foi desenvolvida pelos juristas Franz Kahn (1861-1904), na
Alemanha, em 1891, e Etienne Bartin (1860-1948), na França, em 1897 e atinge a norma
indicativa ou indireta do direito internacional privado, afetando apenas o seu objeto de
conexão, nunca o seu elemento de conexão40.

Tendo o objeto de conexão de uma norma indicativa ou indireta de direito internacional


privado conteúdo vago e aberto, a subsunção de uma relação jurídica de direito privado com
conexão internacional perante essa norma, eventualmente, pode causar dificuldades. Podem
ocorrer dúvidas quanto a determinar se uma relação jurídica desse gênero deve ser
subsumida a esta ou a uma outra norma indicativa ou indireta do direito internacional privado
da lex fori. É justamente esse processo de subsunção a uma única norma indicativa ou
indireta de direito internacional privado que caracteriza a qualificação41. É princípio
básico que o juiz sempre aplica as normas do direito internacional privado da lex fori. A
qualificação focaliza de imediato o objeto de conexão de uma norma indicativa ou indireta de
direito internacional privado. Por esse motivo, na realidade, a qualificação deve ser feita
conforme a lex fori42. A teoria da lex causae não leva em consideração o fato de que a
qualificação precede, logicamente, à determinação do direito aplicável pelo juiz. Apenas
quando a subsunção de uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional
perante a norma adequada de direito internacional privado já foi feita é que é possível designar
o direito aplicável43.

3.4. Questão Prévia ou Incidental

Questão prévia significa que o juiz não pode apreciar a questão jurídica principal sem ter-
se pronunciado anteriormente a respeito de uma outra, que, pela lógica, a precede. O
julgamento da questão jurídica principal pelo juiz depende de sua decisão anterior, referente
à questão prévia44.

40
Ibid., p. 105.
41
DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. P.310.
42
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 97.
43
DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p.311
44
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 123.
20
Como exemplo, analisa-se a situação em que o de cujus teve o seu último domicílio no
Brasil e deixou um filho cuja qualidade como tal é juridicamente duvidosa, é necessário avaliar,
em primeiro lugar, a sua capacidade para sucedê-lo. Tão somente quando definida a sua
qualidade de filho nos termos da lei será possível ao juiz decidir a questão jurídica principal,
que é a sucessão do de cujus.

Existem duas possibilidades para que o juiz determine o direito aplicável à questão prévia.
Ou o juiz aplica o mesmo direito, que empregará na questão jurídica principal, também à
questão prévia, caso em que o direito aplicável à questão prévia depende do aplicável à
questão jurídica principal, ou ele determina o direito aplicável à questão prévia,
independentemente da principal, reconhecendo assim a autonomia da questão prévia em face
da questão jurídica principal.

Importante ressaltar que decisões das autoridades judiciárias ou administrativas nacionais


referentes ao estado de uma pessoa física (divórcio, adoção, reconhecimento de um filho) têm
plena eficácia jurídica perante o direito interno, ainda que o direito estrangeiro aplicável à
questão jurídica principal não as reconheça45. A mesma regra se aplica, também, a decisões
estrangeiras do mesmo gênero, se os requisitos para o seu reconhecimento no país estiverem
cumpridos.

Na falta de uma regra definida, ou seja, de que o direito aplicável à questão prévia se
determine independentemente da questão jurídica principal, o juiz, antes de tomar uma
decisão, deve ponderar os interesses concorrentes no caso. A tendência do juiz,
provavelmente, será a de aplicar à questão prévia o mesmo direito estrangeiro aplicado à
questão jurídica principal, se a relação jurídica de direito privado, em si, tiver conexão
claramente predominante com a ordem jurídica estrangeira. Se, por outro lado, os interesses
da lex fori forem preponderantes quanto ao objeto da questão prévia, o juiz aplicar-lhe-á essa
lei46. Não existem, porém, regras mais precisas para determinar o direito aplicável à questão
prévia.

45
Lei de Introdução ao Código Civil, art. 7º: “A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o
começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.”.
46
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 123.
21
3.5. Reenvio

O direito aplicável em conflitos de leis no espaço é sempre o direito nacional ou um


determinado direito estrangeiro que as normas do direito internacional privado da lex fori
indicarem. Quando o direito estrangeiro é o aplicável, faz-se mister definir a extensão do seu
conteúdo. No direito brasileiro, as normas do direito internacional privado designam, como
direito aplicável estrangeiro, tão só as normas substantivas ou materiais, excluindo assim as
normas indicativas ou indiretas de direito internacional privado do seu âmbito 47. Por esse
motivo, o juiz brasileiro não precisa levar em consideração o conteúdo do direito internacional
privado estrangeiro, conforme a legislação em vigor, quando julga uma causa de direito
privado com conexão internacional48.

Como se resolve a questão do reenvio de primeiro grau na doutrina e na jurisprudência?


A regra geral é a de que o país A aceite o reenvio (devolução, retorno) do país B e aplique a
lex fori, isto é, a lei substantiva ou material do foro49. O direito internacional privado do país A
designa o direito do país B como o aplicável. O direito internacional privado do país B, por seu
lado, indica o direito internacional privado do país C como o aplicável (reenvio de segundo
grau). A situação torna-se problemática nesses casos, quando também o direito do país C não
se declara aplicável. Tais casos são raros na prática. Para resolvê-los, as diversas legislações
e a doutrina defendem várias soluções50. Quanto às convenções internacionais, caso não
tratem, excepcionalmente, da questão do reenvio em si, em regra designarão o direito
estrangeiro substantivo ou material, excluindo assim do seu âmbito o direito internacional
privado da ordem jurídica estrangeira51.

No DIPr brasileiro há a vedação do reenvio em razão da aplicação do art. 16 da LINDB:


“Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á
em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.”
Portanto, deve ser aplicada a lei estrangeira sem que seja considerada eventual remissão que

47
Lei de Introdução ao Código Civil, art 16: “Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei
estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei”.
48
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 121.
49
DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p.282.
50
Ibid., p.288.
51
Ibid.
22
ela faça à aplicação de outro direito, seja ele o da lex fori (reenvio de primeiro grau) ou de um
terceiro direito aplicável (reenvio de segundo grau).

Mapa Mental

Aplicação das
Normas do
DIP

Questão
Capacidade Qualificação Reenvio
prévia

Pessoa
Pessoa Física Jurídica - local
- domicílio de sua
constituição

23
Referências Bibliográficas

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral. 3. ed., Rio de Janeiro:
Renovar, 1994.

Lei de Introdução ao Código Civil. Disponível em <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657.htm>. Acesso em: 14, Nov. 2019.

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo:
Saraiva, 2003.

VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, 5. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos,
1980, v. 1.

24
4. Elementos de Conexão

Os elementos de conexão são parte da norma indicativa ou indireta do direito internacional


privado que determinam o direito aplicável. Eles são definidos pelo direito internacional privado
de cada Estado.

4.1. Definição e Função dos Elementos de Conexão

Stricto sensu, o direito internacional privado refere-se às relações jurídicas de direito


privado com conexão internacional.

As regras de conexão são utilizadas nos casos que envolvem relação jurídica ou fato
dotados de elemento estrangeiro, isto é, relações jurídicas que gerem efeitos em dois ou mais
ordenamentos jurídicos.

As regras de conexão do DIPr são indiretas, pois não resolvem os problemas materiais
nem as questões processuais, apenas o conflito de leis no espaço, através da indicação da
lei a ser aplicada.

4.2. Território

Art. 8° (LINDB) - Lex rei sitae

"Art. 8° Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes,


aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.”52

Trata-se da regra de conexão lex rei sitae, sobre a qualificação dos bens e a regulação
das relações a eles concernentes. Ou seja, é a lei do local da situação dos bens que vai regulá-
los, que é justamente a aplicação do princípio da territorialidade.

Esta determina ser aplicável a lei do lugar onde está situada uma coisa. O objeto de
conexão da lex rei sitae é o regime jurídico geral dos bens. Assim, designa o direito aplicável
quanto à aquisição, posse, aos direitos reais de tais bens53. O conceito dos bens, quando
relacionados ao elemento de conexão da lex rei sitae, abrange tão somente os corpóreos. O
direito aplicável concernente à cessão de créditos obrigacionais, p. ex., não é por ela

52
LINDB. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 13, Nov.
2019.
53
DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. P.45.

25
determinado. Também com referência aos direitos da propriedade intelectual se prescinde da
aplicação da lex rei sitae54.

"Será preciso, ainda, não olvidar que a Iex rei sitae regulará tão somente os bens móveis
e imóveis considerados individualmente (uti singuli), pertencentes a nacionais ou estrangeiros,
domiciliados ou não no país. Quando forem elementos de uma universalidade, afastado estará
tal critério, pois a lei normalmente competente para regê-los sob esse aspecto é aquela a que
se subordina o instituto correspondente. Assim, os bens considerados uti universitas, como o
espólio, o patrimônio conjugal, escapam à aplicação da lex rei sitae, passando a se reger pela
reguladora da sucessão (Iex domicilii do autor da herança) (LINDB, art. 10), da sociedade
conjugal (LINDB, art. 7°)55.

4.3. Domicílio: aquisição e perda de domicílio. Pluralidade e ausência


de domicílio

No Brasil, a Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro, conforme redação dada pela
Lei n. 12.376, de 30-12-2010 (em vigor), consagrou o princípio do domicílio para a solução de
conflitos referentes à capacidade e ao direito de família:

"Art. 7° A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o


começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de
família.”.

Atualmente, o critério está baseado no domicílio da pessoa: em outras palavras, a regra


de conexão é a lex domicilii. Desse modo, a lei do domicílio do indivíduo determina as regras
sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

A Convenção Interamericana sobre Domicílio das Pessoas Físicas no Direito


Internacional Privado não foi ratificada pelo Brasil, contudo pode ser utilizada como regra
norteado para solucionar questões relacionadas ao tema. O art. 2° da Convenção dispõe que
o domicílio será determinado em tais circunstâncias e ordem: a) pelo lugar da residência
habitual; b) pelo lugar do centro principal de seus negócios; c) na ausência dessas
circunstâncias, considerar-se-á como domicílio o lugar da simples residência; d) em sua falta,
se não houver simples residência, o lugar onde se encontrar.

54
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 106.
55
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil interpretada. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 317.
26
No art. 6°, a Convenção determina: "quando uma pessoa tiver domicílio em dois
Estados-partes, será considerada domiciliada naquele em que tiver a simples residência e, se
tiver em ambos, preferir-se-á o lugar onde se encontrar.”56

§8º do art. 7°- Caracterização do domicílio

"§ 8° Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar


de sua residência ou naquele em que se encontre.”.

Aí têm-se a regra para determinação do domicílio da pessoa, que é o elemento de


conexão para indicação da lei aplicável ao estatuto pessoal. Isto é, quando o domicílio for
indeterminado, a pessoa será considerada domiciliada no lugar de sua residência ou naquele
em que se encontre.

A residência habitual configura-se quando cumpridos determinados requisitos


objetivos. Destarte, caracteriza-se como sendo o centro da vida de uma pessoa, ou seja, o
lugar em que habita ou tem o centro de suas ocupações. Entretanto, aspectos subjetivos, tal
como ocorre com a definição de domicílio, não são levados em consideração57. Na falta de
uma residência habitual ou de um domicílio, o direito aplicável rege-se, em regra, de acordo
com a lei do lugar da residência simples de uma pessoa.

O indivíduo sem domicílio é conceituado pela doutrina como adômide. Mas sua
caracterização é muito difícil, pois, como visto acima, se o domicílio do indivíduo for
indeterminado, este será determinado pelo lugar de residência ou até mesmo onde se
encontre. Para tal situação, Maria Helena Diniz (2011) diz tratar-se de um

concurso sucessivo de elementos de conexão, pois, faltando o critério de


conexão principal, que é o domicílio, a lei indica dois critérios de conexão
subsidiários, ou seja, o do lugar da residência ou o daquele em que a pessoa
se achar, destinados a funcionar sucessivamente na medida em que o anterior
não possa preencher sua função58.

§ 1º do art. 8º - Lex domicilii do proprietário

56
Convenção Interamericana sobre Domicílio das Pessoas Físicas no Direito Internacional Privado. Disponível em:
<http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/B-44.htm>. Acesso em 12, Nov. 2019.
57
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 99.
58
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil interpretada. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 293.

27
"§ 1º Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos
bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros
lugares.”.

O parágrafo cuida de uma regra de conexão subsidiária - a lei do domicílio do


proprietário (lex domicilii do proprietário) -, aplicada quando os bens estiverem em situação de
intensa mobilidade e trânsito, o que tornaria impossível sua localização espacial para fins de
aplicação da lei indicada pela regra de conexão lex rei sitae. Assim, os bens móveis que
estiverem em situação de intensa mobilidade terão como regra de conexão a lei do domicílio
do proprietário. Ou seja, a qualificação desses bens e a regulação de suas relações serão
determinados pela lei do domicílio do proprietário.

§ 2° do art. 8°- Lex domicilii do possuidor

"§ 2° O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse
se encontre a coisa apenhada”.

Cuida de uma regra de conexão subsidiária - a lei do domicílio do possuidor (lex domicilii
do possuidor) -, aplicada somente no tocante ao penhor, isto é, daquele que se encontrar com
a posse direta da coisa empenhada, no momento da constituição dos direitos de garantia real.
O objetivo de tal regra é dar maior segurança ao negócio, pois o credor, após a tradição do
bem dado em penhor, será o possuidor direto.

§ 1 o do art. 9°- Lex loci executionis

"§ 1 o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de


forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei
estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.”.

Não se trata de regra de conexão subsidiária, mas sim de regra unilateral, pois
determina a aplicação da lei brasileira no tocante à forma essencial para a validade da
obrigação constituída no exterior e que será executada no Brasil (lex loci executionis). Leia-
se aqui "forma essencial" como requisitos para validade do negócio jurídico.

É interessante verificar que a regra do §1º não colide, mas sim reforça a regra geral de
conexão locus regit actum. Isso porque prescreve, além do respeito à forma essencial ditada
pelo direito brasileiro, a aplicação da lei do local onde a obrigação se constituiu. Um exemplo
disso é a exigência estipulada pelo art. 108 do CC/2002: um negócio constituído no exterior
que envolva a constituição ou a transferência de direitos reais sobre imóvel, situado no Brasil,
com valor superior a 30 vezes o maior salário mínimo vigente no país, dependerá para sua

28
efetivação que se proceda à lavratura da escritura pública, caso não disponha a lei em
contrário.

Outro elemento de conexão tradicional no direito internacional privado é a regra da lex


loci delicti commissi, aplicando-se às obrigações extracontratuais que induzem à
responsabilidade civil pela prática de atos ilícitos 59.

A lex loci delicti commissi corresponde à lei do lugar onde um ato ilícito foi cometido. Este
pode ter sido praticado em vários lugares (ato ilícito a distância), seja dentro do território de
um único país, seja em países diferentes. O lugar do ato propriamente dito não é idêntico ao
do lugar onde o ato produz seus efeitos (na doutrina se considera, também, esse lugar como
o local onde foi praticado o ato ilícito). Na prática, o campo de aplicação da lex loci delicti
commissi é muito amplo. Os casos mais recentes de atos ilícitos (com conexão internacional)
que ocorrem com maior frequência são aqueles causados por poluição ou outras emissões,
de concorrência desleal e de violação dos direitos gerais da personalidade pela mídia 60.

4.4. Autonomia da vontade, Escolha de lei e Eleição de Foro

A autonomia da vontade das partes, no direito internacional privado, significa que as


próprias partes podem escolher o direito aplicável. O elemento de conexão aqui é a própria
vontade manifestada pelas partes, vinculada a um negócio jurídico de direito privado com
conexão internacional. O princípio da autonomia da vontade das partes não é, porém, fonte
de direito original, desvinculada da ordem jurídica estatal. Também não é uma regra de direito
costumeiro internacional61, pois é sempre a lex fori de cada país que decide se admite a
autonomia da vontade das partes como elemento de conexão. À medida que um Estado
admite a autonomia da vontade das partes como elemento de conexão, é aplicável a lei
designada pelas próprias partes, levando em consideração a sua vontade subjetiva, e não a
vontade objetiva do legislador. Este determina, subsidiariamente, o direito aplicável na
ausência de escolha do direito aplicável pelas partes62.

A autonomia da vontade como regra de conexão no tocante aos contratos é adotada na


maioria dos países na atualidade. Tal regra privilegia a flexibilidade e promove um ambiente

59
DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. P.246.
60
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 100.
61
Ibid., p. 109.
62
Ibid., p. 100
29
propício aos negócios. A título de exemplo, tal regra encontra-se insculpida na Convenção de
Roma de 198063 e na Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável aos Contratos
Internacionais de 199464.

A autonomia da vontade apenas teria limitações ditadas pela ordem pública do país no
qual o contrato vai ser executado. Isto é, faz-se necessário que a lei escolhida para reger o
contrato não desrespeite a ordem pública do país-sede da execução do contrato. Leia-se aqui
"ordem pública" como o conjunto de regras e princípios basilares de um certo ordenamento
jurídico.

O art. 9° da LINDB funciona como um limitador da autonomia da vontade, na medida em


que determina que as obrigações serão reguladas pela lei do país onde forem constituídas.
Ora, em tal quadro as partes não podem escolher a lei aplicável ao contrato constituído.
Todavia, se a lei do país onde a obrigação foi constituída permitir a autonomia da vontade
sobre a escolha da lei incidente ao contrato, permitida estará a escolha da lei aplicável pelas
partes, sendo limitada apenas pela ordem pública do país-sede da execução do contrato.

A autonomia da vontade das partes no direito internacional privado distingue-se,


fundamentalmente, da autonomia que o direito substantivo ou material interno de um Estado
lhes concede. A primeira (autonomia da vontade das partes) tolera nos seus limites, inclusive,
a derrogação de normas cogentes da última (direito substantivo ou material interno), desde
que a relação jurídica tenha uma conexão internacional.

As regras gerais do direito internacional privado aplicam-se sempre aos casos perante os
quais o direito aplicável é aquele decorrente da autonomia da vontade das partes. Sendo
assim, a reserva da ordem pública interfere quando o direito escolhido pelas partes é um
determinado direito estrangeiro que viola princípios fundamentais de direito da lex fori.
Igualmente, as leis de aplicação imediata da lex fori impedem que seja aplicado in casu o
direito estrangeiro escolhido pelas partes. Por outro lado, se um Estado estrangeiro exigir a
aplicação de seu direito público a uma relação jurídica de direito privado com conexão

63
Convenção de Roma. Disponível em <https://eur-lex.europa.eu/legal-
content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A41998A0126%2802%29>. Acesso em 13, Nov. 2019.
64
Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável aos Contratos Internacionais. Disponível em
<http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/b-56.htm>. Acesso em 13, Nov. 2019.
30
internacional, será exclusivamente o direito da lex fori que decidirá se o direito estrangeiro
poderá ser levado em consideração65.

Exceção se dá na Lei n. 9.307/9666 que dispõe sobre a arbitragem, que determina de


forma expressa que as partes poderão escolher livremente as regras de direito a serem
aplicadas na arbitragem. Assim sendo, em princípio as partes são autorizadas a escolher o
direito aplicável, caso sejam vinculadas juridicamente a uma convenção de arbitragem.

4.5. Nacionalidade - Pessoas jurídicas de Direito Privado

Inicialmente, as Convenções de Haia adotaram a nacionalidade como elemento de


conexão básico; na América Latina, o Código Bustamante permitiu às partes contratantes
utilizar a nacionalidade como principal elemento de conexão, no que se refere ao estatuto
pessoal da pessoa física.

A tendência moderna do direito internacional privado, porém, prefere os elementos de


conexão do domicílio e da residência habitual àquele da nacionalidade, considerando-os,
assim, como os principais elementos de conexão do estatuto pessoal da pessoa física.
Entretanto, o princípio da nacionalidade mantém-se ainda como um elemento de conexão
importante no direito internacional privado67.

Quando uma pessoa física não possui nacionalidade, isto é, quando é apátrida, ou quando
tem o status jurídico de refugiado, é aplicável a lei do seu domicílio ou, na falta de domicílio,
a lei da sua residência68.

4.6. Condição Jurídica do Estrangeiro

As regras jurídicas sobre a condição do estrangeiro são as normas substantivas


diretamente aplicáveis às pessoas de nacionalidade estrangeira.

Em relação às regras aplicáveis, no Brasil a própria Constituição já disciplina várias regras


limitativas ou mesmo proibitivas para o estrangeiro69, que dispõe que compete privativamente

65
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 107-110.
66
Lei 9.307. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm>. Acesso em 13, Nov. 2019.
67
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. Pp. 33-34.
68
Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, art.12. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4246.htm>. Acesso em 11, Nov. 2019.
69
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 37.
31
à União legislar sobre “emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de
estrangeiros70. As regras gerais e principais da condição jurídica do estrangeiro no Brasil estão
resumidas em lei própria, a Lei de Migração71, que revogou o chamado “Estatuto do
Estrangeiro”. Às vezes, ainda, a situação jurídica do estrangeiro está determinada apenas de
forma mediata na lei. Nesses casos, cabe à jurisprudência a sua correta interpretação no caso
concreto.

Mapa Mental

Definição e
função

Elementos de Território
Conexão Domicílio
DIPr Condição
Nacionalidade
Jurídica do Autonomia da
estrangeiro Vontade

70
Constituição Federal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em
13, Nov. 2019.
71
Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2017/Lei/L13445.htm>. Acesso em 13, Nov. 2019.

32
Referências Bibliográficas

Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-


lei/del5452.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019.

Constituição Federal. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019.

Convenção de Roma. Disponível em <https://eur-lex.europa.eu/legal-


content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A41998A0126%2802%29>. Acesso em: 13, Nov. 2019.

Convenção Interamericana sobre Domicílio das Pessoas Físicas no Direito


Internacional Privado. Disponível em <http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/B-
44.htm>. Acesso em: 14, Nov. 2019.

Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável aos Contratos Internacionais.


Disponível em <http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/b-56.htm>. Acesso em: 13,
Nov. 2019.

Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, art.12. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4246.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019.

DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil interpretada. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 317.

Lei 9.307. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm>. Acesso em:


14, Nov. 2019.

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral. 3. ed., Rio de Janeiro:
Renovar, 1994. P.45.

LINDB. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-


lei/Del4657compilado.htm> . Acesso em: 14, Nov. 2019.

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo:
Saraiva, 2003. p. 17-18.

33
5. Aplicação da Lei Estrangeira: Natureza Jurídica

Viu-se que, com a aplicação da regra de conexão, é possível determinar o direito material
que vai regular o caso com elemento de estraneidade (ver). Esse direito indicado pela norma
indireta do DIPr pode ser tanto o nacional como o estrangeiro, isto é, em determinadas
situações, o juiz brasileiro terá de aplicar o direito estrangeiro.

Segundo Jacob Dollinger (2012),

Caracterizada a norma estrangeira como lei e não fato, segue-se que sua
ignorância não é admitida, que o juiz deve aplicá-la ex officio, que pode ser
invocada a qualquer tempo, isto é, em qualquer fase do processo, e que, em
nosso regime processual, pode ser objeto de recurso especial e de ação
rescisória. O recurso especial se dará quando nossos tribunais negarem
vigência à lei estrangeira competente, ou aplicando-a, lhe derem interpretação
divergente da que lhe tenha sido dada por outro acórdão, também de tribunal
brasileiro.

5.1. Proibição de Reenvio ou Devolução - Art. 16 da LINDB

Como visto, o direito indicado pela regra de conexão e que incidirá no fato ou na relação
jurídica com elemento estrangeiro é o direito material, tanto nacional como internacional.

Todavia, juízes de alguns países aplicavam não o direito material do país estrangeiro,
mas sim seu DIPr, o que possibilitava, em algumas situações, o reenvio ou retorno, ou seja, a
regra de conexão estrangeira indicava a lex fori como apta a resolver o caso misto.

Funciona como se a solução fosse enviada para o direito de certo país e o direito desse
país a reenviasse (de volta ou para outro país). Em outras palavras, o reenvio é uma
interpretação que despreza a norma material indicada pela regra de conexão e aplica DIPr
estrangeiro para chegar a outra norma material, geralmente de índole nacional.

O reenvio pode ser de distintos graus: a) reenvio de 1 o grau: refere-se a dois países,
isto é, a legislação do país A remete à do país B, que reenvia para A; b) reenvio de 2° grau:
refere-se a três países, situação em que a legislação de A remete à de B, que reenvia para C;
c) e reenvio de 3° grau: refere-se a quatro países; é similar ao reenvio de 2° grau, com a
diferença de que nesta a legislação de C remete à do país D.

34
Dentro desse quadro, ergue-se o art. 16 da LINDB e proíbe o juiz nacional de utilizar-
se do reenvio. O juiz aplica o DIPr brasileiro para determinar o direito material aplicável, e, se
este for estrangeiro, caberá ao magistrado aplicá-lo.

Interessante é perceber que o instituto do reenvio é um desfigurador das regras de


conexão, pois a estas cabe solucionar os conflitos de leis no espaço, e, a partir do momento
em que o DIPr brasileiro indicar o DIPr estrangeiro, ele não estará cumprindo com sua função.

5.2. Prova do Direito Estrangeiro - Art. 14 da LINDB

A aplicação da lei estrangeira, quando determinada pelo DIPr brasileiro, é uma obrigação
do juiz, e não mera faculdade. Tanto é assim, que a doutrina brasileira tem entendimento
robusto no sentido de aplicação ex officio do direito estrangeiro pelo magistrado.

A dúvida que o art. 14 da LINDB cria é no tocante à prova do texto e da vigência do direito
estrangeiro. Como a Lei de Introdução não disciplina a forma como deve se dar a prova do
texto e da vigência do direito estrangeiro, é interessante vermos o que dispõe o art. 409 do
Código Bustamante: ''A parte que invoque a aplicação do direito de qualquer Estado
contratante em um dos outros, ou dela divirja, poderá justificar o texto legal, sua vigência e
sentido mediante certidão, devidamente legalizada, de dois advogados em exercício no país
de cuja legislação se trate.”.

O Código Bustamante ainda traz outra maneira de proceder à verificação do texto e da


vigência do direito estrangeiro, insculpida no art. 410 (pela via diplomática). E os Estados se
obrigam a fornecer a informação requerida sobre o texto e a vigência de seu direito (art. 411
do Código Bustamante).

Percebe-se que o juiz brasileiro terá o auxílio do Código Bustamante para bem aplicar o
direito estrangeiro e utilizará o art. 14 da Lei de Introdução e o art. 376 do NCPC - que dispõe
justamente que a parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário
provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar - para exigir da parte que o invoca
a prova de seu texto e de sua vigência, no caso de não o conhecer.

A título conclusivo, pode-se dizer que o juiz deve aplicar ex officio o direito estrangeiro,
caso o conheça. Do contrário, pedirá que as partes provem o texto e a vigência desse direito.
Mas caso seja inviável a produção da prova do teor e da vigência de lei estrangeira, o juiz

35
brasileiro aplicará o direito nacional, pois o litígio não pode ficar sem solução (em função do
princípio da proibição do non liquet).

Cabe mencionar a Convenção Interamericana sobre Prova e Informação acerca do Direito


Estrangeiro, de 1979, que, no âmbito da OEA, foi incorporada pelo Brasil na segunda Cidip.

Por fim, deve-se dizer que a lei estrangeira, aplicada por força de dispositivo de Direito
Internacional Privado brasileiro, se equipara à legislação federal brasileira, para efeito de
admissibilidade de recurso especial, quando contrariada ou lhe for negada vigência pelo juiz
nacional (STF, RE 93.131-í/MG, 2a T., j. 1 í.12.1981, rei. Min. Moreira Alves, DJ 23.04.1982).

5.3. Prova dos Fatos Ocorridos no Estrangeiro - Art.13 da LINDB

A prova dos fatos ou atos ocorridos no estrangeiro deverá ser feita com base na lex loci.
É a lei do país onde ocorreu o fato ou o ato que vai regular o procedimento probatório (locus
regit actum).

O mencionado acima transmite uma parte da regra disposta no art. 13 da LINDB. A outra
parte que funciona como ressalva dispõe que o juiz não poderá se valer das provas não
admitidas pelo direito brasileiro.

"Não admitidas" aparece sublinhada no trecho anterior como forma de contrastar com o
texto literal do art. 13, que se refere às provas que a lei brasileira não conheça. Se
prevalecesse o texto literal, teríamos uma mitigação do direito da parte de defender-se por
meio de todas as provas em direito admitidas.

Portanto, deve ser aceito qualquer meio de prova, desde que lícito, conforme os ditames
do ordenamento jurídico brasileiro, e que não viole a ordem pública (art. 1º “í” da LINDB).
Ademais, o art. 369 do NCPC dispõe nesse sentido: "As partes têm o direito de empregar
todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste
Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir
eficazmente na convicção do juiz".

Nesse contexto, cabe apontar as Convenções da Haia sobre Direito Processual Civil de
1954 e sobre Obtenção de Prova no Estrangeiro em Matéria Civil e Comercial de 1910, além
da Convenção Interamericana sobre Obtenção de Provas no Exterior de 1915, no âmbito da

36
OEA. Na Convenção Interamericana adotou-se a carta rogatória como instrumento para
solicitações, entre juízes, de recebimento e de colheita de provas.

5.4. Interpretação do Direito Estrangeiro

Quando o juiz nacional, por intermédio das regras de conexão, tem de aplicar direito
material estrangeiro ao caso a ele apresentado, não poderá utilizar-se de métodos
interpretativos oriundos de sua própria jurisdição. Ou seja, para bem aplicar o direito
estrangeiro terá de interpretá-lo com base nos métodos utilizados no país de origem desse
direito (art.2° da Convenção sobre Regras Gerais de Direito Internacional Privado).

Do contrário, seria prejudicada até mesmo a função do DIPr, pois o direito material
indicado, mediante procedimento interpretativo, poderia ser aplicado de maneira muito
disforme se se comparar com sua aplicação dentro do sistema jurídico de seu país de origem.

Mapa Mental
Aplicação da lei estrangeira

Proibição de reenvio
ou devolução

Prova dos fatos


Prova do direito Interpretação do
ocorridos no
estrangeiro direito estrangeiro
estrangeiro

37
Referências Bibliográficas

DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p.
283.

Decreto nº 18.871, de 13 de agosto de 1929. Disponível em:


<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-18871-13-agosto-1929-
549000-publicacaooriginal-64246-pe.html>. Acesso em: 2, mar. 2020.

LINDB. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-


2010/2010/Lei/L12376.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019.

Convenção sobre Regras Gerais de Direito Internacional Privado. Disponível em: <
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1996/decreto-1979-9-agosto-1996-435690-
publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 2, mar. 2020.

38
6. Limites à Aplicação do Direito Estrangeiro - Ordem Pública -
Art. 17, LINDB.

Dispõe a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu art. 17 que:

"Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer
declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil quando ofenderem a
soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. ”

Percebe-se que existe um filtro em relação aos atos, leis, contratos e sentenças
estrangeiras, pois tais só irradiarão seus efeitos no Brasil se não ofenderem a soberania
nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Poderíamos englobar esses filtros na ideia de ordem pública, mais abrangente. A


doutrina, por muito tempo, tentou estabelecer um conceito indubitável para ordem pública, o
que restou infrutífero em função de sua abstratividade.

Todavia, podem-se considerar ordem pública os valores compartilhados por uma dada
sociedade em determinado corte temporal (sentido amplo). Pela ideia, percebe-se que é uma
noção abstrata e dinâmica, pois se modifica conforme a evolução/involução cultural da
sociedade de um país. Em outras palavras, são as ideias políticas, econômicas, culturais etc.
compartilhadas por grande parte de uma dada sociedade ou, como dito no subitem 3.3.1, é o
conjunto de regras e princípios basilares de um certo ordenamento jurídico (sentido jurídico).

O juiz, ao julgar uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional,
aplica sempre as normas de direito internacional privado da lei do foro (lex fori). Essas normas
resolvem, essencialmente, conflitos de leis no espaço, isto é, determinam qual o direito
aplicável a uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional. Se for aplicável
o direito estrangeiro, o direito internacional privado da lex fori, em princípio, não leva em
consideração o conteúdo desse direito72. Em toda parte do mundo, porém, os juízes não
aplicam o direito estrangeiro, embora sendo o aplicável, se este viola, in casu, a ordem pública.
No direito internacional privado brasileiro, a reserva da ordem pública está expressa no art. 17
da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n. 4.657, de 4-9-1942), com denominação
oficial atual de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, conforme redação dada pela
Lei n. 12.376/2010 que dispõe o seguinte: “As leis, atos e sentenças de outro país, bem como

72
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 118
39
quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a
soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes” 73.

A reserva da ordem pública é uma cláusula de exceção que se propõe a corrigir a


aplicação do direito estrangeiro, quando este leva, no caso concreto, a um resultado
incompatível com os princípios fundamentais da ordem jurídica interna 74.

De fato, “denega-se, no Brasil, efeito ao direito estrangeiro que choca concepções


básicas do foro, que estabelece normas absolutamente incompatíveis com os princípios
essenciais da ordem jurídica do foro, fundados nos conceitos de justiça, de moral, de religião,
de economia e mesmo de política, que ali orientam a respectiva legislação. É uma noção
fluida, relativíssima, que se amolda a cada sistema jurídico, em cada época, e fica entregue à
jurisprudência em cada caso”75.

A ordem pública é um conceito aberto que, necessariamente, precisa ser concretizado


pelo juiz, quando este julga uma causa de direito privado com conexão internacional.

A doutrina distingue as reservas gerais das reservas especiais de ordem pública. As


primeiras intervêm sempre que é aplicável o direito estrangeiro a uma relação jurídica de
direito privado com conexão internacional 76. Quando a reserva refere-se, tão somente, à
determinada matéria de direito, costuma-se falar em reserva especial de ordem pública77.

A função da ordem pública dentro do DIPr é defender o sistema de valores de


determinado país. Isso porque, por exemplo, uma sentença proveniente de um sistema de
valores diverso poderia vir a romper com os valores compartilhados pela nação. Destarte,
mesmo se o DlPr brasileiro indicar o direito estrangeiro como aplicável ao caso misto, o juiz
poderá afastá-lo para proteger a ordem pública.

73
LINDB. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 09, Nov.
2019.
74
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 118.
75
VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, 5. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1980, v. 1.p. 496.
76
O art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro em vigor, constitui uma reserva geral da ordem pública.
77
Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, art. 7º, § 6º: “O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges
forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de um ano da data da sentença salvo se houver sido antecedida de
separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições
estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país.”
40
Assim, leis estrangeiras, atos ou negócios jurídicos celebrados no exterior (contrato,
casamento, testamento etc.) e sentenças estrangeiras serão impedidos de irradiar efeitos no
Brasil se atentarem contra a ordem pública. Também ficarão impedidos de aqui irradiar seus
efeitos os laudos arbitrais que atentarem contra a ordem pública78, bem como existe limitação
à escolha do direito aplicável à arbitragem (art. 2°, § 1°, da Lei 9.307/1996).

Um bom exemplo é a situação de sentenças estrangeiras que determinam o pagamento


de dívidas de jogo contraídas no estrangeiro. Ora, tais não poderão ser cumpridas no Brasil
por chocarem-se com a determinação do art. 814 do CC/2002. Sendo assim, desrespeitam a
ordem pública brasileira79.

Um exemplo atual pode ver visualizado na SEC 854-US64, onde o STJ asseverou que
não é possível a homologação de sentença estrangeira na parte em que ordene, sob pena de
responsabilização civil e criminal, a desistência de ação judicial proposta no Brasil. Isso porque
essa determinação claramente encontra obstáculo no princípio do acesso à Justiça (art. 5°,
XXXV, da CF), que é cláusula pétrea da Constituição Brasileira.

6.1. Fraude à lei

A fraude à lei (fraus legis) constitui uma forma de abuso de direito, não sendo admitida
perante o direito internacional privado80. Os pressupostos para caracterizar a fraude à lei no
caso concreto são, em princípio, três: Em primeiro lugar, pretende-se evitar, basicamente, a
aplicação de determinadas normas substantivas ou materiais do direito interno ou,
excepcionalmente, também do direito estrangeiro, cujas consequências legais não são
desejadas. Em segundo lugar, planeja-se uma manobra legal extraordinária para obter o
resultado desejado81. Por final, na maioria dos casos, o objetivo consiste em evitar a aplicação
do direito substantivo ou material interno, transferindo atividades e praticando atos para e no
exterior. Pode ocorrer ainda, por vezes, a escolha de um foro favorável no estrangeiro com a
mesma intenção.

78
Decisão na 5EC 978/GB, Corte Especial, j. 17.12.2008, rei. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 05.03.2009.
79
Há, contudo, uma sensível alteração jurisprudencial no sentido de que a possibilidade de o devedor se furtar ao pagamento
de dívida legitimamente contraída no local onde foi constituída fere a ordem pública e a boa-fé, sendo admissível a cobrança
no Brasil. Neste sentido, por todas, vide: STJ – REsp n. 1.628.974/SP (2016/0254752-4), rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva. Voto, fls.4. Disponível em: http://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/Noticias/REsp%201628974.pdf.
Acesso em: 7, fev. 2020.
80
DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. P.370-373.
81
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 126.

41
A Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado,
celebrada em 1979 em Montevidéu e ratificada pelo Brasil, estabelece no seu art. 6º a seguinte
regra geral sobre a fraus legis: “Não se aplicará como direito estrangeiro o direito de um
Estado-Parte quando artificiosamente se tenham burlado os princípios fundamentais da lei de
outro Estado-Parte. Ficará a juízo das autoridades competentes do Estado receptor
determinar a intenção fraudulenta das partes interessadas”.

Qual seria a sanção da lei contra uma fraude à lei praticada, tendo em vista uma relação
jurídica de direito privado com conexão internacional? A reação mais grave é a de que uma
sentença, um negócio jurídico ou um outro ato jurídico obtido mediante a prática da fraus legis
não será reconhecido pelo direito interno e, consequentemente, não surtirá quaisquer efeitos
jurídicos no País. Por outro lado, sempre cabe ao juiz ponderar os interesses conflitantes no
caso concreto. Assim sendo, a reação adequada contra a fraude à lei nem sempre será a
desconsideração total pela lex fori82.

Dentre os casos mais frequentes de fraude à lei nos tempos atuais pode ser citado,
entre outros, o sequestro de crianças para o exterior, a fim de que seja aplicado o direito da
residência habitual ou do domicílio do sequestrador, que lhe é mais favorável do que a lei da
residência habitual ou do domicílio anterior da criança. Os aspectos civis concernentes ao
sequestro de crianças, aliás, são objeto de tratados internacionais, como a Convenção de Haia
sobre o Sequestro Internacional de Crianças, de 25 de outubro de 1980 referendada pelo Decreto
Legislativo n. 79, de 12 de junho de 1999, e promulgada pelo Decreto n. 3.413, de 14 de abril
de 2000.

Mapa Mental

Limites à aplicação do direito estrangeiro

• Ordem Pública
• Fraude à Lei

82
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 120.

42
Referências Bibliográficas

Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm>. Acesso em:
13, Nov. 2019.

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral. 3. ed., Rio de Janeiro:
Renovar, 1994.

LINDB. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-


lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019.

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo:
Saraiva, 2003.

VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado. 5. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos,
1980, v. 1.

43
7. Direito Civil Internacional

Na introdução do tema de Direito Internacional Privado, diz-se que este refere-se às


relações jurídicas de direito privado com conexão internacional 83.84.

7.1. Personalidade

Segundo a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LICC – Decreto-Lei


4.657/42 com a alteração de nomenclatura conferida pela Lei nº 12.376, de 2010), art. 7º,
caput, a lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim
da personalidade.

Remete-se, assim, para o art. 2.º do Código Civil que dispõe que, embora a personalidade
civil da pessoa comece a partir do nascimento com vida, a lei põe a salvo, desde a concepção,
os direitos do nascituro. Dessa forma, o feto pode pleitear alimentos, reserva de quota de
herança, entre outros. Pode-se afirmar que o nascituro (enquanto embrião ou feto) possui
personalidade jurídica apenas formal, que lhe permite proteção aos seus direitos
personalíssimos, atinentes à sua existência como ser humano em potencial; ao nascer com
vida, adquire também a personalidade jurídica material, com os respectivos direitos
patrimoniais e obrigacionais. Já o fim da personalidade está disposto no art. 6º do Código Civil,
dispondo que a personalidade cessa com a morte do ser humano.

7.2. Comoriência

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro não cuidou da comoriência –


presunção da morte simultânea de pessoas - portanto, é imperioso lançar mão do art. 29 do
Código Bustamante, que assim determina:

''As presunções de sobrevivência ou de morte simultânea, na falta de prova, serão


reguladas pela lei pessoal de cada um dos falecidos em relação a sua respectiva sucessão.”.
Ou seja, sem a existência de provas será aplicada a lei de domicílio do de cujus para regular
a comoriência.

Dessa forma, se o de cujus for brasileiro, aplica-se o art. 8.º do Código Civil,
estabelecendo que se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo

83
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 22.
84
Ibid., p.18.
44
averiguar se algum deles (comorientes) precedeu aos outros, presumir-se-ão
simultaneamente mortos. Em situações de dúvida quanto ao momento da morte, tal regra
acaba determinando várias questões, tais quais pertinentes ao campo do direito das
sucessões.

Por fim, se a sucessão for regulada pela lei brasileira, cabe saber que a sucessão se abre
no lugar do último domicílio do falecido (art. 1.785 do CC/2002).

7.3. Lei Reguladora da Capacidade

Capacidade jurídica é definida como aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações e
exercer, por si ou por outrem, atos da vida civil. A capacidade jurídica desdobra-se, destarte,
em capacidade de gozo ou de direito e em capacidade de exercício ou de fato 85.

A capacidade da pessoa é regulada pela lei do seu domicílio, como aponta o artigo 7º,
caput, da LINDB.

7.4. Emancipação

A emancipação voluntária, concedida pelo pai, pela mãe, pela autoridade tutelar será
concedida de acordo com a lei do domicílio do filho. Se a lei aplicável for brasileira, o indivíduo,
quando alcançar 18 anos, torna-se capaz. Todavia, é possível, em alguns casos, a aquisição
da capacidade antes dos 18 anos por meio do instituto da emancipação, que pode se dar por
três formas: a primeira ocorre por concessão de ambos os pais ao filho com no mínimo 16
anos, por instrumento público.

Trata-se da denominada “emancipação parental ou voluntária” (CC, art. 5.º, parágrafo


único, I). Em alguns casos, admite-se a emancipação unilateral (só por um dos pais), como
ocorre quando um deles já faleceu, foi declarado ausente ou foi destituído do poder familiar.

A segunda via é a emancipação por sentença judicial, que será necessária em caso de
conflito de vontade entre os pais quanto à emancipação do filho e quando houver pedido de
um tutor para emancipar o tutelado.

Finalmente, ocorre a “emancipação legal” quando verificadas as circunstâncias previstas


pela lei que, por si sós, automaticamente, revelam que o agente deve ser considerado capaz:

85
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil; parte geral, 33. ed., São Paulo, Saraiva, 1995, v. 1. p. 60-1.
45
casamento; exercício de emprego público (cargo efetivo); colação de grau em ensino superior
e ter o menor, a partir de 16 anos, estabelecimento civil, comercial ou relação de emprego que
lhe proporcione economia própria.

7.5. Atos Jurídicos - Forma de Atos

Quanto à forma dos atos jurídicos, adota-se lex regit actum.

Ainda, quanto à forma dos atos jurídicos, o Código Bustamante, artigo 180, aplica, de
forma simultânea, o locus regit actum, a lei do lugar do contrato e a de sua execução, à
necessidade de escritura ou documento público para a eficácia de determinados atos e à de
fazer constar por escrito.

A Lei de Introdução prescreve no artigo 9º:

Art. 9˚ Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que


se constituírem.

§ 1˚ Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de


forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei
estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.

A Lei de Introdução, no seu artigo 9º, não acolhe o princípio da autonomia da vontade
como elemento de conexão para reger contratos na seara do direito internacional privado, que
deverão ser disciplinados pela lei do local em que se constituíram quanto à forma extrínseca.

No caso das relações trabalhistas, a Convenção de Roma de 1980, artigo 6º, tratando
de contrato individual de trabalho, a aplicação da lei escolhida não poderá privar o trabalhador
de sua proteção, que lhe foi conferida pela lei: a) do país onde o trabalhador, ao executar o
contrato, habitualmente exerceu seu oficio; b) do Estado em cujo território se encontra situada
a empresa que contratou o empregado, que não realiza de modo habitual seu trabalho no
mesmo pais.

Nos casos de contratos de transferência de tecnologia, o artigo 17 da Lei de Introdução


se aplica.

Observo que o critério da lex loci estabelecido no artigo 9º da Lei de Introdução não
pode ser aplicado para dirimir dissídio oriundo de contrato de trabalho de marítimo engajado
em navio estrangeiro, uma vez que o princípio relevante é o da lei do pavilhão, a teor dos
artigos 279 e 281 do Código Bustamante.
46
7.6. União Estável e Casamento

§ 1 o do art. 7°- Lex loci celebrationis

"§ 1° Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto


aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração:'

A regra de conexão é a lex loci celebrationis. Assim, o casamento é regido, no que


tange às suas formalidades, pela lei do local de sua celebração. Cabe especificar que essas
formalidades estão disciplinadas nos arts. 1.525 a 1.542 do CC/2002; os impedimentos
matrimoniais se encontram disciplinados no art. 1.521 do CC/2002; e os casos de
anulabilidade do casamento, no art. 1.550 do CC/2002.

Importante apontar o art. 1.544 do CC/2002, que dispõe sobre a obrigatoriedade de


registro do casamento de brasileiros realizado no exterior. Tal registro deve dar-se no prazo
de 180 dias contados da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do
respectivo domicílio ou, em sua falta, no 1º Ofício da capital do Estado em que passarem a
residir.

§ 2° do art. 7°- Exceção à Iex loci celebrationis

"§ 2° O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades


diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes. ”

Seria como uma exceção à regra de conexão lex loci celebrationis, pois nubentes
estrangeiros poderiam aqui se casar com base em sua lei da nacionalidade, desde que
perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes.

O parágrafo consagra, indiretamente, a lei da nacionalidade dos nubentes como regra


de conexão. Assim, o casamento é regido, no que tange às suas formalidades, pela citada lei,
mas o regime de bens continua sendo regulado pela lei do domicílio dos nubentes, consoante
determina o art. 7°, caput, da LINDB.

Em relação ao casamento, os funcionários e funcionárias diplomáticos e consulares,


conforme determina o art. 1°, caput, da Lei 1.542/1952, só poderão casar-se com
estrangeiros(as) após obterem licença do ministro de Estado das Relações Exteriores.86 O art.
2° da lei supracitada dispõe: "O funcionário da carreira de Diplomata casado com pessoa de

86
Decreto 93.325, arts. 48 a 50. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D93325.htm>
acessado em 14, nov. 2019

47
nacionalidade estrangeira não poderá servir ao país de origem do seu cônjuge, salvo decisão
em contrário do Presidente da República". Por fim, não existe o tal impedimento se o
matrimônio for contraído com brasileira naturalizada.

§ 3° do art. 7°- Primeiro domicílio conjugal - Invalidade do casamento

"§ 3°Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do


matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal.”.

Caso o domicílio dos nubentes for diverso, aplicar-se-á, aos casos de invalidade do
casamento, a lei do país do primeiro domicílio conjugal (regra de conexão subsidiária). Do
contrário, aplica-se a lei do país do domicílio conjugal atual.

Primeiro domicílio conjugal não é necessariamente o do país em que foi realizado o


casamento, pois os nubentes podem contratar matrimônio em um país e estabelecer-se em
outro.

7.7. Relações Patrimoniais dos Cônjuges

§ 4° do art. 7°- Primeiro domicílio conjugal - Regime de bens

"§ 4° O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que


tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio
conjugal.”.

Caso o domicílio dos nubentes for diverso, aplicar-se-á, ao regime de bens, a lei do
país do primeiro domicílio conjugal (regra de conexão subsidiária). Do contrário, aplica-se a
lei do país do domicílio conjugal atual.

Primeiro domicílio conjugal, como visto, não é necessariamente o do país em que foi
realizado o casamento, pois os nubentes podem contratar matrimônio em um país e
estabelecer-se em outro.

Importante asseverar, com base na jurisprudência do STJ, que em ação de divórcio e


partilha de bens de brasileiros, casados e residentes no Brasil, a autoridade judiciária brasileira
tem competência para, reconhecendo o direito à meação e a existência de bens situados no
exterior, fazer incluir seus valores na partilha.

§5° do art. 7°- Modificação do regime de bens

"§5° O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante


expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do
48
decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de
comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta
adoção ao competente registro.”.

O parágrafo abarca a modificação do regime de bens do casal após o casamento. No


caso, é o estrangeiro casado que adquire a naturalização brasileira e, mediante expressa
anuência de seu cônjuge, requer ao juiz a adoção do regime de comunhão parcial de bens,
respeitados os direitos de terceiros e feito o competente registro. Essa regra tem como
finalidade garantir ao casal a liberdade de gerenciamento do patrimônio conjugal e, ao mesmo
tempo, proteger direitos de terceiros.

Ademais, guarda sintonia com o princípio da mutabilidade justificada do regime adotado


(art. 1.639, § 2°, do CC/2002), o qual permite a alteração do regime de bens mediante
autorização judicial em pedido motivado por ambos os cônjuges, apurada a procedência das
razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

§ 6° do art. 7°- Divórcio realizado no exterior

"§ 6° O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem


brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da
sentença, salvo se houver sido antecedido de separação judicial por igual
prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as
condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O
Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá
reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos
de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de
que passem a produzir todos os efeitos legais.”.

O § 6" já não se encontra em compatibilidade com a ordem constitucional brasileira,


porque a EC 66/2010 suprimiu a separação judicial como requisito prévio para pedir o divórcio,
bem como a obrigatoriedade do prazo de um ano de separação judicial (antigo divórcio-
conversão) ou de dois anos de separação de fato (antigo divórcio-direto).

Dessa forma, o divórcio realizado no exterior, quando um ou ambos os cônjuges forem


brasileiros, será homologado no Brasil sem o decurso do prazo de um ano da data da sentença
estrangeira. Lembremos apenas que a homologação deverá obedecer às condições
estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. Tais condições serão
estudadas no item 6.

49
7.8. Extensão do Domicílio Conjugal
"§ 7° Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao
outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos
incapazes sob sua guarda. ”

Tal previsão encontra-se derrogada em função do art. 226, §5°, da CF/198887. Isto é, o
juiz brasileiro, quando da aplicação da lei brasileira, indicada pela regra de conexão domicílio,
deverá levar em conta os valores constitucionais que irradiam sobre todo o ordenamento
jurídico. Assim, a releitura do §7° é no sentido de que o domicílio conjugal (atribuído a ambos
os cônjuges) se estende aos filhos incapazes e não emancipados (aplicação do critério da
unidade do domicílio familiar).

§8º do art. 7°- Caracterização do domicílio

"§ 8° Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar


de sua residência ou naquele em que se encontre. ”

7.9. Dos Bens em Geral: Direitos Reais e Propriedade Intelectual

Art. 8°- Lex rei sitae

"Art. 8° Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes,


aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados:'

Trata-se da regra de conexão lex rei sitae, sobre a qualificação dos bens e a regulação
das relações a eles concernentes. Ou seja, é a lei do local da situação dos bens que vai regulá-
los, que é justamente a aplicação do princípio da territorialidade.

A título conclusivo: "É mister salientar que a capacidade para exercer direitos reais ou
efetivar contratos a eles relativos rege-se pela lex domicilii, e a forma extrínseca dos atos
negociais destinados à aquisição, transmissão e extinção de direitos reais obedece ao locus
regit actum, mas as condições da constituição da aquisição, da transferência do direito real,
p. ex.,a exigência de tradição ou do assento no registro imobiliário, submetem-se à lex rei
sitae.”88

87
Art. 226, §5°, da CF/1988: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 5º Os direitos e
deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
88
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil interpretada. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 319.

50
7.10. Obrigações: voluntárias, legais ou oriundas de atos ilícitos.
Modalidades de execução e extinção das obrigações.

Art. 9° (LINDB) - Locus regit actum

"Art. 9° Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que


se constituírem. ”

Trata-se da regra de conexão locus regit actum sobre a qualificação e a regulação das
obrigações (leia-se: seus aspectos extrínsecos). Ou seja, é a lei do local em que as obrigações
foram constituídas que vai regulá-las.

As obrigações surgem dos contratos, dos delitos e dos quase delitos (crimes praticados
com culpa/negligência, imprudência e imperícia). Mas, em função do comércio internacional,
os contratos adquirem grande destaque nas discussões do DIPr.

A regra do art. 9°, caput, tem por pressuposto que o local onde a obrigação foi constituída
também será a sede da relação jurídica. Isso porque o DIPr tem por prática aplicar a lei do
país-sede da relação jurídica, o que permite aplicar a lei do local onde a relação jurídica está
produzindo efeitos. Dito isso, pode-se afirmar que o juiz brasileiro poderá aplicar a lei nacional
(lex fori), sem afrontar o art. 9°, quando um contrato constituído no estrangeiro for executado
majoritariamente no Brasil. E um exemplo comum desse caso é a aplicação da lex loci
executionis aos contratos de trabalho celebrados no exterior, mas com a execução das
atividades laborais tomando corpo inteiramente em solo brasileiro.

7.11. Contratos: formação, execução e interpretação

A regra do art. 9°, caput, tem por pressuposto que o local onde a obrigação foi
constituída também será a sede da relação jurídica. Isso porque o DIPr tem por prática aplicar
a lei do país-sede da relação jurídica, o que permite aplicar a lei do local onde a relação jurídica
está produzindo efeitos. Dito isso, pode-se afirmar que o juiz brasileiro poderá aplicar a lei
nacional (lex fori), sem afrontar o art. 9°, quando um contrato (gerador de obrigações - ver item
anterior) constituído no estrangeiro for executado majoritariamente no Brasil. E um exemplo
comum desse caso é a aplicação da lex loci executionis aos contratos de trabalho celebrados
no exterior, mas com a execução das atividades laborais tomando corpo inteiramente em solo
brasileiro.

§ 2° do art. 9°(LINDB) - Obrigação resultante do contrato


51
"§ 2° A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que
residir o proponente. ”

A regra do §2º aplica-se aos contratos entre ausentes (leia-se: contratantes residentes em
países diversos). Assim, a lei do país onde residir o proponente regulará e qualificará o
contrato firmado entre ausentes. Em outras palavras, aplicar-se-á a lei brasileira sempre que
a parte ofertante residir no Brasil. É necessário recordar que o art. 9°, caput, é aplicado aos
contratos internacionais entre presentes e determina que é a lei do local em que as obrigações
foram constituídas que vai regulá-las. O termo "residir" refere-se ao local "em que se encontra"
ou "estabelece morada” (bem diferente da norma de DIPr internacional/ex domicilii do
proponente). Destarte, "o país onde residir o proponente" significa "o país onde ele estiver. ”
E, por fim, ambos os artigos pregam a aplicação da lei do local onde foi feita a proposta 89.

7.12. Sucessões

"Será preciso, ainda, não olvidar que a Iex rei sitae regulará tão somente os bens
móveis e imóveis considerados individualmente (uti singuli), pertencentes a nacionais ou
estrangeiros, domiciliados ou não no país. Quando forem elementos de uma universalidade,
afastado estará tal critério, pois a lei normalmente competente para regê-los sob esse aspecto
é aquela a que se subordina o instituto correspondente. Assim, os bens considerados uti
universitas, como o espólio, o patrimônio conjugal, escapam à aplicação da lex rei sitae,
passando a se reger pela reguladora da sucessão (Iex domicilii do autor da herança) (LINDB,
art. 10); da sociedade conjugal (LINDB, art. 7°) 90

Art. 10 (LINDB) - Lex domicilii do defunto ou do desaparecido

"Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que
domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a
situação dos bens. ”

O artigo supracitado traz como regra de conexão a lei do país de último domicílio do
defunto ou do desaparecido (lex domicilii do defunto ou do desaparecido) no que tange à
regulação da sucessão por morte ou por ausência, qualquer que seja a natureza e a situação
dos bens.

89
Ibid, p. 333.
90
Ibid., p. 317.
52
A jurisprudência pátria vem tornando relativa a regra estipulada no art. 10 da LINDB, ou seja,
relativizando a concepção unitarista da sucessão 91.

Deve-se enfatizar que a regra de conexão lex domicilii do defunto ou do desaparecido


diz respeito aos aspectos intrínsecos do testamento, como, por exemplo, o conteúdo das
disposições de última vontade, sua admissibilidade e os efeitos dela decorrentes. Por outro
lado, os aspectos extrínsecos - tais quais o respeito à forma legal e se o ato foi lavrado pela
autoridade competente - do testamento teriam como regra de conexão o locus regit actum (lei
do local onde o negócio jurídico tenha se constituído).

§1º do art. 10 - Exceção benéfica

"§1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela


lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os
represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.

Esse artigo funciona como exceção benéfica, pois a regra de conexão do caput será
afastada para aplicação da lex fori sobre a sucessão de bens de estrangeiros, situados no
país, desde que não seja mais favorável para o cônjuge ou os filhos brasileiros a lei pessoal
do de cujus.

Tal regra é reforçada pela mesma previsão insculpida na Constituição brasileira (art. 5°,
XXXI). Ademais, é um exemplo de aplicação do princípio da pluralidade sucessória, o que
destoa da concepção unitarista adotada pelo DIPr brasileiro.

§ 2° do art. 10 - Lex domicilii do herdeiro ou do legatário

"§ 2° A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para


suceder. ”

Funciona como exceção à lei do último domicílio do defunto, pois a capacidade para
suceder será regulada pela lei do domicílio do herdeiro ou do legatário (lex domicilii do herdeiro
ou do legatário).

91
REsp l.362.400-SP, onde a relatividade do art. 10 é destacada. Rei. Min. Marco Aurélio Bellize, REsp 397.769-SP, 3ª
Turma, DJ 19.12.2002).

53
Percebe-se que é a lei do último domicílio do de cujus que definirá quem é herdeiro ou
não. Após a definição dos herdeiros, cabe verificar a capacidade para suceder de cada um.
Tal verificação é balizada pela lei do domicílio do herdeiro.

Mapa Mental

DIPr
• Personalidade
• Atos Jurídicos
• União Estável e Casamento
• Bens
• Obrigações
• Sucessões

54
Referências Bibliográficas

Decreto 93.325, arts. 48 a 50. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D93325.htm>. Acesso em: 15, Nov.
2019.

DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil interpretada. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011.

Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Disponível em <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657.htm>. Acesso em: 15, Nov. 2019.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil; parte geral. 33. ed., São Paulo,
Saraiva, 1995, v. 1

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo:
Saraiva, 2003.

55
8. Direto do Comércio Internacional e Lex Mercatoria

Lex Mercatoria nada mais é que a sistematização das regras do comércio que formam
um corpo constituído de verdadeiras normas jurídicas, aplicáveis às transações comerciais,
decorrentes de usos e costumes daqueles que participam do comércio internacional92.

Segundo Irineu Strenger (2005), a Lex Mercatoria é definida como sendo “precisamente
um conjunto de princípios, instituições e regras com origem em várias fontes, que nutriu e
ainda nutre estruturas e o funcionamento legal específico da coletividade de operadores do
comércio internacional”93.

Por fim, importa estudar o papel da Lex Mercatoria como forma de uniformização do
Direito do Comércio Internacional, cuja importância é tal que, por vezes, se confundem. Antes
de mais, importa, aqui, esclarecer uma questão conceitual importante: quando se faz
referência à Lex Mercatoria, Irineu Strenger, o principal autor-base deste tópico, muitas vezes,
utiliza tal expressão como sinônima de Direito do Comércio Internacional. Por esta mesma
razão, assim será feito no presente texto. No entanto, cabe destacar que, apesar de a história
do Direito do Comércio Internacional evoluir conjuntamente com a Lex Mercatoria, posto que
esta é um conjunto de regras fruto do comércio internacional, estes conceitos são distintos.
Como foi visto, o Direito do Comércio Internacional conta com fontes internas estatais, como
a lei, enquanto a lex mercatoria, como será estudado mais adiante, tem como principais fontes
os costumes mercantis.94

Segundo Bernardo M. Cremades, a Lex Mercatoria consiste de quatro elementos: os


usos comerciais, os contratos-tipos, a regulamentação profissional dada pela própria
associação representativa e a jurisprudência arbitral 95

A Resolução da ONU nº 2.102, de 20 de dezembro de 1965, define o Direito do


Comércio Internacional considerando três elementos: os textos emanados da ONU contêm
uma série fixa de operações, entre elas a compra e venda internacional de mercadorias; as

92
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 63.
93
STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado. São Paulo: LTr, 8ªed, 2005.
94
FIAD, Patrícia Sampaio. A Criação do Direito do Comércio Internacional: uma uniformização desuniforme. Revista da
Faculdade de Direito da UERJ, V. 2, n. 22, jul./dez.2012
95
STRENGER, Irineu. Direito do comércio internacional e lex mercatoria. São Paulo: Ltr, 1996.
56
normas são consideradas de Direito privado, dando-se ênfase ao caráter privatístico; e a
uniformidade jurídica busca evitar o conflito de leis96.

Suas fontes primordiais são o conjunto de usos e costumes comerciais e contratos-tipo


realmente utilizados na prática pelos atores do comércio internacional. Irineu Strenger (1996)
aponta para aquelas tradicionalmente citadas (como as cláusulas contratuais, os contratos-
tipo, a jurisprudência arbitral e as normas emanadas de entidades especializadas), mas
acrescenta a própria atividade comercial e o surgimento de novas tecnologias como criadores
espontâneos de usos e regras. Um exemplo de instrumentos desenvolvidos nessa seara são
os Incoterms, ou International Comercial Terms (Termos Internacionais de Comércio), que são
os direitos e obrigações recíprocos do exportador e do importador, estabelecendo um conjunto
padronizado de definições e determinando regras e práticas neutras dentro de uma estrutura
de um contrato de compra e venda internacional. Por exemplo, na vida prática, as regras que
dizem respeito a qual agente deve pagar o frete da mercadoria, qual deve ser seu ponto de
entrega e quem deve fazer o seguro estão estabelecidos pelos Incoterms. Essas regras são
reguladas e fiscalizadas pela Câmara Internacional de Comércio de Paris, que é uma
instituição privada, fundada em 1930, constituída por empresas de mais de 120 países, que
tem grande influência em órgãos públicos, como a Organização das Nações Unidas97. A
Câmara é uma organização não governamental constituída de mais de sete mil membros de
cento e trinta países. As regras e os procedimentos estabelecidos pela CCI são respeitados
em milhões de transações efetuadas diariamente no comércio internacional, além de contar
com uma importante corte internacional de arbitragem.

Ademais, existem outras entidades privadas que regem o comércio internacional, além
de instituições que tem como um de seus objetivos a modernização e harmonização das
regras de comércio internacional, como a Comissão das Nações Unidas para o Direito do
Comércio Internacional (Uncitral)98, que funciona como órgão codificador das Nações Unidas,
responsável pela efetivação de um Direito uniforme. Essa unificação, de fato, garante maior
segurança jurídica nas relações comerciais. No entanto, tal codificação encontra dificuldades,
pois essa efetivação de um direito uniforme depende da elaboração legislativa de um único

96
UN Resolution 2102. Disponível em <http://www.worldlii.org/int/other/UNGA/1965/106.pdf> Acesso em 30 out.2019.
97
International Chamber of Commerce: Who we are. Disponível em: <https://iccwbo.org/about-us/who-we-are/>. Acesso
em: 29 out. 2019.
98
UNCITRAL: about. Disponível em: <https://uncitral.un.org/en/about>. Acesso em: 29 out. 2019
57
órgão, esquecendo-se dos problemas específicos surgidos nas mais diferentes localidades99.
Ademais, o Direito uniforme tem utilizado, preferencialmente, o tratado internacional de caráter
multilateral. A vantagem é proporcionar certeza sobre a matéria unificada; a desvantagem é a
rigidez intrínseca de toda codificação e a dificuldade de adaptação a cada sistema jurídico
nacional. Ela foi criada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1966, através da
Resolução 2205 (XXI) de 17 de dezembro de 1966. Ao estabelecer a Comissão, a Assembleia
Geral reconheceu que as disparidades nas leis nacionais que regem o comércio internacional
criaram obstáculos ao fluxo do comércio e considerou a Comissão como o veículo pelo qual
as Nações Unidas poderiam desempenhar um papel mais ativo na redução ou remoção
desses obstáculos100. Outros órgãos são, no ramo dos transportes, a International Federation
of Freight Forwarders Associations, e, no transporte aéreo, a International Air Transport
Association (IATA). As associações do setor financeiro são presididas pelo Institute of
International Banking Law & Practice (Iiblp), ao lado da International Financial Services
Association (IFSA).

A uniformização legislativa não supõe a uniformização de interpretação. No momento


da elaboração do texto, nem sempre é possível eliminar problemas interpretativos, os quais
aparecem na hora de aplicar a norma. A solução para os problemas interpretativos é a
atribuição de competência a uma jurisdição internacional que decidiria sobre o sentido e o
alcance dos termos do tratado. Essa jurisdição existe apenas em determinados círculos
jurídicos, como a Comunidade Europeia101. O remédio habitual tem sido a submissão da
questão interpretativa à jurisdição do Estado que aplica o tratado. Há ainda a possibilidade de
se recorrer a uma norma de conflito do tratado para que ela designe o ordenamento sob o
qual se fará a interpretação.

Apesar da existência dessas associações, a realidade mostra que há substanciais


discrepâncias entre as legislações nacionais. Por essa razão, a uniformidade do Direito
Mercantil Internacional deve ser parcial e fragmentária, com a formulação de princípios
gerais. Ainda que o Direito uniforme ingresse em determinado Estado, as peculiaridades

99
BIJOS, Leila; OLIVEIRA, João Rezende Almeida; BARBOSA, Leonardo Garcia. Direito do Comércio Internacional
Delimitação, características, autorregulação, harmonização e unificação jurídica e Direito Flexível. Disponível em:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496982/000991336.pdf?sequence=1>. Acesso em: 30 out. 2019
100
UNGA Resolution 2205. Disponível em: <https://undocs.org/en/A/RES/2205(XXI)>. Acesso em: 29 out. 2019.
101
BIJOS, Leila; OLIVEIRA, João Rezende Almeida; BARBOSA, Leonardo Garcia. Direito do Comércio Internacional
Delimitação, características, autorregulação, harmonização e unificação jurídica e Direito Flexível. Disponível em:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496982/000991336.pdf?sequence=1>. Acesso em: 31 out. 2019

58
manifestam-se no momento da sua interpretação102. Como todo ramo do direito, a Lex
Mercatoria é guiada por um conjunto de princípios. Dentre eles o princípio da boa-fé e do pacta
sunt servanda - que representa a força obrigatória que rege o contrato firmado, que por sua
vez, devem ser aplicados aos contratos internacionais na seara comercial. Deve-se enfatizar
que tais princípios já se consolidaram através de extensa jurisprudência de tribunais arbitrais
de comércio internacional103

Entre os setores de especial relevância para o Direito do Comércio Internacional,


podemos destacar a proteção dos direitos de propriedade intelectual, a regulação das
empresas transnacionais, as regras de contratação internacional em geral, especialmente os
contratos de compra e venda internacional. Para que se compreenda o mercado internacional,
é preciso que se estudem os seus instrumentos de proteção, principalmente as regras de livre
concorrência, com destaque para as regras de autorregulação, que garantem a prevalência
da autonomia da vontade. A perspectiva da Lex Mercatoria, no entanto, é diferente, pois ele
foi criado e elaborado pelos próprios comerciantes, sem a participação do Estado e fundado
fortemente no princípio da autonomia da vontade. Os comerciantes formulam as regras e
preveem mecanismos de solução de controvérsias consistentes na arbitragem comercial
internacional. Justamente, a utilização de tribunais arbitrais de comércio é característica
marcante da Lex Mercatoria.

Tornou-se comum a prática de arbitragem como método de resolução de litígios em


questões relativas ao Direito do Comércio Internacional, uma vez que há cláusulas arbitrais
na grande maioria dos contratos comerciais internacionais. De fato, decisões baseadas neste
Direito são predominantemente advindas de tribunais arbitrais, sendo raras as decisões de
tribunais estatais baseadas neste ramo. É importante enfatizar que, a partir do momento em
que as partes autorizam para tanto, o tribunal pode julgar por equidade, fora das regras e
formas de direito, o que não pode ser feito por tribunais estatais - o que pode ser visto como
uma vantagem para as partes. De fato, segundo a Lei 9.307, que é justamente a legislação
brasileira que dispõe sobre arbitragem, as partes poderão “convencionar que a arbitragem se
realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras
internacionais de comércio.”104

102
Ibid.

103
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p.64.
104
Lei 9.307/96. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm>. Acesso em: 29 out. 2019.
59
Mapa Mental

Direito do
Comércio e Lex
Mercatoria

Usos e
Lex Mercatoria
costumes

conjunto de
regras fruto do
Direito Uniforme
comércio
internacional,

Uncitral Incoterms

60
Referências Bibliográficas

BIJOS, Leila; OLIVEIRA, João Rezende Almeida; BARBOSA, Leonardo Garcia. Direito do Comércio
Internacional Delimitação, características, autorregulação, harmonização e unificação jurídica
e Direito Flexível. Disponível em
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496982/000991336.pdf?sequence=1. Acesso
em: 15, Nov. 2019.

FIAD, Patrícia Sampaio. A Criação do Direito do Comércio Internacional: uma uniformização


desuniforme. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, V . 2 , n. 22, jul./dez.2012

International Chamber of Commerce: Who we are. Disponível em <https://iccwbo.org/about-us/who-


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Lei 9.307/96. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm>. Acesso em: 13,


Nov. 2019.

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo:
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STRENGER, Irineu. Direito do comércio internacional e lex mercatoria. São Paulo: Ltr,
1996.

STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado. São Paulo: LTr, 8ªed, 2005.

UN Resolution 2102. Disponível em <http://www.worldlii.org/int/other/UNGA/1965/106.pdf>.


Acesso em: 15, Nov. 2019.

UNGA Resolution 2205. Disponível em <https://undocs.org/en/A/RES/2205(XXI)>. Acesso


em: 15, Nov. 2019.

UNCITRAL: about. Disponível em <https://uncitral.un.org/en/about>. Acesso em: 16, Nov.


2019.

61
9. Direto do Trabalho Internacional

O direto internacional do trabalho estabelece padrões e garantias internacionais mínimas


em prol dos trabalhadores. Por isso, pode-se dizer que tal direito está situado no âmbito da
proteção dos direitos humanos pelo direito internacional. No entanto, o direito internacional
privado também guarda relação com o direito do trabalho nacional 105.

9.1. Norma Reguladora dos Conflitos em Matéria de Legislação Trabalhista

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), ou International Labour Organization


(ILO), é um organismo internacional fundado em 1919 em atendimento ao Tratado de Versalhes.
A princípio, a organização atuou como uma agência ligada à Liga das Nações, entretanto, após
o final da Segunda Guerra Mundial, com a dissolução da Liga das Nações, a partir de 1945 a
OIT passou a integrar o Sistema ONU.

Diferente de outros organismos, onde as decisões são tomadas por representantes dos
Estados-Membros, na OIT possui estrutura tripartite onde representantes do governo, das
organizações de empregadores e das organizações de trabalhadores participam em situação
de igualdade106.

Em apoio a seus objetivos, a OIT oferece experiência e conhecimento incomparáveis sobre


o mundo do trabalho, adquiridos ao longo de mais de 100 anos de resposta às necessidades
das pessoas em todos os lugares por trabalho decente, meios de subsistência e dignidade.
Serve seus constituintes tripartidos - e a sociedade como um todo - de várias maneiras,
incluindo107:

 Formulação de políticas e programas internacionais para promover os direitos humanos


básicos, melhorar as condições de trabalho e de vida e melhorar as oportunidades de
emprego

 Criação de padrões internacionais de trabalho apoiados por um sistema exclusivo para


supervisionar sua aplicação.

105
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p.74.
106
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. pp. 73-76.
107
International Labor Organization: Mission and Impact. Disponível em <https://www.ilo.org/global/about-the-
ilo/mission-and-objectives/lang--en/index.htm>. Acesso em: 28 out. 2019.
62
 Um extenso programa de cooperação técnica internacional formulado e implementado
em uma parceria ativa com os constituintes, para ajudar os países a colocar essas
políticas em prática de maneira eficaz

 Atividades de treinamento, educação e pesquisa para ajudar a avançar todos esses


esforços

Atualmente, a Organização Internacional do Trabalho possui 189 convenções


internacionais sobre o trabalho, que a organização indica a ratificação por seus países
membros.

O Brasil ratificou um grande número de convenções internacionais do trabalho. Entre elas


a Convenção 132 sobre férias remuneradas anuais; a Convenção 189 que dá recomendações
sobre o trabalho decente para trabalhadores e trabalhadoras domésticas, cuja ratificação
promoveu a revisão da legislação trabalhista sobre o trabalho doméstico e a adoção de
medidas de proteção para esses trabalhadores, como o limite de jornada de trabalho e
garantia de direitos trabalhistas básicos; a Convenção 182 sobre proibição das piores formas
de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação; a Convenção 138 sobre idade mínima
de admissão ao emprego; a Convenção 168 sobre a promoção do emprego e a proteção
contra o desemprego108.

Os Estados-membros da OIT devem informar, com periodicidade, à Repartição


Internacional do Trabalho, sobre como está a sua legislação doméstica e também sobre fatos
relevantes, tendo como o objeto a aplicação das convenções e recomendações da OIT no
país109. Por vezes, a doutrina brasileira relacionada ao direito do trabalho também se apoia
em convenções e recomendações da OIT que não foram adotadas pela legislação brasileira,
para fins de interpretação do ordenamento 110.

Além das convenções internacionais de trabalho, em 1998 a OIT aprovou a Declaração dos
Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho111. De acordo com este documento, todos os
países-membros da organização devem garantir aos seus trabalhadores os seguintes direitos

108
Convenções (OIT) ratificadas pelo Brasil. Disponível em: <https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/lang--pt/index.htm>.
Acesso em: 28 out. 2019.
109
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. São Paulo: LTr, 2000.
110
LAVOR, Francisco Osani. Igualdade no trabalho e trabalho feminino, Revista LTr, 59-09:1197-202, 1995.
111
Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho. Disponível em:
<https://www.ilo.org/public/english/standards/declaration/declaration_portuguese.pdf>. Acesso em: 28 out. 2019.
63
básicos: liberdade sindical e reconhecimento do direito de negociação coletiva; eliminação de
qualquer forma de trabalho compulsório; abolição do trabalho infantil; e eliminação de todas
as formas de discriminação no trabalho.

Em relação a trabalhadores estrangeiros, seu regime de contratação e sua proporção


admitida no Brasil, aplica-se as normas relativas à nacionalização do trabalho e as normas
especiais de tutela do trabalho da Consolidação das Leis do Trabalho112. Do artigo 352 ao 369,
observamos que deve haver proporcionalidade de dois terços dos empregados brasileiros em
relação aos de outras nacionalidades contratados em empresa cuja sede se localiza no Brasil.

Em relação ao estrangeiro que está regularmente admitido no Brasil, este irá gozar da
proteção da lei brasileira, que estabelecerá os requisitos que devem ser seguidos para que o
estrangeiro possa trabalhar no Brasil, de acordo com a lei º 13.445, de 24 de maio de 2017 -
a nova Lei de Migração que revogou o anterior Estatuto do Estrangeiro. Em relação ao
estrangeiro, a Lei que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, tem um contrato de
trabalho de tempo determinado devido à própria imposição legal, com seus devidos efeitos
jurídicos previstos na legislação trabalhista113.

Em 1999, a OIT formalizou o conceito de trabalho decente. A busca pelo direito ao trabalho
decente figura como objetivo central da organização e orienta suas políticas e programas.
Para a OIT, o trabalho decente corresponde ao direito de todos os homens e mulheres de
terem um trabalho produtivo, que seja adequadamente remunerado e exercido em condição
de liberdade e segurança114.

O trabalho decente deve ser capaz de garantir uma vida digna para seus trabalhadores e
colaborar com a superação da pobreza e desigualdade social, favorecendo o desenvolvimento
da democracia em todo o mundo.

Os objetivos estratégicos da OIT são:

 Garantir o respeito às normas internacionais do trabalho, sobretudo aos princípios e


direitos fundamentais do trabalho;

112
Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>.
Acesso em: 03 out. 2019.
113
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 87.
114
OIT: Trabalho decente. Disponível em: <https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-decente/lang--pt/index.htm>.
Acesso em: 29 out.2019.
64
 Promover o trabalho de qualidade;

 Garantir proteção social aos trabalhadores;

 Fortalecer o diálogo entre trabalhadores, empregadores e o governo.

Diante da tendência de redução dos postos de trabalho em todo o mundo, a preservação


e a promoção do trabalho decente devem constituir o eixo central das estratégias nacionais e
mundiais para o desenvolvimento e progresso econômico 115.

Em relação ao papel da OIT no Brasil, enfatiza-se que o Brasil é membro fundador da OIT
e o primeiro país latino-americano sede de um escritório de campo da OIT, inaugurado em
1950116.

O Brasil possui um longo histórico de escravidão legalizada, tendo sido o último país do
mundo a abolir o trabalho compulsório. Entretanto, mesmo após a sua proibição, o trabalho
escravo é uma realidade que ainda persiste no país.

O papel da OIT no Brasil é colaborar com o combate ao trabalho compulsório no país e


com a promoção dos direitos humanos. Além disso, a organização vem colaborando com a
promoção do diálogo entre empregados, empregadores e o Estado, com vista a promover o
diálogo social.

Outras importantes questões na agenda da OIT no Brasil são a eliminação do trabalho


infantil, a promoção de condições igualitárias de trabalho para homens e mulheres e a inclusão
de pessoas com deficiência e portadores de HIV no mercado de trabalho.

9.2. Capacidade para contratar

Quando se trata de contrato de trabalho individual, se este for pactuado no Brasil para
ser exercido em território estrangeiro, passa a ter caráter internacional, pois existem pontos
de conexão com duas ou mais jurisdições. O caráter internacional pode também ser definido
se o elemento relativo à nacionalidade for o local de contratação. Carlos Roberto Husek
resumiu bem a questão: “Todo contrato entre o empregado e um empregador em que há um
elemento estranho ao país: o empregado é estrangeiro e a empresa é brasileira; a empresa

115
Conheça a OIT. Disponível em: <https://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 28 out.
2019.
116
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 75.
65
é estrangeira e o empregado brasileiro; a empresa e o empregado são brasileiros, mas o
local de execução do contrato de trabalho é no estrangeiro.” 117

Para se saber qual legislação deve ser aplicada, deve-se fazer uma análise do
elemento de conexão que irá prevalecer diante do conflito analisado.

Todavia, quando a obrigação for de índole trabalhista, o elemento de conexão será o


do local da execução do contrato. Neste sentido, é o Código de Bustamante, ratificado pelo
Brasil e promulgado através do Decreto n. 18871/29, cujo artigo 198 dispõe expressamente
que o contrato de trabalho é regido pela lei do local da prestação do serviço 118.

Outros elementos que ajudam a estabelecer qual será a regra de conexão a ser utilizada
é a CLT, em seu artigo 651, que estabelece que “A competência das Varas do Trabalho é
determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços
ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.”119

9.3. Acidentes de Trabalho

A Convenção de Direito Internacional Privado válida no Brasil, Código de Bustamante,


ratificada pelo Brasil através do Decreto 18.871/1929, mais precisamente no seu art. 198, fica
clara esta conexão com o princípio em tela, uma vez que este expressa que “é territorial a
legislação sobre acidentes do trabalho e proteção social do trabalhador.” 120

Às empresas estrangeiras que contratam estes trabalhadores, a Lei nº 7.064/82121


impõe alguns encargos e limitações na contratação, como a necessidade de obter autorização
do Ministério do Trabalho para contratar tais empregados, a realização de seguro de vida e
acidentes de trabalho e a prestação gratuita de serviços médicos, entre outros.

117
HUSEK, Carlos Roberto. Curso básico de Direito Internacional Público e Privado do Trabalho. 2 ed. São Paulo. 2011.
Apud THOMAZ, Sandra Regina. Normas e Princípios aplicados ao Contrato Internacional de Trabalho, 2013.
118
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Artigos de Doutrina: Contrato Internacional de Trabalho. APEJ:2010
119
Decreto-lei 5.452. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 04 out.
2019.
120
Convenção de Direito Internacional Privado (Código de Bustamante). Disponível em:
<http://portfolio.unisinos.br/OA1/docs/codigo_de_bustamente.pdf>. Acesso em: 27 out. 2019.
121
Lei 7.064/82. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7064.htm>. Acesso em: 29 out. 2019.
66
Mapa Mental

Direito
Internacional do
Trabalho

Direitos Humanos Direito do Trabalho

Normas de conflito

Capacidade
contratual

Acidentes de
trabalho

67
Referências Bibliográficas

Conheça a OIT. Disponível em <https://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/lang--pt/index.htm> .


Acesso em: 16, Nov. 2019.

Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-


lei/del5452.htm>. Acesso em: 16, Nov. 2019.

Convenções (OIT) ratificadas pelo Brasil. Disponível em <


https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 16, Nov. 2019.

Convenção de Direito Internacional Privado (Código de Bustamante). Disponível em


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APEJ:2010

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16, Nov. 2019.

Estatuto do Estrangeiro. Disponível em <


https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/508142/000986045.pdf?sequence=>. Acesso
em: 16, Nov. 2019.

HUSEK, Carlos Roberto. Curso básico de Direito Internacional Público e Privado do Trabalho.
2 ed. São Paulo. 2011. Apud THOMAZ, Sandra Regina. Normas e Princípios aplicados ao Contrato
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Lei 7.064/82. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7064.htm>. Acesso em: 16,


Nov. 2019.

68
OIT: Trabalho decente. Disponível em <https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-
decente/lang--pt/index.htm> . Acesso em: 16, Nov. 2019.

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo:
Saraiva, 2003

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. São Paulo: LTr, 2000.

69
10. Direito Internacional
10.1. Direito Marítimo Internacional

O direito internacional do mar é um dos mais antigos ramos do direito internacional


público. Portanto, deve ser examinado da perspectiva do desenvolvimento do direito
internacional em geral. Originalmente, a lei do mar consistia em um conjunto de regras do
direito consuetudinário que vincula os Estados e outros sujeitos do direito internacional em
seus assuntos marítimos. Mais tarde, essas regras foram progressivamente codificadas. A
Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que adotou com sucesso a
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (LOSC) em 1982, é de particular
importância.122.

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar desempenha um papel duplo
nas relações internacionais. Primeiro, a função principal do direito internacional envolve a
distribuição espacial da jurisdição dos Estados, e o mesmo se aplica ao direito do mar. O
direito internacional contemporâneo do mar divide o oceano em várias zonas jurisdicionais,
como águas internas, mares territoriais, zona contígua, zona econômica exclusiva (ZEE),
águas arquipelágicas, plataforma continental, alto mar e região. Em princípio, a lei do mar
fornece os direitos e obrigações de um Estado costeiro e de Estados terceiros de acordo com
essas zonas jurisdicionais.

Segundo, dado que o oceano é uma unidade no sentido físico, o manejo adequado dos
oceanos exige cooperação internacional entre os Estados. Em geral, o escopo espacial das
zonas jurisdicionais criadas pelo homem nem sempre corresponde aos ecossistemas
marinhos. A divergência entre lei e natureza é uma séria deficiência na abordagem tradicional
de gerenciamento de zonas. A cooperação internacional é, portanto, um pré-requisito para a
conservação dos recursos marinhos vivos, bem como a diversidade biológica. Da mesma
forma, sem cooperação internacional, a regulamentação da poluição marinha seria menos
eficaz porque a poluição pode se espalhar além das fronteiras marítimas. A reconciliação entre
as duas abordagens diferentes e entre a divisão e a unidade dos oceanos deve ser uma
questão essencial na lei.123

122
TANAKA, Y. The International Law of the Sea. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, p. 370.
123
Ibid. pp. 372-375.
70
É também de notar que, de acordo com a lei do mar, o oceano compreende três
elementos, isto é, fundo do mar e subsolo, coluna de água adjacente e a atmosfera acima do
mar.

Com base na jurisdição nacional do Estado costeiro, esses espaços marinhos podem
ser divididos em duas categorias principais: espaços marinhos sob jurisdição nacional e
espaços além da jurisdição nacional. A primeira categoria contém águas internas, mares
territoriais, estreitos internacionais, águas arquipelágicas, a zona contígua, a ZEE e a
plataforma continental, enquanto a última contém o alto mar e a Área, nomeadamente o fundo
do mar e o oceano e o subsolo além do mar, sendo estes os limites da jurisdição nacional.

Como observado, o direito do mar é uma parte inseparável do direito internacional em


geral. Por conseguinte, o direito do mar é gerado a partir das mesmas fontes de direito
internacional estabelecidas no artigo 38 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça,
segundo o qual:

a) Convenção internacional, geral ou particular, que estabeleça regras expressamente

b) Reconhecidas pelos Estados concorrentes;

c) Costume internacional, como evidência de uma prática geral aceita como lei;

d) os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas.124

No que diz respeito ao direito do mar, deve-se notar que o foco principal deve estar no
direito consuetudinário e nos tratados.

A primeira categoria é o direito consuetudinário geral. Embora os tratados sejam


vinculativos apenas para as partes, é amplamente aceito que as regras do direito
consuetudinário geral são vinculativas para todos os Estados da comunidade internacional.
Dado que, no contexto da lei do mar, não há tratado do qual todos os Estados sejam partes,
as regras do direito consuetudinário geral continuam sendo importantes. O direito
consuetudinário também entra em jogo em uma situação em que não há regra especial nos
tratados relevantes.

124
Statute of the International Court of Justice. Disponível em: <https://www.icj-cij.org/en/statute>. Acesso em: 30 out.
2019.
71
A segunda categoria envolve direito consuetudinário especial ou local, aplicável somente
dentro de um grupo definido de Estados.

A teoria jurídica ortodoxa vê as regras do direito consuetudinário como resultantes da


combinação de dois elementos: um elemento objetivo da prática estatal 'extensa e
virtualmente uniforme' e o elemento subjetivo ou psicológico conhecido como opinio juris, ou
seja, uma crença de que a prática é tornada obrigatória pela existência de um estado de direito
que o exija.

Tratados: Nos níveis global e regional, vários aspectos do direito do mar são atualmente
governados por um número considerável de tratados. Sem dúvida, o LOSC é o tratado mais
importante nesse campo 125. Deve-se notar que um tratado pode incorporar regras já
estabelecidas do direito consuetudinário. Isso é chamado de efeito declaratório.

10.2. Direito Aeronáutico Internacional

O Direito Aeronáutico aborda as relações jurídicas vinculadas à navegação aérea como


o transporte aéreo no campo doméstico e internacional, a aviação civil em geral, as regras
quanto à utilização de sítios aeroportuários e os serviços aéreos públicos e privados 126.
Segundo Rodriguez Jurado (1986) é o conjunto de princípios e normas de direito público e
privado, de ordem interna e internacional, que regem as instituições e relações jurídicas da
atividade aeronáutica ou modificadas por ela. Tem por objeto a regulação, tutela e
harmonização de interesses diversos (políticos, sociais, técnicos, ambientais, econômicos,
nacionais e internacionais), e se integra com normas provenientes do direito internacional e
nacional, de caráter público e privado127.

No tocante aos usuários, aborda questões voltadas à responsabilidade civil dos


transportadores aéreos e dos passageiros, compreendendo a multidisciplinaridade do sistema
da aviação, cujas relações permeiam interesses públicos e privados.

125
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Disponível em: <
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1990/decreto-99165-12-marco-1990-328535-publicacaooriginal-1-pe.html>.
Acesso em 01 nov.2019.
126
NOVO, Benigno Nuñes. Direito Aeronáutico. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/62611/direito-aeronautico-
denominado-de-direito-aereo-segundo-a-classificacao-decimal-de-direito-aborda-as-relacoes-juridicas-vinculadas-com-a-
navegacao-aerea-o-transporte-aereo-no-campo-domestico-e-internacional-e-a-aviacao-civil-em-geral>. Acesso em: 31 out.
2019.
127
Teoria Y Practido del Derecho Aeronáutico, Rodríguez Jurado, 1986, Editora Depalma, Buenos Aires, Argentina.

72
O Direito Aeronáutico reformulou a relação entre os Estados, que buscam de forma
permanente a padronização dos procedimentos e das normas de segurança, que fizeram da
aviação o transporte mais regular e seguro do mundo.

Este ramo do direito atua sobre os seguintes elementos: o espaço aéreo, seu domínio
e a soberania sobre ele; a aeronave; a infraestrutura; o pessoal aeronauta; a construção,
utilização e aquisição de aeronaves; o transporte aéreo comercial; os serviços aéreos
especializados; a responsabilidade; os seguros; a busca e salvamento e a investigação de
acidentes.

Suas fontes, como na maioria dos ramos do direito internacional, são a lei, o costume,
a jurisprudência, a doutrina, as convenções multilaterais e os acordos bilaterais128.

O Direito Aeronáutico aborda as relações jurídicas vinculadas à navegação aérea, o


transporte aéreo no campo doméstico e internacional e a aviação civil em geral, ou seja, a
movimentação de aeronaves no espaço com acentuada influência do ar - atualmente esse
conceito é aceito até aproximadamente 80 km de altitude, entretanto, com o desenvolvimento
tecnológico esse parâmetro pode ser modificado - a comercialização do transporte aéreo e as
demais atividades afins. É um Direito dinâmico para poder acompanhar as constantes
alterações e a modernidade que flui do progresso e da tecnologia aplicada à aviação civil

A aviação engloba uma série de atividades que são desenvolvidas com o uso de
aeronaves, que segundo a definição do CBA (artigo 106)129, é todo aparelho manobrável em
voo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas,
apto a transportar pessoas ou coisas.

No Brasil, todas as aeronaves civis, sejam elas públicas ou privadas, se submetem às


regras da Agência Nacional de Aviação Civil, a ANAC, segundo define o Código Brasileiro de
Aeronáutica, ou Lei 7565/86130, ao passo em que as considerações de natureza trabalhista se
dão pela Lei 7.183/84131, ou Lei do Aeronauta, sendo que para nosso estudo, com o intuito de

128
TENCOURT NETO, Olavo de Oliveira. Direito espacial contemporâneo: responsabilidade internacional. 22. ed. Curitiba:
Juruá, 2011.

129
Código Brasileiro de Aeronáutica. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7565.htm> Acesso em 1
nov. 2019.
130
Lei 7.565/86. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7565.htm>. Acesso em: 31 out. 2019.
131
Lei 7.183/84. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7183.htm>. Acesso em: 31 out. 2019.
73
delimitar seu objeto, é importante se atentar que os serviços aéreos são divididos basicamente
em duas categorias, que abrangem os serviços aéreos públicos e privados.

O direito aeronáutico também denominado de Direito Aéreo, segundo a Classificação


Decimal de Direito, aborda as relações jurídicas vinculadas com a navegação aérea, o
transporte aéreo no campo doméstico e internacional e a aviação civil em geral 132.

Embora os voos domésticos possam ser regulados pela legislação interna de cada
Estado, as normas internas de cada país costumam acompanhar os Tratados Internacionais,
como é o caso brasileiro.

No Brasil o direito aeronáutico é regulado pelos Tratados, Convenções e Atos


Internacionais, bem como pelo Código Brasileiro de Aeronáutica (lei 7.565, de 19.12.86) e pela
legislação complementar. O Código Brasileiro de Aeronáutica se aplica a voos domésticos e
internacionais em todo o território brasileiro, assim como, no exterior, até onde for admitida a
sua extraterritorialidade.

Algumas convenções importantes são:

1. Convenção de Varsóvia: Assinada em 12 de outubro 1929, visava a unificação de certas


regras relativas ao transporte aéreo internacional, que entraram em vigor em 13 de
fevereiro de 1933. A Convenção de Varsóvia, foi um marco histórico, por definir e
uniformizar em escala mundial, as regras relativas à responsabilidade civil no transporte
aéreo internacional. Teve Protocolos Adicionais nsº 1, 2 e 4, assinados em Montreal, em
25 de setembro de 1975, e ocorreram emendas pelo Protocolo celebrado em Haia, em 28
de setembro de 1955, com algumas reservas. Modernizada pela Convenção para a
Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional 133.

2. Convenção de Chicago134: também conhecida como Convenção sobre Aviação Civil


Internacional, concluída em 7 de dezembro de 1944, ratificada em 26 de março de 1946
e promulgada pelo governo brasileiro pelo Decreto-Lei nº 21.713 de 27 de agosto de 1946.

132
NOVO, Benigno Nuñes. Direito Aeronáutico. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/62611/direito-aeronautico-
denominado-de-direito-aereo-segundo-a-classificacao-decimal-de-direito-aborda-as-relacoes-juridicas-vinculadas-com-a-
navegacao-aerea-o-transporte-aereo-no-campo-domestico-e-internacional-e-a-aviacao-civil-em-geral>. Acesso em: 31 out.
2019.
133
Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D20704.htm>. Acesso em 1, nov. 2019.
134
Convenção sobre Aviação Civil Internacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-
1949/D21713.htm>. Acesso em: 04, nov. 2019.
74
Este é o tratado que estabeleceu a Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO)
como agência especializada da ONU para coordenar e regular o transporte aéreo
internacional, bem como fomentar o desenvolvimento seguro e ordenado da Aviação Civil
Internacional.

3. Convenção de Montreal: Na Conferência Internacional de Direito Aeronáutico, realizada


pela OACI em Montreal, de 10 a 28 de maio de 1999, participaram 118 Estados. Foram
examinados os projetos preparados pelo Comitê Jurídico da Organização da Aviação Civil
Internacional e pelo Grupo Especial sobre a modernização do Sistema de Varsóvia, e foi
deliberado adotar nova Convenção para a unificação de certas regras sobre o transporte
aéreo internacional. A Convenção de Montreal enfatiza os conceitos de segurança, que
correspondem à operação e à técnica de construção e manutenção de aeronaves.

Enfatiza-se que em nosso país, de acordo com a Constituição Federal compete


privativamente à União legislar sobre o direito aeronáutico.

De acordo com a Convenção de Varsóvia, transporte internacional é todo aquele transporte


em que, de acordo com o estipulado pelas partes, o ponto de partida e o ponto do destino,
haja ou não interrupção de transporte, ou troca dos passageiros de aeronaves, estejam
situados no território de dois países signatários da convenção, ou mesmo no de uma só,
havendo escala prevista em território sujeito à soberania de outro país, seja ou não
signatário135. Se o transporte não tiver escala e se efetuar entre territórios sujeitos a soberania
do mesmo país, não pode ser considerado internacional.

A respeito da responsabilidade do transportador aéreo, nos voos internacionais,


expressamente preconiza a Convenção de Varsóvia que responde o transportador pelo dano
que ocasionar morte, ferimento ou qualquer outra lesão corpórea no passageiro, desde que o
acidente, causador do dano, haja ocorrido a bordo da aeronave, ou no curso de quaisquer
operações de embarque ou desembarque. A convenção isenta de responsabilidade o
transportador aéreo quando este provar que tomou, por si e por seus prepostos, todas as
medidas necessárias para que o dano não ocorresse, ou que lhes não era possível tomá-
las136.

135
GOUVEIA, Jorge Bacelar (Coord.). Estudos de direito aéreo. Almedinas S.A.: Coimbra, 2007.
136
FARIAS, Hélio de Castro; PAIVA; Carlos. Noções Elementares de Direito Aeronáutico. Associação Brasileira de Direito
Aeronáutico, Rio de Janeiro, 2011.

75
Se o transportador provar que o dano foi causado por culpa exclusiva da pessoa lesada,
também será o transportador isento de responsabilidade. Acaso se demonstrar que houve
culpa concorrente, será mitigada a responsabilidade do transportador, na proporção de sua
culpa no evento.

No transporte de passageiros os limites de responsabilidades não se aplicam se for provado


que o dano resulta de uma ação ou omissão do transportador ou de seus prepostos, cometida
com a intenção de causar danos, ou temerariamente, e com consciência de que
provavelmente causaria danos.

A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) é uma agência reguladora federal cuja
responsabilidade é supervisionar a atividade de aviação civil no Brasil. A ANAC atua para
promover a segurança da aviação civil e para estimular a concorrência e a melhoria da
prestação dos serviços no setor. O trabalho da Agência consiste em elaborar normas, certificar
empresas, oficinas, escolas, profissionais da aviação civil, aeródromos e aeroportos e
fiscalizar as operações de aeronaves, de empresas aéreas, de aeroportos e de profissionais
do setor e de aeroportos, com foco na segurança e na qualidade do transporte aéreo. Leia
mais na Lei de Criação da ANAC (Lei nº 11.182/2005).137 A agência foi criada pela lei federal
nº 11.182, de 27 de setembro de 2005, e instalada através do decreto federal nº 5.731 de 20
de março de 2006.

10.3. Domínio Público Internacional

A doutrina tradicional classifica como domínio público internacional o mar, os rios


internacionais, o espaço aéreo, o espaço extra-atmosférico e também o continente antártico,
ou seja, refere-se a espaços de interesse geral pertencentes a todas as nações.
Domínio Público Internacional corresponde a espaços que, embora pertencentes ao
poder soberano de um Estado, despertam interesses de outros Estados. Tais espaços, não
raro, atrairão o interesse de toda a comunidade internacional 138. Abaixo uma subdivisão dos
espaços considerados como domínio público internacional:

1. Águas interiores: em geral, entende-se por águas interiores os lagos de água doce,
os rios e pequenos mares interiores, os quais não se enquadram na disciplina
estabelecida pelo Direito Internacional. Como consequência, tais espaços pertencem à

137
ANAC: o que fazemos. Disponível em: <https://www.anac.gov.br/A_Anac/o-que-fazemos>. Acesso em: 30, Nov.2019.
138
TANAKA, Y. The International Law of the Sea. Cambridge: Cambridge University Press, 2012
76
soberania dos Estados e neste sentido não atraem de modo geral o interesse
internacional. Contudo, a Convenção de Montego Bay (Convenção das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar de 1982), que entrou em vigor em 1994, menciona águas
interiores referindo-se às extensões de água salgada em comunicação com espaços
internos do território, em função de recortes ou reentrâncias neste 139.

2. Mar territorial: O mar territorial é a porção de água que banha a costa dos Estados
costeiros e que, como consequência, se enquadra como objeto da soberania destes.
De acordo com a Convenção de Montego Bay, a soberania estatal se estenderá
também sobre o espaço aéreo sobrejacente ao mar territorial, ao leito e ainda ao
subsolo deste mar140. O Estado exerce soberania sobre uma faixa d´água que se
estende até determinada distância de suas costas, soberania que atinge, por igual, o
leito do mar, o respectivo subsolo e o espaço aéreo que jaz por cima. No Brasil, o limite
do mar territorial segue as determinações da Convenção de Montego Bay e ficou
estabelecido em doze milhas marítimas (cerca de 22 km).

3. Zona contígua: trata-se de uma segunda faixa, que é adjacente ao mar territorial, e,
em princípio, também de 12 milhas de largura. No âmbito da zona contígua, o Estado
costeiro também exerce soberania e, destarte, poderá exercer seu poder de polícia e,
assim, proceder à fiscalização no que concerne à alfândega, à imigração, à saúde e,
ainda, à regulamentação dos portos e do trânsito pelas águas territoriais, como também
tomar medidas para reprimir as infrações às leis de seu território. Sua extensão máxima
será de 24 milhas náuticas, de acordo com a Convenção de Montego Bay. Dentro dela,
o Estado pode exercer certos direitos a fim de prevenir e, se for o caso, punir as
infrações às suas leis de polícia aduaneira, fiscal, sanitária ou de imigração cometidas
por navios estrangeiros em seu mar territorial.

4. Zona econômica exclusiva (ZEE): é situada além do mar territorial e a este adjacente
-logo, se sobrepõe à zona contígua. Ela possui largura de duzentas milhas marítimas
contadas da linha de base. Assim, se a largura for medida a partir do mar territorial, a
ZEE terá 188 milhas marítimas de largura, e, se for medida a partir da linha de base, a
ZEE terá 200 milhas marítimas de largura. O Estado costeiro também exerce direitos

139
Decreto Nº 99.165/90. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1990/decreto-99165-12-marco-
1990-328535-publicacaooriginal-1-pe.html.>. Acesso em: 27 out. 2019
140
Ibid. Art 2º.
77
de soberania sobre a zona econômica exclusiva. O art. 56 da Convenção sobre Direito
do Mar disciplina tais direitos, dentre os quais se destacam: a) exploração de recursos
naturais vivos ou não vivos; b) exploração econômica de caráter abrangente, como, por
exemplo, a produção de energia a partir da água, do vento etc.; c) investigação
científica; d) proteção e preservação do meio marinho; e) instalação de ilhas artificiais
etc.

5. Plataforma continental: é a parte do mar adjacente à costa cuja profundidade


normalmente atinge duzentos metros e que, distante do litoral, cede lugar às inclinações
abruptas que conduzem aos fundos marinhos. O Estado costeiro tem o direito exclusivo
de explorar os recursos naturais encontrados sobre a plataforma e seu subsolo. Tal
direito é justificado pelo princípio da contiguidade141. Vale ressaltar que a menção à
soberania exclusiva de um Estado sobre sua plataforma continental também significa
direitos econômicos exclusivos sobre ela, não cabendo a outros Estados qualquer
pretensão de partilhar tais recursos, ainda que o Estado que detenha a soberania sobre
a referida região não a explore economicamente.

6. Alto-mar: O alto-mar é a parcela do mar que não se encontra sob jurisdição de nenhum
Estado. Por fim, a título de consolidação da matéria, cabe destacar que no alto-mar
vige o princípio da liberdade: é livre a navegação, assim como todas as formas
possíveis de aproveitamento econômico, e não existe interferência da soberania de
qualquer Estado. Tal liberdade só é restringida pela obrigação de utilizá-lo para fins
pacíficos e sempre respeitando os interesses dos demais Estados.

7. Estreitos: é um braço de mar, espécie de canal navegável de água que conecta duas
grandes massas de água navegáveis. É mais comum quando se refere a um canal de
água, que se situa entre duas massas terrestres, contudo a designação de estreito
também pode referir-se a um canal navegável através de um corpo de água, que por
outro lado não é navegável, por exemplo, por ser muito raso, ou, ainda, pelo fato de
conter um recife ou arquipélago.

8. Espaço extra-atmosférico: o primeiro instrumento internacional a regular o espaço


aéreo foi a Convenção de Paris de 1919, que adotou a teoria segundo a qual o Estado

141
Ibid.

78
exerce soberania completa e exclusiva sobre o espaço atmosférico acima de seu
território, sem prejuízo, no entanto, do direito de passagem inofensiva das aeronaves
de outros Estados. Já a Convenção de Chicago, de 1944, adotou a teoria das “cinco
liberdades do ar”, quis sejam: (i) liberdade de sobrevoo; (ii) liberdade de fazer escalas,
desde que sem caráter comercial; (iii) liberdade de embarcar; (iv) liberdade de
desembarcar; (v) liberdade de embarcar passageiros que se destinem ao território de
qualquer estado que participe da convenção 142. Já em relação ao espaço extra-
atmosférico, celebrou-se, em Nova York, o Tratado sobre Princípios Reguladores das
Atividades dos Estados na Exploração e uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua, e
Demais Corpos Celestes, em razão do “interesse que apresenta para toda a
humanidade o progresso da exploração e uso do espaço cósmico para fins pacíficos” 143.
O tratado impõe diversas obrigações, como a de não se apropriar do espaço sideral e
a de não colocar em órbita objeto portador de armas nucleares.

9. Zonas Polares: As zonas polares são as áreas da terra de latitudes mais altas, sendo
os seus extremos conhecidos por Polo Norte (região ártica) e Polo Sul (região antártica).
Nenhum Estado exerce soberania sobre o continente antártico, ao passo que, com
fundamento no princípio da contiguidade o Canadá, a Dinamarca, a Finlândia, a Islândia,
a Suécia, a Noruega, a Rússia e os Estados Unidos exercem soberania sobre a região
ártica. Vale destacar, porém, que o tratamento jurídico da região ártica, isto é, do Polo
Norte, é extremamente simplório, tendo em vista que há pouco – ou nenhum – interesse
econômico na região. Há grande interesse econômico na região do Polo Sul,
principalmente para pesquisas científicas e exploração de riquezas minerais, tendo sido
celebrado o Tratado da Antártica, em Washington, em 1959, para que fosse mantida a
investigação científica e para que os Estados pudessem cooperar entre si. O tratado
deixa claro, por exemplo, que a Antártica deve ser utilizada “exclusivamente para fins
pacíficos e não se converta em cenário ou objeto de discórdias internacionais”. Frise-se
que o regime jurídico estabelecido pelo tratado é o de não militarização da Antártica.

142
Convenção de Chicago. Disponível em: <https://www2.anac.gov.br/segVoo/historico.asp>. Acesso em: 1 nov. 2019.
143
Decreto 64.362/69. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D64362.html>. Acesso
em: 1 nov. 2019.
79
Mapa Mental

Marítimo

Direito Internacional Domínio Internacional

Aeronátutico

80
Referências Bibliográficas

ANAC: o que fazemos. Disponível em <https://www.anac.gov.br/A_Anac/o-que-fazemos>. Acesso


em: 16, Nov. 2019.

Código Brasileiro de Aeronáutica. Disponível em <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7565.htm>. Acesso em: 16, Nov. 2019.

Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Disponível em <


https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1990/decreto-99165-12-marco-1990-328535-
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Convenção de Chicago. Disponível em <https://www2.anac.gov.br/segVoo/historico.asp> . Acesso


em: 16, Nov. 2019.

Convenção sobre Aviação Civil Internacional. Disponível em <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D21713.htm> . Acesso em: 16, Nov. 2019.

Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional.


Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5910.htm. Acesso
em: 16, Nov. 2019.

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Brasileira de Direito Aeronáutico, Rio de Janeiro, 2011.

GOUVEIA, Jorge Bacelar (Coord.). Estudos de direito aéreo. Almedinas S.A.: Coimbra, 2007.

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Nov. 2019.

81
NOVO, Benigno Nuñes. Direito Aeronáutico. Disponível em < https://jus.com.br/artigos/62611/direito-
aeronautico-denominado-de-direito-aereo-segundo-a-classificacao-decimal-de-direito-aborda-as-
relacoes-juridicas-vinculadas-com-a-navegacao-aerea-o-transporte-aereo-no-campo-domestico-e-
internacional-e-a-aviacao-civil-em-geral> . Acesso em: 16, Nov. 2019.

Statute of the International Court of Justice. Disponível em <https://www.icj-cij.org/en/statute> .


Acesso em: 16, Nov. 2019.

TANAKA, Y. The International Law of the Sea. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, p.
370.

TENCOURT NETO, Olavo de Oliveira. Direito espacial contemporâneo: responsabilidade


internacional. 22. ed. Curitiba: Juruá, 2011.

82
11. Direito Processual Internacional

Diz-se que o Direito Processual Internacional é o conjunto de preceitos que visam


regular a aplicação das normas de Direito Internacional Privado no âmbito judicial. Suas
fontes são basicamente normas internas. No Brasil podemos citar a Constituição Federal, a
Lei de Introdução ao Código Civil, o Código de Processo Civil, o Regimento Interno do Superior
Tribunal de Justiça e outras leis processuais esparsas.

Existem também normas provenientes de tratados internacionais multilaterais e bilaterais.


No âmbito do Mercosul, foi firmado o "Protocolo de Las Leñas"144, de Cooperação e
Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, concluído
pelos governos da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai, em 27 de junho de 1992,
promulgado pelo Decreto nº. 2.067, de 12 de novembro de 1996, publicado no DOU de
13.11.96

11.1. Jurisdição. Competência relativa, concorrente, absoluta e exclusiva.


Litispendência.

Deve-se dizer que há uma atualização de terminologia trazida pelo Código de Processo
Civil. Sem adentrar a grandes questões simbólicas e hermenêuticas, nota-se que o CPC opta
por utilizar o termo Jurisdição ao invés de Competência - que era usada no CPC de 1973. De
fato, no novo CPC, os artigos 21-25 tratam dos “Limites à Jurisdição Nacional”, mencionando
a competência da autoridade judiciária brasileira.

A competência é baseada no próprio direito interno do Estado e determinará em que


medida o Estado exercerá o seu poder de jurisdição em consonância com o direito
internacional público no seu território quando existe uma conexão internacional de uma lide
submetida ao julgamento de um juízo nacional. Consequentemente, as normas sobre
competência internacional determinam a extensão da jurisdição nacional, em face da dos
outros Estados, conforme a legislação interna. É justamente segundo esta legislação que são
estabelecidos qual tribunal ou juiz julgará o litígio com conexão internacional. Apenas quando

144
Protocolo de Las Leñas. Disponível em: <http://cbar.org.br/site/legislacao-internacional/protocolo-de-las-lenas/>. Acesso
em: 3.nov.2019.
83
a Corte ou juiz for competente internacionalmente, as normas internas de competência não
serão aplicáveis.145

O juiz deve aplicar uma regra de conexão para determinar o direito aplicável ao caso
com elemento estrangeiro. Todavia, antes de aplicar o Direito Privado brasileiro, cabe ao juiz
perscrutar sobre sua competência, pois apenas se for competente poderá julgar o caso misto.
Assim, antes do conflito de leis no espaço, existiria um conflito internacional de jurisdição, que
deve ser resolvido com suporte na lex fori, mais precisamente no art. 12 da Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro e nos arts. 21,23 e 24 do Código de Processo Civil/2015.

Segundo o art. 12 da LINDB, “é competente à autoridade judiciária brasileira, quando


for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação. § 1 o Só à autoridade
judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil”146. Da
leitura do artigo, percebe-se uma diferença de tratamento, entre o caput e o § 1°, no que se
refere à competência do juiz brasileiro. Essa diferença permite-nos, assim, dividir a
competência do juiz brasileiro: a) competência concorrente: ação ajuizada contra réu
domiciliado no Brasil ou ação sobre obrigação que deva ser cumprida no Brasil; e b)
competência exclusiva: ação relativa à imóvel situado no Brasil.

Percebe-se que o art. 12 funciona como norma unilateral, pois determina em quais
situações o juiz brasileiro terá competência para resolver casos dotados de elemento
estrangeiro. Como anunciado, a jurisdição internacional brasileira está prevista nas hipóteses
dos arts. 21 a 23 do CPC, mas o rol, segundo o STF, não é exaustivo. Assim, pode haver
processos que não se encontram na relação contida nessas normas, e que, não obstante, são
passíveis de julgamento no Brasil. Deve-se analisar a existência de interesse da autoridade
judiciária brasileira no julgamento da causa, na possibilidade de execução da respectiva
sentença (princípio da efetividade) e na concordância, em algumas situações, pelas partes
envolvidas, em submeter o litígio à jurisdição nacional (princípio da submissão).

1. Competência concorrente ou relativa: Uma das hipóteses de competência


concorrente é aquela da ação ajuizada contra réu domiciliado no Brasil. O princípio
informador dessa regra é o actios equitor forum rei. Em outras palavras, a competência
do juiz nacional é determinada pelo critério domiciliar, não importando a condição de

145
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 443.
146
LINDB. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm> Acesso: em 3
nov.2019.
84
estrangeiro do réu. Ademais, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica
estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal (art. 21, parágrafo único, do NCPC).
Como o critério eleito para definir a competência é o domiciliar, cabe ao juiz bem definir
domicílio. Em tal tarefa, lançará mão dos arts. 70 e 71 do CC/2002147. A regra do art.
71 do CC/2002 é de grande utilidade nos casos com elemento estrangeiro, pois a
alegação de que o réu possui outra (s) residência (s), além da estabelecida no Brasil,
não elidirá a competência do juiz nacional, pois qualquer uma delas poderá ser
considerada seu domicílio. Cabe também esclarecer que "é também domicílio da
pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde essa é
exercida” (art. 72 do CC/2002). O art. 75 é utilizado para determinar o domicílio das
pessoas jurídicas. A regra geral é que tenham domicílio no local em que funcionarem
as respectivas diretorias e administrações, salvo a eleição de domicílio especial na
forma do estatuto ou atos constitutivos (art. 75, IV, do CC/2002). Mesmo que a
administração tiver sede no estrangeiro, será considerado domicílio da pessoa jurídica
o local de seu estabelecimento no Brasil. Outra hipótese de competência concorrente
é a que cuida de obrigações, contratuais ou extracontratuais, que devam ser cumpridas
no Brasil. Percebe-se que essa regra prescinde do critério domiciliar. Nesse sentido, o
STJ decidiu que é vedado às partes dispor (ex.: cláusula de eleição de foro) sobre a
competência concorrente de juiz brasileiro por força das normas fundadas na soberania
nacional, não suscetíveis à vontade dos interessados.148 Um exemplo ordinário é o
caso de um contrato internacional que estipule sua execução no Brasil. Tal situação
torna o juiz brasileiro competente, mas, ao mesmo tempo, não torna incompetente, por
exemplo, o juiz do país onde a obrigação foi constituída. A terceira hipótese é a
regulada pelo art. 21 do CPC, que dispõe acerca da competência concorrente sobre
ação originada de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil. O art. 22 do NCPC
expressamente atribui como parte da competência concorrente, ou relativa da
autoridade judiciária brasileira, julgar ações de alimentos quando (i) o credor tiver
domicílio ou residência no Brasil, ou (ii) o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como
posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios
econômicos. O juiz brasileiro, ainda, é relativamente competente para julgar as
seguintes ações: as decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver

147
Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 4 nov. 2019.
148
STJ, REsp 804.306/SP, 3a T., j. 19.08.2008, rei. Min. Nancy Andrighi, DJe 03.09.2008.
85
domicílio ou residência no Brasil (inciso li do art. 22); e as em que as partes, expressa
ou tacitamente, se submeteram à jurisdição nacional (inciso III do art. 22).
2. Competência exclusiva ou absoluta: O juiz brasileiro terá competência exclusiva
para conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil. Essa competência
exclusiva significa que nenhuma outra jurisdição poderá conhecer de ação que envolva
bem imóvel situado no Brasil. Assim, por exemplo, sentença estrangeira sobre bem
imóvel situado no Brasil nunca será reconhecida no Brasil, isto é, nunca irradiará efeitos
em território nacional. A regra fórum rei sitae aparece no art. 12, § 1°, da LINDB, e no
art. 89, I, do CPC- art. 23, I, no NCPC. O art. 89, inc. li, do CPC traz outra hipótese de
competência exclusiva: ao juiz brasileiro compete proceder a inventário e partilha de
bens, situados no Brasil, de titularidade de casal estrangeiro que tenha se divorciado
no estrangeiro. Essa previsão foi alargada no Novo CPC. A redação do inciso li do
artigo 23 do NCPC é a seguinte: "em matéria de sucessão hereditária, proceder à
confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no
Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha
domicílio fora do território nacional”. O Novo CPC ainda disciplina uma outra hipótese
configuradora de competência exclusiva do juiz brasileiro. O inciso III do artigo 23 do
NCPC dispõe que compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer
outra, em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à
partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira
ou tenha domicílio fora do território nacional. Por fim, o Novo CPC, de maneira
expressa, definiu que não será homologada a decisão estrangeira na hipótese de
competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira (art. 964 do NCPC).
3. Exclusão de competência: O artigo 25 do Novo CPC dispõe que não compete à
autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver
cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida
pelo réu na contestação. Todavia, tal previsão não se aplicará nos casos de
competência exclusiva ou absoluta do juiz brasileiro.

86
11.2. Cooperação Judiciária Internacional. Eficácia e Execução dos Atos
Processuais Estrangeiros.

A cooperação jurídica internacional - uma das maiores novidades do Novo CPC - é


instrumento jurídico através do qual um Estado pede ao outro que execute decisão sua ou
profira decisão própria sobre litígio que tem lugar em seu território.

Os pedidos de cooperação jurídica internacional, quando têm por objeto atos que não
exijam juízo de deliberação pelo STJ (ainda que levem impropriamente o nome de "carta
rogatória"), são revolvidos pelo próprio Ministério da Justiça, sem exequatur do STJ.

O NCPC inovou e trouxe capítulo específico sobre a cooperação internacional. É


importante destacar o passo do legislador no sentido de deixar as regras brasileiras em maior
sintonia com as práticas internacionais. As disposições gerais sobre o tema estão previstas
nos arts. 26 e 27 do NCPC. Segundo o art. 26: “A cooperação jurídica internacional será regida
por tratado de que o Brasil faz parte e observará: I - o respeito às garantias do devido processo
legal no Estado requerente; lI - a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros,
residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos,
assegurando-se assistência judiciária aos necessitados; III - a publicidade processual, exceto
nas hipóteses de sigilo previstas na legislação brasileira ou na do Estado requerente; IV - a
existência de autoridade central para recepção e transmissão dos pedidos de cooperação; V
– a espontaneidade na transmissão de informações a autoridades estrangeiras. § 1º Na
ausência de tratado, a cooperação jurídica internacional poderá realizar-se com base em
reciprocidade, manifestada por via diplomática. § 2º Não se exigirá a reciprocidade referida no
§ 1º para homologação de sentença estrangeira. § 3° Na cooperação jurídica internacional
não será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis
com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro. § 4° O Ministério da Justiça
exercerá as funções de autoridade central na ausência de designação específica.”149

Em relação à autoridade central apontada no inciso IV, cabe apontar que na ausência
de definição específica, a responsabilidade para exercer essa função será dada ao Ministério
de Justiça Art. 27. A cooperação jurídica internacional terá por objeto: I - citação, intimação e
notificação judicial e extrajudicial; lI - colheita de provas e obtenção de informações; III -

149
Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>.
Acesso em: 5 de nov. 2019.
87
homologação e cumprimento de decisão; IV- concessão de medida judicial de urgência; V
assistência jurídica internacional; VI - qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não
proibida pela lei brasileira.

Observações importantes:

1. A cooperação jurídica internacional prestada a Estados estrangeiros poderá ser


executada através de procedimentos administrativos ou judiciais.
2. Os pedidos de cooperação jurídica internacional serão executados pelos seguintes
meios:
I. Auxílio indireto: são as cartas rogatórias e ações de homologação de sentença
estrangeira.
II. Auxílio direto: é quando a cooperação não decorrer de cumprimento de decisão
de autoridade estrangeira (que exige exequatur) e puder ser integralmente
submetida à autoridade brasileira, o pedido seguirá o procedimento de auxílio
direto, constante nos arts. 28 e 29 do Novo CPC.

Na cooperação jurídica internacional, o controle deve ser realizado pelo Ministério da


Justiça.

Quanto ao objeto da cooperação jurídica, de acordo com o NCPC: “Art. 27. A


cooperação jurídica internacional terá por objeto: I - citação, intimação e notificação judicial e
extrajudicial; II - colheita de provas e obtenção de informações; III - homologação e
cumprimento de decisão; IV - concessão de medida judicial de urgência; V - assistência
jurídica internacional; VI - qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei
brasileira.”.

O Novo CPC determina, ainda, em seu artigo 40, que a cooperação jurídica internacional
para execução de decisão estrangeira dar-se-á por meio de carta rogatória ou de ação de
homologação de sentença estrangeira.

11.3. Cartas Rogatórias. Homologação de Sentença Estrangeira.

A homologação de sentença judicial estrangeira justifica-se por se tratar de ato de


Estado que se pretende seja executado e cumprido em território de outro. É um ato oficial
emitido por autoridade pública, o Poder Judiciário estrangeiro, que a autoridade pública do

88
país onde deve ser cumprido pode ou não admitir, dependendo de convenções internacionais,
de reciprocidade, ou da lei.

A Constituição Federal estabelece em seu artigo 105, I, “i”, que a homologação de


sentenças estrangeiras é competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A homologação
é um processo necessário para que a sentença proferida no exterior – ou qualquer ato não
judicial que, pela lei brasileira, tenha natureza de sentença – possa produzir efeitos no
Brasil150.

De acordo com o artigo 961 do novo Código de Processo Civil (CPC), a decisão
estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação.

No entanto, com o novo CPC, foi eliminada a exigência de homologação para a


sentença estrangeira de divórcio consensual simples ou puro, quando a decisão cuida apenas
da dissolução do casamento. Havendo envolvimento de guarda de filhos, alimentos ou partilha
de bens, a homologação do divórcio consensual continua necessária.

O procedimento de homologação está disciplinado nos artigos 216-A a 216-X do


Regimento Interno do STJ (RISTJ), introduzidos pela Emenda Regimental 18.

Os requisitos para a homologação de sentença estrangeira estão previstos no art. 963


do CPC e nos arts.216-C e 216-D do Regimento Interno do STJ.

A homologação de sentença estrangeira é um procedimento judicial que tem o objetivo


de dar executoriedade interna e externa a sentenças proferidas em outro país.

No Brasil, a competência para a homologação de sentença estrangeira é do Superior


Tribunal de Justiça, art.475, N, VI CPC (e o art. 483 CPC). De acordo com o que estabelece
o artigo 105, I, i, da Constituição Federal, com as modificações decorrentes da Emenda
Constitucional nº 45, de 2004, passa-se a ser de competência do STJ. No entanto, o juízo de
delibação do STJ é limitado, estando impedido de adentrar ao mérito da causa. Em
decorrência deste entendimento, a contestação ao pedido de homologação só poderá versar
sobre a autenticidade dos documentos, inteligência da decisão e observância dos requisitos
previstos na LINDB e na Resolução nº 9 do STJ.

150
Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em:
06.nov.2019.
89
Assim, um pedido de homologação será indeferido apenas se não houver cumprimento
de algum dos requisitos exigidos pela legislação ou caracterizar-se afronta à ordem pública,
soberania nacional e bons costumes. O artigo 15 da Lei de introdução ao Código Civil lista os
requisitos necessários para que a sentença estrangeira seja homologada: haver sido proferida
por juiz competente; terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificada à revelia;
ter transitada em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no
lugar em que foi proferida; estar traduzida por tradutor juramentado; ter sido homologada pelo
Superior Tribunal de Justiça.

Porém, observa-se que o artigo 15, parágrafo único, da Lei de Introdução as Normas
do Direito Brasileiro, foi expressamente revogado pela Lei 12.036/2009. Seu antigo conteúdo
mencionava que "não dependem de homologação as sentenças meramente declaratórias do
estado das pessoas". O Superior Tribunal de Justiça não teve ainda a oportunidade de se
manifestar sobre este assunto após a alteração legislativa, mas, considerando que o seu
entendimento é no sentido de que qualquer sentença estrangeira precisa ser homologada para
ter eficácia em território nacional (art. 4º da resolução nº 9 do STJ), e não havendo mais
determinação legal expressa prevendo a desnecessidade dessa homologação, impõe-se que
as sentenças declaratórias de mero estado precisem necessariamente ser homologadas por
este tribunal. Assim, após a revogação do parágrafo único, o provável caminho a ser seguido
pelo STJ será no sentido de exigir também a homologação de sentenças declaratórias de
mero estado de pessoas

Embora as sentenças estrangeiras possam ser homologadas, seus demais atos


produzidos não o são, e mais, precisam também passar pelo crivo da pessoa competente no
direito interno do país a que se destinam os efeitos do ato ou demais decisões (oitiva de
testemunhas, depoimentos pessoais, extradição...), ou seja, qualquer ato de jurisdição externa
para ter efeito no Brasil é feito através de carta rogatória.

Atualmente, é atribuição do Presidente do STJ homologar sentenças estrangeiras e conceder


exequatur às cartas rogatórias. Porém, havendo contestação, o processo será submetido a
julgamento da Corte Especial do STJ e distribuído a um dos Ministros que a compõem (Arts.
216-A e 216-O, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça).

A carta rogatória é meio processual adequado para a realização de diligências fora da


jurisdição de um determinado Estado, compreendendo tanto os atos ordinatórios (ex.: citação,

90
notificação judicial, cientificação, intimação etc.) como os instrutórios (ex.: coleta de provas).
Com o Novo CPC, abriu-se expressamente a possibilidade de também executar, via carta
rogatória, a decisão interlocutória estrangeira que concede medida de urgência (art. 960, § 1°,
do NCPC). Porém, quando se tratar de decisões terminativas de processos judiciais, a
execução delas, no Brasil, dependerá de prévia homologação pelo STJ. O fundamento para
utilização das cartas rogatórias reside ou em um tratado regulando o instituto processual ou
no acordo da reciprocidade, realizado pela via diplomática.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro em seu art. 12, § 2°, dá as


coordenadas sobre o assunto: “A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o
exequatur e segundo a forma estabelecida pela lei brasileira, as diligências deprecadas por
autoridade estrangeira competente, observando a lei desta quanto ao objeto das diligências”.

Assim, pode-se afirmar que o juiz brasileiro (rogado), após concedido o exequatur,
deverá cumprir a carta rogatória emitida pelo juiz estrangeiro (rogante). A redação do artigo
961, do NCPC, deixa bem claro a necessidade prévia de concessão de exequatur: "A decisão
estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação de sentença estrangeira ou
a concessão do exequatur às cartas rogatórias, salvo disposição em sentido contrário de lei
ou tratado”. No Brasil a carta rogatória para ser cumprida tem de receber o exequatur do
superior Tribunal de Justiça, recebendo-o a carta será cumprida no juízo federal de primeira
instância.

A legislação interna do Estado estrangeiro onde se deseja a homologação da sentença


proferida no Brasil determinará o procedimento para a homologação de sentenças oriundas
de autoridades brasileiras. Via de regra, será necessário requerer a homologação junto a um
tribunal ou corte estrangeira. Vide o item 7, a seguir, onde constam as regras observadas pelo
Brasil em casos semelhantes e que, geralmente, também são levadas em conta pelos outros
países.

Outra forma de solicitar, no exterior, a homologação de sentenças brasileiras em


matéria civil, é formular o pedido por meio de carta rogatória, desde que exista tratado
prevendo tal procedimento. Até o momento, é possível realizar pedidos da natureza com base
nos tratados bilaterais com a Espanha, a França e a Itália, bem como para Argentina, Bolívia,
Chile, Paraguai e Uruguai, com base no Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em

91
Matéria Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do MERCOSUL, a
República da Bolívia e a República do Chile.

O provimento final será uma decisão, homologando ou não a sentença estrangeira. Se


homologada, o advogado deverá proceder à sua execução que, no caso, se dará pela extração
da Carta de Sentença.

Após transitada em julgado a decisão que homologar a sentença estrangeira, cumpre


ao interessado requerer, independente de petição, a extração da “Carta de Sentença” (Art.
216-N do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça). Trata-se de um documento
expedido pela Coordenadoria de Execução Judicial mediante o pagamento de uma taxa.

De posse da Carta de Sentença, o advogado poderá proceder à execução da sentença


estrangeira na Justiça Federal competente.

É facultado ao autor do pedido apresentar a anuência da outra parte, o que acelera o


andamento do processo, uma vez que pode dispensar a citação do requerido. Se não for
apresentada, o presidente do STJ mandará citar a parte contrária por carta rogatória (se a
parte a ser citada reside no exterior) ou por carta de ordem (se reside no Brasil) para que
responda à ação.

O Brasil poderia deixar de reconhecer uma sentença judicial estrangeira se, por
exemplo, o país de onde proveio não reconhecer sentenças judiciais brasileiras, uma vez que
tal reconhecimento se inclui no quadro da colaboração judiciária entre os Estados. Ou
reconhecê-la em razão de tratado firmado com o país de onde proveio. Trata-se, sempre, de
ato de autoridade pública, como é o caso da sentença judicial, cujos efeitos devem-se produzir
no território subordinado à jurisdição de outro Estado. É comum a recusa de homologação de
sentença judicial estrangeira em virtude de não-observância de algum requisito da lei
brasileira, ou que o Supremo Tribunal Federal considere ofensivo à ordem pública brasileira,
aos bons costumes ou à soberania nacional. Em outras palavras, o ato oficial estrangeiro
somente será executado e cumprido no território brasileiro se a autoridade brasileira
competente o admitir. Por isso que o art. 181 da Constituição Federal, para evitar a aplicação
extraterritorial de atos judiciais ou administrativos estrangeiros no território brasileiro, dispôs
que “O atendimento de requisição de documento ou informação de natureza comercial, feita
por autoridade administrativa ou judiciária estrangeira, a pessoa física ou jurídica residente ou
domiciliada no País dependerá de autorização do Poder competente”. Entretanto, o artigo faz

92
referência apenas a ato de autoridade administrativa ou judiciária estrangeira, e o árbitro não
se enquadra nessa definição, pois é pessoa que age em cumprimento a contrato de natureza
privada.

Mapa Mental

Direito
Processual

Cooperação
Jurisdição
Internacional

Atos processuais
Auxílio direto Concorrente
estrangeiros

Absoluta e
Litispendência
Exclusiva

93
Referências Bibliográficas

Código Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> .


Acesso em: 16, Nov. 2019.

Código de Processo Civil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-


2018/2015/lei/l13105.htm> . Acesso em: 16, Nov. 2019.

Constituição Federal. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 16, Nov.
2019.

LINDB. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-


lei/Del4657compilado.htm> . Acesso em: 16, Nov. 2019.

Protocolo de Las Leñas. Disponível em <http://cbar.org.br/site/legislacao-


internacional/protocolo-de-las-lenas/> Acesso em 3.nov.2019.

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo:
Saraiva, 2003. p. 443.

94
12. Arbitragem Internacional

A arbitragem, no Brasil, tornou-se um meio cada vez mais usado para solucionar litígios.
Trata-se geralmente de causas de alto valor econômico e com contratos internacionais. A
principal lei, nesse contexto, é a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996) 151 que permite
instrumento ágil e célere na solução de controvérsias em um contexto em que o Brasil cada
vez mais se insere no comércio internacional. Há também a Lei 13.129/2015 que reformou
alguns pontos da Lei de Arbitragem152.

As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios


relativos a direitos patrimoniais disponíveis, de acordo com o artigo 1º da Lei de
Arbitragem. As partes, então, têm autonomia para escolher, livremente, não só as regras de
direito que serão aplicadas na arbitragem - desde que não haja violação aos bons costumes
e à ordem pública, como também se a arbitragem irá se basear também em princípios gerais
de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.

Quanto a quem pode ser sujeito de arbitragem, pelo art. 1º da Lei nº 9.307/96, somente
pessoas capazes de contratar poderão submeter-se à arbitragem. Podem submeter-se à
arbitragem pessoas naturais ou jurídicas, de direito privado ou de direito público. As entidades
integrantes da Administração Pública, direta ou indireta, por terem capacidade de contratar,
atendem à exigência da Lei nº 9.307/96 para submeter litígios à arbitragem. Em relações de
consumo, o Código de Defesa do Consumidor explicita que “são nulas de pleno direito, entre
outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: VII -
determinem a utilização compulsória de arbitragem”. Portanto, o consumidor não é obrigado
a procurar a Corte de Arbitragem, mas, sim, dá a ele essa opção, visto que o consumidor é
considerado hipossuficiente.

Deve-se enfatizar que, excluindo-se os temas não suscetíveis de serem submetidos a


procedimento arbitral (litígios relativos a Direito Tributário, Direito Criminal, Direito de Família
e Sucessão - salvo matérias de natureza exclusivamente patrimonial e disponível), as
disposições da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB) ficam afastadas pelo
critério de especialidade, pois a Lei de Arbitragem é lei especial, além de ser posterior. Desse
modo, nos contratos que preveem a arbitragem, é possível a escolha da lei.

151
Lei 9.307/96. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm>. Aceso em: 02 nov. 2019
152
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direto Internacional Privado. São Paulo: Saraiva Educaão:2018. p. 420
95
12.1. Homologação de Laudos ou de Sentenças Arbitrais Estrangeiras

É necessário clarificar que o procedimento arbitral antigamente era denominado “laudo


arbitral”. Com o advento da Lei nº 9.307, de 1996, alterou-se a denominação do ato decisório
do árbitro para “sentença”, conforme pode-se averiguar no artigo 23.

O laudo arbitral é ato privado, proferido por pessoa ou pessoas naturais, despidas de
qualquer autoridade pública e não atuando em nome de qualquer país. Segundo o parágrafo
único do art. 34 da Lei nº 9.307/96, é estrangeiro o laudo arbitral produzido fora do território
nacional. A Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças
Arbitrais Estrangeiras parte do mesmo princípio; porém, em seu art. 1º, amplia essa definição,
permitindo que o país no qual é requerido o reconhecimento e a execução da sentença arbitral
alienígena aplique suas regras a todas as decisões tidas como estrangeiras conforme sua
legislação interna. O local onde foi proferido o laudo, assim, caracteriza-se a nacionalidade.
Deve-se atentar que nem sempre é fácil distinguir a arbitragem estrangeira da arbitragem
internacional. A primeira resolve um litígio subordinado inteiramente a uma ordem jurídica
nacional determinada, em que todos os elementos da relação jurídica controvertida estão
sujeitos a essa ordem jurídica. Já a arbitragem internacional soluciona controvérsia de caráter
internacional, seja porque as partes possuam domicílio em diferentes países, seja porque o
objeto do contrato se situe em outra ordem jurídica, seja, ainda, porque o pagamento deva
transitar de um país para outro. Em outras palavras, a relação jurídica controvertida envolve
mais de uma ordem jurídica nacional, embora possa ser regida por uma lei nacional. Assim,
um contrato celebrado no Brasil, regido pela lei brasileira, mas tendo como partes pessoas
domiciliadas em países diversos, ou tendo por objeto direito ou bem situado em outro país,
não é um contrato nacional, mas internacional e pode ter tratamento jurídico diverso 153.

A execução da sentença arbitral, no Brasil, tem o mesmo caráter do cumprimento de contrato


internacional firmado fora do país e aqui cumprido, não se cogitando de submetê-lo à prévia
apreciação do Judiciário. Em caso de descumprimento, a parte interessada poderá ingressar
com ação judicial, caso em que, e somente nesse caso, o Poder Judiciário, como faria com
qualquer contrato, mesmo nacional, examinará sua adequação a princípios jurídicos do país.

A homologação, por sua vez, é o trâmite processual por meio do qual a justiça togada
exerce controle sobre alguns dos elementos e dos aspectos da sentença estrangeira, seja ela

153
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direto Internacional Privado. São Paulo: Saraiva Educaão:2018. p. 420-425
96
arbitral ou estatal, para obter uma declaração no sentido de que a decisão goza das condições
exigidas pela lei interna ou tratado internacional aplicável para ser executada. Cumpre frisar
que ela não implica uma análise de mérito, mas apenas uma avaliação de requisitos
meramente formais. Já a execução tem caráter diverso, e apresenta-se com nítido caráter
coercitivo na medida em que, além de possibilitar o reconhecimento da decisão estrangeira,
permite que a parte interessada requeira ao tribunal a utilização dos meios coativos
necessários à satisfação do julgado

A arbitragem é regida pelo Direito brasileiro, mas, por ser o laudo proferido no exterior,
será estrangeira e, assim, sujeito à homologação do Supremo Tribunal Federal. Realmente,
de acordo com a lei, para ser reconhecido ou executado no Brasil, a sentença arbitral emitida
em outro país depende de homologação do Supremo Tribunal Federal, não prevendo a
homologação judicial de sentença arbitral proferida no Brasil. Portanto, para essa decisão ser
reconhecida no Brasil, basta tão somente sua homologação no órgão jurisdicional competente,
segundo o art. 35 da Lei de Arbitragem. A Constituição Federal de 1988154 atribuiu ao Superior
Tribunal de Justiça – STJ, por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004, competência
originária para, em instância de mera delibação, homologar a sentença estrangeira que
não se revele ofensiva à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes.

No entanto, apesar dessas considerações, a Lei nº 9.307/96, equivocadamente,


subordina o reconhecimento e execução da sentença arbitral produzida no exterior à prévia
homologação pelo Supremo Tribunal Federal. Tendo em vista, contudo, que a sentença
arbitral constitui ato privado e que a competência constitucional daquela Corte se refere à
homologação de sentenças judiciais estrangeiras – e não atos de natureza privada –, a norma
deve ser interpretada em caráter restritivo e de acordo com as características próprias da
arbitragem e do laudo arbitral.

Atenção: a lei 9.307/96, ao exigir a homologação do laudo arbitral estrangeiro pelo


Supremo Tribunal Federal, estaria suportada pela norma da alínea h do art.102 da
Constituição, pois esta dispõe que compete àquela Corte, originariamente, “a homologação
das sentenças estrangeiras e a concessão do exequatur às cartas rogatórias, que podem ser
conferidas pelo regimento interno a seu Presidente”. A sentença estrangeira a que se refere
este dispositivo constitucional se refere à sentença judicial estrangeira, provinda de Estado

154
Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em:
5 nov. 2019.
97
estrangeiro e, portanto, dotada de caráter oficial. Apesar da nomenclatura utilizada pela Lei nº
9.307/96, a sentença arbitral não tem caráter judicial, e o artifício utilizado de assim
denominá-lo não lhe altera o caráter de ato privado, desprovido de autoridade pública.

Mapa Mental

Arbitragem

Arbitragem
Internacional

Homologação de Laudos
ou de Sentenças Arbitrais
Estrangeiras

98
Referências Bibliográficas

Constituição Federal. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 16, Nov. 2019.

Lei 9.307/96. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm> . Acesso em: 16,


Nov. 2019.

RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direto Internacional Privado. São Paulo: Saraiva
Educação:2018. p. 420.

99

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