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Salazar e os meios de opressão do regime

António de Oliveira Salazar é uma figura incontornável da história política


portuguesa do século XX. Odiado por uns, venerado por outros, manteve-se no poder
durante cerca de quarenta anos.
Em 1928, durante o período da chamada ditadura militar, foi nomeado ministro das
finanças pelo então Presidente da República, general Óscar Carmona para eliminar o défice
financeiro de Portugal. Com efeito, Salazar cumpriu o objectivo que lhe era proposto,
tornando-se assim o mais prestigiado ministro deste primeiro período de ditadura.
Em 1933, um ano após Salazar assumir o cargo de Presidente do Conselho
(Primeiro-Ministro), termina o período de Ditadura Militar e dá-se início àquele a que
chamaram “Estado Novo” ou regime Salazarista. É também em 1933 que aparece a nova
Constituição que sendo criada por Salazar vai ser uma das bases do seu regime.
Teoricamente, esta garante as principais liberdades individuais bem como os direitos dos
cidadãos, porém estes encontram-se sempre subordinados ao interesse do Estado, de
acordo com a velha máxima do regime: “tudo pela nação, nada contra a nação”.
A nova Constituição previa ainda a existência de liberdade de voto, porém, em 1930
havia sido criado pelo governo o partido oficial, União Nacional, único autorizado.
Digamos que todos eram livres de votar na União Nacional.
Além dos meios de opressão propriamente ditos de que falarei mais à frente,
Salazar criou uma estrutura de tal forma organizada que lhe foi possível governar durante
cerca de quarenta anos, sempre com total controlo da população.
Hoje em dia, trinta e dois anos após o final do regime salazarista, com a liberdade
restituída e bastante informação sobre o assunto, é fácil repor a verdade dos factos e
“desmontar” toda a estrutura do regime para melhor o compreender e para melhor
compreender também como foi possível à população suportar 40 anos de hipocrisia. Se
analisarmos o regime à luz deste final de século, facilmente percebemos que tudo se
baseava num jogo de “ser” e “parecer”. O importante era manter uma boa imagem e disso
Salazar cuidava como ninguém. A mentalidade da população era moldada de diversas
formas. Aos sete anos entrava-se para a escola primária onde se ensinava “a lição de
Salazar”. Frases como “mandar não é escravizar, é dirigir. Quanto mais fácil for a
obediência, mais suave é o mando” ou “na família o chefe é o pai; na escola o chefe é o
mestre; no Estado o chefe é o Governo”1 intercalavam os textos dos livros de leitura do
ensino primário e iam de encontro à trilogia salazarista: “Deus, Pátria e Família”. De facto,
as crianças eram ensinadas desde cedo a obedecer cegamente ao pai, chefe de família, a
Deus e ao Presidente do Conselho cujo único objectivo era zelar pelo bem da nação. Além
da escola, as crianças deviam pertencer à “Mocidade Portuguesa” que, à semelhança das
juventudes hitleriana e fascista, tinha como objectivo incutir-lhes o sentido de obediência a
Salazar (chefe de Governo) bem como o espírito nacionalista. Salazar não tinha grande
interesse na educação da população, quanto menos instruída fosse mais fácil seria o seu
“caminho”.
Outra regra fundamental para a população era não ambicionar mais do que aquilo
que tinham.Nunca os interesses individuais se deveriam sobrepor aos nacionais! Era um
país de gente “pobrezinha mas honrada”!
Era com este tipo de ensinamentos que Salazar conseguia manter a população
calada e é claro, a existência de uma polícia política facilitava bastante o processo. A
P.I.D.E./D.G.S. (Polícia Internacional de Defesa do Estado/ Direcção Geral de
Segurança) foi de facto uma das maiores armas do regime, na minha opinião talvez a pior.
Congénere da Gestapo alemã, a P.I.D.E. surge no início da Ditadura Militar e só vai

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Páginas 41 e 87 de Leituras para o Ensino Primário – Quarta Classe

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Salazar e os meios de opressão do regime

extinguir-se em 1974, com a “revolução dos cravos”. Durante estes quarenta e oito anos
não olhou a meios para atingir o seu fim: manter a integridade do regime.
Foram cerca de 22800 pessoas que mantiveram a P.I.D.E. durante os seus 48 anos
de existência, desde inspectores a agentes, informadores, etc... A acrescentar a estes há
ainda os cerca de 200 mil indivíduos de ambos os sexos que não pertencendo à
organização, colaboravam com ela e estavam sempre prontos a denunciar o próximo em
troca de alguns escudos. Esta é mais uma forma de ver o resultado da “lição de Salazar”:
em troca de meia dúzia de escudos denuncia-se o vizinho, o amigo e até, porque não, o pai,
tudo “para bem da nação”.
Pior do que tudo isto é pensar que nem sequer era necessário nenhum tipo de
provas para partir para a acção e prender, humilhar, torturar qualquer pessoa. Bastava uma
simples denúncia para que a P.I.D.E., mesmo sem mandato de captura, entrasse de
madrugada na casa do “inimigo da nação”, revistasse tudo, apreendesse todos os cartazes
de movimentos da oposição, livros com ideologias diferentes, fotografias, discos, etc...
Podemos ainda imaginar o número de “inocentes” que julgou e torturou...Bom, inocentes
eram todos, ou quase, uma vez que ninguém pode ser julgado por ter ideais diferentes, mas
no clima de má fé em que se vivia, quantos não terão sido falsamente acusados?
Os métodos utilizados para fazer o acusado confessar os seus ideais ou denunciar
amigos e familiares eram muito variados e de tal forma cruéis que se torna difícil acreditar
que algum ser humano no seu estado normal fosse capaz de os aplicar.
As prisões e as buscas eram quase sempre efectuadas de noite ou de madrugada,
enquanto toda a população dormia, para manter a imagem do regime (é de notar, mais uma
vez, a primazia da aparência sobre a realidade) e geralmente sem qualquer documento
comprovativo da acusação, nem tão pouco um esclarecimento da situação.
Chegado à prisão, o preso era fotografado e eram-lhe tiradas as impressões digitais,
o cabelo era cortado e os seus objectos pessoais apreendidos. De seguida era colocado
numa pequena cela (paredes nuas, mesa, cadeira, cama e casa de banho), geralmente
sozinho onde permanecia até ao dia do interrogatório (o tempo que decorria entre o
período de isolamento e o interrogatório era variável). Durante o período que antecedia o
interrogatório eram proibidas revistas, livros, correspondência e visitas. O preso
encontrava-se totalmente isolado do mundo e os resultados faziam-se sentir: agitação,
agressividade, descuido com a higiene pessoal, debilidade física, entre outras.
O interrogatório era feito numa sala especial a 200 metros do bloco da prisão. As
visitas do médico eram frequentes para que os torturadores não deixassem o preso numa
situação irreversível, ou para disfarçar os vestígios de uma tortura demasiado violenta.
Para conseguirem que o preso admitisse o seu envolvimento com a oposição,
denunciasse outros nomes envolvidos ou fizesse qualquer outra coisa que justificasse a sua
prisão, eram usados os mais variados métodos, combinados sempre de formas diferentes
para que o resultado fosse o melhor possível. Uma vez acusado, o indivíduo não mais se
escaparia das torturas “pidescas”. O sistema estava de tal forma corrompido que este já não
era “inocente até prova em contrário”, mas sim culpado até admitir que tinha feito
qualquer coisa (ainda que não fosse verdade) e cumprir a sua pena. Assim, duas horas após
ter adormecido o preso era levado para a sala de interrogatório e exposto durante tempo
variável (desde umas horas a vários dias) às torturas que os agentes entendiam ser mais
eficazes. São de destacar a tortura do sono, a estátua, o uso de altifalantes, as ameaças
pessoais e familiares ou ainda os maus tratos (físicos e psicológicos).
A tortura do sono era uma das mais “utilizadas” pelos pides e as suas
consequências para a saúde das mais graves. Depois de vários dias consecutivos sem
dormir o preso começava a ter alucinações, amnésia, ideias delirantes, perturbações
urinárias e cardiovasculares, úlceras, fracturas provocadas pelo seu estado psíquico que por
vezes levava ao suicídio.

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A estátua, embora dolorosa não tinha repercussões tão graves para a saúde do
preso. Este deveria estar de pé, voltado para a parede, com os braços abertos até confessar
alguma coisa.
Os efeitos do uso de altifalantes eram de certa forma semelhantes aos da tortura do
sono (alucinações, amnésia, dificuldade de concentração...).Para que o preso ficasse
desorientado, eram transmitidas para a sala de tortura gravações de gritos e choros que o
levavam a pensar que também os seus familiares e amigos estavam a ser torturados.
A ditadura salazarista possuía também, à semelhança da Nazi, campos de
concentração/trabalho (Tarrafal e Machava) para onde eram enviados os opositores ao
regime. As condições aqui eram bastante piores do que nas prisões: não havia assistência
médica, a alimentação era de péssima qualidade (os animais eram cozinhados doentes, as
frutas servidas fora de época...), a água era imprópria para consumo, a roupa insuficiente, o
clima rigoroso e não havia as mínimas condições de higiene. Grande parte dos presos
encontravam-se por razões óbvias doentes, ainda assim tinham de trabalhar sob pena de
serem castigados. A “frigideira” ou “torradeira” era um cubículo de cimento de pequenas
dimensões, com um buraco no tecto e uma porta de ferro blindada. Durante o dia o calor
era tal que chegavam a formar-se gotas no tecto, da transpiração dos presos que lá estavam
(sempre em número muito superior àquele que o pequeno cubículo deveria comportar). À
noite, pelo contrário, o frio que se fazia sentir era tal que a única roupa que possuíam (farda
do campo) era insuficiente. Esta situação era de facto insustentável e o número de presos ia
diminuindo com o tempo (uns suicidavam-se, outros morriam com as doenças que se
propagavam por lá).
Claro que este tipo acção por parte da polícia política só foi possível porque os
meios de comunicação estavam também sob controlo de Salazar, através da comissão de
censura. Nada era publicado ou difundido sem a aprovação dos censores. Estes
procuravam sobretudo artigos políticos e morais, com especial incidência nos autores da
oposição, cujo conteúdo seria muito provavelmente “perigoso” para a saúde do regime.
Face a isto os autores/escritores censurados tinham duas alternativas: ou se
exilavam (como foi o caso de Manuel Alegre) ou escreviam aquilo que o governo queria ler.
Na minha opinião Salazar foi um pouco “vítima” do seu desinteresse pela instrução da
população, em especial daqueles que deveriam fazer cumprir as suas ordens. Autores como
Luís de Sttau Monteiro e José Gomes Ferreira conseguiram enganar os censores através do
uso de metáforas (Felizmente há Luar! e As aventuras de João Sem Medo) bem como pela
publicação de textos sem qualquer tipo de pontuação (redacções da Guidinha), passíveis de
serem interpretados de diversas formas, acabando por publicar os seus livros com as
respectivas críticas ao regime.
Vinte e seis anos após a revolução que pôs termo ao regime ditatorial em Portugal,
há quem diga que seria preciso outro Salazar para levantar o país e voltar a pô-lo como
antigamente. Será? Na minha opinião essa não seria a solução. Voltar a estar isolada do
resto do mundo, “orgulhosamente só”, num país de “brandos costumes” como os da
P.I.D.E. e sujeita a ser denunciada por um amigo ou familiar, não é com certeza aquilo que
mais desejo.

Joana Reis, 1990/2000

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