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Este livro ou qualquer pane dele

não pode ser reproduzido por qualquer meio


sem autorização escrita do Editor
Impresso no Brasil

Editora Universidade de Brasília


Campus Universitário - Asa Norte
70910 - Brasília - Distrito Federal

Título original: Bismarck and his times

Copyright © 1978 by Southern Illinois University Press


Direitos exclusivos para esta edição:
Editora Universidade de Brasília
k EQU1PE TÉCNICA

6 Editores:
Lúcio Reiner, Manuel Montenegro da Cruz, 1
Maria Riza Bapdsta Dutra e Maria Rosa Magalhães.
Supervisor Gráfico:
Elmano Rodrigues Pinheiro.
Supervisor de Revisão:
José Reis.
Controladores de Texto:
Antônio Carlos Aires Maranhào, Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes,
Clarice Santos, Fernanda Borges, Laís Serra Bátor, Maria dei Puy Diezde Uré Helinger,
Maria Helena Miranda, Mônica Fernandes Guimarães, Patrícia Maria Silva de Assis,
Thelma Rosane Pereira de Souza, Wilma G. Rosas Saltarelli

Ficha catalográfica
preparada pela Biblioteca Central da UnB

Kent, George O. ,1919—


B622k Bismarck e seu tempo. Trad. de Lucia P. Cal­
das de Moura- Brasília, Editora Universidade de
Brasília, 1982.
152p. (Coleção Itinerários).

929 B622k 943.074/.084


Bismarck, Otto von, 1815-1898. I
t
série
SUMÁRIO

PREFÁCIO 3
1. A juventude de Bismarck 5

2. Bismarck e a Revolução de 1848 15

3. Frankfurt, São Petersburgo, Paris, 1851-1862 27

1. A nomeação de Bismarck e o Conflito Constitucional na Prússia 37

>. As três Guerras de Bismarck .49

.. O novo “Reich” 85

A política externa de Bismarck 115

A demissão de Bismarck 137

IBismarck reavaliado 143

«SAIO BIBLIOGRÁFICO 145


[ Este livro ou qualquer pane dele
não pode ser reproduzido por qualquer meio
sem autorização escrita do Editor

Impresso no Brasil

Editora Universidade de Brasília


Campus Universitário - Asa Norte
70910 - Brasília - Distrito Federal

Título original: Bismarck and his times

Copyright © 1978 by Southern Illinois University Press

Direitos exclusivos para esta edição:


Editora Universidade de Brasília

> L EQUIPE TÉCNICA

6 o c?ç &L Editores:


Lúcio Reiner, Manuel Montenegro da Cruz, 1
Maria Riza Baptista Dutra e Maria Rosa Magalhães.
Supervisor Gráfico:
Elmano Rodrigues Pinheiro.
Supervisor de Revisão:
José Reis.
Controladores de Texto:
Antônio Carlos Aires Maranhão, Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes,
Clarice Santos, Fernanda Borges, Laís Serra Bátor, Maria dei Puy Diezde Uré Helinger,
Maria Helena Miranda, Mônica Fernandes Guimarães, Patrícia Maria Silva de Assis,
Thelma Rosane Pereira de Souza, Wilma G. Rosas Saltarelli

Ficha catalográfica
preparada pela Biblioteca Central da UnB

Kent, George O. ,1919— 1


B622k Bismarck e seu tempo. Trad. de Lucia P. Cal­
das de Moura. Brasília, Editora Universidade de
Brasília, 1982.
152p. (Coleção Itinerários).

929 B622k 943.074/.084


Bismarck, Otto von, 1815-1898.
t
série
“U MÁRIO

REFÁCIO 3

. A juventude de Bismarck 5

. Bismarck e a Revolução de 1848 15

. Frankfurt, São Petersburgo, Paris, 1851-1862 27

A nomeação de Bismarck e o Conflito Constitucional na Prússia 37

. As três Guerras de Bismarck 49

. O novo “Reich” 85

. A política externa de Bismarck 115

A demissão de Bismarck 137

Bismarck reavaliado 143

MSAIO BIBLIOGRÁFICO 145

I
PREFÁCIO

Este livro faz um breve relato da vida e das políticas de Otto von Bismarck, tendo
como pano de fundo a Alemanha do século dezenove e se baseia na literatura
surgida depois da Segunda Guerra Mundial. O objetivo deste estudo é familiarizar
os estudantes e o leitor em geral com um resumo dessa literatura1.

Há uma geração atrás, esta tarefa teria sido relativamente fácil. Então, os
historiadores se preocupavam com a história política, particularmente com o
nacionalismo germânico e, com poucas exceções, consideravam Bismarck um dos
maiores estadistas de todos os tempos. A Segunda Guerra Mundial mudou seu
ponto de vista e sua ênfase. Hoje, a história política, apesar de nos dar a base e a
moldura geral para qualquer biografia de Bismarck, é complementada pela
história econômica, social, constitucional e mais recentemente pela história
psicológica2.

Assim como Lincoln e a Guerra Civil dominaram a história dos Estados


Unidos em fins do século passado e em princípios deste século, Bismarck dominou
o pensamento político e a literatura histórica alemães desde sua morte em 1898 até
o romper da Segunda Guerra Mundial. Como outro historiador observou, as
mudanças nas interpretações históricas de Bismarck refletem os altos e baixos do
conhecimento histórico alemão durante este período3. Só depois da derrota da
Alemanha na Segunda Guerra Mundial a personalidade e políticas de Bismarck e
os eventos que condicionaram a unificação alemã deixaram de ser tema político
para os historiadores alemães. Esta mudança de ênfase levou, depois da Segunda
Guerra Mundial, à reavaliação e revisão da moderna história alemã4.

As notas historiográficas e o ensaio bibliográfico constantes deste volume


fornecerão ao estudante sério de história uma orientação na complexidade do
conhecimento histórico relativo a Bismarck e seu tempo. Para o leitor em geral, o
texto principal apresenta um quadro do homem, os resultados e a época, à luz da
pesquisa moderna.

UM QUADRO DO RECONHECIMENTO SE ESTENDE AOS EDITORES


pela permissão de citar as seguintes fontes: Koppel S. Pinson, “Modern Germany,
its History and Civilization” (New York; The Macmillan Company); Fritz Stem,
“The Failure of Illiberalism: Essays on the Polidcal Culture of Modem Germany”
(New York: Alfred A. Knopf, Inc., 1982); Fritz Stern, “Gold and Iron: Bismarck,
r
4 George O. Kent

Bleichoroeder and the Building of the German Empire” (New York: Alfred A.
Knopf, inc. 1977).

Sou grato a muitas pessoas que me ajudaram na preparação deste estudo,


entre as quais alguns leitores anônimos cujos comentários e críticas aprimoraram
os primeiros rascunhos, assim como ao pessoal da “McKeldim Library” da
Universidade de Maryland que prestou valiosa assistência. Contudo, meu maior
reconhecimento ê para Marthe - “sine ea nihil”.

George O. Kent

Washington, D.C.
Junho de 1977

NOTAS

1. O melhor e mais abrangente resumo dos pontos de vista dos historiadores sobre Bismarck. desde
1920 até os anos 50, é o de Oito Pflanze, “Bismarck and the Development of Germany, vol. 1, The
Period of Unification, 1815-1871” (Princeton, 1963), páginas 3-8. Eu indiquei as mudanças mais
significativas da recente literatura histórica nestas notas.

2. Aos familiarizados com a história americana e com os escritos de Charles A. Beard pode parecer
estranho que os aspectos econômicos, sociais e constitucionais tenham sido negligenciados nos escritos
históricos germânicos por tanto tempo. Um exame dos livros mais populares, anteriores a 1940, sobre
Bismarck e a unificação germânica mostrará, porém, que a grande maioria tratava da história política,
negligenciando todos os outros aspectos.

3. M. Stuermer, ed., “Bismarck und die Preussisch-Deutsche Politik,” 1871-1890, (Munique, 1970),
p. 25.

4. Para um exame do que foi escrito recentemente sobre a história germânica veja Geoffrey
Barraclough, “Mandarins and Nazis: Part I,” (The New York Review of Books, 19 de outubro de 1972,
páginas 37-43); “The Liberais and German History: Part II,” ibid., 2 de novembro de 1972, páginas 32-
38; “A New View of German History. Part III,”, ibid., 16 de novembro de 1972, páginas 25-31.
1. A JUVENTUDE DE BISMARCK.

Oito von Bismarck nasceu em Schoenhausen, em Branderburgo, na Prússia,


em 1.° de abril de 1815, durante os Cem Dias, e faleceu em Friedrichsruh, perto de
Hamburgo, em 30 de junho de 1898, quando as potências européias estavam
repartindo a África e estendendo seu domínio sobre grande parte da Ásia. Sua vida
se estendeu por quase um século em importante período de desenvolvimento da
Europa moderna e crucial para a Alemanha. Para compreender as mudanças que
ocorreram durante a vida de Bismarck, é necessário examinar a situação européia
quando Napoleão foi enviado para seu primeiro exílio.

O Congresso de Viena (setembro de 1814 a junho de 1815) resolveu os levantes


políticos que se seguiram às guerras revolucionárias e napoleônicas; neste
processo, o Congresso criou uma nova ordem na Europa Central, que sobreviveu
quase meio século. Esta ordem se baseava preliminarmente em um novo arranjo
político e territorial em que predominava o Império Austríaco; o Reino da Prússia
(ampliado para o ocidente a fim de formar uma barreira contra a França) tornou-se
a segunda potência. A Áustria, a Prússia, trinta e três outros principados e quatro
cidades livres formavam a Confederação Germânica. Entre esses trinta e três
estados, os mais importantes eram a Baviera, Wuertemberg, Baden, Hanover e a
Saxônia (comumente chamados de “Estados alemães menores" ou de "Terceira
Alemanha”)1. A Confederação era um agrupamento frouxo de estados soberanos,
que tinham sua reunião permanente na Dieta Federal de Frankfurt. O arquiteto e
líder da confederação era o chanceler austríaco, Príncipe Clemens von Metternich,
que deu seu nome ao sistema e ao período em que esteve em vigor.

A derrocada de Napoleào pouco alterou as condições sociais e econômicas da


Europa Central, embora a Revolução Francesa, a ocupação pelos franceses de
grande parte da Alemanha2 e as guerras de libertação deixassem suas marcas. As
mudanças que ocorreram foram desiguais e geralmente mais extensas a oeste do
que a leste. A propagação gradual das revoluções industrial e agrícola foi
acompanhada por um também gradual abandono dos vesugios do sistema feudal,
cujo declínio beneficiou mais os proprietários da terra e a burguesia do que o
camponês3.

Os camponeses, usualmente incapazes de se manter nas próprias terras4, se


dedicaram a indústrias caseiras, principalmente à fiação e à tecelagem, e quando
estas foram ultrapassadas pelas máquinas em 1830/1840, estes camponeses se
6 George O. Kent

juntaram às fileiras das massas despojadas e urbanas que desempenharam papel


tão importante nas revoluções de meados do século, nos estágios iniciais.

Os ganhos da burguesia eram principalmente econômicos, ocasionalmente


sociais e raramente políticos. O fato da burguesia na Europa Central nào ter
alcançado força política, a despeito de suas realizações econômicas (em contraste
com o modelo inglês), levou subseqüentemente aos principais conflitos constitu­
l cionais e políticos da Alemanha na segunda metade do século XIX.

Os privilégios e poderes da nobreza permaneceram intatos. A terra, especial­


mente no leste, era ainda a maior fonte de riqueza e, apesar da influência da
Revolução Francesa haver afetado alguns privilégios dos nobres, a nobreza
mantinha sua posição social. As reformas de Stein-Hardenberg de 1807/8 tinham
sido apenas um começo sem sucesso de uma ordem social mais eqüitativa5.

Em Altmark, lar dos Bismarcks por mais de cinco séculos, as condições nào
eram diferentes das existentes no norte e no leste da Prússia. Em princípios do
século XVIII, os Bismarcks adquiriram Schoenhausen, uma propriedade cercada
de areia e de florestas de pinheiros na planície aluvional do Elba, perto de
Tangermuende e de Stendal. Foi ali que nasceu Otto von Bismarck. Seus
antepassados vinham da nobreza e da alta burguesia. No lado paterno, a família
poderia ser localizada até o século XIII, parte da nobreza de Brandenburgo cujos
membros combateram na Guerra dos Trinta Anos, nos exércitos francês e sueco,
por toda a Europa. Apegaram-se à terra, serviram como bailios e juizes, levaram
ridas frugais e sóbrias, e raramente tinham maiores ambições. Embora leais a seu
soberano, eram gente independente. Frederico Guilherme I observou certa vez
que os Bismarcks, os Schulenburgs, os Knesebecks e os Alvenslebens eram
peculiarmente desobedientes a seus soberanos e aconselhou seu sucessor a manter
olho vivo sobre eles. Augusto Frederico, avô de Otto, era conhecido por sua rudeza t
e sua capacidade de beber, bem como por suas proezas como caçador, cavaleiro e
soldado. O pai de Otto, Ferdinando, de índole mais branda, estava mais
interessado em melhorar suas propriedades. Aos trinta e cinco anos desposou
Guilhermina Mencken, de 17 anos, em Potsdan (6 de julho de 1806)6.

Os Menckens (dos quais descendia H. L. Mencken, o crítico literário


americano) descendiam de uma família mercante de Oldenburg, alguns dos quais
alcançaram renome nos círculos literários e acadêmicos durante o século dezoito.
O membro mais ilustre da família, Anastasius Ludwig (nascidoêm 1 752), tornou-
se diplomata e secretário de gabinete de Frederico, o Grande. Em sua capacidade
funcional, ele propôs algumas das mudanças administrativas que serviram de base
às reformas do Barão von Stein. Sua filha Guilhermina, mãe de Otto von
Bismarck, tinha a mesma visão humanística e a inteligência viva de seu pai7.

Assim, a nobreza, o exército e o serviço público, as classes que dominavam a


Prússia, sobressaíam entre os antepassados de Otto von Bismarck; este legado
Bismarck e seu tempo 7

exercería papel considerável em sua própria vida8. Sua meninice, embora não
infeliz, deixou poucas recordações agradáveis para o homem. Aos sete anos foi
mandado para um colégio interno em Berlim considerado muito progressista. Aí
ficou até o outono de 1827, quando ingressou no “Gymnasiun” e vivia na casa da
família em Berlim, com uma governanta e um preceptor. Na primavera de 1832
prestou seus exames. Estava pouco acima do estudante médio e se destacava em
Alemão, Latim e História; era mediano em Matemática, Física, Inglês e Francês.
Não mostrava nenhum interesse especial que denunciasse sua carreira futura, e
quando sua màe sugeriu que se preparasse para o serviço diplomático, nada objetou.
Aparentemente nunca cogitou de uma carreira militar9. Foi para a Universidade de
Goettingen no verão de 1832, para estudar Direito, mas deixou-a no outono do
ano seguinte. Embora não pareça ter realizado muito academicamente, ocupou
seu tempo ingressando na “Fraternidade Hanovera”, combatendo em vários
duelos e fazendo amizade com alguns estudantes estrangeiros, entre os quaisjohn
L. Motley, o escritor e historiador americano10.

Em outubro de 1834, matriculou-se na Universidade de Berlim, e estudou


Literatura Francesa, Filosofia e Ciência Política durante o semestre do outono e
Direito durante o verão. No outono seguinte, ele se matriculou em alguns cursos
econômicos, mas parece ter assistido a poucas aulas. Provavelmente estudou com
um preceptor, pois passou nos exames finais de Direito Romano e de Direito
Canônico em 22 de maio de 1835. Durante sua estada em Berlim compareceu a
várias reuniões sociais e era freqüentemente convidado da Cone. Sua mãe, uma
mulher ambiciosa e de mentalidade forte, compreendeu que lhe faltavam dotes
acadêmicos e quis que ele escolhesse uma carreira militar, mas ele não concordou.
Apesar de sonhar com a vida de gentil-homem camponês, ingressou no serviço
público na Prússia e em junho de 1835 tornou-se funcionário do Tribunal da
cidade de Berlim. Não estava feliz inquirindo testemunhas e tomando notas;
pretendia permanecer nesta ocupação só alguns anos antes de entrar no serviço
diplomático. Um ano mais tarde, no verão de 1836, foi designado para a
administração do distrito de Aachen. O próprio Bismarck escolhera Aachen
porque o governador do distrito, o conde Arnim-Boitzenburg, um funcionário
conhecido e altamente respeitado, era um amigo da família. Em Aachen, Bismarck
trabalhou nos departamentos de propriedades e de florestas e nas seções militar e
comunal. Suas sondagens para a entrada no serviço diplomátíco não foram bem
recebidas em Berlim. O Ministro do Exterior da Prússia, Ancillon, sugeriu que
Bismarck terminasse suas tarefas no serviço público e ingressasse no Ministério do
Exterior indiretamente, através da seção da União Alfandegária Germânica. A
implicação era clara: não havia lugar na seção européia do Ministério para um
pequeno gentil-homem da Pomerânia1'. Embora desapontado, Bismarck aceitou a
sugestão de Ancillon, e com o auxílio de Amim preparou-se para mais um exame.

Sua vida social durante este período é marcada por dois casos de amor, ambos
com moças inglesas; um dos quais interferiu seriamente com seus deveres oficiais.
r
8 George O. Kent

Ele tomou alguns meses de licença, sem permissão de seus superiores, e perseguiu
sua namorada por toda a Europa, para, afinal, perdê-la para um major inglês.
Quando o seu pedido de uma licença adicional (presumivelmente para se
recuperar do caso) foi indeferido, ele pediu e obteve permissão para se transferir
para Potsdam; aí chegou em dezembro de 1837.

As atribuições de Bismarck em Potsdam não foram mais interessantes do que


em Aachen, a nào ser o fato de estar mais perto de casa e de Berlim. Seu pai instava
com ele para que fizesse o serviço militar e, apesar de Bismarck temer os exercícios
e a falta de liberdade que acarretavam, ingressou no batalhão de guardas em fins de
março de 1838. Estava cada vez mais desiludido com as perspectivas do serviço
público e ansiava pela vida do campo. Assim, quando sua mãe adoeceu e seu pai
ofereceu pane de sua propriedade aos dois filhos12, Otto aproveitou a oportuni­
dade, licenciou-se do exército (setembro de 1838) e exonerou-se do serviço
público um ano depois.

A carreira de Bismarck fora até então um desapontamento. A falta de fundos, o


progresso lento, e acima de tudo seu desejo de independência e realização tinham
feito o serviço público pouco atraente para ele. Como escreveu para seu primo,
“gostaria de compor música como quero ou então não faço nenhuma"13. Ele
também tinha contraído muitas dividas, mais do que podia permitir-se, e outro
motivo para deixar o serviço público foi o de encontrar um rendimento
independente que o habilitasse a pagar seus credores14.

A mãe de Bismarck morreu em janeiro de 1838 e dois anos depois seu pai dividiu
a propriedade entre Otto e seu irmão. Otto possuía agora Kniephof, e lentamente
conseguiu melhorar as finanças da propriedade15. Foi durante este periodo que se
tornou conhecido como o “junker maluco”. Suas festas turbulentas, muitos
duelos e a bebida exagerada e especialmente suas brincadeiras pesadas eram
assunto de comentários infindáveis entre os senhores da Pomerânia. Foi também
seu período romântico de “assaltar e forçar". Admirava Lord Byron e amava a
música “revolucionária” de Beethoven; desenvolveu um profundo sentimento
pelas obras de Shakespeare e se interessava por ideais republicanos.

Ao mesmo tempo, espantou-se com a população no Festival de Hambach (uma


reunião patriótica em maio de 1832, que reivindicava liberdade e unidade para os
alemães e pregava ação revolucionária se as medidas pacíficas fracassassem) e pelos
motins de Frankfurt16. Durante este tempo, ele teve também um caso infeliz com
Otília von Puttkamer (não era parente próxima de Johanna von Puttkamer,
futura noiva de Bismarck). Para esquecer este episódio, viajou para o exterior,
visitando a Inglaterra, a Escócia, a França e a Suíça, de julho a setembro de 1842.
Pensou mesmo em ir ao Egito e à índia, mas o plano foi abandonado quando seu
companheiro de viagem, Oscar von Arnim, conheceu Malvina, irmã de Bismarck,
e com ela resolveu casar-se17. Bismarck está inquieto, cansado e insatisfeito com a
I
Bismarck e seu tempo 9

-vida do campo e, talvez para distrair-se, aceitou um cargo na vida pública de seu
zdistrito, e nessa situação foi um dos dois representantes do chefe de distrito local
“Landrat”).

Os pontos de vista de Bismarck não eram por essa época diferentes dos de seus
•vizinhos conservadores. Acreditava nos preceitos morais e nos ideais cristãos e nas
(prerrogativas tradicionais que o faziam livre e independente em suas propriedades
<e lhe conferiam uma autoridade divina em matéria de lei, de polícia e assuntos
«econômicos. Acreditava que somente a nobreza tinha o direito e a competência de
jgovernar um estado germânico e cristão, e que esses direitos tinham de ser
«defendidos contra estranhos, como os judeus18.

Em novembro de 1845, faleceu o pai de Bismarck e Otto mudou-se para


SSchoenhausen. Ai, envolveu-se em vários assuntos locais; como chefe dos diques
(( ‘Deichhauptmann"’ do Elba, manteve extensa correspondência com as autori-
■dades locais sobre a adequação dos diques do Elba, sugerindo métodos para
;aperfeiçoá-los19. Mais significativo para sua futura carreira foi, contudo, seu
■ envolvimento em um litígio sobre a preservação e reorganização da jurisdição
■patrimonial em seu distrito. Isto e outro remanescente legal do feudalismo, o
ipoder de polícia patrimonial, ainda eram amplamente usados nas propriedades
tterritoriais da Prússia, da Silésia, Brandenburgo, Saxônia e Pomerânia na primeira
:metade do século dezenove. Os poderes de polícia eram exercidos diretamente
■pela nobreza, enquanto os poderes jurídicos eram delegados a advogados
■ experientes e a juristas designados pelos senhores da terra e perante eles
responsáveis. Os tribunais estaduais superiores supervisionavam o sistema, que
por volta dos fins de 1830 e começos de 1840 tinham produzido insatisfação
generalizada. Os camponeses e arrendatários estavam cada vez mais descontentes
com os julgamentos proferidos, a nobreza estava irritada pelo dispêndio de tempo
e de dinheiro ligado a essas causas, e as cortes estaduais, ciosas de suas
prerrogativas, queriam dominar todo o sistema. Alguns nobres, como os Buelows
e os Thaddens, vizinhos de Bismarck, defendiam esses direitos como parte de seus
deveres senhoriais para com seus dependentes. Bismarck era a favor da jurisdição
patrimonial, a fim de garantir os privilégios e a independência senhoriais, e sugeria
uma definição nítida dos poderes em causa, mais do que uma defesa doutrinária
dos resultados. Em circular de 8 de janeiro de 1847, dirigida à nobreza de seu
distrito, Bismarck expunha detalhadamente seu ponto de vista e argumentava que
a perda da jurisdição senhoria! envolvería perda de influência e de prestígio para a
nobreza. Ao mesmo tempo, sugeria a ampliação dos poderes da nobreza e
inclusive que fosse financeiramente subsidiada. Seus pontos de vista foram
amplamente divulgados e, quando parecia que os poderes senhoriais de polícia
também podiam ser abolidos, pediram-lhe que dirigisse a oposição numa luta
regional contra tais reformas. Assim, Bismarck adquiriu uma reputação de sólido
conservador, em seu distrito e fora dele, e quando seu nome foi sugerido como
T

10 George O. Kent

representante do distrito na Dieta Prussiana Unida, em 1847, nào era um


desconhecido20.

Durante este mesmo período, ocorreram dois incidentes que tiveram conside­
rável importância na vida de Bismarck. Pela amizade e pela influência de Maria
von Thadden e de Moritz von Blanckenburg, seus pontos de vista religiosos se
alteraram e ele se tornou um cristão devoto (antes professara o ateísmo,
anunciando aos dezesseis anos que não rezava mais), e, através deles também,
conheceu Johanna von Puttkamer, que desposou mais tarde (28 de julho de 1847).

A conversão religiosa de Bismarck e suas numerosas expressões subsequentes


de devoção contrastam fortemente com seus pronunciamentos posteriores como
estadista e político. Esta discrepância pode encontrar alguma explicação em sua
crença de que o serviço do rei e do pais era, pela tradição luterana, um serviço de
Deus. Ainda mais, ele acreditava que o Estado e a ordem existente eram
divinamente ordenados e que os governos eram instituídos para defender os
cristãos do mal e dos nào-cristàos, uma teoria que leva logicamente a sua convicção
de que os responsáveis tinham sido encarregados por Deus para defender seus
súditos, com a espada, contra seus inimigos. Sabia também que, às vezes, como
estadista, nào podia deixar de pecar; esperava, porém, que sempre que tivesse de
fazer essa opção - invariavelmente por causas honradas - Deus o perdoaria21.
Dizia, frequentemente, e não há como duvidar de sua sinceridade, que sua única
responsabilidade era para com o rei e com Deus. Na realidade, era uma solução
ideal; fazia o egoísmo e a ânsia de poder parecerem a vontade de Deus, poupando-
lhe ao mesmo tempo dores de consciência. “Sou um soldado de Deus”, escreveu à
sua mulher em 1851, “e devo ir aonde Ele manda e eu acredito que Ele me manda
e modela minha vida como Ele quer’’22.

A conversão religiosa de Bismarck também interessa no que tange a seu


noivado. Ambos se deram ao mesmo tempo, no verão de 1 846; de acordo com o
costume, ele escreveu uma carta formal a Henrique von Puttkamer, pai de
Johanna, pedindo permissão para desposá-la. Esta carta tornou-se famosa. Seu
estilo e conteúdo prenunciam o estadista; seus argumentos, o diplomata. A vida e
reputação de Bismarck, até então, não eram de inspirar confiança nem a uma
pessoa simpática e sem preconceitos. O pai dejohanna, carola e conservador, de
vistas estreitas, ficou horrorizado em pensar que sua filha apenas pensasse em se
casar com aquele “junker maluco”. Bismarck, sem dúvida, soube da atitude
do velho Puttkamer e tratou de transpor este formidável obstáculo. Usando uma
tática que deveria empregar regularmente no futuro, ele surpreendeu o despreve­
nido gentil-homem com uma inesperada e completa franqueza; em vez de pedir a
mão dejohanna porque era digno de Deus - o que parecería presunçoso a um
pietista (como Puttkamer), mesmo em alguém muito mais religioso Bismarck
pediu a mão dejohanna “porque somente Deus poderia fazê-lo digno dela”
Prosseguiu, descrevendo sua indiferença religiosajuvenil e suas recentes lutas para

h
Bismarck e seu tempo 11

encontrar a Fé em Deus. O que faria o pai? “Rejeitá-lo não indicaria falta de fé no


postulante, mas falta de confiança em Deus.” Em resposta, Henrique von
Puttkamer citou várias passagens da Bíblia que o haviam consolado em seu pesar e
fez a Bismarck um convite apenas tépido para visitá-lo. Quando Bismarck chegou
em Reinfeld, propriedade de Puttkamer, ele encontrou os pais de Johanna
preparados para mais negociações. Não estando disposto a satisfazê-los, Bismarck
não somente abraçou Johanna ao encontrá-la, para espanto dos presentes, como,
mais tarde, em um jantar informal, descaradamente, anunciou sua intenção de
desposá-la23.

Sem dúvida, Bismarck estava satisfeito com sua conquista e escreveu a seu
irmão que “falando francamente, estou casando com uma mulher de espírito raro
e nobre, encantadora e fácil de conviver, como não conheci outra. Em matéria de
fé temos diferenças, mais para o seu pesar do que para o meu. mas não tanto
quanto você possa imaginar . certos acontecimentos internos e externos produzi­
ram algumas mudanças em meus pontos de vista... de modo que me considero
agora um cristão... além disso, aprecio a devoção nas mulheres”24. Estas observa­
ções parecem deixar alguma dúvida sobre a conversão religiosa de Bismarck, mas,
apenas se aplicarmos os padrões normalmente aceitos de ética; isto não seriajusto,
pois o próprio Bismarck só reconhecia como padrões os que empregava; por
exemplo, nunca admitiu a boa fé de um opositor ou a validade de outro argumento
que não o seu próprio. “Não é que Bismarck mentisse... mas ele se sintonizava com
precisão às correntes mais sutis de qualquer ambiente e produzia medidas
ajustadas às necessidades predominantes. A chave do sucesso de Bismarck era a de
ser sempre sincero.”25

Em maio de 1847, entre seu noivado e seu casamento, Bismarck foi enviado
como primeiro suplente de delegado à Dieta Prussiana Unida, quando von
Brauchitsch, o delegado efetivo, adoeceu. Foi então que verdadeiramente come­
çou a carreira de Bismarck, quando se tornou óbvio que a arena política era o seu
terreno predileto. Encontrara-se afinal. Na Dieta, Bismarck foi um conservador
moderado. Defendeu o Governo contra a oposição, e a nobreza contra os liberais.
Seu primeiro discurso, em 17 de maio de 1847, causou alguma sensação. Era
dirigido contra os liberais cuja reivindicação por uma Constituição se baseava na
premissa de que as guerras de libertação antinapoleônicas tinham sido inspiradas
pela liberdade e pelo patriotismo e de que o levante popular livrara a pátria da
ocupação estrangeira. Quase desdenhosamente, Bismarck afirmou que não se
podia pedir uma recompensa por se ter resistido a uma derrota tão prolongada. O
movimento de liberação tinha sido patriótico, disse, mas nada tinha a ver com
liberdade e constitucionalismo. No alvoroço que se seguiu a este discurso, ele deu
as costas à Dieta e ficou lendo um jornal até que o barulho cessasse. Este incidente
deu-lhe algum realce, e ele se tornou um favorito na corte do rei junto aos
conservadores.
12 George O. Kent

Sempre defendendo o Governo, logo se tomou um opositor declarado de


Vincke, o líder liberal. Apenas na questão da emancipação dos judeus, assunto
que encontrava algum apoio do governo, Bismarck discordou da posição
governamental. Ele se apoiou nos princípios cristãos medievais e colocou-se
contra o que ele chamava de refugo humanitário e sentimental. Todos os Estados
europeus, declarou, eram Estados cristãos religiosos e sem princípios religiosos
desintegrar-se-iam. Suas opiniões não tinham fundamentos raciais e baseavam-se
antes em preconceitos rurais dos “junkers” e na experiência com prestamistas
I judeus26. A Dieta entrou em recesso em 26 de junho de 1847 e Bismarck, em vez de
correr para sua noiva em Reinfeld, tratava de assuntos políticos, visitando amigos e I
colegas.

Nestas experiências iniciais de Bismarck na política, já apareciam certos


aspectos das adtudes e estilos que se tomaram características do futuro chanceler,
sua ânsia de participar dos debates políticos, seu gosto por uma boa luta, seu desejo
de influenciar as pessoas, sua confiança no próprio julgamento e seu desdém pelas
opiniões da maioria. Seus pontos de vista políticos e sociais eram os da nobreza
prussiana conservadora de sua região, apaixonada defensora do “status” e
privilégios da aristocracia rural e da monarquia. Ao mesmo tempo, estava
profundamente consciente das realidades do poder e estava determinado a
sustentar o poder do Estado prussiano contra o que ele considerava os interesses
estreitos dos partidos políticos, especialmente o liberal. Emergiu então o estilo de
seus discursos e escritos. Era expressivo e preciso, original no conceito e
econômico em palavras. Era eficiente, pois usava, sem errar, os argumentos que
mais agradavam a seus ouvintes, sem se tornar óbvio... Na Corte, tornou-se o
favorito dos príncipes reais, especialmente o da Prússia, mais tarde Guilherme I,
embora o Rei Frederico Guilherme IV se impressionasse menos com este jovem e
radical deputado. Entretanto, quando se encontraram durante a lua-de-mel de
Bismarck, em Veneza (o casamento foi em 28 de julho de 1847), o rei fez saber
a Bismarck que aprovava suas atitudes na Dieta. No entanto, para os liberais, Bismarck
era a personificação do “junker” conservador e reacionário.

NOTAS
1 E. R, Huber, “Deutsche Verfassungsgeschichte seit 1789” (Scuttgan, 1957), 1:583-84.
2. A rigor, não havia “Alemanha” antes de 1871, e a referência correta deveria ser “nas Alemanhas” ou
“na Europa Central” Ambas as referências são porém inadequadas e empreguei a expressão
"Alemanha” sempre que me pareceu mais conveniente.

3. W. L Langer, “Poliúcal and Social Upheaval, 1832-1852” (N. York, 1969), páginas 12-14

4. Pela abolição dos direitos feudais os camponeses pagavam de um terço até a metade de sua terra,
recebendo um cercado em terras devolutas de no máximo 1 4%, predominantemente de terrenos
desertos. Grande número de pequenas propriedades foi liquidado e absorvido nas maiores
Bismarck e seu tempo 13

propriedades. (Langer, “Political and Social Upheaval. 1832-1852" p 12.) Veja também o excelente
artigo de Jerome Blum, “The Conditions of the European Peasantry on the Eve of Emancipation,”
Journal of Modern History 46, n? 3 (setembro 1974): 395-424, especialmente pp. 418-20.

5. “Nas províncias orientais do Elba, as reformas agrárias eram feitas quase sempre em proveito dos
grandes proprietários de terra. Os camponeses, de modo geral, foram enfraquecidos,” (H. J.
Puhle, “Agrarische Interessenpolitik und Preussischer Konservatismus’’ (Hanover, 1966), p. 18.

6. Erich Marcks, “Bismarcksjugend", 1815-1848 (Stuttgart, 1915), pp 12-18.

7. Ibid . pp. 22-23.

tà. Alguns estudos bismarquianos recentes, empregando uma abordagem psicanalítica, tentaram
cdeterminar a influência paterna no desenvolvimento ulterior de Bismarck e explicar sua intensa sede de
ppoder pela deficiência em integrar as duas diferentes tradições representadas por seus pais. Otto
FPflanze, “Toward a Psychoanalytic Interpretauon of Bismarck". American Historical Review 77, n.° 2
((abril de 1972) 419-44, c Charlotte Sempell, “Otto von Bismarck” (N. York, 1972).

99. Marcks. “Bismarcksjugend’’, pp. 54-64

110. Para uma ficçào da vida de Bismarck em Goettingen veja Motley em “Monon’s Hope” (N. York,
11839), onde Bismarck é indiscutivelmente representado por Otto von Rabenmarck. Marcks, “Bismarcks
JJugend”, pp.94-95.

111 Marcks. ' Bismarcksjugend’’. pp 181-33.

112. Os pais de Bismarck tinham deixado Schoenhausen um ano depois do nascimento de Otto,
rmudando-se para uma propriedade recentemente adquirida, Kniephof, perto de Naugard na
P°omerânia. Marcks, “Bismarcksjugend”, p. 41.

1.3. "Ich will aber Musik machen, wie ich sie fuer gut erkenne, oder gar keine". Marcks, “Bismarcks
[lugend”, p. 167.

-4. C Sempell, “Unbekannte Bnefstellen Bismarcks”, Historische Zeitschrif 207, n9 3 (dezembro de


11968): pp. 610-1 1.

1 5. Em princípios de 1947, Kniephof ainda devia 45.000 taleres e Schoenhausen 60.000. Sempell.
‘ Unbekannte Briefstellen Bismarcks", p. 613.

1 i 6. Uma trama, em 3 de abri) de 1833, para tomar Frankfurt, dissolvera Dieta e unificar a Alemanha em
rnoldes liberais. G. A. Rein, “Die Revolution in der Politik Bismarcks" (Goettingen, 1957) p. 53.

T7. Marcks, “Bismarcksjugend”, p. 198.

118 Ibid. pp. 237-38

l«9. Ibid. pp. 293-305.

200. Ibid. pp. 306-94.

2 1. H. Kober, “Studien zur Rechtsanschauung Bismarcks" (Tuebingen 1961), pp. 21-32.


14 George O. Kent

22. “Toward a Psychoanalytical Interpretation of Bismarck” p. 424. Estudos e biografias mais velhos e
mais tradicionais, p. ex., E. Marcks, “Der Aufstieg des Reiches: Deutsche Geschichte von 1807 -
1871/78”. 2 vols. (Sruttgart, 1936); E. Brandenburg, “Reichsgruendung”, 2 vols. (Leipzig 1916); A.O.
Meyer, "Bismarck, Der Mensch und der Staatsmann” (Stuttgan, 1949), tomam os pronunciamentos
religiosos do chanceler pelo seu valor nominal, se ao menos tratam deles.

28. H. A. Kissinger, “The Whit Revoluüonary: Reflections on Bismarck”, Dacdalus (verão de 1968),
p. 897.

24. Ibid. p. 898.


I
25.Ibid.

26. Veja F. Stem. “Gold and Iron: Bismarck. Bleichroeder, and the Building of the German Empire”
(N. York. 1977) p. 12.

1
2. BISMARCK E A REVOLUÇÃO DE 1848

Os levantes da Europa Central em 1848 começaram quando as notícias do


sucesso da revolução na França chegaram a Berlim e a Viena. Em contraste com a
França, o curso da revolução na Europa Central foi complicado pelo nacionalis­
mo, uma força que ameaçava, simultaneamente, dissolver o Império Austríaco e
unificar os estados germânicos. As correntes revolucionárias inter-relacionadas do
nacionalismo, do liberalismo e do particularismo desafiam uma explicação
simples e tornam obscuro um modelo comum. Os sucessos iniciais dos revolucio­
nários podem ser atribuídos à inépcia das autoridades locais mais do que à força do
movimento revolucionário. Isto não foi reconhecido na época e o falso julgamento
do poder relativo dos revolucionários e dc seus inimigos contribuiu para o fracasso
final da revolução.

O liberalismo, o credo mais influente do movimento revolucionário e de


unificação nas Alemanhas, era sustentado pelas classes profissionais e mercands.
Suas raízes vinham das primeiras fases da Revolução Francesa de 1789 e seus
ideais eram os do parlamentarismo inglês. O número e riqueza dos homens de
negócio alemães tinham crescido muito nas primeiras décadas do século XIX;
cônscios de sua crescente força e importância econômica, eles reivindicavam uma
parte adequada de representação política. Eles se opunham aos poderes arbitrá­
rios e aos privilégios, assim como aos métodos corruptos e ineficientes do governo
aristocrático; eles advogavam uma monarquia constitucional representativa e
limitada, a abolição dos resquícios do sistema feudal, igualdade perante a lei,
extensão do direito de voto às classes de proprietários, e liberdade de pensamento,
de expressão e de associação. Não queriam violência em revolução, mas aspiravam
à igualdade com a nobreza; assim como a nobreza, eles estavam apreensivos com o
número crescente de analfabetos e de trabalhadores, que podiam ameaçar a vida e
propriedade se não fossem reprimidos.

As reivindicações econômicas da burguesia caminhavam paralelamente às de


ordem politica. Eles advogavam a abolição das restrições e regulamentos do
sistema mercantilista (especialmente tudo o que afetava o trabalho e a produção),
liberdade de movimentos para homens e bens, revogação dos pedágios internos
de estradas e rios (no que a União das alfândegas prussianas de 1834 era um início
promissor), uniformidade de moeda, pesos e medidas e uma lei comum para o
comércio. Estes últimos assuntos ligavam as reformas econômicas a manifestações
políticas, pois todo homem de negócios compreendia que a unificação nacional
16 George O. Kent

seria um poderoso estímulo para os negócios e para a indústria e levaria à abolição


de inúmeros costumes e usos locais provenientes da Idade Média. Os mercadores
e homens de negócio liberais também pediam a nào-interferência do governo em
assuntos financeiros e comerciais, o que ficou conhecido como a doutrina do
“laissez-faire”1. Semelhante atitude em relação à interferência do Governo
também foi notada no campo do bem-estar social. Os liberais se opunham a
qualquer tipo de legislação neste sentido, como no trabalho de menores ou na
diminuição do dia de trabalho, e favoreciam uma liberdade de contrato e a
I abolição das leis contra a usura, que fixavam taxas baixas de juros. Esta atitude de
individualismo irrestrito no tocante às condições de trabalho crescentemente
desumanas nas fábricas e mina- despertou a hosúlidade dos trabalhadores contra
as classes médias e inspirou, desde o começo, os escritores socialistas no ataque ao
liberalismo2.

Os intelectuais, cuja liberdade de expressão estava suprimida desde 1812,


reapareceram depois da revolução de 1830, em Paris, e no festival de Hambach,
em maio de 1832, montaram a primeira demonstração de massa na Alemanha;
denunciaram as medidas repressoras do sistema de Metternich, tais como a
censura à imprensa e às publicações e a restrição do direito de associação, e
reivindicaram uma Alemanha republicana e reunificada, bem como a libertação
da Polônia, da Hungria e da Itália. Os governos alemães, incitados por Metternich,
responderam a essas demonstrações com medidas mais repressivas, o que, por sua
vez. popularizou o movimento da Alemanha Jovem. Este movimento, um dos
muitos movimentos similares na Europa (Itália Jovem, Irlanda Jovem e Polônia
Jovem) era inspirado pelos ideais revolucionários franceses e pelo descontenta­
mento com as medidas repressivas e reacionárias do sistema Metternich.

Uma nova geração de escritores começou a usar a crítica e a sátira como armas
políticas e atacou as condições da Alemanha em ensaios,cartas e relatos de viagem.
Fazendo-o, não pouparam nem Goethe, morto em 1832, nem o movimento
romântico; eram a favor do presente contra o passado e não tinham lugar para a
exaltação do romantismo da Idade Média, a devoção católica ou as antigas tribos
germânicas. Em vez disso, admiravam Lutero, a Reforma e o Iluminismo, Kant,
f
Voltaire e Schiller, e consideravam a liberdade o bem mais inestimável.

Ao contrário dos movimentos na Polônia, Hungria, Itália e Irlanda, que eram


principalmente nacionalistas e dirigidos contra a ocupação estrangeira, os “jovens
alemães” não eram, como um todo, favoráveis à unificação alemã. Eram
cosmopolitas (“odeio qualquer sociedade menor do que a sociedade humana”,
escreveu Boerne), mas não concordavam quanto à forma que o Estado ideal devia
ter. Alguns preferiam uma monarquia constitucional, outros uma república.

Liderados por Gutzkow, Buechner, Herwegh, Freiligrath, Boerne e Heine, os


“jovens alemães” assentaram as bases do jornalismo político3. Entretanto, sua

1
Bismarck e seu tempo 17

influência política nos acontecimentos na Alemanha foi limitada, pois dois de seus
advogados mais conhecidos, Heine e Boerne, estavam exilados na França. Seu
louvor à cultura francesa e às críticas de algumas idéias mais exageradamente
românticas de seus compatriotas eram impopulares neste período de nacionalis­
mo nascente. O fato de alguns de seus companheiros serem judeus também não
ajudou o movimento da Alemanha Jovem.

Outro movimento de protesto, menor, mas mais influente, foi o do grupo


conhecido como “Jovens Hegelianos”. Mais radicais e críticos do que o próprio
Hegel, os Jovens Hegelianos se consideravam guardiães do racionalismo e
campeões da humanidade. Punham objeções ao renascimento religioso, se
opunham ao catolicismo ultramontano, ao pietismo das igrejas protestantes e à
aliança entre o trono e o altar. A princípio, consideravam a Prúsia o melhor e mais
promissor Estado da Alemanha, mas ficaram apavorados com a ação do governo
prussiano nos distúrbios de Colônia, em 1837, com as concessões de Frederico
Guilherme IV à Igreja Católica depois de 18404.

Muitos intelectuais, como a burguesia, não eram verdadeiros revolucionários,


mas advogados de reformas pacificas, cujas raízes liberais nativas podiam ser
encontradas em Kant e em Wilhelm von Humboldt. Na Renâniae na Alemanha do
Sul, suas crenças eram reforçadas pelas idéias francesas e na Alemanha do Norte
pelo liberalismo inglês. Hanover esteve ligada por união pessoal à Coroa Inglesa
de 1714 até 1 837, e a Universidade de Goettingen, no Sul de Hanover, tomou-se
um centro de estudos constitucionais ingleses e um elo entre o protestantismo
alemão e o inglês. O caso dos “Sete de Goettingen” tornou-se famoso em toda a
Alemanha: sete professores da Universidade foram demitidos em 1837 porque
recusaram juramento à nova constituição hanoveriana, que omitiu certas disposi­
ções liberais da anterior.

Mais ou menos nessa época, o hábito de leitura do público de inspiração


romântica passou dos castelos medievais de Sir Walter Scott para os cortiços de
Charles Dickens e Vitor Hugo, que exaltavam os trabalhadores e ridicularizavam a
burguesia filistina5.

Entre 1830/1840, muitos alemães se deram conta de que o número de pobres


havia aumentado, que os conflitos entre as classes aumentavam e que muita gente
simpatizava com as idéias socialistas. De um modo geral, também se acreditava
que o proletariado, produto da nova era industrial, era incapaz de melhorar sua
posição econômica e social e que, portanto, recorrería à revolução para derrubar a
ordem existente.

Economicamente, os anos 40 foram particularmente ruins, safras reduzidas


de trigo e centeio e a praga da ferrugem na batata tiveram desastrosos efeitos em
toda a Europa Ocidental. A alta dos alimentos, o crescente desemprego e a queda
18 George O. Kent

dos salários combinado com o fracasso dos negócios resultaram na severa


depressão em 1846/47. A inquietação popular levou a motins por causa de
alimentos. Demonstrações e revoltas eram esperadas por toda a parte. Assim, o
espectro do socialismo se corporificou e muitos governos esperavam por uma
revolução a qualquer momento. Finalmente, quando a revolução chegou à
Europa Central, os governos se curvaram ao inevitável.

Em seguida ao sucesso inicial da revolução de 1848 na Áustria, Prússia e


I Alemanha Central e Meridional, foi convocada uma assembléia de representantes
de regiões de todo o pais, em Frankfurt, a fim de preparar eleições para um
parlamento nacional, que. por sua vez, elaborasse uma constituição e organizasse
um governo para a Alemanha unificada. Este parlamento preliminar (“Vorpar-
lament”) reuniu-se na igreja de São Paulo, em 31 de março de 1848.

Aos delegados foi dada a escolha entre um programa moderado - uma união
federal sob um monarca liberal com uma constituição elaborada por uma
assembléia nacional - e um programa radical - uma república com sufrágio
masculino universal e abolição do privilégio aristocrático. Este último programa
foi derrotado. O parlamento preliminar recomendou que os delegados ao
parlamento nacional fossem eleitos por sufrágio universal e direto; esta recomen­
dação foi ignorada pelos vários estados, sendo a maior parte dos delegados
escolhida por eleitores provenientes das classes abastadas. A grade maioria dos
delegados era de liberais em matéria política e econômica, sem nenhum fervor
revolucionário, mas ansiosos por realizara unificação nacional. Reuniram-se, em
18 de maio de 1848, sob a presidência de Henrique von Gagernh, na sessão de
abertura da Assembléia de Frankfurt.

A Assembléia de Frankfurt foi por muito tempo (especialmente nos compên­ J


dios alemães de história) rotulada de “parlamento dos professores”, criticada
pelos seus longos e inúteis discursos, debates sem propósito e falta de ralização
prática. Esta caracterização, usada inicialmente pelos conservadores para desacre­
ditar o liberalismo e a democracia na Alemanha, só foi corrigida recentemente.
Hoje está bem claro que havia mais advogados e juizes do que professores
universitários entre os delegados, que ao todo não diferiam no aspecto profissional
eocupacional de qualquer corpo legislativo europeu similar dessa época. (Eram 49
professores universitários, 40 diretores de escolas e professores, 200 juristas, 35
escritores e jornalistas, 30 negociantes e industriais, 26 clérigos e 12 médicos5).
Com certeza, houve longos e eruditos debates e numerosas reuniões de
comissões, porém o estabelecimento de processos parlamentares, o projeto de
uma constituição federal, a discussão dos direitos fundamentais e a organização de
um executivo federal provisório nunca tinham sido discutidos na Alemanha
anteriormente em nível nacional e tratava-se de tópicos e de medidas que não
podiam ser ignorados.
Bismarck e seu tempo 19

A Assembléia de Frankfurt fracassou nào porque discutisse conceitos teóricos


inúteis, mas porque as duas maiores potências germânicas, a Prússia e a Áustria,
tinham readquirido seu poderio militar e recusaram colocar suas armas sob a lide­
rança do arquiduque Joào, o executivo eleito pela Assembléia (“Reichsverwe-
sen”). Sem um exército, faltava à Assembléia de Frankfurt o poder para fazer
cumprir suas leis e decretos. A impotência parlamentar se tornou especialmente
evidente na questão do Schleswig-Holstein.

No fim da primavera e no verão de 1848, a opinião pública alemã foi levantada


com a questão das minorias germânicas em Schleswig e em Holstein e pedia que
tropas germânicas as defendessem contra um exército dinamarquês invasor. De
acordo com uma resolução da Assembléia de Frankfurt, a Prússia, Hanover e
Braunschweig enviaram tropas aos ducados e expulsaram os dinamarqueses.
Quando era iminente a derrota do exército dinamarquês, a Rússia e a Inglaterra,
alarmadas com os desígnios expansionistas germânicos, ameaçaram intervir. Em
confronto com essa ameaça, a Prússia e seus aliados retiraram-se e assinaram um
armistício, em Malmoe, em 26 de agosto de 1 848. Os membros da Assembléia de
Frankfurt e todos os alemães consideraram esse armistício uma grande derrota
nacional e insistiam, em vão, que o governo prussiano continuasse a guerra. A falta
de poder da Assembléia de Frankfurt mostrou-se penosamente óbvia, tanto para
os liberais quanto para os conservadores, e a Assembléia nunca se recuperou da
perda de prestígio causada pelo caso Schleswig-Holstein.

Houve ainda outros casos. As questões da exclusão ou inclusão da Áustria no


novo “Reich” - e se a Áustria ou a Prússia deviam assumir a liderança, - tinham
agitado os nacionalistas germânicos durante muito tempo. Em geral, a população
protestante do Norte era pró-Prússia, enquanto os católicos ao sul do Meno eram
pró-Áustria. Em Frankfurt, o problema foi temporariamente resolvido, quando os
delegados checos das províncias austríacas da Boêmia e da Morâvia se recusaram a
juntar-se à Assembléia, reduzindo a delegação austríaca a 120, enquanto a da
Prússia permanecia com 1987.

O velho Grão-Ducado de Posnan, dividido desde 1815 entre as províncias da


Prússia Ocidental e Posen, contendo cerca de 800.000 poloneses, 400.000 alemães
e 76.000 judeus (na maioria germanizados), apresentava outro problema. Antes da
revolução, os liberais germânicos apoiavam fortemente as reivindicações polone­
sas pela independência e o governo prussiano estava pronto a fazer concessões à
população polonesa nas duas províncias. Entretanto, quando os poloneses
assumiram o controle da administração local, em março-abril de 1848, a
população germânica resistiu e com o auxílio dos destacamentos militares prus­
sianos dominou a insurreição polonesa.

Os debates da questão polonesa na Assembléia de Frankfurt (24 a 27 de julho


de 1848) se fixaram no grau de autonomia a ser dado no futuro às províncias
20 George O. Kent

prussianas polonesas e especificamente no número de alemães que poderíam ficar


sob a jurisdição de funcionários locais poloneses. Somente dois delegados, Amold
Ruge, um líder da extrema esquerda, e Janiszewski, único delegado polonês,
defenderam a causa polonesa. Guilhermejordam, um democrata de Berlim, falou
pela minoria germânica em Posen. Seu discurso, fortemente nacionalista, pode ser
considerado “um exemplo precoce daquela fusão de nacionalismo liberal e
política prussiana de poder que seria completada entre 1866 e 187 1 ”8. Uma
avassaladora maioria votou, 342 a 31, sustentando os direitos da minoria
germânica; as áreas com grande população alemã, como a Prússia Ocidental e
Oriental, o distrito de Neisse, a cidade de Posen e arredores para o oeste, foram
incorporados à Alemanha. A área a leste de Posen, com população quase ex­
clusivamente polonesa, foi deixada de fora, embora pudesse adotar o grau de
autonomia que a Prússia lhe quisesse dar. As atitudes predominantes na
Assembléia de Frankfurt nas questões do Schleswig-Holstein e polonesa, assim
como sobre a ascendência do nacionalismo sobre o liberalismo, prenunciavam o
apoio popular generalizado à política externa de Bismarck.

Em fins de março de 1849, a Assembléia de Frankfurt tinha terminado sua


tarefa. Advogava um estado federal com uma monarquia constitucional, um
parlamento bicameral (os membros da câmara baixa eleitos pelo voto universal,
direto e secreto; metade da câmara alta escolhida pelos governos dos estados e
metade pelas câmaras inferiores das legislaturas estaduais) e um supremo tribunal
federal. Em 28 de março, a Assembléia ofereceu a coroa do projetado Estado
germânico ao Rei Frederico Guilherme IV da Prússia, que a recusou, dizendo que
nenhum rei por direito divino se humilharia ainda que por uma coroa imperial.
De qualquer modo, foi um gesto vazio, pois os revolucionários tinham sido
derrotados em toda a parte e na Boêmia, Hungria, e Áustria reinava de novo a
velha ordem.

Os acontecimentos revolucionários na Prússia tiveram especial significado


para Bismarck. Quando as notícias do sucesso do levante de Berlim chegaram a
Schoenhausen, em 19 de março de 1848, Bismarck ficou desesperado. Ficou ainda
mais aflito quando soube que as tropas, invictas e leais ao Rei, tinham recebido
ordens de Frederico Guilherme IV de deixarem a cidade e se retirarem para i
Potsdam e que o próprio rei era prisioneiro dos revolucionários em Berlim. O
arraigado realismo prussiano de Bismarck viu-se ultrajado; sentia-se obrigado a
fazer qualquer coisa. Depois de passar em revista suas propriedades e as
vizinhanças, assegurando-se pessoalmente da lealdade dos camponeses, resolveu
mobilizar o campo contra as cidades revolucionárias, marchar sobre Berlim,
libertar o rei e esmagar a revolução. Antes de executar seus planos, foi para
Potsdam, que ainda não havia sido ocupada pelos revolucionários, para saber de
primeira mão o que realmente tinha acontecido. Aí ficou com seu amigo Albrecht
von Roon, que compartilhava seus sentimentos e acreditava que a revolução podia
ser derrotada se fosse encontrado um homem para liderar as tropas leais. (Nunca
Bismarck e seu tempo 21

ocorreu a Roon que Bismarck, então com apenas trinta e três anos, pudesse ser esse
homem.) Concordando com a solução, os dois amigos puseram-se à procura do
Príncipe Guilherme, um declarado conservador e o primeiro na linha de sucessão
ao trono, que eles pensavam ser o homem para resgatar o rei e o trono. Porém, o
Príncipe não pôde ser encontrado; corriam boatos de que havia deixado o pais por
causa de sua impopularidade entre o povo de Berlim.

Quando Bismarck procurou a Princesa Augusta, mulher de Guilherme, para


indagar o paradeiro do príncipe e para contar-lhe seus planos, teve uma recepção
fria. Augusta insistia em que seu marido era fiel ao rei e não agiría contra suas
ordens; fez Bismarck prometer não usar nem o nome de seu marido e nem o de seu
filho em qualquer empresa desleal. Parecia que Augusta tinha seus próprios
planos. Admiradora de Luís Filipe e da monarquia de julho francesa, dizia-se que
estabelecera contatos com o Partido Liberal na Assembléia Nacional prussiana. De
acordo com esses planos, Frederico Guilherme IV abdicaria, seu próprio marido
renunciaria a seus direitos ao trono, e ela seria instalada como regente no lugar de
seu filho. É provável que Bismarck tenha sabido desses planos e os considerado
nada menos do que uma traição, uma perversão da monarquia prussiana e uma
abertura para o constitucionalismo. A inimizade reciproca entre Bismarck e
Augusta criou raizes nessa época9.

O rei, porém, continuava prisioneiro, eos revolucionários ainda controlavam


Berlim. Na opinião do exército e de seus oficiais, o rei não tinha liberdade de agir
em beneficio de seu pais, mas sem ordens reais eles não se podiam movimentar.
Seria possível salvar a casa real a despeito dela, agindo sem ou mesmo contra as
ordens do rei? Poderia ser repetida a decisão do General Yorck, em Tauroggen, em
1812, quando concluiu um acordo com os russos sem permissão do governo
prussiano? O único homem disposto a tomar tal decisão era Bismarck. Era
inconcebível para Bismarck que um rei prussiano ordenasse ao exército que
deixasse de atirar numa malta revolucionária por sua própria vontade; obviamente
o rei estava prisioneiro dessa malta. Portanto, outros que pudessem agir em favor
da Prússia e de sua casa real deviam fazê-lo pelo rei e pela pátria. Parece que
Bismarck consultou vários comandantes do exército, e, embora alguns estivessem
dispostos a segui-lo, outros lhe eram contrários. Todo o esquema ruiu quando
Frederico Guilherme IV apareceu em Potsdam, mostrando que não estava
prisioneiro e exortando suas tropas a cumprir suas ordens e a não lutar contra os
revolucionários em Berlim.

Bismarck voltou desesperado para Schoenhausen. “Os camponeses aqui”,


escreveu em seu diário, “estão enraivecidos contra os berlinenses, mas quem pode
suportar um edifício cujo principal sustentáculo está podre?”10. É difícil dizer
quanto o fracasso de seu plano influiu sobre as opiniões de Bismarck a respeito dos
acontecimentos subseqüentes. Em sua opinião, o sucesso inicial da revolução foi
devido à covardia do serviço público, à indecisão da Coroa e à úmidez da maioria
22 George O. Kent

da população que. embora leal, se assustou com as barricadas e as assembléias


populares. As raizes da revolução, segundo Bismarck, deviam ser contrastadas no
novo sistema industrial e no espírito do tempo, que era anti-religioso e
questionava a autoridade. Era esse espírito que tinha infeccionado os intelectuais e
os burocratas. O povo, acreditava Bismarck, não se inclinava pela revolução, o
"inimigo" era a burguesia. Ele parece ter percebido bem cedo as possibilidades de
urna aliança entre trabalhadores, camponeses earistrocracia contra a classe média.
i Por estas razões, acreditava que os revolucionários deviam ser confrontados
imediatamente com a força das armas e não com negociações11.

Enquanto isso, Bismarck estava em desfavor com seus próprios colegas


conservadores e não foi convidado para participar da organização do Partido
Conservador prussiano e da fundação do jornal conservador (“Kreuzzeitung”'i.
Seu único apoio veio do Príncipe da Prússia. O rei, embora reconhecendo a
lealdade de Bismarck, achava-o muito agressivo e reacionário para nomeá-lo para
um cargo de responsabilidade. Em uma carta para sua sogra, há um traço de
crueldade (novembro de 1 849), quando refuta sua simpatia pelos revolucionários
húngaros e defende a execução em massa dos revolucionários na Áustria. Estava,
escreve ele, apenas seguindo os princípios de Rousseau que nortearam Luis XVI,
quando, pela sua relutância em executar um homem, assumiu a culpa pela
destruição de milhões.

Os anos imediatamente seguintes à revolução foram para Bismarck um


período contemplativo. Suas opiniões e atitudes amadureceram e, de uma
acanhada defesa de seus interesses próprios e dos de sua classe, passou para uma
visão geral mais conservadora contra o capitalismo burguês e o liberalismo intec-
tual. Contudo, seu particularismo prussiano permaneceu imutável; recusou-se a
reconhecer o nacionalismo germânico.

Na eleição de fevereiro de 1849, Bismarck conquistou uma cadeira na câmara


baixa prussiana. Em 3 de abril de 1849, quando o rei Frederico Guilherme IV
recusou a coroa imperial oferecida pela Assembléia de Frankfurt, Bismarck
defendeu a atitude do rei. Aceitar a coroa, declarava Bismarck, seria subordinar a
monarquia à soberania popular e lançar a Prússia em uma guerra com a Áustria no
momento em que a revolução estava sendo derrotada por toda a Europa Central.
Bismarck preferia uma Prússia independente a uma Alemanha debaixo da
Constituição de Frankfurt.

Só uma Prússia forte e independente poderia ser capaz de desempenhar seu


papel na Alemanha e na Europa. Isto implicava uma expansão contínua dos
poderes militar e econômico ao norte do Meno, conseguida por acordos militares
com os estados menores, e uma expansão da União Aduaneira. A independência
seria conseguida com ou sem a Áustria12. As implicações estavam claras: “com” a
Áustria ou “sem” a Áustria realmente significava contra ela. Assim, as futuras
Bismarck e seu tempo 23

políticas de Bismarck em relação à Áustria começaram a tomar forma, primeiro


como delegado prussiano na Dieta de Frankfurt e mais tarde como Primeiro-
Ministro da Prússia. Entrementes, opunha-se ao plano do rei para uma União
Germânica, arquitetado por Radowitz, tanto quanto se opusera ao plano da
Assembléia de Frankfurt, de que o plano Radowitz não era mais do que uma
variante. Este plano previa uma união dos estados germânicos centrais e do norte
sob a liderança prussiana em uma Federação Germânica mais ampla debaixo da
Áustria. A Prússia estaria submetida a um executivo federal, a isto se opunha
Bismarck. O projeto da União Prussiana foi torpedeado pelas objeções da Áustria,
que nele vislumbrava uma tentativa de desafiar suas reivindicações de supremacia.
Esta situação, combinada com os problemas do Schleswig-Holstein e de Hessels,
quase provocou uma guerra entre a Áustria e a Prússia no outono de 1850. Só a
submissão de Frederico Guilherme IV às pressões da Rússia e da Áustria evitou a
guerra. Com o acordo de Olmuetz, em 29 de novembro de 1850, a Prússia
abandonou oficialmente seu projeto de União e reconheceu o restabelecimento da
Confederação Germânica e da Dieta em Frankfurt.

Primeiro, Bismarck atacou o governo por ter cedido à Áustria. Seguindo o


exemplo de seu herói, Frederico, o Grande, teria preferido a guerra. “Em política
exterior”, disse a seu amigo Ludwig von Gerlach, “ele (Bismarck), como Frederico,
o Grande em 1740, não reconhecia direitos, somente conveniências”14. No
entanto, Bismarck logo mudou de opinião. É difícil dizer se ele reconheceu que o
exército da Prússia era inferior ao da Áustria ou que Frederico Guilherme IV não
era um Frederico, o Grande. De qualquer modo, em um discurso no Parlamento
Prussiano, defendeu a política do governo de forma vigorosa, argumentando que a
Prússia não podia ir à guerra contra dois dos principais poderes conservadores, a
Áustria e a Rússia, em defesa de uma constituição inviável e dos princípios da
revolução de 184815. “De acordo com minhas convicções (as de Bismarck), a honra
da Prússia não consiste em representar o Don Quixote através de toda a Alemanha
em beneficio das celebridades desgostosas do parlamento... Eu vejo a honra da
Prússia, antes de tudo, em sua abstenção, sobretudo, de qualquer união
vergonhosa com a democracia.”16. O discurso de Bismarck teve importantes
consequências.

Incapazes de concordar em uma reorganização da Confederação, os estados


germânicos decidiram voltar ao sistema pré-revolucionário; surgiu então o
problema de escolher quem mandar como representante prussiano à Dieta em
Frankfurt. Depois de Olmuetz, esta tarefa seria ingrata para qualquer um e muitos
candidatos declinaram a indicação. Nesta ocasião, Ludwig von Gerlach,'amigo de
Bismarck e mentor do rei, lembrou a este o inteligente discurso de Bismarck na
Assembléia e sugeriu sua nomeação ao rei. Frederico Guilherme IV, pensando na
falta de tirocinio diplomático de Bismarck, relutou a principio e finalmente
concordou, com a condição de transferir temporariamente o ministro prussiano
em São Petersburgo, Von Rochow, para Frankfurt, a fim de familiarizar Bismarck
24 G^orge O. Kent

com as minúcias do protocolo e das negociações com os austríacos. Quando


Bismarck aceitou prontamente o lugar, o rei o cumprimentou pela sua coragem
em assumir tão difícil posto. “A coragem é de Vossa Majestade”, replicou
Bismarck, ‘‘de confiar-me tal encargo. Eu tenho a coragem de obedecer, se Vossa
Majestade tem a coragem de dar-me as ordens”17.

NOTAS
1. Os slogans equivalentes americanos são “é melhor o governo que governa menos” e “o governo dos
negócios não ê negócio do governo”. A atraente e celebrada expressão “laissez-faire” é geralmente
atribuída a J. C. M. Vincent de Goumay, um comerciante francês do século dezoito e conhecido
administrador. Foi num rasgo de impaciência contra a pletora de regulamentos e barreiras internas que
Goumay exclamou “laissez faire, morbleu, laissez passer, le monde va de lui-même!”. O sentido do
“laissez-faire” como preceito, como rótulo de toda uma doutrina e como uma tendência de política e
de prática que pareceu dominar o mundo ocidental no século dezenove propunha que qualquer
interferência do Estado seria menos produtiva, com ceneza, do que qualquer alocação de recursos
resultante da decisão de concorrência de indivíduos movidos por um cálculo racional de seus
interesses. Excetuavam-se a preservação da ordem interna e da segurança nacional, porém, esperava-se
que a expansão progressivamente desimpedida da divisão do trabalho e o curso do comércio
internacional chegariam a produzir um mundo pacífico. (E. O. Golob, em “Handbook of World
History", ed. J. Dunner (N. York 1967), p. 496.)

2. Langer, “Poliücal and Social Upheaval, 1832-52”, pp. 54-56.

3. Jost Hermand, ed., “Das Junge Deutschland: Text und Dokumente” (Stuttgart, 1966), p. 370 etc.

4. O. J. Hammen, “The Red 48 ers: Karl Marx and Friedriech Engels” (N. York, 1969), p. 20 etc. Os
distúrbios de Colônia começaram em novembro de 1837, quando o arcebispo Clemens August von
Froste-Vischering, seguindo a orientação papal, se recusou a seguir a política do governo relativa aos
casamentos mistos. Quando o arcebispo também se recusou a renunciar, “o governo Prussiano
deteve-o e encarcerou-o na fortaleza de Minden... Esta ação arbitrária, que carecia de qualquer
justificativa legal, causou enorme sensação”. Os renanos, já impacientes debaixo da atitude anti-
católica do governo, saíram às ruas. O conflito não foi dirimido até a ascensão dc Frederico Guilherme
IV ao trono, em 1840, quando quase todas as medidas anticatólicas foram revogadas. (H. Holbom, “A
History of Modem Germany, 1684-1840”, (N. York, 1964), pp. 505-508.)

5. Hammen, “The Red 48 ers”, pp. 68-69.

6. T. S. Hamerow, “Restoration, Revolution, Reaction” (Princeton, N. J., 1958), p. 124. Historiadores


do período entre guerras consideravam os delegados ao parlamento de Frankfurt, quer como idealistas
sem idéias práticas (E. Marcks, "Bismarck und die Deutsche Revolution, 1848-1851”, publicado
postumamente (Stuttgart, 1939), ou como liberais humanitários (V. Valentine, “Geschichte der
Deutschen Revolution”, 2 vols. (Berlim 1939). Durante o período nazista, a Assembléia de Frankfurt foi
escarnecida e seu fracasso e falta de poder efetivo foram enfatizados (R. Suchenwirth, "Deutsche
Geschichte” (Leipzig 1937). Na República Federal, os historiadores, depois da Segunda Guerra
Mundial, tinham pontos de vista diferentes sobre a Assembléia de Frankfurt. F. Meinecke acreditava^
que a ameaça da multidão e seus slogans comunistas influíram nas deliberações dos representantes da
“Paulskirche”, amedrontando-os e forçando-os a acordos com as autoridades estabelecidas. (“The
Yearof 1848 in German History. Reflections on a Centenary”, ReviewofPolitics 10 (1948), pp. 475-92.)
H. Rothfels sustenta que os esforços dos delegados e a devoção aos ideais liberais deveríam ser
Bismarck e seu tempo 25

comemorados (“1848 - One Hundred Years After”, Journal ofModern History 2, n? 4, dezembro de
1948). De outro lado, historiadores da República Democrática Alemã observam que os pequenos
burgueses democratas em Frankfun eram fones em palavras e declarações, mas fracos na determina­
ção da ação revolucionária. Eles estavam divididos e incapazes de uma liderança revolucionária ativa.
H. J. Bartmuss et al., “Deutsche Geschichte”, 3 vols. (Berlim, 1967-68). Entre os historiadores nào-
alemães, A. J. P. Taylor, em seu “Course of Gennan History'" (N. York, 1946), acredita que a
Assembléia de Frankfurt “sofria mais de excesso de experiência do que de sua falta: excesso de cálculo e
de previdência, muitas combinações intrincadas e excesso de estatismo" e que “a essência em
Frankfun era a da unidade pela persuasão". Para L. B Namier, “o objetivo do Parlamento de Frankfun
era uma verdadeira Pangermânia, e não uma Prússia Maior ou uma Grande Áustria” (L. B. Namier,
“Vanished Supremacies” (London, 1958), p. 28; veja também L. B. Namier, “ 1848: The Revolution of
the Intellectuals" (Londres 1946), versão ampliada de sua Conferência Raleigh de 1944. O relato mais
detalhado e equilibrado é o de F. Eyck, "The Frankfun Parliament. 1848-49” (N. York, 1968). De
acordo com seu trabalho, os liberais moderados e os radicais consideravam “a unificação e o progresso
constitucional aspectos do mesmo problema” A Assembléia de Frankfun fracassou na unificação da
Alemanha devido a insuficiência do apoio público e à falta de interesse tanto da Prússia como da Áustria
A rejeição da coroa por Frederico Guilherme IV não foi tanto um fracasso dos delegados de Frankfun
em elaborar uma constituição adequada, mas. antes de tudo, devido a sua própria convicção "de que
sua aceitação envolvería a Alemanha e possivelmente a Europa em guerra”.

7. Langer, “Political and Social Upheaval, 1832-1852”, p. 412. Os checos da Boêmia e da Morávia,
liderados por Frantisek Palacky, recusaram-se a comparecer à Assembléia. “Os governantes de nosso
povo”, escreveu à Assembléia, em 11 de abril de 1848, “participaram durante séculos da Federação dos
Príncipes Alemães, mas o ‘povo’ (enfatizado) nunca se considerou pane da nação germânica”. (Citado
por Namier, “The Revolution of the Intellectuals, 1848". p. 91.)

8. R Pascal, “The Frankfurt Parliament, 1848, and the Drang nach Osten” Journal ofModern History
18(1946), p. 115; veja também Namier, “1848: The Revoluüon of the Intellectuals”, em todo seu
texto.
9. G. A. Rein, “Bismarcks gegenrevolutionaere Aktion in den Maerztagen 1848”, “Die Welt ais
Geschichte 18 (1953), pp. 246-62; veja também E. Eyck, “Bismarck: Leben und Werk”, 3 vols. (Zurique,
1941-44), 1: 85-90.
10. Rein, “Bismarcks gegenrevolutionaere Aktion", p. 261.

11. Rein, “Die Revolution in der Politik Bismarcks”, pp. 71-75. Como acentuou Fritz Stern, ninguém
avaliou o impacto da Revolução de 1848 sobre Bismarck. “A Resolução deu a Bismarck (como a Marx)
um novo estímulo e uma nova direção. A morte de uma mulher amada trouxe-lhe um novo
compromisso religioso; a iminência da mone de sua monarquia trouxe-lhe uma nova resolução
política. A primeira ensinara-lhe a pobreza do gênero humano; a segunda a fragilidade da maioria dos
homens. Reunidas as duas coisas, deram-lhe um senso mais fone de seu próprio dever e destino.”
(Stern, “Gold and Iron”, p. 13.)

12. O. Becker, “Bismarcks Ringen um Deutschlands Gestaltung" (Heidelberg, 1958) pp. 59-69.

13. Para detalhes, veja “Meyer, Bismarck”, p. 66 em diante.

14. Ibid. p. 67.


15. Bismarck, “Die Gesammelten Werke", 19 vols. (Friedrichsruh, 1924-32) 10, 101 em diante; daqui
em diante citado como G. W.
16. Citado por Stern, “Gold and Iron”, p. 14.
17. citado por Meyer, “Bismarck”, p. 74.
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3. FRANKFURT, SÃO PETERSBURGO, PARIS, 1851-1862

A relação entre a Prússia e a Áustria na Dieta de Frankfurt antes da revolução de


1848 tinha sido cordial, pois a Prússia reconhecia, sem reservas, a supremacia da
Áustria. Depois da revolução e especialmente depois de Olmuetz, suas relações
mudaram consideravelmente. Viena esperava da Prússia outra tentativa de
unificação da Alemanha e estava determinada não somente a resistir como a
expandir o poderio austríaco e sua influência em toda a Confederação Germânica.
O Primeiro-Ministro austríaco, Schwarzenberg, tinha um plano para unificar a
Alemanha sob a liderança austríaca e criar um império centro-europeu -
“Mitteleuropa”. Berlim, de outro lado, estava igualmente determinada a conseguir
a paridade com a Áustria na Confederação e a liderança militar e econômica na
Alemanha do Norte1.

De muitos modos, a nomeação de Bismarck para Frankfurt constituiu a


realização de suas esperanças e sonhos; ao mesmo tempo sonhava com a pacífica
vida camponesa “Ser “Landrat” em Schoenhausen ainda é o meu ideal”, ele
escreveu nessa época a seu amigo Kleist-Retzow. Porém, quando, um ano mais
tarde, teve de ir a Viena, escreveu ajohanna: “Eu desejo Frankfurt como se fosse
Kniephof’2.

Quando veio para Frankfurt, desconfiava bastante dos objetivos e intenções


dos austríacos. Estava convencido de que qualquer que fosse a ação, a Prússia
nunca poderia tranquilizar a Áustria e que simplesmente não havia espaço para as
duas potências na Alemanha, para coexistirem lado a lado. Ele acreditava que a
Áustria usaria de todos os meios para subjugar a Prússia, inclusive aliando-se à
França, à Rússia, aos liberais prussianos ou aos alemães meridionais ultramonta-
nos, ou envolvendo a Alemanha em uma guerra externa, se esses atos pudessem
manter sua supremacia. Para prevenir essas possibilidades, Bismarck sentia que a
Prússia tinha de resolver o problema germânico assim que a situação européia
fosse favorável. O governo prussiano relutava em encarar abertamente esta
solução; tentando afirmar-se ao norte do Meno tinha também receio de melindrar
a Áustria e seus numerosos simpatizantes na Alemanha. Em conseqüência, a
política prussiana com a Áustria vacilava entre o desafio e a submissão. Na Dieta, o
papel de Bismarck era difícil: evitando que Berlim mostrasse fraqueza ou
submissão para com a Áustria e simultaneamente desafiando-a mais energicamen­
te do que lhe permitiam suas instruções. Ele tentou influenciar seu governo a
considerar uma aliança com a Rússia e a França contra a Áustria, uma ação que
28 George O. Kent

exercia pressão sobre a Áustria, de fora da Alemanha. Fortalecendo a posição


militar e econômica da Prússia, através da União Aduaneira, de acordos
ferroviários, postais, monetários, bancários e comerciais e por meio de convenções
militares com os estados menores, Bismarck esperava fazer da Prússia o centro do
movimento de unidade na Alemanha.

Em 15 de julho de 1851, Bismarck, que ao tempo de sua nomeação tinha sido


designado conselheiro de legação (“geheimer Legationsrat"), passou a ser
Ministro da Prússia para a Dieta Federal. Von Rochow, que instruira Bismarck em
suas novas funções, deixou Frankfurt de volta a seu posto em São Petersburgo, e a
partir de 27 de agosto Bismarck estava autônomo. Em seu primeiro encontro com
o conde Thun, representante austríaco, timbrou em impressionar o conde e os
representantes dos outros estados germânicos de modo a que dai em diante a
Prússia fosse tratada como igual pela Áustria. Quando Thun apareceu, em mangas
de camisa, Bismarck tirou seu paletó; quando o austríaco, único entre os
diplomatas, acendeu um charuto, Bismarck também tirou um do bolso e pediu
fósforos ao surpreso Thun3. Estes gestos banais marcaram um ponto que não
passou desapercebido pelos representantes dos estados menores.

As discussões sobre a União Aduaneira prussiana e o desejo da Áustria de


filiar-se a ela trouxeram discussões mais sérias. Como a associação da Áustria
agradava tanto a interesses regionais quanto nacionais dos estados menores, a
Prússia não se podia opor abertamente. Em vez disso, o governo prussiano
resolveu procrastinar. Esta decisão foi facilitada por discussões internas na Áustria.
Os industriais pediam tarifas protecionistas para seus bens dentro da União
Aduaneira, enquanto o governo austríaco era livre-cambista. Enquanto isso, a
Prússia fortaleceu sua posição, concluindo tratados comerciais fora da União
Aduaneira em Hanover, Oldenburg e Schaumberg-Lippe (7 de setembro de
1851). Em uma conferência em Viena, em janeiro-fevereiro de 1852, a Áustria
tentou, sem sucesso, persuadir os estados germânicos menores a apoiar sua 1
inclusão na União. Esses estados se opunham à pressão política prussiana, mas
seus laços econômicos com a União Aduaneira eram demasiadamente fortes para
serem rompidos4. Em Frankfurt, Bismarck rejeitou todas as tentativas dos
austríacos de aprovarem um projeto de União Aduaneira Européia, ameaçando
com a retirada da Prússia da Dieta se a Áustria fosse bem-sucedida. Também se
opôs à intenção austríaca de aprovar uma rigorosa lei de imprensa federal que teria
acabado com todos os jornais que pregassem o socialismo, o comunismo ou a
derrubada da monarquia. As objeções de Bismarck não se baseavam em sua crença
na liberdade de imprensa, mas em sua oposição à criação de um executivo federal
forte que ameaçaria os interesses da Prússia5. Embora a maioria dos delegados
estivesse a favor da proposta austríaca, Bismarck pôde derrotá-la, pois era preciso
uma votação unânime para sua aprovação.

Mais ou menos na mesma ocasião, Bismarck aproveitou-se da ausência tempo­


rária do representante austríaco - Thun estava sendo substituído por Prokesch,
Bismarck e seu tempo 29

ministro austríaco em Berlim para apressar uma revisão dos processos de


votação na Dieta em favor da igualdade dos membros, acesso mais liberal aos
arquivos e um procedimento administrativo mais eqüitativo, que até então
favorecia sensivelmente a Áustria e seus aliados. Prokesch, o novo representante
austríaco, conhecido historiador e arqueólogo, mas fraco diplomata, não foi
capaz de resistir aos argumentos razoáveis e bem formulados de Bismarck6,
especiahncnte quando apoiados pela maioria dos delegados. Como resultado, um
bom número de propostas de Bismarck foi aprovado7.

A atitude aquiescente da Áustria não marcou uma mudança na política da Die­


ta como o reconhecimento de uma mudança na situação diplomática da Europa. A
aproximação da Guerra da Criméia tornou mandatório para a Áustria manter a
situação na Alemanha sob controle e opor-se aos movimentos russos no Danúbio
inferior, que ameaçavam os interesses econômicos e políticos da Áustria nessa
região. A Áustria estava preparada para aliar-se à Inglaterra e à França no apoio à
Turquia contra a Rússia, o que, por seu tumo, significava a inimizade da Rússia e a
possibilidade de colaboração russo-prussiana, a menos que a Prússia pudesse ser
persuadida a acompanhar a política austríaca.

Bismarck compreendeu as implicações do dilema austríaco e queria manter a


Prússia e todos os outros estados germânicos livres de envolvimento nos Bálcãs.
Esta política granjeou-lhe a gratidão da Rússia, que, mais tarde poderia ser usada
contra a Áustria. De outro lado, se acompanhasse a política anti-russa da Áustria
nesta crise, a Prússia poderia solicitar igualdade com a Áustria na Dieta. “Nada de
alianças sentimentais”, escreveu a Gerlach em fevereiro de 1854 - “que,
conscientes de uma boa ação encontram sua recompensa em nobres “sacrifí­
cios”. (“Nur keine sentimentalen Buendnisse, bei denen das Buwusstsein der
guten Tat den Lohn edler Aufopferung zu bilden hat.”)8. Porém, o conselho de
Bismarck foi desprezado. Ao contrário, em parte para acomodar a Áustria, em
parte para exercer uma influência moderadora, a Prússia concluiu uma aliança
com aÁustriaem 20 de abril de 18549. Bismarck, porém, foi capaz de diminuir os
anseios austríacos quando, em janeiro de 1855, pediu que os estados germânicos
ordenassem uma mobilização de suas tropas para respaldar sua política anti-russa
na Criméia. Levando em conta as suspeitas dos estados menores e sua relutância
em se opor abertamente à Áustria, Bismarck persuadiu-os a declarar sua
neutralidade armada contra uma ameaça geral de guerra em vez de exclusivamen­
te contra a Rússia, como pedira à Áustria. Deste modo, seu objetivo original tinha
sido parcialmente atingido e sua liderança nesta manobra foi reconhecida tanto
em Viena como em São Petersburgo. Ao mesmo tempo, sentia que os estados
germânicos não tencionavam seguir a liderança da Prússia na solução do problema
germânico e que a Áustria ainda era a maior potência. Estes acontecimentos
convenceram-no de que essa solução só viria no contexto dos desenvolvimentos
políticos europeus10.
30 George O. Kent

Durante o verão de 1855, Bismarck visitou Paris e a Feira Mundial, e, para


desgosto de Leopold von Gerlach, travou conhecimento com Napoleão III e
outros estadistas franceses e ingleses bem como com políticos dessas nacionalida­
des. Bismarck procurou acalmar os receios de seu amigo, assegurando-lhe que um
diplomata esperto não podia permancer casto para sempre. Ele parece ter
considerado a possibilidade de cooperar com a França e a Rússia e ter conversado
sobre a inevitabilidade de uma guerra austro-prussiana. Estas especulações não
agradaram a Frederico Guilherme IV; ele não podia ver como um rei pela graça de
Deus se pudesse aproximar de Napoleão III, filho da revolução, para melhorar a
i posição da Prússia na Alemanha. Bismarck. porém, recusou-se a fazer essa
distinção; em várias cartas para Gerlach e Manteuffel, o Primeiro-Ministro
Bismarck tentou explicar que eventualmente todos os regimes se tornam legítimos
e que, de fato, muitas reivindicações territoriais têm origens revolucionárias1 1.

Enquanto isso, em Frankfurt, Prokesch tinha sido substituído pelo conde


Rechberg, que gostaria de poder voltar à política de Metternich de cooperação
com a Prússia. Entretanto, Buel, o Primeiro-Ministro austríaco, discordava e
insistia em que Rechberg, com a cooperação dos estados menores, obtivesse
maioria na Dieta e derrotasse o voto da Prússia em todos os casos importantes. Esta
situação se tornou intolerável para Bismarck. Em uma longa conversação
confidencial com Rechberg, em junho de 1857, Bismarck explicou que eles, os
representantes das duas maiores potências da Alemanha, deviam deixar de
pretender que os interesses da Alemanha estavam constante e destacadamente em
em suas mentes e admitir francamente e defender os interesses de seus próprios
países. Ele, Bismarck, preferiría um entendimento entre a Prússia e a Áustria, mas,
se isto não fosse possível, a Áustria deveria saber que a Prússia não hesitaria em ir à
guerra contra ela. Rechberg ficou muito surpreendido por essa manifestação
incomum. mas o comportamento frio de Bismarck depois da volta de Paris e sua
l
amabilidade inusitada com os ministros da França, Rússia e Sardenha (todos,
inimigos potenciais da Áustria) emprestaram algum crédito a suas palavras.
Bismarck estava blefando; o governo prussiano não apoiava sua política dura e
uma investigação austríaca em Berlim teria esclarecido o assunto rapidamente.
Bismarck, porém, jogou com a relutância da Áustria em fazer tal investigação e os
acontecimentos lhe deram razão12. Continuando a recusa da Áustria de reconhe­
cer a igualdade da Prússia na Dieta, Bismarck começou aguerra de nervos, usando
os mais insignificantes detalhes para afirmar os direitos prussianos. Isto, por seu
turno, levava a intermináveis disputas processuais, conferências prolongadas e
discussões acaloradas. De certo modo, era um empreendimento infrutífero que só
acentuava a inutilidade da Assembléia e da Confederação. Mas Bismarck não se
incomodava; para ele, era um assunto de honra e poder para a Prússia e o resto não
importava. Contudo, houve um acontecimento importante a seu crédito neste
período: o reconhecimento pela Dinamarca dos direitos da Confederação em
Holstein e em Lauenburg, uma solução parcial e temporária da complicada
questão do Schleswig-Holstein13.
Bismarck e seu tempo 31

No outono de 1858, o Príncipe Guilherme tornou-se regente da Prússia,


quando seu irmão, rei Frederico Guilherme IV, foi declarado louco14. Bismarck
esperava encontrar maior simpatia no novo governante, mas não foi bem esse o
caso. Em um memorando anterior, em março de 1858, ele explicara ao Príncipe
Guilherme que a Prússia só poderia ser bem-sucedidaem sua política germânica se
deixasse de cortejar os estados menores, pois a Áustria tinha mais influência sobre
eles. Os interesses da Prússia eram idênticos aos do povo desses estados, mas não
aos de seus governos. A Alemanha, prevenia Bismarck, nâo significava a Dieta
Federal, a qual realmente era um obstáculo ao futuro desenvolvimento da
Alemanha1' 1 A independência da Prússia era posta em perigo pela Áustria e o
futuro da Prússia só poderia ser encontrado fora da Confederação. O regente
partilhava esses pontos de vista, mas quando Bismarck advogou uma política ativa
e vigorosa de oposição à Áustria e declarou que. se fosse necessário, a Prússia
deveria ir à guerra. Guilherme recuou. Esta idéia era forte demais para o seu tradi-
cionalismo, como demonstrou por seu apoio à Áustria durante a Guerra da
Criméia. Guilherme estava determinado a manter melhores relações com a
Áustria. Obviamente, Bismarck nâo era o homem para isso em Frankfurt. Os
boatos de suas diferenças com o regente chegaram à Dieta, onde muitos de seus
colegas ficariam contentes em vê-lo substituído por um homem mais simpático e
condescendente, que reconhecesse a supremacia da Áustria e fosse menos
intrigante.

Em janeiro de 1859, o governo de Berlim decidiu transferir Bismarck para São


Petersburgo. Quando soube disso, não ficou nada satisfeito, embora o posto fosse
considerado um dos mais importantes do serviço diplomático prussíiano.
Aborrecia-o deixar Frankfurt, especialmente quando sua política parecia frutifi­
car. Com a aproximação da guerra entre a Áustria e a Sardenha, a importância da
Prússia para a Áustria aumentara significativamente, e era este o momento, no
oscilar da balança do poder, que Bismarck pensava usar em proveito da Prússia.
Partir agora, significaria abandonar oito anos de árduo trabalho e ver seus inimigos
triunfarem. Impotente, Bismarck foi forçado a ver a Prússia e a Confederação
concordarem em cooperar com a Áustria durante sua luta na Itália; isto significava
o fim de seus planos e de sua política. Em 24 de fevereiro de 1859, compareceu à
Dieta pela última vez e, em 6 de março, partiu de Frankfurt para São Petersburgo16.

A recepção de Bismarck em seu novo posto foi extremamente amistosa. Sua


política pró-russa durante a Guerra da Criméia era lembrada e ele prontamente
estabeleceu estreitas ligações com a mãe do czar, a Princesa Carlota, irmã do
regente prussiano, bem como com o czar e sua consorte, Maria, uma princesa do
Hesse. Como resultado, a atmosfera oficial em São Petersburgo tornou-se muito
melhor do que a de Frankfurt, e Bismarck teve uma vida muito mais fácil em seu
novo posto. Ao mesmo tempo, percebeu que sua influência em Berlim tinha
diminuído cosideravelmente e que ele “tinha sido posto no gelo na Neva”17. Mas
não estava disposto a permanecer inativo.
I

S2 George O. Kent

Encorajado pela guerra da Áustria com a Sardenha, Bismarck tentou


convencer Schleinitz, o novo Ministro de Exterior prussiano, que a situação
política européia era excepcionalmente favorável à Prússia. A Áustria deveria
concordar com um relacionamento mais realista com a Prússia na Dieta ou a Dieta
e a Confederação deveríam ser abolidas. A Prússia deveria, então, assumir a lideran­
ça de uma nova federação alemã e, com ela, a liderança do exército federal. O exér­
cito prussiano deveria então movimentar-se para o Sul da Alemanha onde havia
grande receio de uma invasão francesa e, ao cruzar a fronteira, os soldados
deveríam colocar os marcos de fronteira em suas mochilas e não recolocá-los até
que alcançassem o lago Constança ou os limites meridionais da fé protestante18
Rejeitando essas opiniões extremadas, Schleinitz ficou, contudo, suficientemente
impressionado pelo relatório de Bismarck e por suas cartas, para resistir aos
pedidos dos austríacos e às resoluções da Dieta, que teriam arrastado a Prússia à
guerra austro-sarda. Deixou, porém, de ver as oportunidades apresentadas pela
guerra - que Bismarck lhe havia apontado e deixou de usar os apuros da Áustria
em favor da Prússia. O regente também compartilhava das opiniões de Schleinitz;
tendo crescido na pacífica era de Metternich, o príncipe queria manter a paz.
Considerava as opiniões de Bismarck. revolucionárias e delas não queria participar.
Que estes dois homens se encontrassem algum dia em relação tão estreita, como
aconteceu mais tarde, parecería impossível nesta ocasião19 A opinião pública
prussiana sobre a guerra com a Sardenha era confusa e dividida. Alguns viam na
participação de Napoleão III um paralelo à campanha italiana de Napoleão 1 e
desejavam auxiliar a Áustria para evitar a repetição de acontecimentos conhecidos,
embora semi-esquecidos. Outros viam na derrota da Áustria a possibilidade da
unificação italiana, um modelo para a unificação alemã. Antes que o governo
prussiano pudesse assentar qual a política a seguir, a Áustria reconheceu sua
derrota pelas forças francesas e sardas, em Solferino, e concluiu um armistício, em
Villafranca, em 11 de julho de 1859, de acordo com o qual perdeu a Lombardia, >
mas conservou o Veneto.

Um mês antes, Bismarck contraiu uma enfermidade que o afetou até o início
do ano seguinte. (Parece que foi uma lesão na tíbia, depois de uma pneumonia que
o levou à beira do túmulo.). Ele tinha deixado Sào Petersburgo para Berlim em
julho de 1859 e embora tentasse voltar a seu posto (em outubro, ele participou de
uma reunião do czar com o regente em Breslau), não pôde fazê-lo em virtude de
nova crise de saúde. Foi forçado a passar o inverno na propriedade de Von Below,
em Hohendorf, peno de Elbing. Em março de 1860, estava afinal suficientemente
recuperado para ir a Berlim, mas sua volta a São Petersburgo, foi adiada, em parte
por necessitar de repouso e em parte porque estava sendo considerado para
substituir Schleinitz como Ministro do Exterior.

Apesar de fortes recomendações de muitos funcionários, Guilherme não se


deixou convencer a aceitá-lo como Ministro do Exterior e pediu a Schleinitz que
servisse por mais um período; Bismarck partiu para São Petersburgo em fins de
Bismarck e seu tempo 33

maio. Aí adquiriu a confiança do czar Alexandre II e de Gorchakov, o Ministro do


Exterior, de tal modo que este relacionamento, fortalecido pelos laços de família
entre os Romanovs e os Hohenzollerns, estabeleceu a base da amizade russo-
prussiana por algumas décadas. Do ponto de vista político, estes laços foram
também estreitados pelo apoio de Bismarck às políticas antipolonesas do czar em
1861. Bismarck acreditava, mesmo entào, que uma atitude liberal da Rússia com
os poloneses colocaria uma cunha entre a Rússia e a Prússia, por causa das
minorias polonesas na Prússia. Semelhante atitude também fortalecería uma
cooperação franco-russa, pois a França era uma defensora tradicional da indepen­
dência polonesa. Se isso se desse, a Prússia ficaria isolada. A política antipolonesa
da Rússia, de outro lado, aprofundaria a cooperação russo-prussiana e isolaria a
França. Portanto, a cooperação russo-prussiana era a chave da futura política de
Bismarck, melhor demonstrada pela cooperação russo-prussiana durante a revolta
polonesa de 1863 e a neutralidade russa durante a guerra franco-prussiana.
Dedicado ao fortalecimento dos laços russo-prussianos, Bismarck não exerceu
influência na política prussiana durante este períódo. Ele sofria em seu honrado
exílio, como o chamava, e se irritava pela falta de estimulo e de atividade20.

Em Berlim, entretanto, a reorganização do exército prussiano se tomara a


questão principal entre o regente e o parlamento. Guilherme queria expandir o
exército regular, reintroduzindo o serviço militar universal, enquanto os depu­
tados da Dieta prussiana favoreciam a retenção e fortalecimento da milícia. O poder
da Coroa em relação ao parlamento estava em jogo. Roon, Ministro da Guerra e
velho amigo de Bismarck, queria-o no gabinete para fortalecer o caso da Coroai Ele
sugeriu a nomeação de Bismarck, mas Guilherme, desconfiado do “Junker da
Pomerânia” ainda não concordava. Bismarck e o rei conversaram, enquanto
Guilherme estava em Baden-Baden, tendo ficado claro como seus pontos de vista
políticos se distanciavam. Guilherme tencionava salvaguardar o princípio da
legitimidade em toda a parte e em todas as condições e, por isso, tinha apoiado a
Áustria nas guerras da Criméia e da Itália e se recusara a reconhecer o ilegítimo
reino da Itália. Bismarck, de seu lado, só estava interessado no que considerava os
interesses vitais da Prússia. O fim dos miniestados italianos e a derrubada do reino
de Nápoles eram-lhe completamente indiferentes. Ao contrário, considerava a
existência de um reino italiano unificado um dado importante para o desenvolvi­
mento vitorioso da política prussiana. Contudo, Guilherme prezava o julgamento
de Bismarck o bastante para pedir sua opinião sobre a política doméstica,
especialmente quanto a um novo plano advogado por Roggenbach, um ministro
liberal de Baden e confidente do príncipe herdeiro.

O plano de Roggenbach tratava de uma reforma da Confederação Germânica


sob a liderança da Prússia, sem contudo antagonizar a Áustria. Seguia a linha de uma
solução menos alemã, mas previa uma aliança com a Áustria e garantias territoriais
mútuas. Bismarck ignorou a questão da promoção da paz entre a Aústria e a
Prússia e declarou que era mais uma questão de como exercer o poder alemão
F

34 George O. Kent.

na Europa. O caminho não era pela Dieta Federal, mas pela União aduaneira
prussiana. Dando aos membros da União Aduaneira representação parlamentar,
os objetivos nacionalistas da Prússia seriam igualmente bem-servidos. Nào só
havería uma legislação comum de comércio e de trânsito, como um exército
comum mantido pelas receitas da União aduaneira. O plano de Bismarck foi
cuidadosamente sintonizado com as opiniões de Guilherme. Ele também tinha
defendido o fortalecimento da União aduaneira, mas, no plano de Bismarck, isto
era apenas um ponto de partida; o parlamento da União aduaneira era o cerne da
questão, pois asseguraria a supremacia da Prússia e a exclusão da Áustria. Ao
apresentar este plano, Bismarck evitou quaisquer referências ao exercício do
poder ou às conquistas territoriais, mas Guilherme não se impressionou e nada
resultou/Contudo, Bismarck continuava a promover este plano quando acompa­
nhou o rei às cerimônias da coroação em Koenigsber Frederico Guilherme IV
tinha morrido recentemente, e Guilherme foi coroado rei da Prússia em 2 de
janeiro de 1861) e voltou para Berlim21.

No outono de 1861, o Partido Conservador prussiano publicou seu programa,


que consistia em um fone endosso aos princípios da legitimidade e uma forte
condenação do nacionalismo e da soberania popular. Bismarck atacou-o vigoro­
samente e foi qualificado de revolucionário pelos conservadores22. Seus velhos
amigos, os Gerlachs, Kleist-Retzows, Belows e Blanckenburgs ficaram consterna­
dos com sua opinião e dai em diante se acentuou a divergência entre eles.

Quando Bismarck voltou para São Petersburgo em fins de 1861, seu futuro
nào estava claro. Tinha havido boatos sobre sua renomeação para Paris ou Londres
e, durante o inverno, quando as condições internas alemãs pareceram piorar (em
relação às reformas federais e um ressurgimento da questão Schleswig - Holstein),
falou- se novamente em sua entrada para o gabinete. Voltou para Berlim, em 10 de
maio de 1862, mas sua audiência com o rei, em 13 de maio, em nada resultou.
Guilherme ainda resistia, possivelmente sob a influência da rainha Augusta.
Afinal decidiu contra a designação de Bismarck. Em vez disso, Bismarck foi
enviado como Ministro para Paris e avisado para não se estabelecer no novo posto
e permanecer à disposição.

Paris nào foi uma nomeação feliz. Bismarck foi sozinho, sem sua família e sem
sua égua favorita, e isto combinado à incerteza quanto ao futuro fê-lo nervoso e
insatisfeito. Sua recepção por Napoleão III foi bastante amável, mas Bismarck
estava enfarado com seus deveres e depois de algumas semanas foi para Londres
para visitara Feira Mundial. Ai encontrou Palmerston, Lordjohn Russel e Disraeli;
perguntado por este sobre o que pretendia fazer quando se tornasse Primeiro-
Ministro prussiano, parece que Bismarck respondeu que levaria a cabo a reforma
pendente do exército, com ou sem o consentimento do parlamento, declararia
guerra à Áustria e unificaria a Alemanha sob a liderança da Prússia23. Disraeli ficou
Bismarck e seu tempo 35

impressionado e, anos mais tarde, quando estas idéias já se tinham transformado


em realidades, com frequência recordava a conversa.

Depois de sua volta a Paris, Bismarck achou que devia tratar de sua saúde e
pediu e obteve licença em julho de 1862 para ir ao Sul da França. Em Biarritz,
encontrou Nicolai e Kathy Orlow (Nicolai era ministro russo em Bruxelas), que
conhecera em Sào Petersburgo. Bismarck passou várias semanas em sua compa­
nhia. Tomou-se de amores por Kathy Orlow, jovem bonita e vivaz, que tocava sua
música favorita e com ele fazia longos passeios. Escreveu a sua mulher sobre a
magnífica temporada que estava passando, e Johanna, segura do amor e do
conhecimento de seu marido, ficou contente por ele estar feliz. Foram umas férias
tào boas que ele ultrapassou sua licença e só voltou a Paris em 16 de setembro.

Em Berlim, o conflito constitucional entre o governo e o parlamento se


aprofundara a tal ponto que até os ministros conservadores aconselharam o rei a
fazer concessões. Guilherme recusou; perdendo o apoio de seus ministros
declarou que abdicaria e chamou o príncipe herdeiro em 1 7 de setembro. No
mesmo dia, Roon mandou um telegrama urgente para Paris, pedindo a Bismarck
para vir a Berlim: “Há perigo na demora. Venha imediatamente”. Quando
recebeu esta mensagem, Bismarck tomou o trem para Berlim em 19 de setembro e
chegou na capital vinte e quatro horas depois24.

NOTAS

1. O Beckcr, “Bismarcks Ringcn um Deutschlands Gescahung”. pp. 68-69.

2. Citado por Meyer, ‘'Bismarck", pp. 76-77.

3. Ibid., p. 89.

4. H. Boehme, " Deutschlands Weg zur Grossmacht” (Colônia, 1966), pp. 23-41.

5. Meyer, "Bismarck", pp. 98-100.

6. Memorando de Bismarck de 6 de abril de 1853, G.W., 1: 323, n. 1.

7. A. O Meyer, "Bismarcks Kampf mil Oesterreich am Bundestag zu Frankfurt, 1851 bis 1859"
(Berlim, 1927), pp. 189-206.

8. Citado por Meyer, "Bismarck", p. 105.

9. Concluindo a aliança, a Áustria pretendia garantir seu flanco em caso de complicações com a Rússia.
A Prússia, amplamente pró-Rússia em suas simpatias, tendia à neutralidade e concluindo a aliança
esperava influenciar a Áustria em favor de seus objetivos.

10. Meyer, "Bismarck” pp. 106-7.


r *

86 George O. Kent.

11. Ibid. pp. 108-10.

12. Ibid. pp. 107-11.

13. Para detalhes, veja Meyer, “Bismarcks Kainpf ” pp. 324-66.

14. A insanidade do rei inabilitou-o em outubro de 1857, desde então o príncipe Guilherme era o
regente efetivo.

15. G. W., 3:302-23.

16. Meyer, “Bismarck”, pp. 119-24.

17. Ibid. p. 126.

18. O. Becker, “Bismarcks Ringen um Deutschlands Gestaltung” p. 74; G. W., 14. Pane I p. 517; 3:37-38
I
19. Meyer, “Bismarck”, pp. 127-30.

20. Ibid. pp. 145-47.

21. H. Oncken, “Die Baden-Badener Denkschrift Bismarcks”, Historische Zeitschrift, 145 (1932), pp
124 em diante.

22. Ele criticava os aspectos negativos e defensivos do programa conservador e ridicularizava a idéia de
solidariedade dos interesses conservadores abrangendo toda a Europa. Ele caracterizava a constituição
vigente da Confederação como uma estufa de idéias revolucionárias perigosas e de idéias panicularis-
tas, e manifestava sua surpresa com o fato de serem tão sensíveis à idéia de representação popular na
Dieta ou no Parlamento da União Aduaneira. (Bismarck a Alexandre Búlow-Hohendorf, 18 dc
setembro de 1861 (G. W., 14, pte. 1, p. 578.)

23. Meyer, “Bismarck” p. 161 e referência.

24. Ibid., pp. 162-68.


4. A NOMEAÇÃO DE BISMARCK E O CONFLITO
CONSTITUCIONAL NA PRÚSSIA

Chegando em Berlim em 20 de setembro, Bismarck foi ver Roon, que lhe falou do
desejo do rei de abdicar. Nessa tarde, o príncipe herdeiro pediu a opinião
de Bismarck sobre a situação política. Ele evitou responder, não querendo discutir
assuntos que deveríam ser tratados primeiramente com o rei1. Roon viu o rei no
dia seguinte depois da missa e relatou sua impressão de que a brecha no gabinete
era insanável; apelando para o senso de dever do rei, insistiu com ele para não
abdicar enquanto não estivessem esgotados todos os recursos de resolver o conflito
com o parlamento. Aludindo a Bismarck, Roon lembrou ao rei que ainda havia um
homem que não pertencera ao gabinete e estava pronto para assumir essa
responsabilidade. Guilherme hesitava. Ele ainda não confiava cm Bismarck e
mencionou suas desconfianças ao príncipe herdeiro que, embora concordasse
com seu pai, não soube oferecer uma alternativa2. Roon insistiu, mas o rei foi
evasivo. “Ele(Bismarck) não gostaria de assumir, aesta altura” disse a Roon “além
disso, não está aqui e não se podería discutir isso com ele”. “Ele está aqui” replicou
Roon “e ficará satisfeito em atender ao chamado de Vossa Majestade”3. O rei
cedeu.

A audiência de Bismarck com o rei, no castelo e nos jardins de Bebelsberg, em


22 de setembro de 1862, foi tào decisiva para o futuro desses dois homens como o
foi para o futuro da Prússia e da Alemanha. O rei explicou que não tinha sido capaz
de encontrar um ministro que resolvesse o impasse com o parlamento e que antes
abdicaria do quecederiaàs solicitações dos delegados. Perguntou a Bismarck quais
suas condições para aceitar sua nomeação e quando Bismarck respondeu que se
sentia como um vassalo diante de um senhor feudal e apoiaria seu rei incondicio­
nalmente, Guilherme se sentiu muito aliviado. O rei abandonou todas as idéias de
abdicação e decidiu continuar a luta contra a oposição parlamentar. Restava ainda
o problema de como Bismarck pretendia resolver o conflito. O rei tinha preparado
um longo memorando sobre política interna e externa, que se destinava a
enquadrar o nomeado em uma política definida. Porém, o futuro Chanceler e
Primeiro-Ministro não se deixava amarrar tão facilmente. Estava tão pouco
disposto a divulgar seus planos como a se comprometer em políticas futuras. Era,
disse ele ao rei, uma luta entre o governo real e a regra parlamentar, e o parlamento
devia ser suprimido por uma breve ditadura, se fosse necessário4. Para dissipar
maiores dúvidas, Bismarck prometeu submeter-se voluntariamente às decisões
reais desde que lhe fosse permitido explicar ao rei quaisquer políticas que
pudessem conflitar com as ordens do rei. Se, a despeito de suas explicações, a
/nvjÀcrk
38 George O. Kent.

decisão real permanecesse inalterada. Bismarck assegurava a Guilherme que


“antes perecería com ele, que o abandonaria... na luta contra a dominação
parlamentar"'’. O rei estava conquistado. Ele nomeou Bismarck para presidir
temporariamente o gabinete e duas semanas depois nomeou-o Primeiro-M inistro
e Ministro do Exterior.

Johanna soube da nomeação de seu marido pelos jornais. Quando Bismarck


lhe escreveu, em 24 de setembro, referiu-se a sua nomeação que tinha procurado e
aspirado por mais de um quarto de século, como a “nossa miséria”e pedia-lhe que
se submetesse à vontade de Deus6.

O conflito constitucional na Prússia, motivo principal da nomeação de


Bismarck, envolvia reformas militares e as consequentes autorizações orçamentá­
rias. O problema não era a necessidade das reformas, mas como fazê-las e, mais
importante, verificar se a Câmara baixa do parlamento prussiano ou o rei
poderíam implementar estas reformas, alocando os fundos necessários. As partes
deste conflito eram o rei e os delegados conservadores, de um lado, e os delegados
liberais que formavam a maioria do parlamento, do outro. Implícito estava o
desejo da maioria liberal de usar o conflito como um teste dos poderes orçamentá­
rios da Câmara baixa. À medida que a luta se arrastava, tornava-se crescentemente
mais claro que não era apenas uma luta sobre filigranas constitucionais, mas uma
luta que envolvia o próprio espírito e caráter futuro do estado prussiano.

O general Von Roon, Ministro da Guerra desde 5 de dezembro de 1859,


iniciou as reformas do exército. Seu plano previa aumento na convocação anual de
recrutas de 40.000 para 63.000 homens (com três anos de serviço ativo) e um
aumento correspondente no exército permanente de 150.000 para 220.000
homens. Isto daria ao exército 39 regimentos de infantaria e 10 de cavalaria
adicionais. Havería também uma mudança de relacionamento entre as tropas
regulares (linha) e a milícia (“Landwehr”). Segundo o plano de Roon, o futuro
exército, em tempo de guerra, seria composto somente de tropas regulares,
enquanto a milícia ficaria para os serviços de guarnição, fortalezas e intendência. O
custo dessas reformas era estimado em cerca de 9,6 milhões de taleres anuais7.

O valor da milícia como uma força democrática foi um assunto muito


debatido. O espírito revolucionário da milícia de 1813 já tinha desaparecido por
volta de 1850 eseu valor militar diminuira muito. De outro lado, o exército regular
se identificara com a pátria nas mentes do príncipe-regente e dos oficiais da tropa,
especialmente depois da experiência chocante da revolução de 1848. Ademais,
pensava-se que três anos de serviço tomariam os recrutas imunes ao revolucioná­
rio “Zejtgeist”, o que convenceu os partidários da monarquia8.

Reconhecida a necessidade das reformas do exército, surgiram imediatamente

il indagações sobre sua finalidade sobre a autoridade de sua implementação. Tanto


Bismarck e seu tempo 39

o rei como a Câmara baixa do parlamento reivindicavam a primeira jurisdição;


embora o rei reconhecesse a preeminência da legislatura em assuntos orçamentá­
rios, recusou compartilhar seus direitos exclusivos e poderes sobre o exército. A
posição de Guilherme se baseava na Constituição prussiana de dezembro de 1848
e suas revisões de janeiro de 1850, que deixavam o exército sob a exclusiva
jurisdição do rei. Os soldados juravam fidelidade ao rei e não à Constituição,
,enquanto os funcionários públicos tinham a Constituição9. Isto estava de acordo
com as idéias conservadoras formuladas durante os princípios do século XIX pelos
movimentos de reforma prussianos, que advogavam estrita separação dos poderes
civis e militares. Os primeiros podiam desenvolver-se em linhas constitucionais,
enquanto os últimos se baseavam em conceitos autocráticos e dependiam
exclusivamente da Coroa10.

Outro ponto de disputa dizia respeito ao caráter do futuro exército. Os por­


menores da organização de um grande exército baseado em serviço militar uni­
versal poderiam ser elaborados em conjunto pelo governo e a Câmara baixa se o
governo estivesse disposto a usar o exército para a defesa nacional e para seguir
uma política nacional alemã. O que incomodava os liberais era a conhecida
intenção do governo de usar o exército para levar a cabo reformas domésticas
conservadoras e para se preservar de futuros levantes.' Os liberais queriam
preservar e expandir as reformas do genereal Boyen começadas em 1814/15 com o
estabelecimento da milícia nacional. A idéia de Boyen era de substituir um exército
de súditos (“Untertanen”) por um exército de cidadãos - um exército nacional do
povo11. Porém, Guilherme e seus partidários viam na milícia uma expressão do
espírito liberal nacional. Queriam um exército realista, mais conservador, que
fosse um instrumento de confiança contra os distúrbios domésticos. Queriam
aumentar o tempo de serviço de dois para três anos a fim de elevar o prestigio dos
militares, reduzir a influência civil e tornar o exército independente da opinião
pública. Guilherme e seus partidários acreditavam que a continuação de tempo de
serviço mais curto ampliaria o status da milícia, democratizaria ainda mais o
exército e tolhería a liberdade de decisão do governo. Guilherme acreditava que a
Câmara baixa tinha o direito e o dever de votar as despesas, mas que somente o rei
tinha poder sobre o exército e sua organização12.

A maioria liberal favorecia as reformas do exército, mas impunha duas


condições: um tempo de serviço de dois anos e a manutenção da proporção
existente entre o exército regular e a milícia. Em 10 de fevereiro de 1 860, quando o
governo apresentou um projeto de reorganização do exército que incluía uma
extensão do serviço e um pedido de 9,5 milhões de taleres, a comissão da Câmara
baixa rejeitou o pedido. Guilherme (então príncipe-regente) recusou-se a autori­
zar qualquer das mudanças que a comissão tinha sugerido. Ao contrário,.a posição
do governo foi a de que realmente não precisava da autorização do Parlamento
para uma reorganização do exército, porquanto este estava debaixo da exclusiva
jurisdição da Coroa. O Governo procurara a legislatura com espírito de coopera-
40 G^orge O. Kent.

çào, mas uma vez repelida, a Coroa invocava seus poderes executivos. Ao mesmo
tempo, o governo repetia o pedido de 9,5 milhões de taleres para o período de 1 ?
de maio de 1860 até 30 de junho de 1861, como medida provisória para aumentar
a prontidão de combate das tropas. O Ministro de Finanças, que apresentou o
pedido, reafirmou sua natureza provisória, assegurando aos delegados que, se os
fundos não fossem renovados, a medida global podería ser mais tarde revogada13.
Os delegados, acreditando que ainda seriam a voz decisiva na reorganização do
exército e confiando nas afirmações do Ministro das Finanças, aprovaram o
pedido do governo em 15 de maio de 1860, por uma votação de 350 a 2. No mesmo
dia, o governo dissolveu 36 regimentos da milícia; e medidas subsequentes torna­
ram ainda mais claro que, longe de considerar estas medidas provisórias, o
governo as tinha como permanentes. Durante a sessão legislativa seguinte, o gover­
no não introduziu nenhuma proposta de reorganização do exército, embora
a Câmara baixa por maioria consideravelmente menor, aprovasse de novo as
dotações “provisórias”. Ao mesmo tempo, pediu ao governo para submeter
propostas de reorganização do exército durante o ano seguinte14.

Os conservadores foram seriamente derrotados nas eleições de 1861. Seu


número foi reduzido a 14, enquanto 250 liberais foram eleitos. (Estes eram
compostos de 91 antigos liberais {“Aldiberale”), 50 do centro liberal (“linkes
Zentrum”), e 109 radicais liberais (“radikale Linke”)15. Em resposta ao pedido da
Câmara baixa, o governo apresentou um projeto para a reorganização do exército.
Era a mesma lei rejeitada pela Câmara baixa no ano anterior. Obviamente, nem o
governo mudava a sua política nem se intimidava pelos resultados da eleição. De
outro lado, a Câmara baixa não queria prorrogar as dotações “provisórias” do
exército. Antecipando modificações orçamentárias pelo governo, um delegado
liberal (Hagen) pediu que o governo submetesse um orçamento detalhado para o
ano fiscal corrente (1862). Era o que o governo nâo queria fazer. Guilherme
dissolveu o Parlamento em 11 de março de 1862. Os ministros liberais no governo
foram demitidos e substituídos por elementos mais conservadores. A chamada era r
liberal chegara ao fim16.
As novas eleições em maio de 1862 demonstraram a mesma tendência do ano
anterior e os conservadores foram novamente derrotados. Perderam três cadeiras e
somente mantiveram onze, enquanto os liberais ganharam 35, num total de 285,
perfazendo 80% da Câmara baixa. Nestas circunstâncias, era pouco provável que a
Câmara baixa fizesse concessões, e muitos ministros, inclusive Roon, aconselha­
ram o rei1' a fazer um acordo com a maioria liberal e a aceitar o tempo de serviço
de 2 anos para o exército. Porém, Guilherme não se deixou persuadir. Estava
pronto a governar sem um orçamento, embora os seus ministros o avisassem, em 9
de setembro de 1862, que isso era inconstitucional. Os liberais sugeriram um acor­
do: concordavam em criar e pagar novos regimentos de tropas de combate, se
o governo concordasse com o serviço de 2 anos. Os ministros do rei aprovaram
este compromisso, mas o rei insistiu nos 3 anos de serviço. Durante um conselho
da Coroa, em 17 de setembro de 1862, Guilherme reafirmou seus pontos de vista e
Bismarck e seu tempo 41

declarou-se pronto a renunciar à coroa se os ministros insistissem em um compro­


misso com a Câmara baixa18. Nesse dia, Roon mandou o seu telegrama para Paris,
pedindo a Bismarck que voltasse a Berlim imediatamente.

É fácil acusar ambas as partes deste conflito de teimosia excessiva e de se


concentrarem em pontos aparentemente menores enquanto o país era envolvido
em uma grave crise constitucional. Porém, o debate sobre a duração do serviço no
exército era somente a ponta do “iceberg”. Subjacente estava a questão fundamen­
tal de quem deveria exercer o poder no Estado: a Câmara baixa ou a Coroa. Os
liberais estavam determinados a usar o conflito e o seu controle orçamentário para
alcançar o poder no parlamento; este poder poderia ser então usado para iniciar
uma política nacional alemã nos assuntos externos da Prússia. Pretendiam
também chegar a um governo parlamentar e restringir os poderes da coroa
prussiana pela representação popular. Os liberais prussianos tentaram lograr, de
modo geral, um sistema democrático-constitucional que tinha sido desfeito pela
contra-revolução de 1848-49.

Era precisamente a isto que se opunha Guilherme com todos os meios e


energia de que dispunha. Nem estava pronto a permitir a erosão dos privilégios
reais nem queria submeter os poderes tradicionais da monarquia a um voto
popular. Se qualquer das duas coisas ocorresse, escreveu o grão-duque de Baden,
“seriamos escravos do parlamento”. Guilherme estava convencido de que a coroa
prussiana tinha sido outorgada aos Hohenzollerns pela graça de Deus e que ceder
às demandas da Câmara baixa do parlamento seria desprezar a vontade de Deus e
levaria a uma monarquia burguesa. Assumindo a decisão final sobre a reorganiza­
ção do exército e duração do serviço militar, Guilherme sentia que estava
defendendo a prerrogativa real como base indiscutível da constituição19.

uG A batalha estava travada. A nomeação de Bismarck não pareceu contribuir em


nada para a sua solução. Muitos comentaristas da época recusaram-se a levar esta
nomeação a sério e consideravam Bismarck incapaz de tirar o pais desta grave crise
doméstica20. Os liberais consideravam-no um ultraconservador, e sua nomeação
“o ato de um rei desesperado”21. Os conservadores acreditavam-no excessiva­
mente liberal, pragmático e inconfiável'0 próprio Bismarck estava perfeitamente
consciente dos perigos e frustrações de sua posição. Sabia que a rainha antagoniza-
va e se opunha a sua política e que muitos na Corte e em posições influentes
simpatizavam com ela. Devia sua nomeação ao rei e não a qualquer facção
parlamentar ou governamental; ela se baseava inteiramente na firmeza e confiança
de Guilherme e só este poderia demiti-lo. O rei tinha levado muito tempo para
vencer suas suspeitas sobre Bismarck e só uma crise grave forçara Guilherme a
aceitar seus serviços. A aparente submissão de Bismarck às opiniões do rei e a sua
, postura uv
^/ujtuia de vassalo
v ao aceitando a nomeação do seu senhor feudal tocou-lhe numa
corda sensível1 e foi decisiva para a decisão de Guilherme. Bismarck não era
y r totalmente insincero, pois acreditava profundamente neste relacionamento feu-
>:
k-. vAi W.
42 George O. Kent.

dal. Sua adesão ao rei foi reforçada pela verificação de que a preservação de uma
monarquia pnissiana forte possibilitaria a solução dos principais problemas que a
Prússia teria de enfrentar no fúturo/Bismarck também estava preocupado com a
possível abdicação de Guilherme, que enfraquecería seriamente a causa realista
tão profundamente cara a Bismarck. Em sua opinião, a maioria da Câmara baixa
não era verdadeiramente representativa do povo prussiano, mas tão-somente da
burguesia prussiana. A Prússia era uma criação da dinastia Hohenzollern. Não era
uma nação, pois suas partes oriental e ocidental não tinham identidade nacional.
Uma política prussiana eficiente só seria pois, possível, sob uma forte liderança
monárquica, e isto requeria um exército poderoso sob controle real absoluto22.

Bismarck começou sua nova carreira tentando conciliar a oposição. Ofereceu


postos no gabinete aos deputados liberais Vincke, Simson e Svbel. mas não foi
capaz de conceder-lhes o serviço militar de 2 anos, em que os liberais insistiam.
Em particular, Bismarck prometeu persuadir o rei a adotar os 2 anos (que
Bismarck preferia porque resultaria em maior número de reservas treinadas), mas
estas perspectivas eram remotas e os liberais, não querendo procrastinar o
problema, recusaram-se a participar do governo2’. Assim, o novo Primeiro-
Ministro tinha de encontrar novos meios de resolver o conflito.

;y—Seguindo ordens reais, ele retirou o orçamento para 1863 que havia sido
submetido à Câmara baixa com o orçamento de 1862. Fazendo isto, o governo
tornou impossível qualquer tentativa da oposição eliminar fundos para a
reorganização do exército no ano corrente. Ao mesmo tempo, Bismarck deixou
claro que, se a Câmara baixa recusasse fundos militares para 1862, ele governaria
sem um orçamento. Em seu discurso de 30 de setembro de 1862, defendeu esta
política, lembrando aos delegados que havia aceito a sua nomeação pelo rei com a
condição de que, se necessário, governaria sem um orçamento. O parlamento
prussiano, acentuou ele, não tinha poder exclusivo sobre as dotações. Ao contrá­
rio, era necessário que as Câmaras alta e baixa, juntamente com a Coroa, chegas­
sem a um acordo. Se um dos três rejeitasse um orçamento proposto, haveria uma
“tabula rasa” - uma pedra limpa. Neste caso, que pode ser considerado uma
emergência, o governo tem o direito de govemar sem um orçamento, pois a Coroa
mantém todos aqueles direitos não conferidos expressamente ao parlamento pela
constituição. Era essa a famosa teoria de Bismarck da “brecha constitucional”24.

Bismarck lembrou aos seus ouvintes que o povo alemão olhava para a Prússia
<y (não pelo seu liberalismo, mas pelo seu poder. Já tinham sido perdidas muitas
oportunidades da Prússia exercer sua liderança na Alemanha. A Prússia precisava
concentrar seu poder; suas fronteiras, tais como fixadas pelo Congresso de Viena,
não são adequadas ao desenvolvimento saudável. “As grandes questões do
momento não serão decididas por discursos e resoluções damaioria - estes foram
os erros de 1848 e 1849, mas pelo ferro e pelo sangue ”25. Esta frase (logo trans­
posta para sangue e ferro”) tomou-se instantaneamente famosa. Seu signifi­
cado tem sido debatido sem cessar. Contrariamente a muitas interpretações, a
Bismarck e seu tempo 43

declaração simplesmente reconhecia as realidades políticas existentes; nada dizia


sobre os planos de Bismarck para a unificação da Alemanha. Bismarck verificou
antes de muitos que a Áustria não permitiría que a Prússia a igualasse em status na
Alemanha. Portanto, se a Prússia desejava um papel de liderança na Alemanha,
como os próprios liberais desejavam, as conferências e debates eram inúteis e só a
força daria resultados. z

No entanto, a Câmara baixa não se impressionou com o discurso de Bismarck.


Aceitou o orçamento para 1862, mas suprimiu todas as despesas militares. A
Câmara alta, contudo, aceitou o orçamento do governo, inclusive os itens
militares, complicando ainda mais o conflito constitucional. Como resultado,
Guilherme dissolveu as duas câmaras, em 13 de outubro de 1862, proclamou um
estado de emergência e anunciou a intenção do governo de submeter uma lei de
indenizações do Parlamento, logo que voltassem as condições normais26.

A sessão parlamentar de 1863 foi tão fútil como a anterior, exceto que
Bismarck encetou uma campanha contra os liberais em todo o país, restringindo a
liberdade de imprensa c prevenindo os conselhos municipais a não se engajarem
em atividades políticas (isto è, antigovemamentais). Houve considerável protesto
popular contra estas medidas e o principe-herdeiro delas se desvinculou aberta­
mente27. Bismarck não tomou conhecimento dos protestos. O Parlamento foi
novamente dissolvido e novas eleições convocadas para 28 de outubro de 1863. Foi
eleita uma maioria liberal ainda maior. O impasse continuava. O governo cobrava
impostos e despendia verbas sem autorização parlamentar; o povo não objetava.

Quando Johann Jacoby, um deputado liberal, sugeriu que o povo recusasse


pagar impostos, foi preso por declarações subversivas. Ferdinand Lassalle,
conhecido lider socialista e trabalhista, comentando a situação, comparava as
condições na Inglaterra com as da Prússia.

“Na Inglaterra.”, escreveu Lassalle, “se o coletor de taxas viesse cobrar taxas
não votadas pelo parlamento, seria expulso da casa pelos cidadãos. Se o cidadão
fosse detido e levado a julgamento, seria liberado pela Corte e mandado para casa
com um elogio por ter resistido a uma força ilegal. Se o coletor viesse com tropa, os
cidadãos mobilizariam os vizinhos e amigos para se opor à força com a força.
Haveria uma luta com possível perda de vida. O coletor de impostos seria então
arrastado aos tribunais sob acusação de homicídio e sua defesa de que agira
“obedecendo a ordens” não seria aceita pela Corte britânica, pois estivera
engajado em um “ato ilegal”. Ele seria condenado à morte. Se o cidadão e seus
amigos matassem quaisquer soldados seriam liberados pois estavam resistindo a
uma força ilegal”. “E porque todos sabem que isto aconteceria”, escreveu
Lassalle, “todos se recusariam pagar as taxas - mesmo os indiferentes - a fim de
não serem considerados maus cidadãos”.
44 George O. Kent. I
“Na Prússia", continua Lassalle, “é diferente. Se o cidadão prussiano
expulsasse o coletor de impostos que viesse cobrar taxas não aprovadas pela Dieta,
ele seria arrastado ao tribunal para receber uma sentença de prisão por “resistência
à autoridade legal". Se resultassem luta e homicídio, os soldados seriam
protegidos da acusação porque “obedeceram ordens”, enquanto o cidadão que
tentou resistir pela força seria condenado e decapitado. Porque isto é assim e
porque desde o princípio tudo está contra os que se recusam a pagar, o governo se
sente confiante em qualquer ação que empreende e que todos os funcionários lhe
serão leais"28.
Um problema essencial durante o conflito constitucional era o de saber se a
avassaladora maioria liberal da Câmara baixa do parlamento prussiano refletia
exatamente os sentimentos de todo o país29. Bismarck. que compreendia melhor
as realidades políticas que a maioria de seus contemporâneos, duvidava que a
maioria da população prussiana fosse tão liberal como os delegados à Câmara
baixa. A população, acreditava ele, era na maior parte rural e conservadora,
e o sistema de votação de três classes não dava às massas populares oportunidade
adequada para fazer ouvidas as suas vozes. Eis porque Bismarck, para horror de
seus velhos amigos conservadores, favorecia o sufrágio masculino universal.
Acreditava, como Ferdinand Lassalle, que uma aliança entre a nobreza e os
trabalhadores derrotaria a classe média. Porém, isto ainda era coisa do futuro. O
resultado da eleição de 1863 não teria sido materialmente alterado pelo sufrágio
universal, nem o impasse entre o governo e oposição teria sido menos severo. No
entanto, os liberais, a despeito de sua maioria, sentiam-se menos seguros do que
poderia parecer. Eles não estavam certos do apoio que tinham no pais e eram
incapazes de evitar que o governo levasse adiante os seus negócios. Ademais, o
comércio e a indústria estavam prosperando e as políticas econômicas do governo
eram liberais e progressistas30.
Os “junkers”, entretanto, ainda acreditavam que tinham direitos inerentes à
liderança. Eles não compreendiam que a expansão industrial valorizaria suas
propriedades e que aumentaria a demanda por seus produtos agrários, o que, por
seu turno, transformaria os “junkers” em capitalistas da classe superior e
acrescentaria maior poder político à sua riqueza recém-adquirida.
Os liberais pareciam não ter percebido que estes desenvolvimentos lhes
deixavam pouco tempo para realizar seus objetivos. O fracasso dos liberais na
antecipação desta mudança no poder político era talvez devido à sua relutância
em adotar medidas radicais e à sua falta de acuidade política. Bismarck foi o
primeiro a reconhecer esta fraqueza dos liberais e as possibilidades econômicas
dos “junkers”31.

Em janeiro de 1864, tanto o governo como a oposição, reconhecendo a


impossibilidade da situação, se voltaram para os assuntos externos como um meio
de resolver o impasse. Aí, no emaranhado do problema do Schleswig-Holstein,
apareceu finalmente a possibilidade de um acordo.
Bismarck e seu tempo 45

NOTAS

EMeyer, “Bismarck’’, p. 172.

Ilbid. p. 171.

Ilbid. p. 172.

«G. W., 15:179.

Ilbid

Fuerst Bismarcks Briefc an seine Braut und Gattin”, ed. H. Bismarck (Stuttgan, 1900), pp. 513-14.

Huber, “Deutsche Verfassungsgeschichte seit 1789”, 3:280.

FM. Messerschmidt, “Die Armee in Staat und Gesellschaft-Die Bismarckzeit"; em M. Stuermer, “Das
úiserliche Deutschland. Politik und Gesellschaft, 1870-1918" (Duesseldorf, 1970), pp. 90-94.

O. Becker, “Bismarcks Ringen um Deutschlands Gestaltung", p. 94

)j. Huber, “Deutsche Verfassungsgeschichte seit 1789", 3:278. Veja também W. Sauer. “Das Problem
deutschen Nationalstaates”, em H. U. Wehler, ed., "Modeme deutsche Sozialgeschichte”
Colônia, 1968) p. 427.

l . O. Becker, “Bismarcks Ringen um Deutschlands Gestaltung", p. 96.

Ibid. p. 97. Transcendendo a questào financeira e militar, havia uma cisào fundamental entre os
>»ntos de vista da burguesia e da nobreza: “como representantes políticos de uma classe média
oonomicamente emancipada, os liberais prussianos compreendiam mal os remanescentes do velho
ggime, seus privilégios políticos e financeiros, a carga das despesas militares improdutivas sobre a
conomia e sua freqüente atitude protetora em face da burocracia. Para se livrar dessas cadeias, eles (os
aoerais) queriam não só poder econômico com também político. Essa era a situação por volta de 1860:
A Winkler, “Preussischer Liberalismus und deutscher Nationalstaat: Studien zur Geschichte der
ocutschen Fonschrittspartei 1861-66" (Tuebingen, 1964), p. 20.

tó. Huber, “Deutsche Verfassungsgeschichte seit 1789", 3:280-87.

11. O. Becker, “Bismarcks Ringen um Deutschlands Gestaltung", p. 98.

õ. Huber, “Deutsche Verfassungsgeschichte seit 1789”, 3:291-93.

5. WinkJer, “Preussischer Liberalismus”, pp. 14-15.

7. Guilherme foi coroado rei da Prússia, em Koenigsberg, aos 2 de janeiro de 1861.

•8. Huber, “Deutsche Verfassungsgeschichte seit 1789", 3:294-97.

>9. Ibid., pp. 98-99.

10. L. Reiners, “Bismarcks Aufstieg, 1815-1864" (Munique, 1965), pp. 354-56.


46 George O. Kent.

21. T. S. Hamerow, "The Social Foundations of German Unification, 1858-187 1: Struggles and
Accomplishments". 2 vols. (Princeton, N. J., 1972), 2:158.

22. O. Becker, "Bismarcks Ringen um Deutschlands Gestaltung", p 103

23. Huber, "Deutsche Verfassungsgeschichte scit 1789", 3:305.

24. Ibid., pp. 306-7; O. Pflanze, "Juridical and Political Responsibility in 19,h Century Germany”, em
L Krieger e F. Stem, eds., "The Responsibility of Power” (Garden City, N. Y., 1967), p. 179.

25. G. W. 10:140.

26. Huber, "Deutsche Verfassungsgeschichte seu 1789", 3:308-9.

27. Ibid., pp. 18-19

28. Citado por K. S. Pinson, "Modem Germany” (N. York, 1954), pp. 130-31.

29. O conflito constitucional na Prússia é provavelmente o caso mais claro e melhor para demonstrar os
pontos de vista dispares dos historiadores dos últimos cinqüenta anos. Erich Marcks, defensor de
Bismarck e um dos principais historiadores nacionalistas alemães, acreditava que a teoria da brecha
constitucional levantada pelo chanceler não pode ser considerada legalmente errada, embora o
governo exercesse de fato poderes ditatoriais. Segundo Marcks, os liberais e os moderados, apoiados
pela opinião pública, desejavam o parlamentarismo ocidental europeu. Bismarck, não podendo conse­
guir um acordo, atirou-se à luta com grande entusiasmo, arrastando o rei consigo. A oposição, por sua vez,
estava pronta a negar seu apoio em caso de guerra.zOs liberais estavam convencidos de que sem o apoio
do povo, a Prússia seria derrotada em semelhante guerra. Esta posição era necessária para livrarem-se
de Bismarck e do odiado governo. A luta dos liberais contra seu próprio Estado era uma pesada e
trágica responsabilidade, segundo Marcks, mas, afinal eles superestimaram sua força, porque o povo
prussiano, basicamente patriota, não os acompanhou.Z(E. Marcks, "Der Aufsúeg des Reiches”).
Apresentando o tradicional ponto de vista liberal, Eugcne N. Anderson, um historiador
americano que muito tem escrito sobre a moderna história européia e alemã, analisa de peno os
panicipantes c as situações em seu "Social and Political Conflict in Prússia, 1858-1864’’ (Lincoln,
Nebr., 1954). Ele acredita que "o povo prussiano, em sua grande maioria, se opunha à preservação dos I
vestígios do Velho Regime e desejava reformas". Eles compreendiam o alcance das questões em causa,
mas, devido a sua falta de experiência própria no governo e seu receio de violência, não atingiram seus
fins. Os liberais, contudo, não se renderam, até que a guerra austro-prussiana lhes deu meios para
conseguir um de seus mairoes objetivos - a unidade germânica. Segundo Anderson, Bismarck não era
somente competente no emprego do poder como também afortunado, beneficiando-se da melhoria da
economia. ■

Focalizando o Partido Progressista, Heinrich August Winkler, em seu “Preussischer Liberalismus:


Studien zur Geschichte der Deutschen Fonschrittspanei, 1861-1866” (Tuebingen, 1964), acredita que as
questões são mais complicadas do que Marcks ou Anderson admitem. Ele contesta o julgamento do
último sobre as eleições de julho de 1866 (Winkler, "Preussischer Liberalismus”, p. 92 n? 4, e afirma
que os pontos de vista dos liberais em política exterior eram consideravelmente mais agressivos e
militantes do que os de Bismarck. (p. 112, nota n? 59). Winkler também sustenta que a chamada
capitulação dos liberais alemães em 1866 foi mal-interpretada pelos historiadores mais antigos, E.
Marcks (“Der Aufstieg des Reiches”) e E. Brandenburg (“Die Reichsgruendung”), e pelos mais
recentes, F. C. Sell ("Die Tragoedie des deutschen Liberalismus”, Stuttgart, 1953) e H. Kohn (“The
Mind of Germany” - N. York, 1960). Segundo Winkler, a resistência ao crescimento do liberalismo foi
muito maior na Alemanha do que na Europa Ocidental, por causa do maior poder e das bases mais
firmes das dinastias locais; a Reforma e os acentuados sentimentos particularistas em toda a Alemanha

k I
Bismarck e seu tempo 47

também criaram fortes laços entre o povo e seus príncipes, mais fortes do que entre os outros povos da
Europa Ocidental e sua nobreza local. Estas razões justificam, segundo Winkler, o fato dos liberais
prussianos confiarem na nobreza que, com Stein e Hardenberg, efetuara uma revolução de cima para
baixo (pp. 115-116).

Abrindo novos horizontes, fugindo da preocupação usual com os assuntos diplomáticos e


políticos, Theodore S. Hamerow focaliza os aspectos sociais e econômicos da história do século
dezenove cm seus dois volumes do estudo “The Social Foundation of German Unification, 1858-
1871". De um vasto material de fontes até agora negligenciadas e com dados estatísticos, ele conclui
que a maioria do povo era indiferente ao conflito constitucional. “A luta entre a Coroa e o Parlamento
não resultou de uma confrontação deliberada. Foi antes o resultado inadvertido de estratagemas
políticos, cujo efeito não havia sido previsto. Hamerow diz que Bismarck rejeitou a possibilidade de
um golpe de estado aberto. Ele sentiu que nas condições políticas da sociedade moderna as
instituições parlamentares eram necessárias à compatibilidade de uma assembléia representativa com
a autoridade real, cm suma, eram necessárias ao governo monárquico”. Como estudo mais recente,
veja M. Cugcl, “Industricllcr Aufsticg und bucrgerlichc hcrrschafi: Sozio-oekonomische Interessen
und politischc Ziele des libcralcn Buergcrtums in Prcussen zur Zeit des Verfassungskonflikts, 1857-
1867” (Colônia, 1975).

30. Winkler, “Preussischer Liberalismus”, pp. 24-27.

31. Shlomo Na'aman, “Lassalle” (Hanover, 1970) p. 431.


5. AS TRÊS GUERRAS DE BISMARCK

A despeito de sua posiçào dura e de sua demonstração de confiança, Bismarck


não estava satisfeito com o conflito constitucional. Ele estava cônscio da opinião
pública e desejava apoio popular para as políticas governamentais, e não crítica e
oposição. Ele necessitava desse apoio especialmente nos assuntos externos onde,
como acreditava, os objetivos prussianos deveríam ser realizados.

Dois acontecimentos dificultaram sua política em 1863, no auge do conflito


constitucional: a revolta polonesa contra a Rússia e a tentauva da Áustria de
ingressar na União Aduaneira. A revolta na Polônia, em janeiro de 1863, deu a
Bismarck a oportunidade de estreitar seus laços com a Rússia, o que esperava
desde seu tempo de ministro em São Petersburgo. Quando os russos pediram
assistência militar prussiana ao longo da fronteira comum, o governo prussiano,
seguindo os precedentes de 1830-31 e 1848, mobilizou metade do seu exército e
fechou suas fronteiras aos insurgentes poloneses. O general Alvensleben, ajudante
geral do rei, foi enviado a São Petersburgo para encorajar mais cooperação e “para
fortalecer a resistência do czar ao partido pró-polonês entre seus conselheiros”1.
Um acordo que se tornou conhecido como a Convenção de Alvensleben foi
concluído em 8 de fevereiro de 1863: estipulava-se a cooperação e a assistência
mútua pelos comandantes militares russos e prussianos e a permissão recíproca
para cruzar-se a fronteira na perseguição de revolucionários poloneses. Embora
pretendendo ser secreto, os termos do acordo se tornaram conhecidos nas
principais capitais européias, ocasionando uma séria crise diplomáuca2. Napoleão
III, particularmente, estava preocupado, pois pretendia que a revolta era um as­
sunto interno russo e queria evitar pôr em risco suas relações amistosas com a
Rússia. A intervenção da Prússia tornava esta interpretação insustentável. Se um
poder conservador como a Prússia podia intervir para suprimir os poloneses, um
poder liberal como a França deveria ser capaz de ajudá-los. Não desejando
desafiar a Rússia diretamente, Napoleão pressionou a Prússia, sugerindo que a
demissão de Bismarck podería aliviar a tensão e propondo que a Inglaterra e
a Áustria apresentassem um protesto conjunto em Berlim.

A forte oposição liberal à Convenção Alvensleben no parlamento prussiano e o


descontentamento geral em toda Alemanha se juntaram ao alvoroço diplomático3.
Em Berlim, correram boatos de uma crise ministerial e da renúncia de Bismarck4.
Na tentativa de desarmar seus críticos e evitar complicações com a França e a
Inglaterra, Bismarck pediu a Gorchakov, o Ministro do Exterior russo, que
50 George O. Kent.

liberasse a Prússia de seus compromissos; este último concordou, declarando que


a Convenção nunca tinha sido posta em execução5. Assim, a primeira incursão de
Bismarck em política externa não foi um sucesso retumbante (o czar chamou-o de
“grande desastrado”), embora Bismarck e muitos historiadores depois dele
tentassem apresentá-la como tal6. Bismarck tentara usar a convenção para granjear
a gratidão russa e suprimir o levante antes que as potências ocidentais pudessem
intervir, e evitar uma aliança franco-russa; no entanto, foi forçado à retirada em
face de uma determinada oposição doméstica e externa'.
■‘■x

O segundo acontecimento, em 1863, relacionava-se à rivalidade austro-


prussiana pela supremacia na Alemanha. O governo austríaco percebeu que a
humilhação da Prússia em Olmuetz8 tinha sido somente um revés temporário e
que a liderança econômica da Prússia na União Aduaneira tinha consequências mais
sérias e duradouras. A Áustria procurou ingressar na União Aduaneira, esperando
assumir a liderança de uma área maior de mercado livre na Europa Centra]. Este
esquema tomou-se conhecido como o plano "Mitteleuropa”. Em teoria, era um
bom plano, e baseava-se nas realidades econômicas da época. A Prússia, cuja
economia era consideravelmente mais vigorosa que a da Áustria, olhava para a
Europa Ocidental e as oportunidades de livre comércio do tratado Chevalier-
Cobden entre a Inglaterra e a França (23 de janeiro de 1860), mais do que para o
sistema protecionista do império austríaco. Com esta finalidade, a Prússia, apoiada
pelos estados alemães do Norte, concluiu um tratado de comércio com a França
em agosto de 18629. O governo austríaco percebeu que o tratado franco-prussiano
fortalecia a posição econômica da Prússia na Alemanha e que as oportunidades da
Áustria de liderança econômica na Europa central se tinham reduzido ainda mais.

A fim de recuperar um pouco do prestígio perdido, a Áustria propôs uma


reorganização da Conferência Germânica que, se fosse aceita, lhe daria influência
preponderante nesta organização. Era um plano em duas panes. Primeiro, pedia
uma reorganização da Dieta de Frankfurt, criando uma assembléia de delegados
escolhidos pelas dietas estaduais. Semelhante assembléia aumentaria os votos da
Áustria e de seus aliados, em detrimento da Prússia. Bismarck respondeu a este
movimento com uma proposta para um parlamento alemão eleito pelo sufrágio
universal. Sem tomar posição quanto à proposta prussiana, a Dieta votou o .plano
austríaco e o derrotou em janeiro de 1863. O segundo plano austríaco envolvia a
substituição da Confederação por uma assembléia de príncipes, dirigida pelo
imperador austríaco. A chave para o seu sucesso, como foi claramente compreen­
dido pelos austríacos, era a cooperação prussiana. Para consegui-la, o imperador
austríaco, Francisco José, convidou pessoalmente o rei Guilherme para uma
assembléia dos príncipes alemães em Frankfurt. O rei, lisonjeado pela atenção
pessoal do imperador, estava inclinado a aceitar o convite, porém Bismarck opôs-se
energicamente. Segundo Bismarck, o plano austríaco, projetado para atrair maior
apoio alemão e liberal, impediría a política prussiana, negando-lhe uma voz
significativa nos assuntos alemães. Guilherme sentia que não podia recusar o

k
Bismarck e seu tempo 51

convite, mas Bismarck, depois de longas discussões e ameaças de renúncia,


finalmente persuadiu o rei a não ir. A abstenção da Prússia condenou o projeto
austríaco, mas um rompimento completo entre as duas potências foi evitado
quando Bismarck sugeriu uma política conjunta na questão do Schleswig-
Holstein.

.4 Guerra Dinamarquesa. - A questão do Schleswig-Holstein ressurgiu na cena


diplomática européia na primavera de 1863, quando o rei Frederico VII da
Dinamarca anunciou, por decreto real, a incorporação do Schleswig e uma nova
constituição para o Holstein10. Este ato violava o Protocolo de Londres de 1852
que garantia a inseparabilidade dos ducados de Schleswig e Holstein e os colocava
em união pessoal com a coroa dinamarquesa. A proclamação do rei Frederico
também foi uma violação das garantias dadas pela Dinamarcaà Áustria e à Prússia,
cm 1852, de que os ducados não seriam separados um do outro e nem
incorporados à Dinamarca. Enquanto os dinamarqueses estavam confiantes no
apoio dos ingleses e dos suecos, a Confederação Germânica (de que o Holstein era
membro) ficou muito agitada e a opinião pública alemã sentiu-se afrontada. A
inglória campanha da Prússia c a derrota da Assembléia Nacional de Frankfurt na
questão dinamarquesa em 184811 não tinham sido esquecidas e nem o governo
prussiano nem o seu povo queriam umá repetição desses infelizes eventos. Assim,
quando o rei dinamarquês morreu, em 15 de novembro de 1863, os nacionalistas
alemães defenderam o duque Frederico de Augustenburgo como legitimo herdeiro
dos ducados e queriam sua independência da Dinamarca. De acordo com o
Protocolo de Londres, entretanto, o príncipe Cristiano devia ser o sucessor da
coroa dinamarquesa e dos ducados.

Para Bismarck, a situação era ainda mais complicada. De um lado, sentia que a
Prússia, neste caso, não podia desprezar os objetivos nacionais alemães se aspirava
à liderança na Alemanha. De outro lado, apoiando o duque de Augustenburgo,
violaria o Protocolo de Londres e teria a Inglaterra, a França e a Rússia contra a
Prússia. Ademais, Bismarck acreditava que não era do interesse da Prússia provocar
tantas perturbações por causa dos objetivos nacionais alemães se, no fim de tudo,
se defrontaria com mais um estado alemão a dar o seu voto contra a Prússia na
Dieta. Uma política mais sábia seria incorporar os ducados à Prússia, se necessário
pela força. Obviamente, Bismarck não poderia anunciar estes objetivos. Ao
contrário, apoiou cuidadosamente a opinião pública alemã, sem contudo endos­
sar as reivindicações do duque de Augustenburgo. Ao mesmo tempo, instigou a
Áustria ajuntar-se à Prússia em qualquer ação apropriada contra a Dinamarca. (A
intenção era, principalmente, impressionar a Inglaterra, a França e a Rússia, a fim
de evitar o isolamento da Prússia, assegurando-lhe superioridade militar em caso
de guerra.) Os austríacos, contrários a políticas belicosas, ficariam satisfeitos se a
Dinamarca voltasse às garantias do Protocolo de Londres. O rei Guilherme,
entretanto, estava entusiasmado com o plano de arrancar os ducados da
Dinamarca, colocando-os sob o domínio do duque de Augustenburgo.
52 George O. Kent.

Quando a Dieta Federal votou a favor da intervenção militar na Dinamarca(19


de outubro de 1863), e tropas hanoverianas e daSaxônia invadiram o Holstein (24
de dezembro de 1863), as grandes potências foram forçadas a reexaminar sua
atitude em face do conflito iminente. A Inglaterra, cujo apoio à Dinamarca tinha
sido sempre seguro, ficou embaraçada pela anulação dinamarquesa do
Protocolo de Londres e, depois de prolongados debates, decidiu que não poderia
ir à guerra em defesa desta quebra de um instrumento internacional12. A Rússia,
em virtude do recente apoio de Bismarck durante a insurreição polonesa, ficou do
lado da Prússia, contente por pagar à Inglaterra e à França pelo seu desempenho
anti-russo durante o levante polonês. A França também não tinha nenhuma
intenção de correrem auxílio dos dinamarqueses. De fato, Napoleão III encorajou
secretamente Bismarck a anexar os ducados, deixando perceber que algumas
compensações territoriais ao longo da fronteira Nordeste da França ou do Reno
seriam bem recebidas em troca da sua neutralidade.

' Em 16 de janeiro de 1864, a Prússia e a Áustria concluíram uma aliança e


enviaram um ultimato à Dinamarca. Pediam aos dinamarqueses a revogação da
Constituição de novembro de 1863 que anunciara a incorporação do Schleswig à
Dinamarca. Quando a Dinamarca rejeitou o ultimato, as tropas aliadas entraram
no Schleswig, em l.° de fevereiro, anunciando sua intenção de evitar a união ile­
gal do Schleswig com a coroa dinamarquesa e negando qualquer intenção de
destruir o reino dinamarquês. Nestas circunstâncias, as potências acharam
impossível socorrer os dinamarqueses e proclamaram sua neutralidade.

A crise criou um sério dilema para os liberais prussianos. Enquanto os


moderados apoiavam as reivindicações do duque de Augustenburgo e insistiam em
que o governo apoiasse sua causa, os liberais vacilavam entre o apoio à anexação
imediata dos ducados e a recusa de apoiar o governo em uma guerra agressora. Era
o velho problema da liberdade contra o poder. A situação se tornou urgente em 9
de dezembro de 1863, quando o governo apresentou um projeto de lei à Câmara
baixa solicitando 9 milhões de taleres para financiar operações militares contra a
Dinamarca. Era uma manobra política para dividir a oposição, pois o governo não
necessitava realmente deste dinheiro. Se a maioria liberal na Câmara baixa
recusasse a autorização, a opinião pública consideraria os liberais impatrióticos e
estes ficariam desacreditados. Para os liberais, a escolha era tanto crucial como
penosa. Aprovar os fundos significaria reconhecer a derrota no conflito consti­
tucional; rejeitá-los significaria opor-se ao movimento de unificação alemã e
perder o apoio público, que os liberais não se podiam permitir13. Depois de longos
debates, a Câmara baixa rejeitou o pedido do governo, por uma votação de 275 a
51 (22 de janeiro de 1864). Os liberais acreditavam que poderíam causar a renúncia
de Bismarck e resolver o conflito constitucional favoravelmente. Porém, estavam
enganados. A vitória militar austro-prussiana despertou o entusiasmo nacional
alemão e, pela primeira vez, Bismarck gozou de apoio popular. Foi feito um
armistício com a Dinamarca e as potências se reuniram em Londres em 25 de abril
Bismarck e seu tempo 53

para concluir um acordo. Quando no curso das negociações, o conde Bernstorff,


representante da Áustria, da Prússia e dos estados germânicos menores declarou o
Protocolo de Londres sem efeito, as potências protestaram, mas não foram capazes
de concordar sobre um substitutivo. Foi igualmente impossível concordar numa
solução para o Schleswig, de modo que a conferência terminou a 25 de junho e as
operações militares foram retomadas no dia seguinte. Desta vez, os dinamar­
queses foram batidos decisivamente; na paz preliminar, em Viena, em I.° de
agosto, entregaram os ducados dc Schleswig, Holstein e Lauenburg à Áustria e à
Prússia. O acordo final foi assinado, em Viena, em 30 de outubro de 1864.

O maior problema dos aliados era a divisão dos despqjos. Em uma


conferência, em Schoenbrunn, em fins de agosto, Rechberg, Ministro do Exterior
austríaco, propôs: a Prússia se assenhoraria dos ducados e, em troca, auxiliaria a
Áustria na recuperação da Lombardia (perdida pelos austríacos aos italianos, em
1859, ao fim da guerra austro-sarda). Era uma proposta impensada, pois
significaria o desmembramento da Itália, recentemente unificada, bem como
despertaria a inimizade de um Napoleão III desconfiado, preço que a Prússia não
queria pagar. Sem mencionar estas considerações, Guilherme e Bismarck recusa­
ram a oferta austríaca com muitas expressões de boa vontade - sem resolver o
principal problema.

Tinha ficado claro à maior parte dos observadores alemães que a Prússia, sob a
direção habilidosa de Bismarck, tinha se saído melhor do que a Áustria na questão
do Schleswig-Holstein, mas que planos teria para o futuro? A determinação da
política de Bismarck em relação à Áustria é essencial para a compreensão de seus
objetivos de longo alcance: estabelecería se ele planejou e queria ou não a guerra
com a Áustria e também revelaria sua atitude quanto à unificação alemã. Se o seu
objetivo inicial, como acreditam alguns historiadores14, era a cooperação com a
Áustria em troca de hegemonia prussiana na Alemanha do Norte, a unificação de
toda a Alemanha sob a liderança prussiana não era um objetivo sério. Se, porém,
Bismarck era a favor da guerra com a Áustria, sua política declarada de cooperação
austro-alemã era somente um pretexto e a liderança prussiana em uma Alemanha
unificada era um objetivo definido.

Havia ainda, não resolvido, o conflito constitucional interno. Isto limitava a


liberdade de ação do governo e reduzia a posição da Prússia aos olhos dos outros
estados alemães. Entretanto, se uma guerra com a Áustria pudesse ser utilizada
para desviar a atenção do povo dos assuntos internos, Bismarck acreditava que
ambas as crises poderíam ser resolvidas simultaneamente. O entusiasmo dos
liberais por uma causa nacional facilitaria semelhante política e ele esperava que o
povo nos outros estados alemães acompanhasse a Prússia ou, ao menos,
simpatizasse com seus desígnios.
54 George O. Kent.

Depois da guerra dinamarquesa, a Áustria e a Prússia mantinham exterior­


mente uma frente comum e unidade de propósitos, enquanto a luta pela
supremacia econômica continuava nos bastidores. Rechberg novamente apresen­
tou o plano austríaco "Mitteleuropa” aos membros da Confederação Germânica
na errônea suposição de que a Prússia dependera do apoio austríaco durante a
guerra dinamarquesa e necessitava do voto dos estados alemães menores para
obter uma renovação da União Prussiana Aduaneira. Os tratados da União
Aduaneira deviam expirar em fins de 1865, mas Bismarck já anunciara em
dezembro de 1863 que sua renovação devia ser feita em 1864, colocando os
estados-membros sob considerável pressão e causando confusão em suas fileiras.
Concluindo um tratado de comércio com a Saxônia, em maio de 1864, Bismarck
fortaleceu ainda mais aposição econômica da Prússia, o que, combinado com a ma­
nifesta liderança prussiana na guerra dinamarquesa, deixou claro aos estados me­
nores que não lhes era permitido a União Aduaneira. Política e culturalmente muitos
desses estados preferiam a Áustria à Prússia; contudo seus laços econômicos com a
Prússia eram tão fortes que simplesmente não permitiam uma mudança. Pode,
pois, dizer-se que “a batalha para a dominação político-econômica da Alemanha
foi decidida quando a continuação da União Aduaneira Ptussiana... foi assinada
em Berlim, em 28 de junho de 1864”15.

h A Guerra Austríaca — O problema da divisão dos dcspojos da guerra dina­


h marquesa ainda permanecia sem solução. Tornou-se um assunto irritante. A
administração conjunta austro-prussiana dos ducados continuamente se irritava e
disputava, em nível local, o que facilmente se poderia transformar em desen­
tendimentos políticos mais sérios. Embora esta não tenha sido a intenção original
de Bismarck - especialmente na época (outubro de 1864) em que Mensdorff
substituiu Rechberg como Ministro do Exterior austríaco -, ele estava consciente
desta possibilidade - e, em princípios de 1865, informou a Áustria das condições
da Prússia para o estabelecimento de um estado do Schleswig-Holstein16. Para
todos os fins práticos, o pleito prussiano era a dominação prussiana completa,
especialmente em matéria de comunicações e negócios militares (os soldados do
Sçhleswig-Holstein deveríam jurar lealdade ao rei da Prússia). A questão do futuro
governante dos ducados foi deixada provisoriamente em aberto. O governo
austríaco rejeitou a nota prussiana, baseando-se em sua incompatibilidade com a
constituição da Confederação Germânica, particularmente a cláusula que esti­
pulava que a federação era uma assembléia de príncipes-soberanos. A nota
prussiana era também um rompimento com o duque de Augustenburgo, que
Bismarck suspeitava ter tendências liberais e estar em estreito contato com seus
inimigos na Corte.

Um mês tlepois, o governo prussiano transferiu seu principal estabelecimento I


naval de Danzig para Kiel, indicação clara de que esperava anexar os ducados
permanentemente. Em uma reunião da Coroa prussiana, em maio de 1865, o rei
e Moltke (comandante do Estado-Maior) se expressaram em favor da anexação, a

L
Bismarck e seu tempo 55

despeito de qualquer conseqüência, enquanto o príncipe-herdeiro se opunha


fortemente. Bismarck parecia indeciso. Embora advogasse mais negociações para
um acordo pacífico, nào rejeitava a possibilidade de guerra e prevenia (isto era
dirigido ao príncipe-herdeiro) que a força nunca poderia ser excluída completa­
mente. Preparando-se para esta eventualidade, Bismarck sondou os governos
francês e italiano, de ambos recebendo demonstrações de reiterada confiança. A
Itália estava ansiosa para tirar o Veneto da Áustria, e a França, menos específica em
suas expectativas territoriais, sempre esperava uma compensação ao longo do
Reno. A aventura mexicana de Napoleão ia mal e a possibilidade de uma aliança
austro-prussiana no centro da Europa não era de seu agrado.

É impossível determinar o momento exato em que Bismarck decidiu ir à


guerra contra a Áustria1' Como usualmente, manteve suas opções em aberto e
seguia várias políticas simultaneamente. A situação política européia era mais
favorável a uma política externa prussiana ativa do que tinha sido no passado, e
Bismarck tinha percebido isto. No momento vantajoso, bombardeou o governo de
Viena com queixas sobre a administração dos ducados, acusando funcionários
austríacos, entre outras coisas, de apoiar as atividades revolucionárias do duque de
Augustenburgo e ameaçando com uma ação unilateral, a menos que os austríacos
cooperassem, removendo o duque dos ducados18. Os austríacos não sabiam como
tratar estas provocações. Tinham acabado de mudar de governo (Schmerling-
Belcredi, julho de 1865), estavam em meio a um crise financeira e econômica e
tinham dificuldades com os húngaros. Eles sugeriram negociações diretas.
Bismarck concordou e estas conduziram à Convenção de Gastein, em 14 de agosto
de 1865. De acordo com seus termos, a administração conjunta dos ducados foi
subsutuída por uma divisão '‘provisória”: a Áustria administraria o Holstein,
enquanto a Prússia assumiría a responsabilidade do Schleswig e adquiria os
direitos da Áustria sobre Lauenburg por 2,5 milhões de taleres.

A opinião pública alemã ficou profundamente chocada. Não somente as duas


potências desprezaram as reivindicações consideradas justas do duque de
Augustenburgo, como tinham violado o ideal pelo qual os alemães pensavam ter
combatido os dinamarqueses em 1848 e 1864: a unidade dos ducados. O povo nos
estados menores estavam especialmente desapontado com a Áustria por haver
abdicado de seu papel de liderança nos negócios alemães e por abandonar sua
política conservadora. Em quase toda parte, a Convenção de Gastein era
considerada uma vitória da Prússia e uma derrota da Áustria.

Bismarck, porém, considerava o acordo apenas temporário. Para preparar a


fase seguinte (e para rever Kathy Orlow), viajou para Paris e Biarritz. O acordo
austro-prussiano nào agradara aos franceses e, em uma nota circular de 29 de
agosto de 1865, eles acusaram as duas potências de basear seu acordo no poder e
na força19. Ademais, o governo francês unha suspeitas de acordos secretos, dos
quais fora excluído, e estava seguro de que a Prússia deveria ter dado à Áustria
56 George O. Kent.

alguma compensação adicional para obter um acordo tão favorável20. Bismarck


foi à França para tranqüilizar Napoleão III e para solicitar-lhe a amizade e
compreensão francesas. Deve ter sido bem-sucedido nesta missão, embora
deixasse de encontrar Kathy Orlow (ela tinha ido para Torquay e não o havia
avisado de sua mudança de planos) e sentisse sua falta. Voltou para Berlim
exaltado: "Pisaremos nos calos da Áustria", disse a Thiele, subsecretário no
Ministério do Exterior, ‘‘faremos uma aliança com a Itália, castraremos o
Augustenburgo e violaremos a Confederação’’21.

A situação nos ducados não melhorou em seguida ao acordo de Gastein. A


administração austríaca em Holstein era mais descuidada do que a prussiana em
Schleswig e as diferentes atitudes das potências de ocupação em relação às
reivindicações do duque de Augustenburgo contribuíram para a fricção subjacente
entre as potências e entre elas e a população local. Bismarck não estava descontente
com isto. Estava determinado a manter estas e outras dissensões bem vivas e, se
necessário, exagerá-las. Como anteriormente, mandava uma corrente constante
de reclamações a Viena, acusando os austríacos de abandonar as políticas

11 conservadoras assentadas em Gastein, e ameaçando uma ação unilateral no


futuro22. O posicionamento de Bismarck como pane afetada e ofendida não
buscava somente acentuar os erros do governo austríaco, como também endure­
j cer a posição do rei. Sua tática deu certo, pois no Conselho da Coroa prussiana de
28 de fevereiro de 1866, Guilherme acusou os austríacos de, propositadamente,
alienar do governo prussiano23 a população do Schleswig-Holstein. Durante as
discussões sobre as relações austro-prussianas e a possibilidade de guerra, todos os
participantes, com exceção do principe-herdeiro, concordaram que a guerra era
inevitável e que não seria iniciada pela Prússia, mas dela não se fugiria. Este enfoque
era necessário para permitir os preparativos diplomáticos adequados e negociar
com a Itália. Para este fim, o rei, seguindo uma sugestão de Bismarck, concordou
em mandar uma missão a Florença. Moltke confiava na preparação do exército
prussiano, mas considerava o efeito diversionista do exército italiano essencial a
uma vitória militar sobre a Áustria.

A preocupação de Bismarck com a cooperação italiana vinha da Convenção de


Gastein. Temia que os italianos considerassem a aliança italo-prussiana comple­
tamente fútil. Foi exatamente dessa maneira que o governo italiano avaliou a
situação. Os italianos suspeitavam da política prussiana e teriam preferido alcançar
um acordo pacífico com a Áustria sobre a aquisição de Veneza. Porém, os
austríacos, sabedores de intrigas de Bismarck em Paris e em Florença e confiando
em que podiam derrotar os italianos e os prussianos, não tomavam uma decisão.
Em vez de se aliarem aos italianos ou aos prussianos, conseguiram antagonizar
ambos. Uma razão para sua atitude de incompreensão era o orgulho dos
Habsburgs, que os impedia de tratar com os prussianos em base de igualdade, ou
de reconhecer o governo italiano como legítimo.

k
Bismarck e seu tempo 57

Em fins de 1865, quando os italianos chegaram à conclusão de que era pouco


provável um entendimento com Viena sobre o Veneto, tomaram-se mais
sensíveis às aproximações prussianas. Em fins de fevereiro de 1866, os italianos
estavam prontos a aliar-se à Prússia contra a Áustria e enviaram o general Gavone a
Berlim para elaborar os detalhes24. (Isto tomou desnecessária a idade uma missão
prussiana a Florença.) Como conciliar os objetivos italianos e prussianos foi um
grande problema. A Itália queria uma aliança curta, para o tempo da guerra,
esperando um pronto rompimento das hostilidades. A Prússia necessitava mais
tempo para preparar-se e criar uma provocação adequada para iniciar a guerra.

Neste ponto, Bismarck compreendeu que, aos olhos da opinião pública, a


questão dos ducados não seria causa suficiente para uma guerra contra a Áustria;
começou a considerar então algo mais de acordo com as aspirações nacionais
comuns alemãs - a reorganização da Confederação Germânica ou a reestruturação
da Dieta Federal. Qualquer das duas coisas significaria um adiamento da guerra e
isto faria os italianos menos ansiosos por uma aliança com os prussianos. A chave
dessa aliança, compreendiam as duas panes, era Napoleão III, e Bismarck teve o
cuidado de manter Benedetti, o embaixador francês, plenamente informado do
progresso das negociações. Benedetti, por seu turno, tranqüilizou os italianos,
acentuando especialmente a determinação de Bismarck de fazer guerra à Áustria.
O momento decisivo foi quando Napoleão, pessoalmente, informou um emis­
sário especial italiano de que a Itália deveria assinar a aliança com a Prússia. Os
italianos aceitaram o conselho de Napoleão e, em 8 de abril de 1866, Gavone e
Bismarck assinaram o tratado de aliança em Berlim. Era limitado a 3 meses e de
modo nenhum forçava a Prússia. Se a Prússia declarasse guerra à Áustria durante
este período, a Itália a acompanharia e as duas potências concordaram em não
concluir armistício ou paz em separado. Em caso de vitória, a Itália obteria o
Veneto, e a Prússia algum território de população e tamanho similares. Não há
dúvida que com este tratado a Prússia cometia uma grave transgressão da lei
quanto às disposições da Confederação Germânica, que proibiam a qualquer
membro aliar-se a uma potência estrangeira contra outro membro da federação.
De fato, o rei estava desconfortavelmente ciente desta transgressão e manteve o
tratado como um bem guardado segredo.

Estando bem cuidados os assuntos de política externa, Bismarck tinha ainda


que encontrar uma solução para um problema interno muito sério: como
financiar a guerra. Embora fossem cobrados pesados impostos sem uma autori­
zação orçamentária, o Parlamento não aprovaria fundos adicionais, nem “permiti­
ría vender propriedades do estado sem aprovação parlamentar”25. Nesta difícil
situação, dirigiu-se a seu confidente e banqueiro particular, Gerson Bleichroeder26.
Fora Bleichroeder que concebera originalmente um plano de venda da estrada de
ferro Colônia-Minden vetado pelo Parlamento, em janeiro de 1866. Agora, a
pedido do novo Ministro de Finanças, Augusto von der Heydt, Bleichroeder e seu
velho amigo e colega banqueiro Hansemann, formaram um consórcio para
58 George O. Kent.

comprar as ações governamentais da estrada de ferro Colônia-Minden; dessa


forma, forneceu a Bismarck os fundos necessários à preparação da guerra27.

Os austríacos, entrementes, informados das negociações italo-prussianas,


esperavam que o tradicional conservadorismo de Guilherme excluísse qualquer
ação firme e comprometedora entre a Itália e a Prússia. Nada conseguindo, os
austríacos encetaram as negociações com os franceses e, em 12 de junho de 1866,
com eles concluiram um tratado secreto. Pelos seus termos, os austríacos
concordavam, em troca da neutralidade francesa, com a cessão do Veneto aos
italianos, se os exércitos austríacos fossem vitoriosos na Alemanha. Ainda mesmo
que os austríacos derrotassem os italianos, o Veneto deveria ser devolvido à Itália.
Como compensação, a Áustria podería adquirir território na Alemanha, enquanto
isso não perturbasse a balança de poderes na Europa. Um acordo verbal entre
Viena e Paris previa ganhos territoriais para a Saxônia, Wuertenberg e Baviera e-
sombra da Confederação Renana - a criação de um estado germânico indepen­
dente a Oeste do Reno28. Isso seria um satélite francês levemente disfarçado a fim
de compensar Napoleão III nessas negociações. O tratado austro-francês ilustra a
curta visão da política externa da Áustria. Seguindo políticas dinásticas e com uma
diplomacia dc gabinete, os estadistas austríacos ou não estavam conscientes da
opinião pública ou das aspirações nacionais alemãs, ou por elas não foram
afetados.

Explorando o problema alemão, Bismarck informou os governos dos estados


menores, em março de 186629, de sua intenção de sugerir reformas à Confedera­
ção. Ao mesmo tempo, indagava qual a sua atitude em caso de conflito com a
Áustria. Duas semanas mais tarde, apresentou seu plano de reforma à Dieta30. Este
consistia, essencialmente, de um parlamento nacional, baseado no sufrágio
universal, que elaboraria uma constituição federal e se parecia muito com o plano
que havia proposto três anos antes31.

Não havia possibilidades do plano ser aceito, nem Bismarck o pretendera. Seu
objetivo era obter o apoio das forças nacionais liberais em toda á Alemanha e
desacreditar a política austríaca. Para o rei e os conservadores prussianos era um
plano revolucionário, mas para Bismarck a aliança com o nacionalismo alemão
parecia o único meio de preservar os poderes da monarquia prussiana na idade
moderna. Desde a revolução de 1848, acreditava que as massas eram essencial­
mente conservadoras e que o sufrágio universal, longe de auxiliar os liberais,
fornecia uma base sólida de apoio ao governo existente na Prússia.

Entretanto, não surgiu o apoio que Bismarck esperava do povo alemão na


primavera e no verão de 1866. Fora da Prússia, muita gente era indiferente ou se
opunha aos propósitos de Bismarck. O particularismo estava disseminado nos
estados menores; embora muitos alemães favorecessem a liderança prussiana,
muitos desconfiavam de suas políticas, especialmente à luz do conflito consti-
Bismarck e seu tempo 59

tucional. Os governos também hesitavam, mas, afinal, enviaram a proposta de


Bismarck a uma comissão, tornando-a inócua por algum tempo.

No exterior, a proposta de Bismarck de reorganização da Confederação


encontrou reações variadas. O czar se opôs, vendo nela a temida ameaça da
revolução. Napoleão, embora lisonjeado pelo fato de Bismarck ter adotado seus
próprios métodos de sufrágio universal, estava preocupado, pois temia que isso
conduzisse a uma Alemanha fone e unida. Na Inglaterra, a opinião pública estava
dividida. Alguns recusavam tomar Bismarck a sério; outros consideravam-no um
gênio32. O governo austríaco decidiu, em março, apesar de sérias dificuldades
econômicas, reforçar suas forças militares na Boêmia, a ârea mais exposta à invasão
prussiana. Fê-lo por duas razões. A primeira, o sistema de comunicação do
exército e seus serviços técnicos eram tão deficientes que a mobilização de suas
forças exigiría várias semanas, muito mais do que os correspondentes preparativos
prussianos. Ademais, as declarações belicosas de Bismarck tinham alarmado tanto
o Estado-Maior austríaco que este pôde influenciar o imperador no sentido
de autorizar tais medidas apesar das objeções do Ministro do Exterior. Para
Bismarck, foi um acontecimento alvissareiro e ele o usou para convencer o rei
Guilherme da perfídia da política austríaca e induzi-lo a ordenar a mobilização
parcial das forças da fronteira. Entretanto, a ameaça imediata de guerra foi afastada
por uma declaração austríaca, assegurando as potências européias de suas
intenções pacíficas e também pela iniciativa inglesa junto à corte real de convencer
Guilherme sobre os perigos inerentes à política de Bismarck. Evitou-se uma
confrontação militar, mas não por muito tempo, x

Em 8 de abril, Bismarck concluiu a aliança com a Itália e os italianos, animados


por esta aliança, começaram a preparar-se para a guerra. Quando se soube disso
em Viena, em 21 de abril, foram mobilizadas tropas austríacas ao longo da
fronteira meridional. Diferentemente de outras medidas militares anteriores na
Boêmia, esses acontecimentos eram mais sérios. Os italianos, encorajados por
Bismarck, aprofundaram a crise e, em uma onda de entusiasmo patriótico, o
parlamento italiano votou os necessários créditos de guerra e o governo informou
as potências européias que as forças italianas estavam sendo mobilizadas em defesa
de seu país33. Apesar disto habilitar Bismarck a antecipar a desmobilização militar,
na esteira das tentativas inglesas de mediação, seus cuidadosamente preparados
planos diplomáticos ficaram ameaçados. A possibilidade de um ataque austríaco à
Itália não tinha sido prevista na redação do tratado ítalo-pmssiano eo perigo de tal
ataque levou a indagações italianas em Berlim sobre a atitude do governo.
Bismarck, por ordem do rei, teve de dizer aos italianos que o governo prussiano
obedecería estritamente ao estipulado no tratado. Corriam boatos das tentativas
de mediação de Napoleão, e Bismarck temia que isto, combinado à sua rejeição
dos italianos, levassem estes a abandonar a aliança.

A intervenção de Napoleão em princípios de maio foi, de fato, uma séria


ameaça aos planos de Bismarck. O imperador informou ao enviado italiano, em 5
60
George O. Kent.

de maio, que a Áustria, em troca liberdade de


de liberdade
troca de ação na Alemanha, estava
de ação
disposta a ceder o Veneto à França, que o transferiría, incondicionalmente, à Itália.
A Itália devia, pois, decidir pela paz ou pela guerra. Evidentemente, os italianos
estavam de alerta. Para eles era principalmente uma questão de orgulho. Adquirir
o V eneto sem uma luta seria não só degradante, como daria a Napoleão a
oportunidade de se pronunciar sobre os assuntos italianos. Com as lembranças
italianas de Plombiéres e da guerra austro-sarda34 ainda frescas, eles rejeitaram
imediatamente semelhante acordo. Entrementes, Bismarck tinha persuadido o rei
a ordenar a mobilização do corpo oriental do exército, tranquilizando assim os
italianos sobre a ajuda prussiana^.
?
Em meio da plena mobilização militar de todos os lados, ocorreu um episódio
curioso que parecia, uma vez mais, aumentar as oportunidades de uma solução
pacifica: a missão Gablenz. Os irmãos Gablenz, de uma velha família de cavaleiros
imperiais, pareciam especialmente indicados para esta tentativa de mediação.
Anton era um antigo camareiro saxão e deputado prussiano; seu irmão Ludwigera
um general no exército austríaco e governador do Holstein. Para eles, como para
muitos alemães, a possibilidade de um conflito austro-prussiano era um espectro
de guerra fratricida e estavam decididos a evitá-lo. As autoridades em Berlim e
Viena receberam-nos e ouviram suas propostas, que consistiam essencialmente na
criação de um estado independente do Schleswig-Holstein sob um príncipe
prussiano e soberania prussiana, em direitos especiais do porto de Kiel, numa
indenização de 30 milhões de taleres à Áustria e na divisão do comando militar
alemão ao longo do Meno entre a Áustria e a Prússia. Os austríacos aceitaram o
plano em principio, mas pediram uma concessão: um compromisso militar

I
prussiano contra a Itália. Bismarck rejeitou isto prontamente. Sua contraproposta
foi de dar ao rei prussiano mais poder, como comandante federal em chefe da
Alemanha. Os austríacos não podiam aceitar isto. Sentiram que não podiam trair
de novo a pequena confiança que lhes podia restar entre os estados menores; ■

também achavam que deviam ter alguma segurança contra a Itália. Em 28 de maio
de 1866, o governo austríaco rejeitou formalmente o plano Gablenz36.

O fracasso da missão Gablenz ocasionou uma luta pela lealdade dos estados
menores. Muitos eram pró-austríacos, e o máximo que Bismarck podia fazer era
ameaçá-los e cortejá-los. Não teve sucesso. Em l.° de junho, os austríacos,
desafiando a Convenção de Gastein, colocaram o destino futuro dos ducados nas
mãos da Dieta Federal. O jogo estava feito. No dia 9, as tropas prussianas
invadiram o Holstein, mas, para desgosto de Bismarck, não encontraram
resistência austríaca. Dois dias depois, os austríacos pediram à Dieta que
mobilizasse todas as tropas federais e, no dia 14, a Dieta votou o pedido por 9 a 5.
No dia seguinte, a Prússia fez ultimatos, que foram rejeitados, à Saxônia, Hanover
e Kassel. Nesta noite, as tropas prussianas começaram a mover-se e, em 21 de
junho, cruzaram a fronteira da Boêmia.

Bismarck e seu tempo 61

Os acontecimentos militares foram tão rápidos quanto decisivos. Os autríacos


derrotaram os italianos em Custozza (24 de junho) e em Lissa (20 de julho). Os
prussianos, porém, derrotaram os hanoverianos em Langesalza (27-29 dejunho) e
os austríacos em Koeniggraetz/Sadovva (3 de julho). Esta foi a batalha decisiva. A
vitória deveria ser creditada à liderança estratégica superior de Moltke, à
utilização de ferrovias para a rápida mobilização e a movimentação das tropas e
aos novos canhões prussianos que eram mais rápidos do que os austríacos37.

A campanha fulminante e a vitória militar decisiva colheram Napoleão


completamente desprevenido. Ele esperava uma guerra longa, arrastada, e tinha
planejado intervir ou servir de mediador, para no fim obter compensações
convenientes. Em 5 de julho, os austríacos pediram a mediação do imperador e,
daí em diante, a intervenção francesa era uma possibilidade a ser considerada por
Bismarck. Ele estava preparado para enfrentá-la de dois modos. Primeiro, tinha
possibilidade de uma compensação territorial na margem esquerda do Reno, o
que manifestou, mas simultaneamente ameaçou um levante nacional na Alema­
nha contra a França, se as ambições francesas fossem muito altas. Para contrariar a
possibilidade de intervenção militar francesa e para derrotar a Áustria mais
rapidamente ele estava preparado para apoiar um levante húngaro e sérvio contra
a monarquia Habsburg38. A vitória em Koeniggraetz/Sadovva tornou desnecessá­
rio o emprego de qualquer dos planos. 7

A ameaça da intervenção francesa, uma epidemia de cólera no exército


prussiano e a chegada de reforços austríacos da Itália persuadiram Bismarck a
pressionar não só no sentido de uma rápida paz preliminar, mas também de
termos complacentes com os austríacosflsto era particularmente irritante para o
rei Guilherme que, cheio de justa indignação, queria punir os austríacos, marchar
para Viena e ditar uma paz punitiva no palácio de Schoenbrunn. Ele tinha os
generais ao seu lado e Bismarck, receoso de uma possível intervenção externa,
finalmente persuadiu o rei, com o auxílio do príncipe-herdeiro, a concordar com
condições mais razoáveis. Em 26 de julho de 1866, foi assinada uma paz
preliminar, em Nikolsburg; os austríacos deveríam entregar o Veneto aos italianos
e pagar uma indenização. A maior perda da Áustria foi a de prestígio: foi expulsa
da Confederação Germânica. Estas condições foram confirmadas no tratado final
em Praga, em 23 de agosto. A falta de ganhos territoriais pela Prússia, da Áustria,
foi amplamente compensada por generosas aquisições dos aliados da Áustria na
Alemanha do Norte. Aí, Hanover, o Eleitorado de Hesse, Nassau e a cidade de
Frankfurt39 foram incorporados à Prússia, unindo o território prussiano pela
primeira vez, em uma unidade contígua. A deposição da dinastia hanoveriana, em
violação de um princípio monárquico, foi um choque severo para o czar que,
escandalizado por estas medidas revolucionárias e pelo insultante descaso de
Bismarck à solidariedade monárquica, reclamou um congresso europeu para
discutir estas medidas radicais. Mas, Bismarck, irado, rejeitou tal interferência
externa nos negócios alemães. Ameaçou apoiar o nacionalismo polonês contra a
62 George O. Kent.

Rússia e fez saber em São Petersburgo que “se deve haver revolução, antes a
faremos do que a sofreremos”40.

Com a eliminação da Áustria da Alemanha e as aquisições territoriais da


Prússia, a Confederação Germânica tinha sido destruída. Os estados ao norte do
Meno formavam agora a Federação Germânica do Norte sob a liderança
prussiana, enquanto aqueles ao sul do rio estavam para formar sua própria união.

Enquanto negociava com a França sobre compensações, Bismarck usou suas
conversas com Benedetti para impressionar os estados alemães do Sul com a
continuada ameaça de agressão francesa e, como resultado, concluiu tratados de
defesa secretos com Baden, Wuertenberg e Baviera que mais tarde foram
I incorporados nos tratados de paz. A disposição mais significativa nestes tratados
de defesa era a de que o rei da Prússia assumia o supremo comando militar das
forças dos estados alemães do Sul em caso de guerra com a França.

A ampliação territorial da Prússia fez dela o maior e mais poderoso estado


alemão. Suas alianças militares com os estados do Sul e sua predominância
econômica na União Aduaneira fez a unificação da Alemanha sob liderança
prussiana, isto é, em linhas menos alemãs, uma possibilidade viável. Um grande
obstáculo persistia: a resolução do conflito constitucional. Neste particular, a
vitória sobre a Áustria teve um efeito decisivo. O entusiasmo popular não conhecia
limites; era acompanhado por uma transferência maciça de votos dos liberais para
os conservadores. A eleição de 3 de julho de 1866 - dia da batalha de
I
Koeniggraetz/Sadowa - deu aos conservadores 136 mandatos (eram 35) e aos
liberais e progressistas 148 (eram 247). Em combinação com os antigos liberais (24
mandatos, eram 9), os conservadores passaram a controlar a Câmara baixa do
Parlamento41. O resultado da eleição possibilitou a Bismarck oferecer um acordo
aos liberais. Propôs uma lei especial que, sem reconhecer nenhuma transgressão
pelo Governo, pedia à Câmara baixa para aprovar, retroativamente, as despesas
não autorizadas do governo durante os anos passados. Depois de obter a
aprovação do rei - após tenazes objeções dos velhos conservadores Bismarck
submeteu a lei à Câmara baixa, em 14 de agosto de 1866. Depois de muitos
I debates, foi aprovada, por 230 a 75 votos, em 3 de setembro42.

O resultado da guerra aumentou muito o poder e prestígio de Bismarck, mas


provocou considerável inquietação entre os principais partidos políticos. Tanto liberais
como conservadores se cindiram e procuraram novos alinhamentos. Os liberais se
repartiram entre os partidos Liberal Progressista e Nacional; os primeiros
abrangiam o cerne daqueles liberais prussianos que sempre se tinham oposto às
políticas domésticas de Bismarck. Os últimos eram principalmente os dos
territórios recém-adquiridos que aplaudiram e apoiaram os objetivos econômicos
e nacionais de Bismarck43. Entre os conservadores, o choque e a confusão causados
pelas políticas de Bismarck foram, se possível, maiores que as frustrações no
campo bilateral. A defesa de Bismarck do sufrágio universal e de um parlamento

L
Bismarck e seu tempo 63

nacional, seu apoio à Itália, e a remoção dos legitimos governadores de Hanover,


Hesse-Kassel e Nassau, deixaram os conservadores totalmente perplexos. Um
pequeno grupo, que cresceu à medida que o tempo passava, ficou com Bismarck e
o governo, formando o partido Conservador Livre. Este era composto de
funcionários públicos, profissionais, industriais e grandes negociantes. Grande
parte da velha nobreza, dos grandes proprietários de terras prussianos, do clero
luterano e alguns oficiais do exército permaneceram leais ao velho Partido
Conservador.

A oscilação maciça em favor de Bismarck refletiu-se por toda a Alemanha. A


vitória prussiana de 1866 pareceu convencer a muitos das vantagens da "realpo-
litik” da década de 1 860 sobre o idealismo da década de 1840. O povo cansou-se de
apoiar as políticas mal sucedidas da Áustria e estava frustrado pelos aparente­
mente inatingíveis objetivos do liberalismo e do constitucionalismo. Porém, além
disso, a unificação do país sob a liderança prussiana já parecia palpável. O
nacionalismo alemão deve a sua base mais forte ao medo da agressão externa,
especialmente a francesa. Havia um desejo generalizado de terminar com a
fraqueza e desunião alemã e dc evitar intervenções externas nos assuntos alemães
como tinha acontecido na crise dinamarquesa de 1848 e na confrontação de
Olmuetz em 1850. O exemplo da recente unificação da Itália também desempe­
nhou um papel importante44. Para a maior parte dos alemães, era simplesmente
uma questão de prioridades. Se o país podia ser unido primeiro, o constituciona­
lismo podia ser realizado mais tarde45.z

'-'A.
A reação externa à formação da Confederação Germânica do Norte foi
relativamente branda. O gênio de Bismarck era reconhecido e admirado em toda a
parte; enquanto o domínio prussiano não se estendesse além do Meno, as
potências européias não estavam particularmente preocupadas.

A Confederação Germânica do Norte — Os tratados entre a Prússia e os estados


alemàes menores do Norte, em 18 de agosto de 1866, lançaram as bases da
Confederação Germânica do Norte. Nesses tratados, os governos concordaram
em eleger um parlamento pelo sufrágio universal, que elaboraria uma
constituição federal. Em resumo, esta constituição se baseava no esquema
apresentado por Bismarck, em 1.° de dezembro de 1866 - baseado, por seu turno,
nos famosos ditados de Putbus de 30 de outubro e 19 de novembro - que, depois
de várias correções e emendas feitas por vários assessores e agentes governamen­
tais, foi submetido aos governos dos estados do Norte da Alemanha, em 15 de
dezembro46. A despeito de inúmeras adições e correções, a constituição da
Alemanha do Norte era essencialmente obra de Bismarck. Do mesmo modo, esta
constituição tomou-se, com pequenas alterações, a constituição do “Reich”
alemão em 1871 e permaneceu nesta forma até 1918, sendo pois inestimável o
significado do trabalho de Bismarck.
64 George O. Kent.

Desde a época em que foi elaborada, as opiniões variaram quanto à intenção e


significado da constituição: estabelecia ela um estado nacional alemão ou era
apenas um disfarce para uma Prússia ampliada, perpetuando a hegemonia
prussiana na Alemanha? É impossível adivinhar as verdadeiras intenções de
Bismarck, mas é razoável admitir que ele desejava preservar seu controle e o da
Prússia em qualquer futuro governo nacional. “A essência da constituição
bismarckiana era a conservação, através de meios revolucionários, da ordem
prussiana aristocrática e monárquica, em um século de mudanças econômicas e
sociais cada vez mais dinâmicas.”47

O projeto de Bismarck e a versão finalmente adotada previam uma Câmara


alta, o Conselho Federal (“Bundesrat”), que era uma assembléia de representantes
dos estados alemães do Norte, em que a Prússia, devido ao seu tamanho e
população, tinha 17 de um total de 43 votos. Atribuiu-se também à Prússia a
presidência federal (“Bundespraesidium”), o que lhe dava autoridade sobre a
representação externa e a conduta das relações exteriores. O rei da Prússia foi
nomeado comandante-em-chefe das Forças Armadas da Confederação e executor
da legislação federal, sendo-lhe dada autoridade para declarar guerra. Deste
modo, foi assegurada a hegemonia da Prússia na federação48. A Câmara baixa
(“Reichstag”) era composta de delegados eleitos por um período de três anos pelo
sufrágio universal masculino direto. Não se previa uma corte suprema, nem havia
uma declaração de direitos.

Os debates parlamentares mais importantes sobre a constituição proposta


giravam em torno da responsabilidade ministerial e dos poderes orçamentários do
“Reichstag". No esquema de Bismarck não se previa um governo federal nem uma
administração federal. Na federação, a única responsabilidade parlamentar era a
existente entre os governos dos estados e suas dietas locais e as instruções que
davam a seus representantes no Conselho Federal. A maioria nacional liberal
objetou energicamente contra esta “omissão” e pediu um ministério responsável
perante o “Reichstag”. Bismarck, que suspeitava, com razão, que este plano
levaria o "Reichstag” à aprovação das nomeações ministeriais, opôs-se com
firmeza a tal medida e ameaçou dissolver a assembléia. Duas propostas reco­
mendando a responsabilidade ministerial foram apresentadas por Bennigsen, em
26 e 27 de março de 1867; ambas foram rejeitadas. Aceitou-se um acordo
estabelecendo somente um ministro responsável, sem especificar a natureza exata
de sua responsabilidade49. Esse acordo foi aceito pelos liberais na esperança de
mais tarde atingirem seu objetivo de ampla responsabilidade ministerial.

No projeto original de Bismarck, o presidente do Conselho Federal devia ser


um chanceler federal (segundo o modelo do representante austríaco à Dieta de
Frankfurt). Ele devia ser subordinado ao Ministro do Exterior prussiano, devendo
ser um subsecretário para assuntos alemães no Ministério do Exterior. Presidiria as
reuniões e seria o secretário-executivo do Conselho Federal50. Durante os debates,

i
Bismarck e seu tempo 65

ficou logo claro que a chancelaria federal seria combinada com as funções de
Ministro-Presidente e Ministro do Exterior prussiano; este posto foi, de fato,
criado em função de Bismarck. A responsabilidade do futuro chanceler não foi
explicada. Não foi estipulado a quem respondería e como esta responsabilidade
seria implementada. Quando muito a responsabilidade do chanceler era política
ou moral, mas não legal51.

Aceitando a “responsabilidade”, a posição do chanceler diferia considera­


velmente da originalmente pretendida por Bismarck. O chanceler tomou-se o
chefe dos ministros federais. Seu governo podia agora desenvolver-se indepen­
dente da Prússia e estabelecer sua própria administração. Aí repousava o princípio
pelo qual o chanceler era o funcionário responsável da administração federal e da
do “Reich”. Ao mesmo tempo, o chanceler estava entre o Conselho Federal e o
“Reichstag” e tinha funções governamentais em relação ao último. Isto realçou a
posição do chanceler e deu à Coroa sua mais poderosa arma: o direito de nomear e
demitir o chanceler e, com ele, os funcionários administrativos dirigentes da
Confederação e, posteriormente, do “Reich”.

Quanto ao problema dos poderes orçamentários, os delegados conseguiram


obter autoridade sob um orçamento anual civil, mas o controle do orçamento
militar lhes escapava uma vez mais. Concordou-se com um sistema de cotas, pelo
qual as despesas do exército eram fixadas - 1% da população a 225 taleres por
soldado -, o que não seria mudado até fins de 1871. (Este tornou-se conhecido
como o “orçamento de ferro”.) Depois disto, o “Reichstag” teria autoridade
também sobre as despesas militares. (Isto não foi conseguido automaticamente e
houve outra batalha parlamentar em 1874, que resultou em um acordo - o
“Septennat”. uma lei que deu ao “Reichstag” o direito de votar um orçamento mi­
litar somente em intervalos de 7 anos.)

Em 16 de abril de 1867, a assembléia parlamentar aprovou a constituição com


uma votação de 230 a 53. Estavam na oposição os progressistas, os poloneses, os
católicos e Augusto Bebel, o único socialista. Para Bebel, todo o “Reichstag” era
“uma simples folha de parreira cobrindo a nudez do absolutismo”52. “Unidade
sobre a liberdade e poder sobre a lei - esta a constelação debaixo da qual nasceu o
“Reich” alemão.”53

Os nacionalistas liberais superestimaram os efeitos de seu acordo sobre os


futuros desenvolvimentos constitucionais, pois Bismarck resistiu a todas as
tentativas de criação de um governo parlamentar durante o resto de seu mandato.
Assim, os sonhos dos liberais alemães de criar um sistema modelado pelo da
Inglaterra nunca foi realizado. Ao contrário, estabeleceu-se um governo de
poderes mistos e problemas consutucionais fundamentais- o poder orçamentário
e a responsabilidade ministerial - só foram resolvidos meio século após, depois de
uma guerra perdida e em meio a um levante popular54.
66 George O. Kent.

A Candidatura Hohenzollem ao Trono Espanhol e a Guerra Contra a França - Depois da


guerra austro-prussiana. o movimento pela unificação alemã estava em completa
confusão. O estabelecimento da Confederação Germânica do Norte, com o rio
Meno como linha divisória entre norte e sul, parecia ter feito esta divisão
permanente e aparentava ter dado à Áustria, bem como à França, mais influência
na Alemanha do Sul do que antes. Ao mesmo tempo, tornou-se claro que tanto a
Inglaterra quanto a Rússia, provavelmente, se oporiam a qualquer ação militar
da Confederação Germânica do Norte que forçasse os estados do Sul à união com
o Norte. Uma tendência favorável à unificação não era de se esperar em futuro
previsível, tanto mais quanto sentimentos particularistas e antiprussianos estavam
muito disseminados no sul. Mesmo em Baden, um estado tradicionalmente liberal
e favorável à unificação, as forças nacionais e liberais estavam profundamente
divididas53. A falta de apoio popular à Prússia também se tornou aparente nas
eleições de 1868 para o Parlamento da União Aduaneira, quando as forças
antiprussianas tiveram maiorias avassaladoras na Baviera e Wuertenberg e foram
derrotadas apenas por pequena diferença em Baden.

Em princípios de 1870, parecia que a política de Bismarck pela unificação


I
estava não somente bloqueada, mas que a oposição a sua política estava se
reforçando. A moral dos defensores de Bismarck estava correspondentemente
baixa e para levantá-la e, ao mesmo tempo, reiniciar o movimento nacionalista, os
liberais nacionalistas sugeriram que Baden se juntasse à Confederação Germânica
do Norte56. Bismarck, entretanto, recusou. Este plano exporia Baden a retaliações
econômicas e pressionaria indesejavelmente a Baviera e Wuertenberg. Baden era o
expoente da união com o Norte; se se juntasse à Confederação Germânica do
Norte, o movimento de unificação no Sul perdería o seu lider. Indubitavelmente,
os franceses ficaram alarmados vendo Baden como parte do novo estado de
Bismarck. Bismarck também percebeu que semelhante movimento seria inter­
pretado como uma agressão, tornando assim inoperantes as cláusulas de assistência
militar antifrancesa entre a Confederação e os estados alemães do Sul. Esta última
consideração - de que devia haver um caso claro para ativar a aliança militar entre
os estados alemães do Norte e do Sul - tomou-se a principal preocupação de
Bismarck. Era também essencial, no plano interno, para vencer a relutância da
oposição, e igualmente crucial para a política externa, evitar que a Áustria, a
! Inglaterra ou a Rússia viessem em auxílio da França.
I
Das três potências, somente a Áustria poderia realmente auxiliar a França.
Como sequela de Koeniggraetz, a França e a Áustria estreitaram as suas relações; a
Áustria relutante em aceitar sua exclusão da Alemanha, a França preocupada com
a perda de sua influência no Sul da Alemanha. Em agosto de 1867, quando
Napoleão visitou o imperador, em Salzburg, para levar suas condolências pela
morte de Maximiliano do México, irmão de Francisco José, os ministros das duas
potências encetaram negociações sobre uma futura aliança. As conversações eram
complicadas e se arrastavam. Napoleão queria o auxílio da Áustria na manutenção
Bismarck e seu tempo 67

da independência do Sul da Alemanha e alguma açào de Viena em caso de guerra


com a Prússia. Isto foi recusado pelos austríacos. Eles compreenderam que
cedendo às demandas francesas não só alienariam a população alemã da Áustria,
como antagonizariam os húngaros, que recentemente tinham conseguido igual­
dade de votos nos assuntos do império. (Acordo de 1867.)

Uma brecha no impasse das negociações franco-austriacas ocorreu quando os


italianos indicaram que desejavam juntar-se a uma futura aliança austro-francesa,
esperando, deste modo, ganhar o Tirol, Roma e possivelmente Nice. Aproveitan­
do-se da oferta italiana, os franceses elaboraram um projeto de tratado, em março
de 1869, que substituía algumas cláusulas antiprussianas do projeto original por
outras acentuando as intenções de segurança e paz das potências participantes. O
novo projeto previa a neutralidade francesa em caso de uma guerra russo-
prussiana e a neutralidade austríaca em caso de uma guerra franco-prussiana.
Somente se a Rússia ou a Prússia viessem em auxilio uma da outra, a França ou a
Áustria entrariam na guerra. Em qualquer caso, a Itália fornecería duzentos mil
homens. Porém, em circunstância alguma, os austríacos estavam dispostos a
abandonar sua neutralidade e os italianos pediram aos franceses que evacuassem
Roma, antes de assumirem qualquer compromisso. Napoleão não podia con­
cordar com isto devido à pressão do clero francês; foi por estes motivos que o
grande esquema de uma tríplice aliança contra a Prússia fracassou. Agora a França
estava só57.

No verão de 1866, surgiu o problema oriental, quando uma revolta em Creta


contra o domínio turco trouxe de novo o pleito das minorias cristãs à atenção das
potências. A Rússia, recuperada da guerra da Criméia, esperava restabelecer seu
prestigio entre os povos balcânicos. Tentou persuadir a Inglaterra e a França a
lembrar ao governo turco suas responsabilidades pelas reformas prometidas aos
seus súditos depois de 1823. Mas as duas potências ocidentais relutavam em
envolver-se no Oriente em um momento em que o problema de Luxemburgo
focalizava a atenção no Reno. Uma vez passada a crise de Luxemburgo, o czar
Alexandre e Gorchakov visitaram Paris, na esperança do apoio diplomático que
lhes tinha faltado antes. Mas esta visita foi um fracasso; Napoleão III não queria
compromissos sérios, e uma tentativa de assassinato contra o czar prejudicou a
estada dos russos58. As relações franco-russas, que haviam sofrido um sério revés
durante a insurreição polonesa de 1863, desceram a um nivel ainda mais baixo.
Tendo-lhe sido negado o apoio francês nos estreitos, Gorchakov não via razão para
respaldar a França no Reno. Com a Inglaterra aparentemente desinteressada e a
Áustria francamente competitiva com a Rússia nos Bálcãs, a Rússia voltou-se para a
Prússia59.

Em princípios de março de 1868, Alexandre propôs ao embaixador do Norte


da Alemanha que os dois países se apoiassem reciprocamente se um deles fosse
envolvido em uma guerra. A Rússia poria cem mil homens na fronteira oriental
r

68 George O. Kent.

austríaca para tranqüilizar a Áustria, no caso da França atacar a Prússia; em


retribuição, Alexandre esperava auxilio similar da Prússia se a Rússia se envolvesse
com a Áustria nos Bálcãs. Bismarck aceitou a iniciativa russa, mas não quis assumir
nenhum compromisso por escrito; em vez disto, persuadiu os russos a se
satisfazerem com um entendimento mútuo dos objetivos e políticas comuns. Para
Bismarck e a Prússia, os benefícios de semelhante entendimento foram substan­
ciais e apareceram em pouco mais de dois anos60.

Bismarck. e com ele a opinião pública alemã, sabiam que a posição interna de
Napoleão se tinha enfraquecido pelos reveses diplomáticos da guerra austro-
prussiana, do problema de Luxemburgo, da derrocada militar no México e dos
desenvolvimentos políticos na Itália61, que não lhe seria possível sobreviver a
outra derrota diplomática ou militar. Em seguida à vitória da Prússia sobre a
Áustria, a opinião pública francesa começou a sentir que o prestígio do país tinha
sofrido consideravelmente. Como resultado, Napoleão III tentou reconquistar
algumas de suas antigas glórias, vendo a fronteira Nordeste da França como área de
possível expansão. Luxemburgo parecia uma área especialmente adequada para
compensação. Luiz Napoleão esperava comprar o ducado do rei da Holanda e, como
era parte da União Aduaneira Germânica (e um antigo membro da Confederação
Germânica), travou negociações com Bismarck a fim de obter a aprovação de seu
esquema. Bismarck disse que concordaria desde que os arranjos fossem feitos
pronta e silenciosamente e sem envolvê-lo de modo algum. Os franceses, contudo,
dirigiram mal o negócio. Noticias da compra pendente foram conhecidas
prematuramente; o rei da Holanda mudou de idéia quando as negociações
estavam quase completadas e Bismarck foi interpelado no “Reichstag” sobre a
questão. A indagação do “Reichstag” partiu de Bennigsen e acredita-se que a nota
de Bennigsen, beligerantemente nacionalista - exprimindo maior determinação
de impedir qualquer tentativa de ceder antigo território alemão, da pátria —, tenha
sido redigida por Bismarck Entretanto, sua resposta foi cautelosa e calma,
deixando claro que não resistiría à opinião pública. Os franceses, não é necessário
dizê-lo, ficaram ofendidos e sentiram-se traídos por estas démarches62. Estava
igualmente claro que qualquer movimento de Bismarck que desafiasse ou apenas
parecesse desafiar a posição ou o prestígio da França provocaria uma violenta
resposta de Paris. Nessas circunstâncias, o que se necessitava para exacerbar os
sentimentos nacionais franceses era apenas um pretexto plausível. Bismarck
encontrou-o no caso da candidatura Hohenzollern ao trono espanhol.

Contrariamente ao que se acredita, Bismarck não se inspirou repentinamente


na primavera de 1870 a defender o príncipe Leopoldo, dos Sigmaringen, ramo
católico da família Hohenzollern, como candidato ao trono espanhol63. Parece
que Bismarck já considerava esta situação no outono de 1868, logo após a fuga da
rainha espanhola. Em março de 1870, quando Salazar, o enviado espanhol,
ofereceu formalmente a Coroa ao príncipe Leopoldo, este aceitou mediante prévia
aprovação do rei Guilherme, chefe da família Hohenzollern. Guilherme inicial-
Bismarck e seu tempo 69

mente estava relutante, mas finalmente aprovou (19 de junho de 1870), a pedido
de Bismarck. Guilherme foi persuadido pelo relatório extremamente favorável de
Bucher e Versen, que tinham sido enviados a Madri para fazer um relatório sobre
as condições na Espanha. Hoje, têm-se como certo que esses “relatórios” foram
preparados em Berlim e provavelmente sob a supervisão de Bismarck64. O clima
na Espanha, ao contrário do que diziam os relatórios, era sumamente desfavorável
a um príncipe Hohenzollern.

Na Espanha, o parlamento suspendeu suas sessões antes de poder votar na


candidatura do príncipe Leopoldo; boatos da candidatura Hohenzollern alcan­
çaram Paris, onde a oposição era previsivelmente forte. Quando perguntado,
Bismarck adotou um comportamento inocente e insistiu em que isso era assunto
da família Hohenzollern e que nada mais sabia além do que os jornais tinham
impresso. Na segunda semana de julho, Bcnedetti, o embaixador francês, teve
uma audiência com o rei Guilherme, em Ems, e exprimiu a grave preocupação de
seu governo, solicitando que a candidatura do príncipe Leopoldo fosse retirada.
Guilherme, desconhecendo inteiramente as maquinações de Bismarck e, para
começar, não estando a favor da candidatura de Leopoldo, disse a Benedetti que
cabia a Leopoldo ou a seu pai Carlos Antônio decidira este respeito. Em particular,
Guilherme escreveu a Leopoldo aconselhando-o a retirar o seu nome e, em 12 de
julho, assim procedeu Carlos Antônio em nome de seu filho6’.

Bismarck, que passara vários dias em sua propriedade de Varzin para


demonstrar seu alheamento neste assunto, ficou furioso com a marcha dos
acontecimentos. Enraiveceu-se ainda mais quando soube que o governo francês,
não satisfeito com a renúncia formal de Leopoldo, tinha solicitado outra audiência
ao rei Guilherme para o dia seguinte (13 dejulho). Nesta ocasião, Benedetti pediu a
Guilherme uma garantia por escrito da renúncia de Leopoldo e uma promessa de
não renovar a candidatura no futuro. O rei repeliu estes pedidos, polida, mas
firmemente, e quando Benedetd pediu para vê-lo de novo, Guilherme recusou-se
a recebê-lo. Guilherme mandou um relato telegráfico deste encontro a Bismarck
que, depois de recebê-lo, editou-o de tal modo que parecia uma afronta pessoal a
Benedetti e uma mancha à honra da França66. Os franceses, já enfurecidos com o
assunto, aceitaram o desafio e, como era de se esperar, declararam guerra à
Prússia, em 19 dejulho de 1870.

O curso desses acontecimentos é conhecido; o que fascina os historiadores até


hoje, entretanto, é a extensão do envolvimento de Bismarck e a profundidade de
seus motivos67. Agora, parece certo, com base em documentos descobertos
recentemente e na reinterpretação de outros antigos, que Bismarck planejava a
guerra desde o começo. Para este objetivo, tinha atraído boa pane da opinião
pública e da influente comunidade dos negócios. z
70 George O. Kent.

O centro da controvérsia na Confederação Germânica do Norte era o impasse


constitucional sobre o problema militar. Isto e o alto grau de armamentos entre as
principais potências européias tinham um efeito amortecedor sobre as finanças e o
comércio. Como disse o principe-herdeiro da Prússia a Lord Acton, “as pessoas
que mais insistiram pela guerra, em Berlim, (sic.) tinham sido os banqueiros, que
haviam declarado que mais 6 meses de incerteza armada arruinariam a Ale­
manha”58.

O acordo sobre o orçamento militar que pôs fim ao conflito constitucional em


1866 levara à adoção do “orçamento de ferro”69, a vigorar até 1871. Há indicações
de que Bismarck, quando aceitou este acordo, contava com uma guerra contra a
França antes de 1871 para resolver seus problemas parlamentares, assim como a
guerra com a Áustria tinha resolvido problemas semelhantes em 1866. A sessão de
1871 do Parlamento Germânico do Norte teria de tratar novamente do
explosivo caso do direito do Parlamento de controlar as despesas militares. Para
Bismarck, o problema só podia ser resolvido de acordo com os princípios
monárquicos e do militarismo prussiano e, para este fim, era necessária uma
guerra vitoriosa contra a França. Ao mesmo tempo, devia ser uma guerra em
legítima defesa dos interesses alemães e prussianos, de modo a poder acionar os
tratados secretos de defesa com os estados alemães do Sul e alcançar o beneplácito
da opinião pública européia e alemã.

A reação da França à vitória da Prússia, em 1866, e sua frustração na crise de


Luxemburgo tornavam mais do que provável que reagiría violentamente à crise
espanhola. A suscetibilidade da França era do conhecimento geral e acreditar
que Bismarck fosse incapaz de prever as consequências “requer um ato de fé”70. Se
Bismarck visava ou não a uma guerra preventiva contra a França, especialmente
depois que Gramont se tornou Ministro de Exterior, nâo ficou bem claro; a
resposta exige maiores pesquisas e esclarecimento da política externa francesa. No
entanto, a determinação de Bismarck de provocar uma guerra "parece o traço
predominante em sua política com relação à candidatura espanhola”71.

Portanto, quando a França declarou guerra, uma irresistível onda patriótica


varreu a Alemanha, e Norte e Sul se uniram para derrotar o agressor francês.

A vitória pelos exércitos combinados do Norte e Sul da Alemanha foi possível


graças à superior liderança militar de Helmuth von Moltke, chefe do Estado-Maior
do exército prussiano e pelo talento organizador de Albrecht von Roon, o ministro
da guerra prussiano. Em uma rápida campanha que lembrava a da Áustria, os
exércitos alemães derrotaram os franceses em Woerth e em Weissenburg. A vitória
decisiva ocorreu, em Sedan, no dia l.° de setembro de 1870. O exército francês
capitulou, e Napoleão III foi aprisionado. Devia ser o fim de guerra, pois Bismarck
estava pronto para entabular negociações de paz com o imperador. Mas para os
franceses, e especialmente para os parisienses, a guerra ainda nâo tinha acabado.
Bismarck e seu tempo 71

Eles proclamaram uma república (4 de setembro), estabeleceram um governo de


defesa nacional e prometeram continuar a guerra até que os alemães fossem
derrotados e expulsos do país. Entretanto, seu valor militar não era igual ao fervor
patriótico. Os exércitos alemães, varrendo todas as resistências, avançaram
rapidamente e, em 19 de setembro, tinham atingido os arredores de Paris.
Começou o longo sítio da cidade72.

O inesperado prolongamento da guerra criou sérias tensões na liderança


político-militar prussiana e levou a uma ruptura aberta entre Bismarck e Mokke.
Moltke, com uma estreita visào militar, queria suspender todas as negociações
políticas e diplomáticas enquanto as operações militares estavam em andamento,
ao passo que Bismarck, com uma visão muito mais ampla, estava consciente da
interação constante entre as estratégias política e militar. Bismarck desejava
explorar as possibilidades de uma regência bonapartista durante o cerco de Sedan,
enquanto Moltke estava preocupado com o fato das negociações privarem o
exército de uma merecida vitória. Durante o cerco de Paris, uma disputa
semelhante, relativa ao bombardeio da cidade e às negociações com o governo
provisório francês, ocasionou um desentendimento entre os dois, e Moltke negou
a Bismarck acesso às informações e planejamentos militares. Considerando-se que
Bismarck tinha travado algumas penosas batalhas parlamentares, ainda há pouco
tempo, para preservar o poderio do estabelecimento militar prussiano, a oposição
de Moltke ao chanceler parecia especialmente irônica. Somente a intervenção do
rei a favor de Bismarck restabeleceu a unidade da liderança prussiana em seu nível
mais elevado. No cerne do conflito estava o problema da oportunidade e dos
métodos de negociação de paz durante operações militares; embora Bismarck
tivesse levado a melhor, a oposição prolongada e teimosa de Moltke estabeleceu
um importante precedente que iria dar resultados desastrosos debaixo de
lideranças civis menos competentes durante a Primeira Guerra Mundial73.

Negociações Diplomáticas do Armistício com a França e do Estabelecimento de um Novo


"Reich” com os Estados Alemães do Sul - As negociações de Bismarck com Jules Favre,
Ministro do Exterior em exercício, começaram em Ferriéres, fora de Paris, em 18
de setembro. Desde o início, as questões territoriais dominaram as negociações. O
principal alvo de guerra alemão era a reclamação da Alsácia-Lorena. Ele encontrou
uma resistência francesa igualmente determinada. “Nem uma polegada de nosso
território ou pedra de nossas fortalezas”74, disse Favrea Bismarck, e as negociações
foram interrompidas. O desafio francês se alicerçava nos exércitos recém-
organizados e num pedido de assistência às outras potências. Seriam duplamente
frustrados. Os exércitos foram derrotados, e a missão deThiers em Londres, Viena
e São Petersburgo resultou infrutífera75. A atitude da Rússia, decisiva para os
franceses, foi influenciada pela política pró-russa de Bismarck na Polônia e pela
preocupação do czar com o governo revolucionário de Paris. Assim mesmo,
Bismarck queria terminar as hostilidades antes de uma mudança na constelação
diplomática européia que propiciasse a intervenção das potências.
72 George O. Kent.

Em fins de janeiro de 1871, apresentou-se uma oportunidade para renovar as


negociações, quando a deterioração das condições em Paris (havia pão para
somente dois dias) levou Favre a solicitar uma audiência a Bismarcka 23 dejaneiro.
Estas negociações conduziram a um armistício, pelo qual os franceses entregavam
os fones parisienses e concordavam em pagar uma indenização de duzentos
milhões de francos, mas insistiam em que os alemães não ocupassem Paris nem
tomassem Belfort. O armistício foi fixado por 21 dias (mais tarde foi prorrogado
várias vezes), período em que seriam realizadas eleições para uma assembléia
nacional a fim de formar um novo governo francês76.

Depois das eleições, Thiers, que tinha sido eleito chefe do governo, foi a
Versalhes para ulteriores negociações com Bismarck; depois de longas e difíceis
reuniões, foi assinada uma paz preliminar, em 26 de fevereiro de 1871. Ela
garantia à Alemanha a anexação da Alsácia e de parte de Lorena, uma indenização
francesa de cinco bilhões de francos e a ocupação do Norte da França pelos
alemães como garantia do pagamento. Thiers conseguiu manter Belfort para a
França, mas teve de permitir a entrada de alemães em Paris. Um tratado definitivo
seria assinado mais tarde77.

Mesmo durante a continuação das batalhas no Norte da França, o problema da


futura forma de uma Alemanha unida tornou-se uma questão principal. A atitude
dos quatro estados alemães, Baden, Hesse, Wuertenberge Baviera, sobressai nesse
caso. A atitude de cada um para com o novo “Reich” e as condições sob as quais
concordavam em aderir diferiam consideravelmente. Baden estava pronta à
constituição da Confederação Germânica do Norte e a aderir incondicionalmente.
Hesse, em virtude de sua posição geográfica, era uma cunha entre Baden e as
províncias ocidentais da Prússia, não tinha escolha a não ser seguir o exemplo de
Baden. Wuertenberg, entretanto, pleiteava direitos especiais e uma mudança na
constituição alemã do Norte, embora, em principio, estivesse pronta a ingressar no
novo “Reich”. Somente a Baviera recusou logo ejuntamente com a Saxônia queria
uma revisão da constituição germânica do Norte e a fundação de uma nova federa­
ção. O objetivo era romper a hegemonia prussiana e criar uma organização federa]
mais livre, em que cada estado conservasse maior margem de soberania. Bismarck
se opôs a isto energicamente. Via que a posição dominante da Prússia na nova
Alemanha estava em jogo e, embora fizesse concessões aos direitos soberanos e
sentimentos particularistas dos estados sulinos, não estava pronto a sacrificar-lhes
poder substancial. Insistiu em que os estados do Sul desistissem de seu direito a
uma política externa independente, favorecendo assim o novo estado federal.

O conceito de Bismarck de um novo “Reich” se baseava na Confederação


Germânica do Nortejá estabelecida e em sua união com os estados alemães do Sul.
O governo do novo “Reich” teria autoridade sobre o Exército e a Marinha e suas
próprias fontes de renda através de tarifas, taxas de consumo e de navegação.
Havería um sistema uniforme de pesos e medidas, uma moeda comum e uma lei
Bismarck e seu tempo 73

comum para promover o comércio e a indústria. Os poderes legislativos seriam


exercidos por uma assembléia federal e um parlamento (o “Reichstag”) e os
poderes executivos seriam exercidos por intermédio do rei da Prússia, que
também seria o comandante-em-chefe do Exército e da Marinha78.

Baviera tinha a chave do novo “Reich”. Se sua oposição pudesse ser vencida,
os outros estados sulinos seguiríam seu exemplo. Se ela ficasse de fora, o “Reich”
se enfraquecería e se tornaria aberto à influência austríaca e francesa. Ao mesmo
tempo, Bismarck sentia que uma pressão indevida sobre a Baviera devia ser
evitada, de modo a não complicar futuros acontecimentos. Depois da vitória de
Sedan, a Baviera reconsiderou sua posição e iniciou negociações com Bismarck. A
Baviera queria o direito de enviar e receber representantes diplomáticos, de
concluir tratados (contanto que não fossem contrários aos interesses federais) e,
em tempo de paz, manter seu próprio exército, seu sistema postal e telegráfico e
seus próprios poderes legislativo, administrativo e financeiro. O obstáculo real era
sua recusa de ingressar no novo “Reich” debaixo da existente constituição alemã
do Norte. Os negociantes bávaros pediam uma reorganização da união federal em
uma nova base, menos centralizada, que daria à Baviera uma posição especial.

Simultaneamente, Bismarck mantinha conversações privadas com representan­


tes bávaros, envolvendo o pagamento de um subsídio ao rei Luiz da Baviera em tro­
ca do oferecimento da Coroa imperial ao rei Guilherme79. Houve também negocia­
ções com Baden, Hesse e Wuertenberg, objetivando o isolamento da Baviera; e
quando estas fracassaram. Bismarck ameaçou passar por cima de uma assembléia
de príncipes alemães, que deviam aprovar o tratado de paz com a França e a
constituição do novo “Reich” e dirigir-se diretamente ao povo. Como fizera com
tanta frequência no passado, ele tocava duas músicas ao mesmo tempo, a dos
liberais e a dosconsers adores. Quando esta última falhou, voltou-se para a opinião
pública alemã que, ansiosa pela unificação, era mantida em estado de exaltação
por uma bem dirigida campanha de imprensa e pela perspectiva de participar das
decisõés finais. Ante essas ações bem orquestradas, Baden e Hesse assinaram um
tratado com a Confederação Germânica do Norte, em 15 de novembro, seguindo-
se a Baviera, no dia 23, e Wuertenberg, em 25 de novembro de 1870. Salvo algumas
modificações menores na constituição_alemã do Norte e certos privilégios
concedidos à Baviera, o novo "Reich” não era mais do que uma ampliação da
Confederação Germânica do Norte80.x

A cerimônia final, no grande Salão dos Espelhos, em Versalhes, em 18 de


janeiro de 1871, estava inteiramente de acordo com o curso que a unificação da
Alemanha tomara. Compareceram reis e príncipes dos estados alemães, generais e
oficiais dos exércitos vitoriosos e, é claro, Bismarck. Somente faltaram os
representantes do povo alemão81.
74 George O. Kent.

NOTAS
1. Citado por R. H. Lord, “Bismarck and Rússia in 1863”, American Historical Review 29 (out. 1923),
p. 26.

2. Gorchakov mencionou a Convenção ao embaixador da França, enquanto Bismarck se jactava para


Behrendt, vice-presidente da Dieta Prussiana, das incursões prussianas alcançando Varsóvia; ademais,
os jornais alemães imprimiram várias histórias sobre a incapacidade da Rússia de reprimir a revolta. (E.
Eyck, “Bismarck” 1:469).

3. Ibid. p. 472. Sobre a atitude dos liberais em relação à questão polonesa, veja Winkler, “Preussischer
Liberalismus”, pp. 34 a 41.

4. Lord, “Bismarck and Rússia in 1863”, p. 32.

5. W. E. Mosse, “The European Powers and the German Question, 1848-1871” (Cambridgc, 1958),
pp. 115-16.

6. Lord, “Bismarckand Rússia in 1863”, p. 24; vejatambém A. Hillgruber, “Bismarcks Aussenpolitik”


(Freiburg, 1972), p. 49 em diantee W. Bussmann, “Das Zeitalter Bismarcks” (Frankfurt, 1968), p. 7 1 em
diante.

7. Sugeriu-se que Bismarck desejou usar a crise e uma guerra conseqüente para aliviar c talvez resolver a
crise constitucional doméstica. (Lord, “Bismarck and Rússia in 1863”), pp. 47-48.

8. Veja o cap. 2.

9. Boehme “Deutschlands Weg zur Grossmacht”, pp. 100-117.

10. A obra padrão ainda é L. D Steefel, “The Schleswig-Holstein Question” (Cambndge, Mass., 1932).

11. Veja cap. 2.

12. K. A. P. Sandford, “Great Britain and the Schleswig-Holstein Question, 1848-1864” (Toronto,
1975), p. 67 em diante.

13. Para um relato minucioso do interesse dos liberais prussianos sobre a questão de Schleswig-
Holstein, veja Winkler, “Preussischer Liberalismus”, p. 41 em diante.

14. F. Thimme, editor dos trabalhos políticos de Bismarck (G. W., vols. 4-6b), acreditava que a política
exterior de Bismarck em relação à Áustria foi fonemente influenciada pelas considerações domésticas
conservadoras (o desejo de reprimir a oposição liberal e restabelecer e aumetnar o poder real) c que sua
cooperação com a Áustria na questão com o Schleswig-Holstein não pretendia alcançar maior poder
para a Prússia. Segundo Thimme, o verdadeiro alvo de Bismarck, era uma aliança com a Áustria,
conquistando-lhe o favorecimento e a confiança, e, deste modo, atingir a hegemonia prussiana na
Alemanha do Norte. Assegurados os interesses vitais da Prússia e com uma cooperção confiante e
duradoura entre as duas potências germânicas ambas podiam combater o inimigo comum: o
constitucionalismo e a revolução. Só depois da Convenção de Gastein é que Bismarck considerou
perdidas todas as possibilidades de cooperação com a Áustria. O acordo secreto da Áustria com a
França era uma indicação muito mais segura de sua política pré-guerra do que os entendimentos
anteriores de Bismarck com a Itália o era de parte da Prússia. (Introdução a G. W., 5: x-xii).

15. Boehme, “Deutschlands Weg zur Grossmacht”, p. 165.


Bismarck e seu tempo 75

16 G. W„ 5: 96-103.

17. Em interessante c profundo estudo sobre a possibilidade dc guerra no verão de 1865 (“Kriegsgefahr
und Gasteiner Konvention: Bismarck, Eulenburg und die Vertagung des preussisch-oesterreichischen
Krieges im Sommer 1865”, em I. Geiss e B.J. Wendt, eds., “Deutschland in der Weltpolitik des 19. und
20. Jahrhundens" (Duesseldorf, 1973), pp. 89-103), J. C. G. Roehl concorda com R. Stadelmann, que
acredita ter sido a situação política européia, no verão de 1865, um momento ideal para Bismarck
declarar guerra à Áustria. A Inglaterra estava preocupada com a Guerra Civil americana, a França com
sua aventura mexicana e a Rússia com assuntos internos devidos às seqüelas da Guerra da Criméia.
Nenhuma dessas potências poderia vir em auxílio da Áustria, c, além disso, a Áustria tinha
perturbações constitucionais e financeiras em seu próprio campo. Como esta situação nào podia
prolongar-se indefinidamente, o tempo era inimigo dc Bismarck; porque ele deixou de tirar vantagem
desta ocasião favorável é uma questão que nos deixa intrigados. Ou ele desejava sinceramente evitar a
guerra e entender-se com a Áustria ou, embora decidido a fazê-la, ainda não havia terminado seus
preparativos. Stadelmann prefere a última razão, embora também considere a influência da opinião
pública c haja a possibilidade de Bismarck ter atendido as duas razões simultaneamente. (Stadelmann
mostra que Guilherme I e seus conselheiros eram a favor de uma política antiaustríaca mais acentuada
do que pensavam os historiadores alemães da velha escola: R. Stadelmann, “Das Jahr 1865 und das
Problem von Bismarcks deutscher Politik”, Historische Zeitschrift, suplemento n9 29(Munique, 1933),
citado por Roehl, “Kriegsgefahr” pp. 90-91).

Baseado em canas recentemente descobertas de Bismarck. dirigidas ao ministro do Interior


prussiano, Eulenburg, Roehl conclui que suas razões para adiar a guerra em julho de 1865 foram
predominantemente financeiras. O fracasso de algumas imponantes transações financeiras, cuja culpa
ele atribuía ao Ministro das Finanças prussiano Bodelschwing e ao Ministro do Comércio prussiano
Itzenpiltz, deixou o governo sem fundos para o esforço de guerra. “Durante o ano de 1865,
honestamente, Bismarck não se esforçou por um entendimento com a Áustria A Convenção de
Gastein nào pode ser considerada como um desejo de realizar um dualismo pacífico; não foi mais do
que uma tentativa de ganhar tempo.” (Roehl, “Kriegsgefahr”, p. 103).

18 E. Eyck, "Bismarck". 2:68-69.

19. Ibid., p. 86.

20. G. W., 5:307-1 1.

21. Citado por E. Eyck, “Bismarck” 2:101.

22. G. W., 5:365-68.

23. E. Eyck, “Bismarck”, 2:112.

24. Ibid. p. 124.

25. Stern, “Gold and Iron”, p. 69. A propriedade em questão era a ferrovia Colônia - Minden.

26. Nào obstante serem conhecidas há muito tempo as relações de Bismarck com Bleichroeder e a
importância do papel deste, esses detalhes só foram tratados recentemcntc por Fritz Stern em seu
excelente e profundo estudo “Gold and Iron”.

27. Ibid., caps. 3 c 4.

28. A. J. P. Taylor, “The Struggle for Mastery in Europe, 1848-1918” (Oxford, 1954), pp. 163-65.
76 George O. Kent.

29. G. W., 5:416-19.

30. Ibid., pp. 432-34, 447-49.

31. Veja cap. 8.


32. E. Evck. “Bismarck”, 2:162.

38. Ibid. p. 169.

34. Em 20 de julho de 1858, Napoleào III e Cavour reuniram-se em Plombières e concordaram em


reunir suas forças contra a Áustria. Veja os detalhes em Taylor, “The Struggle for Mastery in Europe”,
pp. 108-4.

35. E. Eyck, “Bismarck”, 2:170-72.

36. A motivação de Bismarck para considerar o plano não está bem clara. Provavelmente era pane de
seu esforço duplo para conseguir a supremacia prussiana na Alemanha. Um plano seguia uma política
aparentemente belicosa e o outro uma via pacífica. O plano Gablenz era pane do segundo e também
servia para fonalecer a resolução do rei, caso falhasse a política pacífica. (E. Eyck, “Bismarck”,
2:174-81). Para uma apresentação dos vários pontos de vista dos historiadores sobre a missão Gablenz e
a atitude de Bismarck para com ela, veja O. Becker, “Bismarcks Ringen um Deutschlands Gestaltung”,
cap. 4. n.° 4, pp. 843-44.

37. A reorganização do exército prussiano no contexto do conflito constitucional não afetava a


eficiência do exército, pois a vitória também poderia ser alcançada pelo emprego da milícia e de outras
reformas Boyen. O. Becker, “Bismarcks Ringen um Deutschlands Gestaltung”, p. 98

38. Pflanze, “Bismarck and the Development of Germany”, vol. 1, pp. 301-3. “Bleichroeder... transferiu
400.000 taleres aos revolucionários húngaros” (F. Stem. “The Failure of Illberalism” (N.Y., 1972
p. 62). Veja também Stem, “Gold and Iron” pp. 89-90.

39. Sobre o tratamento de Frankfurt por Bismarck, veja Stern, “Gold and Iron” pp 90-91.

40. G. W., 6:120 Pflanze “Bismarck and the Development of Germany”, vol. 1 pp. 306-10.

41. Winkler, “Preussischer Liberalismus”, pp. 91-92.

42. Huber, “Deutsche Verfassungsgeschichte seit 1789”, 3:353, 358.

43. Sobre a cisão dos liberais, veja Winkler, “Preussischer Liberalismus”, p. 93 em diante.

44. G. A. Kertesz, “Reflections on a Centenary”, Historical Studies of Australia and New Zealand 12
(oul 1966), pp. 333-42.

45. K. G. Faber, “Realpolitik ais Ideologie”, Historische Zeitschrift 203, agosto de 1966), pp. 1-45.
Winkler acha errado acusar os liberais de terem optado pelo poder contra a liberdade em 1866. De seu
ponto de vista seria razoável esperar que a posição fonemente autoritária da Prússia seria diluída pela
unificação da Alemanha. (Winkler, “Preussischer Liberalismus”, p. 122). Veja também G. R. Mork,
Bismarckand the Capitulation of German Liberalism”, Journal ofModern History 48 n.° 1 (março de
1971): 59-75.

46. Bismarck passou os últimos dias de outubro e os primeiros de novembro, em Putbus, no mar
Báltico, recuperando-se de uma enfermidade. Bussmann, “Das Zeitalter Bismarcks”, p. 96.
Bismarck e seu tempo 77

47. Pflanze, “Bismarck and lhe Development of Germanv", vol. 1, p. 338.

48. H. Heiftcr, “Die Deutsche Selbstverwaltung im 19. Jahrhundcn”, 2? cd., (Stuttgan. 1969), acha
que a hegemonia prussiana na Confederação da Alemanha do Norte e posteriormente no "Reich”,
conservou o particularismo prussiano. Do mesmo modo se preservou o particularismo dos estados
menores germânicos, deixando a porta aberta para que ingressassem mais tarde na Confederação
(p. 468).

49. O texto desta cláusula estipulava que “os regulamentos e decretos do Presidente Federal fossem
emitidos em nome da Confederação e exigiam, para a sua validade, a contra-assinatura do Chanceler
Federal que aceitava a co-responsabilidade”. (Anigo 172/2, conforme citado por R. Morsey, “Die
oberste Reichsverwaltung unter Bismarck, 1867-1890” (Muenster, 1957) p. 19. Veja também E. Hahn,
“Ministerial Responsibility and Impeachment in Prússia 1848-1863”, Central European History 10, n?
1 (março 1977): 3-27.

50. Morsey, “Die oberste Reichsverwaltung”, pp. 24-25.

51. Durante o período de Bismarck no cargo, ele não era responsável nem perante o “ Reichstag” e nem em
face do Conselho Federal, mas, exclusivamente perante o rei. Sua demissão em 1890 não foi devida à
perda de confiança de qualquer corpo legislativo, mas somente porque o rei perdera a confiança em
seu ministro. Morsey, “Die oberste Reichsverwaltung” pp. 21-23; Pflanze, “Juridical and Political
Responsibility”, p. 173, n? 17. Quanto às opiniões de Bismarck sobre a responsabilidade ministerial
veja Hahn, “Ministerial Responsibility”, pp. 24-25.

52. Citado por G. P. Gooch, “Studies in Modem History" (N. York, 1968) p. 227.

53. Pflanze, “Bismarck and the Development of Germany”, vol. 1, p. 361.

54. Morsey, “Die oberste Reichsverwaltung”, pp. 24-25.

55. J. Becker, "Zum Problem der Bismarckschen Politik in der Spanischen Thronfrage 1870”,
Historische Zeitschirift 212, n? 3 (junho de 1971): 529-607.

56. E. Eyck, “Bismarck”, 2:424.

57. Taylor, “The Struggle for Mastery in Europe”, p. 185.

58. Alexandre foi a Paris em junho de 1867 para visitar a exposição e encontrar-se com sua amante.
Princesa Catarina Dolgoruky, W. E. Mosses, “The European Powers and the German Question”, 1848-
1871, p. 270 n? 3.

59. Na época, havia fones indícios de um entendimento franco-austríaco (novembro de 1867 - janeiro
de 1869) e boatos de uma reaproximação austro-prussiana. Esta foi energicamente desmentida por
Bismarck, W. E. Mosse, “The European Powers”, pp. 279-83.

60. Ibid., pp. 284-90.

61. Em seguida à derrota das forças republicanas chefiadas por Garibaldi, os franceses ocuparam Roma
em 1849 para assegurar a futura segurança do papa e da Igreja. Em 1864, Napoleào 111 mudou de
política, para espanto de muitos católicos na França, numa tentativa de captar a simpatia dos italianos,
e assinou a Convenção de Setembro com o governo italiano. De acordo com seus termos, os italianos
prometiam não atacar o território papal; em troca, o governo francês concordava em retirar suas tropas
dentro de dois anos, fazendo-o em dezembro de 1866. Em outubro do ano seguinte, as tropas francesas
78 George O. Kent.

voltaram, depois do fracasso de uma insurreição em Roma e dos voluntários de Garibaldi terem
derrotado as forças papais. As forças combinadas francesas e papais derrotaram os voluntários na
batalha de Mentana, a 3 de novembro de 1867, sendo Garibaldi aprisionado. Os italianos estavam
profundamente ressentidos, e, embora Napoleão tentasse entrar em acordo com eles, a opinião
pública francesa, instigada pela igreja, impediu quaisquer concessões. Assim, a questão romana
tomou-se o ponto principal da disputa e perturbou as relações franco-italianas até a queda do Segundo
Império.

62. E. Evck. 'Bismarck", 2:342-46. 348-51. 355-58.

I; 63. O trono espanhol ficara vago depois da fuga da Rainha Isabel para a França, em 29 de setembro de
1868, em seguida à derrota das forças reais. Em maio de 1869, o Parlamento Espanhol instituiu uma
monarquia constitucional e procurava um candidato adequado para o trono espanhol entre as casas
reais da Europa.

I O material sobre a candidatura Hohenzollern é volumoso; os documentos originais alemães


foram mantidos em segredo até a Segunda Guerra Mundial, quando foram encontrados pelos Aliados
nos arquivos capturados no Ministério do Exterior da Alemanha. Os documentos sobre a candidatura
Hohenzollern, juntamente com outros dos arquivos dos Hohenzollern-Sigmaringen, foram compila­
I dos e editados por Georges Bonnin, em "Bismarck and the Hohenzollern Candidaturc for the Spanish
I Throne: The Documents in the German Diplomatic Archives” (Londres, 1957) A introdução de
Bonnin é um fascinante relato de como o Ministério do Exterior alemão suprimiu os documentos-
chave. A publicação do volume de Bonnin foi recebida pelos historiadores como uma importante
contribuição para o esclarecimento de importante problema da história européia moderna. Somente
Gerhard Ritter, decano dos historiadores de nacionalidade alemã, não se impressionou Em sua
introdução ao livro dej. Dittrich (veja abaixo), ele afirma que a maior parte do material descoberto por
Bonnin já era conhecido dos historiadores alemães desde 1913. (Só não admira que os historiadores
alemães nada fizessem com esse material durante esse tempo.) Ele deplorava o fato dos documentos
terem sido traduzidos para o inglês e lamentava o fato de serem publicados por um estrangeiro.

A opinião histónca sobre o papel de Bismarck nesta crise pode ser dividida aproximadamente em
três aspectos, o dos historiadores que acreditavam que Bismarck usara a candidatura desde o princípio
para provocar a guerra com a França, os que consideram Bismarck completamente inocente no assunto
e os que acreditam que mesmo não desejando a guerra, ele tirou partido da situação e confrontou a
França com a opção entre a guerra e a derrota diplomática.

Ao primeiro grupo pertencem os historiadores franceses de antes da Primeira Guerra Mundial: E


OUivier, “L Empire Liberal”, 16 vols. (Pans 1895-1912); H. Welschinger, “La Guerrede 1870: Causes
et Responsabilités”, 2 vols. (Paris, 1875); A. Sorel “Histoire Diplomatique de la Guerre Franco-
Allemande” Paris, 1875); P de la Gorce, “Histoire du Sccond Empire”, 7 vols. (Paris, 1896-1903).
Historiadores alemães cujos estudos apareceram depois da Segunda Guerra Mundial também são
dessa opinião. E Evck, "Bismarck’’, acreditava que Bismarck preparou uma cilada para Napoleão 111,
da qual não era possível escapar a não ser pela guerra (2:487) H. U. Wehler, “Bismarck und der
Imperialismus” (Colônia, 1969), vê na política de Bismarck uma “revolução vinda de cima”, com
aspectos de bonapartismo, a fim de preservar a ordem existente por meio de ações diversionistas no
exterior e limitadas concessões domésticas (p. 456). J. Bccker, “Zum Problem der Bismarckschen
Politik in der Spanischen Thronfrage 1870”, em Historische Zeitschrift 212, n? 3 (junho 197 1): 529-
607, o relato mais recente c completo, conclui que desde o início Bismarck estava certo de que sua
política levaria à guerra com a França (pp. 604-5).

O segundo grupo que considera Bismarck inocente é composto de historiadores, principalmente


alemães, que escreveu antes ou em seguida à Primeira Guerra Mundial, havendo, porém, alguns que,
mesmo depois de 1945 e a despeito da quantidade de novas provas, ainda o considera inocente de
Bismarck e seu tempo 79

política agressiva contra a França. H. v. Sybel, historiador oficial da unificação germânica, afirmou, em
seu “Die Begruendung des Dcutschen Reiches durch Wilhelm I”, 7 vols., (Munique, 1913), que
Bismarck nada tinha a ver com a candidatura Hohenzollern. Hans Dclbrueck, em “Das Geheimnis der
Napoleonischen Politik im Jahre 1870”, em suas “Erinnerungen, Aufsaetze und Reden” (Berlim,
1902), e H. Oncken, “Das Deutsche Reich und die Vorgeschichte des Weltkriegcs" (Leipzig, 1933),
acreditavam que a política de Bismarck era essencialmente defensiva e uma reação à tentativa de
Napoleão de cercar a Prússia com suas alianças com a Áustria e a Itália. É também a opinião de E.
Brandenburg, em “Die Rcichsgruendung", de L. Reiners, “Bismarckgruendet das Reich, 1864-1871“
(Munique, 1957), que assevera que não obstante Bismarck favorecer a candidatura de Leopoldo, não
queria que isso levasse à guerra c nem queria armar uma cilada para Napoleão III (p. 381). A. J. P.
Taylor, “Bismarck: The Man and the Statesman” (Londres, 1955), considera a questão do envolvimen­
to de Bismarck “a mais difícil de responder” e conclui que “não há traço de prova de que ele
trabalhasse dcliberadamente para uma guerra com a França, e ainda menos que a determinara para o
verão de 1870... a canditadura Hohenzollern, longe de ter sido projetada para provocar uma guerra
com a França que completaria a unificação germânica, pretendia realizar a unificação germânica sem
guerra. Ele Bismarck; não tinha nem planejado a guerra nem a tinha previsto. No entanto,
reivindicou-a como sua, logo que se tornou inevitável Ele desejava apresentar-se como o criador da
Alemanha e não como um homem dominado pelos acontecimentos” (pp 115, 116, 118 e 121).

O terceiro e maior grupo é o que ocupa uma posição intermediária entre os dois extremos: são
alemães, americanos e ingleses, muitos dos quais reavaliaram velhas provas ou usaram novos
documentos surgidos depois da Segunda Guerra Mundial

H Geuss, em “Bismarck and Napoleon III” (Colônia, 1959) acreditava que um Hohenzollern na
Espanha deteria 40.000 a 80.000 soldados franceses, isto è, um oitavo a um quarto do exército francês
em tempo de guerra. O desvio de tão grande pane de suas forças persuadina Napoleão a abandonar a
facção belicista de seu governo e a imprimir um rumo liberal à política interna. Isto, por sua vez,
permitiría a Bismarck uma política pacifista na unificação germânica. “A candidatura Hohenzollern
foi, pois, essencialmente, uma alavanca para Bismarck mover a incerta situação interna francesa... em
direção à unificação germânica e a paz, como sempre pretendera” (p 266). O plano falhou, pois um de
seus requisitos principais - o segredo total - não foi mantido. B Schot “Die Entstehung des deutsch -
franzoesistshen Kneges und die Gruendung des deutschen Reiches”, em H. Boehme, ed . “Probleme
der Reichsgruendungszeit, 1848-1879” (Colônia, 1968), pp. 269-95, sustenta que, desde o começo,
Bismarck não planejava a guerra, mas também nada fizera para acalmar a excitação produzida pela
divulgação prematura da candidatura; ao contrário, utilizou habilmente a situação criada pelas
exageradas reclamações francesas. Então, confrontou o governo francês preocupado com a perda do
prestígio nacional com as alternativas de guerra ou derrota diplomática. Era imperativo, tanto para a
opinião pública européia, como para a alemã, que a França tomasse a iniciativa e aparecesse como a
perturbadora da paz. Bismarck atingira seu objetivo, embora de modo diverso do planejado
onginalmente (p. 291). J. Dittrich, “Bismarck, Frankreich und die spanische Thronkandidature der
Hohenzollern: Die Kregsschuldfrage von 1870” (Munique, 1962), conclui que ele arquitetou
(“gemacht”) a candidatura e a usou para forçar uma decisão (p. 2), mas não crê que Bismarck desejava a
guerra (p. 289). L. D. Steefel, “Bismarck, the Hohenzollern Candidacy and the Ongins of the Franco-
German War of 1870” (Cambridge, Mass. 1962), declara que “a guerra franco-prussiana não foi
resultado de uma calculada política de longo alcance” (p. 221). Ele acentua repetidamente que a França
declarou a guerra que até então não era inevitável. “Bismarck não criou a candidatura Hohenzollern
como uma mina para explodir a projetada Tríplice Aliança, mas que o temor dessa aliança foi um fator
principal, talvez o maior, de sua decisão de apressar o oferecimento espanhol” (p. 239). “(A
candidatura) dava a Bismarck os meios de criar uma crise européia. Que forma tomaria, não podería ser
antecipada com certeza” (p 244). Pflanze, “ Bismarck and the Development of Germany”, vol. 1, julga
que “a candidatura Hohenzollern era um ato ofensivo e não defensivo... que o alvo de Bismarck era...
uma crise com a França. Ele dcliberadamente navegou no sentido da colisão, com a intenção de
provocar ou uma guerra ou um colapso interno na França” (pp. 448, 449). W. N. Medlicott, “ Bismarck
80 George O. Kent.

and Modern Germany” (Londres, 1965) acredita que “Bismarck, indubitavelmente, instigou a
candidatura e que, indubitavelmente, agradeceu a deflagração da guerra resultante” (p. 81). A guerra
franco-prussiana não foi, sem dúvida, um ataque não provocado de pane da Prússia; mas, “quem pode
negar que a conduta de Bismarck desde 1866 não provocasse a provocação?” (p. 84). A. Mitchell,
“Bismarck and the French Nation, 1848-1890”, (N. York. 1971), chama a atenção para o interesse de
Bismarck pelas políticas internas francesas, especialmente pelo resultado da eleição para a legislatura
nacional em maio de 1869, que deu maioria aos liberais. Contrário a opiniões que temiam que os
resultados prenunciassem uma volta à inquietação interna e a aventuras no exterior, Bismarck
acreditava que “fortaleciam o trono de Napoleào” Mitchell acha que isto era inquietante para
Bismarck, “porque não mais contana com uma iniciativa canhestra da França que lhe desse uma
complicação diplomática conveniente para explorar” (p. 51). Em seu prefácio para Bonnin, “Bismarck
and the Hohenzollem Candidature for the Spanish Throne, The Documents in the German
Diplomatic Archives” (Londres, 1957), G. P Gooch escreve que “Bismarck agradeceu a perspectiva de
um conflito com a França, em que a vitóna militar parecia razoavelmente certa e que removería o
último obstáculo à incorporação voluntária da Alemanha do Sul em um império federal com o rei da
Prússia à frente Não há indícios de anseio pela guerra em suas cartas e despachos” (pp 10-1 1).

64. J. Becker, “Zum Problem der Bismarckschen Politik in der Spanischen Thronfrage 1870”
pp. 569-570

65 D W. Houston. “Emile Ollivier and the Hohenzollem Candidature”, French Historical Studies 4
(outono de 1965), pp. 125-49.

66. W. L. Langer, “Bismarck as a Dramaúst”, em A. O Sarkissian, “Studies in Diplomatic History and


Historiography in Honor of G. P. Gooch” (N. York, 1962), pp. 199-216. O original deste famoso
despacho, com as correções de Bismarck está desaparecido, se é que existiu. J Becker “Zum Problem
der Bismarckschen Politik in der Spanischen Thronfrage 1870”, p. 531

67. Uma avaliação correta esclarecería a personalidade e os métodos de Bismarck, tanto quanto sua
política de unificação germânica e as subseqüentes relações franco-germânicas antes da Primeira
Guerra Mundial Eu me baseei muito em J. Becker, “Zum Problem der Bismarckschen Politik in der
Spanischen Thronfrage 1870”.

68. Citado por J. Becker, “Zum Problem der Bismarckschen Politik in der Spanischen Thronfrage
1870”, p. 597.

69. O “orçamento de ferro” de 1867 “forneceu equivalente exército de 1% da população, apoiado por
uma dotação anual de 225 taleres por cabeça. Originalmente lançada para expirar em dezembro de
1871, esta lei foi prorrogada por mais três anos”. G. Craig, “The Politics of the Prussian Army, 1640-
1945”, (Oxford, 1955), p. 220.

70. Pflanze, “Bismarck and the Dcvelopment of Germany”, vol. 1 p. 449.


71. J. Becker, "Zum Problem der Bismarckschen Politik inder Spanischen Thronfrage 1870”. p. 605,
Mitchell, ‘Bismarck and the French Nation”, pp. 51-52.

72. A melhor descrição da guerra é dada por M. Howard, “The Franco-Prussian War” (N. York, 1961).

73. E. Kolb, “Kriegsfuehrung und Politik 1870/71”, em T. Schieder e E. Deuerlein eds., “Reichsgru-
endung 1870/71” (Stuttgart, 1970), pp. 95-118.

74. Citado por Taylor, ‘‘The Struggle for Mastery in Europe", p. 212.
75. Ibid., pp. 212-14.
Bismarck e seu tempo 81

76. R. I. Giesberg, “The Treaty of Frankfurt’’ (Filadélfia, 1966), pp. 87-98.

77. Ibid., pp. 107-26.

78. A maior realização de Bismarck, o estado unificado, não sobreviveu à Segunda Guerra Mundial. Os
métodos usados por Bismarck para unificar a Alemanha foram admirados e elogiados durante sua vida,
porém foram crescentemente questionados à medida que o “Reich” falhava ao defrontar-se com uma
série de crises domésticas e externas, sendo finalmente esmagado.

Antes e duranie a Primeira Guerra Mundial, os historiadores acentuaram os aspectos patrióticos e


nacionais do movimento de unificação c elogiaram Bismarck e Guilherme I, criticando, assim,
indiretamente, Guilherme II. Durante a República de Weimar, em seguida à Primeira Guerra Mundial,
alguns escritores tentaram descobrir falhas na fundação do “Reich" que pudessem explicar suas recentes
derrotas, enquanto outros elogiavam a gloriosa obra de Bismarck, que se comparava tão favoravel­
mente com as políticas mesquinhas e nocivas dos políticos da República.

Durante o Terceiro “Reich", os historiadores comparavam a construção de Bismarck, de uma


Alemanha Menor, desfavoravelmente com a Grande Alemanha de Hider, outros viam na criação de
Bismarck o precursor do “Reich” de Hider Depois do colapso, em 1945, os historiadores alemães
procuraram reavaliar a unificação de 1871.

Os seguintes exemplos são apenas alguns dos pontos de vista de alguns historiadores. H. v.
Treitschke em “Historischc und Politische Aufsaetza”, 3 vols. (Leipzig, 1911-15), escrito em 1886,
credita a fundação do “Reich” à monarquia prussiana; realizada militarmente tinha a força do “fait
accompli” e por trás de si o irresistível poder dos sentimentos nacionais ressuscitados (2:551). No
entanto, as massas não tomaram pane no movimento de unificação, “nem era desejável que o
fizessem”, de acordo com Treitschke, “porque semelhante movimento em solo germânico costumava
produzir muito barulho e anarquia” (3:544). A União Aduaneira também não desempenhou papel
construtivo no movimento mais amplo. O panicuiarismo e o ódio à Prússia entre os Estados da
Alemanha do Sul também faziam parecer inatingível essa unidade germânica, ainda por muito tempo.
Neste ponto, “a generosa providência nos deu a guerra com a França. Realmente, só um evento dessa
magnitude, somente tal ato de violência, tão brutal e imprudente, que podia despertar a consciência
mais indolente, foi capaz de trazer o Sul de volta à pátria maior” (3:548).

E. Brandcnburg, em “Die Reichsgruendung”, achava que a par do papel desempenhado por


líderes, estadistas e militares, na unificação e que os eventos militares e diplomáticos tenham sido
decisivos, o sentimento nacional e a cooperação do povo germânico nào devem ser subestimados; a
existência de um forte movimento nacional era a base indispensável para as realizações do estadista.
Quem quer que carregasse uma pistola durante as lutas de 1813 até 1870 ou tenha combatido pelos
ideais nacionais, fazendo discursos ou escrevendo panfletos, participou na fundação da nova
Alemanha. As ações decisivas, entretanto, vieram dos homens que cercavam o rei Guilherme e o maior
deles era Bismarck (2.4 13, 417-18).

J. Ziekursch, na “Politische Geschichte des neuen deutschen Kaiserreiches”, 3 vols.. (Frankfurt,


1925-30), afirmava que a obra de Bismarck foi realizada contra os desejos da maioria do povo alemão.
Foi feita de acordo com os interesses e com o auxílio da dinastia Hohenzollern, da nobreza prussiana,
do corpo de oficiais e de funcionários públicos importantes. Ela provocou tensões domésticas e
pressões do exterior. A despeito dessas dificuldades, Bismarck levou a Alemanha à glória e ao poder,
porém, quando foi demitido, ninguém foi capaz de continuar sua obra ou de substituí-lo (1:328-29).

Apenas alguns anos depois, escrevia E. Marcks, nacionalista e antigo admirador de Bismarck,
completando a primeira parte da biografia de Bismarck com “Der Aufstieg des Reiches: Deutsche
Geschichtevo 1807 -187 1/78", 2 vols. (Stuttgart, 1936). Ele asseverava que a unificação da Alemanha era
82 George O. Kent.

obra pessoal de Bismarck: no entanto, outros, como o rei, Moltke, Roon, o exército, a opinião pública
estavam envolvidos, mas fora Bismarck que unificara o país (1: xii-xiii; 2:514-15).

O historiador austríaco H. v. Srbik. pnncipal defensor da concepção histórica global germânica


("gesamtdeutscheGeschichtsauffassung”), afirmava, em “Deutsche Einheit: Idee und WirkJichkeit von
Villafranca bis Koeniggraetz", 4 vols. (Munique, 1940-42), que o império germânico foi fundado no
campo de batalha de Sadovva-Koeniggractz, em 1866, e não no palácio de Versalhes, em 1871. Srbik
lamentava ainda o fato de Bismarck não ter estabelecido um “Reich” germânico maior.

Escrevendo durante a Segunda Guerra Mundial, W. Mommsen, “Bismarck kJeindeutscher Staat


und das grossdeutsche Reich", publicado originalmente em “Historische Zeitschrift” vol. 167, pp.
66-82. republicado por H Boehme, ed. “Probleme der Reichsgrucndung, 1848-1879” (Colônia,
1968), pp. 355-68, via a Alemanha de Bismarck como uma antecessora direta da Alemanha Maior de
Hider. Ele acreditava que a forma particular dada à unificação alemã foi a única solução possível na
época (p. 856).

I L v. Muralt, em “Bismarcks Verantwonlichkeit" (Goetungen, 1955), vê o problema de modo


similar. “Bismarck cnou o “Reich” alemão da única maneira possível, isto é, sob a liderança da
Prússia” (p 33).

Golo Mann, por sua vez, em sua "Deutsche Geschichte dea 19. und 20. Jahrhundens” (Frankfurt,
1958), acha que a unificação da Alemanha foi realizada pelos estados, isto é, pela Prússia, o grande
estado, impondo sua liderança aos menores. A coerção prussiana foi disfarçada pelo fato de largos
segmentos da população quererem a unidade e por ela trabalharem, embora o próprio povo não a
fizesse. Completada a unidade, somente uma minoria estava satisfeita com os resultados (p. 378).
Afinal não era mesmo um estado nacional real, porquanto grande parte da nação permaneceu de fora
para sempre p. 386

H. Bartel. um historiador alemão oriental, em “Zur Stcllung der Reichsgrucndung von 1 87 1 und
! zum Charakter des preussisch-deutschen Reiches”, H Bartel e E. Engelberg, eds. “Die grosspreus-
ische militaensche Reichsgrucndung, 187 1 ”, 2 vols. (Berlim, 1971), pp. 1 -20, vê a fundação do “ Reich”
principalmente como resultado do capitalismo bem-sucedido. Citando Engels, ele afirma que o
comércio e a indústria se tinham desenvolvido a tal ponto na Alemanha c que as relações comerciais se
I tinham estendido tanto que não mais podia ser tolerada a situação doméstica particularista com a falta
de proteção no exterior O caminho para a unificação se deu em linhas burguesas e contra-
revolucionàrias. sem vitória completa do povo. A velha monarquia foi transformada em uma
monarquia burguesa e imperialista, com os privilégios da nobreza intatos c grande desvantagem para
os trabalhadores. Assim, foram revigoradas as diferenças de classe, acentuando-se a divergência entre o
caráter do Estado e as necessidades desenvolvimentistas da nação, o que levou, entre outras coisas, a
uma política exterior agressiva (2:4-6).

Entre os historiadores não-alemães, G. Barraclough, em suas “Origins of Modern Germany” (N.


York, 1946), diz que o novo “Reich” de 1871 - seja qual for a teoria- era na prática um “Reich” prussiano,
moldado de acordo com os interesses prussianos, construído de acordo com a tradição prussiana, gover­
nado pela dinastia dos Hohenzollem e dominado pela classe dos “junkers” prussianos” (pp. 442-23).

A. J. P. Tavlor, em “The Course of German History" (N. York, 1946), declara que o “Reich” de
Bismarck era uma ditadura imposta a forças conflitantes, sem nenhum acordo entre si. As partes não
concordavam; elas eram manipuladas por Bismarck - subjugadas quando ameaçavam erguer-se e
estimuladas quando fracas. Bismarck estava no meio de uma gangorra, balançando-a de modo a
manter sua criação artificial numa espécie de equilíbrio; porém, o resultado inevitável era dar à
Alemanha oscilações cada vez mais violentas e incontroláveis” (pp. 115-16).
Bismarck e seu tempo 83

Em “The Catholics and German Unity, 1866-1871" (Minncapolis, 1954), G. G. Windell escreve
que “os particularistas tinham perdido, mas apenas por diminuta margem. Os nacionalistas tinham
ganho, mas tão-somente com o auxilio de alguns que, intimamente, estavam pesarosos pelo que
tinham feito... pelo pais afora, muitos indivíduos de ambos os credos tinham chegado a olhar guerra e
o futuro da Alemanha como outro estágio da secular disputa entre Wittenberg e Roma" (pp. 273-74).

T. S. Hamerow, em “The Social Foundations of German Unification, 1858-187 1", acredita que
“mesmo na hora de seu maior triunfo, a política de centralização foi recebida por muitos alemães com
indiferença e desconfiança. A unificação nacional era obra de uma minoria determinada, infatigável,
inteligente, próspera c influente... Bismarck conseguira adaptar a estrutura do Estado às necessidades
de uma economia cada vez mais industrializada. Ele tinha negociado uni acordo verbal entre a
aristocracia e a burguesia, salvaguardando os interesses da velha ordem nos quadros da nova. O
governo autoritário era camuflado por uma fachada de controle parlamentar, enquanto o progresso
material era assegurado pela integração econômica. O sucesso militar e político permitia à Alemanha
sausfazer as demandas do capitalismo industrial sem alterar o tradicional sistema de classes”
(pp. 425-26).

79. Pflanze, “ Bismarck and thc Development of Gemany", vol. 1, p. 491. Sobre as tentativas de alguns
representantes dos estados menores de diminuir a ascendência da Prússia no novo “Reich” e
fortalecer os aspectos federais da nova constituição, veja R Dietrich, “Das Reich, Preussen und die
Einzelstaaten bis zur Entlassung Bismarcks”, em D. Kurze, ed., “Aus Theorie und Praxis der
Geschichtswissenschaft: Festschrift fuer Hans Herzfeld", (Berlim, 1972), pp. 236-56. Quanto aos
detalhes sobre as negociações com a Baviera e principalmente sobre o papel de Bleichroeder, veja
Stern, “Gold and Iron”, pp. 133-34.

80. Pflanze, ‘‘Bismarck. and the Development of Germany”, vol. 1, pp. 480-90.

81. K. Bosl, “Die Verhandlungen ueberden Eintritt der Sueddeutschen Staaten in den Norddeutschen
Bund und dic Entstehung der Reichsverfassung", em Schiedere Deuerlein, eds., “Reichsgruendung,
1870/71, pp. 148-63.
6. O NOVO REICH”

“Agora que realizamos o maior sonho de nossas vidas, o que resta fazer?”
exclamou Heinrich von Sybel após a unificação1. A maioria de seus contemporâ­
neos, tanto liberais quanto nacionalistas, expressaram sentimentos similares.
Aqueles que haviam duvidado, depois da revolução de 1848, que seu pais
conseguiría um dia unificar-se agora se regozijavam. E tudo se tornara possível
graças ao gênio de Bismarck, a cujos feitos ecoavam louvores através do pais. O
futuro parecia brilhante, e os primeiros anos que se seguiram à unificação
atenderam às mais altas expectativas. No entanto, repentinamente, uma severa
crise econômica e financeira provocou uma amarga desilusão. No meio dessa crise,
Bismarck começou a sua disputa com a Igreja Católica - a “Kulturkampf’ -
e, em seguida, ao final da década de 1870, sua cruzada anti-socialista. Essas duas
lutas domésticas causaram uma insatisfação generalizada entre os católicos e os
trabalhadores que, através de seus respectivos partidos políticos - o Partido do
Centro e o Partido Social Democrático - formavam o núcleo da oposição ao
Governo. A esses dissidentes se juntaram os franceses da Alsácia-Lorena, os
guelfos de Hanover, os dinamarqueses do Schleswig-Holstein e os poloneses da
Prússia Oriental e Ocidental. Todos juntos formavam um grupo expressivo cuja
diversidade e tamanho refletiam o fracasso de Bismarck no plano interno.

Parece irônico que um homem que foi capaz, apesar de três guerras, de
convencer as potências européias de suas intenções pacíficas não tenha conseguido
um êxito semelhante em seu próprio país. Aparentemente, Bismarck jamais
entendeu as forças que transformaram a Europa Central de uma economia agrária
numa economia industrial e de uma sociedade rural numa sociedade urbana,
como também não apreciava as consequências dessas mudanças para a vida
política alemã. Seu objetivo era o de preservar a monarquia e a ordem social
estabelecida, baseada na nobreza, na burocracia e nas forças armadas. Apesar de
estar disposto a fazer concessões no campo econômico, ele se recusava a fazer o
mesmo em questões políticas. Uma vez que a unificação tornara desnecessárias as
guerras com outros países, Bismarck transferia a luta para o cenário interno; sua
luta contra os católicos e os socialistas podem ser consideradas como um artificio
para desviar a atenção popular de problemas pendentes de ordem social e
constitucional.

O estilo pessoal de Bismarck de conduzir os negócios de Estado não tolerava


interferências; ele era intolerante em relação a colegas e desconfiava sempre de
Bismarck e seu tempo 87

importantes problemas no desenvolvimento do “Reich”: a aquisição da Alsácia-


Lorena e a indenização francesa de guerra de cinco bilhões de francos. A primeira
tornou-se um irritante permanente e às vezes o maior nas relações franco-alemãs e
foi um fator que contribuiu para a Primeira Guerra Mundial, enquanto a segun­
da foi uma das causas mais importantes da depressão econômica de 1873 que teve
um grande impacto nos assuntos econômicos e políticos alemães.

Em suma, é fácil ver que a anexação da Alsácia-Lorena foi um erro trágico,


apesar de ser claro mesmo naquela época que a França não sofreria a perda de suas
províncias com equanimidade. Em vista dos termos lenientes estabelecidos por
Bismarck em relação à Áustria em 1866 e de seu desejo confesso de relações
pacíficas com a França após a guerra, sua insistência em adquirir este território
(cuja riqueza mineral não era conhecida na época) é difícil de entender. A
explicação usual é de que ele cedeu, com relutância, a pressões militares
esmagadoras; o Estado-Maior considerava as províncias da maior importância
para a próxima guerra com a França. Mas o problema era mais complicado do que
isto. Em 1870-71, a anexação da Alsácia-Lorena era, para a opinião pública alemã,
uma expressão do espírito nacional, popular do movimento de unificação. A
aquisição das províncias francesas não era o resultado de um poder extemporâneo
ou de diplomacia de gabinetes. Este aspecto popular era ainda apoiado pelas
lembranças das invasões francesas do território alemão nas guerras revolucioná­ 1
i
rias e napoleônicas. Estrasburgo, sobretudo, fora uma área de disputa entre a
França e a Alemanha por vários séculos, mudando de governantes todas as vezes
que a fortuna da guerra favorecia um dos lados. Assim, a vasta maioria dos alemães I
via a aquisição da Alsácia-Lorena como legítima e até mesmo como uma parte
necessária do tratado de paz9.

Havia, entretanto, outras considerações, como a autodeterminação da popu­


lação local, que era maciçamente francesa no caso da Lorena, e também, em
parte, no caso da Alsácia, e como o problema constitucional do “status” das
províncias anexadas dentro do “Reich”. A anexação da Alsácia-Lorena também
diminuiu as possibilidades de um acordo duradouro com a França no contexto de
um novo alinhamento europeu e afetou o futuro papel da Alemanha entre as
potências européias. Os protestos populares em favor da anexação surgiram
pouco após o início da guerra franco-prussiana, inicialmente na Alemanha do Sul e
depois no Norte. Esses protestos parecem haver despertado espontaneamente:
não há indícios de influência governamental sobre a imprensa. Uns poucosjornais
liberais, como o “Frankfurter Zeitung”, opunham-se à anexação com base em que
ela faria a guerra parecer ser agressiva e não defensiva e de ter sido dirigida contra o
povo francês e não contra Napoleão III e seu governo, como muitos alemães
acreditavam. A imprensa nacionalista descartava esses argumentos como tolices
sentimentais. A preferência da população local cedo seria mudada sob a
dominação alemã, conforme tais jornais, e o princípio da autodeterminação seria
de segunda importância em relação ao nacionalismo alemão^.Ou, como disse um

I
I

88 George O. Kent.

liberal de Wuertenberg durante o primeiro mês da guerra franco-prussiana, “a


oposição da população (na Alsácia-Lorena) não pode ser levada em consideração;
não somos nem políticos sentimentais nem loucos doutrinários. O nacionalismo
(isto é, pró-germanismo na Alsácia-Lorena) despontará no tempo adequado. Até
então, o pais pode ser controlado e governado militarmente”10. Mais ou menos na
mesma época, uma maioria de alemães se convencera de que a nação francesa, e
não Napoleão III, era o real inimigo e de que, nessas condições, os protestos pela
anexação eram válidos.

A atitude do próprio Bismarck não seguiu a opinião pública. Ele parece haver
decidido sobre a anexação posteriormente, embora seja impossível determinar
com precisão quando tomou uma decisão a esse respeito. Sabe-se que durante a
revolução de 1848 ele solicitara que Estrasburgo fosse novamente incorporada ao
“Reich”. Ele acreditava que a França odiaria a Alemanha e buscaria vingar-se de
qualquer maneira e, enquanto isso, a Alsácia-Lorena proporcionaria a tão
desejada segurança para a Alemanha meridional. Bismarck também acreditava
fortemente na “realpolitik”11, a qual exigia, a seu ver, a anexação de territórios
após uma guerra vitoriosa. (O exemplo de 1866 não contradiz este princípio,
porque o fracasso da Prússia de adquirir território austríaco fora compensado
pelas anexações prussianas na Alemanha Central). Este conceito de política de
poder exigia que a França fosse enfraquecida territorial, militar e economicamen­
■ i
te. A França, antes da guerra, era muito superior à Alemanha em poder militar e
i■
econômico, e Bismarck, o líder de uma potência relativamente menor, não
poderia ter previsto que seu país eclipsaria a França nas décadas seguintes.

Apesar da opinião pública alemã ser maciçamente em favor da anexação, isto


não era um fator decisivo para Bismarck. Ele poderia ter conduzido a opinião
pública no sentido de uma paz negociada após Sedan, mas ele preferiu dar ênfase
aos perigos da intervenção externa e da obstinada resistência dos franceses. Ele
não, nem o defensor nem o opositor da opinião pública alemã. Considerava o
problema como um aspecto de política externa e não estava preocupado com suas
futuras implicações internas - a forma da integração do território no novo “Reich”
- e, como veio a ocorrer, a sua orientação era míope e equivocada em ambos
respeitos.

Questões políticas e econômicas - A indenização de cinco bilhões de francos que a


França se vira obrigada a pagar como parte do tratado de paz provocara um surto
econômico sem precedentes na Alemanha. A expansão industrial, o setor de
I construção, assim como a especulação imobiliária e financeira atingiram novas 8-
i dimensões; as pessoas acreditavam que finalmente uma era de prosperidade
contínua havia chegado12. Quando, em 1873, a bolha estourou, por causa da
superexpansão, da superprodução e da manipulação do mercado de ações, as
conseqüências foram profundas13. Industriais e comerciantes exigiam tarifas
protetoras para fortalecer indústrias domésticas, atenuar o problema do desem-
Bismarck e seu tempo 89

prego e evitar a ameaça do socialismo. Durante crise provocada pela perspectiva de


guerra em 187514, eles também defendiam uma base industrial forte para apoiar o
poderio militar alemão15. Artesãos e lojistas solicitavam a proteção do Estado,
restrição ao livre comércio e o fim do individualismo econômico. Agricultores e
camponeses uniram-se nas reivindicações por crédito barato, menores taxas,
melhores preços para seus produtos e proteção contra a exploração dos interme­
diários. Os trabalhadores começaram a organizar-se debaixo da pressão do
desemprego e da rotatividade industrial16.

A saída para a crise parecia ser cada vez mais a adoção de tarifas protecionistas.
Ao mesmo tempo, a necessidade de reformas fiscais para tornar o “Reich”
independente dos estados, a promulgação de um novo orçamento militar e a
reorganização dos ministérios do “Reich” se combinavam para criar um impasse
entre Bismarck e a maioria liberal no “Reichstag”. A proposta de Bismarck de um
orçamento militar permanente era rejeitada pelos liberais que, pela primeira vez
desde a unificação, opunham-se ao governo17. Por pressão da opinião pública,
chegou-se a um compromisso e os gastos militares foram estabelecidos por lei para
um período de sete anos; tal lei tornou-se conhecida como “Septennat”. Ainda
assim, os liberais não estavam totalmente satisfeitos. A respeito das questões das
reformas fiscais e reorganização dos ministérios do “Reich”, eles desejavam que os
ministros fossem responsáveis perante o “Reichstag”, o que foi recusado por
Bismarck18.

Por volta de 1875-76, a política interna de Bismarck de liberalismo moderado


parecia haver fracassado19 e sua política externa de isolar a França se mostrara mal
sucedida20. Uma mudança de aliados e de políticas, tanto interna quanto
extemamente, parecia ser necessária21. No plano interno, Bismarck buscou e
encontrou apoio entre líderes da indústria pesada e das altas finanças e, ao
sacrificar Delbrueck, chefe da chancelaria do “Reich” e principal defensor do livre
comércio (que resignou em abril de 1876), o movimento do Chanceler em direção
ao protecionismo estava iniciado. Em meio de uma severa depressão agrícola no
fimdel875,o protecionismo ganhou apoio adicional da parte de interesses rurais.
Como resultado da depressão, a Alemanha transformou-se de um país exportador
de trigo em importador deste produto e importações maciças da Rússia e de outros
países colocaram numa posição delicada a agricultura da Alemanha e sobretudo
da Prússia. Assim, interesses agrícolas e industriais, ambos tradicionalmente fortes
apoios da Igreja e da Monarquia, combinavam-se nas reivindicações por tarifas
protecionistas22. Eles teriam sido também capazes de proporcionar um sólido
apoio conservador a Bismarck, se este tivesse optado por abandonar os liberais.

A depressão econômica tinha desacreditado as políticas liberais e tinha


“deixado expostas as bases do chamado liberalismo no Estado alemào-prussiano”28.
A eleição para o “Reichstag” de 1877 resultara numa maioria conservadora e num
declínio da força liberal. Os protecionistas, sobretudo com a ajuda do Partido do
90 George O. Kent.

Centro, também ampliaram o seu poder24. Esta aliança conservadora-protecio-


nista no “Reichstag” habilitou Bismarck a levar a cabo suas reformas fiscais e a
reorganização da administração do “Reich”. Esses desenvolvimentos representa­
ram um acréscimo na autoridade do Chanceler e uma derrota para os liberais; eles
fortaleceram as forças conservadoras e preservaram a posição dominante da
nobreza prussiana, do exército, da burocracia e do serviço exterior. Essa aliança
conservadora-agrária-industrial, que se tornou característica da estrutura político-
econômica do “Reich”, perdurou por muito tempo após Bismarck. Em assuntos
internos, a aliança dos interesses conservadores contribuíram para o fracasso da
Alemanha em resolver seus problemas sociais, levaram à luta anti-socialista e
1 foram também um fator em sua busca de conquista colonial e de política mundial.
Assim, o período 1877-79 pode ser considerado mais decisivo para o futuro
desenvolvimento da Alemanha do que 1870-71, os anos da unificação da
Alemanha25.

A mudança político-econômica de uma política liberal para conservadora e do


livre comércio para protecionismo foram os mais importantes, embora não os
únicos, desenvolvimentos de conseqüências nos anos 1870. Dois conflitos
significativos - a luta do governo da Prússia contra a Igreja Católica (a “ Kulturkampf’)
1; e a campanha do governo do “Reich” contra os socialistas-tomaram a maior parte
das duas décadas em que Bismarck esteve no poder.

A "Kulturkampf ” -No novo “Reichstag”, que se instalou em Berlim em 21 de


março de 1871, os cinqüentaeoito delegados do Partido do Centro só perdiam em
número para os liberais-nacionais. O Partido do Centro foi fundado na Prússia em
■I 1870 para representar os interesses da minoria católica romana no Parlamento
Prussiano e, após a unificação da Alemanha, ele expandiu a sua organização na
■I esperança de atrair não-católicos para seus quadros. A esse respeito, obteve um
i sucesso apenas parcial. Uns poucos poloneses e guelfos aderiram ao Partido e
apoiaram a sua oposição a Bismarck, mas a maioria esmagadora era composta de
católicos da Baviera, Silésia, Reno e Vestfália. Era integrado por camponeses,
trabalhadores, lojistas e intelectuais. Suspeitando de quaisquer forças que não
| estivessem sob seu controle e procurando conspirações dirigidas contra sua pessoa
e suas políticas, Bismarck acreditava que o Partido do Centro era uma importante
ameaça ao novo “Reich”. Habitualmente, ele equiparava a sua pessoa com o
Estado, de modo que um ataque a um dos dois era visto como um ataque ao outro.
Para Bismarck, o Partido do Centro era particularmente suspeito por causa de suas
ligações com o Papado, de seu apoio ao dogma papal da infalibilidade26 e mais
recentemente de sua posição favorável ao federalismo e contra as tendências
centralizadoras no novo “Reich”.

“Julgando-se ainda mais infalível do que o próprio Papa”, Lord Russell,


embaixador britânico em Berlim, escreveu ao “Foreign Office”, Bismarck “não
podia tolerar dois infalíveis na Europa e imagina que pode selecionar e indicar o
Bismarck e seu tempo 91

próximo Pontífice como faz em relação a um general prussiano que levará suas
ordens ao clero católico na Alemanha e em outros lugares”27. Bismarck também
acreditava existir uma conspiração católica, envolvendo Áustria, Itália, França,
seus inimigos internos, e possivelmente a imperatriz Augusta28.

Politicamente, a luta começara por causa de duas questões: o direito da Igreja


Católica de dispor de seus próprios assuntos conforme garantido pela constituição
da Prússia de 1850 e o apoio do Partido do Centro a certos direitos fundamen­
tais na constituição do “Reich”. Juntando-se a essa luta por direitos fundamentais
estavam os delegados ao “Reichstag” da Alsácia-Lorena, do Schleswig-Holstein e
das minorias polonesas e de outros grupos, que faziam o Partido do Centro o líder
da oposição29. Fora do “Reichstag”, surgiu uma controvérsia a respeito do
ensinamento pela Igreja do dogma da infalibilidade papal, que o governo
considerava uma intervenção desautorizada em seus assuntos. Os liberais, que
desejavam secularizar as escolas e libertar a Igreja de suas superstições medievais,
apoiaram vigorosamente o governo em sua disputa com a Igreja. Para os liberais, a
“Kulturkampf” significava uma luta entre a modernização e o medievalismo;
estava em jogo a essência da cultura alemã (daí o termo “Kulturkampf ” ou “luta
cultural”). Da mesma forma que a Santa Sé defendia os poderes da Igreja contra as
intromissões do Estado e da ciência moderna, o governo e os liberais buscavam
estender o conhecimento da ciência para a melhoria da humanidade, e as recentes
descobertas de Darwin constituíam um caso particular.

O primeiro incidente na “Kulturkampf” ocorreu quando os teólogos católicos


e os instrutores religiosos, que eram assalariados do Estado, se recusaram a ensinar
o dogma da infalibilidade papal. Quando seu superior, o bispo Krementz,
suspendeu-os de suas atividades de ensino, o Ministro da Cultura da Prússia
recusou-se a reconhecer a decisão do bispo e, após uma longa altercação,
suspenderam-se todos os subsídios governamentais ao bispo em 25 de setembro
de 187O30. No verão seguinte, a seção católica do ministério prussiano da Cultura
foi dissolvida porque seus funcionários haviam supostamente apoiado interesses
poloneses e católicos, em vez de alemães, nas províncias orientais da Prússia. Esta
ação foi seguida, em março de 1872, por uma nova lei escolar que substituía a
supervisão eclesiástica pela supervisão estatal nas escolas. Nesse verão, os jesuítas
foram expulsos da Alemanha (junho de 1872) e sua instituição dissolvida. Em maio
de 1873, as leis Falk, assim chamadas por causa de Adalbert Falk. ministro
prussiano para assuntos de educação e eclesiásticos, restringiram o treinamento e
emprego de padres, limitaram os poderes disciplinares da Igreja, tomaram
obrigatório o casamento civil e tornaram mais fácil para os prussianos abandonara
Igreja Católica31.

Estas medidas provocaram a oposição unânime e determinada dos bispos


católicos, do baixo clero e dos leigos. Se o objetivo da luta era a destruição do
Partido do Centro, os resultados foram desapontadores. O partido, assim como
92 George O. Kent.

outras organizações católicas, se fortaleceram e mais dispostos em sua oposição ao


governo. Aproveitando-se da liberdade de imprensa, o Partido do Centro quase
duplicou a sua votação na eleição de 1874 e recebeu cerca de 28% do voto popular
total. Os efeitos das medidas governamentais e da oposição do clero a elas foram
mais sentidos pela população católica da Prússia. Jovens teólogos se recusavam a
prestar os exames que lhes eram exigidos. O fechamento de seminários e a recusa
de bispos de preencher as vagas existentes levaram a uma escassez aguda de padres
paroquiais e a uma crise religiosa em muitas comunidades católicas. Por volta de
1876, a maioria dos bispos católicos da Prússia ou tinham sido presos ou partido
para o exterior.
!
São difíceis de avaliar os efeitos globais da “Kulturkampf ” sobre a Prússia e a
Alemanha. Para Bismarck e os liberais era uma luta pela supremacia do Estado
sobre a Igreja. Nesta luta, os liberais logo se viram numa posição desconfortável.
Apesar de serem favoráveis à separação da Igreja do Estado e à educação oficial e
! serem contrários a tendências federalistas e particularistas do Partido de Centro,
eles foram forçados, em apoio à “Kulturkampf ”, a concordar com uma série de
medidas coercidvas que não eram todas de seu agrado. Os liberais assumiram essa
posição acreditando que ela reforçaria os seus poderes e os do “Reichstag” contra as
políticas semi-autocráticas do Chanceler em outros campos. Os liberais não
conseguiram ampliar o seu poder assim como o do “Reichstag”; eles subestima­
ram seus poderes e habilidades políticas em relação aos de Bismarck. Como o
i futuro demonstraria, Bismarck não precisaria de seu apoio e ao final da década
abandonou-os e passou-se para os conservadores.
Os conservadores, particularmente o segmento protestante, se viam também
num dilema. Muitos eram anticatólicos; se não apoiavam ativamente a “Kulturkampf”,
apoiavam-na tacitamente. No entanto, apesar de se oporem à infalibilidade do
Papa e de estarem satisfeitos em se verem livres dos jesuítas, eles também se
opunham à separação entre a Igreja e o Estado, às políticas educacionais do
governo, às disposições sobre o casamento civil e à limitação da independência
eclesiástica. Um grupo relativamente reduzido de velhos conservadores, liderado
por Ludwigvon Gerlach, se opunha frontalmente a Bismarck. Eles consideravam a
luta de Bismarck com a Igreja Católica como um ataque à religião católica e aos
princípios cristãos. A seu ver, a Prússia era um Estado cristão que recebera o seu
mandato original da Igreja através dos Cavaleiros Teutônicos; a políuca de
Bismarck era, assim, contra os verdadeiros interesses e tradição prussianos.

Sob o fogo cruzado de emoções religiosas conflitantes e de políticas de Estado,


o imperador Guilherme deve ter sofrido bastante. Suas simpatias e lealdades
básicas frequentemente - ainda que nem sempre - estavam do lado dos velhos
conservadores prussianos, uma atitude que era compartilhada pela imperatriz32.
Mas o chanceler, através da persuasão, tato, persistência e da força de sua
personalidade, foi capaz de convencer o monarca a respeito do caráter razoável e
da necessidade da “Kulturkampf”.
Bismarck e seu tempo 93

Bismarck, como muitos outros observadores da época, não tinha consciência


de que tendências federalistas e particularistas, conforme representadas pelo
Partido do Centro, estavam muito em voga apesar da unificação. Tendo presente
que os verdadeiros poderes do “Reich” - diferentemente dos poderes da Prússia -
eram poucos em número e limitados em alcance, Bismarck tentou fortalecer a
posição do Estado sobre a Igreja precisamente na época em que a Igreja, através
das decisões do Conselho Vaticano, estava tantando melhorar a situação de
desequilíbrio que existia há séculos na Alemanha. A luta não se dirigia,
inicialmente, apenas contra a Igreja Católica - apesar de rapidamente isso acabar
acontecendo, em razão da forte organização centralizada e resistência da Igreja
Católica, - mas contra a Igreja Protestante igualmente. Assim, Bismarck queria
abolir a posição de surnmus episcopus (na hierarquia de bispo; ou seja, a mais alta
hierarquia eclesiástica dos príncipes territoriais protestantes alemães), assumir a
administração das escolas, quer protestantes quer católicas, ao menos a nível
secundário e, se possível, também a nível elementar; queria ainda limitar a Igreja
apenas à instrução religiosa O Chanceler também desejava assegurar o direito do
Estado de aprovar todas as designações eclesiásticas e mudar a administração dos
assuntos religiosos do Ministério da Cultura para o Ministério dajustiça.

A reação externa à “Kulturkampf ”, inclusive as cartas pastorais dos bispos


franceses apoiando os católicos alemães e a encíclica de Pio IX, de 21 de novembro
de 1873, protestando contra a “Kulturkampf”, fortaleceram a suspeita de
Bismarck de que havia um conspiração católica internacional contra a Alemanha;
esses acontecimentos fizeram-no mais determinado do que nunca a curvar os
poderes da Igreja33. Mas a luta se prolongou, a resistência da Igreja permaneceu
inalterada e a força do Partido do Centro até mesmo aumentou. A resistência dos
velhos conservadores e da ala ortodoxa do clero protestante contra a “ Kulturkampf ”
também se ampliaram. O governo começou a perder o apoio popular precisamen­
te numa época em que os efeitos adversos da depressão econômica se faziam sentir
em todo o país. No fim da década, Bismarck estava cansado dessa luta e pronto a
buscar alguma forma de acomodação. Mais ou menos na mesma época, a
liderança do Partido do Centro tembém parecia disposta a chegar a um
entendimento com o governo. Em perspectiva política, composição social e
distribuição geográfica, o Partido do Centro reunia todas as condições de
representar os novos interesses econômicos do “Reich”. Desde o início da
“Kulturkampf”, um número expressivo de industriais e de senhores rurais
(favoráveis a tarifas mais altas e contrários ao liberalismo e ao “laissez-faire”)
haviam aderido ao Partido do Centro e este estava agora pronto a usar a sua influên­
cia para fins políticos, sobretudo com vistas a dar um fim à “Kulturkampf”34.
Bismarck jamais objetivara a destruição da Igreja nem tencionara romper com os
velhos conservadores. A morte do Papa Pio IX, em 1878, propiciou uma
oportunidade para acabar com essa luta sem sentido. O sucessor de Pio IX, Leão
XIII, era mais acessível a um entendimento, e as negociações entre a Prússia e a
Santa Sé tiveram início em setembro de 18 7 935. Em junho do ano seguinte, Falk
94 George O. Kent.

renunciava a seu cargo de Ministro da Educação e Assuntos Eclesiásticos, e sua


saida tomou mais fácil a Bismarck mudar a sua política em relação à Igreja Católica
na Prússia.

As negociações com a Santa Sé e uma mudança na legislação eclesiástica


prussiana levaram a um relaxamento gradual da tensão. Em conseqüência, as
relações diplomáticas com o Vaticano foram restabelecidas (1882) e algumas das
leis anticatólicas mais severas foram revogadas (1882-87)36. A “ Kulturkampf ” não
foi um episódio glorioso na carreira de Bismarck. Ele a encarava como parte de
uma luta secular entre a Igreja e o Estado, uma relação que tinha que ser
periodicamente redefinida. Para ele, era essencialmente uma luta política e não
filosófica; no entanto, na sua luta pela supremacia do Estado, ele foi incapaz de
limitar essa disputa à arena política. Quando a “Kulturkampf” se estendeu ao
campo religioso, os resultados foram desastrosos para o novo “Reich”37.

Uma mudança no alinhamento político e a Cruzada anti-socialista — O desagrado e


suspeita de Bismarck em relação aos partidos e organizações com ligações
internacionais não se limitavam à Igreja Católica. Estendiam-se também ao
movimento socialista, sobretudo tendo em vista que os socialistas haviam atraído
um número considerável de votantes e haviam aumentado os seus delegados no
H i “Reichstag” de dois em 1871 para doze em 1877. As tentativas de Bismarck de
suprimir os socialistas, combinadas com a depressão econômica, tendiam mais a
reforçar do que enfraquecer o movimento dos trabalhadores. As duas organiza­

I ções de trabalhadores existentes, o Movimento Geral dos Trabalhadores Alemães


de Ferdinand Lassalle (“Allgemeiner Deustcher Arbeiterverein”), fundado em
Leipzig em 28 de maio de 1863, e o Partido Trabalhista Social Democrático de
August Bebel e Wilhelm Liebknecht, organizado em Eisenach em 7 de agosto de
F 1869, acabaram se aproximando em resultado da polídca anti-socialista de
11 Bismarck. Desde o inicio, havia uma grande rivalidade e atritos entre os dois
partidos. A facção de Lassalle estava mais preocupada com resultados imediatos e
práticos, enquanto a de Bebel-Liebknecht tinha maiores inclinações ideológicas e,
ao menos no plano teórico, era mais fiel aos ensinamentos de Marx e Engels. Em
i 22 de maio de 1875, em Gotha, os dois partidos se uniram para formar o Partido
Trabalhista Social Democrático da Alemanha (“Sozialdemokratische Deustch
Arbeiter Panei”, SDP).

As tentativas de Bismarck de extinguir o movimento socialista no início da


década de 1870 tinha fracassado38, mas quando, em 1878, houve dois atentados
contra a vida do imperador, Bismarck aproveitou-se desses incidentes para lançar
uma cruzada anti-socialista. É difícil localizar os motivos subjacentes para essa
campanha, uma vez que ainda não se previa o fim da “Kulturkampf ” e Bismarck
não tinha o costume de lutar simultaneamente em duas frentes. Ele preferia ir
destruindo um por um de seus inimigos, após certificar-se de que estavam isolados
e sem amigos e aliados. Neste caso, ele claramente avaliou mal a situação. Ele pode
*
Bismarck e seu tempo 95

ter acreditado que com um sentimento público tão fone ele teria condições de
destruir num prazo cuno o Panido Democrático. O Chanceler considerava o
crescimento do Partido perigoso para a Monarquia e para a estrutura social e
religiosa do Estado; em política externa, tinha a preocupação de que o SDP, como
o Partido Católico do Centro, usasse suas ligações internacionais para aliar-se aos
inimigos da Alemanha. No rastro da recessão econômica de 1873 e do clima
generalizado antiliberal que havia no país, a situação parecia propícia para uma
campanha anti-socialista. Essa tendência no pensamento de Bismarck era reforça­
da por seu desejo de contar com o apoio político dos conservadores em vez dos
liberais e de abandonar a postura de livre comércio do “Reich”39.

Com o auxílio dos conservadores, esperava conseguir uma “lei de exceção”


(“Ausnahmegesetz”) através do “Reichstag” que proscrevería o Partido Social
Democrático. A ocasião se apresentou depois de 11 de maio de 1878, quando
houve um atentado contra a vida do imperador. No entanto, a lei não foi aprovada,
porque os conservadores, apesar de ansiosos para combater os socialistas, temiam
o precedente que uma tal lei podería criar. Na semana seguinte, entretanto, uma
segunda tentativa de assassinato feriu seriamente Guilherme I. Bismarck culpou os
socialistas por esse ato, apesar de suas responsabilidades nunca terem sido
provadas, e utilizou esse incidente como um pretexto para dissolver o “Reichstag”
e convocar novas eleições40. O Chanceler esperava que a indignação popular faria
com que os sociais-democratas perdessem as eleições. Não se cumpriram as suas
expectativas, pois o partido somente perdeu três deputados; na verdade, ganhou
força em Berlim e em outras cidades importantes. Na mesma eleição, os liberais
foram seriamente derrotados e, de maneira geral, ocorreu uma sensível mudança a
favor da direita. (O número de delegados do Partido Nacional Liberal caiu de 127
para 99 e os progressistas perderam 9 cadeiras, enquanto o número de conserva­
dores subiu de 40 para 59, os “conservadores livres” ganharam 19 cadeiras e o
Centro ganhou seis deputados.)41

Quando a lei de exceção foi submetida ao “Reichstag”, os conservadores, os


“conservadores livres” e os liberais-nacionais apoiaram-na, enquanto os progres­
sistas e o Centro se opuseram. (O Centro, ainda sofrendo com a legislação da
“Kulturkampf ”, recusava-se a sancionar qualquer lei repressiva.) Em 19 de
outubro, no entanto, o “Reichstag” aprovou a lei anti-socialista por 221 a 149
votos. A medida não era tão severa quanto Bismarck desejara. Apesar de “permitir
que o Estado e os governos locais a abolir as sociedades com tendências “social-
democrática”, “socialista” ou “comunista”... e proibir a publicação e distribuição
de jornais, periódicos e livros social-democráticos... e de impor um “pequeno
estado de sítio” (“ Kleiner Belagerungzustand”) que proporcionava os meios para
a expulsão das pessoas mais perigosas”,42 ela não proibia os membros dos
partidos de concorrerem a um cargo eletivo. Simplesmente não havia ocorrido a
ninguém que um partido cujas publicações haviam sido proibidas e cuja
organização fora esfacelada podia eleger qualquer pessoa a uma cadeira no
96 George O. Kent.

“Reichstag”. Paradoxalmente, a lei anti-socialista unia e fortalecia o SDP bem


como assegurava a sua sobrevivência.

Bismarck aproveitou-se das eleições de 1878 para realinhar o equilíbrio


político no Parlamento prussiano e no “Reichstag”, assim como para lançar a
cruzada anti-socialista. O Chanceler estava crescentemente insatisfeito com a
influência dos liberais no “Reichstag” e, em 1878, o governo e os liberais haviam
chegado a um impasse constitucional43. As origens da crise estavam ligadas às
eleições de 1874, quando os nacionais-liberais conseguiram uma posição-chave
no “Reichstag” que os habilitou a escolher entre uma política de oposição com a
esquerda e uma política de cooperação com a direita. Decidiram cooperar com
a esquerda e fazer pressão por uma legislação que levasse a garantias constitucionais
em assuntos financeiros. Em particular, os liberais desejavam que o Ministério das
Finanças fosse responsável junto ao “Reichstag”. Isto assustava os conservadores
que viam esse desenvolvimento como uma ameaça à ordem vigente e um passo na
direção da liberação do governo que podería levar ao controle parlamentar.
Apesar dos conservadores verem este ato como uma “revolta vermelha”, isto não
passava de uma manobra dos liberais na direção do constitucionalismo, pois os
1 liberais teriam preferido alcançar essa meta com o consentimento do Chanceler
t do que com sua oposição. Os liberais, contudo, deixaram de levar em considera­
ção a atitude de Bismarck. Também subestimaram a dissensào em suas próprias
fileiras e avaliaram mal o sentimento da opinião pública. (Eles não poderíam,
> evidentemente, ter previsto que as tentativas de assassinato contra o imperador

tornariam nulas quaisquer possibilidades de êxito que porventura tivessem.)
j As propostas de Bismarck de reforma fiscal para estabilizar as finanças do
“Reich” tornaram-se a questão central entre os liberais e o governo. Seu plano
I implicava a elevação de taxas indiretas sobre a cerveja e o petróleo, a instituição de
um monopólio estatal sobre o fumo e o açúcar, bem como taxas mais altas para as
tabernas. Essas fontes dariam ao “Reich” uma renda independente adequada -
que até então não tinha - e, ao mesmo tempo, evitaria a taxação direta. Uma vez
ji que o “Reichstag” tinha a palavra sobre questões de taxação direta, as propostas
fiscais de Bismarck, combinadas com suas manobras protecionistas, eram uma
indicação clara de sua intenção de diminuir os poderes políticos do “Reichstag”.
Se suas propostas fracassassem, e havia muitos indícios nesse sentido, Bismarck
parecia pronto a se livrar do “Reichstag” egovernar sem ele. As duas tentativas de
assassinato deram o pretexto necessário e a primeira reação do Chanceler foi
dissolver o “Reichstag”44. Lembrando os dias de março de 1848, ele estava
preparado para proclamar um estado de emergência e até mesmo apurou se a
guarnição de Berlim estava disposta a enfrentar uma rebelião armada. Por um
momento, Bismarck hesitou, indeciso, se submetería seu programa de reforma
fiscal ao velho “Reichstag” na esperança de que os delegados se sentiríam
suficientemente intimidados a ponto de aprová-lo ou se dissolvería o “Reichstag”
e convocaria novas eleições na expectativa de que o impacto dos acontecimentos
I!
Bismarck e seu tempo 97

faria com que o eleitorado retomasse à maioria conservadora. Bismarck decidiu


dissolver o “Reichstag”; os estados federais foram informados dessa decisão e
solicitados a endossá-la. Quando alguns dos estados sulistas se mostraram
relutantes, o Secretário-de-Estado Buelow sugeriu o envolvimento de agitadores
socialistas e informou aqueles estados de que poderia ser declarado um estado de
emergência. Ele também acentuou os perigos que representavam uma oposição à
política prussiana. A ameaça era óbvia. Os estados poderíam escolher entre aderir
voluntariamente ou fazê-lo sob a ameaça da força militar prussiana45. Desde 1866
não havia uma confrontação tão séria entre o Norte e o Sul. Numa instrução
especial enviada a Baden, Buelow acrescentou que se as propostas da Prússia não
alcançassem uma maioria no Conselho Federal isto seria um sinal da inadequação
da constituição do “Reich” e que se teria que aventar sua revisão. Era a primeira
vez que se pensava seriamente na dissolução legal do “Reich” e de sua
reorganização sob controle da Prússia.

Aparentemente, Bismarck acreditava na ameaça à posição dominante da


Prússia no “Reich” suficientemente grande a ponto de justificar uma solução
radical. “Se não dou um golpe de estado”, disse ao representante de Wuertenberg,
“não consigo fazer nada”46. No entanto, não foi preciso a Bismarck executar a sua
ameaça. O Conselho Federal votou unanimemente a favor da proposta prussiana.
O tilintar dos sabres prussianos fora efetivo e mostrara aos alemães do Sul quanta
influência tinham na política do “Reich”. A dissolução do “Reichstag” em 1878
marcou o fim da era liberal.

A dissolução do “Reichstag” foi seguida pela bem sucedida campanha gover­


namental contra os socialistas e os liberais e resultou numa vitória eleitoral dos
conservadores. Bismarck rompera o domínio dos liberais no Parlamento Prussia­
no e no “ Reichstag”. A crise constitucional estava em seus extertores. No entanto,
era apenas uma solução temporária que não resolvia os problemas constitucionais
subjacentes. Numa sociedade urbana e industrial em expansão rápida, Bismarck
tentou preservar os privilégios tradicionais das classes dominantes sem fazer
quaisquer concessões às forças novas. Uma coalizão baseada nos interesses da
indústria pesada e dos grandes latifundiários formava então a base parlamentar da
política antiliberal do Chanceler; esta coalizão favorecia os interesses econômi­
cos dessas duas classes em detrimento dos liberais. Os latifundiários e os
industriais, por seu turno, estavam satisfeitos com o sistema vigente e se sentiam
gratos por terem um governo forte a representar os seus interesses e a apoiar a lei e
a ordem.

O novo “Reichstag” era mais conservador e menos propenso a desafiar as


políticas de Bismarck do que o antigo “Reichstag”. Suas propostas de reformas
tarifárias e fiscais ainda não haviam sido implementadas e até que o fossem a sua
política anti-socialista - e isso significava antiliberal, antilivre-comércio e anti-
parlamentarismo também - estava destinada a fracassar. Num esforço para
98 George O. Kent.

alcançar unia sólida maioria em favor do seu programa, Bismarck tentou várias
coalizões partidárias, assim como outras manobras externas47. Nenhum desses
arranjos funcionou por muito tempo e persistiu a ameaça de uma revolução. Não
havia solução para as contradições do sistema constitucional alemão. Da mesma
forma como o desfecho do conflito constitucional prussiano não resolvera a
contradição entre a monarquia prussiana e o governo constitucional, o “Reich” de
Bismarck não conseguiu reconciliar o poder real e a responsabilidade parlamen­
tar. A única maneira de preservar a ordem existente contra as forças novas e
ascendentes da esquerda era a ameaça de um golpe de estado de cima para
baixo48.
|
Para Bismarck, o movimento socialista não era apenas um grave perigo ao
recém-criado Estado - seus aspectos internacionais faziam seus membros ipsofado
inimigos do “Reich” (“Reichsfeinde”) o socialismo era também uma filosofia
ímpia e um movimento imoral que buscava mudar a ordem da sociedade
estipulada por Deus. A seus olhos, isto era uma rebelião e as rebeliões tinham que
ser sufocadas49. A atitude de Bismarck em relação ao socialismo e ao movimento
operário pouco havia mudado desde os dias de março de 1848, quando, ultrajado
pelos vitoriosos levantes em Berlim, queria esmagá-los sumariamente. Se tanto, as
suas convicções haviain-se aprofundado. Como a maioria dos alemães, tinha os
seus sentimentos conservadores fortalecidos pelos acontecimentos republicanos
na França e sobretudo pelo levante da Comuna de Paris em 1870-71. Os
i. extremamente parciais informes da imprensa sobre esses acontecimentos, que
exageravam o “perigo vermelho”, mas silenciavam sobre os excessos perpetrados
pelas tropas francesas, atemorizavam o público e faziam com que o movimento
operário aparecesse como uma ameaça terrível ao Estado e à sociedade. A
declaração do movimento dos operários alemães, que expressava solidariedade à
Comuna, só aumentou esses temores50.
r

É curioso que Bismarck, como Napoleão III, reconhecesse e utilizasse as


massas industriais emergentes para fins políticos e que ambos as temessem. Como
Napoleão, ele acreditava que podería controlá-las pela introdução do sufrágio
universal e por dar-lhes uma voz no “Reichstag”. Convencido da eqüidade da sua
causa e da moderação da sua política, Bismarck tentou negociar com os operários
das duas maneiras seguintes: medidas repressivas para destruir as organizações
operárias e afastá-los dos ensinamentos anti-religioso e materialísticos de Marx e
Engels, bem como medidas sociais governamentais que, ao mesmo tempo, os
ligassem ao Estado. “Ele desejava satisfazer as suas necessidades materiais de
modo a embotar seus espíritos e a quebrar sua vontade.”51 A sinceridade de
Bismarck em relação a medidas sociais é questionável, visto que suas propostas
legislativas eram algo desequilibradas. Ele encarava o problema do ângulo do
empregador e nunca acreditou que a questão social poderia ser ou seria resolvida
através de legislação protetora. Apesar de suas leis sobre doenças, acidentes,
seguro por velhice não proteger as crianças e mulheres trabalhadoras, elas foram

I
Bismarck e seu tempo 99

uma série de medidas progressivas e pioneiras e se tomaram um modelo para leis


similares em muitos outros países52.

As leis sociais confrontavam o Partido Social Democrático com um dilema


bastante sério. Essas leis, combinadas com determinadas propostas para naciona­
lização e monopólio de algumas indústrias, eram os exemplos mais claros do
socialismo estatal na Alemanha. O socialismo do Estado forçava o Partido a decidir
se os princípios democrático-politicos ou as idéias socialista-econômicas deveríam
predominar em seu programa. Se deviam prevalecer os princípios democrático-
politicos, as políticas de Bismarck deveríam ser contestadas, mas se predominas­
sem aquelas idéias era possível uma acomodação com o governo. Assim, quando
as leis de seguro sobre acidentes, doença e casos de invalidez foram submetidas ao
“Reichstag”, em novembro de 1881, e as propostas sobre o monopólio estatal do
fumo no ano seguinte, o Partido viu-se às voltas com uma séria crise. Aceitar o
programa de seguros significava abdicar da oposição ao governo no “Reichstag”;
ao mesmo tempo, entretanto, o Partido não podia rejeitar totalmente o programa
governamental com base em argumentos exclusivamente políticos, uma vez que
por tanto tempo vinha solicitando semelhantes benefícios para os trabalhadores.
O caminho que o Partido Social Democrático finalmente seguiu foi o de aprovar o
programa, em princípio, mas declarando que não era suficiente e reivindicando
i
muitos outros benefícios para os trabalhadores53. “Uma vez que as emendas do
SDP não haviam sido incorporadas às leis adotadas, os representantes desse
Partido poderiam votar sempre contra a legislação previdenciària alegando que era
inadequada e, portanto, fraudulenta.”54.

Depois de 1882, a crescente urbanização e a melhora das condições <8* .


econômicas levaram ao fortalecimento do partido e ao movimento sindicalista. O
sucesso do SDP na eleição de 1884 claramente demonstrava o fracasso das políticas
anti-socialistas de Bismarck: o partido obteve 13 delegados e cerca de 100.000
votos55. Os partidos do governo não conseguiram alcançar uma maioria absoluta,
o que ampliou ainda mais a importância da posição do SDP no “Reichstag”. Mas
Bismarck não estava disposto a abdicar da luta. O fortalecimento do movimento
operário na Alemanha e na Europa levou a uma maior atividade sindical e a um
crescente número de demonstrações e de greves. Por volta de 1886, quando era
ocasião de se renovar a legislação anti-socialista, o Chanceler estava em posição de
defender que as atividades trabalhistas revolucionárias deviam ser dominadas e
que havia indícios de que os anarquistas haviam-se infiltrado no movimento
socialista. Seus argumentos, juntamente com a desunião dentro dos partidos de
oposição - do Centro e o SDP-, possibilitaram ao governo alcançar esse objetivo;
as leis anti-socialistas foram aprovadas por novo período de dois anos por 173 a
146 votos56. O governo usou a sua vitória numa tentativa adicional de acabar com
o movimento operário e incapacitar o partido. Proibindo greves, impedindo
reuniões, expulsando e prendendo funcionários membros do partido, o governo
quase que atingiu o seu objetivo. Mas a liderança do partido continuava a sua luta
(

100 George O. Kent.

por reformas políticas e sociais no “Reichstag”; pela utilização de todos os meios


legais e até mesmo de meios ilegais, o partido conseguiu manter intacta a sua
estrutura organizacional. Em sua sessão parlamentar de novembro de 1886, ele se
opôs à lei do orçamento de sete anos do exército proposta por Bismarck, o
“Septennat” e ajudou a derrotá-la (14 de janeiro de 1887). Em conseqüência,
Bismarck dissolveu o “Reichstag” e convocou novas eleições. O resultado foi um
pequeno acréscimo da fatiado SDP no voto popular (de 9.7% em 1884 para 10.1%
em 1887), mas uma queda em sua força parlamentar, causada sobretudo pela falha
do governo em reavaliar os distritos urbanos em crescimento. Nesse período, o
partido superou a maioria de suas divergências. August Bebel assumiu a liderança
do partido, que diminuiu a força da ala moderada; o marxismo, da forma
1a ' ii interpretada por Karl Kautsky, tomou-se o credo oficial do partido. Kautsky e seus
seguidores destacaram os aspectos econômicos e revolucionários do marxismo e
deram menor importância á ação política, exceto quando afetava questões
O [econômicas. Isto convinha à facção parlamentar do partido, que cada vez mais se
C/) .jassemelhava aos partidos liberais em suas ações e perspectivas.

O início de 1890 presenciou a derrota final da cruzada anti-socialista de


X Bismarck. A recusa do “Reichstag” de renovar as leis anti-socialistas (25 de janeiro)
ti
O e a vitória do partido nas eleições (de 11 passou a 35 cadeiras) tiveram um papel
importante na crise da exoneração de Bismarck. Uma greve nas minas de carvão,
i

f
no Ruhr, em maio de 1889, defrontara o jovem imperador Guilherme II (que
sucedera seu pai no trono após a morte deste em 1888) com a luta dos
o trabalhadores alemães e o convencera da necessidade de uma legislação trabalhista
flD mais abrangente. Essa atitude aprofundou o conflito do imperador com o
co chanceler e contribuiu1 para a exoneração de Bismarck. Ao mesmo tempo, a
----------- ----------------
preocupação abertamente manifestada por Guilherme II deu respeitabilidade ao
partido. A impressionante vitória eleitoral do partido, limitada basicamente à
Alemanha do Norte, e áreas protestantes, pode ser, até certo ponto, explicada pela
crescente alienação dos trabalhadores da sociedade burguesa alemã, com sua
ênfase na educação e na propriedade (“Besitz und Bildung”)57

A sociedade e a cultura alemãs. — O impacto das amargas e prolongadas lutas entre


os católicos e os socialistas na sociedade alemã foi profundo e duradouro. O
efeito imediato sobre a vida política alemã foi o de criar uma grande, apesar de
desorganizada, massa de cidadãos descontentes, composta de minorias - polone­
í I ses, dinamarqueses, franceses e guelfos - e de católicos e trabalhadores. O fato de
i que esta oposição fosse desorganizada tomou mais fácil para a nobreza, o exército
e a burocracia manter sua influência sobre o governo e o país, e fez com que as
reformas governamentais ou constitucionais parecessem supérfluas. Essa situação
foi reforçada pela exagerada ênfase da classe média sobre a educação e a cultura e !
sua atitude de desdenho em relação à política. Essa crença estava expressa no
chavão “o “Buerger” é feito para trabalhar, não para governar, e a principal tarefa
de uri) estadista é governar”58, uma autude que levava ao chamado alemão

k
Bismarck e seu tempo 101

apolítico. De fato, o burguês alemão apolítico tinha medo das massas, suspeitava
do governo democrático e era firme em seu apoio às políticas conservadoras59. O
ideal burguês era o intelectual, mergulhado na leitura e completamente desinte­
ressado dos assuntos cotidianos ou do conhecimento prático. Diferentemente de
seu colega inglês ou francês, o professor universitário alemão não tinha vínculos
com a comunidade dos negócios ou o mundo cosmopolita da aristocracia. Sem
contato com a pequena burguesia e os artesãos, o acadêmico alemão permanecia
isolado e desenvolveu uma fé exagerada na educação e um igualmente forte
desapreço pelas questões práticas. A educação tinha sido tradicionalmente a única
maneira para os membros da classe média alemã de melhorarem as suas situações
e, desde o século XVIII, muitos haviam escolhido esse caminho para entrar no ser­
viço público e nas universidades.

O prestígio de um titulo obtido numa universidade alemã antes de 1890 era


superior a qualquer outro titulo similar obtido em outras universidades. Econô­
mica e socialmente, os professores universitários alemães estavam no mesmo nível
dos mais altos funcionários civis e do clero e eram considerados os líderes
intelectuais da nação. Políticas de ordem prática eram consideradas aquém de sua
dignidade e, “nesse sentido... o intelectual alemão era e se considerava apolítico:
tinha uma aversão pelo aspecto prático do processo político”60. Essa atitude foi
ainda mais reforçada após 1870, quando os partidos políticos competiam
abertamente pelos votos das massas. Muitos temiam que, debaixo da democracia,
as massas vitoriosas varreríam “a aristocracia de berço, a aristocracia de dinheiro e
finalmente a aristocracia de educação”, como já haviam alegadamente feito na
França61. \

Assim, uma maioria de professores alemães, eles próprios conservadores,


apoiaram as medidas antiliberais e anti-socialistas de sucessivos governos e se opôs
a quaisquer tendências favoráveis a reformas políticas e sociais. Por volta do
fim da década de 1880, eles se preocupavam com o declínio generalizado da
cultura e do saber alemães e culpavam a industrialização e o crescente materialis-
mo. Sentiam-se impotentes e confusos, apesar do seu prestígio social continuar
elevado no século XX.

Ao desinteresse amplo e generalizado e atitude desdenhosa da burguesia em


relação a políticas práticas somava-se a crença de que a ameaça à liberdade era
maior e mais séria do alto do que de baixo. Essas crenças, combinadas com a
inabilidade de Bismarck de atrair novos talentos para o serviço público, extingui-
ram uma rica e expressiva vida política.

Como assinalou um atento observador, “é um erro bastante comum entre


iniciantes e observadores superficiais em Berlim levar a sério o sistema parlamen­
tar da forma aqui existente; com mais experiência e observação, pode-se
rapidamente ver que a Alemanha está provida de uma esplêndida e bela fachada,
102 George O. Kent.

notavelmente adornada na superfície, que representa com fidelidade uma imagem


de um sistema parlamentar e constitucional; as regras são aplicadas corretamente,
os costumes observados e as prerrogativas externas respeitadas: o jogo partidário,
o reboliço nos corredores, o debate aceso, as sessões tumultuadas, as derrotas
infligidas ao governo e até mesmo ao poderoso chanceler (somente em questões
que ele, evidentemente, considera de importância secundária); em suma, tudo é
feito de forma a propiciar uma ilusão e fazer acreditar na gravidade dos debates ou
importância dos votos; mas, por detrás desse cenário, nos bastidores, sempre
intervindo no momento decisivo, aparecem o imperador e o chanceler, apoiados
pelas forças vitais da nação - o exército, de uma dedicação que vai às raias do
r fanatismo; a burocracia, disciplinada pelas mãos do senhor; a magistratura, não
menos obediente; e a população, ocasionalmente cética em relação a seus juízos,
I rápida na crítica e mais rápida ainda em se curvar ante a vontade suprema”62.

Após a depressão de 1873-79, a burocracia, sob a liderança de Bismarck,


passou a intervir mais diretamente em assuntos econômicos e sociais e a
efetivamente ignorar o “Reichstag” e os partidos políticos, baixando normas e
regulamentos administrativos. Dessa forma, o sistema político começou a parecer-
se com o bonapartismo, com seus paramentos monárquicos, tradição burocrática,
compromissos constitucionais, sufrágio masculino universal e pseudoparlamen-
tarismo. Era capaz de tratar efetivamente de problemas comerciais e econômicos,
de taxas e da codificação das leis e era apoiado por amplos segmentos da classe
média e da aristocracia porque havia evitado a tomada do Estado pelos socialis­
tas63.

A coalizão conservadora da nobreza e da alta e média burguesia, “reunida por


temores e interesses comuns... e as instituições que eles dominavam formavam
uma barreira quase que irresistível às reformas sociais e políticas de substância”64.

Nos campos social e cultural, as consequências das lutas anticatólica e anti-


socialista são de difícil avaliação. Em combinação com a desilusão que se seguiu à
“Gruenderzeit” (o período de construção e especulação excessivas após a guerra
franco-prussiana) e a subseqüente retração econômica, estas lutas destrutivas con­
tribuíram para o sentimento generalizado de frustração e insatisfação. O novo
“Reich”, apesar de sua pompa militar e organização eficiente, não conseguiu criar
sua própria ideologia. Tentativas de definir e de expandir as “idéias de 1871”
provaram-se um enorme fracasso65.

Não se confirmou a esperança de que a vitória militar na guerra resultaria num


triunfo para a cultura alemã no exterior, apesar de escritores populares e
historiadores patrióticos continuarem a igualar poder com cultura. Havia,
evidentemente, exceções. Já em 1873, Nietzsche exprimiu o receio de que a cultu­
ra (“Geist”) alemã estava sendo sacrificada em favor da unificação. Outros
assinalaram que a nova e generalizada moda de imitar a gíria e o comportamento

1
Bismarck e seu tempo 103

militar pouco acrescentava à melhoria da cultura e sociedade alemãs. O gosto por


imitações e falsificações caracterizou o período - madeira por papelão, ônix por
vidro, mármore por gesso. Inúteis chaleiras de cobre, canecas de estanho e espadas
medievais adornavam falsas vigas e mobília de carvalho de imitação era a moda
da época. As pinturas de Hans Makart e as óperas de Richard Wagner eram
representativas da civilização alemã na parte final do século XIX; o contraste entre
esse período e a idade neoclássica da cultura alemã do século XVIII e do início do
século XIX era enorme.

Havia, por outro lado, um importante avanço nas ciências históricas. As


escavações de Schliemann em Tróia e Micenas, a “História Mundial” de Ranke, a
“História do Direito Romano” de Mommsen e a “História Alemã” deTreitschke
eram os principais exemplos. Mas os maiores avanços foram nas ciências naturais e
técnicas. Aí, Bunsen, Helmholtz, Virchow, Koch, Siemens, Daimler, Benz, Bayere
Hertz se combinaram para dar à Alemanha uma liderança insofismável.

Assim, duas tendências divergentes dominavam a consciência popular. De um


lado, os feitos tecnológicos e científicos e a confiança no potencial político e
econômico do recém-estabelecido império criaram um orgulho e otimismo
consideráveis. Nada parecia difícil, nenhuma meta difícil de alcançar. Uma mescla
de idealismo romântico, crença na missão mundial da Alemanha eum nacionalis­
mo crescentemente agressivo, “rejeitando as tendências pacifistas do mundo
ocidental”, levaram ao imperialismo e política mundial66. De outro lado, o
materialismo dessa época acentuou o hiato entre a realização material e o
desenvolvimento moral e artístico, produzindo uma perspectiva mundial pessi­
mista (“Kulturpessimismus”)67. Esse pessimismo generalizado, baseado em
esperanças não materializadas e nas discrepâncias entre idealismo e realidade,
levou a uma rejeição de muitos aspectos da vida moderna. A miséria da vida
urbana, as massas desempregadas, as péssimas condições devida, os valores falsos,
a industrialização e suas conseqüências destruidoras, a decadência das pequenas
cidades e o declínio das propriedades rurais dos camponeses, tudo isso sintomas
de uma sociedade cambiante (que estavam então, como agora, presentes), fizeram
com que muitos olhassem para o passado e ansiassem uma vida mais simples e
melhor. Essas pessoas encontravam o que buscavam numa idealização da
sociedade agrária, feudal da Idade Média, quando havia poucas cidades grandes e
todos conheciam o seu lugar na sociedade.

Desse saudosismo, nasceu o movimento “Volkish”, uma mistura de conser­


vadorismo e de nacionalismo. Rejeitava o modernismo, o liberalismo e a
democracia ocidental. Como no neo-romanticismo, esse movimento salientava os
sentimentos e emoções sobre a razão e o intelecto, buscava soluções simples e
sonhava com uma vida simples. O camponês, arraigado ao solo, tomou-se o ideal
“Volkish”; tanto a sociedade rural quanto a sociedade primitiva eram exaltadas.
Sua ênfase nas virtudes simples contrastava favoravelmente com a complexidade e
- .■

I I
I !

104 George O. Kent.

falta de raízes da sociedade contemporânea, cujos trabalhadores desenraizados e


judeus “estrangeiros” tornaram-se os alvos principais daquele movimento e de
sua propaganda. A ideologia “Volkish”, propagada pelos artigos de Paul de
Lagarde e Julius Langbehn, foi elaborada dentro da fé alemã68.

O movimento “Volkish” atraiu um número crescente de seguidores na


Alemanha, nas últimas décadas do século XIX e nos primeiros anos do século XX,
e teve ressonância em dois grupos totalmente diferentes. De um lado, atraiu os que
se opunham à ciência e ao modernismo e que sonhavam com a Idade Média e as
glórias das tribos alemãs. De outro lado, um segmento considerável do movimen­
to “Volkish” seguiu Emst Haeckel, o principal divulgador do darwinismo social na
Alemanha e um reconhecido e renomado zoólogo e biólogo.
“A forma que o darwinismo social tomou na Alemanha foi a de uma pseudo-
. U; religiào de adoração da natureza e misticismo da natureza combinada com noções
de racismo. Baseava-se tanto nas idéias darwinistas sociais de Haeckel quanto na
ideologia do “Volkism” que se relacionava e era grandemente inspirada por seus
artigos”69. Haeckel tomou respeitáveis as idéias “Volkish” e através dele grandes
segmentos da comunidade acadêmica, inclusive estudantes universitários e
professores primários e secundários, foram atraídos para o movimento.

O estudo de Haeckel da evolução e das obras de Darwin levaram-no a ver o


il, homem como uma parte integral da natureza e do seu meio ambiente e
desenvolveu esta visão do homem e da sociedade numa nova filosofia, o
I’ monismo. Sua ênfase na origem e natureza animal do homem se opunha aos
pontos de vista da civilização ocidental, que via o homem como um indivíduo,
separado e superior a seus ancestrais animais. Destacando os conceitos darwinia-
nos da “luta pela sobrevivência” e da “sobrevivência do mais capaz”, os monistas
acusavam o falso humanitarismo e o individualismo enganoso da sociedade
i- ocidental pela decadência generalizada e degeneraçào dos principais Estados
! europeus. Em vez de acreditar na igualdade da humanidade, os monistas salien­
tavam as diferenças raciais, que incluíam diferenças de cor e de inteligência Entre
as diversas raças, eles acreditavam que apenas a raça germânica tinha valor.

O nacionalismo racial dos monistas colocava a comunidade “Volkish” e racial


e o Estado acima do cidadão individual. Em lugar de direitos individuais e naturais,
eles acentuavam a comunidade e as obrigações mútuas do indivíduo em relação à
sociedade. Opunham-se aos direitos civis, ao constitucionalismo e à supremacia
do indivíduo e acreditavam que o monismo libertaria a Alemanha dos grilhões da
civilização ocidental e podería levar a uma regeneração de sua vida política e social.
No plano doméstico, os monistas defendiam a abolição dos partidos políticos e o
r estabelecimento de um Estado corporativo. No plano externo, apoiavam a
expansão colonial alemã e a construção de uma marinha poderosa. Eram
particularmente ativos na Liga Pangermânica e nas diversas organizações coloniais
e navais.
Bismarck e seu tempo 105

O impacto da interpretação de Haeckel do darwinismo social e de sua filosofia


monista na Alemanha foi considerável. Tinha tomado populares seus pontos de
vista em sua obra “Die Weltraethsel” (publicado em Londres em 1900 com o título
de “The Riddle of the Universe at the Close of the Nineteenth Century”), o qual,
por seu estilo facilmente compreensível e pela reputação do autor, foi lido
avidamente pelas massas literatas e semiliteratas. Assim, apesar de outros - como
H.S. Chamberlain e Ludwig Scheman, o fundador da Sociedade Gobineau -
também haverem contribuído e disseminado o nacionalismo racial através da
Alemanha, Haeckel deu autoridade científica e respeitabilidade acadêmica a seu
movimento70.
O anti-semitismo tinha, no entanto, raízes em outras teorias além do
darwinismo social e teorias raciais de Haeckel. O movimento anti-semita recebera
o seu maior ímpeto durante o “Gruenderzeit” e o subseqüente “crash” econô­
mico. Seus lideres, Konstantin Frantz, Rudolf Meyer e Paul de Lagarde eram
intelectuais conservadores que se opunham ao liberalismo e que se preocupavam
com a questão judia sobretudo de um ângulo econômico e religioso. Em meados
da década de 1870, o “Kruezzeitung” e outras publicações conservadoras
culpavam os judeus não apenas pela depressão, mas também pela ‘Kulturkampf’.
Em janeiro de 1878, Adolf Stoecker, o pregador da Corte de Berlim, fundou o
Partido Cristão Social dos Trabalhadores e deu início ao anti-semitismo como um
movimento de massa. Seu maior sucesso não foi entre os trabalhadores (ele retirou
os “Trabalhadores” do nome de seu Partido em 1881), mas entre pequenos I
lojistas, artesãos, negociantes e funcionários públicos. O anti-semitismo de
Stoecker se baseava em fundamentos religiosos enquanto o de outros como
Bemhard Foerster, Max Liebermann von Sonnenberg e Emst Henrici começam a
disseminar o racismo e a eliminação dos judeus71.
A atitude de Bismarck em relação aos judeus sofrerá uma mudança desde seu
discurso na “Landtag” em 184772. Quando disse, em 1871, que favorecia “o
cruzamento de um garanhão gentio com uma reprodutora judia porque o
dinheiro tem que circular e a raça resultante não seria tão ruim”, provavelmente
ele queria dizer isso mesmo73. Seu banqueiro, Bleichroeder, seu médico, Cohen, e
seu advogado, Philip, eram todos judeus e era notório o seu bom relacionamento
com todos eles, muitas vezes para o desagrado de seus amigos conservadores.

Enquanto isso, a agitação anti-semita de Stoecker continuava e “a recusa do


governo de tomar uma posição inequívoca deu maior força à agitação e
prenunciou a prevaricação futura e discriminação velada da parte do governo. Na
década de 1880, o regime de Bismarck deu início a uma política de discriminação
contra os judeus... e o papel de Bismarck na adoção dessa polídca foi muito mais
decisivo do que se pensava.

A despreocupação moral de Bismarck ocultava um oportunismo mais


complicado. O anti-semitismo não era parte de seu credo; ele chegara a descobrir a
106 George O. Kent.

utilidade dos judeus para o Estado e para si próprio. Havia, ademais, um


preconceito contra a demagogia extremada, em pane por causa da preocupação
com a reação externa. De outro lado, faltavam a Bismarck os princípios que o
resguardariam da tentação do anti-semidsmo político. Ele não tinha nenhum
compromisso básico com o que chamamos de direitos civis; não tinha nenhuma
vinculação a qualquer tipo de igualdade; a própria idéia o afrontava. Se tanto, ele
chegara a aceitar a igualdade cívica dos judeus”74.

Ao mesmo tempo que o anti-semitismo crescia, a sociedade alemã assumiu uma


feição exageradamente militansta. O corpo de oficiais prussianos sempre fora uma
organização limitada, auto-suficiente composta quase inteiramente de “junkers”
do Elba oriental. A expansão do exército após 1871 não mudou significativamente
esse padrão. A admissão de cidadãos comuns era desencorajada, e o adestramento
na Academia Militar e nas escolas de serviço era restrito a temas militares
especializados; o conhecimento geral, especialmente a política e a economia, era
desestimulado. Dessa maneira, o corpo de oficiais era imunizado contra os males
da época, mas também era incapaz de até mesmo entender as realidades políticas
do período. Assim, surgiu o soldado apolítico, que acreditava que a guerra era
exclusivamente um assunto para militares e que a política tinha que ser deixada de
lado em tempo de guerra. Essa atitude tornou-se aparente antes e durante a
Primeira Guerra Mundial e persistiu no “Reichswehr” nos anos entre guerras. A
base estreita do corpo de oficiais e sua perspectiva antidemocrática e reacionária
contribuíram para o crescente hiato entre o exército e a sociedade e sobretudo
entre os soldados e os trabalhadores75. O prestígio dos militares cresceu pela figura
paternal de Guilherme I e até mesmo por Bismarck que, apesar de não ser
militansta, usava uniforme em todos os acontecimentos oficiais.

i A adoção pelos civis do palavreado militar e do comportamento de caserna


tomou-se característica da sociedade alemã no último quarto do século XIX. A
maior ambição da pequena burguesia era atingir o posto de tenente da reserva.
Contrariamente a desenvolvimentos na Europa Ocidental, o serviço militar
universal na Alemanha não levou a uma “civilização” dos militares, mas à
militanzação da vida civil. A visão generalizada de que na Alemanha o ser humano
começava com o oficial tomou-se mais do que uma expressão76.

NOTAS
1. W. Heyderhoff e P. Wentzke, eds., "Deutscher Liberalisiimus im Zeitaltcr Bismarcks” (Bonn, 1925),
1:494.

r 2. G. O. Kent, "Amimand Bismarck" (Oxford, 1968); F. B. M. Hollyday, "Bismarcks Rival: A Policical


Biography of General an Admirai Albrecht von Stosch” (Dyrham, N. C., 1960).
j
3. Stem, “The Failure of Illiberalism”, pp. 50-51.
4. L. Gall, ed. “Das Bismarck-Problem in der Geschichtsschreibung nach 1945" (Colônia 1971), p.
106.
Bismarck e seu tempo 107

5. Ibid, p. 134.
6. Ibid., p. 338.
7. Stem, “The Failure of Illiberalism”, p. 47-48.
8. Como texto, veja J. Lepsius, A. Mendelssohn Bartholdy, F. Thimme, eds., Die Grosse Politik der
Europaeischen Kabinette, 1817-1914”, 40 vols., (Berlim, 1922-27), vol. 1, n? 17, pp. 38-43, de ora em
diante citado com a sigla G.P.
9. A anexação da Alsácia-Lorena, depois da guerra de 1870/71 tomou-se um dos maiores problemas
nas relações franco-alemãs e contribuiu para a deflagração da Primeira Guerra Mundial. A questão da
responsabilidade pela anexação há muito interessa os historiadores e, compreensivelmente, se fixou
em Bismarck. Ultimamente foi reavivada a controvérsia sobre o papel de Bismarck e foi publicada uma
série de artigos na “Historische Zeitschrift” e alhures, com interessantes opiniões.
O último relato, por H. U. Wehler, “Das ‘Reichsland’ Elsass-Lothringen von 1870 bis 1918” em
H. U. Wehler, d. “Krisenherde des Kaiserreichs, 1871-1918” (Goettingen, 1970) com uma exaustiva
bibliografia, em anotações nos rodapés, mostrando que, longe de resistir à anexação, Bismarck
favoreceu-a, o que nunca fora declarado por nenhum historiador. A questão de quanto e quão
abenamente ele a favoreceu levantou alguma controvérsia. W. Lipgens, em dois artigos, na
“Historische Zeitschrift” (“Bismarck, die oeffentliche Meinung und die Frage der Annexion von
1870”, H Z 199 (1964): 31-112, e “Bismarck und die Frage der Annexion von 1870” H Z 206
(1968):486-617, crê que Bismarck estimulou os reclamos populares pela anexação através de uma
campanha de imprensa bem coordenada, em julho-agosto de 1870. Argumentam contrariamente L.
Gall, “Zur Frage der Annexion von Elsass-Lothringen 1870,” H Z 206 (1968): 265-326, e E. Kolb,
“Bismarckund das Aufkommen der Annexionsforderungen 1870”, H Z 209 (1969): 318-56. O último,
apoiado por J. Becker, “Baden, Bismarck und die Annexion von Elsass und Lothringen,” em
“Zeitschreift fuer die Geschichte des Oberrheins” 115 (1967): 167-204, mostra que, em vez de
encorajar as demandas de anexação, Bismarck não influiu na opinião pública, ao menos até meados de
agosto de 1870. Ao contrário, a recuperação da Alsácia foi pedida unanimemente por todos os
segmentos da opinião pública alemã desde fins de julho e com frequência crescente à medida que se
acumulavam os sucessos militares alemães (E. Kolb “Bismarck und das Aufkommen”, p 353).

Wehler, não descendo a detalhes, menciona que a opinião pública alemã era fonemente
secundada pelos pronunciamentos de eminentes professores e publicistas, tais como Sybel, Treitschke,
Mommsen, Maurenbrecher e Lenz, que aconselhavam o povo a não repetir os erros de 1815. Wehler
também acredita que Bismarck mantinha vivas as demandas de anexação e as manipulava para fins
políticos. O exército pedia a anexação por motivos militares e estratégicos, embora os grandes
benefícios econômicos e industriais das jazidas de minério de ferro de Longwy-Brie ainda não fossem
conhecidos na época. (Veja, entretanto, G. W. F. Hallgarten, “Imperialismus vor 1914”, 2.* ed., 2 vols.
(Munique, 1963), 1:157-58; H. Boehme, “Deutschlands Veg zur Grossmacht (Colônia, 1966), pp.
301-2; e R. Hartshome, “The Franco-German Boundary of 1871”, World Politics 2(1949-50)”, pp. 209-50.
Do ponto de vista militar, a Alsácia-Lorena e as fortalezas de Belfort, Metz e Estrasburgo eram as
chaves da defesa do Noroeste da França, que o alto-comando alemão desejava usar como trampolim na
próxima guerra. As duas províncias e as fortalezas ofereciam também uma defesa necessária para o
Sudeste da Alemanha, especialmente Baden e o Palatinado.

G. Ritter, “The Sword and the Scepter,” 4 vols. (Coral Gables, Fia. 1969-73), também diz que
Bismarck sempre acreditou em fones salvaguardas contra a revanche francesa. “O próprio Bismarck...
ajudou a atiçar as chamas das paixões nacionalistas, embora nunca tocado por elas, e proclamou desde
o princípio como um dos objetivos da guerra... o “slogan” - a Alsácia-Lorena deve tomar-se alemã”.
Segundo Ritter, o principal alvo de Bismarck era uma paz duradoura, e a anexação das províncias “não
era para reivindicar antigos direitos de propriedade... mas proteger (a Alemanha)... contra o ataque
seguinte” (1:226, 254, 258).
108 George O. Kent.

R.I. Giesberg, em “TheTreatyof Frankfurt” (Filadélfia, 1966), também acredita que predomina­
vam as considerações estratégicas na mente de Bismarck e que ele estava cheio de sentimentos
nacionais e não tencionava resistir às reivindicações populares (pp. 24-25).
Os únicos alemães que nâo eram dominados por argumentos militares foram Marx e Engels. O
último escreveu que somente os “asnos da imprensa oficial prussiana” poderíam imaginar que a Fran­
ça podería ser contida pela anexação alemã da Alsácia-Lorena (citado por Wehler, “Das ‘Reichsland’
Elsass-Lothringen”, p. 22); quanto a Marx, achava que, em vez de garantir a paz, como sustentavam
alguns generais e publicistas alemães, a anexação da Alsácia-Lorena levaria ou a uma total dependência
germânica da Rússia ou a uma “guerra racial contra as raças eslavas e românicas aliadas”. (Karl Marx,
“Der Buergerkrieg in Frankreich” (Berlim, 1949) p. 36.
Dezessete anos depois, em 1887, o próprio Bismarck admitiu que havia uma possibilidade da
Alemanha ter de combater a França e a Rússia em futuro não muito distante (G. W., 7:378).

Wehler é de opinião que as anexações foram inevitáveis, dada a avassaladora vitória militar e os
sentimentos nacionalistas do povo germânico. Este pensamento também foi expresso por Guilherme I.
“Eu nâo pedi a Alsácia-Lorena no começo da última guerra”, disse a seu companheiro de leitura, “mas,
ao mesmo tempo, nâo podia deixá-la escapar se quisesse manter meu exército e meu povo”. (Citado
por Wehler, “Das ‘Reichsland’ Elsass-Lothrigen”, p. 330, n. 16.)

Veja também D. P. Silverman, “Reluctant Union: Alsace-Lorraine and Imperial Germany, 1871-
1918” (University Park, Pa., 1972), pp. 29-30 and n. 37.

10. L. Gall, "Das Problem Elsass-Lothringen”, em Schieder e Deuerlein, eds., “Reichsgruendung


1870-71”, pp. 366-85; a citação está na p. 375, n. 26.

11. Sobre a “Realpolitik” de Bismarck, veja os ensaios sob esse título por O. Pflanze, na Review of
Politics 20 (outubro de 1958), pp. 492-514, e H. Holborn, em “Thejoumal of the History of Ideas 21”
(janeiro, março 1960), pp. 84-98.

12. Sobre o rápido desenvolvimento da industrialização, veja K. E. Bom, “Structural Changes in


German Social and Economic Development at the End of the 19^* Century”, em J. J. Sheehan, ed.
“Imperial Germany” (N. York, 1976), pp. 17-18.

13. Para um relato bem detalhado, veja Wehler, “Bismarck und der Imperialismus”, pp. 53-84; e
também Stem, “Gold and Iron”, pp. 182-83.
14. Veja o cap. 7.

15. Boehme, “Deutschlands Weg zur Grossmacht”, pp. 354-59.


16. H. Rosenberg, “The Political and Social Consequences of the Great Depression of 1873-96 in
Central Europe”, “The Economic History Review 13” (1943), pp. 58-73. Rosenberg expandiu este tópico
em seu “Grosse Depression und Bismarckzeiu Wirtschaftsablauf, Gesellschaft und Politik in
Mitteleuropa” (Berlim, 1967). Neste estudo, Rosenberg liga a cautelosa política externa de Bismarck e
sua política doméstica agressiva às consequências da depressão de 1873-79, que coincidiu com a
“grande onda” de Kondratiev de 1873-96. Para um ponto de vista diferente, veja A. Gerschenkron,
“The Great Depression in Germany”, em sua “Continuity in History and Other Essays” (Cambridge,
Mass., 1968), pp. 405-8.

17. Até 1874, o orçamento do exército era governado pelo chamado orçamento “de ferro” de 1867.
Craig, “The Politics of lhe Prussian Army”, pp. 219 em diante.

18. D. S. White, *The Splintered Party: National Liberalism in Hessen and the Reich 1867-1918”
(Cambridge, Mass, 1976), pp. 55 em diante.
Bismarck e seu tempo 109

19. Um bom exemplo é a tentativa de reforma da administração distrital prussiana (“ Kreisordnung”).


Depois de 1866, havia um consenso geral de que a reforma e certo grau de descentralização eram
necessários, tendência que foi apoiada por Bismarck. A medida fracassou em 1869 em virtude da
oposição conservadora na Câmara Alta; em 1872, quando voltou à baila, Bismarck tinha perdido seu
interesse e insistia nas reformas da Câmara Alta - onde havia considerável oposição à sua política,
dando-lhes precedência Neste caso, ele foi ultrapassado pelo Conde Eulenburg, Ministro do Interior
prussiano, e a nova “Kreisordnung” se transformou em lei em 13 de dezembro de 1872.
Contrariamente às expectativas gerais, não liberalizou nem descentralizou a estrutura de poder
estabelecida nos distritos do interior como a ordenação municipal (“Staedteordnung”) tinha feito nas
cidades. (Hefter, “Die Deutsche Seibstverwaltung in 19. Jahrhundert”, pp. 489-555.)

20. Veja o cap. 7.

21. Boehme, “Deutschlands Weg zur Grossmacht”, pp. 380-86.

22. O desenvolvimento do livre comércio para o protecionismo foi, é claro, muito mais complicado do
que descrito neste resumo. Para detalhes, veja, inter alia, H. Boehme, “Big Business Pressure Groups
and Bismarck’s Turn to Protectionism 1873-1879”, Historical Journal 2 (1967); I. Lambi, “FreeTrade
abd Protection in Germany, 1868-1879”, (Wiesbaden, 1963), e Bom, “Structural Changes in German
Social and Economic Development at the End of the 19* Century”.

23. Knut Borchardt, “The Industrial Revolution in Germany, 1700-1914”, em C. M. Cipolia, ed.»
“The Fontana Economic History of Europe”, (Londres, 1871-4), pc 1, p. 155.

24. À pane de interesses econômicos, os funcionários do Partido do Centro acreditavam que,


favorecendo o protecionismo, poderíam forçar Bismarck a terminar a “Kulturkampf”.

25. Boehme, “Deutschlands Weg zur Groissmacht”, pp. 419, 566-67. A única mudança mais decisiva
na recente historiografia germânica foi a mudança de ênfase da fundação do império, em 1871, à
passagem para o protecionismo, em 1879. Esta nova atitude desenfatiza os aspectos políticos e
organizacionais ligados a 1870-71 e acentua as mudanças econômicas, sociais edomésticas que tiveram
lugar desde 1875, como resultado da depressão de 1873. O mais notável defensor deste ponto de vista é
H. Boehme, que mostra a mudança de Bismarck nos anos 1875-81, do “laissez-faire” ao protecionismo
e da cooperação com os liberais à aliança com os conservadores como mais significativa no
desenvolvimento da Prússia-Alemanha do que a unificação e a fundação do “Reich” em Versalhes em
18 71. “A reconciliação com o Centro e, sobretudo, a transição dos grandes proprietários de terra para o
protecionismo marcou pontos (importantes) no caminho da reorganização do Estado prussiano-
germânico por Bismarck; uma reorganização equivalente a uma nova fundação do “Reich”.”
(Boehme, “Deutschlands Weg zur Grossmacht”, p. 419.)

26. Promulgada pelo Concilio do Vaticano, em 18 de julho de 1870, afirmava que o papa, falando ex
cathedra, t infalível em assuntos de fé e moral.

27. Citado por Stem, “The Failure of Illiberalism’’, p. 53.

28. Sobre as simpatias pró-católicas de Augusta, veja, G. W., 15:336 e M. Busch “Bismarck, Some Secret
Pages of His History”, 3 vols. (Londres, 1893), 2:416. As interpretações da “Kulturkampf’ e os
motivos de Bismarck para assumir esta funesta luta têm sido influenciados por considerações religiosas
e ideológicas e até agora não apareceu um estudo definitivo, equilibrado, a respeito.

Um dos primeiros trabalhos por um historiador católico, J. B. Kissling, “Geischichte des


Kulturkampfes im Deutschen Reich”, 3 vols. (Freiburg, 1911-16), é fonemente antiliberal. Na
;r

110 George O. Kent.

opinião de Kissling, a aliança de Bismarck com os liberais depois de 1871 levou a concessões em
assuntos religiosos e educacionais, sacrificando no processo os princípios conservadores cristãos. O
apoio do chanceler ao governo liberal da Baviera foi outro motivo de luta (1:365,390). Porém, não havia
um plano global definido; começou muito gradualmente. Nem a questão polonesa, nem o Partido do
Centro tiveram influência real sobre as políticas de Bismarck, contrariamente ao que se pensaria mais
tarde (3:357,360). Originalmente, Bismarck não tinha intenção de combater o Centro; em vez disso, ele
queria reconciliar o Centro com os Nacionais Liberais e manter relações amistosas com o papa. Porém,
quando os Nacionais Liberais levantaram a questão da intervenção germânica a propósito dos poderes
temporais do papa, Bismarck tinha de tomar partido. Entretanto, ele ainda esperava obter o apoio do
Centro, e pediu a Antonelli, Secretário de Estado papal, que orientasse o Centro para isso. Quando
Antonelli recusou, Bismarck rotulou o papa de “Reichsfeind” (inimigo do “Reich”), fazendo-o por
extensão ao Partido do Centro (3:361-63).

Em seguida à Primeira Guerra Mundial e à publicação de 40 volumes de documentos anteriores a


1914 do Ministério do Exterior alemão, a literatura histórica alemã concentrou-se na política exterior.

Neste filão, temos A. Wahl “Vom Bismarck der siebziger Jahre” (Tuebingen, 1920) e “Deutsche
Geschichte, 1871-1914”, 4 vols. (Stuttgart, 1926-36), que acreditava que Bismarck iniciou a “Kulturkampf”
prinápalmente para isolar a França e para ligar a Rússia e a Itália (que tinha suas próprias dificuldades
com a Igreja) mais solidamente à Alemanha. Nenhuma consideração política doméstica teve qualquer
influência nessa decisão.

Paul Sattler, “Bismarcks Entschluss zum Kulturkampf”, em F. Hartung e W. Hoppe, eds.»


“Forschungen zur Brandenburgischen und Preussischen Geschichte”, vol. 52 (Berlim, 1940),
escrevendo durante o período nazista, via a “ Kulturkampf ” como uma luta contra o intemacionalismo
(representado pelo Centro e pelo Partido Social Democrático), em que Bismarck não foi bem sucedido;
só Hitler tinha sido capaz de vencer esses inimigos do Estado.

As causas imediatas da “Kulturkampf” foram o primeiro Condlio do Vaticano e suas


conseqüêndas, a questão romana e a perda do poder temporal do papa, bem como o aparecimento de
um partido organizado em moldes confessionais (pp. 66-67).

Escrevendo na mesma época, mas tomando uma posição menos radical, E. Schmidt, “Bismarck
Kampf mit dem politischen Katholizismus” (Hamburgo, 1942), achava que o catolicismo político
tentou deixar sua marca no recém-estabelecido “Reich” e, quando fracassou, juntou-se à oposição
contra Bismarck. Assim, Bismarck foi forçado a lançar a “Kulturkampf ” para defender a obra de sua
vida (p. 6).

Uma visão mais equilibrada é apresentada por H. Bomkamm, “Die Staatsidee um Kulturkampf ”
(Munique, 1950), que sustenta ter sido Bismarck influenciado, tanto por considerações internas como
externas. Intemamente, Bismarck foi ameaçado pelas táticas parlamentares do Centro no apoio de seu
programa Para a segurança do novo "Reich”, este partido tinha de ser destruído e este era o único
objetivo de Bismarck na luta Seus motivos não eram baseados em nenhuma teoria de Estados, nem em
fundamentos ideológicos, porém, inteiramente em considerações políticas. “Ele não lutava por
nenhuma idéia nem em nome de uma filosofia protestante, hegeliana nacional-liberal ou critica de
que está repleta a ciência modema contra o dogma medieval. Seu único prindpio era realizar uma
divisão nítida entre a esfera religiosa e a política que ele via perigosamente mescladas pela própria
existência e política do Partido do Centro... (para ele, a “Kulturkampf ” era uma guerra preventiva no
plano doméstico” (pp. 65-66).

F. Nova, “The Motivation in Bismarck’s Kulturkampf”, Duquesne Review 10 (primavera de


1965), vê a essência da “Kulturkampf” na colisão entre o desejo papal de reafirmar sua posição
predominante depois da perda de seu poder temporal em 1871 e as aspirações e reivindicações

I ■
! ’
Bismarck e seu tempo 111

similares e dinâmicas da civilização moderna, do nacionalismo, do estatismo, do liberalismo, do


materialismo e do# secularismo, manifestados mais claramente no recém-estabelecido Império
Germânico (p. 43).
J. Becker. de outro lado, vê a“Kulturkampf ” de Bismarck principalmènte como um dispositivo
político. O Chanceler usou-o para unir os diferentes partidos liberais para seus próprios fins e, ao
mesmo tempo, corrompia seus ideais e os desviava de seus objetivos constitucionais. (J. Becker,
“Liberaler Staat und Kirche in der Acra der Reichsgruendung und Kulturkampf” (Mogúncia, 1973),
pp. 375-6.

29. Bornkamm, “Die Staatsidee im Kulturkampf’, p. 9.

30. Bussmann, “Das Zeitalter Bismarcks”, p. 158.

31. Ibid. pp. 166-7.

32. A. Constable, "Vorgeschichte des Kulturkampfes” (Berlim, 1956), em toda a parte.

33. Kent, “Arnim and Bismarck’’, pp. 124-27.

34. Bussmann, “Das Zeitalter Bismarcks”, p. 216.

35. Ibid., p. 215. Conversações entre o governo prussiano e o Núncio papal, iniciadas em julho de
1878.

36. Bornkamm, “Die Staatsidee im Kulturkampf” pp. 65-71.

37. Ibid.

38. Bismarck tinha acusado os líderes do SDP de alta traição, por se oporem à anexação da Alsácia-
Lorena e terem expressado simpatia pela Comuna de Paris.

39. V. Lidtke, “The Outlawed Party: Social Democracy in Germany, 1878-1890” (Princeton, 1966),
pp. 70 em diante.

40. “Medo da revolução, medo de perderstatus econômico, medo do futuro- estas eram as presunções
básicas subjacentes na eleição do verão de 1878”. (M. Stuermer, “Regierung und Reichstag im
Bismarckstaat, 1871-80” (Duesseldorf, 1974), p. 231.)

41. Lidtke, “The Oudawed Party”, p. 74.

42. Ibid., p. 78.

43. O seguinte é baseado em M. Stuermer, “Staatsreichgedankan im Bismarckreich”, “Historische


Zeitschrift” 209 (dezembro, 1969), pp. 566-615, especialmente 582 e seguintes.

44. Ibid., p. 593, n. 66.

45. Ibid., p. 599 n. 77.

46. Ibid., p. 601.


47. Principalmente na esfera colonial: veja H. P. v. Strandmann, “Domestic Origins of Germany’»
Colonial Expansion under Bismarck”, “Past and Present 42”, (fevereiro, 1969); e H. U. Wehler,
"Bismarck’» Imperialism, 1862-1890”, Past and Present 48 (agosto, 1970).
112 George O. Kent.

48. De acordo com Stuermer, “Regierung und Reichstag im Bismarckstaat”, p. 291. A essência do
problema constitucional germânico durante o império girava em torno do conflito insolúvel entre o
parlamentarismo e o cesarismo. Bismarck usava alguns elementos deste último para solapar a
representação parlamentar; ao mesmo tempo que apelava para plebiscitos, ameaçava com um golpe de
estado.

49. O. Vossler, “Bismarcks Ethos”, Historische Zeitschrift 171 (março, 1951), p. 290.

50. H. J. Steinberg, “Socialismus, Intemationalismus und Reichsgruendung”, em Schieder e


Deuerlein eds., “Reichsgruendung” 1870-1871, pp. 319-44.

51. Citado por H. U. Wehler, “Das Deutsche Kaiserreich, 1871-1918’’ (Goettingen, 1973), p. 136.

52. E. Eyck, “Bismarck”, 3:368-75.

53. Lidtke, “The Outlawed Party”, p. 159.

54. Ibid., p. 160.

55. Ibid., pp. 74, 185.

56. Ibid., pp. 241-44.

57. Ibid., pp. 256-301.

58. Citado por Stem, “The Failure of Illiberalism”, p. 13.

59. Ibid., p. 15.

60. F. K. Ringer, “The Decline of the German Mandarins: The German Academic Community, 1890
1933” (Cambridge, Mass., 1969) p. 121.

61. Ibid., p. 128.

62. Citado por Stem, “Gold and Iron” pp. 205-6.

63. Stuermer, "Regierung und Reichstag im Bimarckstaat”, pp. 296-308. Um interessante e estimulante
artigo sobre a idéia de que Napoleào III e Guizot foram modelos para Bismarck é o de A. Mitchell,
Bonaparusm as a Model for Bismarckian Politics” e comentários subseqüentes por O. Pflanze, C.
Fohlen e M. Stuermer, no “Journal of Modem History 49 n9 2” (june, 1977): 181-209.

64. J.J. Sheehan, “Conflictand Cohesion among German Elites in the 19lh Century”, em Sheehan, ed.,
Imperial Germany”, pp. 62-92; a citação está nas pp. 82-83.

65. Bussmann, “Europa und das Bismarckreich”, in Gal, ed., “Das Bismarck-Problem”, pp. 325-27.

66. F. Fischer, “Der Krieg der Illusionen” (Duesseldorf, 1969), p. 64.

67. E. Deuerlein, “Die Konfrontation von Nationalstaat und national bestimmter Kultur”, em Shieder
e Deuerlein, eds., “Reichsgruendung 1870-71”. pp. 226-58.

68. G. L. Mosse, “The Crisis of German Ideology” (N. York, 1964); F. Stem, “The Politics of Cultural
Despair” (Berkeley, CaL, 1961') em toda a obra.
Bismarck e seu tempo 118

69. D. Gasman, “The Scientific Origins of National Socialism” (N. York, 1971) p. XXIII. Veja também
H. G. Zmarzlik, “Social Darwinism in Germany, Seen as an Historical Problem”, em Holbom, ed.,
“Republic to Reich” (N. York, 1973). p. 435.

70. Gasman, “The Scientific Origins of National Socialism”, em toda a obra.

71. P. Pulzer, “The Riseof Political Anti-Semitism in Germany and Áustria” (N. York, 1964), pp. 76-96.

72. Veja o cap. 1.

73. M. Busch, “Tagebuchblaetter”, 3 vols. (Leipzig, 1902). 2:33.

74. Stern, “Gold and Iron”, p. 528r- Veja também W. T. Angres, "Prússia’sArmy and thejewish Reserve
Oflicer Controversy before World War I”, em Sheehan, ed., "Imperial Germany”, pp. 97-100.

75. Messerschmidt, “Die Armee in Staat und Gesellschaft - Die Bismarckzeit”, 102-7.

76. K. H. Hoefele, “Geist und Gesell schaft der Bismarckzeit, 1870-1890” (Goettingen, 1967), pp. 22
em diante.
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1 !

II

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i
7. A POLÍTICA EXTERNA DE BISMARCK

A notoriedade de Bismarck esteve sempre baseada nas suas realizações na


diplomacia. O tratamento da questão Schleswig-Holstein, sua luta pela supre­
macia na Alemanha, e o tratamento da candidatura Hohenzollem foram grandes
sucessos da política externa, realizados em situações adversas. E apesar de cada um
desses acontecimentos cruciais na história alemã ter provocado a guerra, estas
foram guerras limitadas que, no final, contribuíram para a unificação da
Alemanha. Como grande potência unificada no centro do Continente, a Alema­
nha modificou a balança de poder da Europa. Bismarck lutou três guerras
vitoriosas em um curto período de tempo e a incógnita era se ele continuaria uma
política belicosa e expansionista ou se ele seguiría um caminho. mais_pacífico.-
Bismarck decidiu pela paz, não somente para a Alemanha, mas para a Europa. Ele
reconheceu as limitações da Alemanha assim como o fato de que as guerras
localizadas já não eram factíveis na Europa, uma vez que todas as grandes
potências seriam levadas a uma guerra mais ampla, independentemente de onde
houvesse iniciado. Na opinião de Bismarck a Alemanha estava saciada; o que já
havia sido realizado não podería ser arriscado por nenhuma nova conquista, por
• mais tentadora que fosse. Seus sucessores, com menos restrições para a guerra e
convencidos de que o poder da Alemanha era ilimitado, arriscaram sua posição e
sua reputação; assim agindo, levaram-na ao eventual fracasso e ruína1.

A atitude das potências com relação à Alemanha após a guerra franco-


prussiana foi de restrições e suspeitas. A França, pensando em vingança, voltou-se
para a Rússia e para a Áustria como possíveis aliadas no caso de uma guerra futura
com a Alemanha. A Áustria, ainda se recuperando da derrota em Koeniggraetz,
ressentia-se do novo status de grande potência recém-adquirido pela Alemanha e
mantinha suas reservas em relação à mesma. A Rússia, apesar de preocupar-se
com os desenvolvimentos revolucionários na França, inquietava-se com o
crescente poder da Prússia e com o surgimento de uma Alemanha unificada.
Somente a Grã-Bretanha parecia despreocupada.

Nessa situação, era difícil preservar a nova posição de primazia da Alemanha.


Bismarck acreditava, idealisticamente, que a Alemanha não deveria buscar outras
conquistas territoriais; por outro lado, todas as potências com exceção da França
deveríam competir para conquistar a amizade alemã. Ao mesmo tempo, a tensão
entre as potências deveria ser bastante intensa para que elas não se unissem contra
o “Reich”2. O sistema de Bismarck era extremamente complexo, e requeria uma
116 George O. Kent.

avaliação constante das relações entre todas as combinações possíveis de poderes


para que o equilíbrio ideal fosse mantido. Após o Congresso de Berlim, a política
de Bismarck com relação àÁustria, Rússia, Grã-Bretanha, França e Itália resumiu-
I se em tentativas com o fim de atingir essa condição ideal.

Após 1871, Bismarck apoiou consistentemente um regime republicano na


França, por acreditar que nenhum governo monárquico na Europa faria aliança
j com uma república,‘com receio de intrigas revolucionárias 3. Ele concentrou seus
esforços iniciais de aliança com a Áustria e a Rússia. Uma aliança com a Rússia e
com a Áustria realizou ambos os objetivos de Bismarck: isolou a França, e ao
mesmo tempo deu-lhe uma maioria de três entre as cinco grandes potências da
Europa. Bismarck também se utilizou das alianças para dominar seus parceiros
aliados - ele comparava as alianças a um cavaleiro e um cavalo - e ele sempre
tentava ser o cavaleiro. Essa tática foi especialmente bem-sucedida na sua aliança
3
com a Áustria.

O sucesso de Bismarck em política externa se baseava em três fatores. Ele tinha


uma visão realista do cenário internacional e dos interesses e relações das potências
i envolvidas. Ele tinha em mente seus objetivos finais e sempre considerava diversos
métodos para alcançá-los. De grande importância foi sua relação com Guilherme
I, que o permitiu levar adiante sua política. Além disso, uma série de circunstâncias
permiuram a Bismarck desenvolver seus talentos diplomáticos à máxima exten­
são. A era das massas e do impacto da opinião pública nas relações exteriores mal
havia surgido na parte final do século dezenove na Europa; apesar da opinião
pública ser um fator que não podia ser ignorado, era relativamente um elemento
de menor importância e podia ser manipulado, como Bismarck havia demons­
; li trado antes das guerras com a França e com a Dinamarca. A política externa ainda
podia ser conduzida a nível de gabinete. A diplomacia possuía regras aceitas, uma
área limitada (Europa), um número de jogadores fixo (as cinco grandes potências),
e objetivos mais ou menos limitados. Sob essas condições, Bismarck atuou
brilhantemente. Ele foi o último dos grandes diplomatas, na tradição de Richelieu,
Kaunitz e Mettemich. Além disso, a compreensão de Bismarck e a manipulação da
opinião pública em matéria de relações exteriores rivalizava a de Napoleão III, a
quem Bismarck suplantou, tanto em métodos como em realizações4.

Após o tratado de paz de 1871 com a França, Bismarck se preocupou em ■*.


melhorar as relações com a Áustria. Os autríacos, estimulados por seus aliados
húngaros, estavam dispostos a manter um bom relacionamento com seu vizinho
poderoso5. Os imperadores da Áustria e da Alemanha e seus chanceleres se
encontraram em Ischl e em Salzburg no período de agosto e setembro de 1871
para esclarecer antigos desentendimentos e estabelecer as bases de uma futura
aliança. Um ano depois, os dois imperadores e Alexandre I da Rússia se
! encontraram em Berlim e, em uma série de conversações informais, concordaram
em manter o status quo na Europa. N egociações formais que resultaram em acordos
Bismarck e seu tempo 117

militares foram concluídas entre a Alemanha e a Rússia, por ocasião da visita de


Guilherme e Bismarck a Sto. Petersburgo, em maio de 1873; negociações
semelhantes entre a Áustria e a Rússia se realizaram em Schoenbrunn, nos
arredores de Viena, em junho do mesmo ano. O resultado dessas negociações foi a
Liga dos Três Imperadores, cujo objetivo foi o de demonstrar a solidariedade
monárquica e o de preservar o status quo. Para Bismarck, a Liga significava apoio
contra a França e uma forma de prevenir um possível conflito austro-russo sobre
os Bálcãs6.

Uma crise nas relações franco-alemãs, iniciada pela queda de Thiers, iria logo
testar a força da recém-formada Liga dos Imperadores7 _Arecuperação econômica
francesa se fez de forma mais rápida e completa do que fora esperada e o governo
francês foi capaz de saldar a indenização de guerra de cinco bilhões de francos
antes do prazo, o que resultou na completa evacuação das tropas alemãs do
território francês em setembro de 1873. Esse fato, combinado com a reorganiza­
ção e o fortalecimento do exército francês, provocou uma considerável ansiedade
no Estado-Maior alemão. Após a derrota de 1870, o exército francês havia
reorganizado sua estrutura de treinamento e de organização, acrescentando um
quarto batalhão a cada regimento no início de 1875. Nesse mesmo período,
rumores de compras francesas em grande escala de cavalos e forragem alarmaram
o comando militar alemão e levaram Moltke, chefe do Estado-Maior, a advogar
uma guerra preventiva contra„a França8.

A preocupação de Bismarck com esses acontecimentos na França somava-se a


seu receio de uma conspiração católica, envolvendo a França, o papado e a
Bélgica. Ele acreditava que tal conspiração podería apoiar ativamente os católicos
alemães na sua luta contra ele e_a_\‘JKulturkampf ”. Os franceses, por outro lado,
estavam alarmados com a missão de Radowitz em Sto. Petersburgo, em fevereiro de
1875; eles acreditavam que Radowitz, naquela época ministro alemão em Atenas,
havia sido enviado por Bismarck para assegurar o apoio da Rússia numa guerra
preventiva contra a França. Parecia pouco provável, no entanto, que Bismarck
contemplasse, na realidade, uma guerra. Quaisquer que fossem suas intenções, ou
para amedrontar os franceses ou para abrandar o Estado-Maior alemão, apareceu
no Berlin Post de 8 de abril um artigo de primeira página intitulado “Guerra à
vista?”. Havia sido escrito por instruções de Bismarck e foi seguido de notícia
semelhante no Norddeutsche Allgemeine Zeitunç?. Os dois artigos criaram um
clima sensacionalista e um pânico de guerra através da Europa. As apreensões
francesas aumentaram quando, em um jantar no dia 21 de abril, Radowitz disse ao
Embaixador francês que era lógico para os alemães considerarem uma guerra
preventiva em tais circunstâncias. Nesse ponto, Decazes, o Ministro das Relações
Exteriores francês, apelou para o apoio russo e britânico; ao mesmo tempo,
colocou um artigo anônimo no London Times10, acusando a Alemanha de planejar uma
invasão à França. Por uma vez Bismarck ficou na defensiva. Os governos britânico
e russo pediram a Bismarck que se abstivesse de medidas de hostilidades, o
118 George O. Kent.

primeiro por uma carta da Rainha Vitória, o segundo através de Gorchakov, o


Ministro do Exterior que se encontrava em Berlim com o czar. Bismarck ficou
profundamente irritado e protestou dizendo que se tratava de um mal-entendido e
de um alarme falso. A crise passou. Seu principal significado consistiu em que, pela
primeira vez, a Grà-Bretanha e a Rússia estiveram dispostas a prestar ajuda à
França. Isto não significou que as duas potências tencionassem restaurar o status
francês de antes de 1870, mas também não se dispunham a tolerar mais agressões
alemãs. Elas estavam satisfeitas com o status quo e, com relação a este assunto, assim
como Bismarck.

A fragilidade da Liga dos Três Imperadores nessa crise forçou Bismarck a


reexaminar as relações da Alemanha com seus dois aliados. O reexame tomou-se
ainda mais urgente quando, em julho de 1875, houve a insurreição contra a
Turquia nos Bálcãs. Qualquer desordem nos Bálcãs, onde os interesses da Áustria
e da Rússia colidiam, era potencialmente ameaçadora para a Alemanha e a paz na
Europa. A reconciliação das diferenças austríacas e russas passou a ser uma das
tarefas mais urgentes de Bismarck, em segundo lugar após o problema francês.
Reconhecendo o potencial explosivo da situação, Bismarck compreendeu - o que
não aconteceu com alguns dos sucessores- que a atitude da Alemanha para com as
í duas potências do Leste teria uma importância crucial. Somente uma política dos
Bálcãs equilibrada e desinteressada teria alguma chance de sucesso. No que lhe
dizia respeito, a participação ativa da Alemanha nas questões dos Bálcãs “ não valia
os ossos saudáveis de um único granadeiro da Pomerânia”11.
!
Com exceção dos anos de luta que levaram à unificação, tanto a Prússia como a
Alemanha após 1871, mantiveram relações intensas e amistosas com a Áustria e
com a Rússia. A Alemanha tinha um laço comum de idioma e de cultura com a
Áustria e, apesar da luta pela supremacia ter deixado algumas memórias infelizes,
os sentimentos de compreensão e de afinidades entre os dois países suplantaram
I quaisquer ressentimentos remanescentes. A relação da Alemanha com a Rússia
era um pouco mais complicada. Havia laços de dinastia entre os Hohenzollems e
os Romanovs - Nicolau I era casado com uma irmã de Guilherme I — além das
lembranças da luta conjunta contra Napoleão I e de sua política comum com
relação à Polônia. A influência dinástica foi mais clara no final da guerra franco-
prussiana, quando os russos concordaram em que a Alemanha deveria anexar a
Alsácia-Lorena. De acordo com Bismarck, esse fato não foi consequência da
política russa oficial, mas sim da política pessoal de Alexandre II12.

As impressões recolhidas por Bismarck durante o período em que foi


Embaixador em Sto. Petersburgo, em 1859-1862, tiveram um papel importante na
sua diplomacia russa. Ele havia observado o declínio dos sentimentos pró-
Alemanha e o aparecimento de simpatias a favor da revolução e do Ocidente entre
as classes governantes, e tinha visto o início do movimento pan-eslavo'®. Antes da
guerra turco-russa de 1877, Bismarck encorajou a Rússia a seguir sua própria

l
Bismarck e seu tempo 119

política, sem levar em consideração a aprovação ou desaprovação das demais


potências européias, porque em tais circunstâncias os russos dariam mais valor à
ajuda alemã, ainda que essa fosse limitada. A política russa de Bismarck seguiu
dois caminhos. De um lado, ele fez o imperador escrever cartas pessoais ao tzar,
em que expressava a gratidão eterna da Prússia e sua pela neutralidade benevo­
lente da Rússia nos anos de 1866 e de 1870-71, e indicava sua disposição de apoiar
a Rússia incondicionalmente. O Imperador, Bismarck, e a maior pane dos
diplomatas russos estavam cientes de que essas canas eram meras expressões de
boa vontade para influenciar e dar apoio ao tzar, e não compromissos políticos
firmes. Por outro lado, a política oficial de Bismarck tinha por objetivo manter a
Rússia como aliada alemã e fora da órbita francesa; a Alemanha precisava tanto
da Rússia como da Áustria, e não podia, portanto, se permitir um envolvimento no
Oriente Próximo ou nos Bálcãs14.

As relações austro-russas, prejudicadas desde a guerra da Criméia (1854-56),


ameaçavam se deteriorar ainda mais na medida em que cresciam os interesses
austríacos nos Bálcãs. A derrota da Áustria em Koeniggraetz, suas perdas na Itália,
e sua posterior expulsão da Alemanha fizeram com que ela se voltasse para o Leste,
numa tentativa de recuperar seus territórios e prestígio perdidos. Para os
austríacos o papel não era novo nem a região desconhecida. O Império dos
Habsburg havia se expandido para o sudeste desde a derrota dos turcos' nos
portões de Viena em 1683. Nessa ocasião, às margens do Danúbio, o avanço
austríaco em direção ao Mar Negro colidiu com a caminhada secular da Rússia na
direção de Constantinopla e dos Estreitos. A competição estratégico-econômica
entre as duas potências tornou-se mais complicada com a luta nacionalista e
religiosa dos povos balcânicos. A maior parte era constituída de eslavos sob a
soberania turca e pertencia à igreja ortodoxa oriental. Eles contavam com a Rússia
para a proteção nacional assim como religiosa. Desde o final das guerras
napoleônicas, as revoltas nacionalistas tinham enfraquecido os vínculos entre o
sultão e alguns dos seus cidadãos não-turcos e os movimentos de independência
do último quarto do século dezenove ameaçavam a própria existência do Império
Otomano. Devido ao surgimento do pan-eslavismo, o Governo russo freqüen-
temente apoiava esses movimentos, entrando em conflito ostensivo com a
Turquia. Os austríacos, apesar de não serem adversos à partilha do Império turco
na Europa, se opunham ao apoio russo dado aos movimentos nacionalistas e
jSYQluciqnários_nQ5 Bálcãs, receosos de que esses movimentos, uma vez desen­
cadeados, desagregariam o Império dos Habsburg. “Quando os eslavos dos Bálcãs
agiam, o Governo russo não ousava deixá-los fracassar; a Austro-Hungria não
ousava deixá-los ter êxito.”15.

Assim, a luta austro-russa pela dominação dos Bálcãs tornou-se um dos


maiores problemas da diplomacia européia. E uma das maiores realizações de
Bismarck foi conseguir contê-la, ainda que temporariamente. Não foi uma tarefa
fácil. Ele manteve ao máximo uma política de estrita neutralidade, mas, quando
I

120 George O. Kent.

em outubro de 18 7 6, os russos quiseram saber qual seria a posição da Alemanha se


as difíceis relações nos Bálcãs levassem a uma guerra austro-russa, Bismarck teve
que tomar partido. Ele expressou o desejo de preservar a paz, mas revelou que se
ocorresse uma guerra, a Alemanha não permitiría que a posição da Áustria fosse
enfraquecida ou que o equilíbrio de poder fosse prejudicado16.

A insurreição, que surgira na Bósnia e Herzegovina, em julho de 1875,


espalhou-se para a Bulgária em maio do ano seguinte, onde foi suprimida
violentamente pelos turcos. Quando a Sérvia, mais tarde seguida por Montenegro,
declarou guerra à Turquia, em 30 de junho de 1876, foi decididamente derrotada
pela armada turca em Alexinatz, em 1.° de setembro de 1876. Agora era a vez da
Rússia. Ela desejava ajudar seus “irmãos” da Sérvia e ocupar Constantinopla e os
Estreitos, mas não ao preço de uma guerra com as potências européias. Para evitar
isso e antes de entrar na guerra contra a Turquia, a Rússia precisou evitar a
ressurreição da coalizão da Criméia, entre a Grã-Bretanha, a França e a Áustria. Em
um acordo de palavreado vago concluído em Reichstadt a 8 de julho de 1876, e
confirmado em Budapeste a 15 de janeiro de 1877, Andrassy e Gorchalcov, os
Ministros de Relações Exteriores da Áustria e Rússia respectivamente, concluíram
pela neutralidade da Áustria em caso de guerra entre a Rússia e a Turquia, pelo
direito da Rússia a reaver a Bessarábia, e em favor da pretensão austríaca a ocupar a
Bósnia e a Herzegovina. Assegurada a neutralidade benévola da Áustria, a Rússia
uniu-se à França e à Grã-Bretanha na conferência em Constantinopla, em
dezembro de 1876, para dar uma solução à questão balcânica. Concordou-se, com
a anuência da Turquia, que a Bulgária seria dividida em uma parte ocidental e
outra oriental, que Bósnia e Herzegovina se transformariam em uma única
província, que haveria reformas no Império turco, e que as as potências
supervisionariam tais reformas e, caso necessário, as poria em vigor. Estas
condições foram confirmadas quando Ignatiev, o então embaixador russo em
Constantinopla, fez um giro pelas principais capitais européias em fevereiro e
março de 1877 e um protocolo (contendo condições ligeiramente menos
favoráveis à Russa) foi assinado, em Londres, a 31 de março de 187 717.

Desta feita, os russos acreditaram ter obtido das potências carta branca para
executar seu mandato, caso o governo turco deixasse de cumprir para com suas
obrigações. Se a Rússia pudesse assim agir com rapidez e decisão, ela teria boas
chances de fazer valer, junto à Turquia, sua vontade, independente de interferên­
cias externas. Tal oportunidade apresentou-se quando da recusa, em 9 de abril,
pelo sultão, do Protocolo de Londres. No dia 24 de abril, a Rússia declarou guerra
à Turquia. Em que pesem a superioridade militar e os êxitos iniciais russos, os
turcos terminaram por conter o avanço russo em Plevna. Quando a fortaleza
finalmente se rendeu em 10 de dezembro, as tropas russas não possuíam mais
forças para capturar Constantinopla, negociando-se, por fim, um armistício em 31
de janeiro de 1878, com as tropas russas acampadas nos arredores da cidade. As

l
Bismarck e seu tempo 121

partes assinaram um tratado, em San Stefano, em 3 de março. Os termos do


tratado eram bastante severos para a Turquia. Sérvia, Montenegro e a Romênia se
tornariam independentes, a Bulgária se tomaria autônoma, consideravelmente
estendida com a inclusão da Macedônia e de uma saída para o mar Egeu, e
ocupada dois anos por tropas russas. A Rússia recebería Kars, Batum e a
Bessarábia, além de uma considerável indenização18.
As potências, especialmente a Grã-Bretanha, ficaram alarmadas com a
abrangência das condições impostas pela Rússia. Um congresso europeu foi
convocado para rever o equilíbrio de poder na região balcânica e para pôr termo ,
aos diferendos pendentes. Ansiosa por excluir os russos de Constandnopla e por
fortalecer a Turquia, a Grã- Bretanha exigiu uma redução no tamanho da Bulgária.
A Grã-Bretanha quis que se dividisse a Bulgária em uma parte Norte, a Bulgária
propriamente dita, e em uma pane Sul, Romênia Oriental, com a Macedônia
sendo excluída do novo estado búlgaro. Os russos, sem condições quaisquer de
resistir, assinaram um acordo secreto com a Grã-Bretanha nesse sentido, em 30 de
maio de 1878. Obtidas as garantias da Grã-Bretanha, a Turquia assinou, a 4 de
junho, acordo que transferia à Grã-Bretanha o Chipre, em agradecimento aos
serviços prestados. Um acordo entre a Áustria e a Grã-Bretanha, de 6 dejunho-no
qual a Grã-Bretanha dava apoio às pretensões austríacas em relação a Bósnia e
Herzegovina, em troca do apoio austríaco à proposta britânica para definir as
fronteiras búlgaras -, completavam os entendimentos. Estava montado o palco
para o Congresso de Berlim.
A convocação do Congresso para Berlim (13 de junho de 1878) já era clara
indicação da predominância da Alemanha na Europa e da eminência de Bismarck
entre seus estadistas19. O chanceler se mostrara relutante em assumir a presidência
do Congresso, que se reuniu em momento de crise doméstica (duas tentativas de
assassinar o Imperador, em 11 de maio e 2 dejunho, e a dissolução do “ Reichstag”
em 11 de junho). O papel de Bismarck no Congresso era menos aquele de um
intermediário honesto, como tem-se tradicionalmente afirmado, imagem para a
qual ele próprio contribuiu (como em um discurso ao “Reichstag”, em 19 de
fevereiro, de 1878)20, do que o de um árbitro. Seus interesses maiores eram a
salvaguarda da paz, o apoio à Grã-Bretanha e seus acordos com a Áustria e a
Rússia, e assegurar que as soluções fossem aceitáveis aos russos. Não demonstrava
nenhuma preocupação para com os povos dos Bálcãs21. O entendimento
acordado no Congresso tinha como base o equilíbrio militar de poder - a
incapacidade russa em tomar Constandnopla- e nos acordos concluídos entre a Grã-
Bretanha, Áustria e Rússia. Significava, em essência, uma Bulgária menor (dividida
em duas partes e sem acesso ao mar Egeu) e uma significativa perda de prestígio
por parte da Rússia. Embora não perdessem nenhum território, os russos ficaram
furiosos e culparam Bismarck por sua “derrota” diplomática.

A Aliança dos Três Imperadores revelava-se, para todos os efeitos, morta. Nem
por isso representava grande perda. Sua eficácia era quando muito marginal,
122 George O. Kent.

tendo a guerra entre a Rússia e a Turquia exposto a fundamental rivalidade entre


os impérios Habsburg e Romanov. Bismarck levava a sério essa rivalidade e a
considerava uma ameaça em potencial ao equilíbrio europeu de poder. Uma vez
\S . que a Rússia estava emburrada, Bismarck voltou-se para a Áustria.
í Jí V\\A V> ,_A-
A Aliança com a Áustria, a Dupla Aliança de outubro de 1879, constitui um
1 marco na mudança da política externa de Bismarck, que se afasta de uma política
G" de compromissos frouxos para uma de comprometimentos firmes e definitivos.
Erao inicio de um complicado sistema de alianças pelo qual Bismarck sustentou a
— supremacia da Alemanha e a paz na Europa. São complexas e ainda incertas as
—— razões para essa mudança drástica22.1 nicialmente, Bismarck parece ter favorecido
a renovação da Aliança dos Três Imperadores, mas a insatisfação russa com o
desfecho do Congresso de Berlim, atribuído a Bismarck, tomava improvável a
anuência, tanto de Gorchakov como do tzar, a uma tal medida. Posteriormente ao
Congresso, foram numerosos os incidentes que contribuíram para agravar o
desentendimento entre a Rússia e a Alemanha. Representantes alemães às várias
comissões convocadas pelo Congresso geralmente votavam com a Áustria e
freqüentemente contra os interesses russos. O Acordo austro-germânico sobre a
ab-rogação do Artigo 5 do Tratado de Praga (agosto de 1866), que exigia um plebiscito
em Schleswig do Norte (tomado público em 4 de fevereiro de 1879, assinado em 13
de fevereiro de 1879, mas pós-datado para 11 de outubro, 1878) era considerado
pelos russos como pagamento austríaco à Alemanha pelos serviços prestados
durante o Congresso. Por fim, uma epidemia da peste no baixo Volga em fins de
1878 produziu reações imediatas alemãs e austríacas e motivou artigos na
imprensa, o que desagradava os russos. Isto, somado às tarifas alemãs mais
elevadas para cereais russos que reduziram grandemente as exportações russas,
restringindo severamente sua capacidade de acumular reservas cambiais, e que
desaceleraram seu processo de expansão econômica, resultaram em amargo e
extenso sentimento antigermânico dentro da administração russa25. No lado
alemão, a expansão da rede ferroviária russa junto à fronteira oriental alemã e um
incremento no contingente de tropas russas na mesma área causaram considerável
ansiedade em Berlim24.

Ao mesmo tempo, Bismarck via-se às voltas com a questão romena. Isto


envolvia o reconhecimento da independência romena por parte das potências, tão
logo a Romênia emancipasse seus cidadãos judeus, como estipulava o Congresso
de Berlim; um acordo que satisfizesse as reivindicações alemãs a respeito da
construção de estradas de ferro romenas também deveria ser levado em conta25.
Assim, enquanto Bismarck talvez preferisse manter sua postura independente em
política externa, os problemas russo e romeno eram por demais complicados para
que ele perseguisse uma política de não-intervenção. Para lidar com as dificulda­
des russas, ele passou a depender crescentemente da Áustria e a voltar-se para os
britânicos e franceses em busca de assistência nos problemas romenos. Desta
Bismarck e seu tempo 123

forma, sua políúca externa, que anteriormente se centrara no isolamento da


França, tomava-se cada vez mais complexa26.

Por vezes, a ameaça (se era verdadeira ou não, não importa) de uma coalizão
hostil-austro-russa, franco-russa, ou mesmo austro-franco-russa, a antiga aliança
Kaunitz - parece ter dominado seus pensamentos e o levado a atividades ainda
mais frenéticas. Isto talvez tenha sido o caso imediatamente antes da conclusão da
aliança com a Áustria. A revelação da iminência da renúncia de Andrassy da pasta
de Ministro das Relações Exteriores da Áustria levou Bismarck a apressar a
negociação da aliança27. Andrassy e Bismarck rascunharam os termos, em Viena,
em 24 de setembro, e assinaram a aliança, em 7 de outubro de 187928.

De um ponto de vista doméstico, uma aliança com a Áustria seria popular em


largos segmentos da população alemã, especialmente os liberais e católicos; os
interesses agrícolas da Elbia Oriental, que favoreciam tarifas protecionistas, se
alegrariam com a eliminação das importações de cereais russos livres de impostos.
O imperador Guilherme era o único a se opor fortemente às propostas do
chanceler. Para Guilherme, educado dentro da antiga tradição Hohenzollem de
amizade com a Rússia, uma quebra desse antigo padrão era absolutamente
inconcebível. Bismarck viu-se obrigado a usar dos seus argumentos mais
persuasivos, fabricar algumas ameaças implausíveis e, por fim, apresentar sua
renúncia e a de todo o gabinete prussiano, para que o Imperador cedesse29.

A Dupla Aliança, que formava a pedra angular do sistema bismarckiano de


alianças, perdurou até novembro de 1918. Enquanto ele estava no poder, sua
influência moderadora- e as condições internacionais prevalentes - asseguravam
a paz, tendo a aliança austríaca constituído fator fundamental neste senúdo.
Bismarck não pretendia que a Dupla Aliança fosse anti-russa. Pelo contrário,
esperava que a Rússia se tomasse mais congenial e, possivelmente para atemorizá-
la a ponto de decidir-se, aproximou-se da Grã-Bretanha, para inteirar-se de sua
atitude na eventualidade de um conflito russo-germânico3 . Os britânicos não se
comprometeram em sua resposta, limitando-se a prometer manter quieta a
França.

Em janeiro de 1880, Saburov.já então o embaixador russo em Berlim, sugeriu


que se reavivasse a Liga dos Três Imperadores; Bismarck demonstrou um interesse
considerável, mas os austríacos se recusaram. Estes teriam preferido uma aliança
com a Grã-Bretanha, com a Áustria dominando os Bálcãs, a Grã-Bretanha a Ásia
Menor, a Alemanha dando apoio a ambos, ficando a Rússia de fora. Entretanto, a
vitória de Gladstone nas eleições gerais de abril de 1880 alteraram a política
exterior britânica e pôs um fim aos planos austríacos de uma aliança. Em
setembro, os austríacos já estavam prontos a juntar-se à Liga, e, após longas
negociações, a Aliança dos Três Imperadores, como veio a se tomar conhecida, foi
assinada a 18 de junho de 1881. “A base para um acordo foi a crença austríaca que
!

124 George O. Kent.

a Alemanha apoiaria automaticamente a Áustria e a crença russa de que a


Alemanha não faria isto.”31
r x—
A aliança tinha pouco em comum com sua predecessora, a Liga dos Três
Imperadores, essa de 1873. Continha, ao invés de generalidades vagas a respeito
I de princípios conservadores de solidariedade, cláusulas específicas, das quais a
i mais importante estipulava a neutralidade das partes caso uma delas viesse a entrar
em guerra com uma quarta potência. Isto implicava uma neutralidade russa em
caso de um conflito franco-germânico, e a neutralidade alemã em caso de conflito
russo britânico. Quanto aos Bálcãs, os russos reconheceram o direito da Áustria a
- ----- anexar Bósnia e Herzegovina, ao passo que a Áustria e a Alemanha concordaram
em não contestar a união entre a Bulgária e a Romênia Oriental. O principal
beneficiário da Aliança foi a Rússia, que obteve uma certa segurança contra o
avanço britânico em direção aos Estreitos; serviu, igualmente, para tirar a Rússia
*— do isolamento em que se encontrava desde o Congresso de Berlim. Para Bismarck,
a Aliança significou que ele não mais teria que escolher entre dois aliados
incompatíveis32.
Entretanto, a satisfação de Bismarck com os russos duraria pouco. O
surgimento do Pan-Eslavismo, acrescido das tentativas em São Petersburgo para
reanimar o interesse em uma aliança franco-russa, culminaram no incidente
Skobelev, alarmando Bismarck e o levando a buscar salvaguardas adicionais contra
a França e a Rússia33. Ao incluir a Itália na aliança austro-germânica, Bismarck
acreditava ter descoberto a salvaguarda que buscava. Tendo participado do
Congresso de Berlim sem nenhum beneficio próprio, a Itália sentia-se isolada e
enganada. Tendo perdido Túnis para a França (o Tratado de Bardo, de 12 de maio,
I de 1881, criou um protetorado francês sobre essa área) e defrontando-se com um
novo conflito com o papado, a Itália estava à procura de segurança e assistência.
Dessa forma, apesar da relutância austríaca - essencialmente por causa da
atividade irredentista italiana em Tirol do Sul e ístria - foi possível a Bismarck
concluir as negociações que desaguaram na Aliança Tríplice, assinada em 20 de
maio de 1882. A Alemanha eaÁustria prometeram aos italianos sua assistência em
caso de guerra com a França, cabendo à Itália reciprocar em caso de guerra franco-
germânica. A Itália ficaria neutra em um eventual conflito austro-russo; mas viria r
em socorro de seus aliados se esses tivessem que lutar uma combinação franco-
russa. Ademais, os parceiros tinham assegurado a manutenção do status quo em
í
seus respectivos países. Essa cláusula visava a garantir à Itália que nenhuma potência i
interferiria em seus assuntos internos como fizera a França. A aliança aparentava ser
eficaz no papel, mas é questionável seu valor real. A Itália foi provavelmente quem
mais dela lucrou, uma vez que obteve ajuda contra a França, bem como o status de
grande potência mediante seu relacionamento com a Alemanha e a Áustria.
Mais duas alianças foram concluídas neste período para aperfeiçoar o sistema
bismarckiano, a aliança austríaca com a Sérbia, de 28 de junho, 1881, que
consolidou o controle austríaco sobre a região e transformou a Sérbia em satélite
Bismarck e seu tempo 125

da monarquia Habsburg, e a aliança romena de 30 de outubro de 1883, com a


Áustria. A aliança romena foi resultado da preocupação austríaca e romena com as
suspostas intenções russas com relação à Romênia, e representava um pacto de
assistência mútua contra a Rússia. Posteriormente a Alemanha uniu-se à aliança
austro-romena34.

A aliança dos Três Imperadores foi renovada em 1884, mas em menos de um


ano foi mais uma vez posta a teste por incidentes nos Bálcãs. A Áustria e a Rússia
vinham pacificamente estendendo seus interesses econômicos nos Bálcãs através
da construção de estradas de ferro35. Os austríacos estavam construindo uma linha
atravessando a Sérbia, Montenegro eoSandjakde Novi Pazar que conectaria Viena
com Salônica. Os russos, atravessando a Romênia e a Bulgária, esperavam
construir uma linha até Constantinopla. Entretanto, a situação econômica era tal
que ela não podia competir com as demais potências, mesmo na Bulgária onde ela
se valia de uma posição privilegiada. Para superar essa inferioridade, a Rússia fez
investimentos em grandes concessões ferroviárias, garantidas pelo governo
búlgaro. Isto a permitiu pressionar os funcionários búlgaros no sentido de obter
tratamento preferencial36. Ao mesmo tempo, contribuiu para a impopularidade
russa, sendo que quando estourou uma revolta na Romênia Oriental contra o
domínio turco, em setembro de 1885, Alexandre de Batenburg (que fora instalado
pelos russos como príncipe da Bulgária, após o Congresso de Berlim) implementou
uma política nacional abertamente anti-russa. Os revolucionários reivindicavam a
união da Romênia Oriental com a Bulgária, a Bulgária maior que a Rússia já
exigira no Tratado de San Stefano e que as potências tinham impedido no
Congresso de Berlim. Em uma troca total de papéis, a Rússia, irada com Alexandre
por adotar uma política anti-russa, recusou-se a apoiar a união, ao passo que os
britânicos a haviam apoiado.

Inevitavelmente, a Alemanha e a Áustria foram levadas a intervir no conflito,


tanto mais porque a Sérbia, indisposta a ver um incremento no poderio búlgaro,
declarou guerra à Bulgária, em 13 de novembro de 1885. Os sérbios foram
decisivamente derrotados pelos búlgaros, sendo que foi necessária a intervenção
austríaca para salvá-los da aniquilação total. Por fim, as potências elaboraram uma
solução de compromisso e Alexandre de Batenburg foi feito governador da
Romênia Oriental, o que estabeleceu, na prática, uma grande Bulgária. Os russos
rejeitaram essa solução e Alexandre, após ter sido raptado e mantido preso por
uma semana por oficiais russos, se demitiu, em 7 de setembro. A luta em tomo da
indicação de um sucessor levou a uma maior tensão entre a Rússia e a Áustria, uma
vez que nenhuma das panes estava disposta a aceitar o candidato do outro ao trono
búlgaro. Em vão, Bismarck esforçou-se por persuadir as duas potências a dividir os
Bálcãs em duas esferas de influência, à Rússia cabendo a metade oriental com a
Bulgária, e à Áustria a metade ocidental com a Sérbia. Quando os austríacos
solicitaram ajuda alemã, Bismarck os lembrou da natureza defensiva da Aliança
Dupla e da política alemã de desinteresse nos Bálcãs. Sugeriu, alternativamente,
126 George O. Kent.
12'
que a Áustria se aproximasse da Grã-Bretanha. Os britânicos desejavam manter os
a . russos afastados de Constantinopla e dos Estreitos, mas temiam escalar seu já sério
Al conflito com a Rússia37. Quando os austríacos sugeriram uma maior cooperação, a
Grã-Bretanha recusou. Encontrou-se uma solução para o dilema alterando dos
Bálcãs para o Mediterrâneo o foco e incluindo a Itália nas negociações. (A inclusão
In da Itália fortaleceu a posição da Grã-Bretanha contra a França no Egito, ao passo
d< que a Itália obteve apoio na sua guerra tarifária com a França e suas aspirações
m territoriais na África do Norte.) Em uma troca de notas - para esquivar-se do
et Parlamento-a Grã-Bretanha e a Itália concordaram, em 12 de fevereiro de 1887,
a em manter o statu quo no Mediterrâneo, no Adriático, no Egeu e no mar Negro. A
n Áustria juntou-se ao acordo, em 24 de março, e a Espanha, em 4 de maio. O
a Primeiro Acordo Mediterrâneo, como veio a ser conhecido, era firmemente
e defendido por Bismarck especialmente porque fortalecia a Áustria contra a Rússia
t sem que a Alemanha fosse envolvida diretamente.
a
c A preocupação de Bismarck com respeito à Rússia persistiu, não apenas por
causa da tensão austro-russa nos Bálcãs, mas também por causa do reapareci­
mento da agitação nacionalista na França. Lá, Paul Deroulède e a sua Liga de
Patriotas pregavam o revanchismo contra a Alemanha e a celebração de uma
aliança com a Rússia. O General Boulanger, Ministro da Guerra (e o protótipo do
homem a cavalo”), tomou-se o símbolo e o foco catalisador do movimento. A
agitação pró-russa e anti-alemã na França tinha seu paralelo na Rússia nas
atividades Pan-Eslávicas de Katkov e nos crescentes apelos em favor de uma aliança
com a França.

Giers, o sucessor de Gorchacov como Ministro das Relações Exteriores da


Rússia, desejava renovar a Aliança dos Três Imperadores, mas o tzar, muitos de
seus assessores, e a opinião pública eram antiaustríacos e fortemente contrários a
tal proposta38. Ao mesmo tempo, Bismarck pressionava o governo russo a concluir
um acordo separado entre a Alemanha e a Rússia, com o que os russos terminaram
por concordar. Esse tratado secreto (conhecido como o Tratado de Resseguro),
pelo qual as duas partes concordaram em se manter neutras no caso de uma das
partes entrar em guerra com uma terceira potência, foi assinado em 18 de junho
de 1887. O acordo não abrangia casos de guerra de agressão pela Alemanha contra
a França ou da Rússia contra a Áustria. Uma cláusula especial reconhecia a
influência preponderante da Rússia na Bulgária e o apoio moral e diplomático da
Alemanha à Rússia em sua busca por uma saída para os altos mares, através dos
Estreitos.

A motivação de Bismarck ao prestar seu apoio a essa claramente arriscada


pretensão residia em seu desejo de manter a Rússia afastada da França e de uni-la,
o mais estreitamente possível, àAlemanha. Quando, após a demissão de Bismarck,
os termos do Tratado de Resseguro foram conhecidos, foi chamado de “uma
proteção imunizante do tzar contra a infecção francesa”, “bigamia política”,
Bismarck e seu tempo 127

“o mais perfeito exemplo de duplicidade diplomática” e muito mais39.


Esses epítetos geralmente se referiam à aparente incompatibilidade do tratado
com a aliança da Alemanha com a Áustria. Na verdade, o Tratado de Resseguro
conflitava mais com o Segundo Acordo Mediterrâneo (dezembro de 1887) do que
com a Dupla Aliança. O acordo, também conhecido como a Entente do Oriente i
Próximo, entre a Grã-Bretanha, a Áustria e a Itália, reafirmava o status quo no
Oriente Próximo e a independência da Turquia. Bismarck, que fora instrumental
em sua formação, recusou-se a dela tomar pane, preferindo deixar a Grã-
Bretanha e a Áustria aparecerem como os defensores da independência turca.
Assim, embora ele prometesse seu apoio ao avanço da Rússia em direção aos
Estreitos no Tratado de Resseguro, ele sabia que a Grã-Bretanha, a Áustria e a Itália
estavam comprometidas pelo Segundo Acordo Mediterrâneo a impedir tal
intento40.

Tanto os benefícios como os efeitos do Tratado de Resseguro têm sido


exagerados. O relacionamento entre a Rússia e a Alemanha na realidade
deteriorou-se ao longo desse período, basicamente por causa da diretiva de
Bismarck de 10 de novembro de 1887, que proibiu empréstimos à Rússia e a
aceitação de apólices (Lombartverbot) russas na Alemanha41. Os efeitos desta medida
foram imediatos e de longo alcance. Vedado seu acesso ao mercado de capitais
alemão, os russos se voltaram para a França, cujos banqueiros e políticos
atenderam com a maior alegria a seus pedidos. Um ano mais tarde, em novembro
de 1888, a França fez um empréstimo à Rússia no valor de 500 milhões de francos e
concordou em providenciar 500.000 rifles para o exército russo42. Seguiram-se
outros acordos econômicos e financeiros, e, em agosto de 1891, a França e a Rússia
concluíram um acordo político, seguido por um projeto de convenção militar, em
1892. Havia, evidentemente, outras razões para a realização de uma aliança,
franco-russa43, mas se ela teria ocorrido tão cedo e se desenvolvido tão rapida­
mente sem a interferência de Bismarck parece altamente improvável. Assim, a
questão da motivação de Bismarck e de sua percepção das conseqüências de suas
ações é de considerável importância.

Foram várias as razões para essa atitude de Bismarck. Pela altura do outono de
1887, muitos líderes do exército, Molke e Waldersee entre outros, estavam
convencidos de que um conflito com a Rússia era inevitável; recomendavam que
se fizesse uma guerra preventiva44. Estavam especialmente preocupados pelo fato
da Rússia estar fazendo extensas construções na fronteira alemã oriental e
argumentavam que empréstimos alemães à Rússia teriam financiado essas obras.
Alguns industriais alemães apoiavam os líderes militares ao lembrar que esses
recursos seriam melhor investidos em casa, onde contribuiríam para reduzir as
taxas de juros e ajudar a indústria alemã a superar a barreira tarifária russa. Como
conseqüência das altas barreiras tarifárias russas impostas aos bens industriais
alemães, as exportações alemãs para a Rússia tinham declinado, ao passo que
exportações russas para a Alemanha tinham aumentado; também haviam
i

128 George O. Kent.

aumentado as exportações inglesas para a Rússia, enquanto a produção industrial


russa tinha expandido para satisfazer a maior demanda de seus mercados
domésticos45. Na Alemanha, os latifundiários e agricultores ricos também
reclamavam da escassez de capital e das taxas dejuro exorbitantes. Faziam objeção
ao envio de dinheiro à Rússia para construir estradas de ferro, o que facilitava as
exportações russas de cereais.

Embora fosse ele próprio um forte opositor da guerra preventiva, a recusa de


Bismarck em enviar recursos para a Rússia satisfez aqueles que advogavam essa
medida, e essa atitude também fortaleceu os interesses agrícolas e industriais cujo
apoio político lhe era necessário. Ao mesmo tempo, pairava um sentimento geral
de que a Rússia estava a ponto de se desintegrar e que em tal caso, ou no caso de
guerra, estariam perdidos os empréstimos alemães. Funcionários alemães estavam
insatisfeitos com a política alemã e acreditavam que a Rússia aceitara, por muito
tempo, os favores econômicos e políticos da Alemanha sem retribuir de forma
significativa. Se os empréstimos fossem interrompidos, a Rússia entendería que
ela era dependente da Alemanha e, de acordo com Herbert Bismarck, o filho do
chanceler se convencería de que sem a ajuda alemã ela poderia fazer muito pouco
no campo da política de poder na Europa46.

Seriam esses, então, os motivos de Bismarck; mas e quanto à sua capacidade de


prever as conseqüéncias de suas ações? Em geral, ele era perfeitamente capaz de
pesar corretamente fatores econômicos, embora ele aparentemente acreditasse
que se podia separar claramente a política da economia. Ao analisar o relaciona­
mento da Alemanha com a Áustria e a Rússia, ele sempre enfatizou as
considerações políticas, a solidariedade monárquica e interesses comuns em
detrimento dos fatores econômicos. No caso da recusa em conceder empréstimos
à Rússia, ele talvez tenha subestimado as consequências econômicas, mal-
interpretado a disposição das instituições financeiras francesas em aceitar pedidos
russos, e não levado em consideração as conseqüéncias políticas de uma
cooperação financeira franco-russa. E essa falsa impressão não foi apenas
momentânea. Bismarck continuou a recusar-se a aceitar os empréstimos e letras
russos na Alemanha e não admitiu que bancos alemães encampassem o
empréstimo russo de 188847.

Para a Rússia, a perda dos recursos alemães, além da contenção das


importações de cereais russos (as tarifas agrícolas alemãs atingiram seu mais alto
nível em 1887), gerou severas dificuldades econômicas. Capital de investimento
alemão e as receitas derivadas da venda de cereais eram a maior fonte do processo
de expansão industrial russo, o qual se encontrava em um estágio de crucial
importância na década de 1880. Para sustentar a taxa de sua industrialização, a
Rússia foi obrigada a buscar fontes alternativas de capitais; a única possível era a
França. Ironicamente, a aproximação com a França fortaleceu as finanças russas e,
assim, essa atitude mal pensada de Bismarck, ao invés de retardar, apressou a
Bismarck e seu tempo 129

possibilidade de um futuro conflito russo-germânico e, na sua esteira, uma guerra


de duas frentes48.

A política colonial de Bismarck, iniciada na década de 1880, era tão complexa


como a sua política russa. O porquê da decisão de Bismarck de adquirir colônias, e
se ele era de fato um imperialista, é uma pergunta interessante. A política externa
de Bismarck fora pacífica a partir de 1870: ele evitara cuidadosamente fricção
desnecessária e conflitos potenciais. Ele disse ao explorador Eugen Wolff: “seu
mapa da África é muito bonito; mas o meu está aqui na Europa. Eis aqui a Rússia, e
aqui a França, e nós estamos no meio; este é o meu mapa da África”49. Ele
sustentava, igualmente, que, “enquanto eu for chanceler, nós não embarcaremos
numa política colonial”50. Julgava que as colônias eram uma temporária loucura
européia e dela não desejava participar. Tinha admiração pelo informal império
britânico do período vitoriano e ficara horrorizado diante da perspectiva de vir a
instalar-se uma extensa burocracia, administração e força militar no exterior 51.
Para Bismarck, possessões coloniais eram “uma fonte de fraqueza e não de força”,
como escreveu a Guilherme I, em 187352. Se o empresariado e outros interesses
clamavam por possessões estrangeiras, que partissem por conta própria para
administrar e explorá-las através de sindicatos privados e companhias licenciadas.
Apoio governamental envolvería o “Reichstag”, uma vez que “a administração
colonial seria uma extensão da praça de paradas do Parlamento”, e dar ao
“Reichstag” mais poder era a última coisa que Bismarck desejava55. Ao mesmo
tempo, ele acreditava não haver suficiente apoio popular para uma ativa política
colonial. Ele parece ter tido razão a esse respeito, pois a maioria do “Reichstag”
recusou-se a estender garantias governamentais a uma antiga “trading company”
alemã em Samoa que se encontrava em dificuldades financeiras em 18 8 054.

Entretanto, a opinião pública aos poucos ia mudando, e em dezembro de


1882 o Príncipe Hohenlohe-Langenburg e Johannes Miquel fundaram a Socieda­
de Colonial Alemã, em Frankfurt. Interesses econômicos e financeiros alemães,
como os de outros países, começaram a considerar o comércio exterior e seus
investimentos como uma nova e possivelmente lucrativa atividade. Esse interesse
colonial coincidiu com um período de flutuação econômica quando, após breve
recuperação da grande depressão de 1873-79, outra recessão, em 1882, reanimou
temores anteriores e trouxe novas exigências no sentido de que se fizessem
mudanças econômicas e políticas. Alastrara-se o medo de distúrbios sociais e
conversa de um “perigo vermelho”; embora talvez fossem exagerados, esses
temores não eram de todo infundados.

Após a depressão de 1873-79, Bismarck havia abandonado a noção de livre


comércio e adotara uma política moderada de tarifas, em 1879. Entretanto, as
mudanças na política econômica que as tarifas mais elevadas trouxeram não
satisfizeram nem à comunidade empresarial, nem aliviaram as conseqüências da
recessão de inícios dos anos 1880. Ao mesmo tempo, à medida que aumentavam
1. ii

130 George O. Kent.

as pressões em favor de colônias, Bismarck as atendia55. Ele o fez por várias razões.
Esperava que ao conquistar novos mercados, se obteria, domesticamente, prospe­
ridade e estabilidade econômicas, e que não se perturbariam as tradições sociais.

A aquisição de mercados externos, entretanto, estava a exigir uma vontade


nacional, já que comerciantes alemães individuais não mais podiam competir com
os empreendimentos coloniais britânicos e franceses nacionalmente subsidiados.
Vários eram os precedentes alemães para empreendimentos subsidiados pelo
governo, tais como as linhas de vapores, as companhias ferroviárias e instituições
financeiras. Como disse Bismarck ao embaixador francês no outono de 1884, “o
objetivo da política alemã era a expansão de comércio irrestrito e não a expansão
territorial das possessões coloniais alemãs”56. Também havia outras considera­
ções. Aquisições coloniais poderíam ser usadas para desviar a atenção pública das
I lutas internas, divisas contra os socialistas e católicos. De 1884 em diante, Bismarck
se valeu da questão colonial para incitar o sentimento nacionalista; os ataques na
imprensa contra Bismarck com respeito ao estabelecimento de um povoado
alemão em Angra Pequena, na África Sudoeste, são um exemplo dessa tática. As
colônias representavam, igualmente, um necessário ponto de união — uma espécie
de substituto ideológico - ao qual todos os elementos dissidentes domésticos
poderíam se voltar. Bismarck também usou a questão colonial para manobras
eleitoreiras e parlamentares, e para realçar sua própria posição e prestigio. Nisso
ele teve êxito e na eleição de 1884, os conservadores obtiveram vitória decisiva e os
progressistas foram severamente derrotados57. Entretanto, Bismarck nunca se
valeu da política colonial como forma de legitimar as pretensões alemãs ao status
de potência mundial, nem acreditava na superioridade da raça alemã ou em sua
missão no mundo. E, embora outros, nacionalistas extremados e Pan-alemães,
vieram mais tarde a crer na “missão” alemã, os objetivos de Bismarck eram muito
mais restritos. Ele desejava aliviar as dificuldades econômicas e preservar o status
sócio-econômico. Em 1889, ele já estava “farto de colônias”, mas já era então
muito tarde para alterar o caminho traçado58.

As principais atividades coloniais da Alemanha se concentraram dentro do


curto espaço entre 1883 e 1885, e foi liderada por comerciantes e exploradores. Em
1883, o comerciante Adolf Luederitz, de Bremen, adquiriu Angra Pequena, que
mais tarde se tomaria a África Sudoeste Alemã. O explorador Gustav Nachtigal
tornou-se o Reichskommissar alemão para os Camarões e o Togo, no litoral ocidental
da África, em julho de 1884, após vários comerciantes de Hamburgo terem
estabelecido postos comerciais no Golfo de Guiné, em 1882. O explorador Carl
Peters (que fundara a Sociedade para Colonização Alemã, em 1884) concluiu vários
tratados com os chefes nativos no litoral oriental da África, em 1884, e obteve um
mandato imperial, em 1885, para o território que veio a se chamar África Oriental
Alemã no ano seguinte. Isto gerou fricções com os interesses coloniais britânicos
vizinhos, dificuldade que se resolveu pelo acordo colonial anglo-germânico, de 1
de julho de 1890. Segundo os termos desse tratado, a Alemanha obteve a
Bismarck e seu tempo 131

Helgolândia da Grã-Bretanha em troca de território na África Oriental. No


Pacífico, a Companhia Nova Guiné, sob a liderança do banqueiro berlinense Adolf
von Hansemann, obteve um protetorado sobre os territórios na costa setentrional
da Nova Guiné e ilhéus adjacentes que se tomaram, em 1885, a colônia do
Imperador Guilherme Land e o Arquipélago Bismarck.

O império colonial alemão surgiu em um período de intensa rivalidade


imperial entre as potências européias, tais como a competição anglo-russa na Ásia
e a luta anglo-francesa no Egito e no Sudão. Bismarck manipulou essas rivalidades
de forma a evitar maiores confrontações, e transferiu seu apoio primeiro a uma,
depois para outra potência, sempre tendo em mente que as questões coloniais
eram secundárias face aos interesses primordiais alemães, que estavam na
Europa59.

NOTAS
1. F. Fischer, “Der Krieg der Ilusionen”, caps. 4-6, toda a obra.

2. G. P. vol. 2, n.° 294. É conhecido como o memorando de Kissingen.

3. Mitchell, “Bismarck and the French Nation”, p. 74.

4. A avaliação da política exterior de Bismarck, similar à de sua política doméstica, tem mudado
consideravelmente desde a publicação da “Grossie Politik” em 1920. W. L. Langer, em sua “European
Alliances and Alignments” (N. York, 1931), acreditava que “nenhum outro estadista de sua estatura
tinha mostrado antes a mesma moderação e senso político dentro do possível e do desejável” (pp.
503-4). Vinte e cinco anos mais tarde, depois de outra guerra mundial, as opiniões não eram mais tão
favoráveis. A. J. P. Taylor “o sistema do chanceler ... algo como uma escamoteação, como peça de
virtuosismo consciente. Uma vez principiado o caminho das alianças, Bismarck as tratava como
solução para todos os problemas”. (“TheStrugglefor Mastery in Europe", p. 278). W. N. Mcdlicott, em
“Bismarck, Gladstone and the Concert of Europe” (Londres, 1956), escreve que “se Bismarck queria a
paz queria-a em seus termos; sua filosofia da vida internacional permaneceu fundamentalmente
combativa e pessimista e ele não pôde descobrir uma base confiável de sobrevivência nacional diversa
da acumulação e manobra de uma força superior... Bismarck era singularmente não convincente como
grande arquiteto da paz: os estados estrangeiros eram principalmente cônscios das potencialidades
agressivas de sua diplomacia ... Um considerável problema para os estudiosos de sua diplomacia
posterior é, de fato, saber até que ponto ele era vítima dos pesadelos de sua próprias criações”, (pp.
11-12).

Além das considerações políticas e diplomáticas, houve tentativas, especialmente depois de 1945,
de examinar a política exterior de Bismarck em perspectivas mais amplas. O dogma da primazia da
política externa, expresso por Ranke na primeira metade do século dezenove e sustentado pelos
historiadores alemães até a segunda metade do século vinte, foi desafiado, pela primeira vez, por E.
Kehr, em sua “Schlachtflottenbau und Parteipolitik, 1894-1901“ (Berlim, 1980). Seu método inovador
de examinar os problemas e políticas domésticos e sua influência na política exterior não foram bem
recebidos na época e não foram seguidos até depois da Segunda Guerra Mundial. Desde então,
historiadores alemães ocidentais, como Rosenberg, Boehme e VVehler, têm vinculado as condições
sociais e econômicas à política exterior, enquanto, na Alemanha Oriental, Jerusalimski, Wolters,
Kumpf-Korfes e Engelberg seguiram a tradição da historiografia marxista, que tradicionalmente
132
George O. Kent.

considerava as condições econômicas e sociais como base da política exterior. (H. Wolters, “Neue
Aspekte in der Buergerlichen Historiographie der BRD zur Bismarckschen Aussenpolitik 1871 bis
1890".Jahrbuch fuer Geschichte 10 (1974), pp. 507-39, e G. G. Iggers, “New Directions in European
Htstonography" (Middletown, Conn. 1975), pp. 96-98.

5. Depois da derrota da Áustria, emem Koeniggraetz, em 1866, foi estabelecido um novo sistema
consdtuáonal e nos termos do Acordo de 1867 a Hungria obteve maior autonomia dentro do império.
Dal até 1918 o titulo oficial foi Monarquia Austro-Húngara. Neste estudo‘será usada para maior
conveniência a expressão Áustria, para referir-se ao império e seu governo.

6. A.J. P. Taylor, “Bismarck”, p. 143.

7. Kent, "Amim and Bismarck”,


PP- 117 em diante.
8. Craig, “The Políticas of the Prussian Army", p. 275 n. 2.

9. E. Eyck, Bismarck , 3:160-61: para um tratamento recente da crise, veja Hillgruber, “Deutsche
Grossmacht-und Weltpolitik” (Duesseldorf, 1977) pp. 35-52.

10. Em relação ao papel de Henri de Blowitz neste caso, veja H. S. de Blowitz, “My Memoirs
(Londres, 1903), pp. 106 em diante, e F. Giles, “A Prince of Journalists: The Life and Time of Henri
Stefan Opper de Blowitz" (Londres 1962), pp. 80 em diante.

11- G. W., 11:476.

12. N. Rich e M. H. Fischer, eds. “The Holstein Papers”, 4 vols. (Londres, 1955-63) 1: 124.

13. O pan-eslavismo foi um movimento fracamente coordenado entre os povos de língua eslávicada
Europa (russos, bielo-russos, ucranianos, poloneses, checos, eslovacos,
sérvios, croatas, eslovenos,
macedônios e búlgaros), principalmente durante o século 19, em que afirmavam
e, por vezes, o desejo de uma união política. Não era de origem russa, porém era suao-unidade cultural
-----------------
temido como tal na Europa Ocidental em geral, sem justificativa, tido como meio de reforçoolhado
largamente da açãoe
russa nas relações internacionais e de facilitar sua expansão no continente”. J. Dunner, “Handbookof
World Htstory” (N. York, 1967), pp. 680-81.

14. R. Wittram, "Bismarcks Russlandpolitik nach der Reichsgruendung ”, Historische Zeitschrift 186
(dezembro, 1958), pp. 261-84.

15. Taylor, “The Struggle for Mastery in Europe”, p. 229.

16. A indagação russa de 1» de outubro de 1876 foi resultado de carta de Guilherme para o czar, em que
o imperador alemão expressava sua apreciação pela política russa com a Prússia de 1864 até 1870/71.
Essa autude, escreveu Guilherme, “determinarã minha política com a Rússia, haja o que houver"
(Citado por Bussmann, “Das Zeitalter Bismarcks", p. 133; veia também Wittram, “Bismarcks
Russlandpolitik”, pp. 269-70.

17. M. S. Anderson, “The Eastem Question, 1774-1923” (N. York, 1966), p. 193.

18. Veja W. N. Medlicott, “The Congress of Berlin and After” (Londres, 1938), pp. 10-13.

19. Ibid.caps.2e3. Não estâ bem claro porque Berlim foi escolhidaeaquemcabealocalizaçâo. Parece

que Andrassy tinha proposto Viena em fins de janeiro de 1878, quando i Rússia objetou e sugeriu
Bismarck. e seu tempo 133

Bruxelas ou Baden-Baden. Em outra versão, Bismarck teria sugerido Viena e Andrassy Berlim;
aparentemente também Gorchakov concordara com Berlim. A escolha de Berlim foi, sem dúvida, uma
concessão à Rússia, para induzi-la a participar do Congresso e Gorchakov apreciara o gesto. A.
Novotny, “Quellen und Studien zur Geschichte des Berliner Kongresses 1878” (Graz, 1957) 1:51-52.

20. E. Eyck, “Bismarck” 3:253. No entanto, veja Medlicott, “The Congress of Berlin and After”, p. 22.
“Bismarck desempenhou um papel eminentemente negativo durante esta crise nos destinos da Rússia,
e se esta nào tinha direito a reclamar seu apoio também nào teve razão para agradecer sua amizade.”

21. E. Eyck, “Bismarck” 3:267. O apoio de Bismarck à Inglaterra foi como reconhecimento da estreita
cooperação entre Andrassy e Disraeli (os acordos existentes entre a Rússia e a Áustria). Seu objetivo era
evitar uma guerra generalizada e deixar a questão balcânica em aberto, de modo que a Alemanha
retraindo-se disso tirava proveito. (Hillgruber, “Bismarcks Aussenpolitik”, p. 152).

22. Os historiadores ofereceram várias explicações para a aliança com a Áustria. A velha escola,
representada por E. Brandenburg, via-a simplesmente como assunto comum de política exterior.
Bismarck concluiu a aliança como defesa ante uma ameaça de ataque russo, embora não julgasse a
Rússia um inimigo permanente. (“Von Bismarck zun Weltkrieg”, 2? ed. (Berlim, 1924), p. 11.
Semelhante opinião é a de W. Windelband, “Bismarck und die europaeischen Grossmaechte, 1879-
1885” (Essen, 1942), que na base de muito material novo e inédito concluiu que Bismarck se viu
forçado a dirigir-se á Áustria em razão das crescentes dimensões do exército russo e das possibilidades
da Rússia se juntar a uma coalizão antigermânica (p. 54).

A. J. P. Taylor cita causas mais complicadas em seu magistral e estimulante estudo sobre a diplo­
macia européia do século 19. De acordo com Taylor, Bismarck teria preferido recriar a Santa Aliança,
mas as suspeitas da Áustria em relação à Rússia o tinham evitado; ele estava mais preocupado com a
turbulência austríaca do que com a agressão russa e um meio de controlar a Áustria era fazer uma
aliança com ela. Era “uma suspeita, segundo os liberais, que ele estava abandonando os assuntos
internos. Embora não lhes desse uma "Alemanha Maior”, dava-lhes uma união das duas potências
germânicas, baseada nos sentimentos nacionais”. ("The Struggle for Mastery in Europe, p. 259). Walter
Bussmann, em "Das Zeitalter Bismarcks”, acha que a aliança corporifica o conceito da "Mitteleuropa”.
A possível ameaça de uma aliança austro-franco-russa, a velha coalizão de Kaunitz da Guerra dos Sete
Anos, compeliu Bismarck a formar a aliança dualista (pp. 140-141). Na opinião de A. Hillgruber,
Bismarck concluiu a aliança no momento em que a Rússia estava se aproximando da Alemanha para
restabelecer relações amistosas, cuja formalização pretendeu assim apressar ("Bismarcks Aussenpolitik”,
p. 156). Quem tratou mais recente e detalhadamente do acordo dualista foi B. Waller, “Bismarck at the
Crossroads” (Londres, 1974). Waller acredita que a inimizade pessoal entre Bismarck e Gorchakov, em
combinação com a questão romena, tornou a aliança alemã com a Áustria desejável (caps. 4, 7-9).

23. Waller, “Bismarck at the Crossroads”, pp. 102-5.

24. Ibid., pp. 135-44.

25. Stem, “Gold and Iron”, pp. 351 em diante.


26. Por exemplo, no Congresso de Berlim, Bismarck encorajou as ambições francesas naTunísia, o que
simultaneamente o enredaria com a Itália e o desviaria da Alsácia-Lorena, preocupando-o em caso de
dificuldades russo-germânicas na Europa. Outro exemplo foi o da Alemanha respaldando a Grl-
Bretanha no Egito, pretendendo envolvê-la com a França e ao mesmo tempo fazer a Inglaterra
dependente da boa vontade e assistência de Bismarck. Ambos os casos ilustram a maneira de pensar de
Bismarck, como resumida no memorando de Kissingen.

27. Uma carta mal-humorada de Alexandre a Guilherme, em 15 de agosto de 1879, queixando-se da


deterioração das relações germano-russas e prevendo consequências desastrosas, nào alterou a decisão
134
George O. Kent.

ÂXoóhuck" the Crossroads'’ PP- >33 e seguintes; Hillgruber “B.smarcks


P . pp. 155 em diante; Bussmann, "Das Zeitalter Bismarcks”, pp. 139 e seguintes.)

dois pÍnZXs aRÚ5sia- Preve"d° auxilio reciproco, caso qualquer dos


Ne te7u en^ 71 ° Pe'3 RÚSSÍa' Nà° “ntinha «melhante previsão com relação á França.
Neste ou em qualquer outro caso, a pane não-envolvida ficaria neutra.

veia Waller Maste™'n Europe", p. 261. Sobre a luta de Bismarck com o imperador,
veja Waller, B.smarck at the Crossroads”, p. 192 e n° 40.

SO. G. p. ’ol. 4, pp. 7 em diante.

Taylor, The Struggle for Mastery in Europe”, pp. 267-69.

32. Ibid., pp. 270-71.

russa ou francesa. (Taylor, “TheStruggle forMastery in Europe”, pp. 272-76.)


34. Hillgruber, “Bismarcks Aussenpolitik”,
p. 161.
35. Em conexão com isto, veja Hallganen, “Imperialismus vor 1914”, 1:227 em diante.

36. Medlicott, “Bismarck, Gladstone and the Concert of Europe”, pp. 335-36.

37. Em março de 1885 - junho de 1886 houve


uma crise anglo-russa sobre o Afeganistão.
38. Quanto aos pontos de vista das facções
’es pró-germânica e pr6-francesa no governo e na Cone russos,
veja S. Kumpf-Korfes, "Bismarcks Draht
..t nach Russland” (Berlim, 1968) pp. 77 em diante.

RusslandpÍliuk”,a5pp1S76Í!84 Prpblem ’’ primeirai dtações estão em Wittram, "Bismarcks


“Rueckversirhpn P ara Uma de^esa do Tratado de resseguros, veja H. Krausnick
rd ?Pl!OnSprOb,em 1887-90”’ ^hring eJA. ScharíT, eds.,
O.e o2 Che Kracflc und Entschetdungen: Festschrift fuer Oito Becker” (Wiesbaden, 1954), pp.
210-32,

| ■
I
i' sem salda” d?;” ' lu ^Í°S) l3™'" no futuro, a Rússia cairía na armadilha do “beco
"Bismarcks Russlandspoli fik”, m»""* Caído 5e nâo fosse a Alemanha deter a Áustria. (Wittram,

Wehler, ed7^riXnherded7k'°Wehler’ “B«marcks spaete Russlandpolitik 1879-90”; em


em Kumpf-Korfes, “Bismarcks oXnacV Russlüd”’ PP' 16S’8°’ COmcoleçâodefont“:*
Bismarck e seu tempo 135

42. Kumpf-Korfes, “Bismarcks Draht nach Russland”, p. 162.

43. W. L. Langer, “The Diplomacy of Imperialism”, 2.* ed. (N. York, 1951). cap. 1.

44. Craig, “The Politics of the Prussian Army”, p. 268.

45. Kumpf-Korfes, “Bismarcks Draht nach Russland”, pp. 115. etc.

46. Wehler, “Krisenherde des kaiserreichs, 1871-1918” p. 176.

47. Ibid., p. 178. Veja também Stem, “Gold and Iron”, pp. 440-50.

48. Wehler, “Krisenherde des Kaiserreichs, 1871-1918” pp. 179-80, esp. n.° 44. Não acredito no que
Wehler diz, que a ação de Bismarck determinou o curso fatal da Alemanha. Bismarck pode ter
apontado nessa direção, mas seus sucessores é que resolveram reforçar, em vez de refrear essa
tendência.

49. Citado por G.W.F. Hallganen, “War Bismarck ein imperialist?” “Geschichte in Wissenschaft und
Unterricht” (maio de 1971), p. 262.

50. Rich e Fischer, eds., “The Holstein Papers”, 2:138.

51. Strandmann, “Domestic Origins of Germany’s Colonial Expansion under Bismarck”, p. 149 n? 36;
G W , 13:383.

52. Wehler, “Bismarck’s Imperialismus, 1862-90”, p. 129 n? 17.

53. Ibid. p. 129 n? 18. A discussão se Bismarck era ou não um imperialista despertou muito interesse
entre os historiadores. Como uma das mais recentes interpretações, vide artigos de Hallganen-Wehler
mencionados no ensaio bibliográfico. Bismarck usou o caso colonial em 1884 para seus próprios fins.
“Se é absurdo supor que Bismarck permitira que alguns entusiastas coloniais mudassem e insultassem
sua política exterior, é ainda mais absurdo acreditar que Bismarck, que se recusara a desculpar
ambições germânicas na Europa, sucumbisse pessoalmente a ambições ultramarinas”. (“The Struggle
for Mastery in Europe” p. 293-94). Segundo K. Buettner, “Die Anfaenge der deutschen Kolonialpolitik
in Ostafrika”, Berlim, 1959, entretanto, a oposição inicial e o entusiasmo futuro pelas colônias estava
inteiramente dentro do espírito da época. Sua oposição em 1868 estava de acordo com a atitude
predominante de “laissez-faire” e sua futura conversão às colônias seguia as tendências dos negócios e
dos interesses comerciais, Bismarck nào tinha um esquema para aquisição de colônias, e até 1880 a
bandeira alemã seguia o comércio alemão. A atitude em face das colônias não era senão um reflexo das
lutas políticas domésticas e, como político prático, Bismarck mudou seus pontos de vista por volta de
1885 (pp. 23-25).

G. W. F. Hallganen, em “Imperialismus vor 1914”, diz que foi Von Kusserow, funcionário do
Ministério do Exterior alemão, quem lançou as linhas principais da polídca colonial germânica e quem
persuadiu um Bismarck relutante a segui-las (1:206-22). H. U. Wehler, em “Bismarck’s Imperialism
1862-90”, em Wehler, ed., “Krisenherde des Kaiserreichs, 1871-1918”, pp. 113-34, considera o
imperialismo de Bismarck resultado de uma tensão doméstica insolúvel. Segundo Wehler, nào houve
solução de continuidade nos pontos de vista de Bismarck em 1884-86; ele ainda acreditava que um
império informal era preferível a uma administração colonial dirigida pelo Estado. Bismarck era um
imperialista pragmático, que nào era motivado nem pelo prestígio, nem por uma missão germânica ou
poderio mundial. Ele acreditava que as colônias podiam assegurar um crescimento econômico seguro
e salutar e preservar a hierarquia social e a estrutura polí tica existentes. Para abrandar os efeitos da crise
econômica no outono de 1882, o governo não tinha escolha além da expansão ultramarina, o que fez.
Lr <
I
136 Gcorge O. Kent.

criando subsídios para as exportações e para as empresas de navegação e promovendo novos acordos
comerciais. O fim das políticas de livre comércio pelas outras nações e a crescente competição
comercial tomaram inevitável a intervenção direta do Estado. Sentia-se também nos círculos
governamentais alemães e na comunidade dos negócios que a corrida internacional pelas colônias
estava por acabar e se a Alemanha não agisse depressa seria tarde. Para Bismarck, as colônias eram um
meio de ajudar o comércio exportador alemão e, portanto, a economia alemã. Ele também usou
políticas coloniais para efeitos eleitorais, para abafar sérias tensões políticas e sociais, para fortalecer sua
posição de poder bonapartista-ditatorial e para aumentar a popularidade periclitante e o prestígio do
governo. Veja também P. M. Kennedy, “German Colonial Expansion”, Past and Present 54 (fevereiro
de 1972), pp. 134-41, e K. J. Bade, “Friedrich Fabri und der Imperialismus in der Bismarckzeit:
Revolution, Depression-Expansion”, (Zurique, 1975).

54. P. M. Kennedy, “The Samoan Tangle: A Study in Anglo-German-American Relations 1878-1900”


(N. York, 1973), em toda a obra.

55. Um interessante estudo do desenvolvimento das organizações comerciais e industriais na


Alemanha e sua relação com o governo e sua atitude com as colônias é o de W. Fischer, “ Wirtschaft und
Gesellschaft im Zeitalter der Industrialisierung” (Goettingen, 1972), especialmente a p. 211.

56. Wehler, "Bismarcks Imperialism, 1862-90”, p. 129 n? 18.

57. Hallgarten, “War Bismarck ein Imperialist?”, p. 261.

58. Strandmann, “Domestic Origins of Germany’s Colonial Expansion under Bismarck”, p. 158 n? 74.

59. Bussmann, “Das Zeitalter Bismarcks”, pp. 148-51.


8. A DEMISSÃO DE BISMARCK

O entusiasmo colonial do início da década de 1880 deu lugar à desilusão ao fim da


mesma década. Não se haviam cumprido as exageradas esperanças e promessas; o
desapontamento com os assuntos coloniais se juntava ao desagrado provocado
pela “Kulturkampf’ e pela campanha anti-socialista. Em 9 de março de 1888, o
Imperador Guilherme I faleceu e seu filho, Frederico II, que o sucedera, morreu
três meses depois (15 de junho) de câncer na garganta. Guilherme II tomou-se
imperador com a idade de 29 anos; ele não se parecia nem física nem
espiritualmente com seu pai ou seu avô. Guilherme II era de estatura média,
compleição clara e um temperamento incansável. Era extremamente suscetível a
respeito de seu braço esquerdo aleijado, um defeito congênito. Seu principal
interesse era pelo exército, mas em lugar de concentrar-se em questões militares,
ele se ocupava mais com a pompa e frivolidades da vida militar e estava sempre
trajando um uniforme militar. (Diz-se a seu respeito que apareceu vestido de
almirante numa exibição da peça “The Flying Dutchman” (O Holandês Voador).
Admirava e tentava comparar-se a seu avô, Guilherme I, mas se parecia mais com
seu tio-avô, Frederico Guilherme IV, em sua indecisão, oratória decepcionante e
bombástica e visão estreita das prerrogativas reais1.

Salvo por essas características, a diferença de idade entre o novo imperador e o


chanceler, então com 73 anos, teriam tornado difícil, ainda que sob as melhores
condições possíveis, prosseguir o mesmo nível de cooperação que existira entre
Bismarck e Guilherme I. Para Bismarck, essa cooperação era crucial, porque o seu
cargo e poder se baseavam exclusivamente na confiança do imperador. Uma vez
que o “Reichstag” na Alemanha (e o Parlamento na Prússia) não tinha o poder de
escolher um governo, o chanceler do “Reich” e o Primeiro-Ministro prussiano
eram designados pelo imperador alemão e pelo rei da Prússia (combinados na
pessoa de Guilherme I).Cabe lembrar que foi o próprio Bismarck que, durante
todo o período que foi chanceler, se opôs vigorosamente a todas as tentativas de
reforçar os poderes parlamentares e introduzir uma monarquia constitucional na
Alemanha. E, apesar da opinião públicae dos delegados do “Reichstag” terem um
papel crescentemente mais importante nos assuntos governamentais, o direito de
designar e de demitir ministros cabia exclusivamente à Coroa.

Guilherme II já havia indicado, anteriormente, sua intenção de diminuir os


poderes do chanceler ou de simplesmente demiti-lo. Ele havia dito a Adolf von
Scholz, o Ministro das Finanças, em dezembro de 1887, que “o Príncipe Bismarck
1

138 George O. Kent.

ainda era, evidentemente, necessário por ainda uns poucos anos, mas após isso as
suas funções seriam distribuídas e algumas delas seriam assumidas pelo próprio
imperador”. E, segundo o capelão da Corte, Stoecker, o imperador dissera:
“daremos ao velho mais seis meses, então eu mesmo governarei”2.

Mas havia outras questões mais substantivas que precipitaram uma grave crise
entre os dois homens. Uma situação interna cada vez mais difícil parecia indicar o
fracasso do sistema misto de governo de Bismarck por volta do fim da década de
1880. As pressões combinadas dos liberais e dos socialistas por reconhecimento e
por um governo parlamentar mais responsável já eram irresistíveis; a manipulação
das maiorias parlamentares, ameaças de guerras e aventuras coloniais não mais
produziam os efeitos desejados. Duas questões exigiam uma atenção quase
imediata: a prorrogação das leis anti-socialistas e a adoção do novo orçamento
militar. Supunha-se que nenhuma das duas obteria a aprovação do “Reischstag”3.

Ciente do desejo do imperador de demiti-lo e determinado a continuar no seu


cargo, Bismarck decidira que só podería sobreviver numa situação de tamanho
caos em que seria instado a permanecer como o salvador da pátria. Uma vez que
; | não parecia provável que uma tal situação ocorresse a tempo de salvá-lo, Bismarck
decidiu criá-la. Para começar, trabalhava nos bastidores contra os partidos de
coalizão do governo. O “Kartell”, como era denominada a coalizão, era composto
dos liberais-nacionais, dos conservadores livres e da ala moderada, ou nacional, do
Partido Conservador. Através de maquinações secretas de Bismarck, esses partidos
sofreram pesadas perdas na eleição de fevereiro de 1890, enquanto os partidos de
oposição, o Social-Democrata e o Centro, e os ultra-conservadores conseguiram
ganhos importantes. (Antes, a demissão de Bismarck estava ligada ao desfecho da
eleição, com a implicação de que os partidos políticos, e com eles o “Reichstag”,
tiveram um papel primordial na crise. Não se sabia que Bismarck, na verdade, estava
por trás dessas atividades, nem que o “Reichstag” ou os partidos não tinham nada
a ver com esses acontecimentos.)4 O resultado da eleição foi um grande desapon­
tamento para o imperador, que apoiara o “Kartell” e sobretudo os nacionais-
liberais, com quem Bismarck se desentendera em 1889. O programa dos nacio-
nais-liberais pregava a expansão colonial, uma posição anti-russa, mais leis de cunho
social e reformas fiscais, medidas a que Bismarck se opusera. Se tivesse apoiado os
partidos do “Kartell”, Bismarck estaria seguindo a linha ditada pelo imperador,
abdicando assim de sua posição singular de líder político do “Reich”. Apoiar o
Centro e os conservadores extremados significaria a derrota da coalizão governa­
mental que privaria Guilherme II de muito de seu apoio político.

Os elementos liberais e moderados viam a vitória do Partido do Centro como


uma séria ameaça à ordem estabelecida e temiam que, em consequência, a Baviera
católica passasse doravante a substituir a Prússia protestante como o poder
dominante na Alemanha. Ao mesmo tempo, eles esperavam uma fragmentação da
Tríplice Aliança, porque um Governo alemão baseado no Partido do Centro

1
Bismarck e seu tempo 139
i
estendería o seu apoio ao estabelecimento dos poderes temporais do Papa e, assim,
indisporia a Itália. (A mesma ameaça e temor de uma conspiração católica nos
planos interno e externo que Bismarck propagara com tanto êxito durante a
“Kulturkampf ” era agora usada pelos defensores do imperador contra ele.) Os
ganhos dos democratas-sociais, de outro lado, significavam para os conservadores
que a revolução estava próxima. Nessa situação bastante confusa, era razoável que
Bismarck pensasse que sua posição seria fortalecida e que não se pensaria mais em
sua demissão; quem mais na Alemanha seria capaz de controlar essas condições
políticas caóticas e preservar a ordem estabelecida?

Mas aparentemente os planos de Bismarck iam um pouco além. Parece que


considerou a possibilidade de sérias e continuadas confusões na Alemanha e que
se preparou para isso de duas maneiras: constitucional e militarmente. O
chanceler esclareceu, numa reunião ministerial, em 2 de março de 1890, que a
federação em que estava baseado o “Reich” fora constítuída por um acordo entre
os príncipes federais e não pelos estados individualmente e, dessa maneira, seria
possível para os príncipes retirarem-se daquele acordo e se livrarem do “Reichstag"
se as eleições continuassem a ter resultados negativos para o Governo5. Os
aspectos militares foram contemplados numa instrução redigida em 12 de março
de 1890 pelo General Verdy, o Ministro da Guerra. Ela dizia respeito à supervisão
das atividades do Partido Social Democrático e foi submetida a Bismarck para sua
aprovação. A instrução aconselhava os comandantes dos principais distritos
militares a vigiarem os clubes sociais-democráticos em suas áreas e a estarem
prontos para proclamar um estado de emergência ou de guerra. Em tal
eventualidade, deviam ser suspensos a constituição e os direitos civis, os líderes
presos, os jornais fechados e instituídos tribunais de guerra. Os preparativos para
uma tal situação deviam ser feitos de forma secreta e deviam incluir a reunião de
tropas suficientes para esmagar uma revolta desde o seu início bem como prisões
para recolher os suspeitos6. Considerava-se também a utilização mais eficiente de
armas de fogo numa tal situação de emergência. Bismarck aprovava essas medidas
e pode deduzir-se que ele e o Ministro da Guerra encaravam tais precauções como
reações racionais a uma ameaça imediata à segurança do país.

Não se deve duvidar de que Bismarck teria implementado esses planos se as


circunstâncias o tivessem permitido. Pode-se também supor que ele tinha a
disposição e a capacidade de manipular os acontecimentos de forma a adequá-los

a suas políticas. Assim, deve reconhecer-se como um fator importante na demissão


de Bismarck a sua presteza de dar um golpe de estado para manter a sua posição e
prolongar o seu mandato7.

Essas manobras revelam que a polídca partidária teve muito mais responsa­
bilidades na crise do que até então se acreditava. A demissão de Bismarck não deve
ser vista como um voto popular de desconfiança nem como uma indicação do
poder do “Reichstag”, mas sobretudo como uma questão de política de poder. O
11
140 George O. Kent.

“Kartell”, uma aliança entre proprietários de terras orientais com industriais


ocidentais, sentia-se ameaçado pelo que percebia como políticas domésticas
erráticas e externas erradas; através de uma fone pressão e do apoio ao jovem
imperador, o “Kartell” pôde derrubar o chanceler.
I
Havia, ademais, o conflito pessoal entre Guilherme II e Bismarck. O imperador
desejava ser o seu próprio senhor e um monarca popular. Queria ser visto como
progressista e, havendo intervido com êxito numa greve mineira em 1889,
tencionava apresentar uma legislação trabalhista mais abrangente de forma a evitar
levantes sociais. Bismarck se opunha fortemente a isso. Ele ainda estava comba­
tendo os democratas-sociais e, em vez de buscar resolver o conflito, ele pensava em
i intensificá-lo. Em março de 1890, com os resultados das eleições indicando uma
clara vitória do chanceler e uma igualmente clara derrota do imperador, era
apenas uma questão de tempo, uma ruptura aberta. Em 15 de março, Guilherme II
tirou Bismarck da cama às nove horas da manhã, acusando-o de negociar, por trás
de suas costas, com Windthorst, o líder do Partido do Centro, e ordenou-lhe que
rejeitasse a ordem de 8 de setembro de 1852 do Gabinete prussiano. Esta ordem, à
qual Bismarck chamara a atenção de seus colegas ministeriais em razão de suas
intrigas contra ele, exigia que o Primeiro-Ministro prussiano fosse informado com
antecedência pelos demais ministros de eventuais propostas desses ao monarca.
Bismarck defendeu-se dessas acusações bem como de outras de haver ocultado
relatórios sobre mudanças na política russa8, mas isso de nada adiantou -
Guilherme II queria a sua resignação. Bismarck viu-se num beco sem saída. Sua
carta de demissão, de 18 de março de 1890, um documento notável que atribui
com franqueza a crise e sua demissão ao imperador, foi aceita em 20 de março.
Guilherme II proibiu a sua publicação e, em lugar disso, publicou a sua própria
resposta, que indicava que o chanceler insistira em aposentar-se em virtude de sua
má saúde e contra a vontade do imperador9.

A demissão de Bismarck marcou o fim de uma era. Não houve, entretanto,


nenhuma reação popular imediata e a opinião pública parecia indiferente. A
burocracia estava satisfeita em ver-se livre de um chefe autocrático e o Exército
permanecia leal ao imperador. Aos setenta e cinco anos, após vinte e oito anos de
serviços fiéis, Bismarck estava efetivamente isolado. Sua demissão, da mesma
forma que a sua designação, se devia à vontade pessoal do soberano; talvez nesse
fato e mais do que em qualquer outra coisa, a tragédia e o fracasso dos feitos de
Bismarck podem ser vistos. Apesar de sua considerável capacidade polídca e
diplomática, ele não tinha nenhuma base de apoio no país ou no povo. Numa
época em que o apoio popular para a política interna e externa estava se tomando
cada vez mais importante, como ele próprio admitia, Bismarck deliberadamente
evitou envolver-se na política partidária. Ele se considerava ao longo de todo o
tempo em que esteve no Governo um súdito fiel de seu senhor. Este sentimento está
refletido no seu epitáfio que ele mesmo escolheu para ser inscrito no seu túmulo:
“Um fiel servo alemão do imperador Guilherme I”.
Bismarck e seu tempo 141

Bismarck recebeu sua exoneração com grande amargura. Considerava-se em


boas condições de saúde e esperava ser reconvocado a qualquer instante.
Começou a detestar o imperador e a anunciar abertamente consequências
desastrosas para suas políticas. Em apoio a suas próprias opiniões, Bismarck
escreveu e inspirou artigos no “Hamburger Nachrichten” e, com a ajuda de
Lothar Bucher, preparou suas memórias. Originariamente planejadas em seis
volumes, apenas dois apareceram após a morte de Bismarck. Um terceiro, relativo
a sua demissão, foi publicado após a queda da monarquia em 191910.

Logo após a demissão de Bismarck, a opinião popular ficou ao seu lado e um


fluxo permanente de visitantes ia vê-lo em Varzin e em Friedrichsruh. Delegações
de estudantes, de associações e de corporações concediam-lhe distinções, políticos
recorriam a seus conselhos, jornalistas e historiadores solicitavam entrevistas. Por
um momento, Bismarck tentou explorar essas ocasiões para expressar sua
oposição ao imperador e num famoso discurso, em lena, ele lembrou o “Goetz
von Berlichingen” de Goethe11. Nada disso teve êxito. O imperador ansiava por
uma reconciliação e quando Bismarck adoeceu, em janeiro de 1894, Guilherme
aproveitou a oportunidade para enviar-lhe uma garrafa de vinho através de seu
próprio ajudante-de-ordens. Uma visita de retribuição de Bismarck ao imperador,
em Berlim, reconciliou-os publicamente. Em 27 de novembro de 1894, a esposa
de Bismarck faleceu e desde então a saúde de Bismarck, que nunca fora das
melhores, piorou acentuadamente; em 30 de julho de 1898, ele faleceu.

NOTAS
1. M. Balfour, “The Kaiser and His Times" (N. York, 1972), pp. 139-40; Craig, “The Politics of the
Prussian Army”, p. 239.

2. Citado por Bussmann, “Das Zeitalter Bismarcks”, p. 236.

3. O seguinte é baseado em J. C. G. Roehl, "The Desintegration of the Kartell and the Politics of
Bismarck’s Fali from Power 1887-1889?" Historical Journal 9 (1966), pp. 60-89; e pelo mesmo autor
“Staatsreichplan oder Staatsreichbereitschaft? Bismarcks Politik in der Endassungskrise", Historische
Zeitschrift 203 (dezembro de 1966), pp. 610-24.

4. Um dos primeiros livros sobre a crise da demissão é de P. Liman, "Fuerst Bismarck und seie
Endassung" (Berlim, 1904), faz um relato bajulatório do Chanceler e de suas políticas e atribui a
demissão à diferença de idade e de temperamento entre ele e o imperador. O livro é baseado
prindpalmente nas memórias de Bismarck e só crítica por alto a Guilherme 11. Liman atribui a crise a
intrigas burocráticas e da Cone.

G. Freiherr von Eppstein, “Fuerst Bismzrcks Endassung" (Berlim. 1920), usando os papéis
póstumos particulares do antigo Ministro de Estado e Secretário do Interior. Boetcher, e do antigo
chefe da chancelaria do “Reich”, Rottenburg, acredita que o choque entre ajuventude impaciente e o
velho cauteloso pode ser a causa da exoneração de Bismarck, mas descarta as intrigas como fator
preponderante. Boetcher, um dos mais próximos colaboradores de Bismarck durante seus últimos
.< ■

142 George O. Kent.

dez anos na Chancelaria, foi suspeitado e acusado de intrigante por Bismarck. Boetticher negou as
acusações em seus papéis e, por seu turno, acusou Herben Bismarck, filho mais velho de Bismarck, de
ter criado desconfiança entre os dois.
O primeiro relato Compreensivo da crise da demissão éode W. Schuessler, “Bismarcks Sturz
(Berlim, 1922). Ele apresenta a queda do chanceler, em pane, como uma desculpa moral; “Quem pode
negar que nossas calamidades começaram em tal tempo?... uma tragédia porque nosso herói- culpado
ou inocente - foi vítima de seu destino em pane feito por ele mesmo, em parte pelos deuses... mas tudo
isto, as muitas incompreensôes, a solidão do gênio, o passar do tempo, e a luta pelo poder não podem
absolver Guilherme II, julgado culpado perante a história: o dia de juízo foi 9 de novembro de 1918
(pp. vii a viii).

O relatório de Schuessler, escrito em uma época de humilhação e desgraça, tinha também em


mira lembrar a seus patrícios seu grande passado. Neste contexto, ele via o conflito entre o imperador e
o chanceler como uma luta pelo poder (p. 185).
W. Mommsen, “Bismarcks Sturz und die Paneien” (Berlim, 1924), vê o problema do ponto de
vista dos panidos políticos. Se os partidos tivessem prestigiado Bismarck, o imperador não teria aceito
sua demissão. Segundo Mommsen, nenhum dos opositores de Bismarck podería justificar sua
demissão, e, afinal, sua queda foi devida à pressão combinada de vários interesses (pp. 7-9). As políticas
mesquinhas e egoístas dos mercenários dos partidos e dos políticos, alguns dos quais (como Miquel)
viram os perigos futuros, mas tiveram medo de mencioná-los e acompanharam o resto, reassegurando
o imperador da justiça praticada, dificultando assim de muito as futuras críticas de suas políticas. A falta
de responsabilidade dos políticos e sua covardia fazem-nos ao menos parcialmente culpados pelo
futuro destino da Alemanha (pp. 155-59).

Egmont Zechlin, “Staatsreichplaene Bismarcks un Wilhelm II, 1890-1894”, (Stuttgart, 1929),


concentra-se num plano de Bismarck para um golpe de estado, como descrito na reunião do Conselho
de Estado de 2 de março de 1890. Segundo a ata dessa reunião, Bismarck pretendia que os príncipes
germânicos e representantes das cidades livres que assinaram o tratado federal, estabelecendo o
Reich , se reunissem e revogassem o tratado, estabelecendo uma nova constituição parao“Reich”, se
as eleições parlamentares continuassem a dar maus resultados para o governo. O chanceler também
pretendia neutralizar o “Reichstag” recusando indicar os membros federais (“Bundesratmitglieder”)
para comparecer ás sessões (p. 47). Zechlin considera a queda de Bismarck resultado do conflito do
chanceler com o “Reichstag”, um conflito que Bismarck achava inevitável.. Ele esperava eliminar o
Reichstag , ou ao menos os sociais-democratas neste conflito. O imperador, porém, resolveu adiar ou
evitar o conflito com o "Reichstag”.
5. Roehl, “Staatsreichplaene”, p. 610 n? 1.

6. Para o texto desta instrução, vide Roehl, "Staatsreichplaene”, pp. 623-24.

7. A facilidade com que Bismarck lançava mão da ameaça de golpe de estado é persuasivamente
apresentada por Stuermer, “Staatsreichgedanken im Bismarckreich", pp. 566-615.

8. Bussmann, "Das Zeitalter Bismarcks”, p. 244.

9. Balfour, “The Kaiser and His Times”, p. 132.

10. Uma edição crítica e atualizada de “Reflections and Reminiscences” pode ser encontrada em G. W.,
vol. 15.

11. “Goetz von Berlichingen", um dos primeiros e mais conhecidos dramas de Gõethe, trata de Goetz,
o cavaleiro independente e amante da liberdade, durante a Guerra dos Camponeses que, embora
desrespeitando as leis e os homens, permaneceu leal ao imperador.
9. BISMARCK REAVALIADO

O século XIX era para a Alemanha mais do que para qualquer outro país um
período de mudança. Em seu despertar - no Congresso de Viena, - não existia até
mesmo um Estado alemão: em vez disso, havia uma conglomeração de estados
médios e pequenos, monarquias, ducados, estados eclesiásticos e cidades livres, -
a maioria dos quais empobrecidos e rurais, com poucas cidades grandes -, ligados
por poucos rios importantes e algumas estradas em más condições. No fim do
século, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha era o principal país
industrial do continente, unificado, fone, largamente urbanizado e expandindo o
seu comércio para os quatro cantos do mundo.

Essas mudanças sociais, econômicas e políticas, de uma sociedade rural para


urbana, de uma economia agrícola para industrial e de particularismos para uma
situação unificada em menos de cinqüenta anos podem explicar os problemas
bem como os desafios que Bismarck enfrentou durante o seu mandato. Combinando
em sua estirpe as duas linhagens principais da sociedade alemã - a burguesia
burocrática e a nobreza militar-, a natureza combativa e ânimo forte de Bismarck
levaram-no ao posto de Primeiro-Ministro da Prússia num período de séria crise
constitucional. Graças à sua personalidade, frieza de cálculo e circunstâncias
favoráveis, ele pôde unificar a Alemanha sob uma liderança prussiana com grande
apoio popular. Impulsionado de um estágio alemão provinciano para o cosmopo-
litismo europeu, e atuando simultaneamente nos dois, Bismarck conseguiu por
duas décadas dirigir o seu país em meio a situações crescentemente difíceis.

No plano interno, preservou o poder da velha ordem - monarquia, aristocra­


cia e exército - ante importantes mudanças econômicas e sociais. Suas duas
maiores lutas contra a Igreja Católica e o Partido Social Democrata acabaram em
fracassos e deixaram o país profundamente dividido. Em questões externas, ele
preservou a posição de destaque de seu país e a paz na Europa até a sua demissão.
Para conseguir isso, ele criou um sistema tão complicado e contraditório que
começou a desintegrar-se antes mesmo de deixar o seu cargo. Seus menos
competentes sucessores, incapazes de seguir o seu caminho tortuoso e confronta­
dos com situações bastante distintas, não conseguiram reconciliar as facções
opostas dentro da Alemanha ou concordar sobre a adoção de uma política externa
mais sensível.

Bismarck, como a maioria dos homens, tinha algumas lacunas visíveis. Sua
imaginação criativa, energia e rara intuição política eram prejudicadas por uma
*

144 George O. Kent.

inabilidade aparente de avaliar corretamente tendências contemporâneas podero­


sas como o socialismo e a industrialização. Ao longo de sua carreira, ele acreditava
que podia controlar e dirigir essas forças e preservar a ordem estabelecida com
apenas pequenas modificações. Num nível mais pessoal (e mais relacionado à
política interna do que à política externa), sua disposição em usar meios morais e
imorais, verdade ou mentira, e sua suspeição intensa e falta de respeito pelas
pessoas fizeram com que fosse difícil para ele atrair e trabalhar com homens
brilhantes e independentes.

As grandes esperanças de 1870-71, de que o “Reich” se tornaria um estado


modemo, estável e integrado, não se cumpriram. Bismarck não conseguiu ajustar-
se á nova e cambiante ordem e não se dispunha (ou não tinha condições) a preparar
uma sucessão pacífica e duradoura.

Quão diferente é a imagem de Bismarck que emerge de reavaliações e re-


exames recentes! Sua dimensão, apesar de impressionante, é prejudicada por
sérias imperfeições e falhas. Sua obra não pode mais ser vista como a criação
perfeita que se acreditava ser. Em vez disso, deve ser vista como uma tentativa de
um homem de resolver o monumental problema de criar um Estado alemão ao
final do século XIX, uma tentativa que, afinal, foi concebida de forma muito
limitada e mantida de forma demasiadamente rígida por muito tempo. Ele foi
também responsável por colocar a Alemanha no seu curso futuro, apesar de seus
sucessores terem tido bastante tempo para mudar ou modificar esse curso e
escolher um outro caminho. O fato de o Estado que Bismarck criou haver durado
menos de um século é testemunha ampla de suas deficiências básicas.
ENSAIO BIBLIOGRÁFICO

Este ensaio diz respeito primordialmente a livros e artigos publicados após 1945;
os em inglês aparecem primeiro, seguidos por aqueles em alemão.

A literatura sobre Bismarck e a unificação da Alemanha está em expansão


contínua e parece que continuará a crescer. Sobre Bismarck apenas, uma relação
publicada há alguns anos atrás mencionava cerca de seiscentas obras (Karl E. Bom,
“Bismarck Bibliographie”, Colônia, 1966).

Em inglês, a principal biografia é de O. Pflanze, “Bismarck and the


Development of Germany” (Princeton, 1963- ), mas apenas o primeiro volume
cobrindo o período 1815-71 foi até agora publicado. Biografias menores incluem:
A.J. P. Taylor, “Bismarck: The Man and the Statesman” (Nova Iorque, 1955), que
é um estudo estimulante e provocante; W. N. Medlicott, “Bismarck and Modem
Germany” (Mystic, Conn., 1955), um informe conciso e bem fundamentado; E.
Eyck, “Bismarck and the German Empire” (Londres, 1950), uma tradução
condensada de sua obra em três volumes (ver abaixo); W. M. Simmons, “Germany
in the Age of Bismarck” (Nova Iorque, 1968); um ensaio introdutório com uma
seção documentária; e C. Sempell, “Otto von Bismarck” (Nova Iorque, 1972), que
se concentra na personalidade do chanceler.

Os aspectos econômicos, intelectuais e sociais do período imediatamente


anterior à unificação são cobertos pelos excelentes volumes de T. S. Hamerow:
“Restoration, Revolution, Reaction: Economics and Politics in Germany, 1815-
1871” (Princeton, 1958); “The Social Foundations of German Unification, 1858-
1871”, vol. 1, “Ideas and Institutions” (Princeton, 1969), vol. 2, “Struggles and
Accomplishments” (Princeton, 1972).

Sobre a União Aduaneira, A. Price, “The Evolution of the Zollverein” (Ann


Harbor, 1949), trata de idéias e de instituições entre 1815 e 1833 e suplementa W.
O. Henderson, “The Zollverein” (Chicago, 1939). I. N. Lambi, “FreeTrade and
Protection in Germany, 1868-1879” (Wiesbaden, 1963), é um reexame da política
tarifária de Bismarck e de suas conseqüências, e H. Rosenberg, “Political and
Social consequences of the Great Depression of 1873-96 in Central Europe”
(Economic History Review 12, 1943), é uma pesquisa excelente sobre um assunto
até então bastante negligenciado. Frank B. Tipton, “The National Consensus in
German Economic History” (Central European History 7, setembro de 1974, pp.
'f
146
George O. Kent.

195 224) salienta a falta de acordo sobre o desenvolvimento industrial e econômi­


co na A emanha do século XIX. Isso é desenvolvido em seu estudo “Regional
Vanations m the Economic Development of Germany During the Nineteenth
entun ( i dletown, Conn., 1976). Também são interessantes três outros
anigos. aus Epstein, The Socio-Economic History of the Second German
/nm r're .(^eVleW of PoIitics 291 1967)i E- Kehr, “Der Primat der Innenpolitik”
lOfiRv^n d<i’ e H Boehme, Deutschlands Weg zur Grossmacht” (Colônia,
d l ’ >' u 321261 Another Crisis Among German Historians?”, Helmut
»,Oe, me * Deutschland Weg zur Grossmacht: A Review Article”, Journal of
o em tstory 40 (1968); ej. F. Harris, “Social-Economic Analysis and the
tsmarc ett , Marjland Historian 2 (outono de 1971), que passa em revista
Boehme, H. Rosenberg "Grosse Depression und Bismarckzeit” (Berlim, 1967) e
T. S. Hamerow “The Social Foundations of German Unification”, vol. 1.

Não há um estudo recente, compreensivo, da política exterior de Bismarck,


em mgles. Como estudos especiais temos: W. E. Mosse, “The European Powers and
uie German Question, 1848-1871” (Cambridge, 1958); Richard Millman, “British
R°^" Pohcy and the Corning of the Franco-Prussian War” (Oxford, 1965);
ifitn le/ er®’ ,^eTreatyofFrankfurc aStudyin Diplomatic History, September
n ?“?eP‘em " 187S”. (F^adélfia, 1966); G. O. Kent, “Arnim and Bismarck”
v68’’ A Mitchell, “Bismarck and the French Nation, 1848-
íinnd io2s!’ N- Medlicott, “The Congress of Berlin and After”
lOSfiv w n 6 (1B?srnarck> Gladstone and the Concert of Europe” (Londres,
p •’ .. er' Blsmarck at the Crossroads: The Reorientation of German
roreign Pohcy after the Congress of Berlin, 1878-80” (Londres, 1974); E. A.
NaP° e°n IH 321(1 1116 German Crisis. 1865-1866” (Cambridge, Mass.,
Th ’ tu0"/1"1’ Bismarck and the Hohenzollem Candidature for the Spanish
n c?ner ™e Documents in the German Diplomatic Archives” (Londres, 1957); L.
r e,’„ lsmarck, the Hohenzollem Candidacy and the Origins of the Franco-
"r° l8T (Cambridg6- Mass., 1962); e sua “The Schleswig-Holstein
Srhl n ( n ge, Mass., 1932) e K. A. P. Sandford, “Great Britain and the
leswtg^Hoistetn Question, 1848-1864” (Toronto, 1975); L. Cecil, “The
German Dtplomatic Service, 1871-1914” (Princeton, 1976).

menril ^g^s artigos sobre a política exterior de Bismarck que devem ser
“Studíp113 rv i Langer> Bismarck as a Dramatist”, em A. O. Sarkissian, ed.,
York 19,™'Plom3t2cHist°ryandHistoriographyinHonourofG.P.Gooch”(N.
marck’ Rein rv SObre BÍSmarck 6 ° d«pacho de O. Pflanze, “Bis-
Realnnr.1,” P,° ’,Thc Reviewof PoIitics 20 (1958), e H. Holbom, “Bismarck’s
sobre *' H °f the History of Ideas 21 (1960), são o que há de melhor
HistoZ r aSS,UontO- R- H- Lord’ “Bi^arck and Rússia in 1863”, American
baseado em d'*<outu^ro de 1923), avalia a Convenção de Alvensleben,
Austro-Pm«t w em?S G A' Kert6SZ1 “Reflections on a Centenary: The
ar of 1866 ’, Htstorical Studies of Australia and New Zealand
Bismarck e seu tempo 147

(1966), é bem escrito e contém algum material interessante. S. W. Halperin, “The


Origins of the Franco-Prussian War Revisited: Bismarck and the Hohenzollem
Candidature for the SpanishThrone”, Journal of Modern History 45 (1973), éum
exame crítico de E. Kolb, “Der Kriegsausbruch 1870” (v. abaixo). Sobre as
políticas coloniais de Bismarck, H. P. v. Strandmann, “Domestic Origins of
Germany’s Colonial Expansion under Bismarck”, Pastand Present 42 (1969), e H.
U. Wehler, “Bismarck’s Imperialism 1862-1890”, Pastand Present48 (1970), são
as mais recentes contribuições. Uma boa coleção de ensaios apareceu em P.
Gifford e W. R. Louis, eds., “Britain and Germany in África" (New Haven, 1967).
São também de considerável interesse P. M. Kennedy, “German Colonial
Expansion”, Past and Present 54 (1972), e, pelo mesmo autor, “The Samoan
Tangle: A Study in Anglo-German-American Relations, 1878-1900” (N. York.
1973). H. D. Andrews, “Bismarck’s Foreign Policy and German Historiography
1919-1945”, Journal of Modem History 37 (1965), é um resumo útil. G. Ritter,
“The Sword and the Scepter: The Problem of Militarism in Germany”, 4 vols.
(Coral Gables, Fia., 1969-73), cobre no primeiro volume o período bismarquiano
de modo tradicional e nacionalista conservador.

Há um grande número de estudos sobre as políticas domésticas de Bis­


marck; alguns dos mais notáveis sào os seguintes: F. Stem, “Gold and Iron: Bismarck,
Bleichroeder, and the Building of the German Empire” (N. York, 1977); F. Stern,
“Money, Morais, and the Pilars of the Bismarck Society”, Central European
History 3(1970); H. Boehme, “Big-Business Pressure Groups and Bismarck’sTurn
to Protectionism 1873-1879”, Historical Journal 2 (1967); A. Dorpalen, “The
German Historians and Bismarck”, Review of Politics 11(1953); H. A. Kissinger,
“The White Revolutionary: Reflections on Bismarck”, Daedalus (verão de 1968);
V. L. Lidtke, “German Social Democracy and German State Socialism 1876-84”,
International Review of Social History 9 (1964). Sobre anti-semitismo, P. Pulzer,
“The Rise of Political Anti-Semitism in Germany and Áustria” (N. York 1964), é o
melhor estudo. Há muitos ensaios interessantes sobre a vida dos judeus na
Alemanha durante o século dezenove nos recentes trabalhos do Insututo Leo
Baeck; um dos mais notáveis é o de A. Mayer, “The Great Debate on Anti-
Semitism: Jewish Reaction to New Hostility in Germany, 1879-81”, Leo Baeck
Institute Yearbook 9 (1966). G. R. Mork, “Bismarck and the ‘Capitulation’ of
German Liberalism”, Journal of Modern History 43 (1971); J. L. Snell e H. A.
Schmitt, “The Democratic Movement in Germany, 1789-1914” (Chapei Hill, N.
C., 1976); O. Pflanze, “Juridical and Political Responsibility in 19th Century
Germany”, em L. Krieger e F. Stern, eds., “The Responsibility of Power” (Garden
City, N. Y. 1967); O. Pflanze, “Bismarck and German Nationalism”, American
Historical Review60 (1955); H. Pross, “Reflectionson German Nationalism, 1866-
1966”, Orbis (inverno de 1967); S. A. Stehlin “Bismarck and the New Province of
Hanover”, CanadianJournal of History 4 (1969); A. Vagts, “Bismarck’s Fortune”,
Central European History 1 (1968); F. Nova, “The Motivation in Bismarck’s
Kulturkampf ”, Duquesne Review 1 (1965); F.B.M. Hollyday “Bismarck’s Rival:

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