> > Torcidas, as haverá mais numerosas (Flamengo) ou > mais conhecidas por sua > grandeza (Corinthians), mas nenhum séquito > futebolístico brasileiro se > compara ao do Clube Atlético Mineiro em mística > apaixonada, em anedótario > heróico, em poesia acumulada ao longo dos anos. "A > Massa", como é > simplesmente conhecida em Minas Gerais, compartilha > com a torcida > corinthiana ("A Fiel") a honra de deixar-se conhecer > com um substantivo ou > adjetivo comum transformado em nome próprio, > inconfundível. A Fiel, A > Massa: poucas outras torcidas terão realizado tal > operação de mutação de um > nome comum em nome próprio. > > Muito distintas são, no entanto, as torcidas dos > alvi-negros paulistano e > belo-horizontino: quem já vestiu a camisa do time do > Parque de São Jorge > sabe que a Fiel é fiel em sua paixão, não em seu > apoio. Na derrota, a Fiel > é implacável; não desaparece, como a torcida do > Cruzeiro. Está sempre lá. > Mas é capaz de crucificar com um pequeno > manifestar-se de sua raiva. Na > vitória, cobra cada vez mais, e reinstala aí sua > insatisfação, cuja raiz > quiçá esteja no mal-resolvido trauma dos 23 anos sem > título, e do grande > pesadelo de duas décadas chamado Pelé. A Fiel é > fiel, e sempre o foi, mas > sua fidelidade se nutre de um descompasso entre a > alma do torcedor e a alma > do time. > > No caso do atleticano, a alma do time não é senão a > alma da torcida. Toda a > mística da camisa, das vitórias sobre times > tecnicamente superiores (e > também das derrotas trágicas e traumáticas), emana > da épica, das > legendárias histórias que nutre sua apaixonada > torcida: nem o Urubu, nem o > Porco, nem o Peixe, nem a Raposa, nem o Leão, nem > nenhum animal mascote se > confunde com o nome do time, com sua identidade, com > sua alma mesma, como o > Galo com o Atlético Mineiro. E Galo é o nome da > torcida (GA-LO), bíssilabo > cantável e entoável como grito de guerra que ela > eternizou ao encarnar em > si o espírito do animal. Nenhum outro time é > conhecido por tantas vitórias > improváveis só conquistadas porque a massa empurrou. > "Quem possui uma > torcida como esta, é praticamente impossível de ser > derrotado em casa" > (Telê Santana). > > Pelos idos de 69 ou 70, o timaço do Cruzeiro já > tetra ou pentacampeão > entrava em campo mais uma vez e parecia que de novo > ia humilhar o Atlético, > que já amargava o quinto aniversário do Mineirão sem > nenhum título > estadual. A superioridade técnica de Tostão, Dirceu > Lopes, Natal, Raul, > Piazza e cia. era simplesmente incontestável. Mesmo > naquele clássico > durante vacas tão magras, a massa atleticana era, > como sempre foi, maioria > no Mineirão. Impotente, ela viu Dirceu Lopes abrir o > placar e o time do > Cruzeiro massacrar o Galo durante 45 minutos. No > intervalo, a massa que > cantava o hino do Atlético foi inflamada por um > recado de Dadá Maravilha > pelo rádio: "Carro não anda sem combustível." A > fanática multidão encheu-se > de brios, fez barulho como nunca, entoou o grito de > guerra como nunca, > encurralou sonoramente a torcida cruzeirense, e o > time do Atlético - > infinitamente inferior, liderado pelo artilheiro > Dario e pelo seu grande > goleiro (como é da tradição atleticana) Mazurkiewcz > - virou o placar para 2 > x 1 sobre o escrete azul, e abriu caminho para a > reconquista da hegemonia > em Minas, selada com o título estadual de 70 e o > Brasileiro de 71. Nenhum > dos jogadores atleticanos presentes nessa vitória > jamais se esqueceu da > energia que emanava das arquibancadas, e que > literalmente ganhou o jogo. > > Também as derrotas tradicionalmente contribuiram > para a mística e paixão > atleticana: como em 1999, quando o visitante > Corinthians trouxe ao Mineirão > sua máquina que se preparava para ser bicampeã > brasileira e campeã mundial. > O Galo se recuperava no Campeonato Brasileiro, vinha > de uma vitória sobre o > Grêmio no Olímpico, e a Massa mais uma vez lotou o > estádio. Com seu toque > de bola, o Corinthians envolveu o time atleticano, e > no meio do segundo > tempo já aplicava impiedosos 5 x 0, enquanto tocava > a bola, colocava os > atleticanos na roda e esperava o fim do jogo. Vendo > seu time humilhado por > um adversário superior dentro de seu próprio > terreiro, a massa se levantou, > e cantou durante mais de 10 minutos o belo hino, > mais alto e com mais amor > que nunca. Nenhum jogador presente se esqueceu, e um > ano depois o Galo > devolveria ao Corinthians os 5 x 1 do Mineirão, com > sonoros 4x0 no > Maracanã. > > Como no silêncio sepulcral que envolveu o Mineirão > em março de 1977, quando > a grande equipe atleticana de Cerezzo, Reinaldo, > Paulo Isidoro, João Leite > e Marcelo perdeu nos pênaltis o título que todos já > consideravam seu, > incluindo-se, às vezes parece, os próprios > adversários são-paulinos. O time > do Atlético - mesmo jogando sem Reinaldo, > injustamente suspenso - foi > empurrado pela torcida, mostrou-se muito superior ao > do São Paulo, como > havia feito durante todo o campeonato em que > acumulou 17 vitórias, 4 > empates e nenhuma derrota, encurralou o adversário > durante 120 minutos, mas > o gol não saiu. O título é perdido nos pênaltis, > mesmo depois de duas > grandes defesas de João Leite em cobranças > são-paulinas. Angelo, um dos > craques do jovem time atleticano, deixa a partida > pisoteado por Chicão, e > nunca mais seria o mesmo. O Galo, base da seleção > brasileira de Osvaldo > Brandão, sai de campo vice-campeão invicto, com os > 11 jogadores abraçados, > 10 pontos à frente do campeão, e a Massa recebe aí > sua grande tarefa dos > próximos anos: realizar o luto pelo enorme trauma. > Começou a tarefa no > domingo seguinte às 10 da manhã, levando legiões de > bandeiras para uma > amarga partida contra o Bahia no Mineirão. > Nenhuma outra derrota de um favorito no Brasileirão > se revestiria de tanta > mística apaixonada. A partir daí essa Massa > acumularia 10 títulos mineiros > em 12 anos, e uma sequência de campanhas > sensacionais no Brasileirão (o > Atlético Mineiro é o time que mais pontos conquistou > nos Campeonatos > Brasileiros), interrompidas na final ou semifinal, > em jogos fatídicos > (Flamengo-80, Santos-83, Coritiba-85, Guarani-86, > Flamengo-87, > Corinthians-88). > > A magia atleticana se encarnaria no seu torcedor > mais famoso, Sempre, cujo > nome real não se conhece, tal é força do apelido. > Durante décadas, Sempre > ocupou as arquibancadas do Independência e do > Mineirão, com sua bandeira e > seus ditos legendários. Nunca deixou de comparecer e > nunca vaiou o time, > embora chorasse nas derrotas. Foi dos primeiros a > entoar o hino composto > por Vicente Motta em 1969, e depois aprendido por > milhões em todo o > Brasil. Abria e fechava o clube diariamente, e > participou de epopéias > memoráveis da massa atleticana, como quando a > multidão carregou no colo o > artilheiro Ubaldo, pentacampeão mineiro de 1956, de > sunga, ao longo dos > 5,5 kilômetros que separam o estádio Independência > da Praça Sete, ou como > quando 20.000 atleticanos invadiram o Maracanã e > empurraram o time à > conquista do Primeiro Campeonato Brasileiro, em > 1971, sobre o Botafogo de > Jairzinho. > > O Furacão de 70 sentiu seu peso de novo cinco anos > mais tarde, na decisão > do Mineiro de 76 - quando a Massa, mesmo tendo > comemorado só 1 dos últimos > 11 campeonatos mineiros, tomou conta do Mineirão > para empurrar uma turma > de meninos de 18-21 anos (de nomes Reinaldo, > Cerezzo, Paulo Isidoro, > Danival, Marcelo) a vitórias contundentes sobre o > campeão da Libertadores. > Estava aberto o caminho para o hexacampeonato de > 78-83. > > "Se houver uma camisa alvi-negra pendurada no varal > num dia de tempestade, > o atleticano torce contra o vento." O achado do > cronista Roberto Drummond > resume a mitologia do Galo: contra fenômenos > naturais, contra todas as > possibilidades, contra forças maiores, a torcida > atleticana passa por > radical metamorfose e se supera. Superou-se tantas > vezes que já não duvida > de nada, e cada superação reforça ainda mais a > mística, como uma bola de > neve da paixão futebolística. Nenhum atleticano > hesitaria em apostar na > capacidade da Massa de transformar o impossível em > possível a qualquer > momento, de fazer parar aquela tempestade que açoita > o pavilhão alvi-negro > deixado solitário no varal. > > Não surpreende, então, o sucesso que tiveram os > jogadores uruguaios que > atuaram no Atlético Mineiro, do grande Mazurkiewcz > ao maior > lateral-esquerdo da história do clube, Cincunegui. > Se há uma mística de > garra e amor à camisa que se compara à atleticana, é > a da celeste, não > mineira, mas uruguaia. Só à seleção uruguaia a pura > paixão por um nome e > um símbolo levou a tantas vitórias inacreditáveis, > improváveis, espíritas, > ou puramente heróicas. Em 1966, as duas camisas > legendárias se > encontraram, e o Galo derrotou o Uruguai duas vezes > (26/04/66 - Atlético 3 > x 2 Uruguai, 18/05/66 - Atlético 1 x 0 Uruguai). > > Ao contrário das torcidas conhecidas por sua origem > étnica (Palmeiras, > Cruzeiro, Vasco), por sua origem social (Flamengo, > Fluminense, Grêmio, São > Paulo), ou por seu crescimento a partir de uma > grande fase do time > (Santos, Cruzeiro), qualquer menção da torcida do > Atlético Mineiro evoca, > invariavelmente, a substância mesma que constitui o > torcer. O amor ao time > na vitória e na derrota, o apoio incondicional, a > garra, a crença de que > sempre é possível virar um resultado, o hino entoado > unissonamente: a > legião fanática que ama o Galo acima de tudo sabe > que ser atleticano é > unir-se num estado de espírito, compartilhar uma > memória, e fazer da > esperança uma permanente iminência. > > A massa atleticana é a prova maior de que, mesmo em > época de > profissionalização total do futebol, e do negócio > futebol, para o povo > brasileiro este é acima de tudo paixão por uma cor, > um nome, um símbolo, a > memória de um instante que pode ser um gol, um > campeonato, um abraço ou um > beijo. Galo é o nome que mais radical e > verdadeiramente expressa, para > tantos milhões de brasileiros, o inexplicável dessa > paixão. > > O Galo é o único clube a ter vencido a Seleção > Brasileira. E não foi > qualquer uma. Ela entrou em campo com Felix, Carlos > Alberto, Djalma Dias, > Joel e Rildo (Everaldo); Piazza e Gérson (Rivelino); > Jairzinho, Tostão (Zé > Maria), Pelé e Edu (Paulo César). O Galo venceu com > Mussula, Humberto > Monteiro, Grapete, Normandes (Zé Horta) e Cincunegui > (Vantuir); Oldair e > Amauri (Beto); Vaguinho, Laci, Dario e Tião > (Caldeira).