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Capitulo 1 % Fundamentos da pedagogia histérico-critica 1, 0 Homem e o trabalho Para entender as implicagées e as possibilidades de um projeto educativo comprometido com a mudanga da sociedade, € preciso ter uma visao de ser humano e sua relagéio com o trabalho. O homem como espécie é um ser natural, isto é, € um ser composto biologicamente, mas que nao est acabado, pois sua cons- tituigdo depende das suas relagGes sociais. A diferenga entre a es- pécie humana e as outras espécies animais d4-se em decorréncia do trabalho. Enquanto as outras espécies se adaptam A realidade satis- fazendo suas necessidades, o homem modifica a realidade pelo tra- balho, transformando-a para atender suas necessidades que se vio complexificando na medida do desenvolvimento de sua realidade. O trabalho, portanto, atividade essencialmente humana, é 0 que caracteriza a natureza humana, construindo-a histérica e social- mente. E a ividade consciente, com finalidade e intencionalidade de satisfagéo de suas necessidades, que o torna um set humanizado. Concordando com Engels (1986, p. 33): “Os animais s6 podem utilizar a natureza e modificé-la apenas porque nela estdo presentes. Jé o homem modifica a natureza e a obriga a servi-lo, ou melhor: domina-a. Analisando mais profundamente, nao ha dtivida de que a diferenga fundamental entre os homens e os outros animais est4 na forca do trabalho” (grifo do autor). Digitalizado com CamScanner \ a 7 O trabalho humano pode ser material ou no material, No caso do trabalho material, sua produgio é a garantia de subsisténcia, &a produgio de objetos tendo o homem como sujeito. J4 a produgio no material se caractetiza pelo trabalho produtor de ideias, valores, simbolos, conceitos, habilidades etc. A educagio ¢ trabalho néio ma- terial: ndo produz resultados fisicos (objetos) e seu produto nao se separa nem de seu produtor, nem de seu consumidor. Significa dizer, portanto, que a educ: o depende do educador (produtor) para a consecugao do seu objetivo (produgio) e nao se realiza sem a presen- ca ativa do seu consumidor (educando). As duas categorias de trabalho (material e nao material) esto intimamente relacionadas, pois o homem planeja, antecipa mental- mente sua agao sobre o objeto e, portanto, para a realizagao do tra- balho material, o homem realiza um trabalho nao material. No momento em que 0 modo de produgéo capitalista inverte a posigdo do homem em relacio ao trabalho, ou seja, o homem deixa de ser sujeito e passa a ser objeto, o trabalho se torna fragmentado e perde seu sentido humanizador. Esto criadas as condigées para o processo de alienagao. A separagio entre trabalhador e o produto de seu trabalho, ou seja, a divisio social do trabalho determina a alienacdo, pois torna o trabalho algo empobrecido e que nao enriquece o desenvolvimento humano. Portanto, divisio social do trabalho significa colocar o ho- mem como mercadoria: sua produgio representa seu valor e seu va- lor s6 é considerado quando contribui para a acumulagao do capital. Segundo Marx (1989, p. 159): O ser alhieio ao qual pertence o trabalho e 0 produto do trabalho, a servico do qual esté o trabalho e para cuja fruigdo est o produto do trabalho, s6 poder ser 0 homem mesmo, Se o produto do trabalho no pertence ao trabalhador, um poder alheio estando frente a ele, entio isto s6 é possivel por 0 produto do trabalho pertencer a um outro homem fora do trabalhador. Se a sua atividade lhe € tormento, entio tem que ser fruigdo a um outro e a alegria de viver de um Digitalizado com CamScanner outro. Nao os deuses, nao a natureza, s6 0 homem mesmo pode set este poder alheio sobre os homens [grifo do autor). Considerando esse processo de alienagio, para que 0 professor seja formado, é preciso considerd-lo sujeito homem e nao desvincula- -lo do sujeito professor, Ha “[...] a nec ssidade de se compreender 0 professor como pessoa, ou seja, reconhecer que aquilo que ele diz e faz é mediado por aquilo que ele é, por sua personalidade” (MARTINS, 2001, p. 29). A sociedade capitalista tem colocado a escola como meca- nismo que adapta seus sujeitos 4 sociedade na qual estao inseridos. Sendo assim, na sociedade capitalista a escola tem a fungao social de manutengao do sistema por meio das ideias e dos interesses da classe dominante, ocasionando o esvaziamento dos contetidos adequados e necessdrios 4 humanizagio e de métodos igualmente adequados a apropriagao da humanidade social e historicamente construfda. Essa escola do capitalismo abre portas a todo tipo de organizagao nao escolar, enfatiza a experiéncia e valoriza por conseguinte o individuo particular e sua subjetividade. Se por um lado a historia de vida é fundamental na formagdo do sujeito em sua totalidade, por outro lado a secundarizagao da edu- cagio escolar representa minimizar contetidos e formas de assimila- cao dos conhecimentos historicamente construfdos. Consequente- mente, significa contribuir para o projeto neoliberal que impede a aco dos homens na realidade concreta. Estas novas referéncias, apresentadas por discursos bastante se- dutores, sobre valorizagdo da pessoa e sua subjetividade [...], sobre a importancia dos conhecimentos adquiridos experiencialmente, sobre a criatividade da atividade docente [..], sobre a articulago entre aprendizagem e cotidiano, ete. |... representam, outrossim, estratégias para o mais absoluto esvaziamento do trabalho educacio- nal. Os professores j4 no mais precisarao aprender o conhecimento historicamente acumulado, pois j4 nao mais precisario ensiné-lo aos seus alunos, e ambos, professores ¢ alunos, cada vez mais empobre- Digitalizado com CamScanner cidos de conhecimentos pelos quais possam compreender ¢ inter. na realidade, com maior facilidade, adaptar-se-Ao a ela pela prima ia da alienagao fidem, pp. 40-41]. Je de garantir aos seres humanos as aquisigdes da A fine cultura humana depende da “[. possibilidade pritica de tomar © caminho de um desenvolvimento que nada entrave” (Leo 1978, p. 283). Isso & posstvel, [...] mas 86 0 € em condigdes que permitam libertar realmente os mens do fardo da necessidade material, de suprimir a dora entre trabalho intelectual e trabalho fisico, criar um sisterna de educago que lhes assegure um desenvolvimento multilateral e harrne- nioso que dé a cada um a possbilidade de participar enquanto criader em todas as manifestagdes da vida humana fidem, pp. 283-284] diviséo rutile. 2. Alienagéo docente: implicagées na construgdo do conhecimento E preciso nao perder de vista que a educago, apesar de sua fun- damental importancia na conscientizagio das massas, nao é redentora da humanidade, pois pertence a um sistema de instituigdes sociais, sen- do necessdrio considerar que todos os fatores sociais agem (ou deveriam agir) dialeticamente. Sendo assim, “[...] a crise de hoje nao é simples- mente a de uma instituigo educacional, mas a crise estrutural de todo o sistema da interiorizagio capitalista” (Meszaros, 1981, p. 270). Para refletir sobre a atuago do professor, é preciso considerar as condigées concretas de realizagao de seu trabalho, pois a idealiza- 40 deve servir-nos como aquilo que buscamos, mas deve ser pensa- da a partir daquilo que vivemos. Os esforgos em manter 0 trabalho pedagégico num i desvaloriza o cardter polftico da educago imergem o pt praticas que, traduzindo sua alienagao particular, a rep seus educandos partindo de praticas valorativas do coti impedem a reflexao critica e transformadora, ‘Digitalizado com CamScanner E preciso compreender esta imersdo acrftica em seu contexto historico. A partir do final da década de 1980, aumentou a demanda pela escola, mas sua qualidade nao acompanhou o ntimero de vagas oferecidas, © que fez que os alunos provenientes de melhores condi- des financeiras migrassem para as escolas privadas; o professor teve sua formagao esvaziada, deixando de set valorizado socialmente, os salarios tiveram queda vertiginosa, o que também contribuiu pare ag: professor pelos males da escola coloca 0 educador em condigio de a minimizagao do status do professor. Além disso, a culpabilizagio do ser necessdrio ou desnecessirio, tanto para a classe dominante como para a classe trabalhadora, dependendo do projeto com o qual esté comprometido. Esse comprometimento, por sua vez, depende do ni- vel de consciéneia profissional do docente em relagao ao seu poder de transformagio na pratica pedagégica. ‘A crise das instituig6es educacionais é uma crise da totalidade dos processos dos quais a educago formal é apenas uma parte. A ques- ‘Go central da atual contestagéo das instituigies educacionais nio é simplesmente o tamanho das classes, a inadequagio das instalagoes de pesquisa etc., mas a razio de ser da propria educacdo. Essa questo envolve inevitavelmente nao s6 a totalidade dos processos educacio- nais, desde a juventude até a velhice, mas também a razio de ser dos instrumentos e instituig6es do intercimbio humano em geral. Se estas instituiges — inclusive as educacionais — foram feitas para os homens, ‘ou se os homens devem continuar a servir As relagdes sociais de pro- ducao alienadas ~ é esse o verdadeiro tema do debate [idem, p. 272]- A educagio, portanto, esta diretamente relacionada d organi- zacio social em suas miltiplas relagdes. Dat decorrem os interesses politicos e econémicos em manter a educagéo em plano de menor importancia. Preocupar-se com a educagio transformadora significa investir no sistema educacional e formar intelectuais orginicos'. a na sociedade, ia elite formada 1 Segundo Gramsci (1991), os intelectuais tm fungio organ podendo desempenhar papel reprodutor ou transformador. E por dirigentes vinculados aos interesses de clas Digitalizado com CamScanner 10 Porém, esse nio é um projeto capitalista ¢ precisa ser con preendido em sua esséncia, pois 0 neoliberalismo procura mases ré-lo com os conceitos de globalizagio, integragio, flexibilidade competitividade ete,, que “[...} so uma imposigfio das novas for- mas de sociabilidade capitalista tanto para estabelecer um nov tas padrio de acumulagao quanto para definir as formas concre! integragio dentro da nova reorganizagio da economia mundi (Fricorro, 1999, p. 41). A implicagio de maior importincia na alienagao do profes no processo educativo é, portanto, levar os alunos a reprodugao 4 sociedade sem consciéncia de sua insergao nela e dos resultados des- sa reprodugao para a melhoria de suas préprias vidas. 3, Escola: que espago é esse? A escola é uma instituicao social, cujo papel especifico con- siste em propiciar 0 acesso ao conhecimento sistematizado daquile que a humanidade ja produziu e que € necessério as novas geragSes para possibilitar que avancem a partir do que jé foi construfdo his- toricamente. _ Acescola pode tornar-se espaco de reprodugao da sociedade capitalista ou pode contribuir na transformagdo da sociedade de- pendendo do nivel de participagiio nas decisdes que os envolvidos tém (pais, alunos, professores), da maneira como os contetidos sao selecionados (sua relevancia e cardter humanizador), da forma como so discutidos, apresentados ¢ inseridos no planejamento e como sao ensinados. O professor é, portanto, pega-chave nessa organizagaio e sistematizagio do conhecimento. Nas diferentes teorias educacionais, encontra-se a visio de escola, professor e aluno que norteia cada uma delas e consequente- mente € possivel reconhecer nesses modelos a manutengo do status quo ou a luta para fazer da escola um espago democratico e contri- buinte para as transformagdes da sociedade, Digitalizado com CamScanner n a) Teorias néo criticas Na sociedade capitalista, a cducagio tem duas fungées: 1) qualificagio de mfo de obr As sociedade de classes, pois em sua fungio de formagao para o controle 2) formagio para o controle politico. im como ja descrito anteriormente, essas fungées respondem a politico serio preparados aqueles que determinardo os rumos da so- ciedade enquanto a mao de obra mantém a estrutura social. Todas as teorias deste grupo desempenharam e ainda desem- penham grande poder sobre as praticas pedagégicas exercidas, tendo aagio da escola como a de adequagio do individuo & sociedade. A chamada escola tradicional? tem o ensino centrado na auto- tidade do professor, os contetidos nio esto relacionados a realidade eo aluno deve aprender pela repetig&o e memorizagio. No entanto, ao longo do tempo essa escola foi sendo progressivamente critica- da por “[...] nao conseguir realizar seu desiderato de universalizagao (nem todos nela ingressavam e mesmo os que ingressavam nem sem- pre eram bem-sucedidos) [...]” (SAVIANI, 2008b, p. 6). A educagio tradicional esteve ligada a fase revolucionaria da burguesia, defendendo o princfpio de que todos os seres humanos nascem essencialmente iguais, ou seja, nascem uma tabula rasa’, que se contrapunha a concepgao medieval, segundo a qual os seres humanos nasceriam essencialmente diferentes e defendia a reforma da sociedade “[...] substituindo uma sociedade com base num su- posto direito natural por uma sociedade contratual” (idem, p. 32). Essa escola estava articulada a um processo politico de superagio da Idade Média e consolidagao da burguesia e sua ordem democratica no poder. Para tanto, era necessdrio superar a ignordncia, entendida como causa da marginalizagio dos individuos, transformando “[...] 2 Que passa a ser assim denominada a partir da critica & pedagogia da esséncia, tendo essa expresso em seu ponto de partida j4 um carater negativo. 3 Note-se que o discurso pedagégico da atualidade critica a ideia de tabula rasa sem historicizé-la, ou seja, esquecendo-se do fato de que essa ideia desempe- nhou um papel hist6rico progressista ao se opor & visio de mundo medieval. Digitalizado com CamScanner 12 stiditos em cidadios, isto é, em individuos livres porque esclarecidos, ilustrados. Como realizar essa tarefa? Por meio do ensino. A escola é erigida no grande instrumento para converter os stiditos em cidadaos [.u]” (idem, p. 5). Nao se podem ignorar as insuperdveis limitagdes da pedagogia tradicional, as quais decotrem principalmente do fato de que se trata de uma pedagogia burguesa e, como tal, desconsidera inteiramente a existéncia da luta de classes e suas implicagGes para a produgio e distribuigao social do conhecimento, da mesma forma que transfor- mao conhecimento ensinado na escola em algo destitufdo de histo- ticidade. Mas nao foi por essa razio que a escola tradicional passou, no final do século XIX e inicio do século XX, a ser alvo das criticas dos defensores da “nova pedagogia”. Tais criticas tém sua origem so- cial no fato de que a burguesia precisava recompor sua hegemonia (Saviani, 2008b) e, nesse contexto, tornou-se necessirio articular ideologicamente a escola a uma perspectiva no mais centrada na socializagao do conhecimento objetivo sobre a realidade natural € social, mas sim a uma concepgio da escola como espago de respeito a individualidade, a atividade esponténea ¢ as necessidades da vida cotidiana dos individuos. Os idedlogos da burguesia colocavam a necessidade de educa- cio de forma mais geral e, nesse sentido, cumpriam o papel de hege- monia, ou seja, de articular toda a sociedade em torno dos interesses que se contrapunham & dominagio feudal. Enquanto a burguesia cra revoluciondtia, isso fazia sentido; quando ela se consolidou no poder, a questo principal nao era superar a velha ordem, 0 Ane tigo Regime. Este, com efeito, jé fora superado, e a burguesia, em consequéncia, ja se tornara classe dominante; nese momento, © problema principal da burguesia passa a ser evitar as ameagas ¢ neu- para que se avance no processo revolucionério se chegue a uma sociedade socialista. A burguesia, entio, tornaese conservadora e passa a ter dificuldades ao lidar com o problema da escola, pois a verdade & sempre revoluciondria. Enquanto a bur- guesia era revoluciondria, ela possufa interesse na verdade, Quando passa a ser conservadora, a verdade entéo a incomoda, choca-se tralizar as pressé Digitalizado com ‘CamScanner 13 com seus interesses. [sso ocorte porque a verdade histérica eviden: 1 damni fn da ordem existente [Saviant, 2005, cia a necessidade das transformag + a8 quals, para a ante ~ una vez consolidada no poder nio sie interesantes, tem interesse na perpetua p. 10), Dessa forma, a burguesia passa a propor uma pedagogia que le- gitima a diferenga entre os homens, a pedagogia da existéncia, que .] vai contrapor-se ao movimento de libertagéo da humanidade em seu conjunto, vai legitimar as desigualdades, legitimar a dominagao, legitimar a sujeigdo, legitimar os privilégios. [...] Nesse momento, a classe revolucionéria é outra: no é mais a burguesia, é exatamente aquela classe que a burguesia explora” (Saviant, 2008, p. 34). A teoria educacional que toma corpo a partir de entao, a pe- dagogia nova’, afirma que “[...] os homens no sao essencialmente iguais; os homens sao essencialmente diferentes, e nds temos que respeitar as diferengas entre os homens. Entao hé aqueles que tem mais capacidade e aqueles que tm menos capacidade; ha aqueles que aprendem mais devagar; hé aqueles que se interessam por isso e ‘os que se interessam por aquilo (idem, ibidem). Em verdade, 0 que est por trds dessa “aceitagdo” é a valida- cao das desigualdades como algo natural e imposs{vel de ser supera- do. Assim, 0 eixo da questo pedagégica, antes centrado no conteti- do, no professor e na diretividade, agora se desloca para os métodos ou processos pedagégicos, para o aluno e para a nao diretividade, tratando-se de uma teoria “[...] onde o importante nao é aprender, mas aprender a aprender” (idem, p. 8). 4 Segundo Saviani (2008, p. 49), as expressdes “pedagogia nova” e “pedagogia da existéncia” sio equivalentes (mas nao confundir “pedagogia da existéncia” com “pedagogia existencialista”), posto que esto centradas “[...] na vida, na existéncia, na atividade, por oposigéo & concepgao tradicional que se centrava no intelecto, na esséncia, no conhecimento” (grifo do autor). Digitalizado com CamScanner » deve con- Segundo os preceitos da Escola Nova, educ tribuir para que todos os individuos sejam aceitos na sociedade com suas diferengas, sejam elas quais forem, Assim, deslocou [..] 0 eixo da questio pedagdgica do intelecto para o sentimento; , dos contetidos cognitivos para do aspecto légico para 0 psicol os métodos ou processos pedagdgicos; do professor para o aluno; do esforgo para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do di- retivismo para o nao ditetivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiragao filoséfica centrada na ciéncia da légica para uma pedagogia de inspiragao experimental baseada principal- mente nas contribuigdes da biologia ¢ da psicologia [idem, ibidem]. Esse tipo de escola ficou restrito a pequenos grupos de elite e as redes oficiais, apesar de influenciadas por este novo pensamento, nao tinham condigées (materiais inclusive) de acompanhar as carac- terfsticas do trabalho escolanovista. Como consequéncia, rebaixou- -se o nivel de ensino destinado & classe trabalhadora, que nao mais tinha na escola o espago singular de acesso ao conhecimento elabo- rado, pois este ficou em segundo plano. Na atualidade, remontando ao movimento da pedagogia nova (ou escolanovismo), as pedagogias do “aprender a aprender” tém se firmado hegemonicamente, sendo diferentes discursos (construtivis- mo, pedagogia das competéncias, pedagogia de projetos, pedagogia do professor reflexivo etc.) variantes de uma mesma concepgao. O universo ideolégico ao qual estio ligadas essas pedagogias & 0 neoliberalismo e 0 p6s-modernismo. Ainda que os intelectuais pés- -modernos nio aceitem essa associagao, é dificil nao fazer essa aproxi- magio tendo em vista que compartilham de diversos aspectos que conver- gem para a ideologia da sociedade capitalista (Cf. Duarte, 2000, 2001). Um aspecto que pode ser destacado é a concepgao de conhe- cimento para 0 neoliberalismo ¢ para 0 pés-modernismo. No caso do: primeiro, valoriza-se 0 conhecimento tacito (imediato, aparente, co- tidiano, em-si). Para o segundo, o conhecimento é relativo, trata- de uma construcio mental individual ou coletiva que nio tem 0 po: Digitalizado com CamScanner 15 der de se apropriar objetivamente da realidade, reduzindo-se a sinais, convengées ¢ priticas culturalmente justificadas. Trata-se do discurso de um grupo, um significado compartilhado por um grupo social (dat pensar a escola como espago de negoc io de significados e contet- dos e no como espago de transmissio-assimilagdo de conhecimento). Como se vé, a proximidade entre eles & grande, pois para ambos a relagio do conhecimento se da pela fragmentagio e pelo utilitarismo. O desenvolvimento da sociedade (tecnologia, ciéncia etc.) é ao possivel gragas ao actimulo de conhecimentos produzidos ao longo da histéria humana. Actimulo esse que é transmitido de geragdo em geragao, sendo objeto de apropriagao pelos individuos e permitindo progredir nas realizagSes e complexificagdes da sociedade. Da mesma forma como nao h cultura e nao ha sociedade sem a transmissio da experiéncia social acumulada, os processos de transmis- sao de conhecimento sao indispensdveis 4 pratica pedagégica. Nessa perspectiva, a ideia de transmissao de conhecimento deixa de ser vista como algo negativo, a ser evitado a0 maximo possfvel e passa a ser considerada a principal fungao do trabalho educativo (SAviANI, 2003). As pedagogias do “aprender a aprender”, por negarem exatamente isso que caracteriza a especificidade da educagao escolar, acabam por defender uma visio equivocada do que seja uma escola democratica. E nesse sentido que “[...] quando mais se falou em democracia no in- terior da escola, menos democritica foi a escola; e de como, quando menos se falou em democracia, mais a escola esteve articulada com a construcdo de uma ordem democratica” (SAVIANI, 2008b, p. 30). Nessas concepgées, o critério de verdade se estabelece a partir daquilo que € mais adequado para cada individuo considerando 0 seu cotidiano alienado (Duarte, 2001). Analisando as definigées de Vij otski® para conceitos cotidi nos e conceitos cientificos, Duarte (2003) explica que os conceitos 5 Existem diferentes grafias para o nome de Vigotski (cf. Duakre, 2001), Aqui seré adotada esta forma (*Vigotski"), mas se preservarao as diferentes grafias utilizadas em obras citadas neste trabalho Digitalizado com CamScanner 16 cotidianos estao relacionados A aparéncia, ao imediatamente obser. vavel, que, de forma fragmentada e primaria, é a manifestagio ex. terna das coisas. }A os conceitos cientificos estiio mediados por uty conjunto (sistema) de conceitos ¢ sfio compreendidos pela “andlise cientifiea”, Trata-se da esséneia das coisas de forma complexa em oposigio A aparéncia; é 0 diferencial da ciéncia: demonstrar as coisas em sua totalidade e complexidade pelas mediag6es tedricas abstrats Dato papel da escola (nao partilhado pelas pedagogias do “aprender a aprender") de que o espaco escolar deve voltar-se as objetivagées para-si (nfo cotidianas)®. Para Saviani (2003, p. 15), A escola existe, pois, para propiciar a aquisigao dos instrumen- tos que possibilitam o acess ao saber elaborado (ciéncia), bem como o priprio acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola bisica devem organizar-se a partir dessa questo. Se cha- ‘marmos isso de curriculo, poderemos entéo afirmar que é a partir do saber sistematizado que se estrutura o curriculo da escola elementar, Ora, o saber sistematizado, a cultura erudita, é uma cultura letrada, Daf que a primeira exigéncia para o acesso a esse tipo de saber seja aprender a ler e escrever. Além disso, € preciso conhecer também a linguagem dos néimeros, a linguagem da natureza e a linguagem da sociedade. Est4 af o contetido fundamental da escola elementar: ler, escrever, contar, 0s rudimentos das ciéncias naturais e das ciéneias sociais (hist6ria e geografia humanas). O curriculo escolar, na perspectiva do “aprender a aprender”, perde referéncia de quais sfio os contetidos a serem ensinados, poi deve voltar-se as vivéncias e cultura cotidiana do aluno. Os conhee! mentos historicamente construfdos e acumulados na histéria hum: 6 Segundo a teoria da vida cotidiana desenvolvida por Agnes Heller, as objetit goes historicamente produzidas pela atividade social humana se estruturam dois niveis principais. Um € 0 das objetivagées em-si que sio propria a esfera da. vida cotidiana, como € 0 caso dos objetos, da linguagem e dos usos ¢ costu O outro € a das objetivagies para-si, as quais adquirem uma relativa autonoy em relagdo a vida cotidiana e, ao mesmo tempo, a superam, como, por exen aciéncia, a arte e a filosofia (DuaRte, 1999, 2007), Digitalizado com CamScanner 17 na so caracterizados negativamente como saberes descontextualiza- dos e fragmentados, porque nao estio relacionados a vida cotidiana. Corroborando com a exaltagao do cotidiano, Philippe Perrenoud, ao discorrer sobre a pedagogia das competéncias, declarou em entrevista concedida a re scola que as competéncias devem ser fruto da necessidade do dia a dia dos individuos e, como tal, no podem tornar-se universais. Indaga 0 educador: “[...] 0 que sabemos verdadeiramente das competéncias que tém necessidade, no dia a dia, um desempregado, um imigrante, um portador de deficiéncia, uma mie solteira, um dissiden- te, um jovem da periferia?” (PeRRENOUD, 2000, p. 2). Essas colocagées permitem observar que a defesa desse autor é a estagnaco do individuo em suas condigées de existéncia, devendo aprender de forma restrita somente o necessario para manter-se na condigéo de exploragao em que se encontra. Na mesma entrevista, reforgando o entendimento de per- petuagao da exploragao, o educador também afirmou que {..] dentre as criangas que tém chance de ir escola somente alguns anos, uma grande parte sai sem saber utilizar as coisas que aprenderam [eque por isso] ¢ preciso parar de pensar a escola bésica como uma pre- parago para os estudos longos [que ndo se destinam a toda a socieda- de, e assim garantir] uma preparagao de todos para a vida fidem, p. 3]. Para essas pedagogias, portanto, a educagao nao esta centrada em adquirir conhecimento (dominio de contetidos), mas sim no pro- cesso da aprendizagem. Os sujeitos sio preparados para serem flexi- veis ¢ adaptaveis as necessidades do mercado; tornam-se déceis aos des{gnios do capitalismo; a exploraciio do homem pelo homem é na- turalizada ea classe dominante isenta-se da responsabilidade de ofe- recer condigées ao desenvolvimento maximo de todos os individuos. Em contraposigao a esse posicionamento de esvaziamento do curriculo e de distorgao das atividades nucleares da escola, Saviani (2003, p. 16) define curriculo como [..1.o conjunto das atividades nucleares desenvolvidas pela escola, E por que isto? Porque se tudo o que acontece na escola é currieulo, Digitalizado com CamScanner YEE nr se se apaga a diferenga entre curricular e extracurricular, entio tude acaba adquitindo o mesmo peso; e abre-se caminho para toda sorte de tergiversagdes, inversdes © confusbes que termina racterizar 0 trabalho escolar. por desca- Para exemplificar essa descaracterizacgio, 0 autor recorre ao dia a dia das escolas, que passam todo 0 ano letivo se dedicando a atividades que se tornam centrais, quando deveriam apenas servir ao enriquecimento do curriculo: Carnaval, Péscoa, Dia das Maes, Festas Juninas, Folclore, Semana da Patria, Semana da Crianga ete. O ano letivo encerra-se e estamos diante da seguinte constata- ‘do: fez-se de tudo na escola; encontrou-se tempo para toda espécie de comemoragio, mas muito pouco tempo foi destinado a0 proceso de transmissio-assimilagdo de conhecimentos sistematizados. Isto quer dizer que se perdeu de vista a atividade nuclear da escola, isto , a trans- missio dos instrumentos de acesso ao saber elaborado [idem, ibidem). Finalmente, na tendéncia tecnicista todo o sistema educacio- nal é organizado por especialistas “[...] supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais [...]" (SAVIANI, 2008b, p. 11), cabendo ao professor executar técnicas que garantam a aprendizagem de con- tetidos que estao restritos a informagées técnicas, sem permitirem discussdes que considerem outros pontos de vista. Tanto professores quanto alunos nao sio mais elementos centrais do processo educa- tivo, pois a organizagao racional, que proporcione a eficiéncia e a produtividade, ser4 0 componente principal desta pedagogia preo- cupada em “[...] formar individuos eficientes, isto é, aptos a dar sua parcela de contribuigio para o aumento da produtividade da socie- dade” (idem, ibidem). b) Teorias critico-reprodutivistas Nas teorias critico-reprodutivistas, estdo as teorias da escola como violéncia simbélica, da escola como aparelho ideolégico do Estado e da escola dualista. Digitalizado com CamScanner 19 A violéncia simbolica 6 exercida pelo poder de imposigéio das ideias transmitidas por meio da comunicagio cultural, da doutrina- Ao politica e religiosa, das priticas esportivas, da educagao escolar. Pierre Bourdieu ¢ Jean-Claude Passeron, socidlogos franceses, escreveram sobre o fendmeno escolar. Os autores de Os herdeiros (1964) e A reprodugdo (1970) deixam claro que a escola nao é des- vinculada do contexto social em que esta inserida, mas sim marcada pelo sistema social e, portanto, sob o véu de neutralidade, acaba por reproduzir as diferengas de classes, o que se traduz numa violéncia simbélica. Desta forma, a cultura torna-se instrumento de poder, pois legitima a ordem vigente. A teoria da escola como aparelho ideolégico de Estado repre- senta a reflexao feita por Louis Althusser, fildsofo francés, a partir do pensamento de Marx, sobre a seguridade da produco por meio da garantia de reprodugao de suas condigdes materiais. | As condigées materiais que estao postas na transformagio da natureza em cultura se dao por meio da ideologia. A exploracao e a dominagao de uma classe so veladas, de forma que a classe tra- balhadora acredita serem valores universais aqueles impostos pela classe dominante. O Estado, como aparelho repressivo (em que o individuo res- peita as leis para nao ser punido) e ideoldgico (instituigdes que ga- rantem a dominagao pela ideologia), visa garantir a ordem vigente, tendo como um de seus instrumentos a escola. Roger Establet e Christian Baudelot, utilizando a matriz tedri- ca marxista, retomando Althusser e criticando Bourdieu e Passeron em alguns pontos, escrevem sobre a divisio da escola e desenvolvem a teoria da escola dualista, na qual a escolarizagao atende de manei- ras diferentes a burguesia e o proletariado, tendo, portanto, a escola, a fungdo de reproduzir as divisdes sociais entre trabalho intelectual e trabalho manual. Esse grupo de teorias deve ser considerado critico porque compreende a educagdo em sua relacio com a sociedade e influen- Digitalizado com CamScanner 20 ciou estudos sobre a educagao (na América Latina, especialmente na década de 1970), Porém, como “[...] chegam invariavelmente A con- clusio de que a fungiio propria da educagio consiste na reprodugio da sociedade em que ela se insere, bem merecem a denominagio de ‘teorias crftico-reprodutivistas” (SAVIANI, 2008b, p. 13). Nesse senti- do, essas teorias, a0 mesmo tempo em que desvelaram a articulagao da educagio com os interesses da burguesia, também propagaram 0 pessimismo entre os educadores, impactados com a impossibilidade de “|...] articular os sistemas de ensino com os esforgos de supera¢ao do problema da marginalidade [...]” (idem, p. 24). ¢) Teorias criticas Designam teorias que fazem uma anilise critica da sociedade e, consequentemente, da educagao, sendo que o posicionamento delas é de que a educago, como fendmeno social, é determinada pelas classes sociais opostas, com interesses, valores e comportamentos diversos. Podem-se localizar dois grandes grupos nas teorias criticas. No primeiro grupo, as propostas inspiradas nas concepgées libertadora e libertéria e no segundo, a pedagogia critico-social dos contetidos e a pedagogia histérico-critica. No caso das teorias do primeiro grupo, pode-se afirmar que elas esto centradas “[...] no saber do povo e na autonomia de suas organizagées [preconizando] uma educacio auténoma e até certo ponto, a margem da estrutura escolar” (SaviANI, 2007, p. 412). Jé nas teorias do segundo grupo, a centralidade est4 na educagio escolar, com valorizagao do acesso da classe trabalhadora ao conheci- mento sistematizado. Afirma Saviani (idem, p. 413) que essa tendéncia {..J aglutinou representantes cuja orientagio te6rica predominante- mente se inspirava no marxismo, entendido, porém, com diferentes aproximagées: uns mantinham como referéncia a visio liberal, inter- pretando o marxismo apenas pelo angulo da critica as desigualdades sociais e da busca de igualdade de acesso e permanéncia nas escolas ‘rganizadas com o mesmo padi de qualidade; outros se empenhavuam Digitalizado com CamScanner 2 em compreender os furddamentos do materialism histirico, buscando arti- caular a educagio com uma concepgdio que se contrapunha a visdo liberal [grifo meu] A pedagogia histérico-erftica pertence ao grupo empenhado em fundamentar-se no materialismo histérico, contrapondo-se a pedago- gia liberal. Visto que este trabalho se fundamenta nessa concepgao, que se estruturou como alternativa ao “negativismo pedagégico” que, preocupado em denunciar a reprodugao capitalista atribuiu énfase ao papel reprodutor da escola, seus fundamentos serio explicitados. A pedagogia hist6rico-critica busca compreender a hist6ria “[...] a partir do seu desenvolvimento material, da determinagao das condig6es materiais da existéncia humana” (SAVIANI, 2003, p. 88). Nesse sentido, esta teoria pedagégica toma posigao na luta de classes aliando-se aos interesses dos dominados e surge “[...] em decorréncia de necessidades postas pela pratica dos educadores nas condigdes atuais” (idem, p. 93). Para esse autor, a educagiio escolar tem cardter especifico e central na sociedade, o papel do professor é fundamental no ensino, o currfculo deve ser organizado com base nos contetidos classicos e a transmissio do conhecimento é basilar. Desta forma, considera-se que na busca da superagao das peda- gogias tradicional e do “aprender a aprender” a pedagogia hist6rico- -critica se torna referéncia por sua coeréncia tedrica e posicionamento ideoldgico. Essa concepgao comega a ser organizada teoricamente no final da década de 1970. Suas ideias iniciam-se nas discusses da primeira turma de doutorado da Pontificia Universidade Catdélica de Sao Paulo (PUC-SP), em 1979, e avangam em termos de sistematizagdo com o texto “Escola e democrs a além da teoria da curvatura da vara”, publicado na revista da Associagtio Nacional dle Educagiio (ANDE) em 1982. Esse texto integra a obra Escola ¢ democracia, langada em 1983, na qual Dermeval Saviani aborda as principais tendéncias pedagégicas, contextualiza as contribuigées e limitagées dos diferentes grupos de teo- ia: pa Digitalizado com CamScanner 22 rias e propde uma pedagogia (que ini denominar-se histérica crlticn + partir de 1984) que supere por incorporagio elementos das escola trl forma de acterizé-los em relagfio aos outros mtr: cional e nova. O autor organiza stia proposta metodolégica na Passos para compari-los e (Herbart e Dewey). O autor define a pedagogia proposta afirmande Uma pedagogia articulada com os intetesses populares valorizwr pois, a escola; nfo serd indiferente ao que ocorre em sew interior tard empenhada em que a escola funcione bem; portanto, estar’ inn ressada em métodos de ensino eficazes. Tais métodos si além dos métodos tradicionais e novos, superando por incorpors, as contribuigées de uns e de outros. Serio métodos que estimularse, atividade e iniciativa dos alunos sem abrir mo, porém, da iniciaty do professor; favorecerio o didlogo dos alunos entre si e com 0 profes- sor, mas sem deixar de valorizar o didlogo com a cultura acumulads historicamente; levariio em conta os interesses dos alunos, 08 ritines de aprendizagem e 0 desenvolvimento psicol6gico, mas sem perder de vista a sistematizagao ldgica dos conhecimentos, sua ordenagin e gradacao para efeitos do processo de transmissio-assimilagio dos contetidos cognitivos [Saviant, 2008b, pp. 55-56]. A tabela 1 indica as caracterfsticas da proposta organizativa de cada método, apoiado pela tendéncia pedagdgica a qual pertence, segundo as indicagées feitas por Saviani. ppartida da prética D.do Atividade: (pritica social): | faluno: iniciativa |iniciativa de e aluno, ldo professor. alunos. devidos niveisde| es Ay 7 Problema: como. ws A presentagao Peete que. |Mlentficagio dos princgas 2 [senemes — firerompen | guemitesbxt eonhectmentos Tarividade dos [Ptlapritica cial pelo professor. fa (problematicagio). (continua) Digitalizado com CamScanner 23 (continuagio) 10 dos instrumentos props tedricos © priticos necessirios Assimilagio cle conteridos transmitidos pelo professor. ateta de dados. Jao equacionamento dos [problemas da prética social (instrumentalizagio), Expresso elaborada forma de entendimento da pratica social a que se lascendeu (catatse). Ponto de chegada da pratica Jeducativa (pratica social modificada): passagem Ida sincrese a sintese - a lcompreensao torna-se mais lorganica. Tabela I: Passos metodol6gicos das diferentes pedagogias (SaViANi, 2008b, pp. 56-58). Passo 3 la nova Passo 4 |Generali Hipstese. Passo 5 | Aplicacio. lExperimentagao. A teflexao desenvolvida pela pedagogia histérico-critica bus- ca propor novos caminhos, para que a critica nao seja esvaziada pela falta de solugdes e organizagéo metodolégica do pensamento. Sendo assim, os momentos propostos por esta formulagio teérica serdo a seguir explicitados. a) Ponto de partida da prdtica educativa (prdtica social): etapa na qual se deve levar em conta a realidade social do educando. Neste primeiro momento, o professor tem uma “sfntese precaria”, pois hé um conhecimento e experiéncias em relagao a pratica so- cial, mas seu conhecimento é limitado, pois ele ainda nao tem claro © nfvel de compreensio dos seus alunos. Por sua vez, a compreen- sdo dos alunos é sincrética, fragmentada, sem a visdo das relagdes que formam a totalidade. O primeiro momento do método articula- -se com o nivel de desenvolvimento efetivo do aluno, tendo em vista a adequac’o do ensino aos conhecimentos j4 apropriados e ao desenvolvimento iminente, no qual o ensino deve atuar, Com isso se quer dizer que esse momento deve, com base nas demandas da pratica social (o que nao é sinénimo de demandas do cotidia- no), selecionar os conhecimentos historicamente construfdos que Digitalizado com CamScanner 24 devam ser transmitidos, traduzidos em saber escolar, O ponto de iva é 9 partida da praitica educ busea pela apropriagio, por parte dos alunos, das objetivagdes humanas. importante destacar que o saber das criangas, baseado em suas experiéncias do cotidiano, pode contribuir para a estruturagao do inicio da agao pedagdgica, mas nao é condigéo para ela. Isto por duas r es: primeiro, porque as experiéncias dos alunos siio basea- m-si” ¢ a forma das no senso comum, referem-se ao conhecimento “ de conhecimento que a escola deve dedicar-se a desenvolver é 0 conhecimento “para-si”. A segunda razio, decorrente da primeira, é que a escola, dedicando-se ao saber erudito, nem sempre encontrar nos interesses imediatos e nos conhecimentos prévios dos alunos os contetidos que a escola deve transmitir e isso nao significa que por isso nao deva criar as necessidades e oferecer os conhecimentos his- toricos e elaborados. Concordando com Facci (2004b, p. 235): [...] sem diivida alguma, a experiéncia da vida cotidiana da crianga deve ser levada em conta no processo de ensino-aprendizagem, no entanto o professor deve agit na reestruturagio qualitativa deste conhecimento espontneo, levando o aluno a superé-lo por meio da apropriagdo do conhecimento cientifico-tedrico. Na relagao dialé- tica entre conceito espontaneo e conceito cientifico, percebe-se 0 desenvolvimento das FPS’. b) Problematizagao: momento de levantar as questées postas pela pritica social. E a ocasiéio em que “[...] se torna evidente a relagio_ escola-sociedade com as quest6es da pratica social (que precisam set resolvidas) ¢ os conhecimentos cientificos e tecnolégicos (que deve ser acionados)” (VALE, 1994, p. 220). Trata-se de colocar em dell forma e o contetido das respostas dadas A pritica social, questionane do essas respostas, apontando suas insuficiéncias e incompletudes; de- monstrar que a realidade ¢ composta por diversos elementos interligae : 7 Fungées psicoldgi as superiores. Digitalizado com CamScanner 25 dos, que envolvem uma série de procedimentos e agées que precisam ser discutidas. No momento da problematizagiio, o professor precisa ter claro ando-se como orientaré © desenvolvimento da aprendizagem, bi naquilo que j4 tem como material da etapa anterior e seus objetivos de ensino. Além disso, seu planejamento deve abordar as diversas di- mensdes do tema e evidenciar a importéncia daquele conhecimento, fazendo-o ter sentido para o aluno. c) Instrumentalizagdo: momento de oferecer condigées para que o aluno adquira o conhecimento. Tendo sido evidenciado 0 ob- jeto da agdo educativa e feita a mobilizagdo dos alunos para 0 con- tevido que esté em questao, é preciso instrumentalizar os educandos para equacionar os problemas levantados no momento anterior, pos- sibilitando-lhes, de posse dos instrumentos culturais que lhes permi- tam compreender o fenémeno em questo de forma mais complexa e sintética, dar novas respostas aos problemas colocados. A apro- priagdo dos instrumentos fisicos e psicolégicos permite a objetivagio dos individuos, tornando “érgaos da sua individualidade” 0 que foi construfdo socialmente ao longo da histéria humana. A importancia dessa instrumentalizagio esta em possibilitar 0 acesso da classe trabalhadora ao nivel das relagdes de elaboragio do conhecimento e nao somente sua producio. A produgao do saber 6 social, se dé no interior das relagdes so- ciais. A elaboragio do saber implica expressar de forma elaborada o saber que surge da prética social. Essa expresso elaborada supse . Daf 1 importancia da escola: se a escola nao permite 0 acesso a esses 1 domfnio dos instrumentos de elaboragio e sistematiza instrumentos, os trabalhadores ficam bloqueados e impedidos de ascender ao nivel da elaboragio do saber, embora continuem, pela sua atividade prética real, a contribuir para a produgiio do saber [Saviant, 2003, p. 77}. Digitalizado com CamScanner 26 d) Catarse: momento culminante do processo educativo, quando 0 aluno apreende o fendmeno de forma mais complexa, Fé uma transformagio ¢ a aprendizagem efetiva acontece, E preciso dizer que a catarse nao se dé em um ponto exclusivo, pois se trata da sintese, que vai acontecendo de maneira cada vez mais aprofindada, Na verdade, « apresentagio de “passos" é um re- curso didatico que foi utilizado para fazer analogia ds pedagogias tra- dicional e nova, sendo mais adequado a pedagogia hist6rico-critica a mengio a momentos, visto a interdependéncia existente entre as etapas. Sio, portanto, momentos que se articulam toda vez que se quer ensinar algo. A problematizagao exige a instrumentalizagio e esta nada ser4 se nao houver apropriagao dos instrumentos. O momento da catarse é parte do processo de homogenei- zagao, “|...] que se efetiva enquanto superagao da heterogeneidade da vida cotidiana [...]” (DUARTE, 2007, p. 61). Segundo esse autor (2010, p. 152), “[...] a catarse opera uma mudanga momentanea na relagdo entre a consciéncia individual e o mundo, fazendo com que 0 individuo veja o mundo de uma maneira diferente daquela propria ao pragmatismo e ao imediatismo da vida cotidiana”. Essa mudanga, sendo parte de um proceso, é caracterizada pela diferenga qualita- tiva entre o antes e o depois da catarse. Sendo assim, 0 momento catartico modifica a relagio do individuo com o conhecimento, sain- do do sincretismo caético inicial para uma compreensio sintética da realidade, relacionando-se intencional e conscientemente com 0 conhecimento. Para Saviani (2008b, p. 57), nesse momento ocorre “[..J a efetiva incorporagio dos instrumentos culturais, transforma- dos agora em elementos ativos da transformagao social”. e) Ponto de chepada da pritica educative (pratica social modificada): © educando, tendo adquirido ¢ sintetizado o conhecimento, tem entendi- mento e senso eritico para buscar seus objetivos de maneira transforma- dora. Quando o aluno problematiza a pritica social e evolui da sincrese para a sfntese, est no caminho da compreensio do fendmeno em sua totalidade. O primeiro ¢ 0 quinto momento sio a pritica social, mas di- Digitalizado com CamScanner 7 ferem no sentido de que ao final do processo essa pritica se modifica em razio da aprendizagem resultante da pratica educativa, produzindo alte- ragdes na qualidade e no tipo de pensamento (do empirico ao teérico).. f importante que a proposta metodolégica da pedagogia histérico-critica nao seja incorporada como um teceitudrio, desven- cilhada de scus fundamentos tedricos, pois seu embasamento visa garantir aos dominados aquilo que os dominantes dominam, de for- ma que contribua para a luta pela superacao de sua condigéo de exploragao (SAVIANI, 2008b), e por isso nao é concebfvel utilizar essa metodologia para a manutengio da ordem vigente. O livro Pedagogia histérico-critica: primeiras aproximagées foi lan- cado em 1991, reunindo textos anteriormente publicados em revistas cientificas e, a partir da 8° edigdo, sendo acrescido de dois novos textos. Nesse livro, Saviani aborda, em forma de capftulos, os seguin- tes temas: escola e saber objetivo na perspectiva hist6rico-critica; sobre a natureza e especificidade da educagio; competéncia politi- ca e compromisso técnico; a pedagogia histérico-crftica no quadro das tendéncias criticas da educagao brasileira; a pedagogia hist6rico- -critica e a educagao escolar; a materialidade da ago pedagégica e os desafios da pedagogia histérico-critica; contextualizago histérica e teérica da pedagogia hist6rico-critica. Vale destacar, com base nessa obra, que a natureza do trabalho educativo corresponde a um trabalho que incide sobre ideias, valo- res, princ{pios simbolos, conceitos etc. e que a especificidade do tra- balho educativo “[...] € 0 ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada individuo singular, a humanidade que € produzida histérica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAvIANI, 2003, p. 13). A partir da compreensio da natureza e especificidade da educagio, € preciso olhar entao para o seu objeto, que “[...] diz respeito, de um lado, a identificagao dos elementos culturais que precisam ser assi- milados pelos individuos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, A descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo” (idem, ibidem). Digitalizado com CamScanner 28 Note-se que Saviani explicita a necessidade de identificagao dos elementos culturais necesstrios 4 humanizagio do individuo, ste af um duplo posicionamento do trabalho educativo, ou seja, dos educadores. O trabalho educativo posiciona-se em relagio A cul- tura humana historicamente produzida, Por sua vez, esse posiciona- mento requer outro, sobre o processo de formagéo dos individuos, sobre agiio dos individuos. A abordagem histérico-critica esta bastante clara nessas duas tomadas de posigiio. Afinal, uma concep- ao historicizadora e erftica da cultura humana nao se posiciona sobre aquilo que considera as conquistas mais significativas e duradouras para a humanidade? Igualmente, uma concepgio historicizadora e critica da individualidade humana nao estabelece como referéncia maior possibilidades socialmente existentes de vida humana, para fazer a critica &s condigdes concretas da vida dos individuos e estabelecer © que seja a humani diretrizes para o processo educativo deles? Também o desenvolvimento histérico da humanidade se mos- tra como a referéncia de Saviani (2003) quando este argumenta que uma educagio escolar comprometida com a classe trabalhadora se concentraria naquilo que é 0 nticleo clissico da escola, ou seja, a trans- missio e a apropriag&io do conhecimento objetivo e universal. Aque- les que identificam o conceito de conhecimento objetivo e universal com a neutralidade e o anti-historicismo positivistas, Saviani responde que se trata exatamente do contrério, isto 6, somente uma concepgaio hist6rico-dialética que trabalhe com as categorias de totalidade, con- tradicio e historicidade pode superar a identificacao positivista entre objetividade e neutralidade e superar também a concepgio metafisica de universalidade substituindo-a pela nogdo de que a universalidade do conhecimento se constitui em produto histérico da totalidade da prtica social humana. Mesmo no adverso contexto da década de 1990 (neoliberalismo € p6s-modernismo), muitos educadores continuaram a trabalhar na perspectiva da pedagogia histdrico-critica. Uma demonstracio disso foi a realizacio, em 1994, na UNesP, campus de Marilia-SP do “Simpé- Digitalizado com CamScanner 29 sio Dermeval Saviani ¢ a Educagiio Brasileira”, que reuniu mais de seis- centos participantes interessados em discutit com o proprio Saviani sua obra e atuagao profissional. Desse evento, elaborou-se 0 livro Dermeval Saviani e a educagdo brasileira: 0 Simpédsio de Marllia (Sttva Jomior, 1994), Os artigos dessa publi im na compreensio do pensamento, do autor e de sua fundamentagio tedrica. Scheibe (1994, p. 168) aponta alguns autores que contribuem na fundamentagéio tedrica da pedagogia histérico-critica: Marx, os uxill Gramsci e Snyders e seu posicionamento enfatico e polémico “{...] na busca de um pensamento critico dialético para a educagio”. Oliveira (1994, p. 107), afirmou nessa ocasiao que a obra de Saviani [...] esta sempre estreitamente vinculada ao seu ato de pensar os pro- blemas da educagao, sejam aqueles relativos a politica educacional, 20 idedrio pedagégico, as diversas préticas educativas etc. Sua obra, Portanto, tem uma peculiaridade: caracteriza-se pelo ato de pensar os problemas da educacio brasileira, tendo uma fundamentagio teérica que, de fato, opera como base e orientagdo desse pensar. Os alicerces tedricos da pedagogia histérico-critica, no entan- to, nao podem ser mais bem explicitados do que pelo préprio Saviani (2007, p. 420): A fundamentacao tedrica da pedagogia hist6rico-ritica nos aspectos filoséficos, econdmicos e politico-sociais propde-se expli- citamente a seguir as trilhas abertas pelas agudas investigagdes de- senvolvidas por Marx sobre as condigées histéricas de produgao da existéncia humana que resultaram na forma da sociedade atual domi- nada pelo capital. E, pois, no espfrito de suas investigagdes que essa proposta pedagégica se inspira. Frise-se: é de inspiragao que se trata no de extrair dos clissicos do marxismo uma teoria pedagdgica. Pois, como se sabe, nem Marx, nem Engels, Lénin ou Gramsci de- senvolveram teoria pedagégica em sentido proprio. Assim, quando esses autores sio citados, o que estd em causa nio é a transposigdo de seus textos para a pedagogia e, nem mesmo, a aplicagéo de suas Digitalizado com CamScanner 30 anilises ao contexto pedagdgico. Aquilo que est4 em causa é a ela. boragio de uma concepgdo pedagdgica em consonfincia com a con. cepgiio de mundo e de homem prépria do materialismo histérico, Na virada do século, ja eram perceptiveis os sinais de revigo- ramento do interesse pela abordagem marxista nos varios campos da pritica social, inclusive a educagdo, Os educadores que nao haviam deixado de trabalhar na linha da pedagogia histérico-critica volta- ram a ocupar um espago importante nos debates sobre os destinos da escola brasileira. As obras de Dermeval Saviani sao um exemplo da vitalidade dessa corrente pedagégica. O livro Escola e democracia est em sua 41* edigdo, com mais de 200 mil exemplares vendidos. A obra Pedagogia histérico-critica: primeiras aproximagées encontra-se na 10° edigao, com mais de 35 mil exemplares vendidos. Hist6ria das ideias pedagégicas no Brasil {4 se encontra na 3* edigao e recebeu em 2008 © prémio Jabuti na categoria “Educagao, psicologia e psicandlise”, sendo importante contribuigdo para compreender-se a trajetéria das ideias pedagégicas no Brasil desde sua origem. Em dezembro de 2009, o grupo de pesquisa “Estudos Marxistas em Educagao” promoveu na Unesp (campus de Araraquara-SP) um seminério comemorativo dos trinta anos da pedagogia hist6rico-critica, no qual se reuniram pro- fessores e alunos de graduagdo e pés-graduagao de 69 instituigées, 37 cidades, 11 estados brasileiros. Isso indica que os educadores con- tinuam discutindo alternativas pedagégicas que respondam a uma educagao critica na formagao dos individuos. Uma das diferengas entre a pedagogia hist6rico-critica e as pedagogias que se tornaram grandes modismos nas tiltimas décadas, como o construtivismo, a pedagogia das competéncias, a pedagogia dos projetos e o multiculturalismo, reside no posicionamento peran- te a questo da verdade. Essas pedagogias retiram da escola a tarefa de transmissao do conhecimento objetivo, a tarefa de possibilitar 0s alunos o acesso a verdade. Na direcao oposta, a pedagogia hist6rico- -erftica defende que: Digitalizado com CamScanner 31 1) contra uma educagio centrada na cultura presente no co- tidiano imediato dos alunos que se constitui, na maioria dos casos, em resultado da alienante cultura de massas, deve-se lutar por uma educagio que amplie os horizontes culturais desses alunos; 2) contra uma educagiio voltada para a satisfagio das neces- sidades imediatas e pragmaticas impostas pelo cotidiano alienado dos alunos, deve-se lutar por uma educagio que produza nesses alunos necessidades de nfvel superior, ne- cessidades que apontem para um efetivo desenvolvimento da individualidade como um todo; 3) contra uma educagéo apoiada em concepgées do conhe- cimento humano como algo particularizado, fragmentado, subjetivo, relativo e parcial que, no limite, negam a possi- bilidade de um conhecimento objetivo e eliminam de seu vocabulério a palavra verdade, deve-se lutar por uma edu- cago que transmita aqueles conhecimentos que, tendo sido produzidos por seres humanos concretos em momen- tos hist6ricos espectficos, alcangaram validade universal e, dessa forma, tornam-se mediadores indispens4veis na com- preensio da realidade social e natural o mais objetivamen- te que for possfvel no estagio histérico no qual se encontra atualmente o género humano. Sem esse nfvel de compreensio da realidade social é imposst- vel o desenvolvimento de ag6es coletivas conscientemente dirigidas para a meta de superagdo da sociedade capitalista. E nesse sentido que se interpretam as palavras de Dermeval Saviani quando este afir- mou que a tarefa da pedagogia histérico-critica em relagdo 4 educa ao escolar implica: a) Identificagdo das formas mais desenvolvidas em que se expres- sa 0 saber objetivo produzido historicamente, reconhecendo as Digitalizado com CamScanner 32 condigées de sua produgio © compreendendo as suas prinetpais manifestagdes bem como as tendéncias atuais de transformagio; 1b) Conversio do saber objetivo em saber escolar de modo a torné-lo assimilavel pelos alunos no espago e tempo escolares; c) Provimento dos meios necessétios para que os alunos nfo apenas assimilem o sa- ber objetivo enquanto resultado, mas apreendam o processo de sua produgo bem como as tendéncias de sua transformago (SAVIANI, 2003, p. 9). A prioridade que a pedagogia histérico-critica atribui ao con- tetido do trabalho educativo, a defesa intransigente que essa pedago- gia faz do papel da escola na socializagio das formas mais desenvolvi- das do saber objetivo significa, em termos de agées praticas, agudizar no campo da educagio escolar as contradigdes da sociedade capita- lista. Saviani afirma que: [...] continuar insistindo no discurso da fora propria da educagao como solucao das mazelas sociais ganha foros de nitida mistificagio ideol6gica. Ao contrério disso, faz-se necessério retomar o discurso critico que se empenha em explicitar as relagdes entre a educagéo seus condicionantes sociais, evidenciando a determinagio recfpro- ca entre a pratica social e a pritica educativa, entendida ela propria como uma modalidade espectfica da pritica social. E é esta, sem da- vida, a marca distintiva da pedagogia histérico-critica. Mais do que isso, o momento atual 6 oportuno para se retomarem os esforgos de desenvolvimento ¢ aprofundamento dessa teoria pedagdgica. Reitero, assim, aos professores o apelo para que busquem testar em sua prética as potencialidades da teoria, ao mesmo tempo em que renovo o mew ‘empenho em prosseguir em minhas pesquisas, visando a trazer novos elementos que ampliem e reforcem a consisténcia da proposta educa- tiva traduzida na pedagogia hist6rico-critica [idem, p. XIII]. Vale destacar que a pedagogia histérico-critica no é uma pro- posta acabada. Os desafios tedricos apontados por Saviani (2003) poderiam ser condensados em duas grandes diregées: “[...] uma im- plicaria desenvolver aspectos da teoria que ainda requerem maior elaboragao; a outra diregio seria sistematizar, explicitar aspectos que Digitalizado com CamScanner 33 a teoria jf contém, até mesmo ja elaborou, mas ainda nao deu a eles uma forma sistematizada, articulada em termos de uma formulagéo organica, ampla, totalizante e coerente” (idem, p. 105). Essa concepgao vem firmando-se ao longo das (iltimas décadas, tendo como referéncia fundamental o nome de Dermeval Saviani. No entanto, sua constituigéo é uma tarefa coletiva. Segundo Duarte (1994, p. 130): ‘A construgio coletiva dessa pedagogia esté em andamento tanto no que diz respeito A elaboragio tebrica, quanto no que diz respeito ao enfrentamento dos problemas postos pela pratica no campo edu- cacional. H4 muito por ser feito nessas duas diregdes. Entendo que, a0 estudarmos e analisarmos o pensamento de Dermeval Saviani, no podemos adotar a postura cOmoda e acomodada de esperar encontrar nesse pensamento toda a teoria da pedagogia histérico-critica. Trata- se, isto sim, de buscar elementos a partir dos quais possamos avangar na elaborag’o de nosso préprio pensamento. Diversas obras vém contribuindo na diregdo do avango e for- talecimento da pedagogia histérico-critica®. Entretanto, como afir- ma Gasparin (2002, p. 151): “Os autores que tratam da pedagogia hist6rico-critica se referem com muita propriedade a fundamentos, implicagGes sociais mais amplas, e estabelecem conexao entre edu- cagio e sociedade. Mas nem sempre explicitam as agées didaticas necessdrias para que os professores possam aplicar essa proposta tedrico-metodolégica nos diversos campos de conhecimento”. A dificuldade dos professores na transposigao da pedagogia hist6rico-critica para a pratica pedagégica, conforme apontada por Gasparin (idem, p. 152) e também notada por mim em minhas aulas e meus trabalhos com professores, relaciona-se a duas questées: “[...] 8 Por exemplo: Arce e Martins, 2007 e 2009; Bueno, 2009; Duarte, 1998, 1999 e 2007; Duarte e Della Fonte, 2010; Eidt, 2009; Facci, 2004b; Francioli, Marsiglia e Duarte, 2009; Gasparin, 2002; Geraldo, 2009; Marsiglia, 2009; Marsiglia e Duarte, 2009a; Martins, 2001 e 2007a; Mazzeu, 2007a; Pasqualini, 2006 e 2010; Rossler, 2004; Saviani, 2003, 2007, 2008a, 2008b; Silva Jinior, 1994. Digitalizado com CamScanner 34 a) dificuldade em entender a teoria ¢ seus fundamentos hist6rico- -materialistas, eb) como passar dessa teoria a um projeto de ensino- -aprendizagem especffico de um determinado contetido”. Assim, este livro também intenciona, assiin como o de Duarte (1998, p. 10), e de outros pesquisadores’, contribuir com o “|... forgo coletivo que vem sendo realizado por muitos educadores neste pais, de construgdo de uma concepgio afirmativa sobre 0 ato de en- sinar”, 9} Citarei abalhos encontrados no banco de teseadise realizada pela palavra-chave *pedagogia histérico-ertica” cujo resumo mencionava que o trabalho realizou uma inte nesse referencia te6rico, Nao houve uma andlise de piaglo dos conceitos marxistas nas tses/lissertagées Cararo, 2008; Dinardi, 2005; Genoves, 2006; Matiaz0- 2006; Scaleon, 2003; Tonus, 2009; Zuquieri, 2007, Digitalizado com CamScanner 3 2 E 5 8 QD £ 5 oO £ 8 8 § 8 aS s > a Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagao (CIP) (CAmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Marsiglia, Ana Carolina Galvao A pritica pedagégica histérico-critica na educagio infantil e ensino fundamental / Ana Carolina Galvao Marsiglia. = Campinas, SP : Autores Associados, 2011. - (Colegio Educagao contemporinea) Bibliografia ISBN 978-85-7496-266-5 1, Educagao - Brasil - Hist6ria 2, Educa¢ao infantil 3, Ensino 4, Ensino fundamental 5. Pedagogia historico-critica 6. Pratica social 7, Professores 8. Sociologia educacional I. Titulo. Il. Série. 11-00042 CDD-370.115 Indice para catdlogo sistematico: 1. Pedagogia hist6rico-critica na educagio infantil e ensino fundamental : Educagao 370,115 Impresso no Brasil - abril de 2011 Copyright © 2010 by Editora Autores Asociados LTDA. Dep6sito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei n, 10.994, de 14 de dezembro de 2004, {que revogou o Decreto-Lein. 1.825, de 20 de dezembro de 1907. Nenhuma parte da publicagdo poderd ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer meio, seja eletrOnico, mecinico, de fotocépia, de gravagio, ou outros, sem pré- via autorizagio por escrito da Editora. © Cédigo Penal brasileiro determina, no artigo 184: “Dos crimes contra a propriedade intelectual Violagao de diteito autoral Art. 184, Violar direito autoral Pena ~ detengio de ts meses a um ano, ou mult 1° Sea violagio consistir na reprodugio, por qualquer meio, de obra intelectual, no todo ‘ow em parte, para fins de comércio, sem autorizagio expressa do autor ou de quem 0 represente, ou consistir na reprodugdo de fonograma e videograma, sem autorizagio do produtor ou de quem o represente: Pena ~ reclusio de um a quatro anos e multa.” s ——<$<<——_—$——— Digitalizado com CamScanner

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