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Amputacao Depressao Ansiedada
Amputacao Depressao Ansiedada
Stephanie Di Martino Sabino1, Richelle Maitê Torquato1, Adriana Cristina Guimarães Pardini1
RESUMO
Amputação consiste na retirada de um membro, total ou parcialmente, por cirurgia ou trauma.
A causa mais frequente de amputações é vascular (75% em membros inferiores), seguida por
traumas (20%) e tumores (5%). Após a amputação, o paciente geralmente passa por uma série de
reações emocionais. Dentre as mais comuns, pacientes amputados podem apresentar quadros de
ansiedade, depressão e desesperança. Objetivo: Verificar a incidência de Ansiedade, Depressão
e Desesperança em pacientes com amputação de membros inferiores que chegaram ao Centro
de Reabilitação. Método: Participaram desta pesquisa 31 pacientes no período de maio a agosto
de 2011. Os pacientes foram submetidos à realização de um questionário de caracterização da
amostra e as escalas Beck de Ansiedade, Depressão e Desesperança. Resultados: Os pacientes
que tinham companheiro apresentaram menores níveis de Ansiedade e Desesperança e os pa-
cientes que saíam semanalmente apresentaram menores pontuações na escala de depressão.
Conclusão: Os pacientes com amputação de membros inferiores apresentaram boas estratégias
de enfrentamento ou estão em processo de negação de sua condição atual, ou ainda aliviados pela
melhora do quadro álgico.
ABSTRACT
Amputation is the removal of a member, in whole or in part, by surgery or trauma. The most fre-
quent cause of amputations is vascular disorders (75% in lower limb), followed by traumas (20%)
and tumors (5%). After amputation, patients usually survive with a series of emotional reactions.
Among the most common, amputees patients may live with anxiety, depression and hopeless-
ness. Objective: The objective of this study assessed the incidence of anxiety, depression and
hopelessness in patients with lower limb amputations bottom who arrived at the Rehabilitation
Center. Method: 31 patients participated of this survey from May to August 2011. Patients under-
went the completion of a questionnaire to characterize the sample and the Beck Anxiety scales,
depression and hopelessness. Results: Patients who had a partner had lower levels of anxiety
and hopelessness and patients who were leaving each week had lower scores on the depression
scale. Conclusion: We conclude that patients with lower limb amputations showed better coping
strategies or are in denial of their current condition, or alleviated by improved pain.
DOI: 10.5935/0104-7795.20130037
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Ansiedade, depressão e desesperança em pacientes amputados de membros inferiores
INTRODUÇÃO Indivíduos com depressão tendem a ter com amputação de membros inferiores ao
baixa autoestima, sentem-se incapazes e chegarem ao Centro de Reabilitação, auxilian-
A amputação consiste na retirada de um membro, culpam-se por seus fracassos, duvidam de sua do a definição de conduta de tratamento na
total ou parcialmente, por cirurgia ou trauma.1 capacidade de fazer algo para melhorar sua vida psicologia.
As cirurgias de amputação são reconstru- e sentem desesperança em relação ao futuro.7
tivas, pois visam restaurar o membro doen- De acordo com Beck et al.8 a desesperança
te. Sendo assim, a cirurgia é planejada para apresenta aspectos de uma visão pessimista e MÉTODO
que este membro se torne útil para posterior negativa referente ao futuro e pensamentos
reabilitação.2 autoderrotistas. Os autores também relatam Realizou-se um estudo com pacientes de
No Brasil, não existe estatística precisa re- que a desesperança está fortemente relacio- ambos os sexos, com idade maior ou igual a
ferente ao número de amputações realizadas nada à depressão e ao sentimento de fracasso. dezesseis anos e 11 meses, com o diagnóstico
por ano, mas calcula-se que 85% delas Segundo Braga & Cruz9 a desesperança ca- de amputação não traumática de membros in-
ocorrem em membros inferiores (MMII).3 racteriza-se por passividade, afeto e verbaliza- feriores, com tempo de amputação de até três
A causa mais frequente de amputações ção diminuídos, e com conteúdo desesperan- anos, e que estivessem presentes na Avaliação
é vascular (75% em MMII), associada ou não çado, apetite diminuído, diminuição de res- Global ou Avaliação Inicial da Clínica de Ampu-
ao diabetes e a faixa etária desses pacientes posta a estímulos, alterações no sono, falta de tados da AACD unidade Ibirapuera da cidade
amputados é, em média, de 60 anos. As cau- iniciativa e falta de envolvimento no cuidado. de São Paulo.
sas traumáticas (20%) afetam, na sua maio- A perda de uma parte do corpo pode impli- Os critérios de exclusão foram pacientes
ria, jovens em idades produtivas da vida e os car em profundas desorganizações na estrutura com déficit cognitivo e com alterações psi-
tumores (5%), que podem ser benignos ou psicológica do indivíduo, desestruturando seu quiátricas importantes e pacientes que reali-
malignos (mais comum é o osteossarcoma) esquema corporal, fazendo-se necessário um zaram reabilitação anterior.
acometem mais as crianças e adolescentes processo complexo de reorganização da sua Este estudo foi aprovado pelo Comitê de
ainda em fase de crescimento.4 vida. Este processo pode ser o principal respon- Ética de nossa Instituição e todos os partici-
Após a amputação, o paciente geralmente sável pela dificuldade de assimilar uma prótese pantes assinaram o Termo de Consentimento
passa por uma série de reações emocionais, que possa substituir o membro perdido. Livre e Esclarecido.
pode vivenciar um desajustamento ao ter que Esquema corporal é definido como a to- Dessa forma, a pesquisa foi aplicada no pe-
lidar com a dependência forçada e a perda da mada de consciência do indivíduo no seu ríodo de abril a agosto de 2011, respeitando a
auto-estima.5 mundo sensitivo ou uma maneira de expres- disponibilidade do paciente, individualmente,
Em estudo realizado por Senra et al.6 os sar que seu corpo está no mundo. É através da pelas pesquisadoras, em sala reservada.
pacientes relataram mudanças causadas pela consciência de si que este se torna capaz de Inicialmente, foi aplicado um questionário
amputação, como dificuldades com as habi- conhecer o mundo.5 de caracterização da amostra para dados epi-
lidades básicas e atividades diárias, perda de O corpo individualiza o ser humano, res- demiológicos sobre o paciente e a amputação.
independência, sentimentos de inferioridade, tabelecendo a fronteira da sua identidade Participaram desta pesquisa 31 pacientes,
problemas relativos ao bem-estar, mudanças pessoal; portanto, sua condição é corporal.10 predominando o sexo masculino com 71%. A
negativas em sua vida profissional, mudanças Na amputação, o indivíduo vive a perda de idade dos pacientes variou entre 43 e 80 anos,
de identidade e mudanças em sua vida afetiva uma parte do corpo como um aniquilamento, sendo a média de 62 anos. A maioria dos pacien-
ou sexual. Tais pacientes relataram diferentes não reconhece esse corpo como seu, porque não tes (58,1%) vivia com os(as) companheiros(as).
reações e sentimentos como tristeza, revolta, consegue apropriar-se dele. É considerada uma Em relação ao grau de escolaridade, 61,3%
choque, aceitação, pensamentos de raiva e perda concreta diante da qual o indivíduo não en- dos pacientes possuíam Ensino Fundamen-
ideação suicida. contra possibilidade de reparação, considerando tal Incompleto; 3,2% Ensino Fundamental
Dentre as reações emocionais comuns, o este quadro como uma depressão patológica.11 Completo; 3,2% Ensino Médio Incompleto;
paciente amputado pode apresentar quadros A percepção distorcida e negativa sobre 16,1% Ensino Médio Completo; 6,5% Ensino
de ansiedade, depressão e desesperança. A a aparência física (distúrbios de autoimagem Superior e 9,7% eram Analfabetos. Quanto
ansiedade é definida como uma emoção de- corporal) está relacionada com ansiedade.2 aos níveis de amputação dos pacientes, 41,9%
sagradável caracterizada por preocupação, Após a amputação, o paciente precisa se ajus- apresentaram amputação Transfemoral,
apreensão, tensão e medo.7 tar ao seu novo corpo e recuperar a autoestima.12 38,7% Transtibial e 19,4% amputação bilateral.
Sintomas depressivos são frequentes em Ansiedade, depressão, imagem corporal e Referente ao aspecto religioso, 61,3% dos
pessoas com amputação. Elas apresentam desconforto social têm sido apontados como pacientes era Católico; 29% Evangélicos; 6,5% dis-
tristeza, pesar, isolamento social, perda de consequências frequentes do processo de am- seram não ter Religião e 3,2% Israelita. Do total,
apetite, distúrbios do sono, entre outros.2 putação e a adaptação à perda do membro 17% diziam-se praticantes e 12% não praticantes.
A depressão é considerada um transtorno vai depender de como o indivíduo vivencia Dos pacientes participantes da pesquisa,
quando os sintomas se tornam tão severos a amputação e como o seu apoio social e 93,5% não trabalhavam e 6,5% trabalhavam,
que prejudicam o funcionamento normal do reabilitação são percebidos.6 sendo que destes, 77,4% estavam aposentados.
indivíduo e se estendem por várias semanas Quanto à frequência com que os pacientes
seguidas. Os sintomas físicos da depressão saíam socialmente, 33,3% saíam a cada três
incluem mudanças de apetite, perturbações OBJETIVO meses; 30% saíam semanalmente; 23,3% saíam
do sono, fadiga e perda de energia, pode uma vez por mês e 13,4% a cada quinze dias.
exacerbar pequenas dores. e se preocupar Identificar a incidência de ansiedade, Do ponto de vista das Atividades de Vida
excessivamente com a sua saúde. depressão e desesperança em pacientes Diária, 93,5% dos pacientes eram independen-
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tes para o banho; 96,8% eram independentes do futuro imediato e remoto”.13 O escore total diferença entre os dois grupos na BDI (p = 0,03)
para vestir-se; 83,9% independentes para lo- é o resultado da soma dos itens individuais. e na BAI (p = 0,01). Nos dois casos, o ranking
comoção dentro de casa; 38,7% independen- Pode variar de 0 a 20, que é a estimativa da médio dos participantes que tinham compa-
tes para locomoção fora de casa e 90,3% para extensão das expectativas negativas frente ao nheiro era menor do que a dos que não tinham
transferências. futuro que pode ser fragmentado em níveis. (13,08 contra 20,04 para BDI e 12,44 contra
Com relação ao tempo de amputação, Os escores de 0-3 caracterizam nível mínimo 20,92 para BAI). Portanto, os pacientes que
3,23% dos pacientes sofreram a amputação de desesperança; 4-8: leve; 9-14: moderado e tinham companheiro apresentaram menores
num período menor de seis meses; 25,81% acima de 14: desesperança grave níveis de Ansiedade e Depressão.
sofreram amputação em um período de sete Para verificar se havia relação entre as
a doze meses; 38,7% entre 13 e 24 meses; Escalas Beck e o aspecto social dos partici-
6,45% entre 25 e 30 meses e 25,81% em um RESULTADOS pantes (frequência com que saíam), foi apli-
período de 31 a 36 meses. cado o teste não-paramétrico Kruskal Wallis,
Além do questionário da caracterização da Foram encontrados 8 casos de Depressão utilizado para comparar variáveis numéricas
amostra, foram aplicadas as escalas Beck de Leve, 4 casos de Depressão Moderada e 3 ca- em mais de dois grupos independentes, sen-
Ansiedade, Depressão e Desesperança, tradu- sos de Depressão Severa, sendo que destes, do equivalente ao teste paramétrico ANOVA.
zidas e validadas para uso no Brasil.13 sete foram classificados com Depressão de Nesse caso, observou-se uma tendência a di-
O Inventário de Ansiedade Beck (BAI) acordo com a nota de corte (18) do manual da ferença na resposta de BDI das pessoas que
é uma escala de auto-relato, que mensu- escala. Além disso, foram encontrados 8 casos declararam sair semanalmente, em relação
ra a intensidade de sintomas de ansiedade. de Ansiedade Leve, 1caso de Ansiedade Mo- as que saíam com menor frequência, sendo
É constituído por 21 itens, com afirmações derada e 2 casos de Ansiedade Grave. Na esca- que os participantes que saíam semanalmen-
descritivas de sintomas de ansiedade, que de- la BHS, os resultados apontaram para 5 casos te tiveram ranking médio menor do que o de
vem ser avaliados pelo sujeito com referência de Desesperança Leve, 3 casos de Desesperan- seus pares (9,00 contra 20 para os que saíam
a si mesmo, numa escala de quatro pontos ça Moderada e 1caso de Desesperança Grave. a cada 15 dias, 18,43 para os que saíam uma
que refletem níveis de gravidade crescente de Os resultados obtidos para ansiedade vez por mês e 17,50 para os que saíam a cada
cada sintoma. O escore total é o resultado da (BAI) mostram que 64,51% dos participantes três meses), o que indica que sua pontuação
soma dos escores dos itens individuais e per- apresentaram classificação de ansiedade na BDI foi menor.
mite a classificação em níveis de intensidade mínima, 25,81% ansiedade leve, 3,23%
da ansiedade. Considerando-se os escores de moderada e 6,45% grave (Figura 1).
0-10: ansiedade mínima; 11-19: ansiedade Quanto à depressão, obteve-se que 51,61% DISCUSSÃO
leve; 20-30: ansiedade moderada e 31-63: an- dos pacientes apresentaram classificação mínima
siedade grave. para depressão, sendo 22,58% para leve, 16,13% O presente estudo teve como objetivo ve-
O inventário de Depressão Beck (BDI) é para moderada e 9,68% para grave (Figura 2). rificar índices de ansiedade, depressão e de-
uma escala de autorrelato contendo 21 itens, Os resultados da escala de desesperança fo- sesperança em pacientes com amputações de
cada um com quatro alternativas que repre- ram: 70,97% dos pacientes apresentaram escore membros inferiores ao chegarem a um centro
sentam graus crescentes de gravidade da de- mínimo para desesperança, 16,13% leve, 9,68% de reabilitação. Com o resultado da aplicação
pressão com escores de 0 a 3. Os itens do BDI moderada e 3,22% desesperança grave (Figura 3). dos instrumentos, verificamos que a maioria
se referem à tristeza, pessimismo, sentimen- A partir dos resultados obtidos com a aplica- dos participantes apresentou classificação
to de fracasso, insatisfação, culpa, punição, ção das escalas Beck, observou-se que a maioria mínima tanto para ansiedade quanto para
autoaversão, autoacusações, ideias suicidas, dos pacientes apresentou classificação mínima depressão e desesperança.
choro, irritabilidade, retraimento social, inde- para ansiedade, depressão e desesperança. Rybarczyk et al.15 sugerem diversas
cisão, mudança na autoimagem, dificuldade Devido ao tamanho reduzido de nossa respostas psicológicas positivas associadas à
de trabalhar, insônia, fatigabilidade, perda amostra, realizamos o teste não-paramétrico experiência da amputação. Alguns pacientes
de apetite, perda de peso, preocupações so- Mann-Whitney para verificar se haveria di- veem na amputação uma luz mais positiva
máticas e perda da libido. O escore total é a ferença na pontuação dos participantes nas como a oportunidade para o amadurecimento
soma dos escores individuais dos itens e per- diferentes escalas de Beck. De acordo com psicológico.
mite a classificação de níveis de intensidade Siegel & Castellan14 o Mann-Whitney é um Verificamos que os pacientes que ti-
de depressão. Considerando-se os escores de teste equivalente ao teste T, que é usado para nham companheiro apresentaram menores
0-11: depressão mínima; 12-19: depressão verificar se duas amostras independentes são níveis de Ansiedade e Depressão e que ha-
leve; 20-35: depressão moderada e 36-63: diferentes no que diz respeito a variáveis no- via uma tendência a diferença na resposta
depressão grave. Segundo Cunha13 escores minais. Não foram observadas diferenças es- de BDI das pessoas que declararam sair se-
acima de 18 dariam a triagem de uma possível tatisticamente significantes. manalmente, em relação as que saíam com
depressão para a população geral. Foi realizada a correlação entre os resul- menor frequência. Para os outros resulta-
A Escala de Desesperança Beck (BHS) é tados obtidos nas escalas e os dados do ques- dos, não houve diferença estatisticamente
uma escala dicotômica que contém 20 itens tionário de caracterização da amostra, sendo significante.
sobre afirmações que envolvem cognições so- possível verificar alguns resultados estatistica- Para Desmond & MacLachlan16 há uma
bre desesperança. Ao concordar ou discordar mente significantes. considerável variação na dinâmica psicosso-
com cada uma delas, o sujeito descreve sua Comparamos os resultados das três escalas cial de indivíduos amputados. Muitos se adap-
atitude, permitindo que seja possível “avaliar a de Beck com o estado civil dos participantes tam bem, especialmente quando se sentem
extensão das expectativas negativas a respeito (com e sem companheiro). Encontrou-se amparados por uma rede social acolhedora.
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