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Aquisição e desenvolvimento da

linguagem

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Aquisição e desenvolvimento da
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SUMÁRIO

LINGUAGEM X LÍNGUA ............................................................................................................ 3


LINGUAGEM X FALA................................................................................................................. 6
ABORDAGENS DA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM .................................................................. 6
ABORDAGEM EMPIRISTA........................................................................................................ 9
ABORDAGEM RACIONALISTA – INATISTA ............................................................................ 9
ABORDAGEM DIALÉTICA – INTERACIONISTA.................................................................... 10
Jean Piaget ............................................................................................................................... 11
Henri Wallon ............................................................................................................................. 14
Lev Semynovitch Vygotsky ...................................................................................................... 16
EXISTEM PERÍODOS CRÍTICOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM? ... 22
Neste estágio, é observado o início do desenvolvimento da estrutura gramatical e do
diálogo. ..................................................................................................................................... 33
ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM ............................................................................................ 42
ALTERAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM/IMPEDIMENTOS
ESPECÍFICOS DA LINGUAGEM/DISTÚRBIO ESPECÍFICO DE LINGUAGEM ................... 46
Fatores causais ........................................................................................................................ 49
Incidência .................................................................................................................................. 50
Características .......................................................................................................................... 50
Hipóteses sobre ocorrência das alterações da linguagem...................................................... 51
SUBCLASSIFICAÇÃO DO DISTÚRBIO ESPECÍFICO DE LINGUAGEM ............................. 58
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 61

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LINGUAGEM X LÍNGUA

Antes de começarmos nossos estudos sobre as teorias de aquisição de


linguagem, é importante entender a diferenciação entre linguagem e língua. Vejamos
o quadro abaixo:
LINGUAGEM LÍNGUA
Reflete um sentido mais amplo que “É um sistema abstrato de regras
o conceito de língua. gramaticais”. (FERNANDES, 2003, p. 02).

“É um sistema de comunicação “Língua (langue) é um código, culturalmente


natural ou artificial” (FERNANDES, herdado, uma imposição de regras em
2003, p. 01). diferentes níveis, um valor social, algo coletivo
e uniforme para todos os falantes, uma
“É um sistema simbólico usado pra estrutura organizada que tem seus limites e é
representar os significados dentro de adquirida inconscientemente pelo indivíduo
uma cultura.” (LAW, 2001, p. 02). imerso numa comunidade social.”
(ISSLER,1996, p. 35).
“Linguagem (parole) deve Ex.: língua portuguesa, língua inglesa.
entender-se um ato de liberdade,
uma possibilidade de selecionar
livremente dentro dos diversos
elementos em estoque no código,
seja fonêmico, da sintaxe ou da
semântica. É um valor individual,
algo que não é uniforme para todos.
É uma criação da pessoa, própria de
cada um. É adquirida
conscientemente.” (ISSLER,1996, p.
36).
Ex.: você é bonito, you are
beautiful, tu es joli.

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É necessário saber diferenciar bem estes conceitos para poder identificar onde
está a alteração quando avaliada. Linguagem é toda e qualquer expressão do
pensamento, sendo que a língua é uma forma de linguagem, como também a
linguagem corporal, música, pintura, símbolos. Porém, linguagem não é um tipo de
língua e contém um conceito muito mais amplo. A expressão oral é considerada uma
das formas mais conhecidas e importantes de comunicação entre os humanos
(FERNANDES, 2003), no entanto, outros tipos de linguagem podem ser utilizados.
Vejam as figuras a seguir: são símbolos utilizados no nosso dia a dia para comunicar
algo/linguagem.

Veja os questionamentos abaixo; você já fez estas perguntas?


• Como as crianças adquirem a linguagem?
• Como as crianças aprendem tão rápido a língua materna?
• Será que elas já nascem com uma predisposição ou é adquirida?
• Existe um período crítico para uma aquisição?
• Existe uma diferença entre o processo de aquisição da linguagem de uma
criança normal e uma criança com algum tipo de desvio?
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A linguagem é um dos aprendizados mais complexos que o homem


desenvolve, sua aprendizagem se estende por toda sua vida. Os estudos sobre
aquisição da linguagem, além de ter merecido atenção especial de especialistas de
diversas áreas (linguística, psicologia, medicina), também despertaram indagações
entre os pesquisadores interessados no assunto – dúvidas e controvérsias ainda
persistem. Várias teorias foram formuladas e reformuladas para tentar explicar, assim,
estudaremos um pouco sobre estas teorias, propostas ou abordagens.

Estudos sobre aquisição da linguagem visam tentar explicitar

De que modo o ser humano parte de um estado no qual não possui qualquer
forma de expressão verbal e, naturalmente, ou seja, sem a necessidade de
aprendizagem formal, incorpora a língua de sua comunidade nos primeiros anos de
vida, adquirindo um modo de expressão e de interação social dela dependente.
(CORREA, 1999, p. 01).
Cupello (1993, p. 7) inicia o segundo capítulo de seu livro afirmando que “Todo
ser humano já nasce com a necessidade de aprender uma língua, para poder se
comunicar com o mundo.” Para Borges e Salomão (2003), a primeira forma de
socialização da criança é a linguagem, e geralmente são os pais, por meio da fala
durante o manuseio com o bebê, que efetuam esta interação. Por intermédio da
linguagem, a criança tem acesso, antes mesmo de aprender a falar, a valores, crenças
e regras, adquirindo os conhecimentos de sua cultura. Conforme a criança se
desenvolve, a visão e audição, e os outros órgãos do sentido, também se
desenvolvem, ficando mais refinados. Dessa forma, a criança alcança um nível
linguístico e cognitivo mais elevado, desenvolvendo cada vez mais seus códigos de
linguagem. A aquisição da linguagem é um trajeto longo e difícil, embora ocorra
naturalmente. Muito antes de começar a falar, a criança está habilitada a usar o olhar,
a expressão facial e o gesto para comunicar-se com os outros. O choro já é uma
manifestação de tentativa de se comunicar; no início é indiferenciado e a partir da
segunda/terceira semana, ganha características de diferenciação.
No desenvolvimento da linguagem, duas fases distintas podem ser
reconhecidas: a pré-linguística, em que são vocalizados apenas sons isolados (sem

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palavras) e que persiste até 11 e 12 meses. A fase linguística, quando a criança


começa a falar palavras isoladas com compreensão. Este processo é contínuo e
ocorre de forma ordenada e sequencial com sobreposição considerável entre as
diferentes etapas deste desenvolvimento.
Quatro sistemas interdependentes envolvem o processo de aquisição da
linguagem:
• O pragmático, que se refere ao uso comunicativo da linguagem num
contexto social;
• O fonológico envolvendo a percepção e a produção de sons para formar
palavras;
• O semântico, respeitando as palavras e seu significado; e
• O gramatical, compreendendo as regras sintáticas e morfológicas para
combinar palavras em frases compreensíveis.

LINGUAGEM X FALA

Falaremos um pouco também sobre fala X linguagem. Transcrevo abaixo um


parágrafo de Law que explica muito bem esta diferenciação: A fala constitui-se de
produção verbal, o que inclui tanto um componente fisiológico quanto um componente
linguístico. O primeiro compreende a capacidade de articulação e inclui a estrutura da
cavidade oral, bem como os ressonadores (laringe, etc.), aliados ao movimento
funcional da língua, do véu palatino, etc. A articulação é tratada convencionalmente
sob o aspecto fonético. O segundo componente abrange o som ou o sistema
fonológico da língua usada. A fala também inclui a capacidade de coordenar
movimentos volitivos do aparelho fonador. A esta denomina-se práxis, a qual está,
frequentemente, associada à fluência da fala. (LAW, 2001, p. 2).
Para o autor, a linguagem “é o sistema simbólico usado para representar os
significados dentro de uma cultura.” (LAW, 2001, p. 02).

ABORDAGENS DA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

Os estudos sobre aquisição e desenvolvimento da linguagem vêm sendo


realizados há muito tempo. Apresentamos, assim, as três principais abordagens no

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quadro abaixo:
TABELA
Abordagem empirista Abordagem racionalista Abordagem dialética

O pensamento empirista foi a Atribuem à mente aA linguagem tem um papel


base para as duas primeiras responsabilidade pela aquisição da constitutivo, fruto de um
teorias em aquisição. A mente linguagem, na figura do cérebro. processo interacional.
não era considerada Pressupõem que todo ser humano Surgem duas grandes ideias:
fundamental para justificar onasce com uma capacidade inata necessária mediação na relação
processo de aquisição, que subjaz o processo de da criança com o mundo
importava somente que oaquisição. Para os racionalistas, o externo; e a de que o uso
conhecimento humano eraprocesso de aquisição não se dá antecede e subsidia o saber.
produzido a partir de suas apenas pelas variáveis externas Rejeita a ideia de aquisição e
experiências com o mundo por (experiência) como acreditam os aceita a de construção, sendo
intermédio de estímulos e empiristas (behavioristas), mas fruto da interação entre a
respostas. A aprendizagem da que o indivíduo tem participação criança e o meio. Principais
linguagem se daria pela nesse processo. Na tentativa de expoentes Piaget, Vygotsky e
exposição ao meioexplicar como ocorre essa Wallon.
(experiências) e decorrente de participação, inúmeras pesquisas
mecanismos foram levantadas e tomaram
comportamentais por meio do impulso originando o aparecimento
reforço, estímulo e resposta. do inatismo.
Esse pensamento é
essencialmente
comportamentalista oriundo da
tradição norte-americana e
ganhou forças a partir da
Primeira Guerra Mundial, que
impulsionava estudiosos a
compreender o
comportamento linguístico,
reduzindo a mecanismo e
estímulo-resposta, imitação e
reforço.
Behaviorismo Inatistas Construtivistas

Pressupõe que a criança Ao contrário dos behavioristas, As teorias cognitivistas e


desenvolve seu mundo oua aquisição da linguagem não se interacionalistas. Essas
conhecimento linguístico pordá por repetição e sim por meio teorias convergem e

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meio de estímulo e resposta da predisposição em adquirir uma divergem entre si. Ambas
(E – R), imitação e reforço. língua que é transmitido construtivistas, as duas partem
B. F. Skinner fundamenta suageneticamente. Ou seja, a criança já do mesmo pressuposto de que
teoria com base nos reforços quenasceria com certa competência em as crianças constroem a
a criança sofre que podem ser adquiri- la. No entanto, esse linguagem, porém, diferem de
esforços positivos ou negativos. conhecimento considerado inato só é como elas contraem essa
De acordo com esses reforços, a ativado por intermédio do contato linguagem. Enquanto que o
criança manteria ou eliminaria com outras pessoas que falem a cognitivismo representado por
algum tipo de comportamento mesma língua a qual a criança está Piaget propõe que a criança
referente à linguagem e isso a exposta. Por meio desse contato constrói seu conhecimento por
ajudaria a construir, aintenso, as sentenças recebidas pela meio da experiência com o
desenvolver e a aprender uma criança são trabalhadas gerando a mundo físico e que nesse
determinada língua. Ogramática de sua língua, tudo isso conhecimento se desenvolve
Behaviorismo, porém, não levou por meio de um dispositivo de por estágio admitindo o
em conta a criatividade que a aquisição da linguagem: o DAL. egocentrismo da criança; o
criança possui, sendo isto, Noam Chomsky é seu principal interacionalismo de
portanto, alvo de vários estudosrepresentante. Vygostsky se baseia nas trocas
posteriores. comunicativas entre a criança e
o adulto, o desenvolvimento
da linguagem e o
pensamento têm origem social
por meio dessa interação.

Conexionismo ou
associacionismo

Essa teoria admite que o


cérebro e suas redes neurais
são responsáveis pelo
aprendizado imediato no
mesmo instante que ocorre a
experiência. Essa teoria baseia-
se na interação entre o
organismo e o ambiente, porém,
não explica com coerência a
rapidez com que a criança
aprende uma língua.

Obs.: vários autores citam Piaget, Vygotsky e Wallon na abordagem


racionalista – numa proposta construtivista. Sigo aqui Palladino (PALLADINO, R. R.
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R. Desenvolvimento da linguagem. In: FERREIRA, L. P. et al. (org.) Tratado de


fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004. p. 762/771), que divide em três abordagens,
sendo que Piaget, Vygotsky e Wallon estão enquadrados na abordagem dialética.
Pode-se fazer também uma divisão em estudos da linguagem dentro da
psicolinguística e dentro da neurolinguística. A psicolinguística estuda o desempenho
linguístico de indivíduos normais buscando a lógica interna da linguagem,
comparando línguas, idades etc. Tem como um dos principais representantes
Chomsky – afirmando que existem características universais na aquisição da
linguagem.
A neurolinguística, apoiada em estudos da neurologia e da neurofisiologia,
utiliza técnicas para obter imagens funcionais do sistema nervoso para estudar a
linguagem, a fala e suas funções correlatas. Utiliza também técnicas de estimulação
e registro elétrico ou magnético do tecido cerebral.
Aqui vamos utilizar a classificação dos estudos da aquisição da linguagem mais
utilizada na literatura que é dividida em: abordagem empirista, racionalista/inatista e
dialética/interacionista.

ABORDAGEM EMPIRISTA

Encontramos como principal linha o behaviorismo, e num segundo plano o


conexionismo. O behaviorismo, ou teoria do comportamento, pressupõe que a criança
desenvolve seu mundo ou conhecimento linguístico por meio de estímulo e resposta
(E – R), imitação e reforço. B. F. Skinner fundamenta sua teoria com base nos reforços
que a criança sofre, que podem ser esforços positivos ou negativos. De acordo com
esses reforços, a criança manteria ou eliminaria algum tipo de comportamento
referente à linguagem e isso a ajudaria a construir, a desenvolver e aprender uma
determinada língua. O behaviorismo, porém, não levou em conta a criatividade que a
criança possui, esta, portanto, seria alvo de vários estudos posteriores. Já o
conexionismo ou associacionismo admitem que o cérebro e suas redes neurais sejam
responsáveis pelo aprendizado.

ABORDAGEM RACIONALISTA – INATISTA

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A linguística estuda a estrutura dos códigos, os fatos da língua. Dentro da


linguística, a psicolinguística estuda a linguagem e seus processos. A partir de 1960,
os estudos da linguagem infantil foram transformados em ideias sob uma abordagem
influenciada pelos linguistas. Para eles, até então, os estudos sobre linguagem haviam
ignorado completamente as descobertas da linguística. O inatismo nasceu de uma
reação contra o behaviorismo e procurando dar conta do aspecto “criativo” da
linguagem, a teoria chomskyana apoiou-se no pressuposto de que o ser humano
dispõe de uma capacidade inata para a linguagem.
Esta abordagem, que tem Noam Chosmky como seu principal representante,
segundo Palladino (2004), supõe “a determinação da linguagem pela mente, na figura
do cérebro”. O inatismo trata a linguagem como um conhecimento, sendo que sua
aquisição é a atualização de um saber prévio, inato. Chomsky postula sobre a
Gramática Universal, ou seja, universais cognitivos e linguísticos inerentes a todos os
indivíduos e ao meio; cabe apenas estimular este potencial já existente nas crianças.
Quando ativados, estes universais reconhecem os estímulos apresentados e atuam
de modo a desenvolvê-los – ou seja, toda criança nasce com um conhecimento
subjacente de uma gramática geral, universal, e o meio em que ela vive vai ativar este
conhecimento (FERNANDES, 2003).
Para os inatistas, a linguagem é entendida como sintaxe, considerada como
um conjunto, sendo que a aquisição efetua-se a partir de princípios universais e de
parâmetros que especificam as variações destes princípios nas línguas – princípios e
parâmetros estes que fazem parte do equipamento genético da criança (SOARES,
2009). Para Chomsky, muitos dos princípios inatos que determinam a natureza do
pensamento e da experiência podem ser ativados inconscientemente.

ABORDAGEM DIALÉTICA – INTERACIONISTA

Para Palladino (2004, p. 765), as reflexões sobre a linguagem, na visão


dialética, surgem em contrapartida ao modelo inatista, trazendo duas grandes ideias:
“a de uma necessária mediação na relação da criança com o mundo externo e a de
que o uso antecede e subsidia o saber.”
O interacionismo ofereceu muitas respostas às lacunas deixadas pelas teorias
comportamentais e inatistas, ao partir do pressuposto de que o sujeito interage

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ativamente com o meio e que este modifica aquele em função de sua ação. Isto
favoreceu muitas pesquisas, e entre os autores que discutem esta abordagem
encontramos Piaget, Wallon e Vygotsky, que divergem entre si em alguns pontos
sobre desenvolvimento e linguagem.
Saleh (2008, p. 160) cita que para o interacionismo, a relação da criança com
a linguagem supõe sempre a presença do outro e da língua. O outro, como aquele
que interpreta a criança; a língua como o que permite essa interpretação. Assim, para
dar conta da mudança da fala infantil é preciso considerar não só a fala da criança (e
sua história), mas ver como essa fala se relaciona com a fala do adulto e com a própria
língua. São os efeitos da fala dos adultos sobre a fala da criança que a levam adiante
na linguagem e fazem com que seu percurso nessa seja único.

Jean Piaget

O discurso da Epistemologia Genética de Piaget enfatiza a ação da criança


sobre o meio físico, da qual decorreria a construção de estruturas cognitivas
fundamentais para todo o tipo de desenvolvimento – os esquemas sensório-motores.
Esquema é um padrão de comportamento ou pensamento, que emerge da integração
de unidades mais simples e primitivas em um todo mais amplo, mais organizado e
mais complexo. A criança, quando nasce, apresenta poucos esquemas
– e são esquemas reflexos; conforme vai se desenvolvendo, estes
esquemas tornam-se generalizados, mais diferenciados e mais numerosos.
Tafner (2008) exemplifica os esquemas como o funcionamento é mais ou
menos o seguinte, uma criança apresenta certo número de esquemas, que
grosseiramente poderíamos compará-los como fichas de um arquivo. Diante de um
estímulo, essa criança tenta "encaixar" o estímulo em um esquema disponível. Vemos,
então, que os esquemas são estruturas intelectuais que organizam os eventos como
eles são percebidos pelo organismo e classificados em grupos, de acordo com
características comuns.
Ao tratar da aquisição da linguagem, Piaget postula que a linguagem aparece
após um estágio do desenvolvimento cognitivo, portanto, não é inata e precisa esperar
o desenvolvimento de uma etapa cognitiva para que a criança possa começar a
manifestar processos de “assimilação” ligados à aquisição da língua. (FERNANDES,

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2003).
A figura, a seguir, representa esquematicamente o pensamento piagetiano:

Cognição Linguagem

Nascimento

FONTE: Fernandes, 2003.

Para Palangana (2001, p. 23) o fator de equilibração desempenha um papel


fundamental no processo de desenvolvimento do indivíduo, servindo como alicerce da
teoria piagetiana – necessário para explicar todos os demais fatores do
desenvolvimento. O desenvolvimento pessoal, para Piaget, é função de atividades
múltiplas em seus aspectos de exercício, de experiência e de ação. Estes aspectos
devem estar coordenados entre si, pressupondo “um sistema de autorregulação ou
equilibração, que dependerá das circunstâncias tanto quanto das potencialidades
epigenéticas.” Ou seja, quando assimilação e acomodação estão em harmonia, o
sujeito está adaptado, em equilíbrio.
A assimilação é o processo cognitivo pelo qual uma pessoa integra um novo
dado perceptual, motor ou conceitual às estruturas cognitivas prévias. Exemplificando:
quando uma criança, andando pela rua, tem novas experiências (ouve/vê objetos,
coisas diferentes, novas), ela tenta adaptar esses novos estímulos às estruturas
cognitivas que já possui.
Para Piaget, acomodação é toda modificação dos esquemas de assimilação
sob a influência de situações exteriores ao quais se aplicam. Ou seja, a acomodação
acontece quando a criança não consegue assimilar um novo estímulo, pois não tem
uma estrutura cognitiva que assimile esta nova informação em função das
particularidades desse novo estímulo. Como ela não tem a estrutura, ela cria um novo
esquema ou modifica um esquema já existente. Tanto uma ação como a outra
resultam em uma mudança na estrutura cognitiva – a acomodação. Quando ocorre
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acomodação, a criança pode tentar assimilar o estímulo novamente, e uma vez


modificado a estrutura cognitiva, o estímulo é prontamente assimilado.
Piaget divide o desenvolvimento em quatro estágios ou períodos: sensório-
motor (0 – 2 anos); pré-operatório (2 – 7,8 anos); operatório-concreto (8 – 11 anos) e
operatório-formal (8 – 14 anos).
➢ Período sensório-motor (0 - 2 anos): caracteriza-se pela inteligência
sensório-motora. O bebê, partindo de simples reflexos, consegue
construir esquemas de ação para assimilar mentalmente o meio, chega
progressivamente a uma organização coerente de percepções
sucessivas e movimentos que lhe permitem uma interação com os
objetos reais do seu meio imediato: inicialmente, as condutas sensório-
motoras dirigem-se ao próprio corpo (sucção, audição, visão, etc.),
orientando-se, em seguida, aos objetos externos. Uma coordenação
gradual de ações tem lugar por meio do jogo de assimilações recíprocas,
repetidas, reconhecidas e generalizadas. Também é marca pela
construção prática das noções de objeto, espaço, causalidade e tempo.
Exemplo: o bebê pega o que está em sua mão; "mama" o que é posto em sua
boca; "vê" o que está diante de si. Aprimorando esses esquemas, é capaz de ver um
objeto, pegá-lo e levá-lo a boca (TAFNER, 2008).
➢ Período pré-operacional (2 - 7 anos): nesta fase surge a capacidade
de substituir um objeto ou acontecimento por uma representação –
função simbólica. A atividade sensório-motora não fica esquecida ou
abandonada, mas sim, neste período, é refinada e fica mais sofisticada,
ocorrendo uma crescente melhoria na sua aprendizagem, permitindo
que a mesma explore melhor o ambiente, fazendo uso de mais e mais
sofisticados movimentos e percepções intuitivas.
A criança deste estágio:
 É egocêntrica, centrada em si mesma, e não consegue se colocar,
abstratamente, no lugar do outro;
 Não aceita a ideia do acaso e tudo deve ter uma explicação (é fase dos
"por quês");
 Já pode agir por simulação, "como se";
 Possui percepção global sem discriminar detalhes;

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 Deixa se levar pela aparência sem relacionar fatos.


Exemplo: mostram-se para a criança duas bolinhas de massa iguais e dá-se a
uma delas a forma de salsicha. A criança nega que a quantidade de massa continue
igual, pois as formas são diferentes. Não relaciona as situações (TAFNER, 2008).
➢ Período das operações concretas (7 - 12 anos): é o estágio em que a
criança desenvolve as noções de tempo, espaço, velocidade, ordem,
casualidade, sendo, então, capaz de relacionar diferentes aspectos e
abstrair dados da realidade. Apesar de não se limitar mais a uma
representação imediata, depende do mundo concreto para abstrair. O
conceito de reversibilidade é uma importante aquisição deste estágio.
Exemplo: Despeja-se a água de dois copos em outros, de formatos diferentes,
para que a criança diga se as quantidades continuam iguais. A resposta é afirmativa
uma vez que a criança já diferencia aspectos e é capaz de "refazer" a ação (TAFNER,
2008).
➢ Período das operações formais (dos 12 anos em
diante): as estruturas cognitivas da criança alcançam seu nível mais
elevado de desenvolvimento. A representação agora permite à criança
uma abstração total, não se limitando mais à representação imediata e
nem às relações previamente existentes. Agora a criança é capaz de
pensar logicamente, formular hipóteses e buscar soluções, sem
depender mais só da observação da realidade (TAFNER, 2008). As estruturas
cognitivas da criança alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento e
tornam-se aptas a aplicar o raciocínio lógico a todas as classes de problemas.

Henri Wallon

Henri Wallon (1879/1962) faz oposição a qualquer espécie de reducionismo


orgânica ou social e ao dualismo corpo e alma. O ser humano é “organicamente social,
isto é, sua estrutura orgânica supõe a intervenção da cultura para se atualizar”
(DANTAS, 1992). A compreensão do ser humano deve ter a gênese da inteligência, é
genética e organicamente social, sua teoria é centrada na psicogênese da pessoa
completa. Em seu entendimento, o desenvolvimento cognitivo seria um processo
descontínuo e eminentemente social, sendo que a linguagem tem um papel
fundamental – posição contrária a de Piaget. O objetivo de seus estudos era
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compreender o desenvolvimento psicomotor humano numa perspectiva


psicogenética; para isso estudou os distúrbios psicomotores e mentais da criança
estabelecendo comparações entre o mundo animal e a história da humanidade.
Para o autor, o substrato de toda a atividade mental é a motricidade ou
psicomotricidade, desde que dialeticamente ligada à emoção, ou seja, é o resultado
de uma primeira troca expressiva da criança com o homem e anterior à interação com
o mundo objetivo. Considera também a expressão emotiva um estágio primitivo
– uma pré-linguagem – que será integrado, gradativamente, às atividades
psíquicas superiores, num processo repleto de crises e conflitos.
Para Wallon, a linguagem é produto e produtor da consciência humana; é capaz
de conduzir o pensamento e também capaz de nutri-lo e alimentá-lo (DANTAS, 1992).
Os estágios de desenvolvimento são assistemáticos e descontínuos, sendo
importantes para a formação do ser humano. Estes não são demarcados pela idade
cronológica, e sim pela regressão, conflitos e contradições que ocorrem. Os cinco
estágios de desenvolvimento do ser humano apresentados por Galvão (1995)
sucedem-se em fases com predominância afetiva e cognitiva:
➢ Impulsivo-emocional (1º ano de vida): a predominância da afetividade
orienta as primeiras reações do bebê às pessoas, às quais intermediam
sua relação com o mundo físico;
➢ Sensório-motor e projetivo (um aos três anos): a criança adquire maior
autonomia na manipulação de objetos e na exploração dos espaços com
a aquisição da marcha e da prensa; ocorre o desenvolvimento da função
simbólica e da linguagem. Como diz Dantas (1992), para Wallon, o ato
mental se desenvolve a partir do ato motor;
➢ Personalismo (três aos seis anos): desenvolve-se a construção da
consciência de si mediante as interações sociais, reorientando o
interesse das crianças pelas pessoas;
➢ Categoria: neste estágio observa-se que os progressos intelectuais
dirigem o interesse da criança para as coisas, para o conhecimento e
conquista do mundo exterior;
➢ Predominância funcional: ocorre nova definição dos contornos da
personalidade, desestruturados devido às modificações corporais
resultantes da ação hormonal. Questões pessoais, morais e existenciais

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são trazidas à tona.

Wallon compartilha com Vygotsky a mesma matriz epistemológica, o


materialismo histórico e dialético, sendo que, para Wallon, a emoção é o principal
mediador, enquanto que, em Vygotsky, o sistema de signos e símbolos ocupa tal
papel.

Lev Semynovitch Vygotsky

Para Vygotsky, a linguagem desempenha papel fundamental na construção do


conhecimento, no desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores, e é a
ferramenta psicológica mais importante. Esta permite a formulação de conceitos,
abstrair e generalizar a realidade, por meio de atividades mentais complexas.
Encontramos em Vygotsky (1989, p. 44) que o pensamento verbal não é uma forma
de comportamento natural e inata, mas é determinado por um processo histórico-
cultural e tem propriedades e leis específicas que não podem ser encontradas nas
formas naturais de pensamento e fala.
Ou seja, todos os conceitos são construídos socialmente e internalizados pelos
sujeitos ao longo de sua vida, no decorrer do seu desenvolvimento. Para o autor, a
linguagem se origina num ambiente social que é mediado por pessoas e desempenha
papel importante na própria cognição.

Silva (2009) refere que Vygotsky

Defende a posição de que o processo de aquisição de linguagem está embutido


no processo de socialização do conhecimento... falar e ouvir são práticas sociais com
histórias e consequências sociais, além de expectativas e consequências também
sociais.
Palangana (2001, p. 97-99) afirma que “na perspectiva vygotskyana, a
constituição das funções complexas do pensamento é veiculada principalmente pelas
trocas sociais e, nesta interação, o fator de maior peso é a linguagem, ou seja, a
comunicação entre os homens”.
Desde o nascimento, a criança dispõe de instrumentos para interagir com o

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mundo e que mediam a interação. “A linguagem intervém no processo de


desenvolvimento da criança desde o nascimento.” (PALANGANA, 2001, p. 97-99) No
dia a dia, os adultos vão conversando com a criança, nomeando objetos – com isso
oferecem elementos por meio dos quais ela organiza sua percepção, interagindo com
o mundo.
essa interação, a criança é orientada na discriminação do essencial e do
irrelevante podendo, posteriormente, ser capaz de exercer esta tarefa por si só, ao
tentar compreender a realidade. Assim, com a ajuda da linguagem, a criança controla
primeiro o ambiente e, mais tarde, seu próprio comportamento. A aquisição de um
sistema linguístico organiza, pois, todos os processos mentais da criança, dando
forma ao pensamento.
Em seu livro Linguagem e Pensamento, Vygotsky afirma que linguagem e
pensamento são fenômenos de desenvolvimento independentes nos primeiros meses
de vida, manifestando-se com autonomia; porém, por volta do segundo ano, as curvas
de evolução do pensamento e da linguagem se encontram, passando a exercer uma
relação de dependência mútua – interdependência. Esta união – do desenvolvimento
linguístico e do cognitivo, dará início a uma nova forma de comportamento no
desenvolvimento da criança: a linguagem começa a servir o intelecto e os
pensamentos começam a ser verbalizados. É possível observar, nesta fase, que a
criança tem uma grande curiosidade pelas palavras, perguntando constantemente
pelo nome das coisas, com isso ela amplia substancialmente seu vocabulário.
Observa-se que, pensamento e linguagem, que não estavam interligados até o
momento, estabelecem uma conexão que fica firme e irá se desenvolver. Esses
contatos – linguagem e pensamento – “passam a interferir no complexo universo
cognitivo da criança de modo a determinar, a certa altura, que a linguagem pode servir
de impulso para o pensamento” (FERNANDES, 2003, p. 9; PALANGANA, 2001, p.
101).

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linguagem

Em torno dos 2 anos

Cognição
Linguagem

Nascimento

FONTE: Fernandes, 2003, p.9.

Em seus experimentos, Vygotsky demonstra que “a fala não apenas


acompanha a atividade prática da criança, como também desempenha um papel
específico na sua realização. A criança fala enquanto age... ação e fala fazem parte
de uma mesma função psicológica.” (PALANGANA, 2001, p. 99).
Vygotsky afirma que “ao longo do desenvolvimento, a dinâmica da relação entre
fala e ação se altera” (PALANGANA, 2001, p. 100). Esta relação aconteceria do
seguinte modo:
➢ Do nascimento até por volta dos três anos – fala social: a fala
acompanha as ações da criança, porém, de maneira dispersa e caótica;
➢ Fala egocêntrica: a fala começa a atuar como auxiliar do plano de ação
já concebido, mas ainda não realizado, desloca-se para o início da ação;
➢ Após a idade de seis anos: a fala determina e domina a ação, “adquirindo
função planejadora”, com isso a criança “passa a ter condições de
efetuar operações complexas dentro de um universo temporal, deixando
de agir apenas em função do espaço compreendido pelo seu campo
visual.” (PALANGANA, 2001, p. 100-101).
Em relação ao desenvolvimento das operações mentais que envolvem o uso
de signos, Palangana (2001, p. 104) cita que Vygotsky sugere a existência de quatro
estágios:

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linguagem

• 1º - estágio natural ou primitivo: que corresponde à fala pré-intelectual


(manifestada na forma de balbucio, choro e riso) e ao pensamento pré-
verbal (caracterizada por manifestações intelectuais rudimentares,
ligadas à manipulação de instrumentos);
• 2º - estágios das experiências psicológicas ingênuas: a criança vai
interagir com seu próprio corpo, com objetos e pessoas a sua volta –
com isso busca aplicar as experiências ao uso de instrumentos; é o início
da inteligência prática. Na linguagem, observa-se o uso correto das
formas e estruturas gramaticais, mesmo se a criança ainda não
entendeu suas respectivas representações lógicas; domina a sintaxe da
fala antes de dominar a sintaxe do pensamento;
• 3º - estágio dos signos exteriores: neste estágio “o pensamento atua
basicamente com operações externas, das quais a criança se apropria
para resolver problemas internos.” No desenvolvimento da fala, é o
período da fala egocêntrica;
• 4º - estágio de crescimento interior: caracterizado pela interiorização das
operações externas. Dispondo de memória lógica, a criança pode operar
com relações intrínsecas e signos interiores. No desenvolvimento da
linguagem, este estágio caracteriza-se pela fala interior ou silenciosa.

Quem segue a concepção de linguagem nesta visão, salienta Hage, “não vê a


linguagem só como um código com a finalidade de transmitir informações, excluindo
o sujeito que fala e os fatores múltiplos contextuais de interpretação, mas como uma
atividade, uma ação”. (2001, p. 13). Esta concepção privilegia a linguagem como
procedimento cognitivo e como procedimento comunicativo. Como procedimento
cognitivo, a linguagem tem um papel constitutivo no conhecimento de mundo da
criança; como procedimento comunicativo, tem um papel de ação sobre o outro na
interação social. (HAGE, 2001, p.13)

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linguagem

Obs.:
1) Para Vygotsky, os estágios de desenvolvimento cognitivo não possuem caráter universal;
2) Vygotsky não atribui a mesma conotação de fala egocêntrica que Piaget. “Na concepção
piagetiana, a fala egocêntrica não cumpre nenhuma função verdadeiramente útil no
comportamento da criança e simplesmente se atrofia a medida que se desenvolve o pensamento
socializado, no período operacional concreto.” Já para Vygotsky “a fala egocêntrica desempenha
um papel definido e muito importante na atividade da criança. não permanece
por muito tempo com um mero acompanhamento da ação: constitui-se num meio de expressão e
libertação de tensões, tornando-se logo um instrumento do pensamento... um estágio transitório
na evolução da fala social para a fala interior.” (PALANGANA, 2001, p. 100).
3) Enquanto no referencial Construtivista (Piaget) o conhecimento é entendido como ação do
sujeito sobre a realidade (sujeito ativo), o referencial sócio-histórico enfatiza a construção do
conhecimento como uma interação semiótica mediada por várias relações. Na troca com outros
sujeitos – e consigo próprio – vão se internalizando os conhecimentos, papéis e funções sociais,
o que permite a constituição de conhecimentos e da própria consciência, sendo que nestes
processos a linguagem tem papel fundamental.

Fernandes (2003, p. 9) afirma que qualquer que seja a colocação científica em


torno da aquisição da linguagem, verificamos que a língua tem um papel central na
vida humana, o que nos leva a estudar não apenas o aspecto linguístico e cognitivo
em seu desenvolvimento, mas também, levarmos em consideração os aspectos
anatomofuncionais do indivíduo.

RELAÇÃO ENTRE COGNIÇÃO E LINGUAGEM

Para Mogford & Bishop (2002, p. 23) a relação entre cognição e linguagem é
um tema recorrente e de muito interesse entre os psicolinguistas. Pode a linguagem
desenvolver-se amplamente como um sistema autônomo, ou existe algum dote
cognitivo necessário antes da aquisição da habilidade verbal? Essa pergunta tem
permeado muitas pesquisas. Se essa questão for analisada pela perspectiva de que
certas habilidades cognitivas não verbais são pré-requisitos para o desenvolvimento
da linguagem (como na teoria piagetiana), então “as crianças que não possuem tais
habilidades não seriam capazes de desenvolver a linguagem”. Piaget, como vimos,
salientava que a linguagem aparece após um estágio do desenvolvimento cognitivo,
sendo que o aspecto cognitivo era necessário para o aparecimento da linguagem.
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linguagem

Porém, ao considerar que “as crianças nas quais o desenvolvimento sensorial, motor
ou mental estão prejudicados de várias formas, nas quais a linguagem e outros
aspectos do desenvolvimento cognitivo estejam dissociados”, torna-se possível
demonstrar a independência lógica do sistema cognitivo e linguístico.
Aqui não falaremos das alterações de linguagem nas deficiências auditivas,
cognitivas, mentais, motoras e neurológicas, mas, quando analisamos os aspectos da
linguagem nessas deficiências, pode-se observar que a linguagem pode se manter,
em maior ou menor grau, independente dos aspectos cognitivos.
Vimos que, na concepção de Vygotsky, as atividades mentais e de
comunicação humana são sociais e dialógicas em sua gênese, estrutura e
funcionamento.
Para ele, o desenvolvimento humano se dá nas trocas entre parceiros
sociais, por meio de processos de interação e mediação. Os fatores sociais, de
acordo com Vygotsky, desempenham um papel fundamental no desenvolvimento
intelectual. Quando o conhecimento existente na cultura é internalizado pelas
crianças, as funções e as habilidades intelectuais são provocadas para o
desenvolvimento deste conhecimento; este aprendizado leva ao desenvolvimento,
tornando-se um círculo que leva ao desenvolvimento contínuo. A aprendizagem é o
processo pelo qual o sujeito adquire informações, habilidades, atitudes, valores, etc.,
a partir de seu contato com a realidade, o meio ambiente e com o outro, possibilitando
o despertar de processos internos do sujeito. É na troca com o outro e consigo mesmo
que se vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a
formação do conhecimento e da própria consciência – a troca como outro é feita
por meio da linguagem. Vygotsky aponta uma relação interna (de constitutividade)
entre cognição e linguagem, e como nos traz Morato (2000) “o que coloca Vygtosky
entre os que entendem que a relação entre linguagem e cognição (e não apenas
‘pensamento’) passa pela noção de significação (e não propriamente pela noção de
comunicação ou pela de representação).”
Então, poderíamos dizer: LINGUAGEM → TROCA COM O OUTRO

AQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES/CONHECIMENTOS → TROCA COM O


OUTRO

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POR MEIO DA LINGUAGEM – portanto, linguagem e cognição caminham


lado a lado e se entrelaçam em determinados momentos. O sujeito precisa da
linguagem para desenvolver, precisa do conhecimento para se expressar, e a
expressão desse conhecimento se dá por intermédio da linguagem. Existe uma
interdependência entre cognição e linguagem.

EXISTEM PERÍODOS CRÍTICOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA


LINGUAGEM?

A maioria dos autores concorda que os primeiros anos de vida são cruciais para
o desenvolvimento da linguagem, e de que se algum fator interferir na aquisição da
linguagem neste período, “é possível não poder recuperar posteriormente o déficit de
linguagem, mesmo que o fator causador deste seja retirado” (MOGFORD & BISHOP,
2002, p. 24-25). É o que pode se observar no filme “A maçã”, em que as gêmeas,
após anos e anos trancafiadas, apresentaram um déficit de linguagem muito grande.
Podemos observar que casos de isolamento e negligência (como no filme), privações
– não só alimentar, mas social, emocional e de estimulação no início da vida – podem
interferir e muito na aquisição e desenvolvimento da linguagem. Esses quadros
poderão ser revertidos com a terapia, com estimulação? Alguns, os autores afirmam,
dependendo da idade em que
esse processo terapêutico/estimulação tem início. Quanto mais tarde, mais difícil
recuperar o tempo perdido. Os aspectos de plasticidade na representação neurológica
da linguagem diminuem com a idade, “de forma que a probabilidade de permanecerem
deficiências linguísticas após uma lesão de hemisfério esquerdo aumentar com a
idade.”

AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

Como as crianças se comunicam? Quais as estratégias ou meios que utilizam


para compreender e desenvolver a linguagem? Como é o desenvolvimento normal de
linguagem? Questões como estas estão sempre em questionamento.
Falaremos de maneira geral sobre os principais aspectos do desenvolvimento
da linguagem em crianças normais e suas alterações. Há divergência entre os autores

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linguagem

em relação à divisão cronológica das diferentes etapas do desenvolvimento da


linguagem, porém, a divisão entre período pré-linguístico e linguístico é quase
consenso.
A criança, no primeiro ano de vida, passa por uma série de transformações,
vence uma série de etapas no desenvolvimento cognitivo e motor, necessárias para o
desenvolvimento da linguagem. França (2004, p. 469) cita que “a linguagem como
instrumento de comunicação e elaboração do pensamento é adquirida num sistema
arbitrário de sinais que representa a língua,” sendo que “seu desenvolvimento
depende, portanto, não somente de uma reação perceptomotora entre as percepções
e as praxias, mas de um ato complexo que envolve a cognição.” Para que se
desenvolva, a linguagem necessita de órgãos periféricos (órgãos fonoarticuladores) e
do sistema nervoso central.
Ao nascer, o bebê é estimulado auditivamente, visualmente e tatilmente, e nem
por isso ele começa a falar imediatamente, pois, como afirma Abreu (2008), “os órgãos
necessários para o desenvolvimento da linguagem não são funcionais para o
propósito da comunicação desde o nascimento”, eles vão amadurecendo.
A forma de comunicação do bebê ao nascer ocorre por meio do choro,
inicialmente indiferenciado, passando a partir da segunda ou terceira semana a se
diferenciar, dependendo do estímulo ao qual a criança é exposta e da
necessidade dela. Seria um “repertório de choro” (CUPELLO, 1993) que as mães e
adultos muito próximos, conseguem identificar. Neste período, ainda não há intenção
ou consciência. Aqui, o choro é marcado por diferentes padrões entoacionais,
intensidades e ritmos (SCHEUER; BEFI-LOPES E WERTZNER, 2003).
Gradativamente, a comunicação mãe/bebê fica mais efetiva e aos poucos mais
intencional.
Os dois primeiros anos de vida são cruciais para o desenvolvimento da
linguagem. Neste período, a criança passa por um “treinamento” articulatório por meio
do choro, sons guturais, balbucio; é uma aprendizagem linguística.

TABELA

Idade O que faz


0-2 semanas Choro indiferenciado, não há intenção, nem consciência.

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2-3 semanas O choro ganha características de diferenciação, dependendo do estímulo que a


criança está exposta.
1 mês Sons de “gargarejo” começam a se incorporar na “fala” do bebê.
2-4 meses Começam os sons vocálicos.
3 meses Verdadeiro balbucio.
4-5 meses Os bebês já têm percepção de ritmo, entonação, duração e frequência dos sons.
5 meses Começa a aparecer sequências de vogais e consoantes, geralmente sons velares.
Começam a imitar os sons que ouvem;
As vocalizações começam a adquirir algumas características de linguagem
propriamente dita: aparecem entonações, ritmo e tons diferentes;
Emite sons guturais com um /r/ bem prolongado em resposta ao rosto da mãe quando
6 meses esta se coloca bem à sua frente;
Começa o balbucio (/da/-/ba/-/ka/), aprende logo a reproduzir esses sons; Vocaliza
também uma grande variedade de vogais;
Reage à voz humana a 40db e reconhece a voz da mãe.
Repetições passam a ser mais intencionais; As sílabas ficam mais complexas;
Podem surgir palavras significativas;
9 meses Nessa idade reage a sons familiares e responde a limiares cada vez mais baixos.

Dá-se conta do valor comunicativo do seu comportamento e aprende a controlar isso;


Início da imagem mental da representação do meio ambiente;
10 meses Surge primeira palavra intencional;

Começa a fase pré-conversação;


Vocaliza mais durante os intervalos quando é deixada livre pelo adulto;
Procura espaçar e encurtar as vocalizações para dar lugar às respostas do adulto.
Inicia o uso convencional da linguagem – as crianças normalmente falam as
12 meses primeiras palavras reconhecíveis pelos adultos;
A compreensão ainda é maior que a expressão.
entre 12 e 18 Há um rápido aumento da compreensão e da expressão;
meses Repertório de aproximadamente 50 palavras, usadas de forma isolada; Ainda
apresenta sons sem sentido;
Compreende algumas palavras familiares, por exemplo: mamãe, papai, neném;
As vocalizações são mais precisas e melhor controladas quanto à altura tonal e a
intensidade. Agrupa sons e sílabas repetidas à vontade;
Por volta dos 15 a 18 meses o vocabulário aumenta muito e começa a nomear as
coisas.

15-18 meses

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linguagem

Próximo dos Podem falar um número razoável de palavras;


18 meses Ocorre aumento do vocabulário.
Entre 16 e 19 A maioria das crianças ainda utiliza pistas não verbais – como o olhar.
meses
Ocorre nas crianças grandes mudanças nas habilidades conversacionais; Começam
a compreender que tem necessidade de responder com fala a fala do outro;
Fazem perguntas, compreendem o que lhes é dito; Tomam parte de uma troca
linguística entre duas pessoas; Surgem frases de dois ou três elementos;
Existe um período transacional no qual as sequências de uma só palavra começam
a aparecer reunidas, mas sem ocorrência prosódica que caracteriza uma oração.
exemplo: "papai aqui", "mais água", etc;
Começam a aparecer às primeiras flexões (plural);
As orações negativas são utilizadas por meio do não isolado ou colocado no final;
Entre 18 e 24 por exemplo: "dormir não";
meses As interrogativas: “que?” e “onde?” são as mais primitivas. Verbaliza as
necessidades;
Compreende certas ordens.

Falam em torno de 200 palavras, emitem frases simples;


Aparição de frases rudimentares com pronomes (eu, meu). Estas serão as primeiras
relações simbólicas, já que a criança se designa na terceira pessoa; Constrói bem uma
24-30 meses sequência de três elementos, por exemplo: "neném come pão", com uma estrutura
principal do tipo svs (substantivo-verbo-substantivo);
Esta fase costuma ser chamada de "fala telegráfica", pois não aparece no discurso
as principais palavras-função: artigo, preposição, flexão de gênero, número e grau;
Sabe cantar algumas canções infantis.

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Compreende a aquisição de substantivos abstratos (cores) dos adjetivos, a dimensão


dos termos espaciais (perto/longe);
A estrutura da frase, assim como a maioria dos fonemas, já deve estar estabilizada;
No plano de estrutura das frases, as orações vão se tornando complexas, chegando à
combinação de quatro elementos;
Começam a aparecer as primeiras frases coordenadas, por exemplo: "papai não está”
e “mamãe não está";
Aumenta a frequência do uso das principais flexões: gênero, número e grau; enquanto
vão aparecendo outras formas rudimentares de verbos auxiliares (ser, estar). Por
30-36 meses exemplo: "neném não estar";
Uso mais sistemático dos pronomes de primeira, segunda e terceira pessoa (eu-tu-
ele-ela), dos artigos definidos (o-a). Diversas frases simples com advérbios de lugar
combinados em orações coerentes;
Responde quando é chamada por seu nome.

Habilidade para formular comandos indiretos simples;


Vasta utilização de pronomes possessivos e verbos auxiliares; Eliminação progressiva
dos erros sintáticos e morfológicos;
Começam a aparecer estruturas da voz passiva, assim como outras formas mais
complexas de introdução de frases nominais (depois de, também);
Usa corretamente as principais flexões verbais; infinitivas, presente, pretérito perfeito
e passado;
Os advérbios de tempo são usados com frequência (agora, depois, hoje, amanhã),
ainda que existam confusões no emprego dos advérbios temporais e espaciais;
Já usa um vocabulário de mil palavras;
Gosta de usar as palavras e de jogar com elas; inventa nomes bobos para designar
objetos;
É o apogeu do uso das perguntas: “por quê?”, “como?”;
36-42 meses Começa um período de aumento rápido de vocabulário e de aquisição de noções
complexas. É capaz de compreender ordens simples verbais e gestuais;
No plano sintático aprende a estrutura de orações complexas de mais de um período
com o uso frequente da conjunção "e". Aparecem as subordinadas "mais", "porque" e
as estruturas comparativas "mais que";
Primeiras noções iniciais do uso dos relativos "que", por exemplo: "neném que chora".
Uso das formas negativas, por exemplo: "o menino não dormiu".
Aumenta a complexidade das frases interrogativas;
Os verbos auxiliares "ser e ter" são usados na maioria das vezes de forma correta, o
que possibilita o uso do passado composto "fui passear"; Começa usar frases no tempo
futuro;
Apesar de dominar uma grande quantidade de estruturas gramaticais, ainda

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comete muitos erros e muitas vezes se autocorrige deles. É extremamente criativa


com a linguagem.

42-54 meses Completo domínio das frases mais básicas;


A maioria das regras gramaticais é assimilada;
Vasta utilização de pronomes possessivos e verbos auxiliares; Eliminação progressiva
dos erros sintáticos e morfológicos;
Começam a aparecer estruturas da voz passiva, assim como outras formas mais
complexas de introdução de frases nominais (depois de, também);
Usa corretamente as principais flexões verbais: infinitivas, presente, pretérito perfeito
e passado;
Os advérbios de tempo são usados com frequência (agora, depois, hoje, amanhã),
ainda que existam confusões no emprego dos advérbios temporais e espaciais.

4-7 anos A criança adquire os sons mais complexos;


Produz as palavras mais simples de forma adequada; Começa a usar palavras mais
longas.
FONTE: Cupello (1993); Law (2001); Bishop e Mogford (2002); Scheuer, Befi-
Lopes e Wertzner (2003); Wertzner (2004); Acosta et al. (2003).

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linguagem

Todas as etapas acima mostram um continuum que não pode ser interpretado
fielmente em termos de etapas ou idades padrão; as etapas são muito mais um guia
para orientação do que para um diagnóstico (ABREU, 2008). Numa avaliação,
devemos ter como base o que é esperado e analisar como a criança se comporta –
outros fatores devem ser levados em consideração antes de fecharmos um
diagnóstico.
Scheuer, Befi-Lopes e Wertzner (2003) afirmam que [...] desenvolver
linguagem é mais do que falar. É ser um interlocutor ativo nas diferentes relações
sociais e isso quer dizer que a linguagem deve comunicar sobre o que o indivíduo
deseja, quer, conhece, sente, etc. O desenvolvimento da linguagem está fortemente
relacionado ao contexto linguístico e ao situacional e, ao adulto, cabe fornecer todos
os instrumentos para que ambos os contextos facilitem e possibilitem a comunicação
e a linguagem.
Zorzi (1999, p. 43) salienta que existem algumas condições fundamentais para
o desenvolvimento da linguagem: a capacidade da criança; a necessidade que ela
sente de conquistar recursos que permitam uma interação mais efetiva e mais ampla
com os outros, que dê conta de um mundo que cresce cada vez mais, além das
expectativas de mudança ou crescimento que os adultos passam para ela.
Seis fatores são determinantes do desenvolvimento da comunicação infantil:
1) a criança necessita ter uma razão ou motivo pra se comunicar: uma
intenção;
2) há necessidade de se ter algo para comunicar: um conteúdo;
3) é também necessário um meio de comunicação: uma forma;
4) há de ter pessoas com quem se comunicar: um parceiro e
5) a criança também necessita ter capacidades cognitivas favoráveis: para
atuar sobre o mundo e compreendê-lo. (ZORZI, 1999, p. 16)

Tais fatores, quando combinados, asseguram ou criam condições favoráveis


para o desenvolvimento da capacidade comunicativa.
O autor ainda afirma que antes de conseguir utilizar recursos linguísticos para
se comunicar, a criança utiliza meios não verbais e que isto “acontece gradativamente
graças às experiências interativas que vai tendo com os outros.” (ZORZI, 1999, p. 16)
O desenvolvimento da comunicação pré-verbal pode ser dividido em quatro

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níveis:
Nível I: comunicação não intencional, comportamentos reativos –
corresponde aos dois primeiros meses de vida [...] seus comportamentos estão
caracterizados por reações determinadas por uma organização nervosa reflexa... o
bebê mais reage ao mundo do que age sobre ele, pois recursos que permitam ações
voluntárias não estão ainda suficientemente constituídos.
Nesta fase, o bebê movimenta o corpo, demonstra interesse pelos outros e por
objetos, olha, procura seguir trajetórias, vocaliza, chora, agarra objetos que são
colocados em sua mão, reage a sons e vozes familiares; porém, estes
comportamentos ainda são rudimentares e o bebê não tem condições de comunicar
algo intencionalmente, os adultos tendem a interpretar tais reações como
comportamentos comunicativos (ZORZI, 1999, p. 17);
Nível II: comunicação não intencional, comportamentos ativos – abrange
aproximadamente dos dois aos oito meses; o bebê, neste período, torna-se mais ativo,
demonstrando interesse crescente acerca de tudo que está ao seu redor.
Maior interesse pelos objetos e pessoas, maiores recursos para interagir e
maior domínio motor compõe características importantes desta etapa. Porém, apesar
de todas estas habilidades, a criança não se mostra capaz de organizar
procedimentos comunicativos intencionais, uma vez que também a diferenciação dela
mesma como sujeito ainda não está consolidada.
Apesar de ainda muito limitada, para o adulto fica cada vez fácil “o papel de atribuir
valores comunicativos aos comportamentos dos bebês...” O adulto é capaz de atribuir um
significado comunicativo ao comportamento da criança, agindo de acordo com sua suposição
(ZORZI, 1999, p. 18-19);
Nível III: comunicação pré-linguística intencional elementar – caracteriza- se
pelo aparecimento de condutas comunicativas novas que revelam a intencionalidade
da criança, pois ela “dirige comportamentos comunicativos intencionais a outras
pessoas, tendo a noção de que pode usá-las como agentes para atuar sobre as
coisas.” Nesta fase, observa-se que a criança fica olhando alternadamente para um
objeto e para o adulto, esticar a mão em direção a algo, empurra a mão do adulto em
direção a um objeto, ou seja, demonstra o que quer. Às vezes, estes comportamentos
podem ser acompanhados de vocalizações. A intencionalidade da comunicação.
É marcada por alguns indícios: a criança dirige atitudes comunicativas aos
outros, procurando dar início à interação ou respondendo às tentativas dos outros;
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linguagem

persiste no comportamento comunicativo até que o adulto responda e fica aguardando


que o outro responda aos seus esforços. (ZORZI, 1999, p. 19-20).
Esta fase inicia aproximadamente aos oito meses e se prolonga até por volta
dos 12 meses;
Nível IV: comunicação pré-linguística intencional convencional – este nível
corresponde a um desdobramento da fase anterior, incorporando novas formas ou
atos comunicativos que têm caráter convencional, “começa a utilizar atitudes
comunicativas que são de uso comum entre as pessoas, garantindo o aspecto de
convencionalidade.” Ela observa o que os outros estão fazendo e passa a usar os
mesmos gestos e expressões. Começa a usar gestos sistematicamente, balança a
cabeça para significar negação, faz movimentos de “chamar” com as mãos, faz
“tchau”. As crianças demonstram grande interesse por coisas novas, querem imitar
tudo o que veem e ouvem, inclusive novos sons e aos poucos as palavras.
Muitas crianças iniciam o uso da linguagem nesta fase de desenvolvimento (12
a 18meses), inaugurando a primeira etapa do desenvolvimento linguístico
propriamente dito, que corresponde à fase dos enunciados de uma só palavra. O uso
de comunicação, agora também verbal, acaba se mesclando com as formas não
verbais de comunicação e enriquecendo-as. A criança aumenta seu poder de
comunicar. (ZORZI, 1999, p. 22-23)
A criança no Nível IV começa a usar a linguagem para descrever ações que
está vendo ou que está realizando, usa a linguagem para falar do passado e do
presente imediato. Nesta fase, a linguagem verbal, além de função social, começa a
desempenhar função representativa. Juntamente com a representação simbólica que
inicia neste período, a linguagem verbal se desenvolve, pois a capacidade simbólica
global tem um efeito marcante sobre o desenvolvimento da comunicação.

As pessoas que trabalham com crianças pequenas, seja na reabilitação ou


cuidando, sabem que o desempenho linguístico depende das circunstâncias nas quais
a linguagem foi evocada, e, a aquisição e o desenvolvimento linguístico dependem
também do ambiente em que a criança vive. Para entender melhor como o ambiente
influencia na linguagem, sugiro verem o filme “A MAÇÔ, da cineasta iraniana Samira
Makhmalbaf. Este filme conta a história de duas meninas gêmeas que vivem isoladas
em sua casa com uma mãe cega e um pai muito velho.

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SISTEMAS OU COMPONENTES DA LINGUAGEM

Falaremos agora dos quatro sistemas ou componentes que envolvem o


processo de aquisição da linguagem:
• O pragmático, que se refere ao uso comunicativo da linguagem num
contexto social;
• O fonológico, envolvendo a percepção e a produção de sons para formar
palavras;
• O semântico, respeitando as palavras e seu significado; e
• O gramatical, compreendendo as regras sintáticas e morfológicas para
combinar palavras em frases compreensíveis.
Law (2001, p. 2), entre outros autores, acrescenta a esses componentes a
prosódia e a morfologia, porém, a morfologia estaria dentro do sistema gramatical.

Pragmática

Acosta et al. (2003, p. 33-36) cita que o estudo do funcionamento da linguagem


em contexto social, situacional e comunicativo é a pragmática, ou seja, a pragmática
“trata do conjunto de regras que explicam ou regulam o uso intencional da
linguagem...” e na “linguagem infantil, o estudo da pragmático se encontra, pelo menos
em dois aspectos: funções comunicativas e conversação.” Bishop e Mogford (2002)
complementam que pragmática poderia ser definida “...como a correta utilização da
Língua em diferentes contextos.” A intencionalidade, o uso da linguagem – pragmática
– “ocupa-se das intenções comunicativas do falante e da utilização que faz da
linguagem para realizar essas intenções.”
Ao estudo dos usos e funções linguísticas: ocupa-se também dos aspectos
formais que definem os ajustes motivados pelo contexto de comunicação e das
variações que implicam o uso da linguagem em função das características do
interlocutor e da situação. (BISHOP; MOGFORD, 2002).
Avaliar a pragmática é avaliar as funções comunicativas da criança.
Acosta et al. (2003, p. 36) afirma que “as funções comunicativas são unidades
abstratas e amplas que refletem a intencionalidade comunicativa do falante.” Várias
classificações sobre a aquisição de funções comunicativas foram realizadas, porém,

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a mais conhecida e utilizada é a de Halliday (1975) adotada por Acosta et al. (2003) e
Zorzi e Hage (2004). Distribui as funções em três fases que veremos a seguir.
Fase I (10-18 meses): segundo os autores, nesta fase podem ser distinguidas
até sete funções distintas:
· Instrumental: quando a criança utiliza a linguagem como meio para que o
que ela quer se realize; utiliza a linguagem para satisfazer suas necessidades
materiais. Exemplo de quando a criança quer algum objeto;
• Reguladora/regulatória1: a linguagem é utilizada como instrumento de
controle, para modificar ou regular o comportamento dos outros; a linguagem é dirigida
para alguém em particular, como se a criança estivesse pedindo alguma coisa por
meio de alguns sons e gestos, exemplo: “vamos passear”;
• Interativa/interacional2: a linguagem é usada como meio para relacionar-
se, interagir com os demais. Expressões e gestos que são utilizados geralmente
representam cumprimentos “oi”, “tchau”;
• Pessoal: uso da linguagem para manifestar individualidade, sentimentos
pessoais em relação às pessoas ou ao ambiente. Vocalizações ou gestos que
representam prazer, interesse, contrariedade, retraimento, etc.;
• Heurística3: esta função é utilizada para investigar, explorar o ambiente,
tentando descobrir as coisas, nomes, objetos. Nesta fase a criança começa a usar
expressões muito próximas do padrão do adulto;
• Imaginativa: uso da linguagem de forma lúdica; a criança cria um mundo
próprio. Para Zorzi e Hage (2004, p. 19) essa função “é identificada quando
observamos uma criança, por exemplo, emitindo sequências de sons que parece
representar um ‘falar consigo mesma’...”. No início utiliza apenas sons que aos poucos
vai se constituindo de pequenos relatos de estórias ou fantasias;
• Ritual: para Acosta et al. (2003, p. 37) é a “linguagem das boas
maneiras.”

Fase II (18-24 meses): inicia o desenvolvimento da estrutura gramatical e do


diálogo. É um período de transição em que se observam três funções principais:
Pragmática: “linguagem como ação” – vem das funções instrumental e
reguladora; a linguagem serve para participar, interferir nas situações, facilita o
desenvolvimento da sintaxe;

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Aquisição e desenvolvimento da
linguagem

Matética: “linguagem como aprendizagem – vem das funções pessoal e


heurística. Para Zorzi e Hage (2004, p. 20).

Serve para codificar a experiência da criança como observadora dos objetos,


pessoas e ações que vê no mundo, contribuindo no aprendizado dela em relação ao
seu ambiente. Facilita o desenvolvimento do vocabulário.

• Informativa: a criança faz uso da linguagem para transmitir uma


informação; se expressa por meio de frases.

Fase III (a partir dos 24 meses): a fala da criança passa a ser plurifuncional
(uma frase pode ter mais de uma função), uso do sistema de fala do adulto. Nesta
fase observam-se duas funções básicas, podendo se manifestar uma terceira função.
• Ideacional: vem da função matética da fase anterior, a linguagem é usada
como meio para falar sobre o mundo real;
• Interpessoal: a linguagem é utilizada como meio para participar da
situação de fala, vem da função pragmática;
• Textual: para Acosta et al. (2003, p. 38), nesta fase “os significados são
codificados em palavras e frases...”.

Neste estágio, é observado o início do desenvolvimento da estrutura


gramatical e do diálogo.

Em relação à conversação, Acosta et al. (2003, p. 39) afirma que: Pode ser
entendida como uma sequência de atos de falta ou como o resultado do intercâmbio
comunicativo, entre dois ou mais interlocutores, inscrita num contexto social e
executada aplicando certas habilidades específicas, isto é, a competência
comunicativa.
Três aspectos estão estreitamente relacionados:
✓ Organização formal das conversações: respeito aos turnos
comunicativos, a criança deve aprender o papel de emissor e ouvinte;
✓ Desenvolvimento da capacidade para manter o significado: manutenção
do tema da conversa;

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Aquisição e desenvolvimento da
linguagem

✓ Capacidade da criança para se adaptar aos participantes, papéis e


situações: os interlocutores devem se adaptar tanto ao ponto de vista de
quem está falando como às exigências da situação.

Para funcionar como comunicadora, a criança deve dominar os recursos


dêiticos.

Fonologia

Para Mota (2004, p. 786) “a fonologia é a parte da linguagem que se refere ao


modo como os sons se organizam e funcionam nas diferentes línguas.” Bishop e
Mogford (2002) complementam que fonologia “É o estudo dos padrões sonoros da
Língua, deve ser diferenciada da fonética, que se preocupa com a especificação
articulatória e acústica dos sons da fala.”
Se a criança apresenta uma alteração que envolve aspectos fonológicos (a
organização do sistema de sons), é uma alteração na linguagem. As alterações
fonológicas são chamadas de desvio fonológico evolutivo, distúrbio fonológico e
transtorno fonológico. O desenvolvimento do inventário fonético e as regras
fonológicas – aquisição do sistema fonológico – ocorrem até os sete anos, de maneira
gradativa e contínua (WERTZNER, 2004).
Ingram citado por Acosta et al. (2003, p. 57) afirma que: A criança, diante da
tarefa de adquirir os sons do sistema adulto cria determinadas estruturas (intervenção
da função assimilativa). À medida que conhece melhor o sistema, vai modificando-as
(função acomodativa) com a finalidade de que se pareçam mais com o sistema adulto
apresentado. A princípio, a criança pode dar estruturas novas às palavras mediante o
padrão básico CV (consoante, vogal); todas as novas palavras serão assimiladas a
esse padrão, e, à medida que for progredindo na aprendizagem de palavras adultas,
pode modificar o padrão anterior e adquirir outro novo, como o CVC (consoante, vogal,
consoante), para acomodar-se a essas novas palavras.
Com o tempo, a criança vai estruturando e consolidando seu próprio sistema
fonológico, com o objetivo de chegar ao modelo do adulto.
A maioria dos autores que estudam o desenvolvimento fonológico admite a
“hipótese da continuidade entre o período do balbucio e o da fala com significado.”

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Aquisição e desenvolvimento da
linguagem

(ACOSTA et al., 2003, p. 63). Este processo começaria desde o nascimento e continua
progressiva e gradualmente até aproximadamente a idade de quatro anos,
nesta idade a maioria dos sons surgem discriminados em palavras simples.
Conforme podemos observar no quadro abaixo, é esperado aos quatros anos,
com a supressão da maioria dos processos de simplificação da fala, a aquisição da
maioria dos sons da sua língua e do sistema fonológico de contraste. Entre quatro e
sete anos, a criança domina os sons mais difíceis, e a partir dos sete produz um
desenvolvimento das habilidades morfofonemáticas e das envolvidas na
aprendizagem da leitura e escrita.
TABELA

ETAPAS FONOLÓGICAS
1) Vocalização pré-linguística e percepção (0-1).
2) Fonologia das primeiras 50 palavras (1-1,6).
3) Fonologia de morfemas simples – expansão do repertório de sons da fala.
Processos fonológicos que determinam produções incorretas. Estas
predominam até os quatro anos, idade em que a maioria das palavras simples
são corretas.
4) Culminação do repertório fonético. Aquisição de sons
problemáticos ao nível produtivo aos sete anos. Produções corretas
de palavras simples. Começo do uso de palavras mais longas.
5) Desenvolvimento morfofonemático. Aprendizagem de uma estrutura
derivacional mais elaborada. Aquisição das regras morfofonemáticas da
linguagem.
6) Habilidade para soletrar.
FONTE: Ingram apud Acosta et al. (2003, p. 65).
Nos aspectos do desenvolvimento fonológico, é importante observar o domínio
dos fonemas, domínio dos encontros consonantais e produtividade dos processos
fonológicos de acordo com a idade (dados colhidos por WERTZNER,1992).

FIGURA - PRODUTIVIDADE DOS PROCESSOS FONOLÓGICOS

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linguagem

FONTE: Wertzner (2000, p. 15).

DOMÍNIO DOS FONEMAS

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FONTE: Wertzner (2000, p. 15).

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linguagem

DOMÍNIO DOS ENCONTROS CONSONANTAIS

FONTE: Wertzner (2000, p. 15).

Semântica

O ramo da linguística que se ocupa com o estudo do significado da linguagem


é a semântica (BISHOP E MOGFORD, 2002). Acosta et al. (2003, p. 87) apresentam
a semântica como sendo “a dimensão que abrange o conteúdo da linguagem e
representa o estudo do significado das palavras e combinações de palavras”. O
estudo, a análise e a avaliação da semântica devem ser abordados a partir da
compreensão e a produção – vocabulário expressivo e compreensivo.
Os autores salientam que em relação à compreensão, a semântica está
relacionada a conhecer e reconhecer palavras, frases, evocação dos objetos, atos e
relações que representam.
Já no plano da produção, o conteúdo da linguagem é expresso mediante
elementos formais: seleção de palavras adequadas para referir-se a pessoas,
animais, objetos e ações, entonação pertinente e organização adequada dos

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Aquisição e desenvolvimento da
linguagem

elementos na frase para expressar ideias, conceitos, sentimentos, sensações, etc.


(ACOSTA et al., 2003, p. 90-91).
Padrões evolutivos do desenvolvimento semântico são difíceis de serem
apresentados, pois, sua evolução depende de tal número de variáveis que não
permitem estabelecer um desenvolvimento típico para cada idade, porém, os autores
apresentam algumas características cronológicas destacadas por alguns autores,
trago aqui o apresentado por Monfort e Juárez (1989) em relação ao nível de
compreensão:

TABELA

IDADE O QUE É ESPERADO QUANTO AO NÍVEL


DE COMPREENSÃO
12 meses A criança entende mais ou menos três palavras
diferentes.
12 e 18/20 meses Há um registro mais lento e a quantidade
anterior aumenta até vinte palavras.

24 meses O aumento é muito mais rápido e a criança


costuma entender mais de cem palavras.
36 meses A cada dia surgem palavras novas, coincidindo
com maior uso da linguagem.
Quatro anos O crescimento se acentua, a criança começa a
brincar com a linguagem e formula numerosas
perguntas, incorpora novos traços de significado
às primeiras palavras conhecidas.
Cinco anos A média de palavras compreendidas oscila
entre 2.000 e 2.200.
Seis anos Compreende em média 3.000 palavras.
FONTE: Acosta et al. (2003, p. 97).

Em relação à produção, Rondal (1980) apud Acosta et al. (2003, p. 97-98),


afirma que “embora seja difícil avaliar o número de palavras diferentes que as crianças

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Aquisição e desenvolvimento da
linguagem

podem produzir, estima-se que o vocabulário de produção representa a metade


aproximadamente do vocabulário compreensivo”, ou seja, se a criança compreende
cerca de 3.000 palavras aos seis anos, sua produção é de aproximadamente 1.500
palavras.
Entre oito e onze anos, um pensamento mais concreto e reversível, permite
usar conceitos verbais fora do seu contexto concreto, realizar classificações ou
categorizações de palavras. Aos nove, são observadas habilidades para recordar e
recontar adivinhações, porém, sua compreensão ainda não é adequada e
nãoconsegue ver o que é engraçado nelas. A partir dos onze anos, com um
pensamento mais lógico, mais formal imaginativo, desenvolvem-se significados mais
figurativos, utilizando as palavras com sentido mais metafórico.

Gramática

Conhecer a organização formal de sua Língua é o estudo morfossintático – a


gramática. O termo refere-se aos conceitos de morfologia e de sintaxe. A morfologia
refere-se “ao estudo da estrutura interna das palavras e sua decomposição em
unidades menores com significado” os morfemas; já a sintaxe “preocupa-se com as
regras para descrição das formas pelas quais diferentes partes do discurso podem ser
legitimamente combinadas para formar frases em uma Língua.” Conforme a criança
vai se desenvolvendo, a complexidade gramatical do seu discurso aumenta: observa-
se um aumento na utilização de morfemas gramaticais, aumento no tamanho médio
da frase, o número de elementos numa oração aumenta de um (substantivo) para dois
(substantivo+verbo), para três (verbo+objeto+advérbio), e assim sucessivamente
(BISHOP E MOGFORD, 2002, p. 8-10). A utilização de orações coordenadas e
subordinadas ocorre por volta dos quatro anos na maioria das crianças.
Em relação ao desenvolvimento morfossintático, Acosta et al. (2003, p. 77)
destaca a caracterização apresentada por Del Río e Vilaseca em 1989, distinguindo
quatro etapas de desenvolvimento: pré-linguagem, primeiro desenvolvimento
sintático, expansão gramatical e últimas aquisições. Serão detalhadas no quadro
abaixo:

TABELA

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linguagem

ETAPAS O QUE É ESPERADO

Pré-linguagem 0-6m – são observadas vocalizações não linguísticas biologicamente


condicionadas;
6-9m – as vocalizações começam a adquirir algumas características
da linguagem propriamente dita, aparecendo entonação, ritmo, tom,
etc.;
9-10m – fase da pré-conversação – observa-se que a criança vocaliza
mais durante intervalos deixados pelo adulto, ao mesmo tempo em
que tenta espaçar e encurtar suas vocalizações para dar lugar a
alguma resposta ao adulto;
11-12m – compreendem algumas palavras familiares, vocalizações
mais precisas e controladas quanto à altura tonal e intensidade,
agrupa sons e sílabas repetidas à
vontade.

Primeiro 12-18m – surgem primeiras palavras funcionais, cresce o nível de


desenvolvimento compreensão e produção de palavras;
sintático 18-24m – surgem enunciados de dois elementos;
24-30m – período da “fala telegráfica”, pois não apresenta artigos,
preposições, flexões de gênero, etc. Exemplo: “nenê come pão”.

Expansão gramatical 30-36m – a estrutura das frases vai se tornando mais complexa,
podendo chegar até quatro elementos. Aparecem as flexões de
gênero e número, pronomes de primeira, segunda e terceira pessoa,
artigos definidos o e a, os advérbios de lugar também aparecem;
36-42m – a criança aprende a estrutura das emissões complexas de
mais de uma oração com o uso frequente da conjunção e. Uso
praticamente correto dos auxiliares ser e ter permite que a criança use
o passado comporta (“a boneca tinha comido”);
42-54m – as estruturas gramaticais vão sendo complementadas com
o uso do sistema pronominal, pronomes possessivos, verbos
auxiliares, etc.
54m – as estruturas sintáticas mais complexas são aprendidas pela
criança, uso da voz passiva e as conexões adverbiais continuam se
Últimas aquisições aperfeiçoando.

Prosódia

Para Law (2001, p. 2), a prosódia “É a forma pela qual o significado é


transmitido por entonação e ênfase.” Ou seja, quando falamos temos uma curva

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Aquisição e desenvolvimento da
linguagem

melódica, para enfatizar ou não as palavras. É a prosódia que dá vida as palavras.


Aqui observamos os aspectos emocionais da fala que envolvem: expressão facial,
gestos, entonação da voz.
Entender estes sistemas é importante no processo de avaliação e identificação
das alterações, pois, para cada sistema desses, é necessária uma avaliação
diferenciada bem como o diagnóstico e o prognóstico será diferente. No Módulo III,
sobre avaliação, veremos isto com mais detalhes.

ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM

Verificamos até aqui o processo de normalidade na aquisição e


desenvolvimento da linguagem. Entender este processo é importante, pois, quando a
criança não caminha de acordo com o que é esperado, alterações na linguagem
podem ocorrer. O fonoaudiólogo é o profissional indicado para diagnosticar e atuar na
prevenção, estimulação e reabilitação destas alterações. Lahey (1990) e Reed (1994)
apud Befi-Lopes (2003, p. 19) afirmam que: Este processo de identificação da
alteração é caracterizado por certa controvérsia entre os profissionais envolvidos, em
decorrência de dois fatores principais:
1) os conceitos de linguagem e de desordem da linguagem não são bem
estabelecidos;
2) em decorrência da grande variação individual no desenvolvimento da
linguagem, torna-se difícil estabelecer quando um determinado padrão deve ser
consideração como variação normal do processo ou como patológico.
Ou seja, o diagnóstico das alterações de linguagem não é um processo fácil,
pois muitas variações ocorrem no desenvolvimento e na literatura que fala sobre
linguagem. Porém, o mais importante é verificar como está a criança que estamos
avaliando, o ambiente que ela vive, a estimulação ou falta de estimulação que ela tem
e verificar realmente como está a aquisição e desenvolvimento de sua linguagem; com
isto em mente, teremos um bom diagnóstico, orientações e reabilitação. Quando a
criança apresenta déficit quanto ao significado das palavras, das regras e da estrutura
gramatical e/ou inadequação da linguagem no uso sociofuncional, pode-se pensar em
alteração da linguagem (RICE, 1997 apud BEFI- LOPES, 2003). Esta alteração pode
ser representada por um retardo ou um distúrbio.
A discussão entre a nomenclatura das alterações da linguagem é grande.
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linguagem

Procurando no dicionário (MICHAELIS, 2008) o conceito de cada palavra


verificamos que:

1-DISTÚRBIO: perturbação, agitação, desordem;


2-DESORDEM: falta de ordem, confusão, irregularidade, desalinho;
3-IMPEDIMENTO: ato ou efeito de impedir, aquilo que impede, estorvo,
obstáculo;
4-RETARDO: atraso, demora, menos rápido;
5-ATRASO: ação ou efeito de atrasar, demora, retardamento.

Poderíamos colocá-las em grupos:


1) Desordem/distúrbio: quando ocorre uma irregularidade na aquisição ou
desenvolvimento da linguagem;
2) Retardo/atraso: ocorre algo que faz com que a
aquisição/ desenvolvimento de linguagem seja mais lento, ocorra uma
demora;
3) Impedimento: ocorre algo que impede a aquisição/desenvolvimento da
linguagem.

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linguagem

Para o nosso entendimento, o que temos de perceber é SE e QUANDO ocorreu


um impedimento que impossibilitou a criança de adquirir a linguagem ou SE e
QUANDO ocorreu algo que atrasou/retardou esta aquisição, verificando também se a
alteração da linguagem vem sozinha ou acompanhada de outros transtornos
cognitivos ou motores, por exemplo. Tentar sempre colocar a linha que está utilizando,
ou seja, qual o autor que está seguindo, ou utilizar a nomenclatura do CID 10
(Classificação Internacional de Doenças <www.datasus.gov.br/cid10>), que no item
F80 traz a classificação dos transtornos do desenvolvimento da fala e da linguagem:
Transtornos nos quais as modalidades normais de aquisição da linguagem
estão comprometidos desde os primeiros estágios do desenvolvimento. Não são
diretamente atribuíveis a anomalias neurológicas, anomalias anatômicas do aparelho
fonador, comprometimentos sensoriais, retardo mental ou a fatores ambientais. Os
transtornos específicos do desenvolvimento da fala e da linguagem se acompanham
com frequência de problemas associados, tais como dificuldades da leitura e da
soletração, perturbação das relações interpessoais, transtornos emocionais e
transtornos comportamentais.

F80.0 Transtorno específico da articulação da fala


Transtorno específico do desenvolvimento na qual a utilização dos fonemas
pela criança é inferior ao nível correspondente a sua idade mental, mas no qual o nível
de aptidão linguística é normal.
• Dislalia;
• Lalação. Transtorno (do):
• Desenvolvimento (da):
• Articulação (da fala);
• Fonológico;
• Funcional de articulação.
Exclui:
Comprometimento da articulação (da fala) (associada) (devida a) (um) (uma):
• Afasia SOE (R47.0);
• Apraxia (R48.2);
• Perda de audição (H90-H91);
• Retardo mental (F70-F79).
• Transtorno do desenvolvimento da linguagem:
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linguagem

▪ Expressivo (F80.1)
▪ Receptivo (F80.2)

F80.1 Transtorno expressivo de linguagem


Transtorno específico do desenvolvimento no qual as capacidades da criança
de utilizar a linguagem oral são nitidamente inferiores ao nível correspondente a sua
idade mental, mas no qual a compreensão da linguagem se situa nos limites normais.
O transtorno pode se acompanhar de uma perturbação da articulação.
Disfasia ou afasia de desenvolvimento do tipo expressivo.
Exclui:

Afasia adquirida com epilepsia [Landau-Kleffner] (F80.3) Disfasia ou afasia


(de):
• SOE (R47.0);
• Desenvolvimento do tipo receptivo (F80.2). Mutismo eletivo (F94.0);
Retardo mental (F70-F79);
Transtorno global do desenvolvimento (F84.-).

F80.2 Transtorno receptivo da linguagem


Transtorno específico do desenvolvimento no qual a capacidade de
compreensão da linguagem pela criança está abaixo do nível correspondente a sua
idade mental. Em quase todos os casos, a linguagem expressiva estará também
marcadamente prejudicada e são comuns anormalidades na articulação.
Agnosia auditiva congênita; Surdez verbal.
Transtorno de desenvolvimento (do tipo):
• Afasia de Wernicke;
• Afasia ou disfasia de compreensão (receptiva).
Exclui:
Afasia adquirida com epilepsia [Landau-Kleffner] (F80.3); Autismo (F84.0-
F84.1);
Disfasia e afasia:
• SOE (R47.0);
• do desenvolvimento, tipo expressivo (F80.1); Mutismo eletivo (F94.0);
Retardo (de):
• Aquisição de linguagem devido à surdez (H90-H91);
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Aquisição e desenvolvimento da
linguagem

• Mental (F70-F79).
Transtorno global do desenvolvimento (F84.-).

F80.3 Afasia adquirida com epilepsia [síndrome de Landau-Kleffner]


Transtorno no qual a criança, tendo feito anteriormente progresso normal no
desenvolvimento da linguagem, perde tanto a habilidade de linguagem receptiva
quanto expressiva, mas mantém uma inteligência normal; a ocorrência do transtorno
é acompanhada de anormalidades paroxísticas no EEG, e na maioria dos casos há
também convulsões epilépticas. Usualmente o início se dá entre os três e os sete
anos, sendo que as habilidades são perdidas no espaço de dias ou de semanas. A
associação temporal entre o início das convulsões e a perda de linguagem é variável
com uma precedendo a outra (ou inversamente) por alguns meses a dois anos. Tem
sido sugerido como possível causa deste transtorno um processo inflamatório
encefalítico. Cerca de dois terços dos pacientes permanecem com um déficit mais ou
menos grave da linguagem receptiva.
Exclui:
Afasia (devida a):
• SOE (R47.0) (afasia e disfasia);
• Autismo (F84.0-F84.1);
• Transtornos desintegrativos da infância (F84.2-F84.3).
F80.8 Outros transtornos de desenvolvimento da fala ou da linguagem:
Balbucio.
F80.9 Transtorno não especificado do desenvolvimento da fala ou da
linguagem:
Transtorno de linguagem SOE.
FONTE:<http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/webhelp/f80_f89.htm>.

ALTERAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO DA
LINGUAGEM/IMPEDIMENTOS ESPECÍFICOS DA LINGUAGEM/DISTÚRBIO
ESPECÍFICO DE LINGUAGEM

Befi-Lopes (2003) cita que muitos autores estão utilizando o termo


Impedimentos Específicos da Linguagem (Specific language impairments – SLI) para
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linguagem

crianças cujas dificuldades são específicas dos aspectos linguísticos, ou seja, quando
a criança não apresenta outras alterações. Hage e Guerreiro (2004) nomeiam como
Distúrbio Específico de Linguagem (DEL).
Este diagnóstico é sugerido quando a criança apresenta alterações somente de
linguagem, com déficit de pelos menos 12 meses, em testes formais e padronizados de
linguagem, em relação a outras crianças da mesma idade cronológica ou mental, que não
podem ser atribuídas à:
• Perda auditiva superior a 25dB;
• Impedimentos no desenvolvimento cognitivo;
• Impedimentos no desenvolvimento motor da fala;
• Déficit de atenção e hiperatividade;
• Transtornos invasivos do desenvolvimento;
• Distúrbios psicóticos;
• Insultos cerebrais adquiridos;
• Interação social restrita;
• Distúrbios de comportamentos e emocionais significativos.

Os fatores apresentados anteriormente são considerados critérios de exclusão


dos impedimentos específicos de linguagem, já um baixo desempenho nos testes
formais e padronizados de linguagem representariam critérios de inclusão (BEFI-
LOPES, 2003; HAGE E GUERREIRO, 2004).
O SLI ou DEL ainda tem outras denominações: afasia desenvolvimental, afasia
congênita, disfasia, transtorno da linguagem expressiva, transtorno misto da
linguagem receptivo-expressiva, distúrbio disnômico, distúrbio grave da expressão
verbal, distúrbio da percepção auditiva entre outros. Para Hage e Guerreiro, essa
variedade decorre das dificuldades de se caracterizar (e entender!)
alterações numa linguagem em construção, como é o caso da linguagem da
criança em idade pré-escolar, ou ainda por se ter como referência alterações de
linguagem em adultos. (2004, p. 977).
Em relação aos impedimentos, ainda existe entre os autores, uma
diferenciação ou não entre retardos e desordens ou distúrbios de linguagem.
Befi-Lopes (2003, p. 24) afirma que o termo retardo de linguagem “implica que
comportamentos específicos da linguagem surgem ou se desenvolvem de forma lenta,
mas que a criança adquire os comportamentos na mesma sequência observada no
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Aquisição e desenvolvimento da
linguagem

desenvolvimento normal, e que o grau de retardo é basicamente o mesmo para todos


os fatores e aspectos da linguagem.” Já o termo desordem ou distúrbio de linguagem
“implica o desvio do padrão usual de aquisição de um ou mais aspectos da linguagem
(por exemplo, semântica e sintaxe), em graus variados; em decorrência dessa
assincronia no padrão de aquisição, a sequência normal do desenvolvimento é
rompida.”
No quadro a seguir, apresentamos as diferenças entre retardo e distúrbio,
segundo autores citados por Befi-Lopes (2003), Law (2001) e (Hage e Guerreiro,
2004):

RETARDO DISTÚRBIO
Caracterizado por um atraso generalizado na Ocorre o desvio no desenvolvimento,
aquisição ou expressão de TODOS os apresentado uma assincronia na aquisição dos
componentes da linguagem, porém, estas componentes da linguagem, ou déficit
crianças acompanham a mesma sequência do específicos em um aspecto linguístico e/ou a
desenvolvimento normal, ao se desenvolverem união de componentes com
(REED, 1994 apud BEFI-LOPES, 2003). desenvolvimento normal e com atraso na
aquisição (REED, 1994 apud BEFI-LOPES,
2003).

Desenvolveu a linguagem normalmente, porém Padrão no desenvolvimento da linguagem sofre


em proporção menor do que outras algum distúrbio (LAW, 2001).
crianças (LAW, 2001).

O prognóstico é considerado Seu prognóstico é ruim.


bom.

O grau do retardo é geralmente igual para No distúrbio ocorre um desvio no


todos os fatores e aspectos da linguagem, a desenvolvimento normal da linguagem de um ou
criança aprende, porém mais lentamente que mais aspectos da linguagem (LEONARD, 1972,
as outras (LEONARD, 1972, 1979; CURTISS et 1979; CURTISS et al., 1992; REED, 1994 apud
al., 1992; REED, 1994 apud BEFI-LOPES, BEFI-LOPES, 2003).
2003).

A defasagem que a criança apresenta respeita No distúrbio a alteração é sempre importante e


as etapas habituais do desenvolvimento e durável nas capacidades linguísticas, com
diminui com o tempo, com ou sem intervenção. repercussões na aprendizagem da escrita. A
As manifestações clínicas não são evolução da linguagem é lenta, inteligibilidade
persistentes. O aspecto fonológico geralmente demora a melhorar, o vocabulário é limitado, os

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Aquisição e desenvolvimento da
linguagem

está afetado, a sintaxe apresenta-se de forma enunciados permanecem simples, discurso


primitiva, telegráfica, sem alterações na ordem narrativo é fraco de recursos linguísticos. Uma
das palavras, vocabulário restrito (HAGE E das marcas do distúrbio é a persistência das
GUERREIRO, 2004). alterações e a presença de características
linguísticas que não são observadas no
desenvolvimento normal de linguagem (HAGE
e GUERREIRO, 2004).
Pode existir maturidade cerebral tardia ou Alteração na sincronia do desenvolvimento dos
exposição à linguagem inadequada (ou ambos) diversos subsistemas da linguagem
em decorrência de um entorno linguístico (FERNANDES, 2003a).
ineficaz ou perdas auditivas moderadas
causadas por otites recidivantes (RAPIN et al.,
apud HAGE e GUERREIRO, 2004).
Existe apenas um atraso no
desenvolvimento (FERNANDES,
2003a).

Fatores causais

Pouco se sabe, ainda, sobre as causas desses impedimentos/distúrbios.


Porém, alguns fatores são comuns: comprometimento cognitivo, principalmente no
que se refere ao pensamento simbólico e representativo, dificuldades em relação à
percepção auditiva, principalmente com a memória sequencial. Hage e Guerreiro
(2004, p. 984) citam que “Intercorrências pré-natais e fatores genéticos podem estar
envolvidos na patogênese de algumas malformações do desenvolvimento cortical que
cursam com DEL”. E [...] dada à natureza complexa do sistema nervoso e das funções
que nele se assentam, o DEL tem natureza multifatorial, na qual eventos pré-natais
interagem com predisposição genética durante um período do desenvolvimento
cortical.”
Law (2001) também traz a preocupação com a defasagem de desenvolvimento
neurológico e maturacional apresentada por crianças com deficiência de linguagem.
O mesmo autor cita que fatores ambientais e sociais podem trazer consequências
gerais nocivas para a linguagem. Pesquisas sobre ambiente físico, conservantes e
aditivos alimentares, poluição, aspectos sociais (classe social, ambiente familiar)
foram realizadas, e alguns autores sugerem que esses fatores podem interferir na
aquisição e desenvolvimento da linguagem.

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Incidência

Achados neurológicos por neuroimagem comprovam maior incidência no sexo


masculino e a ocorrência deste quadro em famílias (HAGE e GUERREIRO, 2004).
Law (2001) afirma que o número de meninos em relação às meninas com alterações
de linguagem é bastante consistente; dois e três meninos para cada menina.

Características

As crianças com impedimentos/distúrbios específicos de linguagem podem


apresentar segundo Befi-Lopes (2003):
• Alterações fonológicas, apresentando discurso ininteligível;
• Demonstram alterações nos aspectos morfológicos e sintáticos– menor
complexidade das sentenças, uso limitado de subordinação, omissão ou uso
inadequado de elementos gramaticais como artigos, pronomes e plural;
• Déficit no uso da linguagem como menor intenção comunicativa e maior
uso do meio comunicativo não verbal;
• Apresentam um atraso, geralmente de um ano, no aparecimento das
primeiras palavras e falham na grande expansão vocabular que geralmente ocorre
entre 18 e 24 meses;
• Demonstram dificuldades em adquirir determinados conceitos,
principalmente aqueles relacionados a conceitos abstratos e figurativos;
• Apresentam dificuldade em combinar o significado das palavras para
formar sentenças.
Complementa Hage e Guerreiro (2004) que crianças com alteração na
linguagem podem apresentar:
• Limitações em sua capacidade para discriminar e classificar com rapidez
estímulos auditivos verbais;
• Dificuldades em processar palavras com baixa relevância fonética;
• Limitações na memória de curto prazo;
• Limitações no processamento fonológico;
• Na maioria das vezes tardam a falar.
Zorzi (1999, p. 44-45) cita outras características que podem ser encontradas

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nas crianças com alteração de linguagem:

• O desenvolvimento geral deve seguir sem problemas significativos, ficando


as restrições mais no plano da linguagem e da interação social;
• A linguagem tende a ser menos desenvolvida que as demais condutas
representativas (brinquedo simbólico e imitação diferida);
• A comunicação verbal pode estar presente, porém, não ultrapassa as fases
mais elementares, com tendência a uso pouco sistemático: em geral, são pouco
expressivos verbalmente;
• Utiliza outros recursos comunicativos não verbais;
• Utilizam com frequência adultos como intermediários para a interação;
• Apresenta dificuldades na produção dos sons da fala, porém não
apresentam dificuldades na motricidade orofacial ou alterações neurológicas;
• Relação adulto/criança, com frequência, caracterizada por padrões pouco
eficazes para facilitar o desenvolvimento da comunicação;
• Podem apresentar baixo nível de interesse ou de respostas à linguagem dos
outros, sendo pouco interativas;
• Com muita frequência, a linguagem destas crianças tende a evoluir de modo
favorável, em razão das novas experiências interativas e de uso da comunicação que
elas podem ter.

Hipóteses sobre ocorrência das alterações da linguagem

Befi-Lopes (2003) cita que para tentar explicar o como e porque ocorrem as
alterações da linguagem, muitas pesquisas foram e são realizadas. Os autores
levantam várias hipóteses para explicar. Veremos, a seguir, algumas dessas
hipóteses:

Bishop (1992): para este autor algumas hipóteses podem estar relacionadas
ao déficit linguístico, como:
1) Alteração nos mecanismos expressivos:
Aqui a competência linguística da criança encontra-se intacta, mas esta
apresenta dificuldades em transformar a informação num sinal de fala. Neste caso, as
dificuldades na recepção da informação seriam consequências dos déficits envolvidos
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na expressão da linguagem.
A criança poderia apresentar: Imaturidade nas habilidades motoras que
dificultassem a programação da sequência dos movimentos motores da articulação,
ou simplificação da representação fonológica das palavras durante a articulação, ou
dificuldade na segmentação fonêmica da fala, ou dificuldade no acesso para a
recuperação lexical, ou ainda redução da capacidade de armazenamento da memória

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de trabalho. (BEFI-LOPES, 2003, p. 26).


2) Consequências de alterações perceptuais auditivas: as crianças com
alterações de linguagem não conseguem discriminar o estímulo sonoro
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adequadamente, provavelmente, como consequência de desordem na percepção


auditiva;
3) Consequências de alterações nos mecanismos de interpretação
linguística: ou seja, “a alteração de linguagem ocorreria por déficit nos mecanismos
neurológicos inatos especializados no processamento linguístico.” (BEFI-LOPES,
2003, p. 26).
4) Dificuldades de aprendizado ou de déficit de memória: o processamento
da informação da memória verbal tem uma limitação.
Outros autores como Befi-Lopes, Takiuchi e Araújo (2000a e b) apud Befi-
Lopes (2003, p. 27) sugerem que a “alteração de linguagem está relacionada à maior
dificuldade no aprendizado das formas verbais do que na capacidade de
conceitualização do significado do referente.” Assim, as estratégias de aprendizado
da criança seriam anormais com déficit relacionados às operações cognitivas.
Apresentamos, aqui, para conhecimento e reflexão, a proposta de classificação
das alterações de linguagem utilizada por Zorzi. Autor de vários livros na área de
linguagem, especialista nesta área, conhecido por muitos fonoaudiólogos brasileiros,
inspira-se na teoria piagetiana de desenvolvimento, concebendo a linguagem como
uma das manifestações da conduta simbólica, portanto, todo seu arsenal teórico é
baseado na abordagem piagetiana. Em relação à classificação dos retardos de
aquisição da linguagem, afirma que pode ser feita “tomando-se como referência as
dificuldades encontradas e sua abrangência.” (ZORZI, 1999, p. 69). Prosseguindo, o
autor divide os retardos em dois grandes grupos, levando “em conta a existência de
dificuldades específicas quanto à aquisição da linguagem, ou dificuldades globais de
desenvolvimento e se aplica a crianças que não adquiriram linguagem na idade
esperada”. A seguir transcrevemos os grupos, conforme capítulo 11 (p. 69-73) do livro
A intervenção fonoaudiológica nas alterações da linguagem infantil.

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GRUPO I – RETARDO DE LINGUAGEM FAZENDO PARTE DE ATRASO


GLOBAL DO DESENVOLVIMENTO
Subgrupo A: crianças apresentando ausência de condutas simbólicas, com
comportamentos organizados ao nível sensório-motor.
Nos esquemas de interação com os objetos observa-se:
• Modo de manipulação de objetos tipicamente sensório-motor;
• Ausência de condutas simbólicas;
• Conjunto de ações pouco evoluídas, tendendo à repetição sem variação;
• Poucas formas de explorar e manipular os objetos;
• Dificuldades de atenção e tempo de concentração reduzidos;
• Ausência de atividade construtiva elaborada;
• Ausência de brincadeira de conteúdo simbólico.
Em relação à imitação observa-se:
• Dificuldades maiores, em geral, para imitar sons e movimentos não visíveis
no próprio corpo;
• Não conseguem imitar modelos ausentes.

Em relação às habilidades interativas/sociais, observa-se que:


• As crianças com atrasos mais importantes podem não apresentar, ainda,
comportamentos intencionais para garantir a interação;
• Quando presentes, a função dos comportamentos comunicativos tende a
ser predominantemente regulatória;
• Apresenta dificuldades para manter atenção conjunta.

Em relação aos graus de desenvolvimento da comunicação, observa-se que:


• As crianças com atrasos mais acentuados podem ainda não estar
apresentando comportamentos comunicativos intencionais – níveis I e II;
• Não fazem uso de comunicação linguística;
• Não apresentam formas de comunicação simbólica não verbais;

• Podem apresentar comportamentos comunicativos típicos dos níveis III e


• Os recursos expressivos empregados na comunicação podem estar

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limitados a gestos e vocalizações não simbólicos.

Em relação às atitudes comunicativas dos pais, o autor afirma que de forma


geral, tendem a ser diretivas e pouco adequadas.

Subgrupo B: são as crianças com atraso global do desenvolvimento e que já


apresentam algum grau de simbolismo em suas condutas que, apesar de presentes,
estão defasadas em relação ao esperado para a idade.
Em relação aos esquemas de interação com os objetos, pode-se observar que:
• A criança manipula os objetos, alternando entre formas sensório-motoras
e simbólicas, tendendo a um predomínio da exploração sensório-motora;
• Atribuem significados práticas, convencionais e simbólicos aos objetos;
• O brinquedo simbólico está presente, com graus variáveis de simbolismo
podendo ser constatados;
• Manipulação dos objetos tende a ser breve e superficial;
• Tempo de atenção curto;
• Tendem a desistir com facilidade quando surge algum obstáculo na
manipulação;
• Atividade construtiva pouco desenvolvida.

Em relação à imitação, observa-se que:


• A criança apresenta dificuldades para imitar sons em geral e movimentos
não visíveis no próprio corpo;
• A imitação de modelos ausentes ocorrendo de forma elementar, pouco
precisa, apresenta maior facilidade para imitar ações sobre objetos.

Em relação às habilidades interativas/sociais, observa-se que as crianças:

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GRUPO II – RETARDO SIMPLES DE LINGUAGEM


Zorzi (1999) salienta que é comum encontrar crianças com “dificuldades ou
impedimentos mais acentuados no que diz respeito à aquisição da linguagem. O
problema configura-se como mais específico, sendo que outros aspectos do
desenvolvimento estão menos comprometidos, ou seja, estão evoluindo dentro dos
limites do que é considerado normalidade.”
Crianças com deficiência auditiva têm um impedimento físico – escutar – com
isso podem apresentar um comprometimento quanto ao domínio da linguagem,
porém, crianças sem distúrbios da audição podem também apresentar tal tipo de
defasagem, que seria um retardo específico, ou simples, de linguagem. Estas
crianças não apresentam uma adequada evolução da linguagem em relação ao
desenvolvimento de condutas simbólicas (brinquedo de faz de conta, imitação
diferida).
Para o autor, situações ou ambientes desfavoráveis para o desenvolvimento
da linguagem pode contribuir para o aparecimento do retardo simples de linguagem.
Crianças com retardo simples de linguagem apresentam as características
gerais abaixo:
Em relação aos esquemas de interação com os objetos pode-se observar que:
• O desenvolvimento sensório-motor não apresenta alterações;
• As habilidades para jogos de construção podem estar bem
desenvolvidas.
• O brinquedo simbólico revela que a criança tem capacidade para lidar
com símbolos; que consegue representar conhecimentos e experiências por meio de
brinquedos e gestos, o mesmo não acontecendo com a linguagem;
• Significados convencionais e simbólicos são atribuídos aos objetos;
• As crianças tendem a apresentar formas variadas de manipulação dos
objetos e tempo mais prolongado de exploração.

Em relação à imitação, observa-se que a criança:


• Não apresenta dificuldades para reproduzir movimentos não visíveis no
próprio corpo;

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FONTE: ZORZI, 1999.

• Não tem dificuldades pra reproduzir ações realizadas com objetos;


• Não apresenta problemas para imitar modelos ausentes;
• Tende a apresentar maior dificuldade, ou até mesmo desinteresse, na
imitação de sons e palavras.

Em relação às habilidades interativas/sociais, observa-se que:


• Algumas crianças podem apresentar dificuldades para
organizar comportamentos comunicativos intencionais;
• Algumas crianças tendem a atuar diretamente sobre o meio, buscando a
interação com os outros de modo sistemático;
• A função dos comportamentos comunicativos tende a ser principalmente
regulatória;
• Tendem a apresentar pouca habilidade em garantir a atenção conjunta e
desenvolver atividades com outros.

Em relação aos graus de desenvolvimento da comunicação, pode-se observar


que as crianças:
• Podem apresentar algum domínio de linguagem, estando, porém,
defasados em relação ao esperado para a idade cronológica;
• Podem apresentar formas de comunicação simbólica não verbais –
gestos simbólicos;
• Podem empregar formas de comunicação vocais e gestuais não
simbólicas;
• Apesar de já apresentarem uma capacidade para lidar com símbolos, a
comunicação pode estar limitada a formas não simbólicas como as encontradas nos
níveis III e IV da comunicação pré-linguística.
Em relação às atitudes comunicativas dos pais, tendem a ser diretivas e
pouco adequadas às características das crianças.

SUBCLASSIFICAÇÃO DO DISTÚRBIO ESPECÍFICO DE LINGUAGEM

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Hage e Guerreiro (2004) afirmam que os estudos sobre uma subclassificação


dos distúrbios específicos de linguagem é antigo. Em 1953 já se propunha uma
subdivisão entre expressivo e receptivo. Também no CID-10 existe esta subdivisão
em expressivo, receptivo e misto.
Vamos apresentar aqui a proposta que Hage e Guerreiro (2004, p. 981) trazem,
baseado nos dados de Rapin e Allen considerando os aspectos linguísticos:
fonológico, morfossintático, semântico-lexical e pragmático:
• Distúrbio da programação fonológica: a criança apresenta uma
compreensão normal ou próxima do normal; aquisição da fala é normal ou levemente
atrasada; apresenta uma estrutura dos enunciados compatível com a idade
cronológica; em razão das alterações fonológicas a fala é ininteligível, porém é fluente;
• Dispraxia verbal: pode-se observar que a criança apresenta
compreensão normal ou próxima do normal; observa-se atraso no aparecimento da
linguagem oral; fluência pode estar prejudicada, com graves problemas de
organização dos sons articulados; a criança produz enunciados somente de uma ou
duas palavras;
• Distúrbio fonológico-sintático: se o enunciado é longo ou emitido
rápido, a compreensão por parte da criança com esta alteração pode estar
prejudicada; atraso no aparecimento da linguagem oral; apresenta alteração da
morfossintaxe com frases simples, telegráficas, erros de flexionamento verbal e
nominal e na organização sequencial das palavras na frase; a fluência é prejudicada
pelas dificuldades de organização sintática; apresenta diversas alterações
fonológicas;
• Agnosia auditivo-verbal: a criança apresenta ou ausência da linguagem
oral ou ela está gravemente afetada; a compreensão para gestos é normal; a fala está
ausente ou fica restrita a palavras isoladas; apresenta a articulação das palavras muito
alterada;
• Distúrbio léxico-sintático: pode-se observar que a criança
apresenta dificuldades de evocação e fixação do léxico; usa constantemente
perífrases e dêiticos; as alterações fonológicas podem ocorrer, porém não chegam a
prejudicar sensivelmente a inteligibilidade de fala; em razão das dificuldades de
evocação lexical, a fluência pode estar comprometida; dificuldades na compreensão
de frases, já a compreensão de palavras isoladas pode estar normal; apresenta

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dificuldades em manter a sequência dos elementos numa frase ou de usar palavras


com sentido gramatical; em relação à aquisição da linguagem oral, pode ser normal
ou atrasado.
• Distúrbio semântico-pragmático: em relação ao surgimento da fala
pode estar normal, observa-se que enunciados e articulação podem desenvolver-se
normalmente ou com pequenas dificuldades; apresenta fala fluente, pode ocorrer
repetição/emissão de frases complexas memorizadas; as dificuldades ocorrem no
aspecto pragmático da linguagem com inadaptação da linguagem ao contexto,
coerência temática instável, ecolalia; quando o enunciado é longo, apresenta
dificuldades de compreensão, entende literalmente o significado da palavra.

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REFERÊNCIAS

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