Você está na página 1de 10

Revista Psicologia para America Latina, n. 36, p.

161-169, noviembre 2021 161

COLETIVO CORA CAROLINA: A CONSTRUÇÃO DE


VELHICES, SUBJETIVIDADES E POTENCIALIDADES
Bruna Rafaele Rodrigues Campos
Camila Cuencas Funari Mendes e Silva
Isabelle Sinato Pires Pereira
Letícia Passi Batista
Luan Puntel Rui
Marcela Marcondes Leite
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras campus de
Assis, São Paulo

Resumo
Este trabalho se constitui como um relato de experiência acerca de construções de diferentes saberes. Tal intersecção se apre-
senta com o Coletivo Cora Carolina, estudos e práticas sobre a velhice, políticas públicas e a psicologia. A composição de seus
membros e das atividades são aqui descritas desde sua formação, descrição de ideias, do território e atuações com a população
idosa de uma cidade do interior paulista brasileiro. Inicialmente nossa prática se volta a idosos inseridos em Instituições de
Longa Permanência e se estende a ampla complexidade de diferentes velhices. Atravessados, nocontemporâneo, pela pandemia
de COVID-19, implementamos e estendemos nossas atividades ao meio virtual, que permitiu uma maior abrangência tanto ao
público participante como também na participação de convidados que enriqueceram nosso discurso de busca constante por
uma velhice digna, detentora de direitos e deveres, assimcomo prevê a Constituição Federal Brasileira.
Palavras-chave: Coletivo; Psicologia; Velhice; Direitos.

Collective Cora Carolina: The Construction of Oldness, Subjectivities and Potentialities

Abstract
This work is an experience report on the construction of different knowledge. Such intersection is presented with the Cora
Carolina Collective, studies and practices on brazilian oldness, public policies and different areas of knowledge, especially psy-
chology. The composition of its members and activities are described here from its formation, description of ideas, territory
and practices with the elderly population of a city in the brazilian countryside. Initially our practice is focused on elderly people
inserted in Long-term care institutions and itam extends to the complexity of different oldness. Crossed, inthe contemporary, by
the pandemic of COVID-19, we implemented and extended our activities to the virtual environment, which allowed a greater
coverage both to the participating public as well as the participation of guests who enriched our discourse of constant search
for a dignified old age, holder of rights and duties, as well as provides theBrazilian Federal Constitution.
Keywords: Collective; Psychology; Oldness; Rights.

Colectivo Cora Carolina: La Construcción de las Vejeces, las Subjetividades y Laspotencialidades

Resumen
Este trabajo es un informe de la experiencia en la construcción de diferentes conocimientos. Esa intersección se presenta
con el Colectivo Cora Carolina, los estudios y prácticas sobre la vejez brasileña, las políticas públicas y las diferentes áreas
del conocimiento, especialmente la psicología. La composición de sus miembros y las actividades se describen aquí a partir
de su formación, descripción de ideas, territorio y actuaciones con la población anciana de una ciudad del campo brasileño.
Inicialmente nuestra práctica se centra en los ancianos insertos en Instituciones asilares y amplía la amplia complejidad de las
diferentes vejeces. Atravesados, en la contemporaneidad, por la pandemia COVID-19, implementamos y ampliamos nuestras
actividades al entorno virtual, lo que permitió una mayor cobertura al público participante y la participación de invitados que
enriquecieron nuestro discurso de búsqueda constante de una vejez digna, titular de derechos y deberes, así como prevé la
Constitución Federal Brasileña.
Palabras clave: Colectivo; Psicología; Vejez; Derechos.
162 Campos, B. R. R. & cols. Coletivo Cora Carolina: Construindo Intervenções

Introdução e Justificativa erradicação de direitos conquistados durante as últi-


mas décadas, e que vem sendo promovida por nossos
governos mais recentes, constituindo graves ataques à
O envelhecimento da população brasileira vem seus direitos humanos.
crescendo de maneira extremamente acentuada Neste sentido, a garantia da dignidade das velhices
com o decorrer das últimas décadas, cuja represen- brasileiras, se encontra duplamente ameaçada, devido
tatividade atual refere-se à 9,83% da totalidade de tanto à crescente exposição à vulnerabilidade social,
cidadãos brasileiros). De acordo com as informações representada pelo referido desmonte de políticas sociais
proferidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e que vêm buscando a garantia de uma mínima qualidade
Estatística (IBGE) a duplicação da população acima de vida para os idosos contemplados pelas mesmas,
de 65 anos até 2050, ano no qual estima-se que como também pela omissão da responsabilidade do
o referido segmento etário representará cerca de Estado perante as demandas dos idosos inseridos em
20,83% da população total (IBGE, 2020). De acordo grupos sociais vulnerabilizados, e cujas políticas atuais
com Miranda (2015), a referida transição demográ- já não eram capazes de assegurar seus direitos - obser-
fica brasileira, se encontra intimamente relacionada vamos uma conjuntura em que a velhice passa cada vez
com o impacto da consolidação das atuais políticas mais a ser responsável por si própria, de forma inversa-
de Estado implementadas com o objetivo de garantir mente proporcional à presença do Estado frente à suas
a manutenção do bem-estar da população, sobre os responsabilidades. Tal situação é dialógica com o con-
determinantes sociais de saúde, sendo estes concei- ceito de “reprivatização do envelhecimento” cunhado
tualizados como um conjunto de elementos sociais, pela antropóloga Guita Debert (1999), sendo este,
políticos e econômicos capazes de determinar a posi- referente à tese de que o processo de reconstrução de
ção do sujeito frente às situações de vulnerabilidade. identidades das pessoas idosas, derivado das conquistas
Desta forma, ainda de acordo com Miranda dos direitos desta população, ao relacionarem-se com
(2015), políticas relacionadas à Saúde, à Assistência os valores da atual sociedade de consumo, resultaram
Social e à Previdência Social, são componentes do tripé na construção da concepção cultural representada pela
da Seguridade Social, e cuja consolidação tal como a ideia de causalidade entre o esforço pessoal e a quali-
conhecemos hoje ocorreu ao longo do processo de dade de vida do sujeito idoso.
redemocratização do país, em conjunto com o movi- Atualmente o país vêm observando os cruéis
mento da Reforma Sanitária Brasileira e à consequente desdobramentos da referida individualização de respon-
construção do Sistema Único de Saúde, ao adotarem sabilidade, no debate público, explicitado tanto no já
como princípio base de atuação a busca pela elimina- relacionado processo de responsabilização do suposto
ção universal das iniquidades de acesso ao atendimento “rombo” previdenciário às pessoas que conquistaram o
das necessidades específicas de grupos não contempla- direito de envelhecer, quanto em afirmações proferidas
dos por legislações prévias, tais medidas, geraram um por pessoas politicamente influentes, durante o atual
impacto ecoante sobre a acessibilidade da população à contexto. Pereira, ao discorrer a respeito do conceito de
serviços básicos, de forma que a referida consolidação “Necropolítica” cunhado pelo filósofo Achille Mbembe,
“Constituiu a maior política de inclusão social da histó- relaciona ao referido conceito, o fato de que a distinção
ria do país, rompeu uma divisão iníqua e fez da saúde realizada pelo Estado, entre os sujeitos que devem viver e
um direito de todos e um dever do Estado” (Mendes, os que devem morrer podem ocorrer mediante critérios
2013 como citado em Miranda, 2015, p. 41). biológicos, nos quais “a vida do outro passa a encar-
Assim, é possível afirmar que há uma importante nar o inimigo ficcional, gerando violência e morte como
lacuna na implementação de políticas públicas, envol- mecanismo de segurança, eliminando de forma impes-
vendo o sistema orçamentário na economia brasileira. soal esse que seria um atentado à existência dosdemais”
Dentre tais lacunas, ressaltam-se a ausência de elabo- (Mbembe como citado em Pereira, 2019, p.369). Neste
ração de políticas públicas direcionadas à crescente sentido, Solange Vieira, assessora do ministro da eco-
população idosa em nosso país, bem como a preocupante nomia Paulo Guedes, chegou a afirmar em reunião com

Revista Psicologia para America Latina, n. 36, p. 161-169, noviembre 2021


Campos, B. R. R. & cols. Coletivo Cora Carolina: Construindo Intervenções 163

técnicos do Ministério da Saúde, que a concentração de consequências ao sujeito institucionalizado, dentre elas
mortes na população idosa, é benéfica ao desempenho o que chamou de “mortificação do eu” (Goffman, 2007
da economia (FENAE, 2020). como citado em Christophe & Camarano, 2010, p. 150).
Tal discurso político-estatal que consolidou a res- Desse modo, observa-se resquícios dessa trajetória
ponsabilização (quase que exclusiva) da família pelos uma vez que há instituições asilares que ainda man-
cuidados da pessoa idosa mostra-se contraditório, uma tém na atualidade características de instituições totais,
vez que, um levantamento realizado em 2019 através mesmo quenão plenamente, uma vez que (Christo-
de dados de denúncias do Disque 100, 83% dos casos phe & Camarano, 2010) apontam a existência de certo
de violência contra o idoso que foram denunciadas par- “grau de totalidade”, relacionado com o nível de depen-
tem de um membro de sua própria família. Denúncias dência dos idososinstitucionalizados e as características
estas que, em contexto pandêmico de isolamento em de cada instituição, dado que não há uma articulação
2020, quintuplicaram entre os meses de março e maio presente entre as mesmas, culminando para um cuidado
(O GLOBO, 2020). direcionado a pessoaidosa sobre uma ótica estereotipada
Esse posicionamento escancara, mais uma vez, e limitante que segrega essa população e desconsidera
a omissão do Estado que direciona precário apoio sua singularidade.
e orientação às famílias que exercem o cuidado. E, Em suma, o imaginário social que se tem da
ainda, temos o cenário de que quando o idoso apre- velhice está pautado em um cenário permeado por
senta dificuldades de viver sozinho por depender inúmeras violências concretas (seja na instituição da
de cuidados e estas famílias não estão presentes ou família ou asilar) e simbólicas presentes no discurso
não possuem condições financeiras de oferecê-los, de exclusão do Estado, no ataque aos direitos da pes-
a alternativa torna-se a institucionalização em Insti- soaidosa; o que acaba outorgando ao velho um lugar
tuições de Longa Permanência (ILPI), que não são a de não pertencimento social. A ausênciade políticas
única, porém a mais antiga alternativa ao cuidado não- públicas efetivas se materializa no surgimento das Ins-
-familiar, sendo associadas ao que chamava-se antes tituições de Longa Permanência para Idosos, que para
de asilos. No Brasil, essas instituições fazem parte da além de seus problemas de estruturação, estão envolta-
rede de assistência social e surgem de uma maneira sem uma esfera de mitos e preconceitos e acabam por
orgânica (pela demanda social) de modo que não há não ser um local que as pessoas considerem acolhedor
um consenso do que seja a ILPI, uma vez que mui- em que há um projeto de continuidade da vida, mas
tas instituições não se autodenominam dessa forma, sim há a ideia de um “depósito de idosos à espera do
havendo diferentes referências na literatura a abrigos, tempo de morrer” (Christophe & Camarano, 2010).
casas de repouso, asilos e ILPIS sendo que 65,2% são Em contrapartida, os autores ressaltam a importância
de caráter filantrópico, 28,2% de caráter privado e da existência destas instituições como alternativas viá-
6,6% público (Christophe & Camarano, 2010). veis aos idosos que precisem de assistência e integrá-las
É comum a associação feita entre as Instituições dessa forma ao sistema de saúde para que se possa criar
de Longa Permanência e um modelo de instituição asilar elos entre as instituições e pensar em um modelo com
que, historicamente, tem sua origem atrelada ao fun- recursos do Estado que seja digno e atento aos cuida-
cionamento de uma instituição total, tal como definida dos dessa população.
por “como um local de residência e trabalho onde um É nesse sentido, com intuito de estabelecer uma
grande número de indivíduos com situação semelhante, posição crítica diante das questões expostas e atuar de
separados da sociedade mais ampla por considerável forma a promover discussões e debates estabelecendo
período de tempo, leva uma vida fechada e formal- um elo comunicativo com as pessoas idosas, estu-
mente administrada” (Goffman, 2007 como citado em dantes, profissionais da saúde, cuidadores de idosos e
Christophe & Camarano, 2010, p. 150). Dessa forma, psicólogos que se inicia a organização do Coletivo Cora
o principal aspecto presente nessas instituições con- Carolina. Nós concentramos neste trabalho as vicissi-
siste em um controle sobre o sujeito e em determinada tudes que compõem essa velhice através de vieses que
homogeneização da vida, o que pode geraruma série de a atravessam como questões, econômicas, políticas,

Revista Psicologia para America Latina, n. 36, p. 161-169, noviembre 2021


164 Campos, B. R. R. & cols. Coletivo Cora Carolina: Construindo Intervenções

sociais, culturais e com enlace entre elas, buscamos um simbólica com idosos com as leis e recursos públicos
uníssono de vozes com a formação de um coletivo de para se pensar na garantia dos direitos destes, tendo por
práticas e estudossobre o envelhecimento. finalidade a estruturação de um Coletivo que articula
O Coletivo surge, então, no ano de 2017 a partir aos direitos humanos um olhar para os Envelhecimen-
de um processo de construção e desconstrução, no qual tos enquanto processos plurais e diversos e políticas
seu surgimento se deu através de movimentos e ações públicas acessíveis.
voluntáriasautônomas em uma instituição asilar, que se Com a estruturação do Coletivo em andamento no
denomina enquanto ILPI (Instituição de Longa Per- ano de 2019 foi possível realizar atividades extra-acadê-
manência), seguindo enquanto ações voluntárias que micas em parceria com a universidade, com importante
visavam o acolhimento e escuta afetiva dos idosos até órgão brasileiro regulador da atuação de psicólogos
o final de 2018. A partir de 2019, com a entrada de na região e também com órgão municipal deliberativo
novos voluntários, passamos a problematizar o papel acerca da representação política e dos direitos dos ido-
do voluntariado que estávamos exercendo e nutrir o sos, para discutir questões direcionadas a criação de
desejo que as ações se tornassem mais plurais e abran- políticas públicas para a população idosa, a articula-
gentes no debate político- social e menos pontuais em çãode ações voltadas à população idosa que também
uma única instituição. dialogam com os Direitos Humanos, e também ques-
tionar a existência de ILPIs com funcionamento asilar
e suas respectivas problemáticas. Tais atividades foram
Problema/Objetivos frutíferas para divulgar o trabalho e visão do grupo, o
que foi dando forma a uma atuação crítica, horizontal
e de caráter amplo que não maisvisava um trabalho de
Durante a trajetória da constituição enquanto
voluntariado e sim de trabalho compartilhado para a
Coletivo, vivenciamos diversas problemáticas no cená-
organização de eventos, encontros para grupos de
rio do que é o envelhecimento no país, percebendo que
estudos presenciais sobre temáticas que perpassamo
as instituições que deveriam ser responsáveis por
envelhecimento, ações em conjunto com cuidadores de
prover qualidade no cuidado com a pluralidade no
ILPIs para refletir sobre a atuação e desmistificar temas
envelhecimento são majoritariamente do Terceiro Setor,
que permeiam a prática profissional dentro de institui-
a partir de ONGs filantrópicas e advindas de organiza-
ções de caráter asilar, e promover uma página através da
ções religiosas. Isso mostra que ainda existe um olhar
rede social Facebook de forma a atingir mais pessoas
de caridade e permeado por questões religiosas sobre o
com textos e publicações que dialogam com as discus-
corpo velho, desresponsabilizando o Estado e o dever
sões propostaspelo Coletivo.
de ofertar políticas públicas que respeitem a diversidade
religiosa, sexual, de gênero e de raça/cor, indepen-
dente do poder aquisitivo de cada indivíduo. Desde
o início, os integrantes do Coletivo buscavam ofertar
Procedimentos/Processo de Intervenção
uma atividade voluntária que visava a independência e
o reconhecimento da singularidade de cada idoso que As práticas do Coletivo iniciaram-se antes mesmo
habitava uma ILPI (instituição que reconhecemos da denominação do grupo como tal. Em 2017, nossas
como asilar e limitadora de potencialidades), porém as ações enquanto grupo eram voltadas para a inserção
regras e olhares presentes dentro da instituição muitas em uma ILPI localizada na periferia de um município
vezes barravam determinadas intervenções. Este foi no interior do estado de São Paulo/Brasil. As ações
o incômodo principal que levou a discussões internas do Coletivo se concentravam em realizar visitas aos
sobre a importância de pensar uma estruturação que domingos, com o objetivo de oferecer uma escuta e
não fosse apenas pontual assistencialista e deslocada do acolhimento sensível para com os idosos, e convidá-
lugar social que essas ações devem ter, articulando em -los a participar de atividades fora do ambiente asilar,
como trazer as problemáticas da violência concreta e nas quais eles puderam ir até a universidade e participar

Revista Psicologia para America Latina, n. 36, p. 161-169, noviembre 2021


Campos, B. R. R. & cols. Coletivo Cora Carolina: Construindo Intervenções 165

também de algumas oficinas oferecidas por projetos de envelhecimento populacional na agenda das políticas
extensão da instituiçãoà população idosa da cidade. públicas do Brasil, e também a pluralidade e perspectiva
Durante as interações com residentes também de atenção ao idoso, direcionado a estudantes e profis-
nos aproximamos das demandas e do trabalho dos sionais da área da saúde e da assistência social da cidade
cuidadores de idosos institucionalizados. A partir de onde atuamos. O evento teve como objetivo questio-
uma questão apresentada pelos próprios cuidadores, nar e refletir sobre os atravessamentos do lugar posto
referente às dificuldades enfrentadas no cotidiano para a velhice na contemporaneidade, assim como os
experienciado dentro da instituição, foi proposto a rea- marcadores envolvidos neste processo, buscando com-
lização de oficinas sobre os processos de elaboração de preender de que forma estes influenciam as diretrizes
lutos com os cuidadores. As oficinas foram compostas de atuação institucional direcionadas idealmente a pro-
pelos cuidadores e funcionários da instituição de longa moção de cuidado desta população.
permanência frequentada pelo Coletivo. Os encontros A organização do evento foi desenvolvida pre-
ocorreram na universidade, a fim de proporcionar um tendendo ampliar a discussão da temática proposta aos
deslocamento do ambiente de trabalho para que os profissionais da rede pública de saúde da cidade, dese-
cuidadores se sentissem confortáveis em narrar suas jando criar espaços de troca e reflexão entre a rede
impressões e duraram cerca de duas horas, sendo reali- de saúde pública e a universidade. Diante dessa pre-
zados em dois dias consecutivos devido aos turnos de tensão, o Coletivo efetuou parcerias com as Secretarias
trabalho da instituição. Municipais para divulgação da programação do evento
A partir dessa experiência, foi possível observar aos profissionais, além de divulgar nos maiores meios
a carência de aspectos relacionados ao suporte psico- de mídia da região. A estruturação da programação
lógico na formação profissional de cuidadores. São os também contou com a parceria do órgão regulador e
profissionais que dão vida ao cotidiano das instituições orientador da psicologia, anteriormente mencionado,
e que, frequentemente, não percebem que estão impe- através da colaboração com indicações de convidados
dindo ou limitando o acesso aos direitos, de forma palestrantes e na sistematização das localidades de reali-
direta ou indireta, através da prática de violências insti- zação das mesas para vários espaços da cidade, em que
tucionais de caráter simbólico. Uma vez que o cuidador os profissionais de saúde teriam mais acesso, sendo um
assiste a saúde de um idoso asilado, ele automatica- desses a própria subsede regional do órgão na qual foi
mente também se torna foco de cuidado da instituição, realizada uma mesa redonda do evento.
pois admite-se que o suporte e bem estar do cuidador O evento teve duração de quatro dias, a progra-
reflete no acesso dos idosos a serviços e atendimentos mação foi composta por mesas e rodas de conversa
de qualidade, pois esse desempenha um papel funda- ministradas por idosos, profissionais de saúde e pes-
mental para que direitos civis, políticos, econômicos, quisadores especializados na área de políticas públicas e
sociais e culturais sejam garantidos aos residentes (Terra envelhecimento em que foram discutidos perspectivas
& Barroco, 2012). e estratégias na política pública para o idoso, violências
A realização das visitas e nossos encontros conti- simbólicas e perspectivas de cuidado, pluralidades de
nuaram por um tempo até que nos vimos inclinados a envelhecimento e sexualidade, além de diálogosno geral
tentar responder outras perguntas. Nossas discussões sobre a compreensão do que se entende por velhice.
sobre o tema doenvelhecimento cresciam e nos debru- Todos os encontros ocorreram no horário noturno,
çamos sobre problemáticas institucionalizantes, a partir visando a presença dos referidos profissionais de saúde,
disso, pensamos na possibilidade de um evento que res- de forma a viabilizar a participação dos mesmos para
pondesse algumas de nossas inquietações. além do horário de trabalho.
Com base em nossas experiências de carác- A partir das discussões proporcionadas no evento
ter voluntário no ambiente asilar atravessadas a todo e da grande participação da comunidade acadêmica e
momento pelas incoerências das ações ditas de cuidado profissional surgiu o espaço coletivo do grupo de estu-
referidas a esses idosos asilados foi proposto a realiza- dos. Os encontros eram realizados quinzenalmente,
ção de um evento para discutir a inserção da pauta do com duração de duas horas e meia e em localidades

Revista Psicologia para America Latina, n. 36, p. 161-169, noviembre 2021


166 Campos, B. R. R. & cols. Coletivo Cora Carolina: Construindo Intervenções

alternadas entre diferentes faculdades da cidade no foram repensadas de acordocom as ferramentas virtuais
intuito de atingir e aproximar estudantes de diversas disponíveis, como por exemplo, as plataformas, ofere-
áreas atravessadas pelas ações de promoção de saúde ao cendo gratuitamente espaços de troca, de grupos, de
cidadão idoso. acolhimento, as angústias e inquietações da população
A estruturação do cronograma desses encontros que está em isolamento social.
foram elaboradas em conjunto com todos os partici- Desde de Abril de 2020 foram realizados seis
pantes. Foram realizados quatro encontros presenciais, grupos de estudos online, amplamente divulgados
na disposiçãode rodas de conversa. O primeiro apresen- na rede social do Coletivo. Assim como os encontros
tou a nova configuração do Coletivo, nossos objetivos e presenciais, cada encontro contava com convidados
organizações, frisando a relevância de discussões multi- especialistas e um texto base divulgado previamente. Os
disciplinares na área da saúde sobre o envelhecimento. primeiros dois encontros virtuais abordaram a temática
No segundo, tratamos sobre a intergeracionalidade do “Envelhecimento Feminino”, e em seguida, mais
através da discussão de um texto sobre o tema e com detalhadamente a relação deste com a negritude. Nes-
a presença de uma psicóloga convidada. A intergera- tes encontros a perspectiva do envelhecer foi analisada
cionalidade consiste nas relações que se estabelecem a partir da interseccionalidade de gênero, idade e raça,
entre pessoas com idades diferentes, possibilitando o escancarando o abismo do exercício pleno de direitos e
atravessamento de experiências trocas, pelos novos as realidades em que os sujeitos idosos estão inseridos.
aprendizados propiciando reflexões sobre os estereóti- Expandindo as reflexões sobre essas questões foi
pos que compõem o envelhecer (Silva et al., 2015). organizado um encontro sobre “Necropolítica e Enve-
Dando continuidade aos nossos encontros, o tema lhecimentos”, utilizando-se do conceito já referido na
seguinte escolhido foi sobre Asilamento. O encontro introdução do presente texto. A temática foi discutida
discutiu sobre as vivências de perdas e lutos dos ido- em virtude do avolumamento de atitudes geronticídicas
sos institucionalizados, entendendo como os efeitos observadas durante o período de pandemia sendo vei-
da institucionalização compromete o exercício pleno culadas pelas mídias, desvalorizando a importância da
de direitos e a qualidade de vida do idoso, o priva de vida e da autonomia do idoso.
liberdade e sociabilidade desenvolvendo um grande Após as discussões sobre necropolítica, que evi-
sentimento de solidão. denciou a forma como a população idosa muitas vezes
O quarto e último encontro do ano, se deu no fim é estigmatizada, ferindo sua autonomia, seus direitos e
do segundo semestre de 2019, a partir da troca de pro- consequentemente, sua saúde mental, propusemos um
duções literárias. Convidamos uma escritora idosa, que encontro sobre suicídio eenvelhecimento, uma vez que,
se dedica na produção de crônicas e contos, também além do cenário sociopolítico atual que dificulta ainda
abordando o envelhecimento, para uma partilha de suas maisavida na velhice, as estatísticas apontam para a alta
histórias e experiências. Todos os participantes contri- taxa de suicídio entre idosos com mais de 70 anos. Neste
buíram para a composição do encontro com escritos encontro participantes e convidados teceram juntos a
- músicas, poemas, livros, diários. Esse grupo eviden- importânciade umarede de cuidados no enfrentamento
ciou a importância de um espaço de compartilhamento aos suicídios, em especial, em idosos.
das vivências, histórias e afetos do sujeitoidoso, uma vez Por fim, foram elaborados três encontros com
que a escrita e narrativa das próprias percepções de vida o objetivo de dar visibilidade à representatividade das
beneficia a compreensão de questões acerca do próprio vivências experienciadas por idosos nos diversos e ao
processo de envelhecer. mesmo tempo singulares processos de velhices. Todos
A partir de Março de 2020, a crise gerada pela esses encontros foram palestrados por pessoas idosas,
pandemia de Covid-19 instituiu no Brasil o isolamento partindo das narrativas de seus próprios processos de
social como estratégia de controle e diminuição do con- envelhecimento para transmitir conteúdos acerca das
tágio pelo novo vírus. Devido a essa impossibilidade temáticas tratadas, reafirmando a importância da escuta
de agrupamentos presenciais, as atuações e possibi- do idoso na produção de estudos e literatura referentes
lidades de estudos e intervenções acerca das Velhices a suas vivências.

Revista Psicologia para America Latina, n. 36, p. 161-169, noviembre 2021


Campos, B. R. R. & cols. Coletivo Cora Carolina: Construindo Intervenções 167

No encontro “Arte e Envelhecimento” a exposi- Os diferentes tempos verbais compartilhados por


ção das produções de arte de duas idosas evidenciou homens e mulheres de diferentes idades compuseram
a arte como recurso terapêutico, principalmente um cenário de inquietações e dificuldades como expe-
durante o período de isolamento social da popula- rienciado nas ILPIs e também pelos profissionais da
ção idosa e a importância da constante estimulação da saúde (tanto pública, como os vinculados a instituições
criatividade do sujeito em oposição ao movimento de privadas), da assistência social, do meio acadêmico, mas
“espera da morte” presente no imaginário social sobre também um cenário com feixes de resistência e criação,
a velhice. O último encontro discorreu sobre a temática onde pudemos viabilizar e construir formas visíveis
do envelhecimento LGBTQIA+, abordando especial- através de nossas práticas.
mente o envelhecimento lésbico. Salientamos que nosso engajamento se nutre
As práticas e encontros, sejam presenciais ou da garantia dos Direitos Humanos e ao combate ao
virtuais, foram deveras enriquecedoras para todos os discurso capitalista, médico-centrado e reducionista
envolvidos, visto que, recebemos devolutivas, depoi- que desumaniza e desubjetiva homens e mulheres aos
mentose manifestações de diferentes ordens, que nos seus interesses econômicos. Foi também possível, a
impulsionam a continuar trilhando os percursos na partir da análise dessas experiências virtuais, denomi-
construção de uma velhice digna a todos nós, que enve- nar as principais angústias, sofrimentos e dificuldades
lhecemos a cada dia. vividos pela população idosa, sendo estas capazes de
promover processos interativos entre diferentes áreas
da saúde visando a (re)construção, organização e dis-
Resultados e Discussão ou Efeitos e seminação de orientações e novas possibilidades de
Impactos Observados apropriação da autenticidade de seus próprios proces-
sos de envelhecimento(s).
Dentre tantas experiências, nos é possível, através
da dialética entre teoria e prática, afirmarmos e ressal-
tamos a importância da criação de espaços de trocas
Conclusão
de vivências para escuta e acolhimento das diversas e
plurais velhices e, ainda, reafirmamos que a ampliação Conforme fomos narrando nossas histórias e
da escuta desses relatos contribui diretamente para a através dela podemos concluir, neste trabalho, que o
discussão da efetividade das e formulação de políti- Coletivo Cora Carolina, se faz e refaz, em concomitân-
cas públicas acerca do envelhecimento populacional, cia a construção de cidadãos éticos que assumem seu
pois não se trata de um processo de universalização da lugar político de transformação de suas realidades, de
vivência do envelhecer, mas sim de ressaltar e valori- seus territórios, do micropolítico ao macro, de olhares
zar a singularidade de cada processo de envelhecimento e escutas singulares.
que necessita ter assegurados de maneira integral seus Nossas discussões e elaborações se concentram
direitos pelo Estado. na formação política dos seus organizadores, que con-
Conhecer, apresentar e compartilhar saberes trapõe a lógica do voluntariado-assistencialista, ou
técnico científicos através de diferentes áreas, e, em ainda, de ações baseadas na caridade e benevolência,
especial, a psicologia, nos permitiram a reflexão do quão como vistas em contribuições do caráter do volunta-
importante se faz aconcepção de uma velhice composta riado nos serviços com os cuidados da pessoa idosa
por direitos como nos prevê a legislação brasileira atra- que servem a manutenção de práticas excludentes,
vés de suas diretrizes da Constituição Federal de 1988. onde temos a grave consequência das imensas dificul-
Dentre suas bases, trabalhamos em prol de uma cons- dades nos cumprimentos de medidas elaboradas pelas
tante construção entre teoria e prática, e partir, desta políticas públicas brasileiras.
conexão, pudemos viabilizar a desconstrução de discur- Para tanto, nos fortalecemos acreditando que
sos normativos,estigmatizantes e preconceituosos. “somos multidão” e como nos diz Deleuze (1997),

Revista Psicologia para America Latina, n. 36, p. 161-169, noviembre 2021


168 Campos, B. R. R. & cols. Coletivo Cora Carolina: Construindo Intervenções

somos possíveis apenas na coletividade. E, precisamos assessora-de-guedes-acha-quemorte-de-idosos-


(ainda mais na atualidade pandêmica) lutarmos para a -por-coronavirus-e-bom-para-reforma-da-previ-
valorização da vida, em que não podemos ser reduzi- dencia.htm
dos a números e estatísticas, para tanto, nos colocamos Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2020). Pro-
na vanguarda de defesa dosidosos e idosaslutando pela jeção da população no Brasil e das Unidades de Federação.
atuação eficaz de políticas e de um governo equânime Recuperação em 10 de setembro de 2020 de htt-
que de fato cumpra suafunção de atender as necessida- ps://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/
des de seu povo. Mazzi, C. (2020). Denúncias de violência contra idosos quin-
Como retratou Ecléa Bosi, “o velho não tem tuplicaram durante a pandemia ,apontam dados do Disque
armas. Nós é que temos de lutar por ele” (Bosi, 2004, 100. Recuperado em 15 de Outubro de https://
p.81). Seguimos lutando. oglobo.globo.com/sociedade/denuncias-de-vio-
lencia-contra-idososquintuplicaram-durante-pan-
demia-apontam-dados-do-disque-100-24480857
Referências Miranda, G. M. D. (2015). Saúde e desigualdade: O desafio
brasileiro em um cenário de transição demográfica,
Bosi, E. (1994). Memória e Sociedade: lembranças de velhos. epidemiológica e mudanças sociais. Tese de douto-
São Paulo: Companhia das Letras. rado não publicada. Fundação Oswaldo Cruz de
Recife. Recuperado em 10 de Setembro de 2020 de
Christophe, M. & Camarano, A. A. (2010). Dos asi- https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/13912
los às Instituições de Longa Permanência: Uma
história de mitos e preconceitos. Cuidados de Pereira, J. M. (2019). MBEMBE, Achille. Necropolítica.
Longa Duração para a População Idosa: um risco so- 3. ed. São Paulo: n-1 edições, 2018. Recuperado
cial a ser assumido? (pp. 145-162). Rio de Janeiro: em 16 de maio de 2020 de https://www.scielo.br/
IPEA. Debert, G. G. (1999). A reinvenção da velhi- pdf/ha/v25n55/1806- 9983-ha-25-55-367.pdf
ce: socialização e processos de reprivatização do Silva, D. M, Vilela, A. B. A., Nery, A. A., Duarte, A. C.
envelhecimento. São Paulo: Editora da Universi- S., Alves, M. D. R., Meira, S. S. (2015). Dinâmica das
dade de São Paulo, FAPESP. relações familiares intergeracionais na ótica de idosos resi-
Federação Nacional das Associações do Pessoal da dentes no Município de Jequié (Bahia), Brasil. Ciência &
Caixa Econômica Federal. (2020, 29 de Setem- Saúde Coletiva [online], 20(7): 2183- 2191. https://
bro). Assessora de Guedes acha que morte de idosos por doi.org/10.1590/1413-81232015207.17972014
coronavírus é bom para Reforma da Previdência Recu- Terra, S. H., & Barroco, M. L. S. (2012). Código de Ética
perado em 10 de outubro de 2020 de https:// do/a assistente social comentado. Conselho Federal de
www.fenae.org.br/portal/fenae-portal/noticias/ Serviço Social- CFESS (org.). São Paulo: Cortez.

Sobre os autores:

Bruna Rafaele Rodrigues Campos


Discente no curso de Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, campus de Assis. Estagiária de prática
clínica de orientação psicanalítica e de envelhecimento e processos de subjetivação. Atua nas áreas de atendimento
clínico e grupal de acolhimento psicológico aos enlutados pela COVID-19.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1446-0927
E-mail: bruna.rafaele@unesp.br

Revista Psicologia para America Latina, n. 36, p. 161-169, noviembre 2021


Campos, B. R. R. & cols. Coletivo Cora Carolina: Construindo Intervenções 169

Camila Cuencas Funari Mendes e Silva


Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista- Faculdade de Ciências e
Letras, campus de Assis, SP, Brasil. Atua como psicóloga clínica e professora universitária. Membro do Coletivo Cora
Coralina e do Conselho Municipal do Idoso de Assis-SP.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5942-6733
E-mail: camila_cfms@hotmail.com

Isabelle Sinato Pires Pereira


Graduanda em Psicologia pela instituição de ensino Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Atual-
mente estagiária na Clínica Psicanalítica e Vínculos, em ênfase de Processos Clínicos e Saúde Mental, e na Clínica
Transdisciplinar: Cartografando Poderes e Resistências Territoriais, em ênfase de Políticas Públicas e Clínica Crítica.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6865-0232
E-mail: isabelle.sinato@unesp.br

Marcela Marcondes Leite


Graduada e mestranda em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, e psicanalista
em formação. Atua e pesquisa nas áreas de Envelhecimentos, Luto, Diversidades e Psicanálise. Também é psicóloga
voluntária da ONG Eternamente SOU.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1776-6777
E-mail: marcelamarc.leite@gmail.com

Letícia Passi Batista


Graduanda em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – campûs de Assis. Estagiária
nas áreas de Clínica Psicanalítica, Saúde Mental e Coletiva, Luto, Envelhecimentos e Processos de Subjetivação. Inte-
grante do Coletivo Cora Coralina desde 2017. Atualmente, está inserida nas práticas de atendimento clínico e grupal
de acolhimento psicológico aos enlutados pela pandemia de Covid-19.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8505-6868
E-mail: leticia.batista@unesp.br

Luan Puntel Rui


Discente no curso de Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, campus de Assis. Estagiário de prática
clínica de orientação psicanalítica e de envelhecimento e processos de subjetivação, com ênfase em psicologia social.
Integrante do Coletivo Cora Coralina desde 2017.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5839-2244
E-mail: luan.rui@unesp.br

Contato com os autores:

Travessa Brasil, 475, Vila Fiúza


Assis, São Paulo
CEP: 19814-240
Telefone: + 55 (18) 981242727
E-mail: coletivocoracoralina@gmail.com

Revista Psicologia para America Latina, n. 36, p. 161-169, noviembre 2021

Você também pode gostar