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Anais do

Congresso Internacional Movimentos Docentes


e Colóquio FORPIBID RP – 2022
Volume 1

EDUCAÇÃO COMUNITÁRIA E PSICOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

Prof. Dr. Antonio Carlos Barbosa da Silva1. Profa. Dra.Marina Coimbra Casadei
Barbosa da Silva2

RESUMO

O texto abaixo visa contribuir para o resgate do pensamento da Psicologia da Libertação


atrelá-lo às ações desenvolvidas pela Educação Comunitária que intentam libertam o sujeito
explorado, oprimido e alienado das artimanhas do Capital que se coloca enquanto modelo
superior de vida societária. Esperamos que o resgate das ideias da Psicologia da Libertação e
da Educação Comunitária lancem uma luz sobre o campo da Educação e da Psicologia. A
Educação comunitária e a Psicologia da Libertação procuram conscientizar a população de
baixa renda, oprimida e manipulada pela ideologia capitalista classista de que é possível
transformar a sociedade, melhorando as condições de vida dentro de uma sociedade que
privilegia apenas a classe dos mandatários. Essa área enfoca a alteridade e o processo de
conscientização enquanto sujeito histórico capaz de mudar a vida social.

OBJETIVOS

Descrever o projeto ético-político da Psicologia da Libertação de Martín Baró e seu elo


com a Educação Comunitária Crítica.

METODOLOGIA

As pesquisas crítico-dialéticas se vinculam aos estudos sobre experiências, práticas


pedagógicas, processos históricos, discussões filosóficas ou análises contextualizadas a partir
de um prévio referencial teórico (GAMBOA, 2010). Segundo o autor, tais pesquisas são críticas
e expressam a pretensão de desvendar, mais que o “conflito das interpretações”, o conflito dos
interesses. Essas pesquisas manifestam um “interesse transformador” das situações ou
fenômenos estudados, resguardando sua dimensão sempre histórica e desvendando suas
possibilidades de mudanças. Assim, realizamos uma pesquisa bibliográfica inserida numa
investigação crítica-analítica de textos (artigos e livros) escritos por Martin-Baró e alguns de
seus intérpretes que versam sobre a Educação e a Psicologia Social da Libertação.

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UNESP-ASSIS, Departamento de Psicologia Social
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UNIMAR – Universidade de Marília, Departamento de Psicologia
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INTRODUÇÃO

A Psicologia da Libertação seria um contraponto ao pensamento educativo e psicológico


latino-americano que, majoritariamente, foi fomentando por teorias e práticas oriundas dos
Estados Unidos e Europa. Segundo Pereira (2013) apesar da Psicologia Social latino-americana
desaprovar o colonialismo intelectual a qual a Psicologia foi submetida, reconhece a produção
europeia e estadunidense, mas, antes de tudo, defende que a apropriação deste conhecimento
deve ter como ponto de partida as condições histórico-sociais da América Latina. Sendo assim,
torna-se necessário, principalmente aos educadores e psicólogos comunitários recuperar e
fortalecer o pensamento dos autores que produziram teorias psicossociais críticas que
consideraram as características históricas e culturais da América Latina. Nesse sentido, pensar
na Psicologia da Libertação é fundamental, já que ela se volta para questões pertinentes aos
interesses das classes exploradas e oprimidas da América Latina e parte de sua realidade social
para inferir ações comprometidas com a transformação da sociedade civil.

Além disso, como afirma Guzzo e Lacerda Jr (2011) as ideias da Psicologia da


Libertação de Martin-Baró e da Educação Comunitária são algo muito mais profundo que um
mero anseio teórico, nostálgico e anacrônico. Trata-se de questionar o fetiche predominante na
atualidade, especialmente entre aqueles que abandonaram o engajamento crítico e político em
prol de proposições sóbrias de uma terceira via ou do mero niilismo político.

Diante dessa situação, muitos educadores comunitários e psicólogos incomodados com


a supressão de qualquer movimento questionador no campo ético-político em seus países,
partem para a crítica social e vão à campo, agora com uma visão crítica da Psicologia
Comunitária. Educadores e Psicólogos comprometidos com uma ética política transformadora
desenvolvem atividades junto com a população atormentada, a fim de orientá-la à
conscientização, autonomia em sua vida, ao direito à reinvindicação no campo político e ao
questionamento da suposta ética proferida pelo Estado. Surgiam, então, ações psicológicas que
clamava a população para repensar e equacionar demandas comunitárias, melhorar a qualidade
de vida, rejeitar sua posição de oprimida e lutar pelo direito da cidadania etc.

PSICOLOGIA DA LIBERTAÇÃO E A EDUCAÇÃO COMUNITÁRIA CRÍTICA: O


AVANÇO DO PENSAMENTO CRÍTICO
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É diante dessas demandas e do respaldo referencial das teorias comprometidas com a


transformação social (destaque para o marxismo e para a psicologia histórico-cultural,
pedagogia histórico-crítica e da pedagogia do oprimido) que surge uma nova práxis na
Psicologia Social Latino-Americana e da Educação Comunitáira.
Montero (1982) diz que a Educação comunitária e a Psicologia Social Comunitária
constituem áreas das ciências sociais críticas cujo objeto é o estudo dos fatores psicossociais
que permitem desenvolver, fomentar e manter o controle e poder dos indivíduos sobre seu
ambiente individual e social, para solucionar problemas que os afetam e lograr mudanças nestes
ambientes e na estrutura social. Seus princípios básicos são os de: união entre teoria e prática;
transformação social como meta; poder e controle dentro da comunidade; conscientização e
socialização; autogestão e participação das pessoas atendidas.
Essas novas posturas levam o educador comunitário e o psicólogo social comunitário a
remodelar seu instrumental prático e teórico. O fenômeno a ser estudado passa a ser
compreendido como algo proveniente de interações sociais ativas entre sujeito e meio, ambos
influenciando um ao outro e possibilitando uma nova estrutura dinâmica. O olhar dinâmico
sobre o fenômeno possibilita buscar aspectos contraditórios, ocultos, subjetivos que permeiam
o mesmo. Abre-se um campo para a Educação comunitária e para a Psicologia da Libertação
averiguar - os aspectos subjetivos presentes e suas influências na comunidade.
Campos (2015) aponta que o crescimento dessa área enfrentou o seguinte dilema: como
fortalecer o envolvimento afetivo com os objetivos e programas de ação propostos pelas
comunidades, uma vez que os aspectos subjetivos se mostram relevantes para o
desenvolvimento do indivíduo em sujeito histórico*. Esse compromisso impele o
profissional a repensar suas intervenções, atuando de um modo menos diretivo e objetivo, a fim
de permitir às pessoas em suas comunidades que elas possam construir sua subjetividade o mais
livre possível com o intuito de se tornarem sujeitos históricos singulares.

 Góis (2004) afirma que o objetivo principal da Psicologia comunitário deve ser o de transformar os
moradores de determinada comunidade em sujeitos históricos e comunitários, que terão consciência
de seu papel social, de sua identidade, e de ser histórico. Além disso, acreditamos que esse seja o
objetivo final de qualquer Psicologia comprometida com as comunidades.
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A Educação comunitária e a Psicologia da Libertação configuram-se com um perfil


muito próprio, diferenciando-a de outras áreas da Pedagogia e da Psicologia tradicional.
Assumem um compromisso ético e político com a população que trabalha, que é capacitá-la
para lidar com os conflitos políticos, sociais e emocionais que ocorrem em seu cotidiano e ter
condição estrutural/emocional para lutar pela transformação social de sua história.
Dificilmente conseguiríamos dar uma definição comum à Educação Comunitária e à
Psicologia da Libertação para toda América Latina, uma vez que essa área obedece a uma
natureza multifacetada de seu objeto de estudo, no qual se encontram involucrados diversos
processos (prevenção, conscientização, libertação, mudança, desenvolvimento, participação,
autogestão, política etc.).
A Pedagogia tradicional e a Psicologia tradicional, geralmente, não consideram questões
sociais, políticas e históricas das comunidades que atendem, e, equivocadamente, tendem a
utilizar consagradas teorias psicológicas para atender pessoas com determinados problemas
psíquicos, deixando para segundo plano, inferências sociais, históricas e ideológicas, que
ampliariam sua visão frente ao fenômeno analisado. As histórias políticas, sociais e culturais
de cada comunidade contêm elementos que influenciam o cotidiano de seus membros. Negá-
las seria o mesmo que esquecer que o sujeito é histórico e social.
A Educação e Psicologia da Libertação aparecem como uma práxis que reage frente a
opressão político-social, contra a influência de correntes educativas e psicológicas
adaptacionistas liberais que tentam desenvolver ações intervencionistas alternativas que se
diferencie daquelas que aprendemos na academia e que são voltadas para o público da classe
média.
Em vista disto a Educação Comunitária e a Psicologia da Libertação objetiva
compreender a sociedade e o homem que nela se insere, a partir de um estudo histórico e global
do indivíduo ao lado do fenômeno social, sem perder contato com a singularidade e a
particularidade do homem de cada região, com sua cultura, história e identidade.
Caberia, portanto à Psicologia da Libertação e a Educação Comunitária estudar o
sistema de relações interpessoais, as representações, a cultura, o território, a pertinência dos
sujeitos em seus espaços/grupos/comunidade, priorizando histórias de vida em relação,
histórias das lutas comunitárias, opressões, explorações, privilégios classistas, reflexões sobre
cidadania, busca pela autonomia e autogestão etc.
Através desses estudos, as ações psicológicas e educativas mediariam a comunidade e
as ideologias societárias capitalistas. A mediação se daria através do diálogo, da linguagem e
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de um pensar crítico, que instigaria a comunidade a desenvolver uma consciência social, a qual
é historicamente compreendida, dentro de uma perspectiva da construção psicossocial do
homem, conforme os aportes e as formas de produção e reprodução da existência humana.
Dessa forma, o educador e psicólogo comunitário desenvolveriam estratégias de intervenção
psicossocial dirigidas ao incremento de processos de conscientização junto à comunidade
quando esta enfrentasse seus conflitos emocionais e sociais. Tais processos levariam o sujeito
a ter uma identidade metamorfoseada.
Basicamente não seria possível pensar a transmutação da identidade sem a articulação
de ações mediadoras que permitam no percurso o ajuste interativo entre sujeito e comunidade
com vistas à tomada de consciência reflexiva. Sem essa mediação só existiriam reflexos e
condicionantes sem nenhuma possibilidade de transformação social.
Por isso, a consciência reflexiva possibilita o estabelecimento da práxis entre a
subjetividade e outras formas de conscientização transformadoras da comunidade. O
conhecimento do grupo, sua experiência de vida, sua consciência de classe reforçaria o poder
de discernir e repensar as regras de dominação e opressão e o impeliria a se submeter aos
imperativos abusivos de uma sociedade elitista.
A Psicologia da Libertação e a Educação Comunitária podem fortalecer o poder de
decisão do sujeito sobre as melhores formas de organização que são capazes de concretizar
novas regras de vida social que respeitem a identidade do sujeito, fortaleçam a coletividade,
valorizem a cidadania e fortaleça um estilo de vida mais social e igualitário.
Martin-Baró (2021), argumentava que até a década de 80 a contribuição da Psicologia
à história dos povos latino-americanos era extremamente pobre. A psicologia mantinha uma
dependência servil aos modelos teóricos importados ao definir problemas e buscar soluções,
mas ficava a margem dos grandes movimentos e inquietudes dos povos latino-americanos. Para
o autor, a contribuição mais significativa que da psicologia para a América Latina vinha das
ideias da educação comunitária desenvolvida por Paulo Freire. A pedagogia do oprimido,
postulado de Freire, visava capacitar o sujeito explorado a ler o mundo e a escrever sua história.
O método de alfabetização de Freire envolvia muito mais que domínio da escrita e da leitura.
Através da busca por um processo de conscientização durante as tarefas de ensino, o sujeito
associava a aprendizagem à sua vida e articulava a dimensão psicológica da consciência pessoal
com sua dimensão social e política e que explicitava a dialética histórica entre o saber e o fazer,
o crescimento individual e a organização, a libertação pessoal e a transformação social.
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Martin-Baró (20210 defendia uma Psicologia da Libertação, comunitária, própria


baseada na educação comunitária para cada país que interagisse com as maneiras de
sobrevivência dos excluídos. Ele estudou grupos, trauma psicossocial e animou a criação de
redes de conhecimento, de redes sociais e de ações a favor de uma Psicologia Libertadora.
Colocou no centro as vítimas, os excluídos, e os reconheceu como sujeitos capazes de se
conscientizar de sua situação de classe social explorada e de se verem como sujeitos históricos.
A Psicologia e a Educação Comunitária seriam áreas do saber intermediárias,
abrangendo o que pertence à sociedade e o que é próprio do indivíduo. Para Baró (1985), sem
desideologização, sem ir à base e à raiz da trama das relações sociais, não se poderia avançar
na sociedade. Assim, conceitos como violência seria pensado em um sentido mais estrutural e
amplo. Isso se constituiria numa grande contribuição, de modo que, sanando a estrutura, se
conseguia sanar os indivíduos e ter relações mais humanas. Além disso, falar de violência
estrutural inclui falar da pobreza, a impunidade, a linguagem da violência.
Martin-Baró (1985) produziu um projeto teórico e uma ética baseada na defesa dos
interesses das classes oprimidas. O autor em sua obra apresenta estudos sobre grupos, trauma
psicossocial, redes de conhecimento, redes sociais, ideologização-desideologização, estruturas
de poder, conscientização, identidade-socialização, opinião pública, fatalismo, poder, atividade,
violência, religião, libertação, politização da psicologia, parcialidade da psicologia.
Aprofundar-se nesses estudos serve para referenciarmos a práxis que auxiliará, quiçá,
na construção/reelaboração da Educação Comunitária crítica e da Psicologia Social
Comunitária Libertadora.

REFERÊNCIAS

CAMPOS, R.H.F. Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. São Paulo:


Editora Vozes, 2015.
GAMBOA, Silvio A. S. A dialética na pesquisa em educação: elementos de contexto. In
FAZENDA, Ivani (Org.). Metodologia da pesquisa educacional. 12ª ed. São Paulo: Cortez,
2010.
GERHARDT, E. T.; SILVEIRA, D. T. Métodos de pesquisa. Porto Alegre: UFRGS, 2009.
GÓIS, W.L. Psicologia Comunitária in SILVA, F.S. e AQUINO, C.A.B. Psicologia Social:
desdobramentos e aplicações. São Paulo: Escrituras, 2004
GUZZO, R. LACERDA JR, F. (orgs) Psicologia Social para a América Latina: o resgate da
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psicologia da libertação. Campinas: Alínea, 2011.


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LACERDA JR, F. Colocando a Psicologia contra a ordem: introdução aos escritos de Ignacio
Martin-Baró in MARTIN-BARÓ, I. Crítica e Libertação na Psicologia: estudos
psicossociais. Petrópolis: Vozes, 2021

MARTIN-BARÓ, I. Psicologia da Libertação in GUZZO, R. LACERDA JR, F. Psicologia


Social para América Latina: o resgate da Psicologia da Libertação. Campinas: Alínea
Editora, 2011.
MARTIN-BARÓ, I, The role of the psychologist (A. Aron, Trad.). In A. Aron & S. Corne
(Eds.), Writings for a liberation psychology (2ª ed., pp. 33-46). Cambridge, USA: Harvard
University Press. (Reimpresso de Boletín de Psicologia, 4(17), 99-112, 1985), 199620
MARTIN-BARÓ, I. Crítica e Libertação na Psicologia: estudos psicossociais. Petrópolis:
Vozes, 2021.
MONTERO, M. Fundamentos teóricos de la Psicología Social Comunitária en
Latinoamérica. AVEPSO,5(1):15-22, abril, 1982.
MORAES, R.; GALLIAZZI, M. C. Análise Textual Discursiva. 3.ed. Ijuí, editora Unijuí,
2006.

PEREIRA, Thiago Sant Anna. Projeto ético-político da Psicologia da Libertação: perspectiva


histórica. Dissertação. São Paulo: PUC São Paulo, 2013.

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