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adoxal, 0 conceito de Benjamin se prestaria melhor uma imagem jamais contemplada. O olhar corrompe a aura. Noescuro da noite parisiense, a Mona Lisa, solitéria no Louvre, recupera a aura que, como original, nunea perdeu, embora se nalize na profusdo de e6pias que se espalham pelo mundo e se deixe apropriar, a cada dia, pelos olhos ¢ lentes de turistas apressados. Nao estaria ai, justamente, em oposicio d idéia de Benjamin, o reaparecimento da aura? O imagindrio que en- volveu a Mona Lisa, fazendo dela um auténtico mito, nao vi- ria dessa reprodugo virdtica de sua imagem imortal? O ima- gindrio € uma aura sem peso unitério. 3. Tecnologias do imagindrio e ideologia Imagindrio e cultura, portanto, coabitam, justapoem- se ¢ coexistem, mas no se equivalem, Como separar, nou- tro patamar, imaginario e ideologia? O conceito de ideolo- gia pode ser declinado de muitas formas. De Marx a estudi- osos recentes, passando por Lukacs, Gramsci ¢ Althusser, nunca se parou de tentar definir ideologia. Ha quem diga, jocosamente, que ideologia é a teoria do outro, dp oponente. No fundo, um pensamento sob a forma de Boutade rediziria © uso marxista do termo ideologia a isso mesmo. Afinal, Engels e Marx recorreram a essa nog&o para desqualificar Max Stirner e outros ditos idealistas. Em outra diregao, resume-se ideologia & concepcao ampliada do sentido inicial de Destutt de Tracy e Cabanis: conjunto de idéias, principios e valores, portadores de uma | visio de mundo, com potencial mobilizador para a ago. Para Destutt de Tracy, a ideologia era somente o estudo da formagio das idéias. Essa perspectiva “neutra” da nogdo de ideologia tornou-se ela mesma ideolégica. O marxismo cia ou inversao do real na consciéncia individ sao das causas materiais de um acontecimento ou de uma situagao. Althusser relembra que “é nas formas e sob as formas, da sujeigdo ideoldgica que assegurada a reprodugao da qualificagao da forga de trabalho", A ideologia aparece, | togo, como um instrumento de deturpagao do real em pro. (_veito das classes dominantes. Nesse sentido, Althusser r4 de Aparelhos Ideol6gicos de Estado (religido, escola, fa- milia, midia, etc.), cuja fungdo seré de incutir uma visio de mundo nas mentes dos dominados. Considerando-se essa perspectiva datada, embora nao totalmente impertinente, seri melhor falar, hoje, em Tecnologias do Imaginério. Qual a diferenga entre imaginario e visao de mundo? Stuart Hall dé uma resposta: “A transformacao do problema das ‘ideologias’ no estudo das Weltanschauungen constitui algo como a tradig’o dominante no pensamento alemao du- rante a maior parte do século XIX""5. Mas se deve muito, nesse sentido, a Lukécs. A visio de mundo é sempre ideo- légica, mesmo se ultrapassa, em condensagao de elementos, a ideologia. Assim, a visto de mundo é apropriagao ¢ distorgao individual ou grupal de uma ideologia ____ Otermo ideologia designa o discurso do outro. Michel Pécheux salienta que as ideologias nao sao feitas de idéias, ‘mas de préticas. Sem perder tempo, separa totalmente ideo- {logia do que se poderia conceber como imagindiio: “A icle- |ologia nao se reproduz sob a forma geral ce wm Zeitgeist {isto 6, 0 espitito da época, a “mentalidade” de uma época, Althusser, L. Ideologia e aparetiiosideoldgicos do Estado. Lish 1980, pp. 22-23. all, .“O. Dar ideotogia, Rio de Jai Juremir Machado da 8 20 ‘os habitos de pensamento, etc.)”'®. Retornar a Gramsci nao mudaré nada de substancial nessa répida cartografia. Imagi- nétio € ideologia nao se recobrem. O imaginario nao € 0 novo nome para a ideologia de um individuo ou de um grupo. Em todo caso, para atirar a pé de cal sobre essa polé- mica, cabe uma palavra de Maffesoli: “A ideologia guarda sempre um viés bastante racional. Nao ha quase lugar para 0 ndo-racional no olhar ideolégico. No fundo ideolégico hé sempre uma interpretagio, uma explicacao, uma elucidagio, uma tentativa de argumentagao capaz de explicitar™”. A ide- ologia insere-se na ordem da explicago; o imaginério, na da compreensio. A ideologia obedece ao principio da racio- nalizagao; 0 imagindrio, ao da empatia. A ideologia vincu- la-se ao aparelho da manipulagdo; o imagindrio, as tecnologias da sedugio. Que Sartre descanse em paz! O conceito de imaginé- rio pode viver sem ele. Que os idedlogos se revirem nos ‘témulos ou nos gabinetes de trabalho: ha mais do que ideo- logia nos imaginarios em coabitagao. O imagindrio, contu- do, nao surge do nada. Nao se trata de uma aquisi¢ao mera- mente espontanea. Em outras palavras, pode ser induzido. E possivel listar trés etapas da construgao imaginal, em rela- 40 as tecnologias que a engendram: fase primitiva, fase in- dustrial e fase pés-industrial ou virtual As tecnologias do imaginério so dispositivos (Foucault) de intervengao, formatacio, interferéncia e cons- truco das “bacias semanticas” que determinardo a comple- xidade (Morin) dos “trajetos antropol6gicos” de individuos ou grupos. Assim, as tecnologias do imagindrio estabele- in Zizek, Slavoj Contraponto, 1994, p. 144, 0p. cit, p. 77 As tecnologias do cem “laco social” (Maffesoli) € impdem-se como o princi- pal mecanismo de produgao simbélica da “sociedade do es- petaculo” (Debord). O lago social serve de cimento & vida em sociedade. Po- rém, 56 se atualiza pela forga de valores partilhados, de ima- gens reverenciadas em conjunto e de sentimentos ¢ afetos in- tensificados pela comunhao. Nao hd lago social sem imagind- tio. O né entre lago social ¢ imagindrio, em sociedades marca- das pela contradicao e pelo conflito, depende do paradigma da complexidade: concilia-se o inconcilidvel nas vivéncias de cada dia, Na abstragio racional, o contraditorio deve ser expurgado. No conereto das praticas cotidianas, 0 paradoxo alimenta os imagindrios. Em cada personagem, convivem 0 sim ¢ 0 nao, 0 bem eo mal, a verdade e a ilusdo, a ideologia ¢ a cultura, a compreensio e a explicagao, 0 afeto e a desrazao. Tudo isso necessita ser compreendido em situagdes so- ciais de colaborago e de conflito. Na era da imagem, o vivi- do tende para o espetéculo. Maffesoli e Debord nao sao in- Concilidveis: “O espetaculo nao é um conjunto de imagens, mas uma relago social entre pessoas, mediada por imagens”"*, ‘Se Debord vé no espetculo a morte da aco, com a substitui- ‘go do ator pelo espectador, privilegiando a contemplagao a aco, Maffesoli enfatiza a pujanga da contemplacaio como for- ma de “ago passiva”. O que separa a ago da contemplagiio ¢ © imaginério social. Debord, gostando ou ndo, sintetiza uma época em que tudo ¢ imagem ¢ imaginério. Maffesoli, relendo Durand, Jung ¢ Bachelard, dé outro estatuto a essa “relagao social entre pessoas, mediada por imagens”. Passa-se do negativo ao Positivo, do reativo ao participativo, da atuagao A interaco, " Debord, G. A sociedade do esperdculo, n da descontianga 4 cumplicidade. Se Debord acusa o espeté- culo de levar os homens comuns a viverem por procuragio, vibrando e sofrendo com as alegrias e as dores das celebri- dades, Maffesoli, pensador da era dos reality shows, sabe que os “homens sem qualidades” também gozam de verda- de com a ficgao do real através da imagem de cada dia na televisio. Mas 0 que ninguém diz € como surgem os imagi- nérios. Que maquinas criam imaginarios no auge das socie- dades tecnolégicas? ( _ Astecnologias do imaginério s4o, portanto, dispositi- vos (elementos de interferéncia na consciéncia e nos territ6- rios afetivos aquém e além dela) de produgao de mitos, de visdes de mundo e de estilos de vida. Mas nao sao imposi- goes. Na “sociedade do espetéculo”, em que tudo é mediado por tecnologias de contato, por instrumentos de aproxima- ¢40 massiva, as tecnologias do imaginario buscam mais do que a informagao (mitologia do jornalismo): trabalham pela povoagao do universo mental como sendo um territério de sensagdes fundamentais. Por dispositivo Foucault entendia uma série de estratégias, de mecanismos, de instrumentos de praticas capazes de alcangar a sujeicaio dos individuos sem uso direto da violéncia fisica, A isso, a essa microfisica do poder, capilar e permanente, Foucault chamou de “tecnologia politica do corpo”. Mais uma razao para se fa- lar, noutra perspectiva, de Tecnologias do Imaginério. Dis- positivos epidérmicos. ‘Sem entrar na especificidade do conceito de dispositivo em Foucault, basta examinar uma passagem do autor de Vigi- are punir: “Essa tecnologia é difusa, claro, raramente formu- lada em discursos continuos ¢ sistematicos; compée-se de muitas pecas ou de pedacos; utiliza um material e processos sem relagao entre si. O mais das vezes, apesar da coeréncia de As tecnologias de seus resultados, ela nao passa de uma instrumentagao multiforme. Além disso seria impossivel localizé-la, quer num tipo definido de instituigao, quer num Aparelho de Estado” {Foucault engloba e supera o esquema de Althusser. ' Esti ciente de que os Aparelhos de Estado (AE) recorrem a essa “tecnologia politica do corpo”, mas sabe também que ela € mais eficaz. e mais disseminada do que os AE. Michel Foucault, claro, est preocupado com tecnologias de contro- le. JA se disse dele que, com boas intengGes, transformou 0 mundo numa imensa “instituigao total”, vigiada, controla- da, cercada, espiada e submetida por todos os lados. Se Foucault, indo além de Althusser, refere-se a “tecnologias” de sujei¢ao do corpo, € possivel falar, também, para além de Althusser e de Foucault, de tecnologias do imaginario (T1), { capazes de assumir ou de desviar esse controle. Os AE atu- | alizam e fundamentam o poder; as TI operam no territ6rio \ anarquico da poténcia. No fundo, Michel Foucault estava falando de tecnologias “suaves" de controle total das consciéncias ¢ dos corpos, funcionando com base em dispositivos de inoculagao, de inseminagio, de difusto e de moldagem. Em outras palavras, na busca da “servidio involuntéria”, fruto de uma pressio e de uma vigillincia permanentes. Trata-se de um esquema de eflexo condicionado, operando a golpes de estimulo, recom- pensa e punigo, no qual a possibilidade de escolha é diminu- ta, embora a coergio fisica atue em segundo plano, deslocada pela engenharia publicitaria das mentes. Se a ideologia tem um fim racional (mesmo que se expresse religiosamente no fanatismo), as tecnologias de controle servem-Ihe de brago operacional, levando, frequen- Foucault, M. Vigiar e p jr. Petropolis, Vozes, 1977, p. 28, cmir M ado da Silva temente, a0 irracionalismo absoluto. Da familia da propa- ganda, a ideologia atua pela persuasao e pela vigilancia Busca alcangar, por meio de dispositivos de manipulagao, o consentimento dos stiditos. As tecnologias do imaginétio, em contrapartida, nao se situam no terreno da argumenta- 0. Funcionam como dispositivos tipicos da “sociedade do | espetéculo”, logo da comunicag4o como “fenédmeno extre- mo” (Baudrillard). Quando a comunicagao torna-se fendmeno extremo, ¥ situagdio que parece corresponder ao estigio pés-moderno das sociedades abastadas ocidentais, chega-se & “transpa- } réncia do mal” (Baudrillard): 0 desaparecimento do contras- te, a impossibilidade da contraposigao, a inutilidade do con- | tole. Passa-se da vigilancia & neutralidade por indiferengae interago. Na modernidade, politica e participagéo forma- vam um par administrado pela consciéncia. Na pos- modernidade, a interao substitui a participagéo, assim como a economia do cotidiano toma o lugar da politica. Vive-se epidermicamente, para bem ou para mal. Hé luz sem som- bra. Esté-se no universo paradoxal da aco passiva, do bem sem mal, da afirmagdo Sem negagao, da negagio de qual- quer negagao: a positividade total. Baudrillard corrige e amplia Debord: 0 espetaculo é a sociedade de consumo do seu préprio espeticulo. Jean Bau- drillard, ao contrério do que insinua, € muito claro: a negati- vidade produz crise, combate, critica e transformacao. Nes- { se sentido, o mal é um bem. O excesso de positividade, hi- | perbélico, leva a0 colapso, dado que elimina a produgdo da ' eritica corretiva”. Quando tudo se torna positivo, as tecno- 1d, J. La transparence du mal. Essai sur les phénoménes extrémes. Paris, Galiée, 1990, p. 111 24 As teenologias do logias de controle tornam-se obsoletas. $6 por isso se deve esquecer Foucault. Mas o que toma o lugar das tect de controle? As tecnologias do imagindrio. De Adorno a Foucault, passando, claro, por Heidegger, a preocupagao com 0 controle pela técnica correspondeu a uma espécie de estgio primitivo das sociedades. Hoje, no apogeu das culturas hedonistas, 0 controle, direto e por vigi- lancia permanente, persiste como um vestigio, demonstra- 20 de que existem brechas de imagindrio. O controle total ocorre quando nao hé mais qualquer necessidade de contro- Ie: Associedades modernas funcionam com base na vigilin- | cia e na punigdo; as p6s-modernas, na sedugio ¢ na recom- (pensa a baixo investimento. A modernidade, periodo das democracias e das ditaduras convencionais, insuflou 0 ima- gindrio resumido nesta equagio: grande esforgo = grande sacrificio = grande recompensa = fama e reconhecimento. Nas ‘“democracias radicais”, conforme a expressio de Baudrillard, todos podem alcangar a recompensa maxima (visibilidade) pela realizagao minima (transparéncia)". Me- nos é mais. A pos-modernidade, na linha de Maffesoli, éa sinergia {do arcaico com a tecnologia de ponta. Nesse sentido, as weenologias do imaginario tendem para a seducao, assim | como as tecnologias da politica do corpo inclinavam-se para | manipulso. O mundo pés-modemo fora teenologias do afeto e domina 9s sujeitos pela adesio, pelo consentimento, numa espécie de contrato, revogavel a qualquer momento, de assimilagao consentida de valores e de praticas sociais efémeras. O prego da adesio é 0 prazer imediato. Apesar de tantos conceitos emprestados, que podem ygias f » Baudrillard, J. Télémorphose. Patis, Sens Tonka, 2002 26 dara idéia de um jogo de palavras, de um imenso ¢ aleatério hipertexto, colagem pés-moderna de autores na contramao dos discursos dominantes sobre a manipulagao das mentes, ndo hd confusio possivel: a humanidade aleangou, ao me- nos no Ocidente, a condicao de “sociedade do espetéculo” (visibitidade no lugar da transparéncia) e para reproduzir-se como tal Ievou as tltimas consequiéncias a necessidade de mecanismos de incitagdo simbélica — as tecnologias do imagindrio, dispositivos de alimentagao de “bacias semanti- cas”, canais de irrigacao do real pela imaginagao, mecanis- mos de fabricagao do olhar interior. O termo fabricagdo pode levar a um equivoco, o de tomar-se as tecnologias do imaginario como dispositivos de ‘manipulagao. Nada mais incorreto.Se a ideologia busca impor uma vis4o de mundo, se a catequese procura incutir uma crenga, se a propaganda tenta persuadir com pseudo- argumentos, se a publicidade trabalha para vender pela su- gesto, as tecnologias do imaginario querem simplesmente seduzir. A manipulagio exige a passividade do destinatario. ‘Assassina 0 interlocutor. Comunica-se com o siléncio da recepedo. Funciona a partir da convicgao de que 0 outro nao possui filtros perceptivos suficientes para impor suas pré- prias convic¢des contra o assalto da sua mente. Para a mani- pulagao, todo homem é um objeto, um alvo, um stidito. ‘A persuasao da propaganda simula um interlocutor. Dé-the um estatuto de ocasido. Atribui-lhe uma inteligéncia inusitada apenas para melhor saqued-la. Operacao ret6rica, no sentido negativo da palavra, considera o destinatério um terminal cerebral dotado de capacidade de aceitagao e de reagio 6tima ao estimulo pertinente. A persuasaio da propa- ganda reflete um velho funcionalismo, um tradicional behaviorismo e, enfim, a certeza de que para cada estimulo As tecnal adequado corresponderd uma resposta necessaria ¢ eficaz, ‘A sugestao publicitaria mescla persuaséo, ma 40, ret6rica e seducao. Se a manipulacdo e a persuasao con- fundem siidito com cidadao, a sugestao € sempre clara. sé existem consumidores. Vale-se de todos os procedimentos —racionais, emotivos, afetivos, lidicos, intelectuais — para romper 0s filtros perceptivos do receptor. Quanto menos 0 destinatério pensa, mais o seu relaxamento racional permite accficacia da operagdo de co-gestao do seu cartao de crédito. Nao se trata, necessariamente, de enganar nem de gerar ne- cessidades falsas, mas de estimular a liberagao de descjos reais que poderiam ser adiados, eliminados ou simplesmen- te mantidos na condigao de desejos. A maxima da sugestio publicitéria é “todo desejo deve ser consumado” (consumi- do). Numa remissfo leviana 4 obra de Georges Bataille, equi- valeria a dizer que todo desejo deve tornar-se uma despesa (consumagao do objeto/consumigao do sujeito). A sedugao é outra coisa. Implica a adesao do destinata- rio. Necessita sempre de um interlocutor real, capaz, idealmente, \ de recusar-se ao jogo. Nesse sentido, € melhor ¢ pior do que as, categorias anteriores. Melhor porque nao se baseia na simula- do, mas na transparéncia do jogo. Pior, na medida em que re- mete & paixo, porque, vencida a resisténcia do outro, tudo se converte em avalancha, torrente, devastacao. A manipulacao e a persuasdo usam a razio como arma contra os seus alvos. A sedusio desliga-se da razio para afundar cada individuo nas ondas da interatividade lidico/emocional. A seducio, como a paixao, alimenta-se da fome. Vive do excesso de falta. Nutre-se da vertigem pelo nada. Ali- menta-se de si mesma numa espiral de gasto intitil e sem retorno, A manipulacao, a persuasao e a sugestao publicité- ria servern sempre a uma ordem prévia, a um poder contro- dure 28 ir Machado lador e disciplinador. A sedugao ¢ inexoravelmente subver- siva. Jean Baudrillard ndo se engana: “A atragao pelo vazio estd no fundo da sedugao; nunca ha acumulacao dos signos nem mensagens do desejo, mas a cumplicidade esotérica na absorgao dos signos”™, A acumulagao de signos caracteriza a persuasio. Ten- ta-se pela proliferagio de mensagens obter o siléncio do ou- tro. Da mesma forma, a multiplicagao desenfreada das men- sagens de desejo marca a sugestao. Ao contrario, a manipu- lagdo opera numa auséncia do discurso, na sonegagao da mensagem, no intervalo das palavras e das imagens. Jé a sedugao, imaginal por natureza, baseia-se numa contra-or- dem estética, nao-racional, irracional, passional, violenta, barbara, libertdria, irredutivel ao utilitério. Como indica Baudrillard, 0 sexo é o esgotamento da sedugao. Tecnologias de controle Na tradigao critica ocidental o termo tecnologia apa- rece quase sempre associado a idéia de controle. Essa nogao foi totalmente cristalizada pela reflexio de Heidegger na “Questo da técnica”. Mas se encontra também em todo pen- samento da Escola de Frankfurt. Heidegger estabeleceu uma diferenca ontoldgica entre técnica e esséncia da técnica, se- parando a concepcdo “instrumental ¢ antropolégica da téc- nica” (técnica como instrumento ¢ como atividade do ho- mem), da técnica como provocagao da natureza e do ser®. E exato, diz. Heidegger, que a técnica é um instrumento utili- ® Baudrillard, J, Da seducdo. Campinas, Papirus, 1991. p. 89. » Cf Heidegger, M, “La Question de la technique” in Essai er conférences. ris, Gallimard, 1990 ( As tecnologias do imainan zado pelo homem. Mas a verdade da técnica esta além a Jessa exatidao de aparénci : ela € um “modo de desvelamento”, um “fazer-vir”, uma “provocagao”, uma sujeigao, um assu- jeitamento pela razdo tecnolégica A iluso em relacao a técnica consistiria em considerd- la neutra. A verdade residiria na descoberta, pelo caminho da reflexio, de que a técnica tende a escapar do controle do homem para controlé-lo. Heidegger poetiza a discussao com ‘seus exemplos teltiricos. O moinho que abria as suas pas a0 vento nao provocava a natureza, no sentido da acumulagao da transformagao do meio onde estava situado. Jé a extrac de minérios provoca, altera, submete e devasta o ambiente interpelado. O espago ¢ transformado, inexoravelmente, pela técnica, que passa de instrumento a demiurgo de um novo e imprevisfvel universo. Heidegger sintetizou o problema que aparece no pen- samento de todos os seus seguidores: quem controla quem? © homem quer ser senhor de todas as novas tecnologias, mas acaba por servir a elas. O controlador descobre-se con- trolado. A multiplicagao de cimeras, atualmente, para con- trolar, nos ambientes de trabalho, os perigos vindos de fora, termina por controlar todas as priticas internas, O criador descobre-se limitado pela criatura, Sera? Néo haverd des- vio, atalho, vereda, “furo”, trilha, picada, descontrole? Se hé questo, duivida, ha caminhi Toda nova tecnologia interpela o universo existente e, escapando ao controle de cada individuo, transforma o sujeito em objeto da técnica. Porém, ao mesmo tempo, cada um se posiciona como objeto € como sujeito. A técnica é wm artefa- to do homem que faz do homem um instrumento. Pode ainda 0 homem controlar a técnica sein, contudo, consideré-la neu- tra? Pode 0 homem sair de uma leitura simplista da técnica

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