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Putin conseguiu o que quer?

Por Bruna Naomi e Fernanda Cavas

Não existe uma resposta certa para esta pergunta. Há várias hipóteses sobre qual seria
o real interesse de Putin na Ucrânia e diversas o governo Russo nega inúmeras informações a
respeito do conflito, gerando assim, uma espécie de guerra ideológica, de discursos.

No final de março, houve boatos de que assessores e conselheiros do então presidente


russo estavam com receio de lhe comunicar a real situação do conflito. Isso explicita que,
como citado no artigo Who Leads Matters: The Effects of Powerful Individuals, a Rússia é
um exemplo de um país que possui um poderoso e relevante líder, capaz de talvez trazer certo
medo ou desconforto a seus subordinados, mesmo existindo as três unidades de decisões
também citadas no artigo: líderes, grupos e coalizões.

Um dia após a disseminação dessa informação, o porta-voz russo Dmitry Peskov


expressou que a notícia era falsa e que “a inteligência americana não sabe o que se passa
dentro do governo russo” e ainda afirmou que “os americanos simplesmente não entendem o
que está acontecendo no Kremlin”. A fala de Peskov explicita que talvez as três unidades
funcionantes na Rússia não tivessem em total harmonia, gerando rumores de uma
“não-cooperação” entre eles.

Como a Rússia possui um líder de tendências autoritárias, ele pode ter tomado a
decisão de invadir a Ucrânia junto com seus aliados do Kremlin, mesmo havendo
discordâncias e protestos internos domésticos no governo diante a situação. Tendo isso como
um cenário, “uma vez que a posição do líder é conhecida, aqueles com pontos de vista
diferentes geralmente param suas expressões públicas de suas próprias posições alternativas
por respeito ao líder ou medo de represálias”. Diante a citação retirada do artigo em questão
que está sendo usado, não somente os com pontos divergentes com Putin deixam de ser
declarados como nem explicitados para o público geral.

Usando o conceito de Vladislav Surkov, a Rússia é uma democracia soberana. Isso


significa que o Estado é a encarnação do povo, sendo uma democracia não liberal e não
ocidental. Isso justifica a não aceitação de poder de Putin com relação a seus coligados, mas
ainda assim tendo sua legitimidade intacta.
A mídia tem feito muitas especulações sobre qual seria de fato o interesse de Putin
pelo país ucraniano. Especialistas afirmam que Putin não cometeu um erro de cálculo ao
invadir a Ucrânia, foi tudo premeditado. A jornalista Carlotta Gall aborda que talvez o
interesse do presidente Putin seja pelo leste da Ucrânia, que contém uma das maiores reservas
naturais de gás de toda Europa (depois da Noruega). Vale ressaltar que a Ucrânia, segundo
estudo da Universidade de Harvard, possui mais de 1 trilhão de metros cúbicos de reserva de
gás natural.

Para completar, as apreensões territoriais da Rússia em 2014 sob a Crimeia que possui
enormes campos de energia e nas províncias ucranianas separatistas de Luhansk e Donetsk
com seus grandes campos de gás de xisto, fica clara que a intenção de Putin é garantir o
domínio energético do país e assegurar sua influência na região, e não somente apenas “reunir
o mundo da língua russa”, protegendo os russos que moram na Ucrânia ou extinguir
neonazistas do território ucraniano.

Como num jogo de xadrez, na geopolítica, toda ação tem uma reação, que deve ser
pensada com cautela para se tentar adivinhar os próximos passos do seu adversário. Mas
como em todo jogo, o Sistema Internacional também tem suas regras, e Putin vem tentando
criar com o seu discurso um sentimento que legitimize suas ações no território ucraniano
através da moldagem da opinião pública, que se torna muito mais fácil em um país
autoritário, tendo em vista que em todo o país é proibido tratar como “guerra” e “invasão” as
investidas russas na Ucrânia.

Há vários interesses por trás de um líder como Putin e certamente, além das questões
energéticas, a influência e poder são alguns desses interesses. Até 1991, a Rússia mantinha o
poder de toda a União Soviética, e após a sua dissolução, a Rússia foi perdendo aos poucos a
influência nesta região ao mesmo momento que se auto afirmava como grande produtor de
gás, exportando o produto por toda a Europa.

O interesse de Putin em ser influente novamente no território ucrâniano converge com


o que é abordado no artigo na questão de estar a par do que os três grupos mais importantes
do país estão pensando e quais são seus interesses.

A Ucrânia, país vizinho da Rússia, vinha negociando sua entrada na OTAN (Aliança
do Atlântico Norte), que é uma aliança militar formada por países do Ocidente, numa
tentativa de se “ocidentalizar” para melhor se desenvolver. A Rússia enxergou uma ameaça
nessa movimentação e então não perdeu tempo para tentar impedir que isso acontecesse, pois
seria, sem dúvidas, uma grande perda de influência na região. Voltando para a questão
energética, os dutos de gases subterrâneos que saem da Rússia, cortam praticamente todo o
território ucraniano. Isso faz também com que a Rússia tema a perda de “controle” e
influência sobre o país vizinho.

Se Putin conseguiu o que queria nós não sabemos, mas aparentemente ele só vai parar
depois que conseguir tudo o que quer, tendo em vista que nem mesmo todas as sanções o
fizeram parar e as negociações não estão sendo suficientes para fazer o Kremlin parar com o
ataque à Ucrânia.

Não podemos deixar de lado a possibilidade de anexação de parte do território


ucraniano ou até mesmo do país inteiro, como a Rússia fez com a Crimeia em 2014. Está
claro que Putin tem interesse na região separatista de Donbass, mas será que ele é capaz de
almejar toda a Ucrânia?
Referências bibliográficas:

STEPHENS, Brett. “E se Putin não cometeu um erro de cálculo na Ucrânia?”,


<https://www.estadao.com.br/internacional/e-se-putin-nao-cometeu-um-erro-de-calculo-na-u
crania-leia-a-analise/>. Acesso em 05/04/2022.

KAWAGUTI, Luis. “Assegurar domínio energético pode ser o real objetivo de Putin na
Ucrânia?”,
<https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/jogos-de-guerra/assegurar-dominio-energetico-pod
e-ser-o-real-objetivo-de-putin-na-ucrania/>. Acesso em 05/04/2022.

OKARA, Andrey. “Sovereign Democracy: A New Russian Idea or a PR


Project?”<https://eng.globalaffairs.ru/articles/sovereign-democracy-a-new-russian-idea-or-a-
pr-project>. Acesso em 20/04/2022.

Margaret G. Hermann, Thomas Preston, Baghat Korany, Timothy M. Shaw, “Who Leads
Matters: The Effects of Powerful Individuals”, International Studies Review, Volume 3, Issue
2, Summer 2001, Pages 83–131,
<https://academic.oup.com/isr/article-abstract/3/2/83/1799874?redirectedFrom=fulltext>. Acesso
em 13/04/2022.

KRASNER, Stephen D. Sovereignty: Organized Hypocrisy. Princeton University Press,


1999.

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