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IRID

Teoria das Relações Internacionais III


Bruno Magalhães
brunoepbm@gmail.com
Contexto Político:
Crescente globalização econômica pós fim da Guerra-Fria.

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Pergunta
Como entender as relações assimétricas do mundo globalizado?
Em termos simples, porque alguns Estados são ricos e outros são pobres?

Expoente:
Immanuel Wallerstein

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Argumento principal

O mundo globalizado funciona como um Sistema Mundo.

Sistemas têm as características de um organismo


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Suas características mudam em alguns aspectos e permanecem estáveis noutros


Em sistemas, o comportamento de um componente afeta o todo.

O Sistema Mundo é organizado em torno da função econômica dos países componentes


A função de cada país é ditada pela divisão internacional do trabalho.

"A função da DIT é a repartição das atividades econômicas em escala global, designando a cada país um diferente papel, que vai
desde o fornecimento de matérias-primas e recursos naturais, passando pela produção industrial, até o comércio e a realização de
serviços de naturezas diversas."

O Sistema Mundo não se restringe apenas à dimensão econômica.

Se fosse o caso, seria chamado de "economia-mundo" e não de "sistema-mundo", como advoga


As ideologias construídas e mantidas nos países do centro e a homogeneização cultural também contribuem para proteger a
manutenção da divisão dispare do mundo

Por exemplo, a religião desempenha um papel importante na expansão do capitalismo

Do mesmo modo o Confucionismo, pelo seu princípio da "reverência" e respeito aos mais velhos e aos patrões, desempenhou
papel importante na expansão do capitalismo na Ásia

Um sistema mundo é um sistema social

Sistemas possuem limites, estruturas, grupos associados, regras de legitimação e coerência

Vamos falar sobre isso em detalhes abaixo.

O Sistema Mundo tende a gerar desigualdade

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O Sistema Mundo comporta uma divisão do trabalho "que legitima a capacidade de certos grupos dentro do sistema explorarem o
trabalho dos outros, isto é, receberam uma maior parte do excedente"

A má distribuição do capital acumulado e do capital humano fornece uma "forte tendência" para a automanutenção do sistema-
mundo moderno

Ou seja, a má distribuição do capital acumulado e do capital humano contribuem para a manutenção de um centro (com
predominância de capital acumulado e de alta capacitação da força de trabalho) e de regiões periféricas (onde predomina a baixa
poupança, por conseguinte, baixos investimentos e baixa qualificação da força de trabalho, e com Estados débeis com baixo nível de
autonomia)

Apesar da rigidez, o Sistema Mundo tende a se desfazer em conflito


O funcionamento do Sistema Mundo gira em toro de forças em conflito

As relações internacionais entre os países são, na visão wallersteiniana, relações de forças sociais se expandindo em classes
mundiais.

O Sistema Mundo, mesmo quando está unido, está sob contínua tesão entre essas forças em conflito.
O Sistema tende a se dilacerar na medida em que cada um dos grupos procura eternamente remodela-lo para o seu proveito

Detalhamento do argumento
1. Existe uma Divisão Internacional do Trabalho

Conforme o papel que recebem na repartição das atividades econômicas, os países são separados em três grupos hierárquicos: centro,
periferia e semiperiferia (Sarfati, 2005, p 140).

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Nos dois extremos (em cima e embaixo), temos os países centrais, no topo, e os países periféricos, no piso.

os países centrais ocupam-se da produção de alto valor agregado,


os países periféricos fabricam bens de baixo valor e fornecem commodities e matérias-primas para a produção de alto valor dos
países centrais

No meio, temos os países da semiperiferia

os países da semiperiferia, ora comportam-se como centro para a periferia, ora como periferia para os Estados centrais, tendo um
papel intermediário

A semi-periferia serve como amortecedor, como tampão para assegurar que os problemas da periferia não cheguem diretamente
ao centro

Países como México, Brasil, África do Sul e China possuem tais funções de "amortecedores" em relação à sua respectiva
periferia

2. É possível traçar a história dessa Divisão Internacional do Trabalho

Crise do feudalismo
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O feudalismo podia suportar apenas um volume limitado de comércio de longa distância.

A logística era cara.


O comércio de longa distância era focado apenas no comércio de especiarias e bens de luxo,

O comércio local era focado em alimentação e artesanato.

Após mil anos de apropriação feudal do excedente, atingira-se um ponto de rendimentos decrescentes.
Condições meteorológicas fazem baixar a produtividade dos solos

Tecnologia agrícola e artesanal primitivas


Não havia investimentos na agricultura para aumentar a produtividade e sair das limitações tecnológicas e a falta de fertilizantes

Saturação populacional
Aumento das epidemias

Empréstimos régios
Insolvência da corte

Crise de crédito
Entesouramento do ouro

Diminuem a circulação de dinheiro

Aumento generalizado de preços

Consequente redução de clientes


Estagnação do comércio

Guerras
Elevam-se os impostos

Entesouramento do ouro

Diminuem a circulação de dinheiro


Aumento generalizado de preços

Consequente redução de clientes


Estagnação do comércio

Transição para o capitalismo


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Com a estagnação do comércio e dilemas monetários e financeiros causados pelas despesas crescentes, surge um” clima de revolta
endêmica" (revoluções camponesas, séc XIII-XIV) e revolta camponesas em toda a Europa (repúblicas camponesas por volta de 1525
na Alemanha agora tornando-se luteranas)

Foi nesse colapso e estagnação que aconteceu, segundo o autor, a passagem para a economia-mundo capitalista:
No século XV aparecem restauradores da ordem interna na Europa

Luís XI na França
Henrique VII na Inglaterra

Fernando de Aragão e Isabela de Castela na Espanha


Dá-se a reorganização desses Estados

funcionários para cobrar impostos

tropas assalariadas
renascimento do comércio

circulação monetária mais abundante


Tem início o processo de colonização.

Nascimento e difusão internacional da Divisão Internacional do Trabalho

Primeira Fase (séculos 15, 16 e 17)

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O sistema capitalista ainda é incipiente

O sistema capitalista vive a sua etapa comercial


O comércio é o principal motor da economia

O objetivo é acumular riqueza e poder.


As empresas comerciais investem em navios, equipamentos e mercadorias para comercializar com outros países, buscando
vantagens em relação à concorrência.

O capitalismo comercial é marcado pelo tráfico de escravos.

O capitalismo comercial é marcado pela exploração colonial


As colônias servem como fornecedoras de matérias-primas e recursos naturais, como metais preciosos (ouro, prata) para as
metrópoles

Nas metrópoles, essas matérias primas e recursos naturais são manufaturados e transformados em produtos a serem
comercializados.

São vendidos para as colônias.


Segunda Fase (séculos 18, 19 e 1a metade do Séc. 20 [até 2a GM] )

Dá-se a consolidação do sistema capitalista

Isso ocorre em função da Revolução Industrial do século XVIII


teve início com o surgimento das máquinas movidas a vapor

as primeiras grandes máquinas do período foram idealizadas para ampliar a produção de roupas
Isso se concretizou por meio do desenvolvimento das máquinas de tear, como a spinning frame, que permitia que uma
pessoa que a manejasse fosse capaz de tear dezenas de fios ao mesmo tempo.

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O sistema capitalista vive a sua etapa industrial
A indústria é o principal motor da economia

O objetivo continua sendo acumular riqueza e poder.

As empresas industrias investem em máquinas para automatizar a sua produção e diminuir os custos com mão de obra.
O capitalismo comercial continua sendo marcado pela relação entre ‘origem de bens com valor agregado (metrópoles/países
industrializados) x destino de bens com valor agregado (colônias/ex-colônias/países não-industrializados)’.

Essa relação origem-destino se mantem - a despeito do fato de que s colônias estabelecidas, principalmente na América, terem
conquistando a sua independência e abolindo o sistema escravagista.

Os países recém independentes se tornam o destino dos produtos industrializados da Europa


Durante o período Industrial, é mantido a estrutura básica da Divisão Internacional do Trabalho que tinha vigorado durante
o período comercial

Terceira Fase (séculos 20-21 até hoje)

Subdivide-se em duas sub-fases:


1950/60-1980

Para os já industrializados na era anterior


Terceira Revolução Industrial

Também chamada de Revolução Técnico-Científica-Informacional

Gradual robotização do sistema produtivo.


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Para os não industrializados na era anterior
Desenvolvimento de novas áreas industriais

Ex 1: China
Ex 2: Tigres Asiáticos (Cingapura, Coreia do Sul, Hong Kong e Taiwan)

1980 em diante

Para os já industrializados na era anterior


Consolida-se o capitalismo financeiro

Lucra-se com renda derivada de investimentos


Fluxo de capitais que parte das nações desenvolvidas em direção aos países emergentes na forma de investimentos
diretos.

Ocorre modernização técnica nas comunicações (revolução da internet)

Os países desenvolvidos se voltam aos setores da comunicação e de tecnologia de ponta


Ocorre descentralização geográfica do processo produtivo

Empresas transnacionais, com sede nos países desenvolvidos, se instalam em diversos países.
Cada etapa da produção passa a ser desenvolvida em uma região ou país diferente.

Isso permite às empresas aproveitarem as vantagens de cada local e ampliarem os seus lucros.

Os países emergentes são os principais destinos dessas empresas.


Os países desenvolvidos assumem o papel de centros de negócios e de gerenciamento

Para isso, se voltam ao aperfeiçoamento dos serviços bancários e financeiros


Para os não industrializados na era anterior

A maioria dos países emergentes se mantêm como fornecedores de produtos primários para o comércio exterior.
Dentre esses produtos se destacam:

as commodities agrícolas

os combustíveis fósseis
Exemplos: Brasil e demais economias latino-americanas

3. Essa Divisão Internacional do Trabalho trás consequências negativas para os países classificados como semi-periféricos e periféricos.
O padrão de troca desigual cria uma relação de dependência entre os países periféricos e os do centro.

A carência em mão de obra qualificada, em ciência e tecnologia e em capital social básico (como saneamento, saúde e segurança),
além de deficiências em infraestrutura (seja, em rodovias, ferrovias, portuárias ou de mobilidade urbana) constituem obstáculos,
condicionam a estratégia de desenvolvimento e fazem com que países como o Brasil permaneçam na periferia ou semiperiferia do
sistema-mundo.

Os países da periferia e semi-periferia possuem recursos naturais e mão de obra em abundância, mas não possuem o capital para
aproveitar produtivamente esses dois itens
A disponibilidade de capital para investimento (especialmente produtivo) é elemento crucial para o desenvolvimento de uma
nação

Por isso, os países da periferia e da semi-periferia, no afã de maior desenvolvimento, abrem suas portas para o capital
estrangeiro para compensar o baixo nível de poupança interna e de investimento.

Tal abertura se dá numa relação desigual:


O capital estrangeiro negocia de uma posição de superioridade

As condições de entrada de capitais que são negociadas são desfavoráveis ao país receptor

O país receptor se vê obrigado a permitir a exploração da mão de obra com pouco respeito aos trabalhadores.
O país receptor se vê obrigado a permitir o uso dos seus recursos naturais de forma exploratória, sem a devida
proteção ao meio-ambiente.

Os países da periferia ou semi-periferia que tentam impor restrições ambientais ou trabalhistas perdem esses
investimentos para países onde essas restrições são inexistentes ou muito baixas.

Por exemplo:
Grandes corporações de países do centro estão tornando a agricultura em países de semi-periferia e periferia dependente das
economias centrais:

Vemos avanço tecnológico da agricultura nos países da semi-periferia e periferia

Mas as tecnologias e propriedades intelectuais pertencem às grandes corporações do centro que atuam nesse setor, como a
Monsanto, Syngeta e Bayer ScienceCrop

Essas empresas formam oligopólios (e em algumas áreas, monopólios)

Um primeira prática adota por elas é, por meio da manipulação genética, tornar as sementes estéreis:

Isso quer dizer que essas sementes só produzem uma vez


O resultado é que fazendeiros e agricultores ficam dependentes de suas sementes.

Os produtores têm que comprar suas sementes dessas empresas para cada plantação
Em alguns casos, ainda é possível a reprodução das sementes, como na cultura da soja geneticamente modificada.

Nesses casos, os fazendeiros e agricultores são obrigados a pagar royalties a Monsanto.


É preciso pagar royalties mesmo sobre sementes reservadas de sua própria produção.

Uma segunda prática adota por elas é, por meio da manipulação genética, eliminar a diversidade de espécies de cada
cultura agrícola.

Por exemplo, em vez de desenvolver sementes para diferentes espécies de milho, essas empresas trabalham com apenas
uma espécie.

Tal fato constitui em ganhos maiores, devido ao fator escala, para as empresas da genética de sementes e do
agronegócio.

Por outro lado, o consumidor perde, pois não pode mais se beneficiar da variedade de produtos.

4. O funcionamento do Sistema Mundo desencoraja a mobilidade entre grupos (perpetua status quo).

Como já dito, a carência em mão de obra qualificada, em ciência e tecnologia e em capital social básico (como saneamento, saúde e
segurança), além de deficiências em infraestrutura (seja, em rodovias, ferrovias, portuárias ou de mobilidade urbana) constituem
obstáculos, condicionam a estratégia de desenvolvimento e fazem com que países como o Brasil permaneçam na periferia ou
semiperiferia do sistema-mundo.

Esses obstáculos não são resolvidos somente pelas forças do mercado


Para serem superados faz-se necessário a atuação do Estado como indutor e produtor de mudanças e de superação dessas
limitações, com políticas públicas adequadas, sendo o Estado o promotor da superação e do desenvolvimento

Não obstante, vários elementos evidenciam que há uma estrutura internacional estabelecida para que o Estado não participe da
superação dessa estrutura

O mundo, em seu aspecto econômico-financeiro, está estruturado em torno das instituições criadas a partir dos acordos de Bretton
Woods

Ministros das finanças dos principais países (44 ao todo) se reuniram em 1944 neste balneário de New Hampshire nos Estados
Unidos para estabelecer as regras de funcionamento do comércio e da economia mundial e evitar uma nova depressão econômica,
como aquela da crise de 1929

Estas regras e acordos ficaram conhecidos como Sistema Bretton Woods. que indexou as moedas estrangeiras ao dólar americano.
O ideário de Bretton Woods proíbe a participação do Estado na economia.

O ideário de Bretton Woods defende:


disciplina fiscal

redução dos gastos públicos


reforma tributária

juros de mercado
câmbio de mercado

abertura comercial
investimento estrangeiro direto (com eliminação de restrições)

privatização das estatais

desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas)


direito à propriedade intelectual

Por meio dos acordos de Bretton Woods, foram criados:


O Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD, mais tarde passou-se a chamar-se Banco Mundial)

O Fundo Monetário Internacional (FMI)


O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, conhecido na sigla em inglês por GATT (General Agreement on Trade and Tariffs)

O GATT vigorou até 1995, quando deu lugar a OMC

O funcionamento atual do sistema mundo é mantido através dos empréstimos concedidos por essas instituições e por decisões sobre
comércio mediadas por essas instituições.

As recomendações de cunho liberal, que proíbem a participação do Estado na economia, tornaram-se a doutrina oficial dessas
instituições.

Obedecer a essa doutrina é condição para empréstimo aos países em desenvolvimento com crises fiscais e econômicas.

Notar isso não quer dizer que as ideias de Bretton Woods são necessariamente equivocadas.
Quer dizer que devemos diferenciar as regras que atendem ao interesse de desenvolvimento dos países de periferia e semi-periferia
das regras que atendem ao status-quo que beneficia os países de centro.

Por exemplo: desenvolvimento industrial

“Chutando a escada"
O economista sul-coreano e professor da universidade de Cambridge, na Inglaterra, Ha-Joon Chang (2004) demonstra em sua
obra, “Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica", que todos os países atualmente
desenvolvidos usaram mecanismos de proteção de mercado e de incentivos governamentais para desenvolver sua indústria
nascente

Esses mesmos países, após terem atingido o nível de desenvolvimento usando políticas restritivas e protecionistas, impõem o
ideário liberal e afirmam que tais políticas não são adequadas ou que não podem ser usadas pelos países em desenvolvimento

Os dados históricos que Chang apresenta em sua obra faz desmoronar o mito que os países ricos sempre foram liberais.

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