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Introdução

O estudo da dinâmica de escoamentos dos fluidos e do transporte de quantidades


escalares é de grande importância na área tecnológica, com aplicabilidade em diversos
campos da engenharia, assim como em outras áreas do conhecimento, como medicina,
oceanografia e meteorologia. A análise do movimento de fluidos, como também de
corpos em movimento neles imersos, é fundamental, por exemplo, para projeto de
turbinas eólicas e aeronaves, bem como para a compreensão da distribuição de
medicamentos no organismo através das vias respiratórias (PETRY, 2002). O natural
interesse por estas aplicações, aliada à disponibilidade dos recursos computacionais,
propiciou o desenvolvimento de novas técnicas e metodologias, as quais visam a solução
numérica das equações diferenciais parciais que governam a dinâmica dos escoamentos.
Estas técnicas estão relacionadas à discretização de domínios, como adequação de
malhas, e à modelos específicos para certos escoamentos, como os turbulentos
(POPIOLEK, 2005). A busca por métodos acurados para a elucidação de fenômenos
físicos, fazendo uso das equações de Navier-Stokes, da continuidade e da energia, é a
base da mecânica dos fluidos computacional (do inglês, Computational Fluids Dynamics,
CFD).

De acordo com Popiolek (2005), as equações de conservação de massa, de balanço


de quantidade de movimento e quantidade escalar, em conjunto com as condições iniciais
e de contorno, formam um sistema completo para sua utilização na CFD. Para resolvê-las
numericamente, técnicas de diferenças finitas, volumes finitos e elementos finitos, além
dos métodos de alta ordem como os esquemas compactos, métodos espectrais, entre
outros, podem ser utilizados, analisando os quais melhor se adequam ao problema. Em
geral, os métodos de alta ordem se destacam por oferecerem excelente acurácia. Dentre
estes, os métodos espectrais vêm atraindo muita atenção nos últimos anos, devido a sua
alta precisão nas simulações numéricas, especialmente nas simulações diretas da
turbulência homogênea, na modelagem global do clima, na dinâmica dos oceanos, na
transferência de calor, na dinâmica dos fluidos e na aerodinâmica (MARIANO, 2007).

Para o cálculo de uma derivada utilizando os métodos espectrais, são utilizados


todos os outros pontos do domínio, enquanto nos métodos mais tradicionais de baixa
ordem, como método das diferenças finitas e elementos finitos, são utilizados apenas os
nós vizinhos da posição em que se deseja a derivada, o que é ilustrado na Figura 1
(KINOSHITA, 2015). Por utilizar todos os pontos da discretização do domínio, obtém-
se o máximo de informação possível para a realização dos cálculos.

Figura 1 - Comparação de discretização utilizando três diferentes métodos (Mariano, 2011).

Buscando combinar a alta precisão exigida nas modelagens com um inferior custo
computacional, muitos autores expõem os benefícios do método pseudoespectral de
Fourier (MPEF), método espectral que apresenta convergência bastante elevada, grande
precisão (erro de máquina) e importante eficiência computacional (devido à ausência de
sistemas lineares a serem resolvidos). O menor custo computacional do MPEF está
associado ao uso da transformada rápida de Fourier (do inglês, Fast Fourier Transform,
FFT), proposta por Cooley e Tukey (1965), que resolve a transformada discreta de Fourier
de forma eficaz e rápida, tornando a solução de equações diferenciais parciais (EDPs)
eficiente e precisa, reduzindo o número de operações de O(N²) para O(Nlog 2N), usando
o procedimento denominado rotação de bit, em que N é o número de pontos que compõe
o domínio discreto. A aplicação deste método, todavia, está restrita a problemas
periódicos.

Mariano (2007), então, associou o MPEF ao método da fronteira imersa (MFI),


metodologia reconhecida por viabilizar a modelagem e a solução de problemas de
qualquer complexidade, mobilidade e deformabilidade geométrica, fazendo uso de
malhas cartesianas. Esta associação suprimiu a substancial desvantagem do MPEF
(exigência de periocidade) e possibilitou a sua aplicação também a geometrias complexas
e/ou móveis. A nova metodologia foi desenvolvida no Laboratório de Mecânica dos
Fluidos Computacional da Universidade Federal de Uberlândia, MFLab, e ficou
conhecida como IMERSPEC, tendo sido validada para escoamentos bidimensionais com
propriedades físicas constantes, incompressíveis e isotérmicos.

A maior parte dos escoamentos encontrados na natureza e em aplicações práticas


são turbulentos. Pela definição de Versteeg e Malalasekera (2007), escoamentos
turbulentos apresentam um perfil caótico e aleatório, com velocidade e pressão mudando
continuamente ao longo do tempo. Estes escoamentos são caracterizados principalmente
pela multiplicidade de escalas, sendo as maiores estruturas representantes das baixas
frequências, geradas pela geometria do escoamento, e as menores estruturas
representantes das altas frequências, limitadas pela viscosidade do fluido. Este perfil é
atingido a partir de certo valor do Número de Reynolds, quando forças viscosas se tornam
imperceptíveis diante das inerciais. A turbulência aparece em engenharia como um tópico
de grande relevância em diversos setores. O fluxo de ar sob a superfície terrestre, onde a
rugosidade é excepcionalmente variável, é importante, por exemplo, para a previsão do
potencial e do dimensionamento de geradores e parques eólicos (SILVA, 2018).

Para Popiolek (2005), quando se considera um escoamento turbulento complexo,


a solução numérica direta das equações diferenciais é inviável na maioria dos casos. Esta
inviabilidade se deve justamente aos graus de liberdade necessários para captar as
pequenas escalas do movimento, o que acarretaria elevado custo computacional, sendo
aplicável apenas para escoamentos com número de Reynolds moderado. No entanto, o
autor destaca que aumento da capacidade dos computadores, juntamente com a
perspectiva da possibilidade de simular problemas com grande complexidade, incentiva
pesquisadores a desenvolver novas técnicas que proporcionam robustez aos métodos
numéricos, como as estratégias de adaptação automática de malhas e os modelos de
turbulência.

Os modelos de turbulência possibilitam a simulação de escoamentos com altos


número de Reynolds, representando a transferência de energia entre as grandes e
pequenas escalas, ou representando o relacionamento entre valores médios e flutuantes
dos escoamentos (POPIOLEK, 2005). A decomposição do escoamento em uma parte
média e uma flutuante foi proposta, independentemente, por Reynolds (1894) e
Boussinesq (1877), a partir da aplicação de um filtro média temporal às equações de
Navier-Stokes, o que levou à obtenção das chamadas Equações Médias de Reynolds
(Reynolds Averaged Navier-Stokes - RANS). Utilizando esta técnica, o comportamento
médio do escoamento, então, é estudado, levando em consideração às flutuações do
mesmo em torno desta média.

Diante disso, o presente trabalho tem como objetivo geral a verificação da


aplicabilidade da metodologia IMERSPEC à problemas de escoamentos sobre aerofólios
com diferentes números de Reynolds. Para isso, o perfil aerodinâmico NACA 4404 foi
simulado, determinando os coeficientes de sustentação e arrasto, e verificando a
convergência entre os resultados obtidos e aqueles disponíveis na literatura.
Especificamente, teve-se como objetivo a análise da influência dos parâmetros de
simulação do método numérico, comparando diferentes funções de distribuição.
Verificou-se a partir de qual ponto a utilização de modelos de turbulência ajudaria na
obtenção de resultados mais robustos, lidando mais apropriadamente com as condições
críticas dos efeitos turbulentos, como a geração excessiva de vórtices e extensão da região
da esteira.

Revisão bibliográfica

Metodologia IMERSPEC

A metodologia IMERSPEC (MARIANO, 2007; 2011) resulta do acoplamento dos


métodos pseudoespectral de Fourier (MPEF) e da fronteira imersa (MFI), de forma a
contornar as restrições quanto à periodicidade das condições de contorno, que limitariam
o MPFE. A IMERSPEC, implementada em Fortran 90, soluciona numericamente a
equação de continuidade (balanço de massa), assim como as equações de Navier-stokes,
a partir da imposição de um termo fonte de força, no espaço espectral, dada em suas
formas tensoriais pelas Equações 1 e 2.

𝜕𝑢𝑗 (1)
=0
𝜕𝑥𝑗

𝜕𝑢𝑖 𝜕(𝑢𝑖 𝑢𝑗 ) 𝜕𝑝 𝜕 2 𝑢𝑖 (2)


+ = − +𝑣 + 𝑓𝑖
𝜕𝑡 𝜕𝑥𝑗 𝜕𝑥𝑖 𝜕𝑥𝑗 𝜕𝑥𝑗
𝜕𝑝 1 𝜕𝑝∗
onde 𝜕𝑥 = ρ 𝜕𝑥 , sendo p* a pressão estática em N.m-2; 𝑢𝑖 é a componente da velocidade
𝑖 𝑖

𝑓𝑖∗
em m.s-1. 𝑓𝑖 = ; 𝑓𝑖∗ é o termo fonte de força em [N.m-3]; ρ é a massa específica em
ρ
𝜕𝑢𝑖
kg.m-3; ν é a viscosidade cinemática em m2.s-1. é a aceleração local do fluxo em uma
𝜕𝑡
𝜕(𝑢𝑖 𝑢𝑗 )
determinada posição. Para escoamentos em regime permanente, este termo é nulo. 𝜕𝑥𝑗

é a aceleração advectiva do escoamento e representa a taxa de variação espacial do fluxo


da quantidade de movimento do escoamento por unidade de massa. O somatório da
aceleração advectiva e aceleração local resulta na aceleração total do fluxo (MARIANO,
2007).

O MFI permite a simulação de geometrias complexas e flexíveis, pela imposição


de um termo fonte de força nas equações de Navier-Stokes. A metodologia determina
dois domínios de cálculo, diferentes e independentes entre si: o domínio euleriano (Γ) e
o domínio lagrangiano (Ω), como mostrado na Figura 2. As equações do fluido são
solucionadas para todo o domínio euleriano, inclusive na sua região delimitada pelo
lagrangiano. A interface entre o fluido e a fronteira imersa é representado pela malha
lagrangiana.

Figura 2 – Domínios de cálculo utilizados no método da Fronteira Imersa. (MARIANO, 2011).

O termo fonte de força, 𝑓𝑖, presente na Equação 2, representa a interface sólida do


corpo imerso no domínio euleriano (Mariano, 2011). Este termo é calculado por uma
função descontínua, que pode assumir valores não-nulos, nos casos em que há
coincidência entre os nós eulerianos e lagrangianos, ou nulos, caso contrário. Para
geometrias complexas, há grande dificuldade em garantir a coincidência entre os pontos
dos domínios. Calcula-se, então, o campo de força lagrangiano em uma região próxima à
interface sólida, interpolando e distribuindo sobre a sua vizinhança, fazendo uso de uma
função de distribuição de força, 𝐷ℎ (𝑥⃗ − 𝑋⃗), proposta por Peskin (1972), transcrita nas
Equações 3, 4 e 5. O campo de força euleriano, então, passa a modelar virtualmente a
presença da membrana imersa, simulando a presença de um corpo ou a interface entre
dois fluidos.

𝑓𝑖 (𝑥⃗) = ∑ 𝐷ℎ (𝑥⃗ − 𝑋⃗)𝐹𝑖 (𝑥⃗)𝛥𝑠2 (3)


𝛤

1 (4)
𝐷ℎ (𝑥⃗ − 𝑋⃗) = 𝑊 (𝑟 )𝑊 (𝑟 )
ℎ2 𝑔 𝑥 𝑔 𝑦

𝑊𝑔 (𝑟) (5)
3 − 2|𝑟| + √1 + 4|𝑟| − 4|𝑟|2
𝑠𝑒 0 < |𝑟| ≤ 1
8
= 5 − 2|𝑟| + √−7 + 12|𝑟| − 4|𝑟|2
𝑠𝑒 1 < |𝑟| ≤ 2
8
{ 0 𝑠𝑒 2 < |𝑟|

onde 𝑥⃗ é o vetor que define o posicionamento de um ponto qualquer no domínio euleriano


(Ω), 𝑋⃗ é um vetor que define o posicionamento de um ponto qualquer no domínio
lagrangiano (Γ), h é a distância entre os pontos de colocação eulerianos e s distância
entre os pontos lagrangianos (Figura 2). 𝑓𝑖 (𝑥⃗, 𝑡) é o campo de força euleriano, 𝐹𝑖 (𝑥⃗, 𝑡), o
𝑥−𝑋 𝑦−𝑌
lagrangiano. 𝑟𝑥 = e 𝑟𝑦 = . A função 𝑊𝑔 tem forma similar a uma gaussiana e
ℎ ℎ

atende a propriedade de integral unitária no intervalo de [−∞, ∞].

Diferentes autores propuseram outras definições matemáticas da função de


distribuição de força, diferentes da gaussiana de Peskin (1972). O que diferencia uma das
outras é apenas a função peso, W(r) (MARIANO, 2011). A função denominada cúbica,
WC, Equação 6, foi proposta por Tornberg e Engquist (2004). Já a função chapéu (“hat”),
Equação 7, equivale a uma interpolação bi linear, e foi mostrada no trabalho de Su, Lai e
Lin (2007).
𝑊𝑐 (𝑟) (6)
1 1
1 − |𝑟| − |𝑟|2 + |𝑟|3 𝑠𝑒 1 < |𝑟| ≤ 2
2 2
= 11 1
1 + |𝑟| + |𝑟|2 − |𝑟|3 𝑠𝑒 1 < |𝑟| ≤ 2
6 6
{ 0 𝑠𝑒 2 < |𝑟|

1 − |𝑟 | 𝑠𝑒 0 < |𝑟| ≤ 1 (7)


𝑤ℎ (𝑟) = {
0 𝑠𝑒 2 < |𝑟|

De acordo com Mariano (2011), nem todas as funções peso disponíveis na


literatura satisfazem às propriedades matemáticas de funções de distribuição. Entretanto,
o autor comenta que alguns pesquisadores já demonstraram que, mesmo assim, estas
apresentam resultados melhores que algumas outras funções que satisfazem todas as
propriedades. A função peso, W(r), é fundamental para a acurácia e ordem de
convergência numérica da metodologia. Serão apresentados resultados comparando estas
diferentes funções distribuição.

Escoamentos sobre aerofólios

Os escoamentos sobre aerofólios são classificados como externos, sem a presença


de fronteiras, estando o corpo totalmente imerso no fluido (Fox et al., 2014). Quando há
movimento relativo entre um fluido e uma geometria nele imersa, forças atuantes na
interface fluido-corpo são geradas, sendo elas a tensão de cisalhamento na parede, 𝜏𝑤 ,
originada devido a efeitos viscosos, e a tensão normal, causada pela pressão, p, e, em
alguns casos, por uma parcela do cisalhamento. Os escoamentos externos são
dependentes do formato do objeto, com corpos esbeltos, como os aerofólios, causando
menos perturbação no fluido em comparação com corpos rombudos (FERREIRA, 2011).

O carregamento aerodinâmico é decomposto em duas forças principais: a força de


arrasto, FD, atuando na direção paralela ao escoamento principal, e a força de sustentação,
FL, agindo na direção perpendicular ao fluxo. Segundo Ferreira (2011), de forma teórica,
estas forças são obtidas a partir da integração das tensões de cisalhamento e normais na
superfície da geometria imersa. As componentes do arrasto, x, e da sustentação, z, da
força que atua num elemento infinitesimal de área dA são descritas, respectivamente, nas
Equações 8 e 9, considerando o esquema da Figura 3 (MUNSON et al., 2004):
ⅆ𝐹𝑥 = (𝑝 ⅆ𝐴) cos 𝜑 + (𝜏𝑤 ⅆ𝐴) sin 𝜑 (8)

ⅆ𝐹𝑧 = − (𝑝 ⅆ𝐴) sin 𝜑 + (𝜏𝑤 ⅆ𝐴) cos 𝜑 (9)

Sendo os módulos das forças FD e FL dados pelas Equações 10 e 11.

(10)
𝐹𝐷 = ∫ ⅆ𝐹𝑥 = ∫ 𝑝 cos 𝜑 ∙ ⅆ𝐴

+ ∫ 𝜏𝑤 sin 𝜑 ∙ ⅆ𝐴

(11)
𝐹𝐿 = ∫ ⅆ𝐹𝑧 = − ∫ 𝑝 sin 𝜑 ∙ ⅆ𝐴

+ ∫ 𝜏𝑤 cos 𝜑 ∙ ⅆ𝐴

Figura 3 – Forças de pressão, p, e cisalhamento, 𝜏𝑤 , num elemento de área infinitesimal (dS) da


superfície de um corpo imerso (Autoria própria).

O cálculo do arrasto e da sustentação pela definição anteriormente comentada


exige conhecimento do formato do elemento, o que, muitas vezes, pode ser de difícil
obtenção, tanto de forma experimental como teórica, de acordo com Ferreira (2011). Para
simplificar o problema, utiliza-se os coeficientes adimensionais de arrasto (𝐶𝐷 ) e
sustentação (𝐶𝐿 ), que englobam efeitos das tensões normais e cisalhante, e são
determinados pelas Equações 12 e 13.
𝐹𝐷 (12)
𝐶𝐷 =
1 2
2 𝜌𝐴𝑉
𝐹𝐿 (13)
𝐶𝐿 =
1
𝜌𝐴𝑉 2
2

onde L é a força de sustentação [N], D é a força de arrasto [N], 𝐴 é a área da secção


transversal à direção de incidência do escoamento (para o caso bidimensional, considera-
se a profundidade unitária, correspondendo a: 𝐴 = 𝑐 × 1, em que c é a corda do aerofólio),
𝜌 é a massa específica do fluido [kg/m3] e 𝑉 é a velocidade relativa do fluido em relação
ao objeto [m/s].

A camada limite é uma estreita região próxima à superfície sólida observada em


escoamentos viscosos, na qual a velocidade do fluido tende a zero devido à força de atrito,
que retarda as partículas. A camada limite em um aerofólio inicia-se como laminar, suave
e ordenada, mas, para altos Re, perturbações criam instabilidades. Acima de um valor
crítico, ocorre a mudança de fluxo laminar para turbulento, ocorrendo, assim, separações
de fluxo. A camada limite turbulenta é caracterizada por ser altamente instável, com
geração excessiva de vorticidade e turbilhões contra-rotativos. Conforme Munson et al.
(2014), para a maior parte dos aerofólios, faixas de Re entre 104 e 106 acarretam um
fenômeno que diminui a eficiência aerodinâmica dos perfis, sendo a eficiência calculada
pela razão entre os coeficientes de sustentação e arrasto.

Modelos de turbulência RANS

A princípio, as equações de Navier-Stokes, juntamente com a equação da


continuidade e a da energia térmica, descrevem tanto os escoamentos laminares quanto
os turbulentos, sem a necessidade de informações adicionais. Entretanto, quanto maior o
número de Reynolds, mais largo se torna o espectro de energia associado. Para calculá-
lo, faz-se necessário a utilização de malhas extremamente finas, com espaçamentos e
passos de tempo da ordem das escalas de Kolmogorov, o que, segundo Klein (2007), é
muito menor que o menor volume finito de uma malha que poderia ser, na prática,
utilizada em análises numéricas, em escalas industriais. Além da exigência de elevado
refino de malha, segundo Spode (2006), ao resolver as equações de Navier-Stokes
diretamente, utilizando métodos como a Simulação Numérica Direta (DNS – Direct
Numerical Simulation), esquemas de discretização espacial e temporal de alta ordem, que
não imponham difusão numérica ao cálculo, são requeridos. Ainda, exige-se o meticuloso
uso de condições de contorno apropriadas, com níveis de perturbação específicos para
cada caso.

Para contornar este problema, Reynolds (1894) forneceu uma solução viável ao
observar que as propriedades dos escoamentos turbulentos poderiam ser descritas pela
superposição de um termo flutuante a um valor médio, sugerindo que os campos presentes
nas equações governantes fossem decompostos em componentes médios e componentes
flutuantes, turbulentos. Isto foi feito a partir da aplicação de um filtro média temporal às
equações de Navier-Stokes, levando à obtenção das chamadas Equações Médias de
Reynolds (Reynolds Averaged Navier-Stokes - RANS), nas quais os efeitos turbulentos
estão isolados dos termos descritivos médios. Essa tática de solução ocasiona o
surgimento de novas variáveis dinâmicas independentes, caracterizando um problema
matematicamente indeterminado, conhecido como problema do fechamento na
turbulência, dando origem aos modelos de turbulência (KLEIN, 2007).

O regime turbulento é de natureza aleatória. Devido à alta não linearidade,


conforme Spode (2006), é árduo reproduzir, em fase, duas ou mais realizações de um
mesmo fenômeno físico, visto que as condições iniciais impostas nunca serão plenamente
idênticas, gerando e propagando instabilidades ao longo do tempo. Todavia, os gráficos
típicos de velocidades neste regime, como o da Figura 4, demonstram que é possível
analisar as propriedades assumindo uma média somada a uma componente de flutuação.

Figura 4 – Variação da velocidade com o tempo em um escoamento (Versteeg e Malalasekera, 2007).


A velocidade média é mais frequentemente obtida aplicando a média temporal
sobre as flutuações em escoamentos estacionários, conforme é mostrado na Equação 14,
onde 𝑉 é a velocidade instantânea, 𝑉̅ é a velocidade média, 𝑡0 é o período no qual a
velocidade deve ser integrada de maneira a gerar uma velocidade média representativa do
escoamento e t é o tempo. Este período deve representar um intervalo de tempo finito
(KLEIN, 2007).

𝑡
𝑡+ 0
2
(14)
1
𝑉̅ = ∫ 𝑉 (𝑡 )
𝑡0
𝑡
𝑡− 0
2

Os modelos de turbulência do tipo RANS (Reynolds Averaged Navier-Stokes) se


baseiam nas médias das propriedades do escoamento e em como a flutuação impacta
sobre elas. Dessa forma, a velocidade instantânea 𝑉 pode ser expressa como:

𝑉 = 𝑣̅ + 𝑣 𝑡 (15)

onde 𝑣̅ é a velocidade média e 𝑣 𝑡 é a flutuação instantânea da velocidade em torno da


média.

Este conceito é também estendido à Pressão P, de modo que:

𝑃 = 𝑝̅ + 𝑝𝑡 (16)

sendo onde 𝑝̅ a pressão média e 𝑝𝑡 a flutuação instantânea da pressão em torno da média.

Aplicando esta nova abordagem de velocidade à Equação da Continuidade,


teremos:

𝜕𝜌 (17)
+ 𝛻𝜌𝑉 = 0
𝜕𝑡
Que assume a seguinte forma para fluidos incompressíveis:

𝜕𝑉𝑥 𝜕𝑉𝑦 𝜕𝑉𝑧


𝛻. 𝑉 = 0 ⇒ + + = 0
𝜕𝑥 𝜕𝑦 𝜕𝑧
̅𝑥 +𝑉𝑥𝑡 )
𝜕(𝑉 ̅𝑦 +𝑉𝑦𝑡 )
𝜕(𝑉 ̅𝑧 +𝑉𝑧𝑡 )
𝜕(𝑉 (18)
+ + = 0
𝜕𝑥 𝜕𝑦 𝜕𝑧

Após aplicação da média temporal em ambos os lados da equação, teremos:

𝜕𝑉̅𝑥 𝜕𝑉̅𝑦 𝜕𝑉̅𝑧 (19)


+ + = 0 ⇒ 𝛻. 𝑉̅ = 0
𝜕𝑥 𝜕𝑦 𝜕𝑧

Este resultado, como comentado por Klein (2007), é uma equação idêntica à
equação originalmente obtida para velocidade instantânea, mas para a velocidade média,
o que é conveniente, uma vez que não introduz nenhuma nova variável ao problema. Já
ao serem inseridas as novas definições de velocidade e de pressão nas equações de Navier
Stokes, teremos:

𝜌𝐷(𝑣 + 𝑣 𝑡 ) (20)
= −𝛻(𝑝 + 𝑝𝑡 )
𝐷𝑡
+ 𝜇𝛻 2 (𝑣 + 𝑣 𝑡 ) + 𝜌𝑔

Aplicando a média temporal em ambos os lados da equação, obteremos a Equação


da Média Temporal, expressa como:

̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅
𝜌𝐷(𝑣 + 𝑣 𝑡 ) ̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅
= −𝛻 (𝑝 + 𝑝 𝑡 )
𝐷𝑡
̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅
+ 𝜇𝛻 2 (𝑣 + 𝑣 𝑡 ) + 𝜌𝑔
̅̅̅̅

𝜌𝐷𝑣 (21)
= −𝛻𝑝 + 𝜇𝛻 2 𝑣 + 𝜌𝑔
𝐷𝑡
− 𝜌̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅
(𝑣 𝑡 . 𝛻𝑣 𝑡 )
Anda seguindo Klein (2007), a equação 21 seria idêntica à equação de Navier
Stokes para a velocidade média, a não ser pelo último termo, que é conhecido como Força
Turbulenta, 𝐹 𝑡 , por unidade de volume, e é causada pelas tensões devido aos componentes
flutuantes do escoamento secundário. Estas tensões compõem o tensor de Reynolds
(KLEIN, 2007).

𝐹 𝑡 = 𝜌̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅
(𝑣 𝑡 . 𝛻𝑣 𝑡 ) = − 𝛻. 𝜏 𝑡 (22)

Em escoamentos turbulentos, os componentes normais do tensor de Reynolds são


sempre diferentes de zero, posto que são formados pelo quadrado da velocidade
turbulenta. Já os componentes cisalhantes estão relacionados a diferentes componentes
da velocidade. O surgimento deste termo, assim, acrescenta seis novas variáveis que
caracterizam o Problema do Fechamento, sendo, agora, necessário determinar uma
correlação para os componentes do tensor de Reynolds (KLEIN, 2007).

Boussinesq considerou que o Tensor de Reynolds poderia ser proporcional à taxa


média de deformação, devido a um gradiente de velocidade no campo médio, ponderada
pela viscosidade turbulenta, 𝜇𝑡 , uma propriedade local do escoamento. A Equação 23
apresenta a aproximação de Boussinesq, já inserindo a análise pela Decomposição de
Reynolds (VERSTEEG e MALALASEKERA, 2007). Na Equação 23, os subscritos irão
definir a qual eixo se refere a variável, sendo 1 para x, 2 para y e 3 para z. Por exemplo,
𝑢1′ = u’, flutuação da velocidade na direção x; 𝑈1 = 𝑈, média das velocidades na direção
x; 𝑥1 = 𝑥, eixo x. Já para o delta de Kronecker, temos 𝛿𝑖𝑗 = 1, se i = j e 𝛿𝑖𝑗 = 0 se i ≠
j (CARNEIRO, 2011).

𝜕𝑈𝑖 𝜕𝑈𝑗 (23)


̅̅̅̅̅̅̅
𝜏𝑖𝑗 = −𝜌𝑢 𝑖 ′𝑢𝑗 ′ = 𝜇𝑡 ( + )
𝜕𝑥𝑗 𝜕𝑥𝑖
2 1 2 2
= − 𝜌 [ (𝑢′ + 𝑣 ′
3 2
2
+ 𝑣 ′ )] 𝛿𝑖𝑗
A viscosidade intrínseca ao fluido e os efeitos de turbulência, apesar de
produzirem independentemente o mesmo efeito sobre o escoamento (dificuldade de
escoar numa direção específica), são de naturezas integralmente diferentes, como
destacado por Carneiro (2011), sendo a viscosidade uma propriedade física que impacta
de forma direta a tensão entre as camadas de moléculas do fluido, e a turbulência a marca
de um comportamento caótico do movimento tridimensional, gerando turbilhões que
consomem quantidade de movimento que seria utilizada na movimentação do fluxo em
determinada direção preferencial. Ainda segundo o autor, a modelagem matemática dos
efeitos da turbulência sobre um escoamento ainda é desafiadora. A aproximação feita por
Boussinesq relacionou o efeito da movimentação caótica a um aumento aparente da
viscosidade, sendo este a base dos modelos de turbulência RANS.

O modo como a viscosidade turbulenta é calculada depende do modelo RANS que


está sendo utilizado, entretanto fazem uso da Energia Cinética Turbulenta, k, Equação 24,
e da Dissipação da Energia Cinética Turbulenta, ε e ω, sendo ω a relação de ε com um
comprimento característico associado às dimensões da geometria envolvida no
escoamento (CARNEIRO, 2011).

1 2 2 2 (24)
𝑘 = (𝑢′ + 𝑣 ′ + 𝑤 ′ )
2

O modelo RANS k-ε de duas equações é o mais representativo desta classe de


modelos de turbulência, sendo considerado estável e numericamente robusto. Nele
Dissipação de Energia Cinética Turbulenta, ε, é dada pela Equação 25 e o valor da
Viscosidade Turbulenta pela Equação 26, onde a variável Cμ é uma constante relacionada
ao ajuste numérico do modelo (CARNEIRO, 2011).

3 (25)
𝑘2
𝜀=
1
𝑘2 (26)
𝜇𝑡 = 𝜌𝐶𝜇
𝜀
Já o modelo RANS k-ω de duas equações, segundo Carneiro 2011, considera a
dissipação da Energia Cinética como sendo a própria frequência turbulenta e é dada pela
Equação 27, sendo o cálculo da Viscosidade Turbulenta é fornecido pela Equação 28,
sendo β* a constante relacionada ao ajuste numérico do modelo.

𝜀 (27)
𝜔=
𝑘

𝑘 (28)
𝜇𝑡 = 𝜌
𝛽∗ 𝜀

Klein (2007) demonstra uma fragilidade dos modelos baseados na hipótese de


Boussinesq, no que diz respeito à adoção do valor dos componentes normais como
necessariamente iguais a zero. Isto é comprovadamente equivocado, mas, ainda assim, os
modelos vêm contribuindo com boas previsões de muitos escoamentos, com performance
comprometida apenas em certas situações, em particular quando se trata de escoamentos
complexos.

Resultados

Neste trabalho foi analisado NACA 4404, ilustrado na Figura 5. Como referência
foi utilizado os resultados obtidos por Antonelli et al. (2013) e Antonelli (2015).

Figura 5 – Perfil NACA 4404 (Antonelli, 2015).

A análise de perfis aerodinâmicos tão esbeltos é de grande relevância para o teste


da metodologia, tanto devido aos problemas de convergência da solução no bordo de
fuga, como aos erros numéricos que levam a vorticidades extremamente elevadas na saída
do perfil ao longo do tempo. Esse fato é amplificado quando o princípio da periodicidade
para a simulação da grade linear é aplicado. Apesar de os aerofólios finos apresentarem
vantagens em Re baixos, como uma alta taxa sustentação-arrasto, eles irão apresentar
grandes flutuações na sustentação, provocadas principalmente pela separação do
escoamento instável no bordo de fuga (MARQUES, 2011). Aumentando-se o ângulo de
ataque aumenta-se a condição de estol e aumenta-se a instabilidade no coeficiente de
sustentação.

Em todas as simulações realizadas, os aerofólios foram posicionados no centro do


domínio, que possui dimensões suficientemente grandes para representar o escoamento
externo sobre os perfis, minimizando os efeitos das paredes superiores na geometria
imersa. Para os casos propostos foram utilizadas malhas eulerianas de 1024𝑥256 pontos
de colocação, relativamente refinadas, por terem garantido resultados mais convergentes
em trabalhos anteriores. Os ângulos de ataque foram modificados entre 0° até 9°.

O perfil NACA 4404 foi discretizado em 400 pontos de colocação lagrangianos,


seguindo uma distribuição mais refinada nos bordos de ataque e de fuga. Ao aumentar o
número de nós lagrangianos, a fronteira do corpo imerso tende a se tornar mais
representativa dentro do domínio euleriano, uma vez que passarão a existir mais pontos
discretos evidenciando o campo de força lagrangiano. Assim, o escoamento ao redor dos
corpos torna-se mais preciso, sobretudo, em regiões mais críticas do escoamento, o que
justifica a concentração maior de pontos no bordo de ataque e no bordo de fuga, conforme
mostra a Figura 6.

Figura 6 – Configuração do aerofólio NACA 4404 com refino da malha lagrangiana no bordo de
ataque e no bordo de fuga.

Foram utilizados perfis com 2 metros de corda. O aumento da corda do perfil


implica no aumento do número de pontos eulerianos no interior da região do aerofólio.
Como as equações de Navier-Stokes e da continuidade são resolvidas para todo domínio
euleriano, inclusive para os nós que estão no interior do domínio lagrangiano, o maior
número de pontos discretos no interior do aerofólio acarreta maior capacidade de garantir
a delimitação da região fronteiriça do corpo, impedindo o fluxo de entrada e saída de
fluido, o que descaracterizaria o fenômeno físico, não condizendo com a realidade. A
priori, resultados semelhantes devem ser obtidos se a malha euleriana for refinada, uma
vez que esse processo também aumenta o número de nós eulerianos no interior do perfil.

A análise inicial pautou-se em determinar qual método de interpolação, entre a


função gaussiana, função cúbica e função chapéu, traria resultados para os coeficientes
de sustentação e arrasto mais próximos aos valores de referência encontrados por
Antonelli (2015). De acordo com Mariano (2011), o processo de interpolação é que
determina a ordem de convergência da metodologia, sendo, portanto, importante utilizar
uma função peso de alta ordem de convergência para a sua avaliação. O aerofólio NACA
4404 foi simulado para número de Reynolds de 800 e os resultados obtidos podem ser
observados nas Figuras 7, 8 e 9.

Figura 7 – Curva de sustentação e de arrasto do NACA 4404 para Re = 800, utilizando a função
de distribuição Gaussiana.
Figura 8 – Curva de sustentação e de arrasto do NACA 4404 para Re = 800, utilizando a função
de distribuição cúbica.

Figura 9 – Curva de sustentação e de arrasto do NACA 4404 para Re = 800, utilizando a função
de distribuição chapéu.

A função cúbica apresentou resultados altamente convergentes no cálculo do


coeficiente de arrasto, mas obteve erros consideráveis no cálculo do coeficiente de
sustentação. Já a função gaussiana, assim como a função chapéu, melhor calcularam o
coeficiente de sustentação, porém, apresentaram erros muito elevados no cálculo de CD.
A Tabela 1 mostra o erro médio dos parâmetros aerodinâmicos em relação ao trabalho de
Antonelli (2015) para as três funções testadas, considerando o ângulo de ataque de 00.
Funções de distribuição CL CD Erro CL Erro CD
Gaussiana 0,1571 0,2067 0,57% 91,38%
Cúbica 0,0876 0,1065 44,56% 1,39%
Chapéu 0,1087 0,1467 31,2% 35,83%
Antonelli (2015) 0,158 0,108 – –

Tabela 1 – Erros médios dos parâmetros aerodinâmicos para as funções de distribuição testadas.

Nas próximas simulações, então, os valores de CD passaram a ser obtidos pela


função cúbica, já os valores de CL, pela função gaussiana. A figura 10 mostra a curva
polar do escoamento sobre o aerofólio NACA 4404 de Re = 800, utilizando a função
chapéu para a determinação de ambos os coeficientes, em comparação com a curva obtida
por Antonelli (2015). A Figura 11 mostra a mesma cura, agora obtida utilizando as
diferentes funções de distribuição, evidenciando as melhorias obtidas.

Figura 10 – Curva de polar do NACA 4404 para Re = 800, utilizando a função chapéu.
Figura 11 – Curva de polar do NACA 4404 para Re = 800, utilizando funções gaussiana e cúbica.

A Figura 12 mostra os campos de velocidade de um escoamento de Re = 800 sobre


o aerofólio NACA 4404, para os vários ângulos de ataque no tempo, ao final de 100
segundos de simulação.

(a)

(b)
(c)

(Ainda vou anexar a imagem aqui)

(d)

Figura 12 –Campo de velocidade u(x, y, t) em [m/s] do escoamento bidimensional sobre o perfil


NACA 4404 em t = 100s para (a) 0º; (b) 3º; (c) 6º e (d) 9º.

Na situação inicial, o gradiente adverso de pressão possui mínimos efeitos.


Entretanto, à medida que o ângulo aumenta, para ângulos de 7º e 9º, este gradiente se
intensifica. As correntes de fluido não possuem energia suficiente para acompanhar o
escoamento e o seu ponto de separação é levado para próximo do bordo de ataque,
aumentando a região da esteira.

A região de esteira e formação de vórtices justifica-se, a princípio, pela geometria


do perfil. A assimetria do perfil e a concavidade voltada para baixo, induz um
significativo gradiente de pressão no sentido contrário ao escoamento, de forma a
dificultar que as linhas de corrente acompanhem o contorno fronteiriço do perfil. Ângulos
de ataque maiores implicam numa maximização das regiões com grande diferença de
pressão, influenciando no descolamento da camada limite, que tenderá a ocorrer bem
antes do bordo de fuga. Há, nessa ocorrência, um deslocamento da área de distribuição
de pressão superior para próximo do bordo de ataque do aerofólio.

Simulou-se também um escoamento de Reynolds 6000 sobre o NACA 4404. Foi


considerado um ângulo de ataque de 0°, de forma a evitar a intensificação do gradiente
de pressão adverso e a condição de estol, que não faz parte da análise neste trabalho. Os
escoamentos nesta faixa de Reynolds podem apresentar um comportamento turbulento,
causando o descolamento da camada limite no extradorso do perfil aerodinâmico e a
formação de uma esteira turbilhonar à jusante do corpo. Na Figura 13 é mostrado o campo
de velocidade u(x,y,t) em [m/s] obtido, na qual pode-se observar a evidente separação da
camada limite e fortes recirculações na esteira, que se propagam, para garantir a
conservação de massa proposta pelas equações que regem a dinâmica dos fluidos.

Figura 13 –Campo de velocidade u(x, y, t) em [m/s] do escoamento bidimensional sobre o perfil


NACA 4404 em t = 100s para 0º.

O comportamento observado é compatível com o que era esperado da literatura,


já que, nesta faixa de Re, a camada limite na superfície dos perfis tende a separar-se e
recolar na região de transição. Esse processo viabiliza a formação da chamada bolha de
separação laminar (Mayle, 1991) próximo à superfície que ocorre, uma vez que a camada
limite laminar não consegue superar efeitos viscosos, associado à intensificação do
gradiente adverso de pressão. Com essa separação, a camada limite torna-se turbulenta,
aumentando sua energia e recolando novamente à superfície do aerofólio. Camadas
limites turbulentas necessitam de gradientes adversos de pressão mais intensos e severos
para descolar da superfície em relação às camadas laminares. As bolhas de recirculação
formadas são prejudiciais ao desempenho aerodinâmico do aerofólio. A tabela 2 mostra
os coeficientes aerodinâmicos médios calculados para o escoamento.

Parâmetro aerodinâmico CL CD Erro CL Erro CD


Presente trabalho 0,0705 0.0356 66.400% 6.934%
Antonelli (2015) 0.2098 0,0383 – –

Tabela 2 – Coeficientes aerodinâmicos médios do perfil NACA 4404.

O arqueamento dos perfis assimétricos modifica a dinâmica de distribuição de


pressão entre o intradorso e extradorso, visto que, ao passar pela região superior, o
escoamento estará submetido à um maior gradiente de pressão adverso, sobretudo depois
de seu ponto de máxima curvatura. As instabilidades do escoamento turbulento neste
perfil não foram satisfatoriamente capturadas pela metodologia IMERSPEC, acarretando
alto erro no cálculo do coeficiente de sustentação. Porém, espera-se a obtenção de
resultados melhores com a investigação de uma forma mais adequada para o cálculo da
força da fronteira imersa no bordo de fuga do aerofólio, já vez que ela representa a região
de maior instabilidade numérica, além da adoção modelos de turbulência adequados.

Trabalhos futuros

Por natureza física, considerável parcela das aplicações da dinâmica de fluidos,


apresenta significativas complexidades. A simulação numérica destas aplicações, tanto
devido aos fenômenos físicos e seus efeitos, como ao número de graus de liberdade, é um
verdadeiro desafio. Destarte, muito empenho por parte dos pesquisadores tem sido
aplicado na integração de modelos matemáticos, métodos numéricos, modelos de
turbulência e técnicas de adaptação de malhas. Há amplo espaço para a pesquisa e
desenvolvimento novos modelos, técnicas, e novas abordagens para simular as mais
diversas aplicações da CFD.

O presente trabalho possibilita o seu progresso na realização de futuras simulações


numéricas com o uso de modelos de turbulência junto à metodologia IMERSPEC,
especificamente voltados para estudos numéricos em aerofólios e pás, obtendo, a
influência de efeitos de arrasto induzido e fenômenos fluidodinâmicos complexos que
surgem para elevados números de Reynolds, com atenção ao tempo computacional que
deve ser baixo custo, investindo em uma programação mais eficiente.

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