Na década de 1930 acontecia na Europa uma significativa ascensão dos movimentos
autoritários. Pensadores e artistas que trabalhavam com as mais distintas linguagens se
reuniam então para pensar o que fazer nesse contexto e para refletir sobre a questão da acessibilidade do discurso às massas nesse momento.
ha pasado el tiempo de los laboratorios y la experimentación continua (…) es
necesario que el nuevo material se pruebe en el contacto con nuevos contenidos y que sea utilizable para las tareas sociales.
El arte de la verdadera vanguardia muestra precisamente que no quiere separarse
de la vida cotidiana, pero la contiene, la comprende y la transforma
A construção artística/cinematográfica vanguardista não tem um sentido fixo, ela se
transforma na relação com os públicos, podendo ter muitas leituras. Não tem uma lógica linear de construção, suas partes operam de maneira inorgânica, ou seja agindo de maneira fragmentada, construindo e desconstruindo sentidos na sua complexidade sem uma relação de causalidade. Ela propõe a destruição de ordens já construídas, se conectando com o impensável, o disruptivo, o escandaloso. Por conta disso, essas obras muitas vezes causavam repulsa e eram pouco compreendidas por grande parte do público. A multiplicidade das vanguardas parecia não se adequar à urgência objetiva exigida pelo contexto. Nesse processo, os vanguardistas assumem a necessidade de entrar nesse movimento de luta e oposição por meio da produção cinematográfica, pensando nos filmes como recurso de transmissão de conteúdos políticos de resistência, inclusive por conta sua natureza aparentemente objetiva. Há uma tendência em momentos mais obscuros da história de que o discurso diante do medo se torne mais realista, dessa forma, muitos cineastas caminharam da vanguarda em sentido ao documental buscando construir ferramentas de resistência efetivas. Nessa transição, a imagem expressiva se transforma em imagem discursiva, ou seja, que busca produzir um efeito objetivo sobre o espectador. Passam a ser construídos discursos logofonocêntricos, ou seja, nos quais as imagens são subordinadas pelas palavras que lhes condicionam um determinado significado - vale ressaltar que esse aprofundamento da importância das palavras também pode ser associado a chegada do cinema falado na Europa no início da década de 30. Ao mesmo tempo as obras assumem um compromisso cognitivo com o espectador, oferecendo a ele um saber sobre determinados objetos - se vinculam diretamente a lógica da construção de conhecimento. Esse processo se dá de maneira muito violenta, na medida que se cortam profundamente as possibilidades expressivas da imagem. O incompreensível passa a ser controlado em função de um discurso que deveria ser claro, mas que restringe as formas a uma construção linear, contínua e, de certa fora, simplista da realidade. Mas é importante ressaltar que nesse processo de transição, certos aspectos da construção vanguardista se perpetuavam nas entrelinhas dos documentários que passavam a ser construídos. É perceptível a presença de alguns planos aberrantes e de certo humor irônico em algumas obras que revela indícios do estranhamento da realidade e da quebra de expectativa de obras anteriores. Vale ressaltar que existem outros discursos que afirmam que as vanguardas tiveram seus recursos atenuados na medida que seus procedimentos estilísticos foram apropriados pelo cinema de grande consumo de maneira que com o tempo já não geravam tanto estranhamento e dessa forma foram se diluindo. Dessa forma as vanguardas atuariam dando alimento para os artistas usarem seus artifícios ao longo do tempo enquanto modelos possíveis para construções futuras. Minha percepção diante do complexo movimento de transição entre vanguarda e documental vai de encontro, de certa maneira, ao que M. L. Ortega afirma no início do texto “Documental, vanguardia y sociedad - Los límites de la experimentación” no qual ela, em diálogo com Clifford Geertz discorre a respeito da maneira como diferentes gêneros e disciplinas foram se misturando na construção artística e de conhecimento ao longo dos anos. Esse encontro entre diferentes possibilidades estéticas e de discurso parece apontar para a maneira como ao misturar formas de expressão criamos uma amplitude maior de maneiras de construir sentidos múltiplos e complexos para as obras que criamos. A hibridação de linguagens enriquece profundamente os discursos. Dessa forma, realmente as restrições colocadas para as vanguardas diante da ascensão dos fascismos não me parece uma alternativa única de combate a uma violência iminente. Existen caminos muito potentes entre a organicidade do documental e a inorganicidade das vanguardas.