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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO


LINHA DE TEORIA E FILOSOFIA DO DIREITO
MESTRADO

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE DISCIPLINA - 2022.1

DISCIPLINA: TEORIA DA JUSTIÇA


PROFESSOR: JOSÉ RICARDO CUNHA
ALUNA: YASMIN FERRAZ DUTRA VARGAS

AGOSTO DE 2022
A TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RALWS COMPARADA A VISÃO DE NANCY
FRASER NA ATUALIDADE: A REDISTRIBUIÇÃO E RECONHECIMENTO
PERANTE AS PAUTAS SOCIAIS SOBRE GÊNERO E LGBT+

Introdução: a teoria da justiça segundo John Rawls

Uma Teoria da Justiça, publicado em 1971 por John Rawls (2002), reabre a discussão
acerca do conceito de justiça e da estabilização entre liberdade individual e igualdade social –
valores fundamentais das sociedades democráticas modernas – ao situar os princípios
normativos imprescindíveis para a constituição de instituições sociais justas. O autor parte de
dois pressupostos fundamentais: o da escassez de recursos e o do fato do pluralismo.
Segundo o primeiro, as aspirações individuais de apropriação de recursos são
ilimitadas, enquanto estes são limitados, o que exige uma organização social capaz de difundir
de forma justa estes recursos – que vão desde bens materiais até oportunidades imateriais
como a possibilidade de competir no mercado de trabalho. Logo o fato do pluralismo expressa
a compreensão de que nas nossas sociedades, há uma pluralidade de valores, aspirações e
desejos que são ao mesmo tempo igualmente racionais, razoáveis e conflitantes, mas que
devem ser protegidos, afinal, para o autor, a cooperação social teria como objetivo assegurar
as condições para que cada indivíduo realize, ao máximo, o seu sistema de desejos.
Segundo Rawls, o objeto primário da justiça é a estrutura básica da sociedade, ou seja,
“a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direitos e deveres
fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação social”
(RAWLS, 2002, p. 7-8). Neste sentido, e considerando a sociedade como um cooptação de
indivíduos que em suas relações mútuas reconhecem certas regras de conduta como
obrigatórias e que, em regra, agem de acordo com elas, uma teoria da justiça deve se limitar
ao pacto moral de cooperação entre os indivíduos para que possam realizar os seus diferentes
modos de vida e assim perseguir livremente seus objetivos.
A justiça como equidade deve criar as condições materiais para que os indivíduos
tenham igual autonomia, equacionando as diferenças existentes. Cabe destacar que toda a
construção teórica do autor parte de um ideal normativo no qual a justiça é avaliada por
cidadãos despidos de suas particularidades, cobertos pelo véu da ignorância (sem saber qual
posição ocupam na sociedade) e unidos pela razão – o que o autor chamou de posição
original.
Apenas a partir deste recurso metodológico seria possível pensar a questão da justiça
evitando o problema do conflito e da competição entre os indivíduos, que no mundo real
buscariam vantagens pessoais ilimitadas.
Dessa forma, a partir do recurso da posição original, Rawls demonstra quais os
princípios da justiça as pessoas livres e racionais escolheriam para definir os termos de sua
associação (sociedade) caso colocadas em uma situação de igualdade e ignorância absolutas.
Os princípios fundamentais escolhidos seriam os da igualdade e da liberdade. Entretanto, a
questão central apontada pelo autor é a da necessidade de que todas as pessoas tenham suas
liberdades asseguradas – garantindo-se a autonomia individual, valor fundamental da ética
liberal.
Na posição original, todas as pessoas concordariam com essa premissa – afinal, sob o
véu da ignorância, elas não saberiam se viriam elas mesmas a ser aquelas desprovidas de
liberdade caso esta premissa não seja garantida. Para que esta premissa seja efetivada, faz-se
necessário a igual e justa distribuição de bens primários (considerando desigualmente os
desiguais) e a difusão da noção de respeito e tolerância entre os diferentes indivíduos que
compõem essa sociedade. Note-se que esta perspectiva depende da construção de instituições
justas, que operem essa distribuição. Assim, o Estado de Direito – a razão pública – tem papel
tão central para a justiça como equidade de Rawls quanto a liberdade e a autonomia
individual. O Estado e o Direito são as instituições capazes de garantir e proteger estes dois
valores fundamentais.
Este raciocínio nos leva a crer que, em última instância, o poder de estruturação
normativa em Rawls está concentrado no Estado. Neste esteio, a moralidade no sentido
kantiano tem um papel importante: o outro é o limite da autonomia de um indivíduo. O direito
é concebido como fruto de uma razão universal compartilhada, o que enseja a livre escolha
individual e a realização de um como possibilidade de realização de todos os membros da
sociedade.
Cabe destacar que para Rawls, cada pessoa deve ser tratada como um fim em si
mesmo e por isso a defesa dos desejos individuais se sobrepõe em relação ao bem-estar geral.
É neste sentido que Rawls afirma que o ‘razoável’ deve prevalecer sobre o ‘racional’, porque
a exigência de termos de cooperação equitativos tem de delimitar as fronteiras da liberdade
exercida pelos indivíduos na definição e busca dos próprios interesses. Assim, justiça nas
sociedades democráticas modernas seria garantida, do ponto de vista das decisões políticas,
através de um consenso sobreposto razoável, ao qual todas as pessoas poderiam aderir com a
devida reflexão. Essa ideia demanda, por sua vez entender “pessoa” como “pessoa moral –
aquela capaz tanto de reter o tipo de crenças informadas necessárias ao consenso, quanto de
conferir o tipo de consentimento autônomo requerido para legitimamente fundar arranjos
sociais justos.

A visão de Nancy Fraser sobre a teoria da justiça na atualidade: as teorias de


redistribuição e o reconhecimento

A filósofa norte-americana Nancy Fraser, focada nas pautas feministas, de gênero e


sobre os direitos da comunidade LGBT+ aborda observações importantes através do seu
ponto de vista em relação as duas teorias criadas por John Rawls (justiça redistributiva) e
Axel Honneth (justiça do reconhecimento).
Primeiramente, para resumir rapidamente sobre as duas teorias, como diz a Susana de
Castro em seu artigo:
“O primeiro, J. Ralws, propõe com sua obra principal, Uma Teoria da Justiça, um
modelo de organização social e política liberal centrado na noção de justiça
redistributiva. Para Rawls, uma sociedade bem ordenada é aquela na qual existam
mecanismos compensatórios e regulatórios legais capazes de diminuir as
desigualdades econômicas e igualar as oportunidades de emprego. Axel Honneth,
autor de Luta por reconhecimento, a gramática moral dos conflitos sociais, traz a
questão da justiça para o plano psicológico. Segundo Honneth, a questão central da
justiça não é o da distribuição econômica, mas sim a do ‘reconhecimento’. O cerne
da questão do reconhecimento é a noção de identidade. Para Honneth está claro que
a identidade de cada um é construída pela aceitação/reconhecimento do outro. Se um
grupo ou um indivíduo não tem sua identidade, seu modo de ser, respeitado pelo
grupo hegemônico isso automaticamente configura uma situação de injustiça”.
(CASTRO DE, 2010, págs.1 e 2)

Fraser coloca as suas observações comparando as duas teorias com a sua chamada de
“paridade participativa”, nada mais sendo que o reconhecimento cultural das minorias sociais
vem da moral e não da ética, já que no reconhecimento salarial não tem a mesma força como
a cultural. Para Nancy Fraser, os movimentos sociais minoritários estão se preocupando mais
com a sua visibilidade nos pontos como respeito nos espaços culturais: educação, constituição
familiar, cidadãos iguais perante toda a sociedade, respeito ao seu gênero e nome social.
Ela também afirma de encontrar na contemporaneidade o enfraquecimento dos
movimentos políticos mais amplos e o ideal seria a luta das pautas culturais com as questões
distributivas, não favorecendo apenas um nicho pessoal e assim combater também os outros
meios de exploração capitalista.
Tópico interessante mencionado no artigo de Susana de Castro (2010) sobre defender
os apontamentos de Fraser (2003) não seguindo para um modelo distributivo liberal,“mas sim
uma via média, entre as políticas socialistas transformadoras e as políticas reformistas
liberais. Esta via média é chamada por ela de ‘reforma não reformista’” (FRASER, 2003, p.
78 e seg. apud CASTRO DE, 2010, p.2).
Importante também frisar sobre a Nancy Fraser ter a sua contribuição e relevância
sobre esses assuntos mencionados referente a área da educação. Através da priorização de
pautas universais, com o foco no conceito da equidade, cada vez mais a levar novos debates
sobre gênero e respeito a orientação sexual do indivíduo.
No artigo de Swamy de Paula Lima Soares faz uma ótima análise sobre o caminho que
devemos seguir conforme a ideia de equidade:
“O que nos interessa, nesse momento, é perceber os movimentos que implicam no
debate educacional entre perspectivas mais gerais, ligadas à ideia de equidade, e os
particulares, que poderiam ser identificados como ações de reconhecimento. Nota-se
que, no caso específico da educação escolar, percebemos uma dupla atuação dos
princípios da justiça redistributiva e das ações de reconhecimento.
(...) Por outro lado, a escola também tem sido importante espaço de disputas no
campo do reconhecimento, especialmente dos grupos sociais por anos considerados
outsiders dos currículos e estruturas formais da escola. Encontra-se nesse espectro a
disputa em torno do currículo, da educação antirracista, de visibilidade da cultura
campesina e indígena e das relações de gênero. Se usarmos o esquema conceitual de
Honneth, essas esferas de reconhecimento poderiam ser compreendidas, no campo
da educação escolar, tanto na esfera do amor (especialmente quando falamos das
instituições educativas da educação infantil), quanto na esfera do direito e da
comunidade.” (SOARES, 2021, p.12).

Considerações Finais

Por fim, após fazer um resumo sobre a obra de John Rawls na introdução, gostaria de
reforçar sobre a política redistributiva e de equidade. Perante as visões de Axel Honneth e
principalmente por Nancy Fraser sobre os dois pontos de forma mais atualizada, como as
relações entre o direito, educação e justiça.
Para Honneth (2003), por exemplo, a teoria do reconhecimento é estruturante para as
causas sociais na sociedade contemporânea, pois ele utiliza a sua teoria crítica no processo
social de construção intersubjetiva de identidade; conforme Swamy Soares também
complementa:
“É importante destacar a ênfase dada por Honneth às chamadas esferas do
reconhecimento, com suas respectivas ações contrárias de desrespeito.
(...) Suas respectivas violações que afetam a integridade física e psíquica, no plano do
sujeito; violação pela via da privação de direitos e exclusão, que atingem a integridade
social do indivíduo como membro de uma comunidade; e degradações e ofensas que
afetam os sentimentos de honra e dignidade do mesmo como membro de uma
comunidade cultural de valores.” (SOARES,2021, p.6)

A perspectiva de Honneth contesta a naturalização provocada por Rawls de um Estado


neutro e apartado das lutas concretas que constituem a sociedade. E no movimento histórico
concreto, a justiça é definida a partir de experiências reais de injustiça social, lutas reais por
redistribuição e reconhecimento, que sempre existiram de forma imbrincada. A luta por
respeito às diversas formas de vida e contra as diversas formas de injustiça pressupõe,
sobretudo, a mudança nas relações e práticas sociais.
Já Nancy Fraser identifica a importância da informação sobre as questões identitárias e
a desigualdade instalada pela sociedade, utilizando como base as teorias de redistribuição e o
reconhecimento adicionando na área educacional governamental.

Referências bibliográficas:

CASTRO DE, Susana. Nancy Fraser e a teoria da justiça na contemporânea. Revista


Redescrições – Revista on line do GT de Pragmatismo e Filosofia Norte-americana,
Vol.2, Número 2, 2010. Disponível em:
https://revistas.ufrj.br/index.php/Redescricoes/article/view/14897/9941. Acesso em:
22/08/2022

FRASER, Nancy. “Solidarity or Singularity? Richard Rorty between Romanticism and


Technocracy”. In: Fraser, Nancy. Unruly Practices: Power, Discourse, and Gender in
Contemporary Social Theory. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1989.

_____________. “Reconhecimento sem ética?”. Trad. Ana C. F. Lima e Mariana P. Fraga


Assis. In: Lua Nova, 70. São Paulo, 2007. P. 101-138.

_____________. “Social Justice in the Age of Identity Politics: Redistribution, Recognition,


and Participation”. In: Fraser, Nancy e Honneth, Axel. Redistribution or Recogntion? A
political-Philosophical Exchange. Nova Iorque, Londres: verso, 2003.

HONNETH, Axel. “Reconhecimento ou redistribuição? A mudança de perspectivas na ordem


moral da sociedade”. In: SOUZA, Jessé; MATTOS, Patrícia (Org.) Teoria crítica no século
XXI. São Paulo: Annablume, 2007.

RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2016.

SOARES, Swamy. Educação, redistribuição e reconhecimento: contribuições do pensamento


de Nancy Fraser para o debate sobre justiça. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 47, e246094E,
2021.
Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ep/article/view/193203/177994. Acesso em:
24/08/2022

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