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Conf 16
Conf 16
21.4.1947 não deixa dúvidas a este respeito: “É importante manter em mãos amigas as
áreas que contenham ou protejam fontes de metais, petróleo e outros recursos naturais,
onde se integrem objetivos estratégicos ou locais estrategicamente situados, que tenham
um grande potencial industrial, que possuam efetivos importantes de mão-de-obra ou de
forças militares organizadas ou que, por razões políticas ou psicológicas, permitam aos
Estados Unidos exercer uma influência mais significativa a favor da estabilidade, da
segurança e da paz mundiais.”
Benelux (Tratado de Paris, abril/1951). Pela primeira vez após a derrota da Alemanha
nazi, a Alemanha entrava numa organização internacional em igualdade de condições
com outros estados independentes, nomeadamente com a potência rival, a França, que
tinha sido ocupada, colonizada e humilhada pelas hordas nazis.
thatcherismo no Reino Unido (1979) e com a reaganomics nos EUA (1980), que marcam
o início deste novo ciclo, em que a ideologia neoliberal se confirmou, também na esfera
política, como a ideologia dominante, a ideologia das classes dominantes, sob a liderança
do grande capital financeiro.
Na viragem dos anos 1980 para os anos 1990, o ‘velho’ consenso keynesiano foi
posto de lado e a nova estratégia da globalização neoliberal foi ‘codificada’ no chamado
Consenso de Washington. ‘Recomendado’ inicialmente pelo grande capital financeiro
internacional e pelas estruturas ao seu serviço (G7, FMI, Banco Mundial, OMC…) aos
‘países em desenvolvimento’, este ‘consenso’ generalizou-se rapidamente a todo o
‘mundo civilizado’.
Após a experiência do thatcherismo, a aproximação da ‘Europa’ à ideologia
neoliberal contou, a partir de meados dos anos 1980, com a conversão da social-
democracia europeia aos dogmas do novo credo. Os momentos críticos da acentuação e
aceleração da submissão da ‘Europa’ ao espírito do Consenso de Washington (e à
‘filosofia’ segundo a qual “ninguém pode fazer política contra os mercados”) são o Ato
Único Europeu (1986), que criou o mercado interno único e o Tratado de Maastricht
(1992), que criou a União Europeia, bem como a União Económica e Monetária-UEM
[moeda única (o euro), Banco Central Europeu (BCE) e Pacto de Estabilidade e
Crescimento (PEC)] e, já em plena crise, o Tratado Orçamental (2012). Com base neles,
a ditadura do grande capital financeiro domina a ‘Europa’.
O Tratado de Maastricht tem por detrás dele uma história triste. Não esquecendo
os sofrimentos e as humilhações que sofreu por parte da Alemanha (num período de
setenta anos as tropas alemãs bombardearam Paris três vezes com armas fabricadas pelas
fábricas Krupp: em 1870-1871, em 1914-1918 e em 1940), a França de Mitterrand tentou,
até ao fim, evitar a ‘reunificação’ da Alemanha, mas Helmut Kohl ganhou o braço de
ferro, e, numa espécie de operação overnight, operada com a cumplicidade de Gorbatchev
e o apoio dos EUA, conseguiu ‘anexar’ a RDA.
E com o renascer da Grande Alemanha regressaram os medos da França, que
tratou de amarrar mais a Alemanha ao barco comum europeu, aprofundando a sua
inserção no tecido da Europa comunitária. A União Económica e Monetária (UEM)
surgiu, aos olhos da França, como o instrumento (político) que visava ‘controlar’ melhor
a ‘ameaça alemã’, tentando garantir uma Alemanha europeia e evitar o regresso aos
tempos do Deutschland über Alles. Foi este ‘medo’ que levou à aceitação da união
monetária, esquecendo os argumentos de ordem técnica que, segundo todos os
especialistas, desaconselhavam a sua criação.
Na verdade, a UEM está longe de corresponder aos requisitos mínimos de uma
zona monetária ótima: países ou regiões com níveis idênticos de desenvolvimento e de
produtividade; forte integração no interior da zona monetária, quer no que se refere às
transações de bens e serviços quer no que toca à mobilidade da mão-de-obra; uma
estrutura política que permita um certo grau de federalização da fiscalidade e um
orçamento com capacidade redistributiva (as despesas federais representam, nos EUA,
60% da despesa pública global, mas o orçamento da UE representa cerca de 1% do PIB
comunitário).
Por outro lado, a UE é “uma organização artificial, quase sem identidade”,
constituída por “países que têm a sua identidade própria, organizados em estados com
muitos séculos de História” (J. Ferreira do Amaral), pelo que seria de esperar que os
cidadãos nacionais dos estados-membros dificilmente compreendam e aceitem que os
seus interesses como estados-nações sejam preteridos perante os interesses de uma
entidade a que não os liga qualquer sentimento de pertença. Nestas condições, não é fácil
pôr de pé uma zona monetária com moeda única, porque ela pressupõe uma solidariedade
irrestrita entre todos os espaços que a constituem, condição quase impossível nesta
Europa que conhecemos.
Talvez a solução consagrada no Tratado de Maastricht tenha ajudado a resolver
problemas de relação (e de desconfiança) política entre a França e a Alemanha. Mas a
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11. – Em março/2012 foi aprovado, mais uma vez “à porta fechada”, o chamado
Tratado Orçamental (um “golpe de estado ideológico”, como lhe chamou Anne-Cécile
Robert). Sempre com a cumplicidade ativa da “esquerda choramingas” (Frédéric Lordon),
a ‘esquerda’ que “nunca quer questionar nada” (arriscando-se a nunca compreender
nada), a ‘esquerda’ que lamenta, com uma lágrima ao canto do olho, o desemprego, a
precariedade, as desigualdades e a exclusão social, mas que se recusa a identificar as suas
causas estruturais, para não ter de as combater, levando tudo à conta da globalização
incontornável, para a qual não há alternativa…
Como tudo o que de relevante vem acontecendo na UE desde Maastricht, o
Tratado Orçamental é “um modelo político de marca alemã”, um produto imposto não
por uma “Alemanha cooperante”, mas pela Grande Alemanha, uma Alemanha liberta da
“consciência de uma herança histórico-moral comprometedora” que, após a derrota
militar, política e ética da Alemanha nazi, ditou uma atitude de “moderação diplomática
e disponibilidade para adotar também as perspetivas dos outros”, uma Alemanha ciosa de
afirmar “uma clara pretensão de liderança” numa “Europa marcada pelos alemães.” É a
leitura de Jürgen Habermas, que não é, manifestamente, um perigoso esquerdista…
David Cameron (quem diria!) disse em público que este tratado traduz o propósito
de tornar ilegal o keynesianismo. E não há dúvida de que o seu objetivo é o de, por portas
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o Ministro Yanis Varoufakis não se conteve: “o que estão a fazer à Grécia tem um nome:
terrorismo.”
eleitos pelo povo para exercerem as funções que lhes foram cometidas. São ambos
banqueiros, nomeados para esta ‘comissão de serviço’ na vida política.
Mario Monti foi assessor do Goldman Sachs quando Mario Dragui era seu Diretor
para a Europa, durante o período em que o banco americano orientou a ‘batota’ feita pelo
Governo grego. Não deixa de ser simbólico o facto de Mario Monti ostentar também no
seu currículo a atividade como conselheiro da Coca-Cola.
Tal como Mario Draghi (que foi Diretor Executivo do Banco Mundial entre 1985
e 1990 e Governador do Banco de Itália, depois de, na qualidade de Diretor do Goldman
Sachs, ter ajudado o Governo grego a ludibriar as autoridades da UE), Lucas Papademus
colaborou, como Governador do Banco Central da Grécia, na falsificação das contas
públicas deste país. Ele e Mario Monti pertencem à Comissão Trilateral.
É inequívoco que os governos chefiados por Papademus e por Monti foram
governos de banqueiros, apresentados como governos de técnicos, como se não fosse
completamente absurdo admitir que pode haver uma solução técnica para problemas que
são, essencialmente, problemas políticos. A verdade é que, não sendo juntas militares,
eles foram verdadeiras juntas civis (Serge Halimi), constituídas à margem das regras do
jogo democrático, humilhando os povos da Grécia e da Itália e traduzindo a menoridade
da política e a negação da democracia.
15. – Estes episódios pouco honrosos vieram tornar claro que quem manda nesta
Europa do capital são os “mercados”, os banqueiros, os especuladores, os donos do
Goldman Sachs e os senhores da Comissão Trilateral, com a colaboração dos burocratas
de Bruxelas e dos governos da generalidade dos estados-membros.
À escala europeia, o império do capital financeiro é salientado por Philippe
Legrain (um professor de Economia que foi conselheiro do Presidente da Comissão
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Europeia Durão Barroso): “os Governos identificam os bancos como campeões nacionais
a proteger”, (…) “colocando os interesses dos bancos à frente dos interesses dos
cidadãos.” As políticas de combate à crise – entende Legrain – foram impostas sobretudo
pelo “poder político dos bancos franceses e alemães”, o que não espanta se soubermos
que existe “uma relação quase corrupta entre bancos e políticos: muitos políticos seniores
ou trabalharam em bancos ou esperam trabalhar depois.” Quem viveu as coisas por dentro
sabe do que fala.
Nestes tempos do capitalismo do crime sistémico, em que o “dinheiro
organizado” comanda e controla os grandes centros produtores e difusores da ideologia
dominante, nomeadamente os poderosos meios de comunicação social de massas, o
mundo está nas mãos dos grandes especuladores e eles são a aids da economia mundial
(Jacques Chirac dixit). Mas são eles que mandam em todos os Chirac, em todas as Merkel,
em todos os Sarkozy, em todos os Hollande, em todos os Macron, e em todos os Obama,
em todos os Clinton, em todos os Trump.
É o reino tentacular dos conglomerados financeiros, verdadeiras holdings do
crime sistémico: ‘jogos de casino’, especulação à margem das leis, evasão e fraude fiscais,
tráfico de droga, de armas e de mulheres, tudo à sombra desses santuários do capitalismo
moderno que são os paraísos fiscais, que acolhem valores que representam cerca de 30%
do PIB mundial. É muito dinheiro, que foge aos impostos e que faz falta para pagar tudo
aquilo que nos dizem ter de acabar por não ser financeiramente sustentável.
Mas é bom que tenhamos a consciência de que estes ‘paraísos’ não são uma
criação da natureza. São criações do grande capital financeiro e dos seus estados. Podem
ser facilmente destruídos se os povos do mundo quiserem. E não faltam razões para isso,
porque eles são os santuários do crime sistémico, mantidos pelo poder político (o estado
capitalista e as agências e instâncias internacionais) que pôs de pé, reforçou e sustenta as
estruturas que permitiram e mantêm de pé o capitalismo do crime sistémico.
Costuma atribuir-se a Roosevelt a afirmação segundo a qual permitir o domínio
da política pelo “dinheiro organizado” é mais perigoso do que confiar o governo do
mundo ao “crime organizado”. Seja quem for o autor deste diagnóstico, ele traduz bem a
realidade atual e encontra nela plena confirmação: a coberto da sacrossanta liberdade de
circulação do capital e da livre criação de produtos financeiros derivados, o dinheiro
organizado vem cometendo toda a espécie de crimes contra a humanidade. Classifico-os
assim porque se trata de crimes que afetam a vida e a dignidade de milhões pessoas,
humilhando povos inteiros, empobrecidos à força para satisfazer as exigências dos
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16. – Num livro de 1994, Andrew Gamble mostrou que “a Nova Direita acredita
que para salvar a sociedade livre e a economia livre é necessário restaurar a autoridade
do estado. (…) A doutrina-chave da Nova Direita e do projeto político que ela inspirou é
a economia livre e o estado forte”, capaz de “restaurar a autoridade a todos os níveis da
sociedade” e dar combate aos inimigos externos e aos inimigos internos.
E a análise do que se tem passado nos últimos trinta ou quarenta anos confirma
isto mesmo. Foram as instituições do poder político (a ditadura do grande capital
financeiro: os estados nacionais e as organizações internacionais dominadas pelo capital
financeiro e pelos seus estados) que construíram, pedra a pedra, o império do capitalismo
neoliberal, assente nos seguintes pilares: liberdade absoluta de circulação de capitais à
escala mundial (a ‘mãe’ de todas as liberdades do capital); desregulação de todos os
mercados (em especial os mercados financeiros, entregues ao “dinheiro organizado”);
imposição do dogma da independência dos bancos centrais, que se traduziu na
‘privatização’ dos estados nacionais, dependentes dos “mercados” (como as famílias ou
as empresas) para o seu próprio financiamento (para o financiamento das políticas
públicas); privatização do setor público empresarial, incluindo os serviços públicos (até
a água!) e as empresas estratégicas que são o verdadeiro suporte da soberania nacional;
aplicação de sistemas fiscais que favorecem os ricos e sufocam os pobres.
Só um estado forte poderia ter criado as condições que permitiram levar à prática
os comandos do Consenso de Washington, dispensando o compromisso dos tempos do
estado social keynesiano, substituindo-o pela violência do estado neoliberal, que se vem
abatendo sobre os trabalhadores, com o objetivo de transferir para o capital os ganhos da
produtividade, violência que se tem traduzido: na desregulamentação das relações labo-
rais; na ‘guerra’ contra os sindicatos; no esvaziamento da contratação coletiva (que
mostrou ser, como a OIT evidenciou, um instrumento de redistribuição do rendimento em
sentido favorável aos trabalhadores mais eficaz do que as políticas de redistribuição de
inspiração keynesiana); no desmantelamento do estado social e no ‘confisco’ dos direitos
económicos, sociais e culturais dos trabalhadores (que muitas constituições consagram
como direitos fundamentais dos trabalhadores).
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18. – No contexto europeu, é hoje muito claro que a atual crise do capitalismo se
está a traduzir em uma crise do euro, uma crise da ‘Europa’, uma crise da democracia.
Vários são os autores que convergem nesta análise, com destaque (talvez não seja por
acaso) para autores alemães. Habermas defende que as soluções consagradas no Tratado
de Maastricht não podem deixar de “corroer qualquer credibilidade democrática.” E
Ulrich Beck não tem dúvidas: “a crise do euro tirou definitivamente a legitimidade à
Europa neoliberal.”
Segundo este destacado sociólogo alemão, os governos impõem políticas de
austeridade “que salvam bancos com quantias de dinheiro inimagináveis, mas
desperdiçam o futuro das gerações jovens”, políticas “geradoras de tanta desigualdade e
injustiça, que imputam, escandalosamente, aos grupos mais fracos os custos resultantes
de um sistema financeiro que ficou sem controlo.” É uma situação – diz ele – caraterizada
pela “assimetria entre poder e legitimidade. Um grande poder e pouca legitimidade do
lado do capital e dos estados, um pequeno poder e uma elevada legitimidade do lado
daqueles que protestam.” Se os órgãos que detêm o poder politico não têm legitimidade,
não é possível falar de democracia.
Particularmente difícil, segundo Beck, é a situação dos países do sul, que, na sua
qualidade de devedores, “formam a nova ‘classe baixa’ da UE”, e “têm de aceitar as
perdas de soberania e as ofensas à sua dignidade nacional. (…) O seu destino é incerto:
na melhor das hipóteses, federalismo; na pior das hipóteses, neocolonialismo.” Venha o
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19. – Está-se a construir um novo Leviathan, invocando, bem vistas as coisas, que
os homens e os povos (ou alguns povos do sul) são incapazes de autogoverno. Daí a
necessidade do Leviathan, para pôr ordem na casa, moderar os que gostam de viver acima
das suas posses, governar o presente e garantir o futuro.
Ao fim e ao cabo, é sempre o Leviathan ‘justificado’ com a invocação de que o
homem é o lobo do homem. Com efeito, nas sociedades que assentam na existência de
classes antagónicas e em que, no domínio das relações económicas, “o trabalhador [que
só tem de seu a «sua força e habilidade de mãos”] é uma pessoa e o proprietário do capital,
que o emprega, é outra pessoa”, o Leviathan é sempre necessário para que a classe
dominante (a classe exploradora) possa impor à(s) outra(s) classe(s) “os seus próprios
termos” (continuando a citar Adam Smith), condição indispensável para preservar o seu
estatuto de classe dominante.
As ‘regras’ impostas pelo novo Leviathan equivalem, pois, à substituição da
política pelo mercado, à negação da política (e da liberdade de decisão que ela
pressupõe, com a correspetiva responsabilidade), à negação da cidadania e à morte da
democracia. É este o papel do Tratado Orçamental, ao impor a ‘colonização’ dos mais
fracos pelos mais fortes, condenados aqueles ao empobrecimento, despojados dos seus
recursos e das suas empresas estratégicas, com a consequente destruição do mínimo de
coesão social e da comunidade social em que assenta a soberania.
O Leviathan dos nossos tempos, enquadrado pela ideologia neoliberal, coloca
acima de tudo as liberdades do capital, governando segundo as ‘leis do mercado’ (a
constituição das constituições). O moderno Leviathan, explica Étienne Balibar, é “o
poder político que já não se separa do poder económico e, sobretudo, do poder
financeiro.” É a ditadura do grande capital financeiro.
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de servos não será nunca uma Europa de desenvolvimento e de paz. Não pode falar-se de
paz quando alguns dos estados mais fortes e a própria União Europeia impõem aos
estados mais débeis políticas de austeridade que atentam contra a dignidade dos povos,
em vez de ajudarem estes povos a crescer, para não cairem na miséria e para poderem
poderem pagar a dívida que lhes seja exigível.
Com efeito, a Alemanha, cada vez mais alemã, parece ter perdido “a consciência
de uma herança histórico-moral comprometedora” que, durante alguns anos após a 2ª
Guerra Mundial, ditou uma atitude de “moderação diplomática e disponibilidade para
adotar também as perspetivas dos outros” (citei Habermas). E a ‘Europa’, ‘governada’
por esta Alemanha alemã, que coloca acima de tudo os interesses da Alemanha, tornou-
se uma Europa alemã. E “a Europa alemã – quem o diz é Ulrich Beck – viola as condições
fundamentais de uma sociedade europeia na qual valha a pena viver.”
21. – O que é preocupante é que a outra face desta Europa alemã é a Europa de
Vichy, que integra hoje a generalidade dos partidos da social-democracia europeia (todos
os Hollande da ‘Europa’), inteiramente submetidos às regras alemãs que constam dos
Tratados estruturantes da UE, as regras impostas pelos interesses do grande capital
financeiro, as regras que ameaçam destruir a Europa…, pela terceira vez, como receia
Joschka Fisher.
A social-democracia europeia é estruturalmente neoliberal e está interessada em
manter Keynes morto e bem morto, para não ter insónias. Ela tem uma enorme
responsabilidade na obstrução a tudo o que se parecesse com uma Europa dos povos e na
construção do que Étienne Balibar designa por “Europa dos banqueiros, dos tecnocratas
e dos rendistas da política”, uma ‘Europa’ que, em vez de ser “um espaço de solidariedade
entre os seus membros”, se apresenta como um espaço onde se recusa “qualquer
harmonização pelo topo dos direitos e dos níveis de vida” [a velha ideia da harmonização
no sentido do progresso, sacrificada no Tratado de Amesterdão (1986)], transformando
cada estado no “predador potencial dos seus vizinhos.”
Os ‘socialistas democráticos’ abandonaram os trabalhadores, fazendo sua a
agenda do povo de substituição (homossexuais, LGBT, imigrantes, fumadores de drogas,
os burgueses boémios que odeiam os proletários). Arvorando-se defensora dos direitos
humanos, esta “esquerda de direita” tem defendido, justificado e legitimado as guerras
ilegítimas que destruíram estados muçulmanos seculares, como o Iraque, a Líbia e a Síria,
guerras que mataram milhões de pessoas nestes países destruídos, que provocaram a
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emigração forçada de milhões de pessoas e que geraram o caos que está na origem dos
fluxos migratórios e do terrorismo em toda a Europa.
22. – O novo poder da Alemanha, nesta Europa à deriva, que parece perdida de si
mesma e perdida na História, está, com razão, a assustar muita gente. Em julho/2012, o
semanário inglês New Statesman proclamava: “A mania da austeridade de Angela Merkel
está a destruir a Europa.” Mais recentemente, foi a vez de Joschka Fischer deixar este
aviso à navegação: “A Alemanha destruiu-se – a si e à ordem europeia – duas vezes no
século XX. (…) Seria ao mesmo tempo trágico e irónico que uma Alemanha restaurada
(…) trouxesse a ruína da ordem europeia pela terceira vez.” Ficamos gelados ao ler isto,
mas a fuga à realidade não resolve os problemas que a vida nos coloca.
A História não se reescreve, mas também não se apaga. Não tenho tanta certeza
de que não se repita. Se queremos evitar o regresso da barbárie, é essencial que preservar
a memória, é fundamental não esquecer as lições da História. A Europa alemã está a levar
demasiado longe a sua arrogância e a sua desumanidade para com os povos do sul. O mal-
estar cresce por toda a Europa.
“Nos países mediterrânicos – escreve Wolfgang Streeck –, e em certa medida na
França, a Alemanha é hoje mais detestada do que nunca desde 1945.” A verdade é que
até o ex-Primeiro-Ministro italiano anunciou a sua preocupação: “Eu digo à Alemanha:
basta! Humilhar um parceiro europeu é impensável.” É impensável, mas aconteceu e com
a sua conivência, Sr. Mateo Renzi… Na França, foi o secretário-geral do PS francês que
escreveu e tornou pública uma carta aberta ao povo alemão, de que os jornais deram conta,
em que propõe que a Alemanha repense o seu lugar na Europa. Escreve ele: “A Europa,
meu querido amigo, não entende a obstinação do vosso país em seguir o caminho da
austeridade. Será que o vosso país esqueceu o apoio dado pela França depois daqueles
crimes atrozes cometidos em vosso nome? (…) A França e a Europa deixaram a
Alemanha tornar-se a potência que é hoje. (…) Mas, querido amigo, a Alemanha tem de
se organizar e depressa.” Antes que seja demasiado tarde, digo eu. Mas o mesmo têm que
fazer os partidos socialistas europeus, porque com os Hollande e os Macron não vamos
lá. Com os Le Pen, muito menos.
defende e pratica “uma política ainda mais à direita do que a direita.” (George Sarre). A
Frente Nacional representava menos de 1% dos votos dos franceses quando Mitterrand
chegou à Presidência da República, em 1981; Marine Le Pen chega agora ao segundo
lugar da primeira volta com mais de 20% dos sufrágios, tendo recebido na segunda volta
o voto de 34,5% dos eleitores. Muitos dos que recusaram a sua eleição, apelando ao voto
em Macron (o candidato do grande capital financeiro, fiel cumpridor das regras alemãs
que governam a ‘Europa’), fazem exatamente parte do que tornou possível a ascensão da
extrema direita (prometendo uma coisa em campanha e fazendo outra no governo;
dizendo-se de esquerda e praticando políticas de direita, gabando-se mesmo de conseguir
fazer coisas que a direita não conseguiria fazer) e propõem-se continuar fiéis às políticas
que tornaram possível aquela ascensão. E continuam a apresentar a ‘Europa’ como a única
salvação ou mesmo como o paraíso na terra, ignorando os milhões de franceses que
rejeitaram tal ‘Europa’ (a “Europa como ela é”, de que falava, em 2005, Jacques Chirac):
talvez mais de 50%, se juntarmos aos votos em Le Pen os 15,1% de votos nulos e brancos
e 5% dos 25% que se abstiveram (por não se considerarem representados por nenhum dos
candidatos).
A democracia, mesmo que limitada às eleições periódicas, não pode traduzir-se
numa não escolha, não pode limitar-se a escolher o mau para evitar o péssimo, não pode
condenar as pessoas a não escolher o que querem, aceitando o que não querem para
entregar o poder àqueles cuja política torna possível os perigos que se querem evitar,
mantendo, afinal, a política que alimenta aqueles perigos, adiando apenas o embate final,
quem sabe se em piores condições do que agora.
24. – Dito isto, quero deixar claro que as questões em aberto não se resolvem pondo
bigodes à Hitler nos retratos da Srª Merkel. O regresso da Grande Alemanha fez regressar
os medos históricos da Europa, cujos povos têm sido secularmente martirizados e
dizimados por guerras que não são as suas. E a extrema direita fascistóide já está no
governo na Hungria e na Finlândia. E grupos nazis foram colocados no governo da
Ucrânia pelas chamadas democracias ocidentais, que nunca mais aprendem a história do
aprendiz de feiticeiro.
No entanto, sabemos hoje que a 1ª Guerra Mundial não ocorreu porque um
nacionalista sérvio matou um arquiduque numa rua de Sarajevo. E sabemos também que
o nazi-fascismo não se confunde com a personalidade psicopática e com as ideias
criminosas de Adolf Hitler. O nazi-fascismo foi o resultado da aliança entre o partido
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