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2710212028, 10:33 Institute Brasilsivo de Ciéncias Criminals -IBCCRIM Trés hipéteses e uma provocagao sobre homofobia e ciéncias criminais: queer(ing) criminology (*) Hipétese primeira: a cultura ocidental se edfica no paradigma da hipermasculinidade violente Ha uma relagdo tensa entre ciéncias criminals e sexualidade.Allés, penso que inexistem intelocugdes com o tema da sexualidade que ho sejam em si mesmas tensas e desestabilizadoras. Néo apenas pelo fato de a nossa formagdo cultural car tabus sobre as questées que envolvem a sexualidade e 03 afetos, mas sobretuda em razio desta mesma cultura ter estabelecide um padtio normative © rmoralizador fundado na masculinidade hegeménica(androcentismo/viiarcaco). Uma cukura edificada na hegemonia masculina estabelece, no minimo, duas formas de hierarquizagéo que iréo se desdebrar em Incontavels manifestagdes de violéncia. A primeira Nerarquia & aquela entre homem/masculino & mulher/feminino, na qual S80 esignados papéis socials secundérios & mulher e a0 feminino. A segunda é relativa & hierarquia entre as masculnidades, sendo Gefiidas algumas espécies de masculnidades como hegeménicas (masculinidades dominantes) em detimento de outras (masculin= ades dominadas). Demonstram Messerschmidt e Tomsen (2012) que esta hegemonia se expée como uma hipermasculinidade volenta que se expressa na heterossexualidade compulséria, na homofobia e na misoginia. Os autores trabalham com a hipétese de que a hierarguizagao da rmasculinidade estéintinsecamente coligada &s disputas pelo poder que ocorrem entre homens e mulheres e entre diferentes homens @ Giferentes mulheres. Possivel afirmar, portante, que a cultura ocidental éregida por uma esnécie de ideal do macho ou vontade de masculine que inattul como regra a masculnidade heterossexual e que provoca, como consequéncia direta, a opressio da mulher e a anulagéo das masculnidades, ndo-hegemnicas (diversidade sexual). A instrumentalizapdo desta hipermasculinidade no cotidlano ocorre mediante formas conhecidas, e violéncia violencia de género e homofobia, ‘Assim, Miskolel (2008) sustenta que hd uma relagdo de interdependéncia entre misoginla e homofobla, pols a dominagdo das mulheres & ‘a rejeigio das relagdes amorosas entre homens (e entre mulheres, acrescento) se constluriam a partir desta mesma lgica falocéntrica, Maya (2008) ré aproximar 0 conceto de homofobia ao de ginecofobia indagando se efetivamente fol ahomossexvalidade ou o feminino {ue teria sido negativado repetidamente através dos tempos. Lembra Maya que os homossexuais, sobretudo 0s homens, foram rotulados historicamente como defeituosas, porque comparilhariam certas caracteristicas psiquicas com as mulheres, sempre representadas come inferiores. Welzer-Lang valida esta tese ao demonstrar como a constitigso das relagées socials de género ¢ produto deste duplo paradigma de ominago masculina que se estrutura, em um primero plano, na “pseudo natureza superior dos homens, que remetem a dominagdo rmasculina, 20 sexiomo © as fronteirasrigidas © intransponiveis entre os géneros masculine e femininc’; e, no segundo, na “viséo heterossexuada do mundo na qual a sexualdade considerada como ‘normale natural esta limitada as relagbes sexuais entre homens © mulheres" (Welzer-Lang, 20013460), Hipétese segunda: a homofobia corfigura 0 paradigma cientfico moderna Embora em um primeico momento 0 terme homofobia esteja alrelado a um “temar iracional da homossexvalidade" ~ inclusive com tonalidades patologizadoras em decorréncia dos signticados que o sufkxo“fobia" poderia indica -, nas ciéncias socials contemporaneas © tema/preblema é vabalhado come uma construgdo social ancorada no eetigma e na dseriminagde que envolve a homossexualidade (Rios, 2007), Segundo Welzer-Lang, homofobia seria “a discriminagdo contra pessoas que mostram, ou a quem se atribul, algumas qualidades (ou efeitos) atibuldos 20 outro génera" (Welzer-Lang, 2001:465). Junquelta prope que a “homofobia pode ser entendida para referir as situagdes de preconceito, discriminagao e violéncia contra pessoas (homossexvais ou no) cujas performances ou expressdes de énero (gastos, esilos, comportamentos etc) ndo se enquadram nos modelos hegeménicos postos” (2007-183) hitpslwwnibccrim or, brinoticias/eibintS600 4 2710212028, 10:33 Institute Brasilsivo de Ciéncias Criminals -IBCCRIM A pattr dos significados (conceltos) propostos,crelo que seria possivelidentiicar és nivels de manifestagdo da viléncta heterossexista cu homofébica: © primero, da violEncia simbélica (cutura homofébica), a partir da construcdo social de discursos de inferiorizagao da iversidade; 0 segundo, da violencia das insttuigbes (nomofobia de Estado), com a ciminalizagao e a patologtzaglo das identidades nic- heterossextas;oterceita, da viléncia interpessoal (homofebia individual), no qual atentaiva de anulago da diversidade se concretiza fem atos de violencia real No plano da violéncia simbélica, os ciscursos cientfices acabam se entrelagando com as teotias do cotidiano (everyday theories) e formando uma espécie de senso comum (teérice) homofbbico que consolda de forma Vilenta a heteronormatividade, Néo por outra ‘azo, um olhar relativamente culdadaso permite perceber como a homossexualidade fol histoicamente posta & marger e em oposicdo ‘8 pacrdes notmativos da cultura, Neste asnecto, é possivel perceber nas ciéncias mademas um continuum daquela forma ments inquisitorial que cesignava a homossexualidace como um pecado. Foucault destaca que a construgao de uma teoria geal da degeneracdo, a partir de Morel (1857), fomnece elementos de justficagao moral «© social a todas as técnicas de identiicagso, lessificagso e intervencéo sobre os anormais, o que possibilta a organizagdo de uma rede Intitucional que, atuando nos limites da Justica e da Medicina, serve como instumento de controle punitive legtimado pelos discursos e “elude aos desviantes e de “defesa" da sociedace (Foucault, 1996:65).Prevenir a devassidéo e a homossexualdade se torna, pois, um Imperativo de moralidade (Foucaut, 1991:155), inclusive para as ciéncias No que tange as formas cientifeas de patologizagio da civersidade sexual, importante lembrar que, apenas em 1990, a Organizagio ‘Mundial da Sauce (OMS) excluu a homnossexualidade do catélogo das doencas mentais (Clessficagao Internacional de Doengas ~ CID) ~ © homassexualismo era considerado um desvio ou transtorno sexual andlogo bestialidade, & pedofila, 20 transvestismo, a0 cexiicioniamo, a transexualismo,&frigide, & impoténcia, a0 fetichismo, a0 masoquismo e a0 sadismo (CI0-09, cécigos 302), Ademais, 2 Associagdo Americana de Psiquiat'a, na quinta edi¢do (2012) do Manual diagnéstico ¢ estatistico dos transtomos mentals (OSM), ‘mantém a tinfleagio da transexualdade como transtomna de identidade de género, Correta, portanto, a tese de Junquelra, para quem “(.) a resisténcia por parte de importantes pareelas da comunidade médica om abandonar concepeées patclogizantes acerca das experiéncias de género desenvohidas por travestis e transexuals evidenciam, Uteriormente, 08 limites que decortem dessa ierpenetragao de saberes clentiicas e outros saberes, crengas, ideologias. Fm outras Palavras: a homofobla pode encontrar em certas representagées, crencas ¢ prticas ‘clentificas’ uma forma laica e no religiosa de se atualizar, de se fortalecer e de se disseminar* (2007-150). Hipétese terceira: a homofobia conf gure oestatuto cientifco das ciéncias criminals Groombridge sustenta que © projeto criminolégico ortodoxo, baseado na identiieagio € na classiicagée do homo criminals, esta conectado & perspectiva dos primeitos sexélogos de mapear o desvio sexual, Passivel sustentar, portanto, que @ niéo dessas duas perspectives, regidas por normas e procedimentos autointitulados clentficos, acaba por estabelecer um hipersistensa positivista de controle socal punitvo de duas formas correlatas de anormalidade: 0 comportamento criminaso e a perverséo sexual, Assim, “enquanto 08 sexélogos procuravam classifica homem invertide come diferente do homem normal, as ctmindlogos defini o delinqvente como anormal” (Groomaridge, 1999:534), Em um modelo ortodoxo de cléncias criminals (Crminologia¢ Diet Penal), mareado por referéneias moralizadoras e normalizadoras, 0 Ideal da masculinidade heterossexual acaba sendo assumido como um das principals recursas de interpretacdo do desvio e coma um critério para catalogagao das patologias que fundamentam 0 atavismo, Assim, se compete a criminologia identifica’ a patologia, 0 Dreto Penal e a Psiquiatia desenvolverio técnicas de corregdo do desvio. Ndo 6 demasiado lembrar que o modelo positivista de ciéncias, Criminais interpreta o crime eo delinquente como restos barbaros que devem ser controlados, regenerados ou extintos a partir da técnica cientifca, As cléncias criminals é atrbuido © papel de anular este ultimo vestigio do bérbaro no humano, 0 eximinaso, portant, representa @ negagdo do homem civlizado, o crime exterioriza valores opostos aos da cultura. Ocorre que estes procedimentos “cientifcos* que implica identfcar, analisar, intervir e anular (ou recondicionar) os anormais ~ dentre eles os homossexuals, enominados pelos primeitas sexologstas come inveridos ~, estéo ancorados epistemologicamente na légica heterassex'sta. Por esta razdo, é possivel sustentar que a constituigéo clentfica das ciéncias criminals € homafébica, assim como inimeras outras ciéncias cortelatas que operam a patologizacao da diversidade sexual (¥9,Psiquiatra), Se a patologia ¢ fhada e congelada como a identidade do anormal, se 0 desvio é Interpretado como uma propriedade do sujelto (essencializaglo), @ dvergéncia de género © © comportamento sexual desviante constiuemse como catactersticas de uma personalidade perigosa que deve ser contrlada, pols no apenas nJo se ajusta, como resiste ao pacro de normalidade (heteronormatvidade) Neste contexto, a homofebia se insere como um dispositive prético (police) e teérico (cientlico) de defesa da heteronotmatividad, Instaurando hierarquizacées e desigualdade radicals que se concretizam em atos e em discursos de violencia (simblca, institucional e Interpessoa). Provocagéo: um novo olharcriminolégico ou queering) criminology Groombridge aponta alguns problemas que tendem a interdtar as possiblidades de interlocugdo das ciéncias criminals com os saberes criticgs, sobretude as teorias feministas © queer, que desconstruram 0 paradigma heleronormalive nas ciéncias socials © que evidenciaram os modelos homafébicos de produglo de saber. Entre estes problemas destace-se a marginaizago dos temas de género pa eminolagia e a marginalidade da prépra eximinologia nos cursos de dleelte (Groombridge, 1999:539). Na mesma linha, Sotainen lembra que a criminologia segue silent e em alguns casos inclusive apresenta severas resisténcias, as teorias queer e aos seus temas hitpslwwnibccrim or, brinoticias/eibintS600 2710212028, 10:33 Institute Brasilsivo de Ciéncias Criminals -IBCCRIM e investigago, especialmente a homofobia (2003). Os problemas precisamente pontuados tendem a se agravar ainda mals nos paises e tradigdo romane-germinica, visto incipiéncia da insergée dos pensamentas feminista (feminist legal theory) © queer (queer legal theory) na cléncia do diteto (dogmatcajurdiea). Compreender a construgio das masculinidades hegeménicas ¢ as suas formas de produgdo de violencia (intepessoal, institucional € simbélica), parece ser, portato, um dos desafios urgentes das ciéncias criminals contemporaneas. O olharfeminista no que diz respeto ‘a0 patrarcalismo e & migoginia ea perspectiva queer sobre a heteronormatvidade e as masculinidades (née)hegernénicas, convacam as Ciéncias criminals @ mergulhar no emprico para sofisticar sua compreensio sobre os inimeros fatores que tornam determinadas pessoas e grupos socials vulnerdvels aos processos de vilmizagdo e criminalzagdo, notadamente aqueles estigmatizados pela sua orientagdo sexual. Allado as conclus6es de Groombridge (1999) e Sorainen (2003), a provocagdo que gostaria de consignar 6 a de que as ciéncias criminals somente conseguiéo compreender razoavelmente o fendmena da violéncia hamofébica em todas as suas dimensies (inclusive 0 da homofebia cientfica) quando se dedicarem ao tema com @ mesma intensidade (no na mesma perspectiva, logicamente) com a qual os, primeiros crminélogos (criminologiapositivsta)analisaram a homossexual/dade como delto,patologia, fenémeno desvante. Referinclas biblogréfcas Foucault M, La Vida de los hombres infames. La Plata: Caronte, 1996. Foucault M, Volare punir 8. ed Petrdpols: Vozes, 1991 Groombridge, N. Perverse criminologies: the closet of Doctor Lombroso Social & Legal Studies, n 8, v. 4 1999, Junqueira, RD. Homofobia mites e possbiidades de um conceito em meio a dsputas. Revista Bagoas, Belo Horizonte v1.1, 2007 Maya, A.C. L. Homossexualidade: saber e homofobia, Tese (Doutorado}, Programa de Pés-Graduago em Teoria Psicanaltca da UFRA, Rio de Janeiro, 2008 Messerschmidt, J; Tomsen,S. Masculnties. Routledge Handbook of Critical Criminology. Nova lorque: Routledge, 2072, Miskolei RA teoria queer ea sociologia:o desafia de uma analiica de normalzagio. Sociolagias, Porto Alegre, ano 11,7. 21,2008. Rios, RRO conceito de homafobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e dseriminacéo, Em defesa dos direitos sexuais. Porto Alegre: Livraria de Advogado, 2007 Sorainen, A. Queering Criminology. Annual Conference of the European Society of Criminology University of Helsinkl, 2003, WelzerLang, D. A construgso do masculine: dominagéo das mulheres e homofobla, Estudos Feministas, Florianpolis,,2,v.1,2001 Nota (9) Agradeco especialmente & Profa, Dra. Antu Sorainen, da Universidade de Helsink pelo fértl dialogo e pelas preciosas contribuigbes, bibliogrticas Salo de Carvalho Mestre (UFSC) e Doutor (UFPR) em Direito, és-Doutor em Criminologia (Universidade Pompeu Fabra, Barcelona). ‘Autor, dentre outros, de Antimanual de Criminologia (5. ed, So Paulo: Saraiva, 2012, pelo) Volar MAIS NOTICIAS 1m 24 de Fevereiro de 2023 LAS 2025: clade Cinta poruma sociedade mais critica 1 01 de Fevereiro de 2023 Responsablidede, demecracia ea igualdade: ideas pra nosso tempo 1 01 de Fevereiro do 2023 © principio da conanga e sua apieabildade no Smbite da construc civ uma anise a partir da tora do delto 01 de Fevereiro de 2023 (Ofendmeno da deop fake no context lateral e seus efltos no Estado Demecritien de Dito 1 01 de Fevereiro de 2023 ‘Superlotagdoprislonaltratamento desumano ea recugéo da pene, segundo @ Corte Ineramericana de Dietos Humans hitpslwwnibccrim or, brinoticias/eibintS600 3i8 2710212028, 10:33 Institute Brasilsivo de Ciéncias Criminals -IBCCRIM ( PROXIMos EVENTOS Laborato de Céncias Ccrminae€ vole essencialmente Chimie €voka-e easencelmente 2 crmsras é voltae essence an . ain ee ay O Laboretirio de inca CO Leboratério de igre OIBCCRIM Cursos Eventos Publicagdes AtuagoPolitica Noticias TVIBCCRIM Biblioteca Contato IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciéncias Criminals - Rua Onze de Agosto, 52-2" Andar- Centro Sdo Paulo -01018-010- (11) 3111-1040 Desenvelvigo por hitpslwwnibccrim or, brinoticias/eibintS600 48

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