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INTENSIVO I

Cleber Masson
Direito Penal
Aula 01
ROTEIRO DE AULA
Tema: Introdução ao Direito Penal

1. Conceito de Direito Penal


I - O Direito é composto de normas jurídicas e estas se dividem em regras e princípios. As
regras são mais rígidas e não admitem flexibilização, ao contrário dos princípios que são
flexibilizados ao serem confrontados com outros princípios do direito.
II – Direito Penal é o conjunto de regras e princípios destinados a enfrentar os crimes e as
contravenções penais, mediante a imposição de uma sanção penal.
III- No Direito Penal há o gênero “infração penal” e ela se divide em:
1º) Crime ou delito; e
2º) Contravenção penal.
IV – Segundo Claus Roxin, o Direito Penal é um sistema de dupla via, pois ele responde a quem
viola suas normas mediante a pena (1ª via) ou mediante uma medida de segurança (2ª via).
2. Posição na Teoria Geral do Direito
I - O Direito Penal é um ramo do Direito Público e, portanto, suas normas são indisponíveis e
obrigatórias para todas as pessoas.
II – O Estado é o titular exclusivo do direito de punir (ius puniendi).
III - O Estado é ofendido em todo e qualquer crime. Assim, ele figura como sujeito passivo
(mediato e/ou imediato) de todo crime.

3. Nomenclatura: Direito Penal versus Direito Criminal


I - No Brasil, o correto é falar em Direito Penal, pois há um Código Penal. Além disso, a
Constituição Federal, em seu art. 22, I, afirma que compete privativamente à União legislar
sobre Direito Penal.
II – Crítica: a expressão Direito Penal é menos abrangente e enfatiza à ideia de pena
(consequência de um crime). Por outro lado, Direito Criminal traz à tona um direito relativo ao
crime, ou seja, é uma expressão mais ampla.
✓No Brasil, houve um Código Criminal do Império de 1830.
✓Até hoje, no Brasil, existiram três códigos de Direito Penal (Código Criminal do Império de
1830, Código Penal Republicano de 1890, e o atual Código Penal de 1940).
4. Características do Direito Penal
I - Magalhães Noronha: “O Direito Penal é ciência cultural normativa, valorativa e
finalista”.
✓Direito Penal como ciência cultural: é uma ciência que estuda o “dever ser”, ao contrário das
ciências naturais, que estudam o “ser”.
✓Direito Penal como ciência normativa: o Direito Penal tem como objeto o estudo das normas
jurídicas.
✓Direito Penal como ciência valorativa: o Direito Penal possui uma escala própria de valores
para cada fato que lhe é submetido.
✓Direito Penal como ciência finalista: o Direito Penal tem que ter uma finalidade prática e não
meramente acadêmica ou teórica.

II – Questão: o Direito Penal é constitutivo (cria algo novo) ou sancionador?


Segundo Zaffaroni, “o direito penal é predominantemente sancionador e excepcionalmente
constitutivo”.
Como regra, o Direito Penal não cria nada de novo, surgindo para reforçar uma proteção já
existente aos bens jurídicos. Assim sendo, o Direito Penal é predominantemente sancionador
porque não cria bens jurídicos novos, mas acrescenta uma proteção penal aos bens jurídicos
disciplinados por outras áreas do Direito. Exemplo: o Direito Civil protege a propriedade.
Muitas vezes, essa proteção do Direito Civil não é suficiente e, nesse âmbito, o Direito Penal
surge criando crimes de furto, roubo etc.
Excepcionalmente, o Direito Penal é constitutivo, pois cria institutos que não existem em outros
ramos de direito. Exemplo: criação do sursis.

5. Funções do Direito Penal


Questão: Para que serve o Direito Penal?

5.1. Proteção de bens jurídicos


Essa é a principal função do Direito Penal. Roxin diz que, na verdade, é a única função do
Direito Penal.
I - Roxin afirma que essa é a função por excelência do Direito Penal. Essa função confere
validade e legitimidade ao Direito Penal.
II - Bens jurídicos são valores ou interesses relevantes para a manutenção e o desenvolvimento
do indivíduo e da sociedade.
III - Nem todo bem jurídico é bem jurídico penal, pois nem todo bem jurídico merece a proteção
do Direito Penal, mas apenas os bens jurídicos mais relevantes. Nesse aspecto, é necessário
realizar um juízo de valor positivo para se descobrir quais são os bens jurídicos efetivamente
merecedores de proteção do Direito Penal. Quem faz esse juízo de valor positivo é a
Constituição Federal (Teoria Constitucional do Direito Penal).
IV - O Direito Penal somente é legítimo quando protege valores consagrados na Constituição
Federal. Todo e qualquer crime precisa ter fundamento constitucional. Exemplo: o crime de
homicídio surgiu para proteger a vida (art. 5º, caput, CF). Nesse mesmo sentido, não pode o
homossexualismo ser crime, pq a CF federal não impõe determinado comportamento sexual, ao
contrário, garante a todos a liberdade nesse sentido.

5.2. Instrumento de controle social


O Direito Penal é dirigido indistintamente a todas as pessoas, embora apenas uma minoria das
pessoas pratique crimes e contravenções penais.
O Direito Penal, com a ameaça de uma sanção penal, é mais um instrumento que o Estado
dispõe para a manutenção do controle social e a preservação da paz pública. Essa função não
tem se mostrado relevante na atualidade.

5.3. Garantia
Nesse aspecto, utiliza-se o princípio da reserva legal (legalidade estrita), pois somente a lei pode
criar crimes e cominar penas.
* A partir do momento em que o Estado cria um Código Penal, isso é uma garantia, pois, antes
de punir, ele visa à proteção das pessoas.
* Com a existência de Código Penal e leis penais, as pessoas sabem quais são as condutas que
não devem adotar. Para todo o resto, as pessoas são livres.
* o Código Penal é a garantia do cidadão de que não será punido se não por um dos crimes
previstos na lei penal. Diferentemente do período absolutista, em que o rei poderia ditar os
crimes.
Franz von Liszt dizia: “o Código Penal é a Magna Carta do delinquente” – São os direitos e
as garantias dele. Ele somente poderá ser punido ser praticar uma conduta ali prevista, e com as
regras ali previstas.

5.4. Função ético-social do Direito Penal


I - George Jellinek afirma que toda a sociedade precisa ter um mínimo ético. A função ético-
social do Direito Penal se relaciona com o mínimo ético defendido por tal filósofo.
II – A função ético-social é também conhecida por função criadora ou configuradora dos
costumes, ou seja, essa função estabelece uma ligação entre o Direito Penal e valores éticos de
uma sociedade.
Exemplo: a lei dos crimes ambientais ajudou a criar ou a reforçar nas pessoas um sentimento de
preservação do meio ambiente.
5.5. Função simbólica
I - A função simbólica existe em todos os ramos do direito. Entretanto, no Direito Penal, ela é
mais acentuada.
II - A função simbólica é aquela que produz somente efeitos internos na mente dos governantes
e dos governados, mas ela não produz efeitos práticos/concretos.
Exemplo: a CF/1988 cita os crimes hediondos. Em 1989, surgiu uma onda de crimes de
extorsão mediante sequestro. Posteriormente, sequestraram Abílio Diniz, empresário poderoso e
influente da época. A partir disso, o Congresso Nacional resolveu criar a Lei de Crimes
Hediondos (Lei 8072/90) como “solução” para o problema. A criação dessa lei criou a falsa
sensação de segurança nos governados. Toda vez que um crime atormenta a população, esse
crime passa a ser considerado hediondo, como se essa fosse a solução para o problema. Mas a
solução existe somente na cabeça das pessoas. Ex2 :Lei Maria da Penha. E isso somente
demonstra que o Direito Penal não resolve, sozinho, os problemas.
III - A função simbólica está intimamente ligada ao Direito Penal de emergência, a uma
inflação do Direito Penal e à hipertrofia do Direito Penal, pois são criadas exageradamente
figuras penais desnecessárias, ou então há o aumento desproporcional e injustificado das penas
para os casos pontuais.
IV – A função simbólica deve ser alvo de muitas críticas, pois, a curto prazo, ela estabelece uma
propaganda de programas governamentais. Além disso, em médio e longo prazo, a função
simbólica resulta na perda de credibilidade do Direito Penal, pois é possível perceber que ele
não funciona.
5.6. Função motivadora
Ao criar crimes e cominar penas, o Direito Penal motiva os indivíduos a não violarem suas
normas.
5.7. Função de redução da violência estatal
I - Jesús Maria Silva Sánchez é um doutrinador espanhol que versa sobre esse tema e trabalha as
velocidades do direito penal.
✓Silva Sánchez afirma que a imposição de uma pena, por mais legítima que seja, representa
uma violência do Estado contra o cidadão.
✓Silva Sánchez defende que o Direito Penal deve incriminar apenas as condutas estritamente
necessárias e prever penas cada vez mais proporcionais, de modo a diminuir a violência do
Estado contra o cidadão.
✓criminoso não deixa de ser cidadão.
II - O professor defende que função de redução da violência estatal é uma nova forma de se
observar o princípio da intervenção mínima no Direito Penal.
5.8. Função promocional
I - Para essa teoria, o Direito Penal não deve se preocupar em manter a sociedade como ela se
encontra atualmente, mas deve promover uma melhora da sociedade. O Direito Penal deve ser
visto como um dos instrumentos de transformação social.
II - O Direito Penal não deve ser empecilho ao progresso, mas ferramenta que auxilia a ordem
social e promove as mudanças estruturais necessárias para a evolução da comunidade.

6. A ciência do Direito Penal


I – Ciência do Direito Penal se refere ao fato de que o crime, o agente, a sanção penal e,
modernamente, a vítima são os pilares do estudo do Direito Penal.
II – José Cerezo Mir diz que tais pilares compõem a “enciclopédia das ciências penais”.

6.1. Dogmática penal:


I - A palavra dogmática vem de dogma, já que, para o intérprete, os princípios e regras
ordenados pelo Direito Penal são regras absolutas a que ele deve se vincular.
II - Dogmática penal não deve ser confundida com dogmatismo.
Dogmatismo é aceitação cega e imutável de algo como absoluto.
III – A finalidade da dogmática penal é conhecer/desvendar o sentido das normas penais como
forma de resolver os problemas práticos que aparecem.
IV- A dogmática penal é a interpretação, sistematização e aplicação lógico-racional do direito
penal.

6.2. Política criminal


I – A política criminal apresenta propostas e críticas para o aperfeiçoamento do Direito
Penal.
✓Trata-se de um “filtro” entre a letra fria da lei e os anseios da sociedade acerca do Direito
Penal.
II – Em suma, a política criminal é a aplicação do Direito Penal em sintonia com os anseios da
sociedade atual.

6.3. Criminologia
I - Criminologia é uma ciência empírica e interdisciplinar.
✓ Empírica porque leva em conta aquilo que pode ser comprovado cientificamente
✓ Interdisciplinar porque se relaciona com outras áreas do conhecimento humano.

II – O Direito Penal estuda basicamente as consequências do crime. A Criminologia, por sua


vez, estuda as causas do crime, os aspectos sintomáticos, individuais e sociais do crime e da
criminalidade, isto é, aborda cientificamente os fatores que podem conduzir o homem ao crime.
6.4. Vitimologia
I – O Código Penal é de 1940 e sempre foi (e ainda é) tímido em relação à preocupação
com a vítima.
✓O Código Penal, essencialmente, preocupa-se com o agente.
II – Mesmo quando o Código Penal cita a vítima, ele o faz pensando em favorecer o réu.
Exemplo: arrependimento posterior (art. 16 do CP).
CP, art. 16: “Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano
ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do
agente, a pena será reduzida de um a dois terços”
III – O professor afirma que, felizmente, essa postura está se alterando. O acordo de não
persecução penal, por exemplo, exige que os danos à vítima sejam reparados antes de haver
qualquer acordo.
Outro exemplo disso é a nova sistemática de arquivamento do inquérito policial, pois a vítima é
intimada do pedido de arquivamento e pode se manifestar sobre esse fato, podendo apresentar
para o órgão de revisão do arquivamento as razões pelas quais o inquérito não deve ser
arquivado.

7. Divisões do Direito Penal


7.1. Direito Penal fundamental versus Direito Penal complementar

I – O Direito Penal fundamental é chamado de Direito Penal primário. O Direito Penal


complementar é chamado de Direito Penal secundário.
II - O Direito Penal fundamental são as regras gerais do Direito Penal, aplicáveis, inclusive,
aos crimes previstos por leis especiais, quando estas leis especiais não possuem regras
específicas sobre um determinado assunto. Em geral, elas estão previstas na parte geral do
CP.
Exemplo: o Código Penal contém as regras gerais sobre prescrição. Entretanto, se alguma lei
especial apresentar regra específica sobre o tema, a norma específica será a aplicável.
A Lei de Drogas, por exemplo, possui prazo diferente para a prescrição do crime do art. 28 (Lei
11.343/06). Já a lei de abuso de autoridade não dispões sobre prescrição, aplicando-se o
disposto no Código Penal.
III – Existem regras gerais do Direito Penal previstas, excepcionalmente, na Parte Especial do
Código Penal.
Exemplo: art. 327 do CP (conceito de funcionário público para fins penais).
CP, art. 327: “Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
IV – O Direito Penal complementar ou secundário são as normas especiais de Direito Penal.
Ele está previsto na legislação penal extravagante.

7.2. Direito Penal comum versus Direito Penal especial


I - Direito Penal comum é aquele aplicável a todas as pessoas indistintamente.
Exemplo: Código Penal e Lei de drogas.
II - Direito Penal especial é aquele que se aplica somente a determinadas pessoas que
preenchem requisitos diferenciados exigidos em lei.
Exemplo: Código Penal Militar.

7.3. Direito Penal geral versus Direito Penal local


I – Direito Penal geral é aquele produzido pela União e com aplicabilidade em todo o
território nacional.
II – Direito Penal local é aquele produzido pelo estado membro e com validade limitada ao
respectivo território.
Exemplo: imagine que o estado do Paraná crie um crime específico para o seu território.

7.4. Direito Penal objetivo versus Direito Penal subjetivo


I - Direito Penal objetivo são as leis penais em vigor. Trata-se do conjunto de todas as leis
penais que estão em vigor.
II - Direito Penal subjetivo é o ius puniendi, ou seja, é o direito de punir, que pertence ao
Estado.
III – O direito de punir é abstrato e se dirige indistintamente a todas as pessoas. Quando a lei
penal é violada, o direito penal que era abstrato se concretiza para punir aquela determinada
pessoa. O direito de punir é como uma nuvem, que cobre o céu e atinge a todos. Praticado o
crime, essa nuvem lança um raio, se individualiza contra aquele que violou a norma.

7.5. Direito Penal material versus Direito Penal formal


I - Direito Penal material é também chamado de Direito Penal substantivo. Trata-se do Direito
Penal propriamente dito.
II - Direito Penal formal é também chamado de Direito Penal adjetivo. Trata-se do nome dado
ao Direito Processual Penal.

8. FONTES DO DIREITO PENAL


Fonte diz respeito à origem, ou seja, à criação do Direito Penal, mas também se relaciona à
forma de manifestação da lei penal (aplicação prática).
8.1. Fontes materiais, substanciais ou de produção
I – Fonte material diz respeito ao órgão constitucionalmente encarregado de elaborar o Direito
Penal.
II – No Brasil, a criação do Direito Penal é feita precipuamente pela União, nos moldes do art.
22, I, Constituição Federal.
III – Questão: os estados podem legislar sobre Direito Penal? Em regra, não.
Excepcionalmente sim. (CF, art. 22, parágrafo único).
CF, art. 22, parágrafo único: “Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre
questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”.

Para que os estados possam legislar sobre Direito Penal, a CF impõe dois requisitos:
1º) Deve se tratar de matéria de interesse específico daquele estado; e
2º) Deve existir autorização da União, exteriorizada por lei complementar.
✓O professor ressalta que é muito raro um estado legislar sobre Direito Penal, pois o
procedimento é bastante complexo e é difícil existir uma questão que interesse a apenas um
estado. Deu como exemplo situação ocorrida em 2006, no estado de SP, que sofreu diversos
ataques do PCC. O Estado pretendeu fazer uma lei penal estadual para tratar do crime
organizado. Entretanto, os demais Estados afirmaram que também tinham interesse na lei, pq tb
possuíam crime organizado. A segunda dificuldade é que a União precisa autorizar por lei
complementar. É muito mais fácil a união legislar diretamente através de lei ordinária, que
valerá para todo o país.

8.2. Fontes formais, cognitivas ou de conhecimento


I – As fontes formais dizem respeito à aplicação prática do Direito Penal.
II – As fontes formais se subdividem em:
Imediata – Trata-se da própria lei, pois apenas a lei pode criar crimes e cominar as respectivas
penas (art. 5º, XXXIX da CF). Essa lei é a lei ordinária. A fonte imediata é aquela que cria
crime e comina pena.
✓Observação 1: a lei complementar depende de quórum diferenciado e só versa sobre temas
que a CF a ela reservou. Ocorre que a CF não destinou a criação de crimes e a cominação de
penas à lei complementar.
✓Observação 2: lei em sentido formal é aquela criada conforme o processo legislativo
estabelecido na CF. Lei em sentido material é aquela que trata de conteúdo constitucionalmente
reservado à lei.

Mediata (secundárias) – Não criam crimes nem cominam penas, pois somente a lei pode fazê-
los, mas auxiliam na aplicação prática do Direito Penal.
A doutrina não é unânime sobre quais são as fontes mediatas.
a) Constituição Federal: como a CF/1988 é analítica, ela contém muitas disposições sobre
Direito Penal. Devido a isso, muitos citam a existência de uma “Constituição Penal”.
✓Constituição Penal é o conjunto de regras e princípios previstos na CF/1988 que tratam sobre
Direito Penal
✓A Constituição Federal não pode ser fonte imediata do Direito Penal, pois essa função é da lei,
que cria crimes e comina penas.
✓Se a Constituição Federal, por meio de emenda, criasse crimes e cominasse penas, isso
poderia ser considerado uma norma constitucional inconstitucional.

b) Jurisprudência: a jurisprudência é o conjunto de decisões reiteradas do Poder Judiciário no


mesmo sentido. A jurisprudência revela o entendimento do tribunal sobre um determinado
assunto.
Questão: a jurisprudência é fonte do direito? A doutrina, no geral, afirma que a jurisprudência é
fonte do direito. Na opinião do professor, a jurisprudência nem sempre é fonte do direito. Para
ele, ela será fonte do direito:
1º) Na decisão do caso concreto, em respeito à coisa julgada.
2º) Nos casos de súmula vinculante, pois ela é obrigatória para todos os órgãos do Poder
Judiciário e para os órgãos públicos.
3º) Nas hipóteses do art. 927 do CPC. Este dispositivo, como fonte do Direito Penal, permite a
obtenção de segurança jurídica, isonomia, unidade e coerência sistêmica, além de proporcionar
confiança, pois, se casos iguais recebem tratamento igual, as pessoas passam a confiar no Poder
Judiciário.
CPC, art. 927: “Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas
repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do
Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º , quando
decidirem com fundamento neste artigo.
§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos
repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos
ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos
tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver
modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada
em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e
específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da
isonomia.
§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica
decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.”

c) Doutrina: alguns autores dizem que a doutrina é fonte formal mediata do direito. O
professor, entretanto, acredita que não é o caso, pois, no Brasil, vigora o estado democrático de
direito e qualquer pessoa pode escrever sobre qualquer coisa. Assim sendo, adotar a doutrina
como jurisprudência, na opinião do professor, seria temerário.
Doutrina, segundo o professor, não é fonte do direito porque não possui caráter obrigatório e
não vincula a população.

d) Tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos: para o tratado produzir


efeitos no Brasil, é necessário que ele seja incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro
(assinatura do tratado, aprovação pelo Congresso Nacional por meio de decreto legislativo e
promulgação pelo Presidente da República por meio de decreto).

O tratado internacional de direitos humanos, ainda que não tenha sido aprovado com status de
norma constitucional, terá o status de norma supralegal. Assim sendo, os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos são fontes formais mediatas do Direito Penal, pois eles
auxiliam a aplicação do Direito Penal e não criam crimes nem cominam penas.

e) Princípios gerais do direito: são fontes mediatas do Direito Penal, pois auxiliam a aplicação
do Direito Penal, mas não criam crimes nem cominam penas.

f) Os atos da Administração Pública: podem funcionar como complemento das normas penais
em branco e são fontes mediatas, pois auxiliam na aplicação do direito penal, mas não criam
crimes ou cominam penas.
Exemplo: a relação de quais são as substâncias consideradas drogas no Brasil consta em
Portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, decreto o presidente que estabelece quais
as armas de uso permitido e quais as de uso restrito.
g) Costumes: o costume é a reiteração de um comportamento em face da crença da sua
obrigatoriedade.
O costume possui dois elementos:
1º) elemento objetivo: repetição do comportamento.
2º) elemento subjetivo: crença na sua obrigatoriedade.

Espécies de costumes:

1º) Costume interpretativo (secundum legem): é aquele que auxilia o intérprete a esclarecer o
conteúdo de norma penal.
Exemplo 1: a expressão “mulher honesta era compreendida de diversas formas ao longo do
território nacional.
Exemplo 2: ato obsceno (art. 233, CP). “top less” na praia, não é. Em uma praça, sim.

2º) Costume negativo ou contra legem (desuetudo): é aquele costume contrário à lei, que não a
revoga.
Manifesta-se nas hipóteses de desuso da lei.
Exemplo: a prática da contravenção penal de jogo do bicho, definida pelo art. 58 do Decreto-lei
3.688/1941.
Observação: uma lei somente pode ser revogada por outra lei, nos termos do art. 2º, § 1º, Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Assim, o costume negativo não revoga a lei.

3º) Costume integrativo ou praeter legem: é aquele que visa suprir uma lacuna da lei. Esse
costume somente pode ser utilizado no campo das normas penais não incriminadoras.
Exemplo: circuncisão peniana feita pelos israelitas; trote acadêmico de cortar o cabelo, obrigar a
pedir dinheiro (constrangimento ilegal). Nos três casos, o costume faz excluir o crime.
Observação: o costume integrativo ou praeter legem possibilita o surgimento de causas
supralegais de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade.

9. INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL


9.1. INTRODUÇÃO
I - Interpretação é a atividade mental que busca descobrir o alcance e o significado de uma
lei.
✓Os motivos pessoais do legislador não podem jamais se confundir com a vontade da
lei.
II – Nas palavras de Carlos Maximiliano, veiculadas no livro “Hermenêutica e aplicação do
direito”:
“Interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir
por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma
expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém.”
III – Questão: Hermenêutica e exegese possuem o mesmo significado?
Hermenêutica é a ciência que estuda a interpretação das leis. Exegese é a atividade prática de
interpretar uma lei.

9.2. ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO


9.2.1. Quanto ao sujeito (quanto a quem faz a interpretação): autêntica, judicial ou
doutrinária
Quanto ao sujeito (quanto a quem faz a interpretação), a interpretação pode ser autêntica,
judicial ou doutrinária.
I - Autêntica: também chamada de interpretação legislativa, é aquela efetuada pelo próprio
legislador, quando ele edita uma lei com a finalidade de esclarecer o alcance e o significado de
outra norma.
Exemplo 1: conceito de causa, o qual é fornecido pelo art. 13, caput, do Código Penal.
CP, art. 13, caput: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a
quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria
ocorrido”
Exemplo 2: conceito de funcionário público para fins penais (art. 327, CP).
CP, art. 327: “Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade
paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a
execução de atividade típica da Administração Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
✓A interpretação autêntica ou legislativa é obrigatória. Se há uma definição feia pelo
legislador, ela deverá ser a utilizada, não podendo ser utilizada outra pelo juiz.
✓Uma lei interpretativa possui eficácia retroativa, ainda que prejudique o réu. Isso ocorre
porque a lei não está criando crime nem cominando pena, mas tão somente esclarecendo o
significado de outra norma que já existia. (ex: a lei muda o conceito de funcionário público. Os
crimes já existiam. A lei interpretativa irá retroagir, ainda que para prejudicar o réu). É a mesma
coisa da jurisprudência retroagir. Duas pessoas praticam um crime no mesmo período, mas um é
julgado antes. Esse julgado poderá ser aplicado ao outro caso. O fato já foi praticado. A
jurisprudência apenas o está interpretando.
✓A lei interpretativa pode ser contextual ou posterior. Contextual é aquela que foi criada
simultaneamente à norma a ser interpretada. (ex.: o CP cita a causa e, ao mesmo tempo,
conceitua a causa). Lei interpretativa posterior é aquela que foi criada depois da norma
interpretada.

II – Judicial (ou jurisprudencial): é a interpretação efetuada pelo Poder Judiciário, na decisão


dos litígios que lhes são submetidos a julgamento.
✓A intepretação judicial, em regra, não é obrigatória. Ela será obrigatória nos seguintes casos:

1º) Na decisão do caso concreto, em respeito à coisa julgada;


2º) Nos casos de súmula vinculante; e
3º) Nas hipóteses do art. 927 do CPC.
III – Doutrinária ou científica: é a interpretação efetuada pelos estudiosos do Direito Penal.
✓A interpretação doutrinária não é obrigatória
✓A Exposição de Motivos do Código Penal é interpretação doutrinária e não autêntica, por
não fazer parte da estrutura da lei.

9.2.2. Quanto aos meios ou métodos: gramatical e lógica


I – A interpretação gramatical é chamada de literal ou sintática. Trata-se da interpretação mais
precária de todas, pois o intérprete leva em consideração apenas as palavras da lei.
II – A interpretação lógica é também chamada de teleológica. Trata-se daquela realizada
com a finalidade de desvendar a genuína vontade manifestada na lei, nos moldes do art. 5º da
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. É mais profunda e, consequentemente,
merecedora de maior grau de confiabilidade.
Neste caso, o intérprete levará em consideração elementos históricos, direito comparado e
elementos extrajurídicos etc.
9.2.3. Quanto ao resultado: declaratória, extensiva ou restritiva
I – Interpretação declaratória (declarativa ou escrita) é aquela em que há perfeita coincidência
entre o texto da lei e sua vontade. A lei disse exatamente o que quis dizer.
II – Interpretação extensiva é aquela em que a lei disse menos do que queria. Neste caso, o
intérprete amplia o seu alcance.
Exemplo 1: o art. 235 do CP trouxe o crime de bigamia. Mas ele incrimina mais de dois
casamentos, também, embora não tenha dito. Assim, a poligamia também é criminalizada.
Exemplo 2: o art. 159 do Código Penal trouxe o crime de extorsão mediante sequestro, que
também abrange a extorsão mediante cárcere privado.
✓A interpretação extensiva é cabível no Direito Penal e não se confunde com a analogia in
malam partem. Na analogia in malam partem, existe lacuna da lei. Na interpretação extensiva, a
atividade não é de integração da lei, mas apenas de interpretação. Dizer o que está contido na
lei.
III – Interpretação restritiva é aquela em que a lei disse mais do que queria. O intérprete vem
para restringir seu conteúdo.

9.2.4. Interpretação progressiva, adaptativa ou evolutiva


Interpretação progressiva, adaptativa ou evolutiva é aquela em que se busca adaptar o texto da
lei à evolução da sociedade.

9.2.5. Interpretação analógica ou intra legem


Não se confunde com a analogia e ocorre quando a lei traz uma fórmula casuística (fechada),
seguida de fórmula genérica (aberta).
Exemplo: o art. 121, § 2.º, I, do CP afirma que é qualificado o homicídio praticado mediante
paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe.

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