Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A Mulher e o Papel de Dona de Casa
A Mulher e o Papel de Dona de Casa
REPRESENTAÇÕES E ESTEREÓTIPOS*
( *) - Trabalho realiz ado em colaboração com Mirtes Moreira, Rosa M1ria Shi-
mabukuro, Rosefi Aparecid a Dautério, Sandra Lúcia Abramo, Sandra Mara Quitanilha,
Sérgio Chichorro, Silvana Barbosa Rubino , Sônia Amadeu, Sônia Mindlin, Valter Car-
valho, Vânia Maria Marques e Vera Lúcia Brandimarte, meus alunos da disciolina Mé-
todos e Técnicas de Pesquisa Social I, do Curso de Ciências Sociais da USP, no se-
gundo semestre de 1980. O presente artigo apresenta parte dos resultados de uma pe s-
quisa n1ais ampla realizada pela equipe come atividade de treinamento em técnicas
qualitativas e que tratou de papéis e estereótipos femininos de três grupos, em que se
tomaram como referência: a) o trabalho ( donas-de-casa e operárias), b) participação
social (políticas e líderes feministas) e e) estigmas sociais ( prostitutas e lésbicas) .
Como coordenador, reservo-me a responsabilidade por erros e imprecisões contidos nes-
te artigo.
11O José Regina Ido Pr andi
mães-d e-familia ou seja rn11J11cr es que, se supõe apre ~cntan1 un1 rnínimo
de expe riência nas ativ icladcs búsir :1s frente i1 or ga niz·1ç8c) f a111iliar. À
presença ou n ão do cônj uge po11ra inlJ)Ortáncia se at i·ibuiu l1n1a vez q11e
a própr ia definição de n1ãc-c]c-fan1ília JJ()f nó s u ·ada para ch.Jin1·ta r o uni-
,,erso da pc . quisa ga ran tiria um nfv 'I n1ínimo de cxp criênc ·a ele vida da
entrevistada como clona-ele-casa. Nãc) i111pc)r t~1 qual a referênci a c1t1c a
mt1l11er usa ao elaborar st1a rep resenta ção do papel contanto que ela e
tenh a d scmpe11hado minim arncntc. A exigência de e ·tar cr ia nd o ou te r
criado pelo n1enos um fi1ho no s pareceu s11ficiente para dar conta deste
reqt1i ito.
II - RESULTADOS
nio n1ais arnp~o das contra cliçõcs a que a mulh er e vê lançacla no proce s-
so geral de mudança soci:11con1 a conseqüente redefinição dos papéis pré-
-def~n:dos no pJano n1a·s geral da socieda de . A mulher de classe média
fica, pra ticam ente, numa espécie de jogo de ser e não ser.
As palavras , expres sões e orações que podem ser apontadas com con-
teúdos de definição negativa do pap el de dona-d e-casa , colhidas nas entre-
vista , são do seguinte teor:
Como conteüdos que revelam aspectos positivo s, en1 que pode pe sar
uma certa carga de iron ia, pudemos encontrar:
"heroína"·
'
"secretária, administradora'';
''b abá e mulher";;
"situação ~mportante para o lar e os filhos"';
...'
A mulher e o papel de dona-de-casa 115
....,
'
- como não podia deixar de aparecer -
•. .
uesteio do lar'' .
.
'· . A mais pálida crítica aparece associada ao fato de que o papel de do-
1
na-de-casa tenderia em sua exclusiv:dade a isolar a mulher "fora do mun-
1
1
. •. do": "burrinha quando é escreva do lar ... muito dedicada também é bur-
...,.
' \
'•
..... rinha, quase um robô~ sem vontade própria . . . bitolada, acomodada, sem
perspectiva. . . sem contato com o mundo exterior'' .
...
..
......
....
' * * *
•,
Nas mulheres de classe méd:a cuja idade varia entre 20 e 30 anos, é
...•. marcante a total ausência de valorização das atividades domésticas, aspecto
presente nas de mais idade. Há grand e desinteresse pelas atividades ma-
1
i'vfULHERES DA B[IRGUES/A
"Sem a mulher que manda, nã,'J funciona nada .. " " ... tem que
olhar tudo, fiscalizar, até o marido ... "
"Mulher tinha que estudar para tomar conta da ca sa, que nem
o homem aprende os negócios".
Ser d ona-de-casa para este grupo significa, sobretudo, o exercício de
responsab lidade e qualidade para controlar o dia-a-dia da vida doméstica,
em que a presença de empregados para as tarcf as manuais de rotina certa-
mente está garantida, situação por certo equivalente à do próprio cônjuge
quando se trata de trabalho não domésico.
* * *
Se as mulheres mais vell1as apresentaram satisfação e conforn1jsn10 com
uma at ,,idade que valorizam, especialmente quando se trata de "gerenciar"
a vida no lar, as mt1Ihercs mais jovens desta cJasse (20 a 30 anos de idade)
não aceitam tão facilmente o papel.
Pouco afeitas a qualquer atividade que implique "f ~car dentro de ca-
sa", elas imprjmem à dona-de-casa conotações estereotipadas fortemente ne-
gativas. Mesmo as ativ ~dades administrativas estão associadas a um tipo
de mental!clade tida como retrógrada e antiquada. . . "coisa de nossas mães,
coitadas!" Assumir o papel singif ~caria:
A mulher e o papel de dona-de-casa 117
MULHERES DO PROLETARIADO
11~0~ - implica , cn1 se tatando de mull1er s sem qt1.ali f ic2ção profi sional ,
e para as quais o substit1.1tivodo trabalho doméstic c) no próprio lar tende
a ser o trabalho-don1é tico cm ca a alheia.
* * *
Já para as mttlheres do pro!etariado e baixo proletariado com idade
entre 20 e 30 anos, a condição da dona-de-ca sa encontra t1n1a pate11te acei-
taç}o legitimada , seja pela obrigatoriedade ind·scutível de se assun1ir tal
papel, seja pela total falta de opç ;;o, seja por est arem "satisfeitas'' com o
mundo que lbe é clado: a casa, o mariJo, os filhos. Esta obrigatoriedade
va ; encontrar t1n1 fatalismo não qu~stionável, certan1ente detern1i11ado não
so~11entepela condição cie classe, como també1n pela etapa atual do ciclo
A mulher e o papel de dona-de-casa 119
vital de suas famílias, uma vez que se trata de um grupo de mulheres jo- •
vens.
Mas esse fatalismo chega a ser muito mais angustiante do que o en-
contrável em qualquer outro grupo estudado. Comparadas às mulheres
mais velhas de sua classe, estas vêm o trabalho doméstico sem qualquer
mistificação, sem nenhuma importância social . Esse é o trabalho que lhes
cabe fazer e do qt1a1 não podem escapar. Negá-lo seria negar a própria
vida em f an1ília, seria negar a sua própria existência, a menos que pudes-
sem traba111arfora e ganhar dinheiro para ajudar o marido. De modo geral,
ace~tam sua condição de donas-de-casa sem nenhuma satisfação pessoal.
A fa!ta de perspectiva - pelo menos nesta etapa da vida - confere
a estas mttlheres um conformismo.. atrás do qual se sente presente um
forte sentimento de inferioridade social que não sabem explicar. Para
elas, ser dona-de-casa é praticamente o mesmo que ser mulher:
"cuidar bem dos filhos, do marido, da casa";
"cuidar da casa, fazer con1!cia, lavar roupa. .Eu gosto.
Acho qt1e tem que sair, se divertir, mas cuidar da casa é legal,
você cuida daquilo que é teu'';
Mas, se possível fosse:
"a mulher tinha qt1c trabalhar fora, como o l1omcm, não
sei explicar, mas só dona-de-casa não dá ... ;
" ... ficar só em casa é ruim, é ruim depender dos outros";
"e tudo isso. . . e é um cargo pesado, mt1ita responsabili-
dade, ten1 q11e cuidar da casa, dos filhos, ct1idar do marido,
tem que ter as coisas cm orden1, tud() li111pona ht1ra certa, quer
dizer, então isso é uma resposabilidade que a gente tem ... "
''e não é por vontac.ie dela''.
Ili - CONCLUSÃO
.
n .:·~, ..: ~ 111..:~h""r~~ n Jis 1c,,-\...n'<LI1 "'t ntr ·1 11c1_ r2. 1~:1a
.....
-
, l.: l . i "' "~ t r a t ~ l \.i' f ~1n i ! i J r ~ !-2t j ria . " a~ urr ..1~. a rc - ign r
...... acãL1
. dá
. _ n.~:::1~::s \.iL \.--l:1,-~~ n1~J~~1. : rin ip:1ln1.:nt'- a~ n1::i~ \·.;Ih~ ·. prin 1~.n1
~"~~"" \ . ~: ri."l"'rt"' L1U\,.' ser ll n:1- ' ..")-( :isa i111 pl!c:1 "n1 tcrt1L, ... d~ rc::ilização
........
r• \..-1·,,1· -, •)l
• - •
1
" "\ j'r
• .. • • • . i) , ..,, ,·1 1~) '- '[ "': ...'1 ' lll.
.... \. • \. . '"l' 1l)
• t ' .... _..,l-ll
.._
• l i.l)'t •'•)
._ '-
'
ja, mu -
- • ls, ... l • ~ . \. • - ~
ih ... ' :·:~ 1~:'"' \ :y2n1 ~ n1~1'\rn10 L! 1 l l1n f 1ito entr8 a r'-~1~iz:~~10 rc ss al e a·
• • ••
.. \.. ~." ~ T. . '-- ... l 1·l t. l l ' '. • L~}'l
. \....; \ .:l \. ~ f ' 111.ll l.'1 1- 1
. l' '- · \... - ~ L... l 1,.l .. •
~ ..
".,pJ ~ , :i r-' r · l · J a e ~ · r 1t i ra \.le \..l ~1~ ~ ~ . re er1J d~....t a aq :_1i l o q ue é ' -p'--
~ : i.. , -. ;n '" ~ ~ ~ ~ r ~ : "n:.: n 3 Y i ia '- , t i rii ..11J i2 q u~ - re pr: ~ 2 n :3 l - ~ - a p a rte .. po-
r~:: n ..-: 1 cxc~t.i'-.:Js- c_·t·i 111anif~ to d~ in1 dia!c) Ill tr~:b -1l~10 fL1ra de a:'.'a.
v: ..: u~ r:g r::. "' 1r..: ba, h Ut..''n1JriJo . É p s,í Ycl cnco~ :r J r no daJo, n1ui t \...~
~
:.t 1" '": ' iJ'-n! ;:: : ] 1 cntr' a · ati Yid:.1d'2_. ::itrib 1:d~L·. ot 1 11ã 1. a d , na-de-
~ :1 : :1 e J J u ~ ~ as 1~ r ~ o ri ~~s ·1 '"" t r nb :.1l l e, i ora d ~ ei r eu i to J "' e 1 n t i n1 d o n1é ..t ~ eo.
à .. 1.
., :-~ :1\,.:·):: 1r~1~ n t : n , q u e d i z re , p e i :'" } s u ·1 . ·<>r,, 1t; e n1u i ta__, ·: z...., a ~ l' u e e.·, 1-
p i. •
, • ·)
.'-.. ,! .. t .
O ..rab~ lhl1 rotine :ro e n1anu:1l da d na-de-ca a pr I.... túriJ não s~ afas-
ta ne st "': t~:-1110 - u t r:1balho do h n1 e rr1 de , tJ ela ~e. da n1 - n1a n1rincir3
qt1~ 1:: at i,·=Jade - d~ g ...r~ncia e d ~ mand) da mulhe r no lar se apro xima
d:1qu2Ia- pr::~ul st~1... no tr~baih d n1arido quando trata d~ ela ~e: en1
q L '" 0 : r ~ ~1n- :i , .- u rr1e 1 · · ~ , r n1~ i n ..~ ~ \...
~ t u :i r ·. \ ·a :e d i i: 2 r . n "')
, t J l: n h ·1 p , -
d.::11o-- e n\..L n : ra r t raço s:g n i fie a ti, · de eo;,1p l e,, 1e11f u ri(/ r:d e d~ 11~1~ i · n tl n1
m.:-mo n{\·:1 d"-' r0:inizaçã L'. cm qu e pape l da rnulh'"'r e:tJ. pr ·"X!n1amcnt
d~::nid . ~elo n1 no- '--m r1í\·~1 t.lc r .... r~~cn: · l;â ) . pcl trab :1ll1l do hon1cm .
f: \·iGcn:e qt1c ;1ã e:-tar11os qt1e-rent.lo aqui atrib11ir ao l1on1cn1 a cond içã
e pr \ ed r ún~co. unia YcZ qu.: n1urt ~!.S das atiYidade: ren1uncrad3~ po-
d~::1 e ~~ · IJ!o o , ão jg11aln;c nte ic -~mn 11l1a d3 p\. r · 11bo- ()_. :cx c),. O
q u2 é i :1~.....\..,rL.1nte._en !r~:a nto ~ é que a própria idéia q u a n1ull1 r formula
a re:pcito do p3pe l de dona -d -ca_a - um papel especia lment e f minino
na no sa --o '2:C i3dc - e ...·á refcr:da a um a di\·i-ão social do trJb alho ex-
t~rnJ a unid 3de fan1iliar e que . n ent~nto . reprod uz no i11tcrior da fam i-
i~·ic:d :iclc da e la ~e en1 gc ral. E é nc~ e ~cn tido que a rc pr -en-
l :a a 2 - :--'=---c
t~:.:~ o d'- trJb alht 1 ~ ::ti1...o a p~1rtir lla rc rc-enta ..ão ql1e con1p-c o \.:~t -
reótir ~ ;a dona-d .,-ca~a contén1 a n~gação imple ... não dialética .. do tra-
ba !ho nã domé: t?co.. atu~ndo aqt 1 1~ cot ~dian o. no pla no não abstrat o.
A mulher e o papel de dona-de-casa 121
NOTAS