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Nova História Militar Brasileira (Celso Castro)
Nova História Militar Brasileira (Celso Castro)
HISTÓRIA
MILITAR
BRASILEIRA
ISBN 978-85-225-1334-5
1a edição — 2004
Capa: aspecto:design
Inclui bibliografia.
1. Brasil — História militar. 2. Brasil — Forças
Armadas — História. I. Castro, Celso II. Izecksohn,
Vitor. III. Kraay, Hendrik. IV. Fundação Getulio Vargas.
V. Título.
CDD — 355.00981
Sumário
Prefácio
Introdução
Da história militar à “nova” história militar
Celso Castro, Vitor Izecksohn e Hendrik Kraay
Capítulo 1
A arte da guerra no Brasil: tecnologia e estratégia militares na expansão
da fronteira da América portuguesa (1550-1700)
Pedro Puntoni
Capítulo 2
A guerra e o pacto: a política de intensa mobilização militar nas Minas
Gerais
Christiane Figueiredo Pagano de Mello
Capítulo 3
“Esses miseráveis delinqüentes”: desertores no Grão-Pará setecentista
Shirley Maria Silva Nogueira
Capítulo 4
Encargos, privilégios e direitos: o recrutamento militar no Brasil nos
séculos XVIII e XIX
Fábio Faria Mendes
Capítulo 5
A presiganga e as punições da Marinha (1808-31)
Paloma Siqueira Fonseca
Capítulo 6
A serviço de Sua Majestade: a tradição militar portuguesa na composição
do generalato brasileiro (1837-50)
Adriana Barreto de Souza
Capítulo 7
Recrutamento militar no Rio de Janeiro durante a Guerra do Paraguai
Vitor Izecksohn
Capítulo 8
A ocupação político-militar brasileira do Paraguai (1869-76)
Francisco Fernando Monteoliva Doratioto
Capítulo 9
O cotidiano dos soldados na guarnição da Bahia (1850-89)
Hendrik Kraay
Capítulo 10
Ser homem pobre, livre e honrado: a sodomia e os praças nas Forças
Armadas brasileiras (1860-1930)
Peter M. Beattie
Capítulo 11
Revoltas de soldados contra a República
Celso Castro
Capítulo 12
Entre o convés e as ruas: vida de marinheiro e trabalho na Marinha de
Guerra (1870-1910)
Álvaro Pereira do Nascimento
Capítulo 13
Neve, fogo e montanhas: a experiência brasileira de combate na Itália
(1944/45)
Cesar Campiani Maximiano
Capítulo 14
Os veteranos da FEB e a sociedade brasileira
Francisco César Alves Ferraz
Capítulo 15
A profissionalização da violência extralegal das Forças Armadas no Brasil
(1945-64)
Shawn C. Smallman
Capítulo 16
Poder Judiciário e poder militar (1964-69)
Renato Lemos
Capítulo 17
Mulheres, homossexuais e Forças Armadas no Brasil
Maria Celina D’Araujo
Prefácio
Celso Castro*
Vitor Izecksohn**
Hendrik Kraay***
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Pedro Puntoni**
A “guerra do Brasil”
Somente com a Restauração em 1640 e a subseqüente guerra
com a Espanha, Portugal constituiria um exército permanente em
termos modernos.10 O primeiro terço de tropas regulares, o da
Armada Real, foi criado no reino apenas em 1618. No Brasil, logo
depois da expulsão dos holandeses da Bahia, em 1626, foi formado
o primeiro terço de infantaria paga. Em 1631, criou-se o Terço Novo,
em oposição ao Terço Velho, ambos compostos de 800 homens
cada. Como resultado das guerras holandesas (1630-w54), foram
também criados outros terços “especiais”, como o dos negros de
Henrique Dias e o dos índios de Felipe Camarão.11 A ocupação de
Pernambuco e demais capitanias do Norte pelos holandeses e a
conseqüente guerra de reconquista não só introduziram enorme
contingente de soldados europeus nas vilas e cidades do Estado do
Brasil, como resultaram no rearranjo da equação entre milícias
regulares e linhas auxiliares. Esse rearranjo deu-se notadamente
pela afirmação da superioridade obtida na evolução do modus
faciendi das linhas auxiliares, processo gestado no contexto da
primeira fase da guerra holandesa.
Com o fracasso da expedição das tropas regulares européias
enviadas na armada espanhola de Oquendo, em 1631, a resistência
local à invasão batava limitou-se a uma estratégia de “guerra lenta”,
que buscava a manutenção do impasse inicial, quer dizer, procurava
deixar aos holandeses o controle das praças-fortes, mantendo o da
zona produtora de açúcar, à espera de uma intervenção da armada,
quando isso fosse exeqüível. Nesse contexto, ganhou espaço a
estratégia traçada por Matias de Albuquerque, irmão do capitão-
donatário, Duarte de Albuquerque Coelho, e comandante da
resistência. Chamada à época de “guerra brasílica” ou “guerra do
Brasil”, essa estratégia militar resultava da impossibilidade de
oferecer resistência aos holandeses na cidade ou no campo
aberto.12 Segundo Evaldo Cabral de Mello, o sistema de defesa que
Matias de Albuquerque aplicou contra os holandeses, de 1630 a
1636, era “um sistema misto”, no qual as forças convencionais
concentravam-se:
Ora, segundo ainda este autor, teria sido exatamente por isso
que a “Divina Providência” criou na província de São Paulo “os
homens com um ânimo intrépido, que se inclinou a dominar este
miserável gentio”. Semelhantes aos inimigos silvícolas, pois viviam
“sempre em seu seguimento”, acabaram por “ter por regalo a
comida de caças, mel silvestre, frutas, e raízes de ervas, e de
algumas árvores salutíferas e gostosas de que toda a América
abunda”. É nos “ares do sertão” que suas vidas se fazem
“gostosas”, sendo que “muitos deles nascem, e envelhecem”, nos
matos: “estes são os que pois servem para a conquista e castigo
destes bárbaros, com quem se sustenta, e vivem quase das
mesmas coisas, e a quem o gentio só teme e respeita”.50 Era
exatamente o que explicava, 10 anos antes, o autor de um outro
papel que sugeria o uso dos paulistas para a defesa da colônia do
Sacramento: “porque são homens capazes para penetrar todos os
sertões por onde andam continuamente, sem mais sustento que
coisas do mato, bichos, cobras, lagartos, frutas bravas e raízes de
vários paus, e não lhes é molesto andarem pelos sertões anos [a fio]
pelo hábito que têm feito àquela vida”.51
Ao modo de guerra dos tapuias — “de ciladas e assaltos [que] é
como um raio que passa”, na expressão de Pedro Carrilho de
Andrade52 — deveria corresponder uma tática peculiar. A forma
específica das “regras paulistas” para o ataque aos índios, chamada
de “albarrada”, era assim estabelecida em um regimento de 1727: a
aproximação se fazia com cautelas indígenas, seguindo os rastros,
“sem tosse nem espirros”, até chegar bem próximo do inimigo e
então, com um grito medonho para apavorá-los, fazer o assalto.53
Os paulistas imitavam, assim, o modo de guerrear dos índios. Frei
Vicente do Salvador explicava que os índios costumavam se
aproximar sorrateiramente da aldeia de seus contrários, “de maneira
que possam entrar de madrugada e tomá-los descuidados e
despercebidos, e depois entram com grande urro de vozes e
estrondo de buzinas e tambores que é espanto”.54 Mas a tática dos
paulistas previa também algumas negaças. Em 1676, o capitão
“sampaulista” Manuel de Lemos quis enganar os topins que
estavam levantados na região do Recôncavo baiano, falando-lhes
que os paulistas “não eram brasileiros, mas um povo diferente, seus
parentes e que [feitas as pazes] poderiam comer juntos, casar seus
filhos com filhas deles, e as filhas deles com seus filhos”.55 Outro
costume era amedrontar com fortes ameaças aos inimigos, como o
fez Domingos Jorge Velho com os cracuis rebeldes do rio São
Francisco.56 Segundo João Lopes Serra, que descrevia o modo
genérico das táticas paulistas,
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* Uma primeira versão deste texto foi publicada, em março de 1999, na revista
Novos Estudos Cebrap (São Paulo, v. 52;189-204) e, depois, parcialmente, no
capítulo 5 de meu livro (2002).
** Doutor em história social pela USP. Professor da USP e pesquisador do
Cebrap.
1 Ver Mendonça (1972: 46-47).
2 Mendonça, 1972: 145-151.
3 Ibid., p. 157-78.
4 Ver Schwartz (1979:173-177). A introdução dos tercios na Espanha deve-se
à iniciativa do capitão Gonçalo de Córdova, que, desenvolvendo os princípios
da arte da guerra suíça — cuja infantaria era formada por falanges de 6 mil a
8 mil homens, eriçadas em piques, e oferecia uma resistência importante à
cavalaria — e os associando à utilização ampliada das armas de fogo,
“concebeu uma organização cuja unidade principal era a coronelia, esquadrão
ou terço de 6 mil homens, comandada por um coronel e dividida em 12
companhias ou batalhões de 500 homens cada, comandadas por um capitão
ou alferes abandeirado; a cada 100 homens destas companhias competia um
cabo de batalhão; e a cada 10 homens um cabo de esquadra. Em cada terço
ou coronelia, 10 companhias constavam de 200 piqueiros, 200 rodeleiros e
100 arcabuzeiros cada; e as duas restantes eram exclusivamente de
piqueiros” (Selvagem, 1991:332-334).
5 Ver Costa (2003); Hespanha (2003). Para uma análise das relações entre as
elites locais e os poderes militares, ver Rodrigues (2003).
6 Para Prado Jr. (1953:322, 325-326), estes senhores, “revestidos de patentes
e de uma parcela de autoridade pública”, se tornariam “guardas da ordem e
da lei que lhes vinham ao encontro; e a administração, amputando-se talvez
com esta delegação mais ou menos forçada de poderes, ganhava no entanto
uma arma de grande alcance: punha a seu serviço uma força que não podia
contrabalançar, e que de outra forma teria sido incontrolável. E com ela
penetraria a fundo na massa da população, e teria efetivamente a direção da
colônia”.
7 Apud Salgado (1985:100-102, 164).
8 Alvará sobre a eleição dos capitães-mores, de 18-10-1709 (Biblioteca
Nacional de Lisboa, Reservados 2.359, p. 32-35).
9 Ver Alden (1968:36-39).
10 Ver Salgado (1985:97).
11 Ver Schwartz (1979:173-177); Costa (1958).
12 Como escreveu Duarte de Albuquerque Coelho (1944:57): “sua utilidade
[das emboscadas] cada dia se fazia mais notória pelo grande temor que o
inimigo foi delas conhecendo. Não ousava sair nem mesmo às hortas da vila
que ocupava. Com a presença destes capitães de emboscada, não só se
lograva o presente efeito, como de futuro servia ela de muito, vedando-lhes,
com este receio, o comerciar com os moradores, e obstando-lhes, por seis
anos, de apoderaram-se da campanha”.
13 Mello, 1975:24.
14 Apud Leite (1944).
15 Mello, 1975:233-234.
16 Ver Sodré (1965:29-32).
17 Ver Thomas (1982:231).
18 Patentes em branco de 1672 (Documentos históricos. Rio de Janeiro:
Biblioteca Nacional, v. 12, p. 211-214; doravante DH).
19 Prado Jr., 1953:326.
20 Ver Moreno (1984:38, 56).
21 Ver Mello (1975:230).
22 Ver Parker (1993:65).
23 Ver Mello (1975:236).
24 Sobre a “revolução militar”, o livro fundamental é o de Parker (1993). A
edição original, em inglês, é de 1988, mas a edição francesa, além de estar
mais atualizada, responde às objeções dos críticos, particularmente as de
Black (1991). David Eltis (1995) contribuiu para o debate com seu livro sobre
o século XVI. Os textos mais importantes para o debate foram reunidos e
publicados por Clifford J. Rogers (1995), entre os quais o pioneiro artigo de
Michael Roberts, “The military revolution, 1560-1660”, aparecido em 1957.
Para as guerras e as técnicas militares no ultramar e no mundo colonial, ver
também Cipolla (1965).
25 Thornton, 1988.
26 Mello, 1975:217-248.
27 Vieira, 1949:166.
28 Ver Mello (1975:242, 245-247).
29 Conjunto complexo e heterogêneo de batalhas esparsas no sertão, a
guerra dos Bárbaros pode ser dividida entre os acontecimentos no Recôncavo
baiano (1651-79), e as “guerras do Açu” (1687-1705), na ribeira do rio deste
nome, no sertão do Rio Grande do Norte e Ceará. Ver Puntoni (2002).
30 Lei sobre os índios que não podem ser cativos e os que podem ser, 24-2-
1587 (Thomas, 1982:222-224).
31 Ver Schwartz (1979:47-48).
32 Carta, 14-10-1688 (DH, v. 10, p. 313-315).
33 Carta, 9-12-1688 (DH, v. 11, p. 147-149).
34 Ver os capítulos 14 a 16 do Regimento das fronteiras de 1645 (Mendonça,
1972:631-656).
35 Ibid.
36 Carta do conde de Óbidos ao rei, 18-3-1665 (Arquivo Público do Estado da
Bahia, Salvador, cod. 135-1, fl.179v-180).
37 Regimento de 25-9-1654, conde de Atouguia (DH, v. 4, p. 174-177). O
regimento de Roque da Costa Barreto, de 1677, que vinha substituir o de
Tomé de Souza, esclarecia que as companhias de ordenanças da Bahia
deveriam exercitar-se em suas freguesias todo o mês e fazer “alardos gerais
três cada ano”. Os postos na Bahia passariam a ser providos pelo
governador-geral. A partir de 1704, os postos das ordenanças em todo o
Estado do Brasil passaram a ser providos pelo governador-geral, e não mais
pelos capitães-mores. Ver os capítulos 15 e 16 do Regimento de Roque da
Costa Barreto, 23-1-1677 (Guedes, 1962:173-196; e Garcia, 1956:112).
38 Vieira, 1949:63.
39 Holanda, 1957:146.
40 Holanda, 1990:16.
41 Ver Loreto (1946:131-140).
42 Ver Ellis Jr. (1936, 1942:153-222, 1948:28-34). Em arroubos patrioteiros,
Ricardo Román Blanco (1966) tinha as bandeiras na conta da “más genial y
extraordinaria organización bélico-militar, que la historia de la humanidad
conoce”. Sua redundante tese de doutorado, entre outras coisas, procura
mostrar as relações entre as expedições dos sertanistas paulistas e a legião
romana ou as falanges macedônicas.
43 Ver Abreu (1963:338).
44 Ver Vianna (1965:192-202). Para um balanço crítico da historiografia
paulista, ver o excelente capítulo primeiro do livro de Blaj (2000).
45 Ver Mendonça (1972).
46 Cortesão, 1975:50-69, 1958:51-81.
47 Sobre o gentio que se rebelou nas capitanias do Ceará, Rio Grande e
Paraíba, c. 1690 (Biblioteca da Ajuda, Lisboa, 54 XII 4 52).
48 Breve compêndio do que vai obrando neste governo de Pernambuco o sr.
governador Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho… Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 51, n. 267, 1979.
49 Sobre os tapuias que os paulistas aprisionaram na guerra e mandaram
vender aos moradores do Porto do Mar, e sobre as razões que há para se
fazer a guerra aos ditos tapuias, 1691 (Biblioteca da Ajuda, Lisboa, 54 XIII 16,
fl.162).
50 Biblioteca da Ajuda, Lisboa, 54 XIII 16, fl.162.
51 Informação anônima do Brasil, década de 1680 (BNP, códice 30, fl. 209).
Para um retrato desses “bandeirantes” em ação, ver também Hemming
(1978:238-253).
52 Memorial de Pedro Carrilho de Andrade, 1703 (Arquivo Histórico
Ultramarino, Lisboa, papéis avulsos, Pernambuco, caixa 16).
53 Regimento que se deu a Pedro Leolino Mariz, 1727 (apud Calmon, 1959, v.
3, p, 721).
54 Salvador (1982:85).
55 Ver Schwartz (1979:69-71).
56 F. Bernard de Nantes. Relation de la mission des indiens Kariris du Brezil
situés sur le grand fleuve de S. François du coté du sud a 7 degrés de la ligne
equinotiale, 12-9-1702 (manuscrito de coleção particular, p. 22 e segs).
57 Ver Schwartz (1979:71-72).
58 Carta do conde de Atouguia para o mestre-de-campo general Francisco
Barretto, 203-1655 (DH, v. 3, p. 265).
59 Carta de João de Lencastro ao governador de Pernambuco, Fernando
Martins Mascarenhas, 11-11-1699 (DH, v. 39, p. 86-92).
60 Carta régia ao governador-geral, 10-3-1695 (DH, v. 11, p. 252-254).
61 Carta de Domingos Jorge Velho ao rei, 15-7-1694 (apud Ennes, 1938:205);
o grifo é meu.
62 Relação dos oficiais de milícia pagos que servem na capitania de
Pernambuco, por Sebastião de Castro e Caldas, 20-6-1710 (Arquivo Histórico
Ultramarino, Lisboa, papéis avulsos, Pernambuco, caixa 17).
CAPÍTULO 2
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“
E sses miseráveis delinqüentes”: assim o comandante Hilário
Moraes Bittencourt referiu-se aos desertores da tropa auxiliar de
Cametá, no Grão-Pará, no final do século XVIII.1 Eles haviam
desistido da deserção depois de saberem dos castigos a que
estariam sujeitos. Tratar os homens que fugiam das tropas como
criminosos e aplicar-lhes duras penas foram as maneiras
encontradas pelas autoridades para inibir as constantes deserções
que assolavam a região.
Na vasta documentação colonial do Grão-Pará, a deserção militar
é assunto recorrente. Autoridades coloniais e metropolitanas
preocupavamse sobremaneira com isso. No entanto, esse não era
apenas um problema da Colônia; era também uma das maiores
preocupações dos exércitos permanentes europeus da época. A
deserção de qualquer militar implicava grande perda para o Estado,
que tinha a responsabilidade de treiná-los, alimentálos, pagá-los e,
em determinados casos, fardá-los. O ônus da deserção é bem
exemplificado por Frederico II:
Alguns dos generais supõem nada haver mais num homem que
um homem e que a perda de um não influi sobre o valor da
totalidade, mas o que se pode dizer de outros soldados não é
aplicável ao nosso. A deserção de um soldado sem instrução e a
sua substituição por um bronco é a mesma coisa. Mas a falta de
um soldado que recebeu dois anos de instrução consecutivos,
para lhe dar destreza necessária, é coisa que repercute longe.
Não é visível que a negligência dos oficiais incumbidos dos
pequenos pormenores tem arruinado muitos regimentos? Tenho-
os visto fundirem-se pela deserção a um ponto espantoso.
Semelhantes perdas reduzem os efetivos dos exércitos, em que o
número sempre significa. Se não podereis refazê-las.2
Tabela 1
Profissão dos cabeças de famílias de soldados e oficiais das tropas
auxiliares, região de Belém, 1778
Fonte: Recenseamento de 1778. Instituto Histórico e Geográfico do Pará,
1927.
Tabela 2
Profissão dos cabeças de famílias de soldados e oficiais das tropas
auxiliares, região do rio Guamá ao Gurupi e costa oriental, 1778
Fonte: Recenseamento de 1778. Instituto Histórico e Geográfico do Pará,
1927.
Organizações clandestinas
Ao contrário do que as autoridades afirmavam, os desertores não
eram “miseráveis delinqüentes”, mas homens que tinham famílias e
profissões, e que muitas vezes desertavam para poder continuar
levando suas vidas cotidianas, mesmo que a deserção significasse
uma vida na clandestinidade. Na situação de clandestinidade, os
soldados desenvolviam estratégias de sobrevivência criando laços
de solidariedade com a população local.
Muitos soldados fugiam do Grão-Pará em direção às minas de
Goiás, ao Maranhão e às colônias de outras metrópoles fronteiriças
com o Grão-Pará.45 Já os soldados fugitivos que permaneciam no
Grão-Pará desenvolviam estratégias de sobrevivência na
clandestinidade. Geralmente os desertores procuravam ficar em
lugares próximos às suas casas, visto que os primeiros a dar “asilo”
aos desertores eram seus parentes. Em 1774, o diretor da Vila de
Cintra escreveu ao governador do estado comunicando que tinha
feito diligência sobre os soldados desertores e não havia achado
nenhum deles, mas que viajando pelo rio Marapanim perseguiu uma
canoa com três homens, sendo um deles o desertor Antônio
Marinho. Os tripulantes da canoa fugiram para o sítio de Bernadino
Felliz, sogro de Antônio Marinho. Chegando ao sítio, o diretor
perguntou pelo desertor, mas foi destratado por Bento José, cunhado
de Antônio.46
Em 1786, o governador Martinho de Souza Albuquerque enviou
ao capitão Hilário Moraes Bittencourt Filho uma carta autorizando-o a
instaurar inquérito contra os moradores que dessem asilo a
desertores. Ele pedia que a punição não demorasse, pois estava
certo de que “se acautelarão mais esses moradores que tanto
auxiliam os desertores e me consta andarem por esse [distrito]
avultado número [deles]”. As punições aos que auxiliassem
desertores eram de 200 mil-réis para quem fosse pego pela primeira
vez e de 400 mil-réis para os reincidentes.47
Muitos desertores passavam a viver em quilombos. Os
desertores de Cametá dirigiram-se para uma região no rio Cupijó,
onde formaram “um grande mocambo de desertores, pretos fugidos
e criminosos”.48 Em 1790, o governador da capitania do Grão-Pará
enviou um ofício ao juiz ordinário de Cametá determinando que se
prendessem os escravos fugidos e desertores que se encontravam
amocambados próximo àquela povoação. Eles estariam roubando os
moradores que viviam ao longo dos rios e igarapés.
Há indícios de que os desertores viviam em mocambos
juntamente com índios, negros e outros fugitivos coloniais em
diversos pontos do estado. Em Ourém, por exemplo, um morador
denunciava que havia um mocambo localizado num dos braços do
rio Siri Torô, onde estariam vivendo um desertor branco, índios e
“pretos”. Esse desertor estaria morando no mocambo há um ano,
cultivando roças de mandioca.49 Uma explicação para a atuação
conjunta de negros fugidos e desertores estaria na existência de uma
identidade comum a esses indivíduos, criada por meio de suas
experiências históricas adquiridas pela situação de fugitivos na
ordem colonial escravista.
Incursões de roubo aos lugarejos vizinhos poderiam ser uma
forma comum de atuação, possibilitando a desertores, negros e
índios fugidos organizarem os mocambos como uma economia
autônoma. Estudos recentes nos informam que comunidades negras
de fugitivos em vários locais do país utilizavam o roubo como forma
de complementar o que produziam em suas roças.50 Era a partir de
um mocambo que o sargento desertor Geraldo e um homem
chamado Mamed faziam roubos em alguns sítios próximo de
Melgaço.51 Esses homens viviam no mocambo dos Breves sob a
proteção de Felipe dos Santos. Tal mocambo era comandado pelo
capataz Domingos Araújo, um dos filhos de Manoel Breves,
proprietário de terras em Melgaço. Ele acoitava em seu mocambo
quatro desertores e seus filhos. Além de constituir mais uma
estratégia para aqueles que queriam escapar do recrutamento, a
formação de mocambos também podia ser feita por capatazes a
mando de proprietários locais. Nesse caso, os desertores serviam
como braço armado dos proprietários, fortalecendo a manutenção de
um poder local diminuído com a forte presença do Estado.52
A proteção de desertores por proprietários locais era comum no
Grão-Pará. Na ilha de Joanes, desertores agiam como braço armado
de fazendeiros praticando roubos. O morador Cláudio Antônio de
Oliveira denunciava, em 1772, estar sendo vítima dos “excessos” e
“desmandos” de um fazendeiro de nome Xavier Roiz e de seu filho
Marcelo. Esses homens escondiam em suas casas diversos
fugitivos, entre os quais estavam Faustino de Barros e alguns
soldados desertores, acusados por Cláudio Oliveira de roubar seu
gado e tocar fogo em uma de suas casas. Cláudio Oliveira, de posse
de uma ordem das autoridades da ilha, conseguiu fazer uma
diligência nas casas de Xavier Roiz, exigindo deste a assinatura de
um termo em que se comprometia a não “consentir nem admitir em
sua casa (…) ajuntamentos” de fugitivos, pois tais ajuntamentos
eram prejudiciais “ao [sossego] da mesma vizinhança”. O termo
ainda determinava que Marcelo Roiz comparecesse à presença do
inspetor adjunto Pedro Gavinho, em Belém, com Faustino de Barros
e os soldados desertores a quem “acolhia” em sua companhia e
costumava dar auxílio.53
Desertores e outros fugidos contaram com o apoio de diversos
moradores nas vilas, que os ajudavam por motivos afetivos ou como
uma alternativa ao mundo colonial. Para além dos padrões
instituídos pela Coroa portuguesa, havia casos de proprietários
insatisfeitos com a distribuição de mão-de-obra indígena
estabelecida pelo diretório, com o preço elevado dos escravos ou
simplesmente com desertores que contaram com a proteção de
moradores desejosos de manter uma organização socioeconômica à
margem daquela determinada pelo Estado.
O roubo parecia ser uma forma usual de sobrevivência
encontrada pelos desertores durante a sua clandestinidade para se
manterem longe das tropas. Em Cametá, desertores uniram-se ao
mulato Alexandre para praticar furtos. Alexandre, que contava com a
proteção do coronel João de Moraes Bittencourt, pai, dizia a todos
que seus filhos jamais seriam soldados e andava com desertores
pela praia de Cametá, furtando tartarugas.54
A prática do roubo conjugava-se com trabalhos em sítios, como
foi o caso de alguns desertores acoitados por donos de sítios que os
utilizavam no corte da madeira, além do trabalho em roças de
particulares, como ocorreu com o soldado Bento José da Casta,
escondido na roça do sargento-mor Cipriano Inácio em Portel.
Na capitania do Grão-Pará, na região que vai de Cametá a
Melgaço (principalmente nas vilas de Cametá, Melgaço e Portel),
passando pela ilha de Marajó, constatou-se regularidade de fuga de
soldados. Os desertores de Melgaço e Portel — constantemente
recrutados para fortalezas da capitania, principalmente as de Gurupá
e Macapá — procuravam circular no espaço entre suas vilas e,
protegidos por alguns moradores, em caso de dificuldades desciam o
rio e refugiavam-se nos mocambos de Joanes, onde, além de contar
com a conivência de moradores, tinham a cumplicidade dos escravos
fugidos. Esses soldados em fuga entravam em contato com escravos
e soldados desertores da ilha de Marajó, compartilhando
experiências comuns, o que os levava a se unirem contra as
diferentes formas de escravidão, declaradas ou não, pois o serviço
nas tropas representava uma forma compulsória de extração de
sobretrabalho. Cametá, Melgaço e todas as povoações de Marajó
eram vilas que tiveram sua origem em missões. Nelas havia uma
grande quantidade de índios que viam seus roubos não como um
crime, como alegavam as autoridades, mas como uma forma de
complementação de suas rendas.55
Apesar de obedecerem a um certo padrão de fuga e cometerem
diversos roubos, os soldados desertores não formavam uma
corporação criminosa. Na realidade, esses homens tentavam
controlar o curso de suas vidas, aparentemente interrompido pelas
autoridades metropolitanas no ato de incorporá-los nas diversas
tropas do Grão-Pará. Por isso, suas atitudes consideradas
desordeiras não eram fruto de sua condição social, mas da
necessidade de agenciar formas de sobrevivência, a fim de
garantirem uma vida autônoma.
Conclusão
Para equacionar as disputas coloniais com a França, Espanha e
Holanda, a Coroa portuguesa tomou medidas drásticas no Grão-Pará
na segunda metade do século XVIII. A vinda do irmão do marquês de
Pombal, Mendonça Furtado, reflete a intensa preocupação da Coroa
na região. Esse governador garantiu que os soldados fossem
adequadamente treinados para guarnecer as fronteiras e impedir que
os índios pudessem manter relações com as colônias estrangeiras,
pois era grande o medo de uma possível união entre as autoridades
das colônias estrangeiras e os indígenas. Esse medo fez com que
Mendonça Furtado criasse em 1757 o Diretório Pombalino.
A partir de 1773 houve maior recrutamento e treinamento das
tropas militares, na tentativa de reafirmar o projeto de controle do
Grão-Pará. Essas mudanças representavam a aplicação das
reformas militares elaboradas pelo conde de Lippe em 1763. Houve
a retirada de diversos homens de suas lavouras e de outros afazeres
cotidianos. Muitos foram imobilizados em tropas e não podiam
afastar-se sem permissão (tanto soldados pagos quanto auxiliares),
pois seriam considerados desertores, o que resultava em sua
perseguição e de seus familiares e em uma vida na clandestinidade.
Dessa forma, as autoridades moldaram homens, determinando o
tempo e o espaço pelos quais deveriam pautar suas vidas. Essa
instituição tentou pôr um fim definitivo na “vadiagem” dos índios, a
fim de que se tornassem úteis para si e para o Estado. No entanto,
os homens recrutados não foram tão pacíficos e resolveram
governar-se por leis próprias, mesmo que isso significasse uma vida
na clandestinidade.
Os desertores que viviam na clandestinidade procuraram
continuar suas vidas em meio à sociedade colonial, criando
estratégias que lhes permitissem manter seus laços de afetividade.
Para viver na clandestinidade, muitas vezes associaram-se a índios
e escravos fugidos, formando organizações clandestinas e contando
com o apoio de seus familiares e de outros moradores do Grão-Pará,
que também tentavam criar seu próprio espaço de autonomia ante a
imposição metropolitana.
A vida nos mocambos possibilitava a esses homens viverem por
suas próprias leis; neles, os desertores podiam plantar, caçar e viver
com seus familiares. Além disso, os desertores conjuntamente com
escravos fugidos promoveram roubos para complementar a
produção das suas roças. Os desertores escondidos em terras de
donos de sítios podiam executar seus antigos trabalhos e sustentar a
si e a seus familiares mesmo não estando perto deles. Dessa forma,
os desertores criaram uma vida autônoma dentro da ordem
estabelecida.
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“
T ributo de sangue” era a expressão usada pelos cidadãos do
Império para nomear as levas do recrutamento militar durante o
século XIX. No imaginário medieval, a expressão denotava a
contribuição dos guerreiros à ordem do mundo, ao lado daqueles
que labutavam e rezavam. No Brasil, por obra de um deslizamento
semântico, “tributo de sangue” adquiriu novos e estranhos
significados. A expressão evocava as práticas sangrentas do
recrutamento forçado, marcado pela violência e pela arbitrariedade.
A expressão fazia lembrar também a distribuição problemática e
desigual dos encargos militares, imersos em redes de isenção e
privilégio.
O recrutamento militar no Brasil dos séculos XVIII e XIX fez-se
acompanhar de uma complexa trama de negociações, resistências e
compromissos. Ao contrário do que faria supor a trivialidade da
experiência atual com as modernas formas de serviço militar, a
distribuição dos encargos do serviço das armas foi, na Colônia e no
Império, questão potencialmente explosiva, constituindo-se assim
em objeto privilegiado de história social.1
Notáveis recorrências ligam as práticas de recrutamento no
Brasil dos séculos XVIII e XIX. No que se segue, exploraremos o
conjunto de persistências e continuidades que configuram o jogo de
resistências e negociações que se tecem ao redor das levas. A
presença de uma dupla configuração institucional, a combinação de
uma administração honorária com ordens de privilégio, define os
contornos do recrutamento.
De um lado, as práticas de recrutamento refletem o baixo grau
de burocratização do Estado e sua dependência de formas indiretas
de governança, na forma de liturgias.2 A Coroa portuguesa — e,
mais tarde, o Estado imperial — não foi capaz de exercer sua
autoridade de modo direto, sem ampla delegação de poderes a
notáveis locais, em razão da precariedade das bases materiais e
morais da administração patrimonial. O exercício da arte da
obrigação seria assim essencial para o exercício do poder real. A
governança na esfera do recrutamento realiza-se por meio de um
amálgama de modos de governo simultaneamente internos e
externos às estruturas administrativas formais.
De outro lado, uma extensa rede de privilégios, imunidades e
isenções à volta do recrutamento impunha difíceis problemas de
justiça distributiva. Para além das regulamentações legais, uma
economia moral de regras não-escritas governa os procedimentos
do recrutamento, numa série de compromissos com as elites locais
e com concepções enraizadas de uma distribuição adequada dos
encargos. Uma luta constante para impor, evitar ou transferir a
outros os encargos do serviço militar marcava as rotinas do
recrutamento.
Não constitui tarefa fácil reconstruir em umas poucas páginas a
dinâmica que envolve o recrutamento nos séculos XVIII e XIX, em
todas as suas nuances e transformações. Nossa intenção foi tão-
somente esboçar um quadro de referência para o entendimento das
precondições que governavam os padrões de cooperação e conflito
entre o poder central, seus agentes locais e a população livre em
torno do jogo do recrutamento em circunstâncias “normais”, ou seja,
mesmo em tempo de paz.
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Vigilância na Marinha
A presiganga, como objeto de estudo, constitui-se em ponto de
acesso não somente à história da prisão no Brasil, como também à
cultura naval ou cultura marítima do país. Sob os cuidados do
Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, estabelecimento que zelava
pelos navios desarmados, a presiganga, além de ser ela mesma um
navio desarmado, cumpria uma das principais funções daquele
estabelecimento militar: um depósito de presos que eram
direcionados para os diversos empreendimentos da Marinha.
Quanto às atividades sob a responsabilidade do inspetor do
Arsenal de Marinha, podemos agrupá-las em três grandes funções.
Um conjunto de atividades se relacionava ao zelo com os navios de
guerra que não estivessem em campanha, mas sim desarmados,
aguardando reparos ou armamento para a linha de batalha. Ao
mesmo tempo, um outro conjunto de atividades referia-se à própria
disposição do estabelecimento, por sua inserção urbanomercante: o
Arsenal realizava vistoria e afretamento de navios mercantes,
recrutamento de marinheiros e soldados, demarcação de terrenos
de marinha e prestação de serviços cobrados, como transporte de
água e cavalos e fornecimento de pedra. O estabelecimento
utilizava a presiganga para depositar os presos que recebia.
Entender a presiganga deslocada ou afastada da repartição do
Arsenal seria, portanto, infrutífero; o papel dessa prisão sui generis
é revelado por sua inserção nesse estabelecimento que fazia parte
da administração central, e não local.4
Na estrutura burocrática da Marinha, o Arsenal do Rio de Janeiro
era o estabelecimento que exercia o dispositivo de vigilância no
cenário urbanomercante da capital durante a primeira metade do
século XIX.5 Não por acaso, na classificação das unidades
administrativas, o Arsenal era uma inspeção. Esse estabelecimento
manufatureiro estava situado no maior porto comercial do Atlântico
Sul à época,6 num espaço de intensa circulação e cruzamento de
militares e civis, de embarcações de guerra e mercantes.7 Como
complexo militar de vigilância, o Arsenal absorvia indivíduos que, em
decorrência de servidão penal, recrutamento forçado ou imposições
variadas, ganhavam papéis condizentes com o aparato militar da
Marinha. Bêbados, desertores, virtuais inimigos da nação,
capoeiras, “vadios”, criminosos, índios eram transformados em
galés, grumetes, marinheiros, soldados ou artífices. As entradas e
saídas de pessoas pelo Arsenal pressupunham conexões desse
estabelecimento com o Exército, a marinha mercante e a polícia.
Essas pessoas eram reunidas na presiganga, local de custódia
temporária, local de passagem para homens que eram
encaminhados para dois destinos principais: os trabalhos forçados
nas oficinas do Arsenal e na construção de um dique — a maior
obra naval da primeira metade do século XIX8 —, e o serviço militar
em navios de guerra.9
É legítimo perguntarmos se a presiganga, como parte de um
aparato de vigilância, era visível ou não para as pessoas que
circulavam pela baía de Guanabara. Situada ao norte da ilha das
Cobras, ou seja, “atrás” da ilha, a presiganga, pelo mar, só era
visível para quem adentrasse bastante a baía. Cronistas das
primeiras décadas do século XIX, como Luís Gonçalves dos Santos,
John Luccock, Louis de Freycinet e Maria Graham, mencionaram
em suas narrativas os trabalhos desenvolvidos pelo pessoal
empregado no Arsenal, mas não a presiganga. Houve um silêncio
não só de cronistas, como também da imprensa. A localização
espacial ajuda a entender essa passagem em branco pela crônica
periódica e de viajantes, mas um outro fator parece ter sido mais
decisivo: a tendência ao fechamento de uma instituição total como a
Marinha.10 É o que nos dá a entender um trecho do relato de um
autor anônimo sobre a presiganga:
O corpo da presiganga
O navio de guerra que serviu de presiganga tivera antes uma
vida comum a muitos do seu feitio. Navios de grande porte, as naus
de guerra, assim como fragatas, brigues e corvetas, faziam parte de
verdadeiras aventuras marítimas: compunham comboios para
navios mercantes, realizavam cruzeiros e transportes de cargas e
pessoas, deparavam com navios-piratas e corsos e entravam em
combates, a ponto de ganharem vida própria, como dão a entender
os anais que contam suas histórias, nelas incluindo batizados e
características distintivas como a figura de proa. Essas ações e
desempenhos foram dignos de memória, evidenciando acordos e
inimizades entre países, os grandes fluxos de comércio entre
continentes distantes e a necessidade de manter as guarnições em
forma, treinadas e disciplinadas para as mais diversas ocasiões.
A nau Príncipe Real desempenhou papel como nau capitânia ou
navio-chefe nos eventos de que participou. Construída no arsenal
da Bahia, sob a supervisão de Manuel Vicente Nunes, foi lançada à
água em 1771 e, com 67 metros, era o navio de maior quilha até
então construído pela Marinha portuguesa. Primeiramente batizada
Nossa Senhora da Conceição, tinha 16,5 metros de boca e 12 de
pontal, e podia ser artilhada com 90 canhões. Em 1794 entrou na
doca do arsenal de Lisboa para sofrer reparos e modernização, e
saiu do dique crismada como Príncipe Real.
A nau participou de três esquadras guarda-costas e também
integrou uma esquadra para comboiar uma frota do Brasil, formada
por 23 navios. Em 1807, a nau transportou de passagem a rainha d.
Maria I, o príncipe regente d. João, o príncipe da Beira d. Pedro de
Alcântara (futuro d. Pedro I) e os infantes d. Miguel e d. Pedro
Carlos, acomodados no navio que tomou o rumo da Bahia. Naquela
capitania, d. João assinou o decreto de abertura dos portos às
nações amigas, e foi de lá que a família rumou para o Rio de
Janeiro, onde chegou a 7 de março de 1808.12
A Príncipe Real participou de um dos eventos mais significativos
da história comum a Portugal e Brasil: a transmigração da família
real portuguesa para a colônia da América, integrando uma
esquadra de guerra portuguesa. Depois disso, a nau desapareceu
dos anais e caiu em uma espécie de penumbra. É como se aquele
tempo de ações, de atividades no mar desaparecesse e cedesse
lugar a uma situação letárgica, mais de estado do que de ação. Com
efeito, como presiganga, ela ficava fixa, ancorada, e eram os presos
que se movimentavam, entrando e saindo da nau. A presiganga só
se dá a entender assim, como depósito de degredados, galés,
prisioneiros de guerra, recrutas, escravos e infratores militares. É
como se as ações convencionais de um navio de guerra tivessem
sido substituídas por uma condição decaída, menor, indigna de ser
registrada pela memória, em todos os sentidos: pelo estado físico
em que se achava e pelos presos que custodiava.
Entre os grupos de presos na presiganga, o de galés era o
mais “fixo”, a exemplo de outras experiências históricas com que a
presiganga tinha parentesco. Na costa sul da França, durante o
reinado de Luís XIV (1643-1715), no porto de Marselha, 40 galeras
de guerra (galères), navios próprios para a navegação no
Mediterrâneo, abrigavam cerca de 10 mil trabalhadores forçados
(les forçats). Tratava-se da mais imponente frota de galeras da
época moderna.13 Na Inglaterra, no rio Tâmisa, entre 1778 e 1857,
44 navios velhos e abandonados (hulks) mantinham, cada um, 200
a 500 condenados a trabalhos forçados (hard labour). Navios
mercantes foram utilizados no serviço de custódia, por meio de
contratos firmados entre os proprietários e o governo, já que o
comércio e o traslado de degredados para a América ficou abalado
com a independência dos Estados Unidos.14 As galeras francesas e
os navios ingleses revelavam muitas semelhanças com a
presiganga: estavam vinculados a uma administração central e
tinham ligações com os arsenais de marinha daqueles países, onde
se realizava todo tipo de serviços navais de doca. Outra semelhança
refere-se ao número de trabalhadores forçados, chegando à casa
dos 500.
A guarnição da presiganga
A presiganga dispunha de uma guarnição formada por capelão,
cirurgião, boticário, escrivão, despenseiro, oficiais marinheiros,
marinhagem e tropas, a qual era incumbida de diversas tarefas:
guarda dos presos, escolta dos trabalhadores forçados para os
locais dos trabalhos e sentinela nesses mesmos locais, exames de
saúde, administração de medicamentos, conforto espiritual e zelo
pelo corpo da embarcação.
Na falta de um regimento ou regulamento que fizesse observar
as normas de funcionamento da presiganga, os membros da
guarnição da nau se dão a conhecer menos pelo exercício cotidiano
das atividades e muito mais por infrações cometidas. Pessoas que,
em princípio, deveriam zelar pelas normas cometiam delitos,
assemelhando-se aos presos na presiganga. Temos acesso às
atividades corriqueiras da equipe dirigente do depósito antes pela
não-adequação de seus membros ao ideal corporativo do que pela
adaptação a esse ideal.15
O comandante da presiganga, Marcelino de Souza Mafra, talvez
tenha sido o membro da guarnição que mais se adequou e adaptou
ao ideal corporativo, já que ele foi um exemplo de distinção, tendo
merecido destaque honroso por agregar um conjunto de qualidades
valorizadas pela corporação, entre elas a subordinação, a disciplina
e a lealdade ao monarca. A distinção, fazendo parte da cultura
militar naval, operava em um sentido ascendente, no sentido de
promover, valorizar, qualificar positivamente um membro da
corporação, a exemplo de oficiais de patente como Mafra, que
recebiam um documento firmado pelo monarca — a carta-patente
—, no qual se reconheciam os seus direitos e privilégios.
Mafra teve uma carreira militar impecável, sem cometer, aos
olhos de seus superiores, qualquer falta que o desabonasse, sendo
condecorado, em 1816, com o grau de cavaleiro da ordem militar de
São Bento de Avis.16 Enquanto esteve lotado naquela nau, desde
dezembro de 1808 até junho de 1830, obteve as patentes de major
e tenente-coronel. Não há indícios de que Mafra tirasse licenças
regularmente. Pelo contrário, só em 1825 ele pediu alguns passeios
em terra, para benefício de sua saúde. Portanto, Mafra viveu
praticamente em reclusão na presiganga, por pelo menos 21 anos.
A estada prolongada foi interrompida por males de saúde, e não por
falhas profissionais.17 Não há notícias de que tenha contraído
matrimônio e deixado descendência, o que evidencia uma vida
exclusivamente dedicada à corporação.
Um contraponto à dedicação ao serviço naval é o
comportamento infrator do boticário da presiganga, José Joaquim de
Brum. Em dezembro de 1826, Brum tirou licença para ir à terra, só
que não retornou à presiganga no tempo previsto — no mais tardar,
no dia seguinte —, comunicando ao comandante do depósito:
Os presos na presiganga
A Marinha foi uma das instituições responsáveis pelo uso de
mão-deobra forçada na época de independência do Brasil. Para
tanto, alguns dos seus estabelecimentos e empreendimentos se
transformaram em locais e destinos de criminosos e indesejáveis: os
trabalhos navais efetuados pelo Arsenal de Marinha requeriam
braços tanto em terra (oficinas) quanto no mar (navios desarmados),
na pedreira em desmonte e no dique em construção, ambos na ilha
das Cobras. Os navios de guerra também incorporaram indivíduos
infratores da ordem social para a prestação de serviço militar. Não é
difícil perceber que esses locais eram de domínio masculino, já que
trabalhos forçados e serviço militar eram exercidos exclusivamente
por homens.
Existiam variados grupos de homens depositados na presiganga,
cada um deles relacionado a um modus operandi peculiar à
Marinha, todos carregando uma tarja, ainda que simbólica, do
serviço forçado, seja por condenação, recrutamento ou imposições
variadas, e assim eram encaixados nas atividades do Arsenal e da
Armada. Os homens que passaram pela presiganga na condição de
condenados judicialmente — pela Justiça comum ou militar — foram
objeto de maior controle contábil, pois constituíam a mão-de-obra
mais “fixa”, condenada a um determinado número de anos aos
trabalhos pesados, assim como os escravos em correção e os
prisioneiros de guerra também empregados naqueles trabalhos. Já
os advindos do recrutamento forçado tinham anotada sua entrada e
saída da presiganga, mas não faziam parte de um controle numérico
continuado, como os “mapas da presiganga” o faziam com relação
aos trabalhadores forçados.23
Assim, temos que, no ápice, a quantidade de trabalhadores
forçados empregados nos trabalhos do dique e do arsenal chegou a
542 homens, em 1o de dezembro de 1827. A maioria (328, ou
60,5%) foi empregada no dique, enquanto o restante (214, ou
39,5%) foi utilizado no Arsenal.24 Em pleno conflito da Cisplatina
(1825-28), quando a guerra de corso tomou vulto maior e o olhar
vigilante tornou-se mais rigoroso com relação às faltas disciplinares
de militares e à ação criminosa, os trabalhos forçados na Marinha
foram vistos como o destino lógico para homens que haviam burlado
a lei ou simplesmente eram considerados inimigos da nação
(prisioneiros de guerra).
O trabalho forçado como método de punição esteve associado
ao regime da escravidão e calcado em interesses sobretudo
econômicos. Como outras penas aplicadas à época, não visava
primordialmente à reabilitação do criminoso: seu principal objetivo
era obter a força de trabalho mais barata possível para o Estado.25
Para corroborar essa concepção, o ministro da Marinha Miguel de
Souza Mello e Alvim, em relatório de 1829, afirmou que o dique em
construção não representava dispêndio algum para a nação.26 Do
ponto de vista econômico, o dique não era visto pela autoridade
naval como uma obra dispendiosa, pelo menos não em termos
financeiros, que onerasse o erário, mas do ponto de vista humano o
trabalho forçado sempre colocou os condenados em condições de
precariedade.
Apesar de a instituição total caracterizar-se por um padrão
humanitário de tratamento dos internados — de fato, havia exames
daqueles presos e, quando doentes, eram remetidos para o Hospital
Militar —, o que mais marcou a condição dos trabalhadores forçados
na presiganga foi aquilo que Goffman denominou processo de
mortificação do “eu”,27 na medida em que recebiam o mesmo tipo
de comida, deviam cumprir horários rígidos e recebiam o mesmo
fardamento. Em maio de 1828, o comandante da presiganga
anunciava o recebimento de 155 fardamentos para alguns
sentenciados, apontando a penúria de outros condenados (estavam
há um ano com camisola e calça de lona) e dos prisioneiros de
guerra (“estão no último apuro da nudez”):
Transição e agonia
A existência da presiganga (1808-31) coincidiu com o período de
passagem da Marinha portuguesa à Marinha brasileira. Esta
absorveu daquela o aparato institucional e os estabelecimentos
edificados na colônia, a exemplo do Arsenal e da presiganga, mas
os adaptou à realidade do novo Estado. O navio que servia de
prisão tinha sido outrora uma nau de guerra portuguesa e, no Brasil,
deixou de ter os atributos de navio armado, pronto para o combate,
passando a ficar desarmado, depois de ter sofrido avarias. Perdeu a
função bélica e ganhou uma função prisional, ainda que sob o signo
do provisório. No Brasil, as naus movidas a vela tiveram pouca
serventia, pois as únicas remanescentes da Armada portuguesa
utilizadas em campanhas navais foram a Vasco da Gama e a Pedro
I, aposentadas do serviço ativo durante a guerra da Cisplatina. Esta
requeria antes de tudo embarcações de pequeno porte que
navegassem no rio da Prata e seus baixios, e não grandes naves
próprias para atravessar oceanos.
A presiganga situou-se ainda na confluência entre o burburinho
do circuito urbano-mercante do Rio de Janeiro, então o principal
porto de comunicação entre o Brasil e os outros países, e o mundo
corporativo, com suas regras próprias, representado pela Marinha;
entre o universo comercial do porto, das exportações, dos lucros e
da perda, e o severo, hierárquico mundo militar; entre a vida social
que os presos divisavam em suas idas e vindas para a presiganga,
e a ordem institucional, que se concebia como específica, à margem
desse mundo. Além disso, situada entre a terra firme e o alto-mar, a
presiganga ficava fundeada num espaço de intensa circulação não
só de navios de guerra, mas também mercantes. Os presos que ela
custodiou em boa parte tiveram passagem por sumacas e
bergantins e foram aproveitados em naus, fragatas, brigues e
corvetas; tiveram passagem pela polícia, formando as levas colhidas
na cidade portuária, e desempenharam papel como forçados e
recrutas no serviço militar-naval. Os trabalhos no Arsenal e no
dique, assim como os trabalhos nos navios de guerra, tinham a
intenção de pôr operários, marinheiros e soldados em regime
disciplinar, sujeitos aos recursos para o bom adestramento: a
vigilância de superiores, as mostras e o cumprimento de horários e
a sanção normalizadora, de modo a torná-los úteis. Índios, “vadios”,
capoeiras, criminosos, escravos fugitivos e prisioneiros de guerra
foram absorvidos pela Marinha e receberam outros papéis: artífices,
grumetes, soldados, marinheiros, galés.
Em agosto de 1831, a mestrança do Arsenal de Marinha
apontava a completa ruína da Príncipe Real, de tal forma que os
presos e a guarnição da presiganga foram transferidos para as
charruas Ânimo Grande e Jurujuba, e fez-se leilão da Príncipe Real,
já que esta corria risco de ir a pique. Porém, a revolta do Corpo de
Artilharia da Marinha, em 6 de outubro daquele ano, impediu a
entrega da nau ao seu arrematante, já que ela voltou a ser depósito
de presos — no caso, dos soldados revoltosos vencidos. Em
dezembro, a Príncipe Real pôde finalmente ser entregue ao seu
novo dono, já que os presos foram transferidos para a Ânimo
Grande, a Jurujuba e para a nau Pedro I, as novas presigangas.
A agonia da presiganga deveu-se à precariedade física da
embarcação, mas esse tipo de prisão passou a ser anacrônico a
partir de uma série de revoltas que tomaram corpo no explosivo ano
decorrido entre abril de 1831 e abril de 1832, depois da abdicação
de d. Pedro I, quando os clamores de diversos setores sociais,
inclusive militares, tomaram vulto.
Memória e esquecimento
Houve um esquecimento do significado anterior da prisão como
um local de passagem, como simplesmente uma estada, uma
parada rumo a outras punições, ou rumo à comutação ou ao perdão
da pena. Essa suspensão do passado da presiganga pode ser
explicada por três fatores, complementares entre si. Primeiro, pela
própria inexistência desse navio no presente. A presiganga não
atraiu cuidados preservacionistas, seja devido ao próprio
desenvolvimento da indústria naval — que pressupunha o descarte
de modelos antigos —, seja devido à deterioração, mais intensa em
artefatos sujeitos às intempéries do ambiente marítimo. Existe um
segundo fator, mais forte, para o esquecimento: o “presentismo”
com relação às penitenciárias. A suposição errônea de que as
prisões sempre foram as mesmas em todos os tempos não deixa
enxergar a historicidade desse fenômeno. A terceira causa para
essa exclusão da memória é a aversão que determinados grupos
sociais começaram a ter por esse modelo de punição enquanto ele
ainda existia, associado que estava a penas e castigos corporais,
numa época em que parte da sociedade já defendia a regeneração
do indivíduo nas prisões e a aplicação de penas mais “humanas”.
Um exemplo dessa consciência crítica foi a “Dissertação abreviada
sobre a horrível masmorra chamada presiganga existente no Rio de
Janeiro”, cujo autor, até hoje anônimo, foi o mais contundente crítico
da presiganga. Ao longo das décadas de 1830 e 1840, surgiram no
Brasil tentativas de expurgar da legislação e da prática penal tudo
aquilo que, aos olhos da sociedade, assumia feição “bárbara”,
“desumana”, como que querendo deixar para trás e esquecer um
tempo condenável, em que as penalidades eram impostas por um
código de herança ibérica — as Ordenações Filipinas (1602) — em
via de superação.30
Uma vez que a memória histórica é elitista, há um artefato da
Marinha da mesma época que, ao contrário da presiganga, mereceu
ser preservado e recordado: a galeota Dom João VI. Fabricada em
1808, quando da estada de d. João na Bahia, a galeota ganhou
estatuto de relíquia nas letras do historiador memorialista carioca
Carlos Sarthou, do historiador naval Levy Scavarda e do
conservador técnico do Museu Histórico Nacional Marfa Barboza
Vianna,31 e encontra-se atualmente exposta à visitação pública no
Espaço Cultural da Marinha, no Rio de Janeiro. A galeota foi
contemporânea da nau presiganga. Esta, no entanto, perdura no
esquecimento, como o demonstrou a exposição “Dom João VI: um
rei aclamado na América”, aberta ao público de 10 de setembro a 8
de novembro de 1999 no Museu Histórico Nacional e que não fez
uma única menção ao fato de a Príncipe Real ter-se tornado uma
presiganga.
Um condicionamento da memória talvez ajude a explicar o
esquecimento. Imaginamos alguma embarcação do presente ou do
passado sempre em ação, em movimento, empreendendo alguma
viagem, seja singrando os sete mares, seja atuando na pirataria ou
naufragando. Com efeito, se formos nos fiar nos relatos literários, de
cunho religioso ou não, nas histórias que nos contaram ou que
lemos na infância e nos bancos escolares, as embarcações realizam
algum percurso, alguma travessia, seja ela de que ordem for — de
iniciação, de redenção, de aprendizagem, de sofrimento: a Arca de
Noé, embarcações naufragadas, a Nau dos insensatos, o navio
baleeiro Pequod em Moby Dick, O navio negreiro de Castro Alves. O
contraponto a essa imagem em movimento é o cemitério de navios,
seja daqueles à vista, encalhados, que se tornaram ferro-velho, seja
daqueles submersos, fonte de pesquisa para a arqueologia
subaquática ou fonte de aventura e cobiça para mergulhadores e
caçadores de tesouros. A presiganga, à época de sua existência,
não era nem uma coisa nem outra: nem uma embarcação em
movimento, completando alguma travessia, nem um navio
apodrecendo em algum depósito. Pelo contrário, era um depósito de
pessoas, e muito útil. Depósito fixo, ancorado, surto, fundeado.
A presiganga fazia parte de uma série de outras embarcações
também desarmadas, sob a supervisão do Arsenal de Marinha, um
estabelecimento de logística que amparava e dava suporte à
Armada. O navio que servia de prisão despertou o interesse apenas
do historiador naval Juvenal Greenhalgh, embora de forma
ambígua. Ao mesmo tempo que Greenhalgh nutria um vivo
interesse pelo passado da Marinha, também sentia repulsão pela
presiganga, na medida em que, para ele, se tratava de uma
embarcação decaída, muito pouco dada a uma narrativa de feitos
gloriosos e memoráveis. Presigangas e calabouços, com efeito,
trata do lado obscuro da Marinha, de ébrios e escroques, de
infratores, de punições corporais, assuntos incômodos não só para
os próprios historiadores navais como para a sociedade em geral.
O “assunto maldito” presiganga, no entanto, representa um
grande arquivo a partir do qual podem ser estudados temas culturais
como a embriaguez, as marcas corporais (voluntárias, como as
tatuagens, e involuntárias, como as advindas de castigo), as
relações entre o corpo do embarcado e o corpo do navio, as redes
de solidariedade e de disputa entre gangues. Uma série de outras
temáticas pode ser abordada com base nos entrelaçamentos
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Tabela 1
País ou província de origem
(N = 46)
Tabela 2
Ocupação dos pais
(N = 46)
Tabela 3
Títulos
(N = 46)
Tabela 4
Formação acadêmica
(N = 46)
Tabela 5
Cargos políticos
(N = 46. Desta amostra 17 oficiais-generais ocuparam ao longo da vida mais
de um cargo político.)
O título de cadete
Cadete foi um título honorífico criado por d. José I em 1757. O
alvará assinado em 16 de março exprime com clareza a intenção do
monarca:
A formação
A sistematização dos dados biográficos da geração de generais
de 1840 revela outro traço importante dessa tradição militar
portuguesa — a formação acadêmica era dispensável na construção
de uma carreira bemsucedida. Dos generais dessa geração, 65,2%
atingiram as mais altas patentes do Exército sem passar pelos
bancos escolares. Dos que viveram a juventude em Portugal,
apenas sete tiveram formação acadêmica. Ainda assim, isso era
uma novidade. Tanto que quatro deles tiveram que cursar
academias da Marinha. A procura por uma formação acadêmica se
devia ao avanço do uso das armas de fogo e à evolução das
técnicas de fortificação ocorridos na segunda metade do século
XVIII. Com esse avanço, as aulas ministradas nos regimentos
mostravam-se insuficientes. Esses jovens estavam interessados em
seguir carreira nas armas de artilharia e engenharia. Por isso, um
deles matriculou-se no curso de matemática da Universidade de
Coimbra. Matemática era a base da formação desses oficiais. O
estatuto das duas academias — a Real Academia de Marinha de
Lisboa e a Academia de Guardas Marinhas — previa um curso de
três anos. A estrutura era a mesma. Nesses três anos, estudava-se
matemática superior, e, no último, técnica naval. Assim, quem
pretendia servir no Exército cursava apenas os dois primeiros anos.
Mas a Academia de Marinha de Lisboa oferecia ainda um ano
complementar, com lições de fortificação e engenharia para os
oficiais que pretendessem servir como engenheiros. Depois disso,
eles seguiam para os regimentos.7
A primeira academia militar com um funcionamento mais regular
e prolongado, voltada para a formação de oficiais do Exército, foi
criada por carta régia de 4 de dezembro de 1810, no Rio de Janeiro.
Ela impressionava ao ser apresentada como um curso que visava
“formar hábeis oficiais de artilharia e engenharia, e ainda mesmo
oficiais da classe de engenheiros geógrafos e topógrafos, que
possam também ter o útil emprego de dirigir objetos administrativos
de minas, caminhos, portos, canais, pontes, fontes e calçadas”.
Essa finalidade, definida nas primeiras páginas de seu estatuto,
acabou produzindo um currículo escolar com um grande número de
cursos distribuídos ao longo de sete anos de formação. Não é difícil
imaginar o impacto provocado pela proposta. O curso não era
concluído integralmente por todos os alunos. Aqueles que se
destinavam às armas de infantaria e cavalaria apenas estudavam as
matérias do primeiro ano (matemática elementar) e os assuntos
militares do quinto ano. Só dos artilheiros e engenheiros era exigido
o curso completo. Por isso, essas eram consideradas armas
“científicas”. Requeriam estudos de matemática superior, balística e
fortificações. “Vale destacar ainda que as armas não eram vistas
como linhas específicas de estudos militares. Ou seja, os sete anos
de estudos para artilheiros e engenheiros incluíam os estudos de
infantaria e cavalaria.”8
Foi nessa academia que nove dos generais com estudos
superiores se formaram. Apesar do significativo avanço que seu
currículo representa, não podemos esquecer que seus cursos não
eram obrigatórios e que, na sua organização, ela era
completamente desmilitarizada. Esse é um ponto importante. O
regime escolar era de externato e não havia praticamente nenhuma
regra disciplinar. O que se via nessa matéria encontrava-se também
em estabelecimentos civis. A respeito do horário das aulas, o
estatuto informava que “os estudantes devem achar-se nas suas
respectivas aulas às horas em que se der princípio às lições” e
exigia que “para com os seus mestres se haverão com o maior
respeito”. Nenhuma outra norma era fixada. Não se mencionavam
uniformes ou formaturas. A academia também não tinha um
comando unificado. A direção era colegiada, composta por uma
junta de cinco militares, devendo ser seu presidente um tenente-
general do corpo de artilharia ou engenharia. Isso obviamente gerou
vários problemas para o estabelecimento. Examinando o arquivo da
academia, depositado no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, é
possível encontrar vários casos sérios de indisciplina, de falta de
professores e de aprovação de alunos com um número excessivo
de faltas. Esse tipo de problema também tinha sido experimentado
pelo Real Colégio dos Nobres, em Portugal. D. José I, através do
alvará de 13 de março de 1772, reconhecia publicamente a
necessidade de “combater a relaxação” do estabelecimento.
Mencionava a “indocilidade dos alunos”, a “pusilanimidade dos
superiores” e terminava o documento reconhecendo o “decaimento
do colégio”. A direção da Real Academia Militar, em ofício de 21 de
março de 1820, assumia a “evidente decadência do
estabelecimento”.
Reconhecer o caráter desmilitarizado da Real Academia Militar e
os cotidianos problemas de disciplina experimentados por seus
alunos e por aqueles que freqüentaram o Real Colégio dos Nobres,
mais do que descrever seus currículos, é fundamental para desfazer
uma certa imagem, bastante naturalizada, do que é ser militar no
século XIX.9 Os oficiais que integravam o corpo de generais do
Exército brasileiro nos anos de 1840 não detinham um
conhecimento técnico específico sobre a arte da guerra, não
partilhavam de valores orientados por uma disciplina rigorosa, nem
constituíam um grupo unificado por uma forte identidade corporativa.
Isso porque nenhuma experiência vivida por eles durante os anos
de formação visava desenvolver esses conhecimentos e predicados.
Esse perfil é de um militar do século XX. Para sua construção, a
instituição-alvo dos governos nacionais foi a Academia Militar.
Transformada em etapa obrigatória na formação de oficiais, é entre
seus muros, ainda hoje, pela separação dos jovens aspirantes à
carreira do restante da sociedade, que tem início um treinamento
intensivo capaz de desenvolver essas competências, valores e
solidariedade atribuídos ao grupo. Ou seja, esse é por excelência o
lugar de construção da identidade social do militar tal como
conhecemos, militares que se vêem como um “nós” em oposição a
um “eles”, os civis — lugar de formação de um espírito militar.10 Dos
46 generais de 1840, 30 não passaram por uma academia, nove se
formaram em uma academia recém-criada, desmilitarizada e com
sérios problemas de disciplina, quatro cursaram uma academia da
Marinha, dois estudaram entre nobres em uma instituição também
marcada pela indisciplina, e um fez o curso de uma universidade
civil. Se retomarmos a pergunta sobre o perfil desses generais, o
único traço comum que encontraremos, e que desse modo poderia
dar alguma forma ao grupo, é sua estreita vinculação com a Coroa e
a vida de corte. Mesmo os oficiais que não tinham ingressado na
carreira como cadete, para construir uma trajetória bem-sucedida no
Exército dependiam da munificência real. A Coroa detinha o
monopólio de distribuição das patentes e, ao agraciar os oficiais
com uma promoção, também distribuía entre eles diversas graças
honoríficas. Dezesseis deles foram agraciados com títulos de
nobreza: eram barões, viscondes, condes, marqueses, e um chegou
a duque. Para selar essa dependência, não deixando dúvidas sobre
a origem da posição que ocupavam, é que foi baixado o decreto de
1789: ao alcançar as duas mais altas patentes do Exército, todos
esses oficiais recebiam a mercê de fidalgos da casa real.
Um esboço de tipologia
Destacar a importância da prestação de serviços à monarquia
pode dar a idéia de que esses serviços eram realizados
necessariamente na guerra, o que seria um equívoco. Uma leitura
dessas sínteses biográficas atenta aos recursos mobilizados pelos
generais para obter promoções ao longo de suas vidas permite
identificar três trajetórias possíveis na construção de uma carreira
militar: a do “combatente”, a do “técnico” e a do “administrador”.
Todavia, antes de prosseguir, vale registrar que, dada a falta de
formações burocráticas mais complexas, impessoais e
independentes de quem ocupava o trono, o nível de formalização
dessas trajetórias era muito baixo e o cumprimento delas não
bastava para garantir ao oficial sucesso na carreira.
Na categoria de “combatente” estou agregando as trajetórias
mais tradicionais, aquelas que se organizaram a partir dos campos
de batalha. Elas foram trilhadas por oficiais que aprenderam a ser
militares e ascenderam na hierarquia do Exército combatendo
rebeliões internas e defendendo a Coroa em conflitos internacionais.
Entre os generais de 1840, há dois grupos bem definidos. Um deles,
mencionado anteriormente, era composto de militares nascidos em
Portugal que conquistaram suas primeiras patentes nas campanhas
peninsulares. Ao embarcar para o Brasil, anos depois, seguiram
para o Sul, onde deram continuidade a suas carreiras. João
Crisóstomo Calado foi um desses oficiais. Nascido em Elvas, filho
de coronel do Exército, Calado assentou praça de cadete no 20o
Regimento de Infantaria português em 1795, com 15 anos de idade.
Na guerra de 1801 combateu os espanhóis e, terminada a
campanha, cursou as aulas de matemática de seu regimento. Em
1808, depois que a família real partiu para o Brasil, passou à
Espanha, onde algumas forças estavam sendo reunidas para
expulsar os franceses, e foi nomeado ajudante-de-ordens do
general espanhol d. Antônio de Arcé, servindo nesse posto com a
patente de tenente. Ainda sob o comando de d. Arcé, integrando a
divisão inglesa, fez toda a campanha até 1814, quando retornou a
Portugal como major. Recomendado ao governo por seu
comandante, foi remunerado com a cruz de São Bento de Avis e a
tença (pensão) correspondente. Após dois anos em Lisboa, o então
tenentecoronel Calado foi encarregado de organizar o 4o Batalhão
de Caçadores com o qual se apresentou para integrar a expedição
do tenente-general Lecór, com destino ao Brasil. Aí chegando,
marchou para a banda oriental do Uruguai. Por sua participação
nessa divisão, denominada “voluntários reais de el-rei”, obteve como
prêmio a condecoração da Torre e Espada. Aderindo à
independência e comissionado à Corte para dar notícias ao
imperador sobre as condições político-militares da região Sul,
recebeu sua primeira patente de oficial-general, tornando-se
brigadeiro. Com uma longa vida no serviço de Sua Majestade, ao
falecer, em 1857, João Crisóstomo Calado era fidalgo cavaleiro da
casa imperial, comendador da Ordem de São Bento de Avis e da
Imperial Ordem da Rosa, oficial da Imperial Ordem do Cruzeiro e
cavaleiro da Torre e Espada. Fora também condecorado com a Cruz
da Campanha Peninsular da Europa e a Estrela de Ouro do Rio da
Prata, e nomeado conselheiro de guerra e marechal do Exército.
Os combates na região Sul também criaram oportunidade para
vários oficiais, nascidos no Brasil, darem provas de sua fidelidade à
Coroa. Alguns deles, integrantes das forças milicianas, por conta do
bom desempenho nessas lutas passaram ao Exército, tendo acesso
a altas patentes e a títulos nobiliárquicos. A trajetória de Antero José
Ferreira de Brito é nesse caso bastante expressiva. Nascido em
Porto Alegre, o jovem Antero alistou-se, aos 21 anos de idade, sem
distinção, nas antigas milícias da capitania do Rio Grande do Sul. A
invasão da Banda Oriental do Uruguai pelas forças imperiais em
1811 foi a primeira oportunidade que teve de prestar serviços à
Coroa. Por seu desempenho no comando de uma bateria, o
marechal Manoel Marques de Souza, a quem estava subordinado, o
nomeou tenente-secretário da legião de cavalaria. Iniciada a
campanha de 1816, por indicação do mesmo marechal, foi
promovido a capitão, passando a adido ao Estadomaior do Exército,
por ter sido na mesma ocasião também nomeado seu ajudante-de-
ordens. Nesse cargo, realizou toda a campanha de 1816 a 1820,
sendo, ao final deste último ano, elevado ao posto de coronel de
segunda linha e agraciado com sua primeira comenda, da Ordem de
São Bento de Avis. Em outubro de 1821, Antero de Brito, apoiado
pela Câmara e pelo vigário-geral de Porto Alegre, proclamou um
novo governo na cidade. Denunciado o golpe, ele foi preso,
submetido a uma comissão militar e enviado à Corte. A atitude
poderia comprometer seriamente sua carreira. Mas, diante dos
acontecimentos de 1822, da necessidade de apoio político do
primeiro imperador, sua prisão foi relaxada, e Antero de Brito teve
uma nova oportunidade para provar sua fidelidade à monarquia.
Para isso, compareceu à reunião do Campo de Santana — palco
dos principais acontecimentos políticos da época — e fez frente às
tropas da divisão lusitana. Por seu empenho, o imperador lhe
ofereceu uma outra ocasião de afirmar sua fidelidade à nova Coroa:
o nomeou para seguir em diligência a Montevidéu e o contemplou
com o hábito da Ordem Imperial do Cruzeiro. Regressando dessa
comissão, foi efetivado coronel e seguiu, em 1823, para a Bahia.
Aochegar à província, apresentou-se ao general Labatut e foi
designado para assumir o cargo de quartel-mestre general. Os
sucessos alcançados na expulsão dos portugueses lhe renderam a
mercê de moço da imperial câmara, permitindo que no ano seguinte,
em 1824, fosse lembrado para integrar a expedição do general
Francisco de Lima, destinada a combater os confederados de
Pernambuco. Seguia a expedição no mesmo cargo de quartelmestre
general. A adesão de outras províncias ao movimento criou nova
oportunidade: passou a comandante de armas da Bahia, um cargo
bemconsiderado entre os militares. Só então ingressou no Exército.
Executados os líderes confederados, voltou para Pernambuco,
assumindo o comando de armas da província em 1825 e nele
permanecendo, sem interrupção, até 1830. Em 1828, pelo êxito na
condução dos melindrosos negócios de Pernambuco, foi promovido
a brigadeiro. Ao longo desses anos acumulou várias outras mercês,
como o oficialato da imperial ordem do Cruzeiro e o dignitário da
mesma ordem, e tornou-se guarda-roupa honorário da imperial
casa. Até 1856, quando morreu no Rio de Janeiro, o general ainda
ocupou os cargos de ministro da Guerra, presidente das províncias
do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e vogal do Conselho
Supremo Militar, foi feito veador de Sua Majestade imperial, ganhou
a grã-cruz da Ordem de São Bento de Avis e, para coroar sua
carreira, recebeu o título de barão de Tramandaí.
A segunda trajetória era construída através da prestação de
serviços especializados, sobretudo de engenharia — daí o nome
“técnico”. Obviamente, ela exigia do oficial formação superior. Os
que chegaram ao Brasil na comitiva real foram privilegiados. Coube-
lhes a coordenação das inúmeras obras de infra-estrutura realizadas
na cidade, principalmente o levantamento de plantas, o
“ensecamento” e o nivelamento de terrenos. Esses oficiais quase
nunca seguiam em expedições militares e, mesmo quando
viajavam, só raramente participavam de combates ou faziam
trabalho de engenharia militar. Eles geralmente integravam essas
expedições para assumir a chefia do setor de obras públicas da
capital da região em conflito, trabalhando na elaboração de mapas
topográficos e administrativos das diversas províncias ou
escrevendo tratados fronteiriços. Enrique Isidoro Xavier de Brito, por
exemplo, apesar de todos os combates que ocorriam no Reino e
nas terras americanas, nunca participou de nenhuma deles,
alcançando mesmo assim a patente de marechal do Exército.
Nascido em Lisboa, em maio de 1782, Enrique Isidoro assentou
praça no Exército como cadete aos 14 anos. Aos 16, matriculou-se
na Real Academia de Guardas Marinhas. O curso lhe garantiu o
posto de segundo-tenente da Armada Real mas, como seu interesse
era obter o grau de engenheiro, em 1805, aos 23 anos de idade,
matriculou-se nas aulas de fortificação e desenho do Exército. Em
Portugal, só teve tempo de concluir seu curso. Com o avanço
napoleônico, embarcou com a comitiva real para o Brasil. Sua
carreira seria construída nos trópicos. Logo em 1808, recebeu uma
promoção: a patente de capitão do Real Corpo de Engenheiros.
Tendo sido criado o Arquivo Militar, lá exerceu sua primeira função
na nova corte. No ano seguinte, pelos serviços prestados no
arquivo, foi promovido a sargento-mor (major) e, dois anos depois,
em 1811, assumiu um cargo compatível com sua qualificação,
ficando encarregado das obras da Real Academia Militar, dos
quartéis de artilharia e do 3o Regimento de Infantaria, e do Hospital
Militar. Ao pôr fim às obras, em 1814, recebeu Imediatamente uma
promoção e ascendeu a tenente-coronel. A partir de então, dirigiria
várias obras militares da cidade, como as do forte de Caraguatá e
da fortaleza de São João, mas serviria também no levantamento de
plantas da região central da cidade: dos Sacos da Gamboa, do
Alferes e de São Diogo. Trabalharia ainda no nivelamento do Rio de
Janeiro, nas plantas do novo aqueduto do Maracanã e de todo o
terreno entre o Andaraí Grande e o Campo de Santana. Como
remuneração por esses serviços, foi efetivado, em 1818, no posto
de tenente-coronel. O trabalho seguinte foi prontificar o
aquartelamento do regimento de cavalaria miliciana na Quinta do
Macaco (Vila Isabel). Em 1823, sem ter tomado parte como militar
nas manifestações ocorridas em praças e ruas da corte, era
nomeado coronel. Em 1826, ingressava no generalato — tornava-se
brigadeiro. Até seu falecimento, em 1853, assumiria ainda o cargo
de presidente da Diretoria de Obras Públicas do Rio de Janeiro e,
por todos os serviços prestados a Sua Majestade, foi elevado a
marechal-de-campo e fidalgo cavaleiro da casa real.
A terceira trajetória — a do “administrador” — é a que mais se
afasta da imagem que fazemos de um militar. Há no grupo dos
generais de 1840 oficiais sem formação acadêmica e com atuação
militar inexpressiva. Eles construíram toda a sua carreira na
administração real, ocupando cargos na administração militar (na
Academia Militar, no Arquivo Militar ou na administração de quartéis
e fortalezas) e servindo por vezes — isso é o mais curioso — em
funções completamente alheias ao Exército. José de Oliveira
Barbosa, como vários outros jovens dessa geração, assentou praça
de cadete no Regimento de Infantaria do Rio de Janeiro. Nessa
época, em 1775, contava 22 anos. Seu avô havia erguido o nome
da família, bastante prestigiada no interior da província, através do
serviço militar, como governador da fortaleza de São João da Barra,
e José Barbosa seguia seus passos. Mas sua trajetória, ao contrário
das descritas anteriormente, se limita a alguns poucos cargos.
Segundo a síntese biográfica escrita por Pretextato Maciel, até a
patente de capitão, o único posto que José Barbosa ocupou foi na
guarnição da ilha da Trindade. Em 1792, tendo voltado para o Rio
de Janeiro, passou a servir como primeiro-substituto da aula de
artilharia, lugar que ocuparia por vários anos, acumulando-o, a partir
de 1795, com o serviço na Companhia de Bombeiros. Foi pela
prestação desses serviços que Sua Majestade o nomeou, em 1798,
lente da aula do regimento de artilharia da capital. Ainda por esses
mesmos serviços, cinco anos depois, em 1803, recebeu nova
promoção, sendo nomeado coronel e cavaleiro da ordem de São
Bento de Avis. A chegada da família real abriu novas possibilidades
a José Barbosa. Por decreto do príncipe regente recebeu a patente
de brigadeiro e, no ano seguinte, em 1809, foi nomeado governador
do reino de Angola. Nesse cargo permaneceu por seis anos, de
1810 a 1816. Retornando ao Brasil, assumiu a chefia da divisão da
Guarda Real de Polícia. A partir de então, só ocuparia cargos
políticos, tendo sido vogal do Conselho Supremo Militar, conselheiro
de Guerra e, já no reinado de d. Pedro I, ministro da Guerra. Ao
morrer, em 1846, possuía uma posição respeitável na corte. Era
marechal do Exército, fidalgo da casa real, comendador da ordem
de São Bento de Avis, barão do Passeio Público e visconde do Rio
Comprido.
Todas essas trajetórias podiam levar ao generalato. Daí a
dificuldade de se traçar um perfil do grupo. O Exército brasileiro da
primeira metade do século XIX ainda era uma força de Antigo
Regime, um bem da Coroa. É certo que alguns elementos
favoreciam a ascensão na carreira. O prestígio da família, o título de
cadete, o diploma de um curso matemático sempre ajudavam. Mas
nada disso era decisivo. Até porque cada súdito devia reafirmar o
“merecimento” e a “honra” da família através de novas
demonstrações de fidelidade, prestando novos serviços. Isso exigia
uma constante circulação regional,11 a articulação de novas alianças
e a atualização de sua herança familiar. Essa lógica da prestação de
serviços impedia assim que algumas famílias se tornassem
independentes do monarca, monopolizando os altos postos do
Exército. Só o fariam caso se submetessem à autoridade real. Por
isso a dedicação à política era intensa, inclusive à política formal.
Mais da metade dos generais de 1840 ocupou cargos políticos de
projeção nacional, o que sem dúvida estreitava mais ainda o vínculo
com a Coroa — integravam a elite política imperial. Na verdade,
através do monopólio da distribuição de mercês e patentes, a Coroa
tinha um bom controle sobre a composição do generalato. A
unidade interna do grupo era frágil. Eles não integravam um corpo
profissional de oficiais militares — eram homens de corte.
Essa tradição militar portuguesa só começa a ser alterada no
ano de 1850, quando o ministro da Guerra Manoel Felizardo de
Souza e Melo regulamentou a promoção na carreira. O critério
definido pelo decreto datado de 6 de setembro era baseado na
antigüidade e no mérito. A idéia era impedir que oficiais muito jovens
atingissem altos postos de comando e incentivar a formação
acadêmica. O diploma da Real Academia Militar tornava-se pré-
requisito para todos os oficiais que pretendessem seguir carreira
nas armas de engenharia, artilharia e estado-maior. Dos infantes e
cavalarianos não se exigia diploma, mas este funcionaria como
critério de desempate no caso de haver oficiais com o mesmo tempo
de serviço concorrendo a uma promoção. Tudo isso, no entanto, vai
ser instituído de forma muito lenta. Não só porque não havia um
número de oficiais com formação capaz de permitir a implantação
imediata da lei, mas sobretudo porque esta ia de encontro a uma
tradição que havia formado gerações de militares e que, dessa
forma, fundamentava o prestígio e a posição de importantes famílias
da corte do segundo imperador.
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Vitor Izecksohn**
Percalços
Quando inspecionado para o recrutamento, Carlos declarou ao
comitê de seleção militar ser um escravo “quebrado”, sem condições
de saúde para servir ao Exército. Parece que a declaração era
verdadeira porque, após uma breve inspeção, o comitê aceitou a
palavra de Carlos e recusou-se a aceitá-lo como recruta por
incapacidade física.5 O infeliz sr. Jobim percebeu que tinha sido
enganado duas vezes: primeiro pagando um preço excessivo por um
indivíduo fisicamente debilitado; depois, ao comprar um escravo
problemático, que seria difícil passar adiante. Em desespero, decidiu
enviar seu escravo para a casa Guerra e Ribeiro, em Piraí,
provavelmente com o intuito de vendê-lo como trabalhador para um
dos cafezais da região, de preferência para um outro senhor tão
desavisado quanto ele mesmo fora. Mas Carlos não tinha nenhuma
intenção de trabalhar em fazendas e escapou enquanto era
transportado para o vale. Após uma série de curtas detenções,
seguidas de novas fugas, enquanto ele tentava voltar à cidade do Rio
de Janeiro, Carlos foi finalmente capturado pela polícia da Corte.
A narrativa sugere alguma conexão entre a polícia e os caçadores
de escravos, porque Jobim foi notificado da captura final de Carlos
não pelas autoridades policiais, mas pelo dono do mesmo mercado de
escravos da rua da Saúde, onde o fugitivo fora originalmente vendido.
Este negociante contava com boas conexões, envolvendo a polícia e
as autoridades militares, e dizia saber como fazê-lo passar na
inspeção, “pois até tinha passado pretos de cabelos brancos, fazendo-
lhes raspar a cabeça e pondo-lhes cabeleira”. Assim pôde ele
finalmente alistar Carlos no Exército, evitando as restrições médicas
que haviam impedido anteriormente o recrutamento. Carlos foi
vendido à nação por um conto e 400 mil-réis, o que significava um
preço alto para um escravo de condição física precária. Jobim
recuperou seu investimento original, enquanto os intermediários
receberam 400 mil-réis como comissão pela venda. O senhor de
escravos e os agentes comerciais puderam então proclamar seu
patriotismo, porquanto se associavam aos esforços do governo para
ajudar a defender a nação adquirindo libertos, ao mesmo tempo em
que se livravam de um escravo indesejável. Ao que parece a
transação dessa vez contou com a colaboração ou pelo menos o
silêncio de Carlos, pois não houve novos obstáculos médicos a seu
alistamento. O traficante afirmou que o cabra havia sido
“engambelado com a liberdade”, pois recebeu algum dinheiro para
ocultar a sua condição física. A nação pagou a conta.6
Conexões
Esta história picaresca vai além da mera descrição das
dificuldades de Jobim com seus escravos ou do esforço por ele
empreendido para salvar sua reputação na “boa sociedade” da Corte
e da província do Rio de Janeiro.7 Ela conecta os problemas
relacionados ao tráfico negreiro na década de 1860 às circunstâncias
do recrutamento de brasileiros escravos, libertos e livres para a guerra
contra o Paraguai. Oferece, pois, uma oportunidade para analisar as
relações entre o Estado imperial e os representantes dos poderes
privados, considerando as grandes mudanças em relação à condução
da guerra, ao recrutamento e à ampliação do Exército. Fornece ainda
um quadro realista do papel fundamental das relações pessoais em
todos os setores de sociedade imperial. Finalmente, oferece evidência
impressionante do modo ambíguo pelo qual os esforços de guerra e
as políticas de emancipação estiveram unidos durante os anos 1860
no Brasil.
Não devemos, entretanto, nos deixar levar apenas pelas razões do
sr. Jobim, cuja história parece confirmar um dos estereótipos mais
comuns sobre a guerra: o de que o Estado imperial pagou preços
altos por encrenqueiros que reembolsaram seus proprietários e
enriqueceram os intermediários. A campanha contra o Paraguai foi
ampla demais para ser circunscrita a uma única experiência, ainda
que típica, do comportamento de um grupo. Do ponto de vista que nos
interessa, a trama envolvendo o fazendeiro e seus escravos ilustra,
sobretudo, um problema facilmente perceptível durante o terceiro ano
da guerra: a baixa capacidade dos agentes do Estado para obter os
recrutas, fossem homens livres ou libertos, necessários ao
reabastecimento de forças militares estacionadas no sul do Paraguai.
De fato, o Estado falhou na tentativa de criar uma “cooperação
compulsória”, essencial à formação de uma identidade coletiva que
fosse estabelecida através do reconhecimento de laços comuns entre
todos os cidadãos. Foi esta debilidade que levou o Estado a comprar
libertos e aceitá-los, mesmo quando se encontravam fora das
condições ideais.8
Essa narrativa não pode ser considerada padrão para todo o longo
período em que foi feita a mobilização militar do país. O caso do
escravo Carlos é uma peça no intrincado quebra-cabeça das
motivações que levaram milhares de habitantes da província ao
recrutamento, alguns voluntária, outros involuntariamente.
Este capítulo analisará o impacto do recrutamento militar sobre a
província do Rio de Janeiro durante o período compreendido entre
janeiro de 1865 e junho de 1868. O Rio de Janeiro foi escolhido por
suas peculiaridades e também pela ausência de estudos mais
detalhados sobre o impacto do recrutamento sobre a vida provincial.9
Tabela 1
Populações livre e escrava do Rio de Janeiro, 1872
Tabela 2
Presidentes da província do Rio de Janeiro, 1864-70
Fonte: Javari (1962:445).
Mobilizando a província
A partir de janeiro de 1865, o presidente do Rio de Janeiro,
Bernardo de Souza Franco, procurou mobilizar a província, dando
ampla publicidade tanto à criação dos batalhões de voluntários da
pátria quanto aos decretos concedendo perdão aos soldados que
tivessem desertado em período recente. Enquanto a anistia aos
desertores não constituía novidade, a criação dos voluntários
procurou tornar o Exército uma instituição aceitável para brasileiros de
todas as extrações sociais, abrindo a instituição para indivíduos
socialmente mais valorizados. A província do Rio de Janeiro
respondeu muito bem a essa iniciativa pois, nos três primeiros meses,
cerca de 2.500 voluntários se apresentaram nos diferentes
municípios, muitos diretamente na Corte.19
Os primeiros esforços para a guerra, apesar da grande
desorganização, haviam contado com a adesão de vários setores da
população e recebido forte publicidade na imprensa. Nos “a pedidos”
dos jornais foram documentados vários desses “donativos patrióticos”.
O senador José de Araújo Ribeiro ofereceu ao governo imperial sua
pensão anual como enviado extraordinário e ministro plenipotenciário
aposentado, enquanto durasse o conflito. O diretor de uma gráfica
ofereceu-se para redigir memorandos e requerimentos aos parentes
daqueles que tivessem partido para o Sul. Um médico de Niterói
ofereceu-se gratuitamente para cuidar das famílias de oficiais e
praças residentes na freguesia do Sacramento. A comissão que havia
sido encarregada da subscrição para o armamento nacional, por
ocasião da crise diplomática com a Inglaterra (conhecida como
Questão Christie), transferiu a quantia arrecadada para as despesas
com a guerra.20
No que se refere à mobilização popular, as evidências também
impressionam. O recrutamento correspondeu às expectativas iniciais,
envolvendo indivíduos normalmente alheios a esse tipo de atividade.
A província organizou em poucas semanas dois batalhões de
voluntários (5o e 8o), além de ter enviado ao Prata mais de 500 praças
e oficiais do corpo policial. Numa expectativa realista, esse esforço
seria suficiente e mesmo inédito, uma vez que envolveria grupos
sociais normalmente alheios ao recrutamento militar. O 8o Batalhão de
Voluntários contava inclusive com dois filhos do juiz de direito da
comarca de Campos. De Campos vieram também 412 voluntários,
custeados por verbas municipais. Num arroubo de entusiasmo, o
Diário do Rio de Janeiro chegou a afirmar que “não faltam brasileiros
ao reclamo de sua pátria”.21
A mobilização das primeiras semanas seria importante sobretudo
para garantir a continuação da guerra nos meses que se seguiram. O
entusiasmo dos primeiros voluntários constituiu um fato certamente
notável no processo de ampliação do Exército e precisa ser melhor
considerado. Mas o entusiasmo inicial não conseguiu resistir à
procrastinação das operações e ao despreparo da estrutura
administrativa, que prolongaram a campanha muito além das
expectativas iniciais, sem contar, é claro, a resistência paraguaia. A
compreensão da longa duração da guerra tornou menor ainda a
disposição para servir, pois poucos aceitariam afastar-se de suas
localidades por período prolongado. Uma charge do jornal O Alecrim
(21-7-1867) capturou bem esse estado de ânimo. Um professor diz
aos seus alunos: “agora, meninos, estudai bem. Daqui a 20 anos
sereis homens e podereis ir ao Paraguai terminar esta guerra, que já
vai tão longa!”.
Nenhuma província apresentou maior contraste entre as duas
ondas iniciais do recrutamento que o Rio de Janeiro. A primeira onda
de voluntários mostrou que a base do recrutamento era inicialmente
espontânea, ao contrário portanto das mobilizações tradicionais,
baseadas em recursos coercitivos, como a utilização da polícia:
Durante a primeira onda de recrutamento (dezembro 1864 a maio
de 1865), 82% dos alistados vieram de grupos voluntários. Confiante
no suprimento contínuo de recrutas, o governo provincial chegou
mesmo a dispensar os serviços de 925 guardas nacionais, do total
dos 1.384 requeridos previamente. Essa decisão levava em conta o
grande número de voluntários alistados nos primeiros meses, bem
como a expectativa de uma guerra curta. Logo, essa decisão se
mostraria precipitada, porque a segunda onda do recrutamento (maio
a setembro de 1865) mostrou uma queda de 43,1% no número total e
de 80,1% na parcela da contribuição voluntária. Naquele momento os
grupos não-voluntários, incluindo aqueles que haviam desertado
durante o primeiro chamado, estavam provendo 72,3% das tropas.
Tabela 3
Recrutamento na província do Rio de Janeiro, 1865
Fonte: Relatórios da Província do Rio de Janeiro, maio e set. 1865
Ajustando as instituições
Nos meses e anos seguintes o voluntariado continuaria afluindo,
mas o ritmo de alistamento proveniente desta categoria diminuiria
muito. Essa constatação parece ter impressionado as autoridades
provinciais, que se tornaram cada vez mais céticas quanto à
contribuição voluntária. A deficiência no suprimento de novos
voluntários fez da cooperação dos chefes locais (fazendeiros,
comerciantes e funcionários públicos) um elemento fundamental para
o sucesso do recrutamento, pois a designação da Guarda Nacional
passou a ser vista como a principal alternativa para suprir as cotas da
província. Essa cooperação também era importante no que se refere a
condições particulares de infra-estrutura, especialmente hospedagem,
alimentação e transporte dos recrutas, que o Exército não podia
executar sozinho, devido a uma série de circunstâncias. Nos relatórios
provinciais as autoridades constantemente apelam para o patriotismo
dos comandantes da guarda, contando com a sua ajuda para
coordenar a designação de novos contingentes. O marquês de Olinda,
presidente do Conselho de Ministros, demonstrou o tipo de
compromisso que o governo esperava dos chefes da guarda numa
carta endereçada a um grande fazendeiro fluminense:
A manifesta deficiência do nosso Exército e a necessidade urgente
de aumentá-lo e abastecê-lo de forma conveniente (…) obrigam o
governo a chamar os fazendeiros e agricultores para demandar o
seu auxílio para o recrutamento de voluntários para o Exército (…).
Sua excelência é um desses fazendeiros cujo patriotismo é
necessário ao governo imperial. Por si mesmo, ou em associação
com outros fazendeiros, o senhor pode fazer sentidos os reclamos
da pátria ultrajada, executando a gloriosa comissão que o governo
imperial lhe designa.22
Tabela 4
Distribuição dos contingentes da Guarda Nacional da província do Rio
de Janeiro segundo as armas
Cavalaria 4.237
Artilharia 464
Infantaria 25.432
Total 39.829
Fonte: Relatório do Ministério da Justiça, 1866.
Recrutando libertos
O alistamento de escravos e libertos durante as fases iniciais da
guerra não foi numericamente significativo, mas ofereceu uma
oportunidade para que alguns indivíduos pudessem escapar da
escravidão, apesar dos sacrifícios da campanha e da chance de
morrer em combate. Esses indivíduos foram em geral alistados como
substitutos,33 recrutados à força como qualquer recruta, ou fugiram
para encontrar no Exército o que Hendrik Kraay definiu como “o abrigo
da farda”.34 Com uma composição fortemente multirracial era possível
ao escravo interessado se misturar aos setores livres e pobres da
população que normalmente eram o alvo preferencial do
recrutamento.
Os resultados pouco alentadores do recrutamento levaram alguns
membros da elite imperial a inclinar-se pela libertação de um número
expressivo de escravos, para serem em seguida recrutados. Em face
do fracasso do recrutamento junto aos setores livres, o governo
imperial decidiu iniciar o que deveria ter sido um programa agressivo
de libertação de escravos para posterior integração ao Exército e à
Marinha. Esta opção era encorajada pelo imperador e por um certo
número de conselheiros de Estado, crescentemente preocupados com
os problemas gerados por revoltas populares, ataques a cadeias e
protestos na imprensa. A expectativa de alguns conselheiros era que
um número expressivo de indivíduos pudesse ser alistado,
proporcionando o contingente necessário à finalização da guerra num
período curto. Por isso mesmo eles condicionaram essas alforrias à
vontade dos senhores. O uso desse recurso extremo não era
novidade na política nacional. Na Bahia, durante a guerra de
independência, escravos já haviam sido incorporados às forças em
luta contra os portugueses. Sua libertação só ocorreu depois do final
daquele conflito. Aquilo que poderia ter feito alguma diferença era o
fato de existir uma crise de abastecimento de novos escravos, em
curso desde a interrupção do tráfico internacional e que aumentara
substancialmente os preços dos escravos, diminuindo
consideravelmente o volume das alforrias nos anos posteriores a
1850. Fazia diferença, também, a obrigatoriedade da alforria, mesmo
que condicionada ao serviço militar.35
São conhecidas as circunstâncias que orientaram o processo
decisório nessa direção. Fundamental foi a reunião do Conselho de
Estado realizada em 6 de novembro de 1866, quando, por pequena
margem, os conselheiros se posicionaram favoravelmente à medida,
uma vez que ficasse claro o seu caráter emergencial. São também
conhecidos os temores dos conselheiros quanto à repercussão da
medida nas senzalas e nos círculos de proprietários. Muitos
conselheiros insistiram que, para o bem da estabilidade monárquica, o
recrutamento nunca deveria ser confundido com a abolição
imediata.36
Menos discutido tem sido o emprego da perspectiva comparada,
no contexto daqueles mesmos debates. Durante aquela reunião, os
conselheiros apelaram constantemente para análises comparativas,
onde a recentemente encerrada guerra civil americana constituiu um
ponto de referência importante. As políticas de recrutamento da
União, especialmente o Militia Act e a Emancipation Proclamation,
foram objeto de comparações e debates acalorados. O Militia Act, de
junho de 1862, autorizou o recrutamento de negros em regimentos
segregados a serem organizados no Norte. A Emancipation
Proclamation, de janeiro de 1863, autorizou o recrutamento dos
indivíduos ainda mantidos como escravos nas plantations do Sul,
possibilitando a passagem automática da condição de escravo para a
de soldado-cidadão.37
Os conselheiros, a favor ou contra, se mostraram bem informados
sobre a situação norte-americana, destacando suas similaridades com
o dilema brasileiro. Curiosamente, partiu de um opositor da medida, o
conselheiro Torres Homem, a comparação mais sutil sobre as
diferenças entre as duas situações.
Refutando possíveis semelhanças entre as experiências brasileira
e norte-americana, Torres Homem observou que o alistamento maciço
de soldados negros, especialmente de escravos recém-libertados,
estava relacionado à abolição no Sul, que havia se tornado um ponto
cardeal dos esforços de guerra no Norte. O conselheiro referia-se às
sucessivas vitórias defensivas das forças confederadas no estado da
Virgínia, em julho de 1862, que forçaram mudanças na condução da
campanha de invasão promovida pelas forças federais.38
Na percepção das lideranças políticas e militares da União, as
hostilidades haviam atingido uma escala tão violenta que um retorno
ao status quo anterior seria inaceitável. A fase das ilusões havia
passado junto com a perspectiva de que a superioridade militar e
industrial favoreceria, por si só, a volta dos estados rebelados. A
associação entre a escravidão e a secessão, a utilização de
trabalhadores escravos em apoio ao esforço de guerra sulista e o
elevado número de baixas em ambos os lados levaram a mudanças
na condução da guerra. A destruição das oligarquias escravistas do
Sul passou a ser vista como o principal meio para a reunificação do
país. Como conseqüência, a coalizão republicana apoiou a libertação
dos escravos e o seu alistamento como um importante recurso militar
e político para derrotar a Confederação. Essa mudança tornou a
guerra civil americana muito mais violenta, mas favoreceu a
superioridade de recursos exibida pelo Norte, resultando na vitória
militar e na destruição da escravidão sulista.39
Segundo Torres Homem, o recrutamento de libertos havia sido
bemsucedido nos Estados Unidos porque não constituía uma ameaça
à economia do Norte, que não contava com escravos desde a década
de 1820 e tinha um número relativamente pequeno de habitantes
livres descendentes de africanos. A liberdade fora dada a todos os
escravos do Sul sem afetar a economia ou as condições sociais do
Norte, onde uma economia de base free labor já florescia muito antes
da guerra.
O ponto é claro e deixa poucas margens a dúvidas: ao contrário no
Brasil, a maioria dos libertos recrutados para o Exército da União veio
de áreas que estavam na periferia da economia industrial do Norte. O
recrutamento de libertos no Brasil estava limitado pela falta de
vontade dos proprietários para cooperar e pela necessidade de
defender a estabilidade do Estado imperial. Os republicanos dos EUA,
ao emancipar os escravos e alistá-los no Exército, estavam atacando
seus inimigos confederados, enquanto no Brasil a simples
possibilidade de requisição criava constrangimentos entre os
produtores rurais, que constituíam o pilar principal da economia do
país e cujo núcleo mais dinâmico ainda se encontrava na província do
Rio de Janeiro.
O governo provincial não tinha a intenção de expropriar escravos e
nunca os recrutou oficialmente sem que houvesse concordância de
seus donos. A partir de dezembro de 1866, o governo fez uma série
de “apelos” com a intenção expressa de convencer os senhores a
libertar alguns escravos para o alistamento. Poucos desses apelos
foram positivamente respondidos e praticamente nenhum o foi sem
uma contrapartida: a compra do escravo pelo governo, tal como
registrado na correspondência do fazendeiro Jobim, apresentada no
início deste capítulo.
José de Souza Breves, um dos mais ricos fazendeiros e
provavelmente o maior proprietário de escravos da província, oferece
um bom exemplo da falta de cooperação desse grupo. Respondendo
a uma carta do presidente da província, que o exortava a auxiliar nos
esforços de emancipação, este condestável explicou que:
No ano próximo passado (…) destinei seis escravos para esse fim.
Porém, esses manifestaram “má vontade” e, em seguida, se
empenharam com amigos meus e recusaram o benefício da
liberdade (…) ao mesmo tempo em que 11 outros meus escravos
pardos e crioulos, tendo cometido pequenas faltas se evadiram de
minhas fazendas, constando-me logo que seis destes foram
assentar praça de voluntários, oferecendo-se como livres e como
tais marcharam para o teatro da guerra. Julgo pois que neste
sentido justifico a minha intenção de acolher sempre tão justas
quanto patrióticas solicitações.40
Tabela 5
Contingentes totais de soldados recrutados no Rio de Janeiro, abr.
1865 maio 1868
Fonte: Relatório do vice-presidente da província, maio de 1868.
Tabela 6
Recrutamento na província do Rio de Janeiro, segundo o relatório do
Ministério da Guerra
Recapitulando…
Este capítulo mostrou as enormes dificuldades para organizar o
recrutamento militar durante a Guerra do Paraguai na mais rica das
províncias brasileiras. A situação do Rio de Janeiro expressa um
problema nacional que se materializava sempre que o Estado requeria
maior nível de extração de recrutas para as forças do Exército e da
Marinha — o fracasso da autoridade central na tarefa de estabelecer o
controle sobre os meios da violência. O problema se tornava mais
sério em tempo de guerra, quando as tensões entre o centro e as
localidades podiam ficar mais intensas, especialmente quando o
recrutamento atingiu indivíduos normalmente isentos do serviço, tais
como os membros da Guarda Nacional.
Uma das poucas conseqüências construtivas do esforço de guerra
teria sido a sua contribuição para o desenvolvimento de diferentes
estruturas de autoridade, isto é, a criação de uma burocracia
especializada, capaz de extrair de forma universalista os recursos
necessários ao cumprimento das tarefas coercitivas, implementando
uma tributação mais racional e operando o recrutamento de forma
universalista.
Tal como observado por Charles Tilly, os Estados nacionais
europeus percorreram essa trajetória, desenvolvendo-se diretamente
a partir da equação formada por guerra mais preparação para a
guerra. Foram as guerras que levaram os Estados a organizar uma
administração baseada na cobrança de tributos que sustentavam a
formação dos exércitos regulares.42 As guerras ajudaram a construir
as bases institucionais dos Estados modernos devido às demandas
de eficiência que somente as estruturas políticas mais sofisticadas
podiam prover. Tilly resumiu esse processo na frase “os Estados
fizeram as guerras, e as guerras fizeram os Estados”.43
Nada poderia ser mais diferente da perspectiva de Tilly que a
situação fluminense. Após o entusiasmo inicial, o esforço recrutador
enfrentou obstáculos permanentes, e as populações do interior
reagiram como se o governo provincial fosse o verdadeiro invasor.
Nesse sentido, a guerra não foi capaz de gerar maior
desenvolvimento das capacidades burocráticas do Estado central ou
da província, na direção de uma especialização burocrática ou da
criação de alianças entre o Estado e alguns setores dos grupos
dominantes. Somente a muito custo os agentes do Império
conseguiram os recursos necessários à mobilização. Ainda assim,
esses recursos, tais como os libertos, não foram doados ou extraídos,
mas comprados com o dinheiro público, obtido através de
empréstimos, ou libertados pela própria Casa imperial.
No Rio de Janeiro, as demandas para a guerra contra o Paraguai
criaram a oportunidade para a inovação e a adaptação, mas o esforço
de guerra não levou ao enfraquecimento das lealdades locais. Nem
criou, a longo prazo, ligações emocionais mais fortes entre a
sociedade provincial e um conjunto de estruturas estatais. Como
assinalou Miguel Centeno, a capacidade estatal não é um fenômeno
absoluto, mas relacional. Não se trata de mera questão de força,
baseada somente na relação direta entre coerção e acumulação de
capital, mas do potencial da sociedade para receber bem a intrusão
do Estado em expansão e colaborar com ele, criando as bases de
uma cidadania ampliada; da concepção de que parte considerável da
população poderia se beneficiar da adesão a uma lealdade mais
ampla. Nessa perspectiva, a trajetória dos Estados europeus teria sido
a exceção, não a regra. Em boa parte da América Latina a fraqueza
estrutural dos Estados nacionais impediu que seus governantes
tirassem vantagens dos poucos períodos de guerras internacionais
para fortalecer seus vínculos com a sociedade e construir padrões
mais autônomos de funcionamento em relação aos grupos
dominantes.44
Certamente o governo provincial fluminense falhou na tarefa de
ampliar a sua base de apoio ao prosseguimento da campanha no
Paraguai. Isso ocorreu possivelmente porque a guerra não foi
desejada pela elite política imperial. Ocorreu, também, devido à
imagem negativa que a população tinha do serviço militar, a qual foi
fortalecida pelos percalços de uma campanha excessivamente longa,
travada muito longe do território provincial. O caso da província do Rio
de Janeiro demonstra as dificuldades do governo central (e de seus
agentes nas províncias) para infiltrar-se na sociedade. Mesmo
próximo ao centro do poder político, o governo precisou agir com
extrema cautela quanto ao recrutamento, para não afetar as bases de
apoio do regime monárquico. O máximo que a província conseguiu foi
lutar “uma guerra limitada”, conforme a definição de Miguel Centeno,
ou seja, uma guerra em que a capacidade de extração permaneceu
muito baixa e o Estado arcou com boa parte dos custos, através da
inflação e dos empréstimos, reforçando um déficit que agravaria a já
delicada situação financeira do país.45 A guerra não foi capaz de
quebrar o desastroso equilíbrio entre os vários poderes e interesses
sociais que habitavam a província, nem de transformar a sociedade a
ponto de convencer parcelas significativas da população a
proporcionar um apoio mais efetivo à mobilização. O esforço de
guerra gerou dívidas, ressentimentos e pouca coisa mais.
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Hendrik Kraay**
A guarnição de Salvador
Os soldados constituíam parte significativa da população de
Salvador. Ainda que os historiadores observem com freqüência que o
Exército brasileiro do século XIX raramente atingiu, se é que chegou
a atingir, o estado completo, e muitos (incluindo colaboradores deste
livro) apontem as dificuldades em recrutar para as fileiras,
observações como essas estão como que deslocadas.6 Raramente
se faz a pergunta mais importante — quantos homens constituíam de
fato a guarnição e o que eles faziam? De 1850 a 1889, a guarnição
de Salvador tinha em torno de mil homens, a não ser em tempos de
guerra — o curto conflito com Buenos Aires no início dos anos 1850
e a Guerra do Paraguai (1864-70) —, quando era consideravelmente
menor; e, no início dos anos 1860, o número de soldados na
província excedia 1.500 homens (gráfico 1). Embora 20% desses
homens permanecessem estacionados no interior da província, os
soldados se mantiveram como um grupo significativo de homens
numa cidade cuja população cresceu de cerca de 81.500 pessoas
em 1850 para 108 mil em 1872 e 145 mil em 1890.7
Os soldados não apenas formavam uma grande proporção da
população urbana de adultos do sexo masculino livres, mas viviam e
trabalhavam bem no meio da cidade. Os quartéis e fortes da era
colonial que serviam como alojamento para a maioria dos soldados
(Forte São Pedro e Quartel da Palma) tinham há muito sido
absorvidos pela cidade que se expandia. Além disso, a rotina de
obrigações dos soldados levava-os a um contato próximo com os
habitantes da cidade. Em 1857, o serviço de guarnição — um tipo de
policiamento — colocava em circulação na cidade 148 soldados a
cada 24 horas para guarnecer oito postos de guarda cujo tamanho
variava de 10 a 28 soldados, a saber: as três prisões de Salvador, o
Palácio do Presidente, o Arsenal da Marinha, o Hospital Militar, a
Escola de Medicina e a Casa do Comércio; em 1879, 103 homens
eram designados para essas obrigações diariamente.8 Quando em
serviço, os soldados realizavam uma variedade de funções.
Mantinham a ordem e o decoro nas proximidades de prédios
públicos, afastando os mendigos, contendo brigas ou garantindo o
cumprimento de ordens de não fumar e de códigos de vestuários.
Colaboravam no policiamento de Salvador de muitos modos. A
correspondência administrativa do Exército incluía ainda muitas
requisições de soldados, para compor guardas de honra em funerais
de oficiais e nobres, para acompanhar procissões religiosas e
desfiles cívicos, ou para abrilhantar cerimônias de graduação da
Escola de Medicina. Os soldados também combatiam incêndios e
vigiavam os homens condenados a trabalhos forçados, que,
acorrentados aos pares, limpavam os prédios governamentais,
mourejavam em obras públicas e, antes da chegada da água
encanada aos quartéis na década de 1860, transportavam água das
fontes municipais até os estabelecimentos militares. Em resumo, os
habitantes de Salvador não podiam deixar de notar os soldados em
sua cidade.
Tabela 1
Cor dos recrutas, 1854-87
Tabela 2
Status de alistamento dos recrutas baianos em tempo de paz, 1850-
89
Fonte: Relatórios do ministro da Guerra e do presidente da Bahia (apud Kraay,
1995:470-474); avisos de recrutamento e 620 relatórios de prevenção
(Apeb/SACP).
Tabela 3
Taxa de deserção anual no Exército do Brasil e em outros exércitos
contemporâneos
Fonte: Relatórios do ministro da Guerra (1858, 1861,1862, 1863); Coffman
(1986:371); Skelley (1977:134).
* Onze anos individuais.
Disciplina
No olhar debochado e oblíquo do oficial que lia os Artigos da
Guerra para os novos recrutas em 1865, o jovem voluntário baiano
Dionísio Cerqueira percebeu o seguinte comentário: “vê, desgraçado,
o que te espera”.18 Os artigos, propostos nos anos 1760 pelo conde
de Schaumburg-Lippe, consultor militar anglo-germânico que
reformou o Exército português durante a Guerra dos Sete Anos,
exemplificam para muitos historiadores o esmagador regime de
disciplina sob o qual os soldados brasileiros serviam.19 Os 26 artigos
que se referem especificamente a recrutados ameaçam com a pena
de morte 15 vezes, por delitos que iam da deserção e do motim ao
roubo e venda de equipamento. Há 10 ameaças de penas de prisão
(três incluindo trabalhos forçados), três referências a punição física,
quatro ameaças genéricas de punição séria e um aviso de que a
embriaguez, em vez de mitigar a responsabilidade, iria fazer dobrar a
punição.20 O único manual do Exército do século XIX escrito
especificamente para soldados definia disciplina como “a fiel
observância das leis, regulamentos e ordens militares” por todos os
membros da corporação e lembrava aos soldados que sua
subordinação era “a base da disciplina”.21 Tais exortações, no
entanto, se dirigiam com freqüência a ouvidos moucos.
A compreensão dos historiadores da disciplina militar foi
influenciada pelo conceito de Erving Goffman de “instituições totais”
e pela análise de Michel Foucault das sociedades disciplinares.
Pertencendo a tradições acadêmicas muito diferentes, ambos os
estudiosos analisam exércitos ocidentais modernos — do século
XVIII em diante — e os apresentam como arquétipos de instituições
que segregam seus membros da sociedade e regulam em detalhes
suas vidas (e, na formulação de Foucault, até mesmo modelam seus
corpos). Vez por outra, alguns soldados internalizavam essas
exigências institucionais e se tornavam instrumentos efetivos de seus
oficiais.22 Embora seja possível identificar um projeto disciplinar
desse gênero na legislação militar brasileira, amplamente derivada
de modelos europeus analisados por Foucault, a pesquisa empírica
revela uma realidade muito mais complexa nos quartéis, onde a
disciplina ficava aquém de um modelo ideal foucaultiano ou mesmo
das expectativas afirmadas pelos oficiais.23 E, é claro, os Artigos da
Guerra têm mais em comum com as punições físicas do Antigo
Regime do que com a disciplina moderna.
A localização dos quartéis bem no meio de Salvador tornava
quase impossível separar os soldados da sociedade. Os portões
permaneciam abertos da aurora ao pôr-do-sol, para atender a
vendedores de comida, carregadores de água, visitantes civis e
familiares dos soldados. Supervisão constante era uma verdadeira
raridade nos quartéis da Bahia. Em 1872, o comandante das armas
reclamou que era comum que as fracas lamparinas de óleo se
apagassem durante a noite, deixando o Quartel da Palma em
“profunda escuridão”, prejudicial à disciplina por permitir aos
soldados “praticar atos imorais e iludirem a vigilância das patrulhas,
pulando os muros do quartel para vagar pelas ruas”. A solução por
ele proposta — lampiões a gás, já em uso no Rio de Janeiro — tinha
sido julgada muito cara uma década antes.24 Os uniformes não
cumpriam seu propósito de homogeneizar os soldados e os distinguir
dos civis. O mercado de uniformes usados, para o qual os soldados
não raro contribuíam ilicitamente, significava que os civis podiam
trajar vestuários militares.25 Descrições contemporâneas de soldados
sugerem que o aleatório sistema de suprimento do Exército fazia
com que muitos dos recrutados andassem maltrajados. Em 1859,
Maximiliano, futuro imperador do México, achou muito engraçado um
soldado negro alto, desarmado e descalço, no exterior do Forte São
Pedro, que trajava uma farda vermelha, branca e azul, “adequada
sem dúvida, pela forma e tamanho, ao seu sexto ou sétimo
aniversário”.26
Desde a “revolução militar” européia dos séculos XVI e XVII, o
treinamento tem sido central para a disciplina nos exércitos
ocidentais. Embora os regulamentos do Exército brasileiro
exortassem os oficiais a exercitar seus homens com regularidade, a
fim de que adquirissem hábitos apropriados a soldados, a guarnição
baiana raramente realizava exercícios. Considerações de ordem
prática intervinham amiúde. Freqüentemente divididos em pequenos
destacamentos policiais e incumbidos do serviço de guarnição, os
batalhões raramente tinham condições de reunir todos os seus
homens para treinar.27 O fluxo irregular de novos recrutas
(conseqüência da conscrição aleatória) impedia o estabelecimento
de campos de treino de recrutas. E, principalmente, o desapreço dos
soldados pelos exercícios reforçava os obstáculos ao treinamento.
Em muitas ocasiões, os oficiais atribuíam as deserções e faltas sem
licença aos treinamentos e inspeções marcados para o dia
subseqüente.28 Em 1857, oito soldados equipados abandonaram o
destacamento em Santo Amaro e se dirigiram ao oficial comandante
de sua unidade em Salvador, reclamando que “eram maltratados
pelo tenente”. Após uma investigação, o comandante das armas
concluiu que os homens haviam desertado porque o tenente, “a bem
do regime e boa ordem que procura manter no destacamento”, havia
iniciado um programa regular de exercícios e treinamento, “hábitos
que lhes eram inteiramente estranhos”.29 As conseqüências do
relatório são inequívocas: outros oficiais haviam escolhido o caminho
de menor resistência e deixado de exercitar os homens. Em seu
pouco apreço pelo treinamento, os soldados podiam contar com o
apoio de fora do Exército. As unidades se exercitavam em público, já
que os quartéis de Salvador não dispunham de praças de armas. Em
1852, quando o comandante do Corpo de Guarnição Fixa determinou
a punição de um soldado desatento durante uma manobra no Campo
do Barbalho, suas ordens foram apupadas por observadores civis.
Embora relatórios subseqüentes tenham buscado minimizar as vaias,
um incidente público como esse podia minar seriamente a autoridade
de um oficial.30
Dados os limites à disciplina impostos pela localização dos
quartéis de Salvador, pelos uniformes de segunda qualidade, pelo
desapreço dos soldados por exercícios e, em última instância, pela
deserção de recrutas, a disciplina aparecia como uma relação social
muito mais complexa, negociada, enfim, que tornava o serviço militar
tolerável para a maioria dos alistados. O fato de oito soldados de
Santo Amaro terem desertado para Salvador e ido queixar-se ao seu
comandante fala com eloqüência sobre suas expectativas.
O recurso definitivo dos oficiais, o poder de impor a pena de
morte sobre os recrutas, nunca foi, até onde sei, aplicado na
guarnição da Bahia entre 1850 e 1889, apesar de sua importância
nos Artigos de Guerra. O castigo físico era no entanto freqüente.
Pelos artigos, os oficiais podiam punir faltas menores com pancadas
de espada de prancha, curtos períodos de prisão a pão e água,
sentinelas extras de 24 horas, carregando várias armas por longos
períodos, ou amarrar o soldado com dois mosquetes, o tornilho.31
Por volta da metade do século, no entanto, a regulação havia
restringido crescentemente a punição física. O chicoteamento, não
autorizado em 1763, tinha posteriormente se tornado uma prática do
Exército, mas foi banido pelo Parlamento em 1831. É verdade que os
açoitamentos ilegais de soldados por oficiais ultrazelosos se
mantiveram, mas foram rapidamente denunciados em 1857 pelo
jornal de oposição, O Guaycurú, e em 1865, anonimamente. No
primeiro caso, o oficial, recém-enviado para a Bahia, justificou suas
ações argumentando que os açoitamentos eram prática comum em
outras províncias; no segundo, o oficial enfrentou um conselho de
guerra.32 O chicote, que reduzia os soldados ao status de escravos e
os oficiais ao de feitores, foi em geral considerado inadequado, mas
a opinião médica era que todas as formas de castigo físico eram
danosas física e moralmente.33
Discussões sobre disciplina estabeleceram uma distinção entre
punições legais e arbitrárias. A corporação buscava preservar a
autoridade moral dos oficiais vis à vis seus homens assegurando que
aqueles seguissem as regras ao lidar com esses. O capitão da
Companhia de Artífices, por exemplo, tentando coagir um soldado
acusado de furtar um relógio de um camarada para obrigá-lo a
confessar, comprimiu-lhe a cabeça com um torniquete, o que, de
acordo com o Correio Mercantil de Salvador, deixou insana a vítima.
Durante a investigação, o segundo-tenente da companhia perjurou
para proteger seu capitão; ambos perderam seus postos após um
conselho de guerra que o ajudante-general classificou como um
“bárbaro e arbitrário castigo”.34 Embora infelizmente não saibamos
se o Conselho de Guerra condenou os oficiais, o caso de qualquer
forma mostra os esforços do Exército para restringir o poder
discricionário dos oficiais, especialmente por meio de um decreto de
1859 que limitava o castigo físico a 50 golpes e exigia a
apresentação de relatórios para cada surra.35
A lei de recrutamento de 1874 aboliu por fim os castigos físicos.
Regulamentos disciplinares subseqüentes instituíram um regime de
sentenças de prisão, acompanhadas por cota extra de tarefas,
exercícios em uniforme completo e trabalhos pesados, culminando
em sentenças a depósitos de disciplina especiais para renitentes, um
dos quais foi estabelecido ao sul de Salvador no isolado Morro de
São Paulo. Pelo menos no papel, o Exército brasileiro ingressava no
mundo foucaultiano de reabilitação coerciva através de punições
disciplinares cuidadosamente reguladas. Os oficiais aceitaram suas
novas responsabilidades com relutância. Mais popular a seus olhos
era, na verdade, a “excelente medida providencial” instituída a esse
tempo, permitindo aos comandantes transferir soldados
36
problemáticos para a Marinha. Enquanto a legislação dos anos
1870 buscava modificar os soldados, os oficiais do Exército
preferiam transferir casos disciplinares para a Marinha, cuja
disciplina, bem mais rígida, é analisada por Álvaro Pereira do
Nascimento neste livro.
A prontidão dos soldados em denunciar os abusos dos oficiais
aponta para uma aguda compreensão e até mesmo uma
manipulação das contradições entre a prática e os valores
professados pela instituição. A lei militar brasileira permitia que
indivíduos reclamassem através de seus superiores ou, se a queixa
envolvesse um superior imediato, através do superior imediato do
superior.37 Os oito soldados que abandonaram seu destacamento
em Santo Amaro estavam no exercício de seu direito, como estavam
também 10 soldados que em 1888 abandonaram seu segundo-
tenente em Minas do Assurua para relatar a seu capitão em
Xiquexique “não terem recebido vencimentos e estarem sofrendo
misérias e privações”.38 Mesmo quando lhes era obviamente
desagradável, os oficiais mantiveram o direito de requerer. Em 1862,
o comandante das armas determinou que a petição por clemência de
um cabo — ele tinha sido sentenciado a receber 40 pancadas de
espada de prancha por roubar um cavalo de um civil — fosse
encaminhada ao imperador, ainda que desaprovasse tal proteção a
um “soldado ladrão”.39 Preocupados com a possibilidade de que os
oficiais ainda assim lhes negassem esse direito, muitos recrutados
usavam parentes, livres de regulações militares, para alcançar
diretamente o presidente ou mesmo o imperador, mostrando que
compreendiam bem a subordinação do Exército às autoridades civis.
Os oficiais lutavam para reprimir essa prática que rompia a hierarquia
institucional. No entanto, somente quando havia provas irrefutáveis
de que o próprio soldado conseguira obter um documento de
terceiros podia o Exército ignorá-lo, quando autoridades civis
solicitavam informações. O cabo Manoel Xavier solicitou ao
presidente licença de saúde em nome de sua mãe, em 1862, mas
fez a tolice de assinar ele mesmo o documento; o Exército rejeitou
sua atrapalhada falsificação.40
Nem sempre era assim tão fácil ignorar solicitações de terceiros,
no entanto. Uma queixa levada à presidência em 1857 pelo tio de um
soldado na Companhia de Artífices resultou na suspensão
temporária do capitão da companhia, Caetano da Silva Paranhos.
Depois de condenar um cabo a 100 golpes por conta da queixa de
uma mulher a quem o soldado teria insultado, Paranhos o manteve
incomunicável por 18 dias, registrando-o como “pronto” em seus
relatórios diários. Não aceitando uma séria reprimenda pública nem a
revisão prévia, pelo comandante das armas, de todas as punições
por ele emitidas, Paranhos solicitou um conselho de guerra para
limpar seu nome. Como era de se esperar, a corte o absolveu,
embora a investigação inicial houvesse encontrado motivos para um
indiciamento. Em seu retorno ao comando, Paranhos tentou vingar-
se dos homens que contra ele haviam testemunhado, confinando-os
ao quartel. Um sargento, por sua própria conta, suspendeu a
proibição, mas o capitão Paranhos registrou 13 ausentes como
desertores e fez saber que cada um receberia 50 pancadas ao ser
recapturado. Um furioso comandante das armas, xingando a
“imprudência [e] nenhuma moderação” de Paranhos, recomendou
que ele fosse novamente suspenso de seu posto e aceitou a
rendição dos soldados, sentenciando-os a penas de prisão sumária
por um período igual ao dobro de sua ausência.41
Os casos disciplinares que chegavam à atenção de autoridades
civis podem ser entendidos de várias formas. De um lado, constituem
evidência gritante dos abusos que sofriam os recrutas e da falta de
habilidade de alguns oficiais em considerar seus homens como
camaradas. Por outro lado, também revelam valores e ideais
partilhados por oficiais e homens (assim como por civis), aos quais
os primeiros freqüentemente deixavam de aderir, mas que os últimos
exigiam fossem respeitados. E esses casos mostram até que ponto a
corporação estava imbricada na sociedade urbana.
Conclusão
Para os oficiais, a rotina de tempos de paz nas guarnições de
locais como Salvador significava uma tortura diária de
entorpecedores detalhes administrativos e constantes dores de
cabeça, criadas pela necessidade de manter a disciplina e realizar os
deveres da guarnição em geral com contingente insuficiente. Não é
de espantar, pois, que Manoel Deodoro da Fonseca, futuro
presidente do Brasil e que serviu por pouco tempo como comandante
das armas interino em 1879/80, tenha reclamado: “não passo de um
verdadeiro comandante superior da Guarda Nacional na roça”.81
Para um homem que recebera promoções por atos de bravura nos
campos de batalha da Guerra do Paraguai, a Bahia do pós-guerra
tinha pouco a oferecer.
Muitos historiadores militares tenderam a tratar dos papéis do
Exército em tempos de guerra negligenciando suas atividades em
tempos de paz e sua posição na sociedade civil. Uma leitura
cuidadosa da correspondência administrativa do Exército revela a
teia complexa de relações sociais em torno dos quartéis e mostra
como os soldados, assim como os escravos e outros membros das
classes populares, criaram sua própria cultura e sociedade. As
tensões entre soldados do Exército e da polícia, os incidentes
envolvendo soldados e civis, as obrigações de rotina de guarnição
dos soldados, tudo demonstra quão completamente os recrutas
estavam integrados na sociedade urbana. Somente no início do
século XX, quando o Exército fechou seus quartéis no centro da
cidade e levou os soldados para os arredores de Salvador, foi que
esses traços da vida do Exército, tão característicos do século XIX,
começaram a mudar.
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* Traduzido por Vitor Izecksohn. A pesquisa para este capítulo foi financiada
pelo Social Sciences e Humanities Research Council of Canada. Renato
Soares dos Santos auxiliou o autor na pesquisa em Salvador em 1993. Foram
utilizadas as seguintes abreviaturas nas notas: AHEx/RQ (Arquivo Histórico do
Exército, Requerimentos); AN/SPE (Arquivo Nacional, Seção do Poder
Executivo); Apeb/SACP (Arquivo Público do Estado da Bahia, Seção de
Arquivo Colonial e Provincial); ASRM (Arquivo da Sexta Região Militar); BI
(Batalhão de Infantaria); CA (comandante das armas); CLB (Coleção das Leis
do Brasil); TCC (tenente-coronel comandante). A menos que haja indicação em
contrário, toda a correspondência foi enviada de Salvador.
** Doutor em história pela Universidade do Texas (Austin, EUA); professor da
University of Calgary (Canadá).
1 TCC, 10o BI, ao CA, 30-10-1862, cópia (Apeb/SACP, m. 3.407).
2 Ver DaMatta (1985, cap. 1-2); Graham (1988:10-27); Beattie (1996, 2001).
3 TCC, 10o BI, ao CA, 30-10-1862, cópia (Apeb/SACP, m. 3.407).
4 Na realidade, uma vista das cenas de rua de Debret (1834-39) e Rugendas
(1835) nos anos de 1820-30 revela a importância dos soldados.
5 Para trabalhos pioneiros no campo da história social no Brasil e que refletem
os interesses predominantes, ver Mattoso (1979); Dias (1984); Chalhoub
(1986). Exceções à lacuna na história social sobre soldados incluem Beattie
(2001, cap. 6-8); e Kraay (2001, cap. 3, 7).
6 A respeito do recrutamento, além dos capítulos de Christiane Figueiredo
Pagano de Mello, Shirley Maria Silva Nogueira, Fábio Faria Mendes e Vitor
Izecksohn, neste livro, ver Kraay (1998); Meznar (1992); Beattie (1996, 2001);
Mendes (1998, 1999); Izecksohn (2001).
7 Ver Mattoso (1978:135, 138).
8 Roteiro das guardas da guarnição, 21-5-1857 (Apeb/SACP, m. 3.429); CA ao
presidente, 30-6-1879 (Apeb/SACP, m. 3.442).
9 No período colonial e nos primeiros anos do Império, os homens negros
eram excluídos das fileiras do Exército. Examino esta questão em mais
detalhes em Kraay (2001:7677, 198-200).
10 Ver Beattie (2001, cap. 6).
11 Ver Kraay (1998:23-33); Beattie (2001, cap. 4-5); Mendes (1999).
12 Ver Beattie (2001:193).
13 CA ao presidente, 3-9-1864 (Apeb/SACP, m. 3.408).
14 Requerimentos de Maria Felipe de Sant’Iago Jesus ao presidente, 22-12-
1863 (Apeb/SACP, m. 3.761); Francisco M. da Silva ao CA, 20-7-1863
(Apeb/SACP, m. 3682); Inferiores da Companhia de Inválidos ao imperador, 23-
3-1852 (AHEx/RQ, JJ-14-394). Ver d. Pedro II (1959:38).
15 Testamento do visconde de Itaparica, 21-6-1870 (Apeb, seção judiciária,
inventários e testamentos, 01/108/162/05, fol. 1Ar.).
16 CA ao presidente, 31-10-1854 (Apeb/SACP, m. 3.386); Presidente ao
ministro da Guerra, 6-2-1872 (ANRJ/SPE/IG1, m. 127, fls. 211-215). A
descrição do curriculum é de Amaral (1870-72:366).
17 Relatório do ministro da Guerra, 1874, p. 3.
18 Cerqueira, 1980:50.
19 Ver Sodré (1965:132-133); McBeth (1977:80-81).
20 Ver Schaumburg-Lippe (1794:228-237).
21 Duarte, 1872:371-372.
22 Ver Foucault (1979); Goffman (1962).
23 Para duas análises críticas pioneiras da disciplina militar, ver Loriga (1991);
e Smith (1994).
24 CA ao presidente, 10-9-1872 e 10-10-1863 (Apeb/SACP, m. 3.429 e m.
3.404).
25 CA ao chefe de polícia, 6-6-1872 (Apeb/SACP, m. 6.464); Detalhe, 21-2-
1879, Livro de detalhes (ASRM); CA ao chefe de polícia, 26-9-1883
(Apeb/SACP, m. 6.465).
26 Maximiliano, 1982:85.
27 Ver os relatórios de treinamento, CA ao presidente, 13-1, 17-2, 16-5 e 19-6-
1864 (Apeb/SACP, m. 3.409).
28 CA ao chefe de polícia, 6-8-1853; 2o tenente-comandante ao ajudante-de-
ordens, Santo Amaro, 10-3-1857, cópia (Apeb/SACP, m. 3.398 e m. 3.390).
29 CA ao ajudante-general, 2-9-1857, cópia (Apeb/SACP, m. 3.389). A respeito
do relatório inicial sobre deserção, ver Tenente-comandante ao CA, Santo
Amaro, 31-7-1857 (m. 3.391).
30 CA ao vice-presidente, 30-7-1853 (ANRJ/SPE/IG1, m. 121, fl. 1.094r).
31 Ver Schaumburg-Lippe (1794:177).
32 CA ao presidente, 30-7-1857; Coronel-comandante, 2o BI, ao CA, 28-7-
1857, cópia; CA ao presidente, 28-10-1865; CA ao presidente, 9-11-1865
(Apeb/SACP, m. 3.389, 3.425 e m. 3.424).
33 Ver Soisa (1845:21-22); Bolivar (1853).
34 “B. a Extrato de Periódicos: Transcripto do Correio Mercantil de 25 [Ago.
1859]; CA ao ajudante-general, 6-9-1859, cópia; Ajudante-general ao ministro
da Guerra, Rio, 159-1859 (ANRJ/SPE/IG1, m. 123, fls. 182, 186r, 189r-190r).
Acusações de atrasos no Conselho de Guerra, lançadas por um senador
baiano, provavelmente encorajaram o Exército a considerar o caso com
seriedade; ver discurso do visconde de Jequitinhonha, 27-8-1859 (Jornal do
Commercio, Rio, 29 ago. 1859).
35 Ver Silva (1874:157).
36 Regulamento do Decreto no 5.884, 8-3-1875, arts. 7, 11, 13 (CLB); CA ao
presidente, 28-3-1877 (Apeb/SACP, m. 3.436).
37 Ver Silva (1874:294-295, 347).
38 CA ao presidente, 16-11-1888 (Apeb/SACP, m. 3.456).
39 CA ao presidente, 9-9-1862 (Apeb/SACP, m. 3.404).
40 Requerimento de Rosa Lima Gomes ao presidente, 17-1-1862 (Apeb/SACP,
m. 3.772).
41 As duas narrativas deste incidente estão em CA ao presidente, 19-5 e 18-
11-1857 (Apeb/SACP, m. 3.448 e m. 3.389).
42 Silva, 1874:155. O Exército britânico da época, por exemplo, só permitia
que seis soldados por companhia tivessem esposas; ver Skelley (1977:30-31).
43 CA ao presidente, 5-1-1864 (Apeb/SACP, m. 3.409).
44 TCC, corpo de guarnição fixa, ao CA, 2-8-1856, cópia (ANRJ/SPE/IG1, m.
122, fl. 763r).
45 Ver Titara (1856:223).
46 Requerimento de Dorotéia Máximo de Campos ao presidente, 14-3-1864
(Apeb/SACP, m. 3.780).
47 Ver os vários requerimentos em Apeb/SACP (m. 3.773 e m. 3.774).
48 CA aos comandantes, 18-8-1881, circular (Apeb/SACP, m. 3.463).
49 CA ao chefe de polícia, 27-2-1862 (Apeb/SACP, m. 6.462).
50 Antônio da Silva Deiró ao diretor, Hospital Militar, 27-7-1862, cópia; CA ao
presidente, 24-7-1862 (Apeb/SACP, m. 3.402).
51 Ver Schaumburg-Lippe (1794:164-165); CA ao presidente, 5-6-1884
(Apeb/SACP, m. 3.443).
52 Major-comandante, esquadrão de cavalaria, ao CA, 20-12-1864
(Apeb/SACP, m. 3.419).
53 Vicente Ferreira da Silva ao capitão-comandante, companhia de cavalaria,
5-3-1856; CA ao presidente, 20-6-1873, reservado (Apeb/SACP, m. 3.388 e m.
3.430).
54 CA ao presidente, 2-10-1863 e 5-2-1861; Francisco de Paula Argolo ao
Peter M. Beattie**
A guerra à sodomia
A disciplina militar reprimia atos homossexuais em dois níveis.
Os registros de praças mostram como os oficiais freqüentemente
empreendiam ações sumárias através dos conselhos disciplinares
dos batalhões para castigar o comportamento homossexual, sem
recorrer a um conselho de guerra formal. Em alguns momentos, no
entanto, acusações de tentativas ou consumação de atos
homossexuais levavam a julgamentos completos, e esses casos
raros fornecem oportunidades de espiar um mundo de outro modo
inacessível.
Em 1900, o soldado Manoel Cardoso do Nascimento foi
trancafiado por seis dias por haver batido em “uma mulher”. Dois
meses mais tarde, foi posto em isolamento por oito dias, após tentar
praticar atos imorais com um camarada na cela coletiva da prisão
militar. A frustrada tentativa de sodomia recebeu uma censura mais
severa que bater numa “mulher” de classe baixa, mas, em termos
de disciplina regimental, oito dias de detenção não era grave36 Por
exemplo, em 1904, o soldado Antônio Moreira Ignacio foi preso por
um período não especificado, com rancho reduzido, por cuspir no
chão, após lhe terem dito repetidas vezes que não o fizesse. Treze
anos antes, ele passara 15 dias na solitária, com apenas uma
refeição por dia, por ter abandonado seu posto de guarda das armas
da companhia. Flagraram-no em cima do portão do forte, praticando
“atos imorais” com um camarada.37 Em muitos casos, os oficiais
aplicavam punições relativamente leves aos que eram pegos em
relações com alguém do mesmo sexo, sinal de que havia certo grau
de tolerância e a expectativa de que tais associações ocorreriam.
Essas ações disciplinares eram suaves, se comparadas ao
Código Penal e Disciplinar da Armada, de 1891 (adotado pelo
Exército em 1899), pelo qual o indivíduo que agisse contra a
honestidade de uma pessoa de qualquer sexo, mediante ameaça ou
violência, com o objetivo de satisfazer paixões lascivas, ou por
depravação moral ou por inversão do instinto sexual, seria punido
com um a quatro anos de prisão.38 O termo “inversão” fazia eco a
um termo francês, cunhado em 1882, mas a lei só considerava
crime sexo por coação. O código de 1763 do conde de Lippe (a
base da lei do Exército brasileiro até 1899) não fazia referência
específica à sodomia, mas tradições medievais estipulavam a morte
para esse nefando pecado.39 A lei civil imperial e a republicana não
definiam como crime os atos homossexuais realizados em particular
e consensualmente entre adultos.40 Se fossem cometidos com
menores de 16 anos, entretanto, eram legalmente considerados
estupros.
A lei militar definia estupro homossexual como crime sério, mas
poucos eram julgados por essas acusações. Muitas vítimas
provavelmente achavam difícil substanciar a acusação ou
humilhante demais relatá-la. Dos extensos inquéritos, apenas um
julgamento de 1893 registrou condenação por esse crime: o foguista
José Joaquim de Sant’Anna e o marinheiro imperial Antônio Ferreira
da Silva foram acusados de estuprar o foguista Pedro Cavalcante.
Os três saíram para beber juntos na ilha de Moncanguê, onde se
localizava a companhia correcional da Marinha para “marinheiros
incorrigíveis” no Rio de Janeiro. Ao voltarem, Antônio, José e Pedro
entraram numa casa abandonada, onde começou uma briga. Um
relatório inicial registrou que Antônio e José despiram e prenderam
o “mais moço e mais fraco” Pedro e “saciaram nele os seus instintos
libidinosos”. A boa vontade de Pedro em testemunhar distingue esse
caso. Outros corroboraram seu testemunho ao observar que, ao
voltar a sua companhia, Antônio declarou: “quem quiser vá que já
acabei”. Antônio aparentemente se gabava de ter saciado seus
desejos em Pedro, convidando, sem piedade, outros a fazerem o
mesmo. Três anos depois, Antônio foi julgado e absolvido por injúria
a um camarada a quem ele teria forçado a “praticar atos imorais”.
Em 1893, no entanto, uma corte marcial sentenciou José e Antônio
a quatro anos de prisão, a sentença máxima, e absolveu Pedro, que
voltou ao serviço.41
Esse caso ilustra temas importantes. Antônio se gabou de sua
dominação e violação de Pedro, sugerindo que sentia orgulho, em
vez de vergonha. Em muitos casos, os parceiros ativos
pretensamente contavam bravatas sobre suas conquistas sexuais
de outros homens. Pedro, entretanto, deixou claro que tinha lutado
para defender sua honra, mas fora subjugado.42 Em vez de buscar
vingança individual, confiou nos oficiais para vingar sua vergonha.
Outro elemento comum era o consumo de cachaça por praças a
serviço e de licença — em bases, no mar, em casa, tavernas,
quartéis e bordéis. Alguns eram acusados de repetidamente
oferecer álcool a camaradas na esperança de obter seus favores,
diminuindo as inibições e levando-os a submeterem-se a seus
“desejos libidinosos”.43 Se a persuasão falhava, como no caso de
Pedro, o álcool facilitava a coerção. Beber muito sem sucumbir à
embriaguez era uma forma de afirmar a masculinidade, mas um
praça incapacitado por bebida punha em risco sua honra. As
acusações feitas em 1897 contra o grumete de 28 anos Olímpio
Martins ilustram esse risco. Olímpio foi acusado de libidinosidade e
insubordinação, aumentando seu já prolífico registro disciplinar. Ele
tinha acabado de cumprir uma prisão de 18 meses por incitar
camaradas contra seus superiores. Após ser libertado, Olímpio foi
obrigado (como a maioria dos sentenciados por cortes marciais) a
voltar ao serviço ativo. De volta ao mar, Olímpio e vários camaradas
saíram para beber numa farra. Dois marinheiros acabaram por cair
dormindo na latrina do navio, onde um deles havia vomitado. De
acordo com o marinheiro menos grogue, Olímpio, bêbado e armado
com uma navalha, o acordou e lhe disse para sair porque ele queria
“praticar atos imorais” com o colega desfalecido. Seguiu-se uma luta
e os dois marinheiros foram detidos. No julgamento, Olímpio negou
as acusações. Insistiu que tinha tentado retirar ambos os
marinheiros para limpar a latrina, mas um deles ficara agitado e
começara uma luta. A corte marcial do navio julgou Olímpio culpado,
sentenciando-o a dois anos de prisão, mas o Supremo Tribunal
Militar (que revia as decisões de todas as cortes marciais) absolveu-
o por falta de provas.44
As exigências de provas tornavam a sodomia difícil mas não
impossível de provar. De 1870 a 1925, os relatórios anuais do
Ministério da Guerra registraram 79 cortes marciais por ofensas
sexuais. Mais de um terço das sentenças que se conhecem
resultaram em condenações (algumas para oficiais).45 Praças com
registro disciplinar ruim ou má “reputação” eram provavelmente mais
suscetíveis a cortes marciais. Tomemos o exemplo de 1884 do
segundo-sargento Gabriel Coutinho Brasil, carpinteiro da Marinha,
de 20 anos. Os assentamentos de Gabriel mostravam que ele vinha
de um sistema escolar da Marinha notoriamente picaresco, em que
as autoridades freqüentemente faziam ingressar menores
abandonados e delinqüentes juvenis.46 Com a idade de nove anos,
a “protetora” de Gabriel, d. Maria Leite de Gouveia, o apresentou ao
Arsenal da Marinha. Gabriel era talvez um enjeitado ou filho de um
escravo ou de um empregado doméstico livre na casa de d. Maria.
O nome do pai registra apenas “Agostinho”, sinal de que Gabriel era
filho de um escravo, já que muitos deles não tinham sobrenomes. O
período de aprendiz de Gabriel não foi promissor; ele era
freqüentemente encarcerado por beber, brigar, fugir da aula de
geometria e deixar de cumprir seus deveres. Em 1882,
suspenderam-lhe o soldo porque foi flagrado em seu alojamento
“praticando atos imorais”. No mês seguinte Gabriel desertou,
voltando dois meses depois. Provavelmente, como punição por sua
deserção, os oficiais transferiram Gabriel para a Marinha regular.
Aparentemente, Gabriel resolveu virar a página. Foi promovido a
cabo e depois a segundosargento, em 1883. No ano seguinte,
porém, foi acusado de “ser dado ao vício de pederastia”, rebaixado
a soldado raso e levado a julgamento.47
Nove testemunhas, a maioria praças no regimento de Gabriel,
alegaram que o segundo-sargento tinha mantido intimidade imoral
com o soldado José Teotônio de Oliveira. De acordo com um
sargento, “era público e sabido em todo o batalhão que [o sargento]
Brasil vivia amasiado com o soldado [Teotônio]”. Outros atestaram
que Gabriel havia se gabado em público de suas relações com
Teotônio, “ousando a ponto de maltratar seus camaradas com
palavras, tudo por ciúmes do referido soldado”. Outro soldado
afirmou que Gabriel declarara abertamente que “Teotônio lhe
pertencia, pois que ele o sustentava, dando-lhe roupa, dinheiro,
cigarros e mais que ele Teotônio precisava”. Gabriel fez saber que
Teotônio era seu protegido, razão pela qual lhe atribuía tarefas leves
e o isentava das revistas. Quando interrogado, Gabriel
simplesmente afirmou que não havia prova de sua culpa. A maioria
dos sete oficiais que integravam a corte marcial concordou e o
absolveu, observando que “para ser punido o delito seria
indispensável que tivesse sido o réu preso em flagrante, ou pelo
menos que as testemunhas ou algumas delas tivessem presenciado
o ato”.48 O Conselho Supremo Militar e de Justiça confirmou a
sentença.
Verdadeira ou não a acusação, a intimidade do sargento com um
soldado mais jovem revela que os praças reproduziam o sistema de
proteção patriarcal, comum na sociedade brasileira. Muitos
buscavam “pistolões” para melhorar as condições da vida na
caserna. Esses vínculos clientelistas podiam ser fortalecidos ou
condicionados por intimidade sexual, mas vinham com um preço a
pagar, como indicavam as testemunhas de que Gabriel havia batido
em Teotônio e destruído coisas de sua propriedade em ataques de
ciúme furioso.
A descrição da relação entre Gabriel e Teotônio se assemelha ao
enredo de Bom Crioulo. Tendo simpatizado imediatamente com o
recém-alistado Aleixo, Bom Crioulo espanca um marinheiro que
maltratava o grumete e acaba sendo açoitado por isso. Para Aleixo,
“a idéia de que Bom Crioulo sofrera por sua causa calou de tal
maneira no espírito do grumete que ele agora o estimava como a
um protetor desinteressado, amigo dos fracos…”. Bom Crioulo
continua a conceder favores e a cortejar Aleixo. Então, uma noite,
os dois penduram suas redes lado a lado, se abraçam num cômodo
isolado do navio e Aleixo sente que
Conclusões
A guerra à sodomia nas instituições militares no Brasil ao longo
dos primeiros anos do século XX é prenhe de ironias. Como se
poderia punir homens por atos sexuais “criminosos” numa instituição
em que o serviço militar constituía um sistema de trabalho imposto
semicoercitivo e uma instituição protopenal? Depois de cumprir suas
sentenças, apenas aqueles que cometiam crimes hediondos eram
expulsos. Por exemplo, o guardião Francisco Joaquim Ribeiro foi
acusado de tentar forçar um grumete, e uma corte marcial a bordo o
sentenciou a dois anos de cárcere e expulsão da Marinha por
“imoralidade”. O CSMJ, no entanto, mudou a sentença, reduzindo-a
a seis meses de detenção embarcado; ele deveria ser reintegrado
no posto de marinheiro.60 Antes de 1900, a maioria das
condenações exigia que os praças cumprissem os seus contratos
após terminar seu período de prisão, perdendo todo o tempo
anteriormente servido. Logo, as condenações normalmente
estendiam mais do que reduziam o serviço requerido que o réu
cumprisse. Como muitos homens eram punidos (alguns por ofensas
sexuais) com o serviço no Exército, excluir homens do serviço militar
por praticar ou por terem afirmado haver praticado sexo com alguém
do mesmo sexo era mais um prêmio que uma punição.
O serviço militar obrigatório e o sorteio aos poucos elevaram o
serviço militar de uma instituição punitiva a uma instituição
preventiva para a reforma social. Ficou mais diretamente associado
com um dever masculino respeitável, capaz de ampliar a honra
pessoal através de uma associação com a honra nacional, ao
menos para brasileiros pobres respeitáveis. Mesmo assim, a maioria
dos integrantes das classes média e alta evitava legal ou
ilegalmente o sorteio, porque o serviço militar continuava a ter o
estigma de origem social humilde. Depois de 1916, os militares
começaram a recrutar uma seção transversal maior de jovens
brasileiros de famílias respeitáveis pobres por períodos mais curtos,
em vez de continuar se baseando no recrutamento forçado. O
Estado podia agora conceder dispensas periódicas e expulsar
recrutas problemáticos. Os oficiais podiam também treinar mais
efetivamente os soldados na doutrina nacionalista, nas práticas de
higiene, nos exercícios físicos, na moralidade e nos deveres cívicos.
Ainda falta pesquisar mais para determinar até que ponto os oficiais,
como parte desse programa, pregavam contra a homossexualidade
como uma “doença”.
Os esforços do governo para aperfeiçoar a imagem do serviço
militar em última análise tiveram êxito em tornar mais bem aceito e
fortalecer o recrutamento, mas os reformistas tiveram menos êxito
em propagar novas concepções de identidade sexual que
estigmatizassem igualmente parceiros sexuais ativos e passivos. Na
mente de muitos, a vergonha ainda permanecia com o parceiro
passivo. No final dos anos 1920, Nelson Werneck Sodré lembrava
que entre os estudantes do Colégio Militar o
Homossexualismo, habitual em internatos, como em
penitenciárias — é um dos motivos mais graves para a
condenação desses regimes de clausura que importam em
mutilação das pessoas — só era desonroso quando passivo,
quando ativo aparecia até como demonstração de virilidade.
Eram raros os casos passivos, mas eram comuns ligações,
quase sempre inconseqüentes — as mais das vezes por fins de
ostentação — entre internos. Dois ou três casos, nessas
ligações, deram que falar, provocando brigas e ciúmes; num
deles, o elemento passivo era desses casos excepcionais de
indecisão entre um sexo e outro.61
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Celso Castro**
Conclusões provisórias
Não pretendo ter completado o inventário dessas revoltas.
Outros atos, possivelmente menos graves, podem ter ocorrido.
Janotti diz que, no embarque da família real para o exílio, em 17 de
novembro, os imperiais marinheiros que transportaram o monarca
deram-lhe “vivas”. A mesma autora menciona, sem citar referências,
a ocorrência de conflitos também na Bahia.14
Além disso, consegui localizar pelo menos duas manifestações
populares não-militares contra a República logo nas suas primeiras
horas, assim que foram recebidas notícias sobre sua instauração.
Na noite de 16 para 17 de novembro, em Salvador, segundo a
descrição do cônsul britânico, bandos de negros percorreram as
ruas da cidade dando vivas à monarquia. Eles atacaram as casas
de estudantes e de outros indivíduos identificados como
republicanos, matando três deles. Na manhã seguinte, correu o
boato de que o comandante da guarnição, um ardoroso monarquista
— por ironia do destino, o general Hermes Ernesto da Fonseca, que
ainda não sabia que seu irmão havia sido autor do golpe de Estado
— iria liderar suas tropas, mais as da polícia e de “voluntários
negros” contra o suposto desembarque de um encouraçado enviado
do Rio de Janeiro. Em vez disso, jovens oficiais republicanos
prenderam o comandante, cantaram a Marselhesa e marcharam
para a sede do governo.15
Em São Luís, na manhã do dia 17 de novembro, populares
percorreram as ruas da cidade dando vivas à monarquia e foram
reprimidos por uma força militar. Os registros do hospital e do
cemitério da Santa Casa de Misericórdia desse dia mostram que
houve 14 feridos a bala, dos quais morreram: João de Brito, pardo
de 40 anos, Sérgio, preto de 22 anos, Martinho, pardo de 29 anos, e
Raimundo Araújo Castro, preto de 31 anos, todos solteiros e
naturais do Maranhão. O relatório do presidente da província
referente a esse ano informa também que ocorreram desordens em
outras cidades, “devido ao desregramento de alguns libertos”. O
bacharel Pedro Augusto Tavares Jr., que viria a governar
brevemente o estado pouco após o ocorrido, divulgou, no dia 29 de
janeiro de 1890, já afastado do governo, uma carta, publicada no dia
seguinte pela imprensa do Rio, criticando fortemente a junta
provisória de sete membros (cinco deles militares) que assumira o
poder no estado após o incidente, por indicação de Deodoro. Em
suas palavras:
A junta inaugurara a República com o fuzilamento em massa de
cidadãos, cujos protestos contra a nova ordem política eu soube
depois que se podiam perfeitamente abafar sem derramamento
de sangue. Os excessos de toda a ordem seguiram-se logo ao
crime. Os cidadãos, principalmente os de cor, de que a junta
suspeitava, eram presos e logo arrastados ao xadrez, onde se
lhes cortava os cabelos e onde eram barbaramente espancados.
Muitos receberam dúzias de bolos nos pés. Mulheres públicas,
com que alguns soldados tinham contas a ajustar, sofreram de
igual modo esses afrontosos e [ilegível] castigos. O terror enchia
todos os corações e tolhia todas as consciências; e para que
nada transpirasse, e nenhuma voz honesta e patriótica se
fizesse ouvir, foi trancado o telégrafo.16
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Conclusão
Com o fim da Guerra do Paraguai, as discussões em torno da
condição escrava e a pressão dos oficiais de bordo, as altas
autoridades da Armada procuraram resolver esses graves
problemas disciplinares tornando mais rígida a seleção no processo
de recrutamento. Além disso, criaram medidas para incentivar a
formação educacional e profissional dos marinheiros. Daí o prestígio
conferido às escolas de aprendizes marinheiros — em detrimento do
recrutamento forçado — e às escolas profissionais e de primeiras
letras. Mas, enquanto essas medidas não surtiam efeito, procuraram
também interferir nas relações entre marinheiros e oficiais, criando
leis para regular e limitar o castigo corporal. A Lei no 8.898, de 3 de
março de 1883, por exemplo, reduziu o castigo de chibata para 25
pancadas.
Os resultados dessas medidas ainda eram pífios quando a
República foi inaugurada. Como vimos, a criação da companhia
correcional alegrou e frustrou oficiais e marinheiros,
respectivamente. Essa mudança, em tão pouco tempo, gerou
protestos por parte dos marinheiros, que se aproveitaram dos
conflitos políticos dos primeiros anos de governo militar para expor
suas reivindicações. As primeiras revoltas ou tentativas de revolta
contra os excessos do castigo corporal têm início já na década de
1890.
Até 1910, marinheiros e oficiais tentarão criar novas regras de
conduta mútua para poderem conviver sob o regulamento
estabelecido pela companhia correcional. No entanto, sem voz nem
direito para reclamar coletivamente dos problemas existentes, um
grupo liderado pelos marinheiros João Cândido, Francisco Dias
Martins, André Avelino e Manoel Gregório passou a se reunir em
diversos locais da cidade do Rio de Janeiro para organizar um dos
maiores movimentos de revolta existentes na história da capital
federal.40
Esses marinheiros amotinados desejavam a abolição dos
castigos corporais. Mas somente isto não bastava. Na interpretação
dos amotinados, de pouco adiantaria extinguir a chibata, enquanto
marinheiros indisciplinados e pouco camaradas, como Avelino Bispo
de Olinda e Júlio Nascimento, continuassem nos vasos de guerra.
Daí os amotinados exigirem “educação” para esses marinheiros
“que não sabem vestir a orgulhosa farda”. Óbvio que eles também
exigiam melhores salários, o fim do trabalho excessivo e das leis
que permitiam o castigo corporal. Antes de serem vistas como
inocentes reivindicações, tais medidas resolveriam problemas que,
como vimos, geravam violências diversas e afastavam os
voluntários tão desejados pela Marinha de Guerra. Enfim, os
amotinados de 1910 revelaram à imprensa e aos citadinos uma
realidade diversa daquela exposta pelos oficiais, conquistando
assim o direito de serem ouvidos através de suas próprias vozes.41
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CORRESPONDÊNCIA
Mingolé.
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* Doutor em história pela USP.
1 Gonçalves, 1951:91.
2 Ibid., p. 125-142.
3 Ver Figueiredo (1944:258).
4 Ver Miranda (2002:69) .
5 Ver Branco (1960:80).
6 Estatística obtida pela contagem dos oficiais listados no relatório de
campanha da FEB; ver Morais (1947:274-279).
7 …E a Cobra Fumou! Estacionamento em Porreta Terme, Itália, 31 jan. 1945.
8 Entrevista ao autor, Barueri, 2002.
9 Entrevista ao autor, São Paulo, 1995.
10 Ver, respectivamente, Starr (1948:401); Popa (1998:110); e Fisher Jr.
(1993:476). É interessante observar que a narrativa mais antiga, quando a
memória da campanha era mais vívida, é a mais próxima das versões
brasileiras do episódio.
11 20 anos depois, expedicionários em ritmos (Rio de Janeiro, Chantecler
Discos, CMG 2397, 1965).
12 Posto de observação.
13 Saco A é uma referência aos dois sacos de transporte de roupas
distribuídos aos febianos. O saco A acompanhava o soldado até a cozinha de
sua companhia; o saco B, com itens de importância secundária, era
armazenado na retaguarda. Logo, os combatentes de infantaria assumiram o
apelido de “Saco A”.
14 Depoimento escrito, São Paulo, 2000.
15 Cruz, 1981:13.
16 Diário, 5a Companhia (II Batalhão, 6o Regimento de Infantaria, FEB, Itália,
1944/45).
17 Ver Brooks (1996:83).
18 Ver Doubler (1994:236-237).
19 United States Military Attaché. Example of FEB war injuries. Rio de Janeiro,
22-6-1945 (Arquivo Histórico do Exército).
20 E-mail ao autor, mar. 2002.
21 Há quem questione a legitimidade da exaustão mental como baixa de
combate. Van Creveld (1982:95-96) sugeriu que o alto índice de baixas
psiquiátricas no Exército americano originou-se parcialmente da
permissividade em retirar do front os combatentes afetados — sem avaliar
que os efeitos de tais baixas ultrapassaram por muitos anos o fim da guerra.
Estudos demonstraram que a taxa de afetados por exaustão era maior entre
aqueles que não tinham revelado predisposição para distúrbios durante o
processo de seleção dos convocados; ver Addison e Calder (1997:151).
22 Ver Wiltse (1965:452). A respeito do tratamento de baixas por “neurose de
guerra” na FEB, ver Caldas (1950). O dr. Caldas distinguiu-se após a guerra
por ser um dos primeiros a reconhecer a necessidade de assistência
especializada aos veteranos da FEB.
23 Entrevista ao autor, São Paulo, 1994.
24 Carta ao autor, Marília, 17-8-2001.
CAPÍTULO 14
As associações de ex-combatentes
Logo depois do retorno, as queixas aumentaram, e a idéia de
criar associações de ex-combatentes, cogitada ainda na Itália, foi
retomada. Em 1o de outubro de 1945, foi fundada no Rio de Janeiro
a primeira associação de ex-combatentes do Brasil. Outras foram
criadas, de maneira espontânea, em várias cidades do país.
Inicialmente, essas associações eram dirigidas, na maioria, por
praças e oficiais subalternos da reserva.
As associações tinham outras importantes atividades, além de
intermediar queixas. Eram centros de convivência social dos
veteranos e de suas famílias, proporcionavam esclarecimentos
sobre os direitos dos afiliados, realizavam encontros e congressos
periódicos, promoviam visitas a escolas e outras instituições
culturais para divulgar a memória da participação brasileira na
guerra, editavam jornais e boletins informativos, organizavam
homenagens, desfiles, coleta de fundos para construção de
monumentos comemorativos e museus, ofereciam cursos técnicos
para os afiliados e seus familiares. Vigilantes, ocasionalmente
denunciavam organizações e manifestações nazifascistas, como as
editoras que na década de 1980 publicavam obras “revisionistas”,
de cunho anti-semita. Promoviam também jantares e eventos
sociais em suas sedes. Organizavam viagens para as localidades
italianas em que haviam combatido (o que obviamente só poderia
ser feito por veteranos com maior poder aquisitivo). Até hoje
desempenham todas essas atividades. Desde seus primórdios,
estão filiadas ao Conselho Nacional das Associações de Ex-
combatentes do Brasil, com sede no Rio de Janeiro. Este conselho,
por sua vez, é filiado à Federação Internacional de Ex-combatentes.
Os primeiros anos dessas associações foram tumultuados. As
disputas políticas, agravadas pelos ecos da Guerra Fria, acabaram
por dividir a associação, que até então agregava combatentes de
todos os credos partidários. O primeiro sinal de cisão apareceu na
primeira Convenção Nacional das Associações, em 1946, no Rio de
Janeiro. Autoridades do governo federal e da prefeitura do então
Distrito Federal, acusando o congresso de “comunista”, fecharam à
última hora as portas das sedes do encontro. Este acabou sendo
realizado na sede da Academia Brasileira de Medicina e contou com
reduzido apoio de políticos e da imprensa.
Distante do conflito ideológico, nessa convenção, foi elaborado,
por uma comissão, um plano de readaptação e reintegração do ex-
combatente, baseado em estudos das legislações norte-americana,
inglesa e francesa. Propunha a criação de um órgão misto, para
supervisão dos problemas dos excombatentes, um programa de
cursos técnicos para os veteranos, em escolas das Forças
Armadas, da rede Senac e Senai, Liceu de Artes e Ofícios de São
Paulo e congêneres, bem como facilidades para o ingresso no
ensino superior. Prescrevia também um programa de amparo aos
veteranos incapacitados. Segundo seus autores, a principal
vantagem desse programa era a pouca repercussão dos programas
no erário público. O benefício social seria grande, e a despesa do
Estado, relativamente pequena. Mas o esforço foi em vão. Um dos
elaboradores comentou o início de um padrão de encaminhamento
das reivindicações dos veteranos:
O Conselho Nacional (…) deferiu ao signatário deste a tarefa de
levar o fato ao governo federal, à cuja frente ainda continuava o
marechal Eurico Gaspar Dutra. O plano foi entregue ao próprio
presidente, lá no antigo Palácio do Catete. Seu fim foi o mesmo
dado a todos os planos elaborados e submetidos aos governos
que se sucederam. Indiferença, insensibilidade e… gaveta ou…
cesta.32
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Renato Lemos**
O problema
A atuação do Judiciário durante a ditadura militar tem recebido
pouca consideração sistemática por parte das ciências sociais.
Tende-se a estudar o regime militar brasileiro, como forma de
dominação política, exclusivamente em seus aspectos coercitivos:
práticas policiais, legislação autoritária etc. As instituições do Estado
são analisadas como mecanismos de implantação e reprodução de
relações políticas autoritárias. Pouco se discute, contudo, o alcance
da insistência que a corrente civil-militar que empolgou o poder
político em 1964 demonstrou em manter funcionando, mesmo que
sob estrito controle do Executivo, instituições democráticas, como o
Judiciário, o Legislativo e o sistema partidário. O importante trabalho
de Maria Helena Moreira Alves, por exemplo, constata a força
política do Judiciário, mas não se pergunta por que os militares no
poder a respeitaram durante tanto tempo.6 Mesmo o livro de Emília
Viotti da Costa, o mais abrangente acompanhamento das relações
entre o STF e o processo político nacional, também não vai além da
constatação de que os militares mantiveram a Constituição de 1946,
reformando-a, em um primeiro momento, apenas no tocante aos
poderes do Executivo, decisão cujas razões a autora não
questiona.7
Sader avançou na superação da insuficiência das análises do
regime militar brasileiro em relação a esse aspecto. Para ele, a
ditadura militar foi a mais “dissimulada” entre os regimes análogos
do continente. Os demais, ainda que evitassem proclamar
abertamente seu caráter de ditadura, não hesitaram em se anunciar
como agentes da substituição do regime democrático por uma “nova
ordem”. No Brasil, embora alguns setores militares tenham
esboçado a defesa de uma ordem não-democrática duradoura, essa
“tentação” terá sido “minoritária ou breve”:
Hipóteses
O STF desempenhou um importante papel nessas estratégias,
como espaço atenuador de práticas policiais e jurídicas tendentes a
aprofundar o caráter ditatorial do regime. É inegável que em muitas
ocasiões o tribunal foi determinante para a garantia de respeito a
direitos políticos e individuais. Mas essa evidência não invalida a
hipótese, apenas indica o conteúdo contraditório das relações entre
o Executivo militar e o Judiciário. O lugar reservado a este, na
medida em que o mantinha em funcionamento, implicava o risco de
que os juízes, ao menos alguns, votassem contra os interesses
imediatos dos militares no poder. Como isso acontecia
esporadicamente, ou em relação a questões sem transcendência
política, podia ser encarado como um preço razoável a ser pago
para reforçar a idéia de uma ditadura provisória claramente
comprometida com o restabelecimento da democracia.
Quanto à Justiça Militar, como parte do Poder Judiciário, a sua
atuação foi determinada pelas características da luta política nos
momentos de ajuste de contas com o regime deposto e de
instalação dos pilares da nova ordem, bem como nas crises que
marcaram o período. A sua inserção no processo político na
conjuntura fez-se em uma tríplice condição.
Primeiramente, como órgão central do aparato de coerção
jurídica. A atribuição de interpretar e aplicar a legislação repressiva
foi progressivamente ampliada, culminando com a transferência dos
casos relacionados com crimes políticos da jurisdição do STF para a
do STM.
Em segundo lugar, como instrumento auxiliar na estratégia de
legitimação do regime. Integrado por oficiais de alta patente e já
próximos ao fim da carreira, portanto pessoalmente maduros e
politicamente experientes, o STM tendeu a atuar de maneira
relativamente moderada. Julgava de acordo com a legislação
derivada da doutrina de segurança nacional e com base em
processos construídos a partir de práticas violentas (prisões
arbitrárias, confissões obtidas à base de torturas etc.), mas, com
freqüência, reduzia penas propostas na primeira instância e
rejeitava processos formalmente defeituosos, o que beneficiava os
acusados. Desta maneira, contribuía para disseminar a idéia de que
o regime contava com uma corte empenhada em respeitar os
fundamentos jurídicos da democracia e os direitos dos presos
políticos. Importantes advogados que atuavam na Justiça Militar
expressaram, na época, opinião neste sentido, como Heleno
Fragoso na cerimônia de instalação do STM em Brasília, em 1973,
época de fastígio do regime ditatorial:
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Tabela 1
Mulheres nas Forças Armadas nos países membros da Otan
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Fontes: World Legal Survey. The International Lesbian and Gay Association.
Disponível em: <www.ilga.org/information>; Moskos, Williams e Segal (2000).
Notas finais
Segundo uma vasta bibliografia, a entrada de mulheres e
homossexuais nas Forças Armadas deve ser vista por dois ângulos:
como uma conquista democrática e como um problema institucional.
Mesmo em países que absorveram a participação das mulheres
ainda há restrições à prática de algumas atividades bélicas, o que
implica privá-las de certos treinamentos de ataque e defesa.18 O
tema torna-se mais polêmico quando vemos que até mesmo entre as
mulheres há quem condene a vida militar como uma alternativa
feminina e quem considere negativa a presença das mulheres nas
Forças Armadas. Algumas pesquisas sustentam que as mulheres
são responsáveis por uma quebra de coesão militar e por uma
atitude mais “frouxa” e de “amolecimento” do profissional militar. Para
alguns, o mau desempenho dos militares americanos é atribuído à
presença feminina, que teria levado a uma feminilização da atividade
militar, opinião contestada por outras autoras.
Da mesma forma, há quem defenda a tese de que a presença de
homossexuais nas Forças Armadas norte-americanas é responsável
por menores graus de coesão interna e de combatividade dos
militares. Ou seja, o debate sobre a pertinência ou a legitimidade da
presença de mulheres e homossexuais nas Forças Armadas não se
restringe ao mundo ou ao preconceito masculinos, nem aos militares
mais velhos.19
No caso dos Estados Unidos, há que mencionar a mais
importante pesquisa feita com os militares nos últimos anos, cujos
resultados encontram-se na já clássica coletânea organizada por
Peter Feaver e Richard Kohn (2001). Naquele país, principalmente
entre militares da reserva e da ativa, ainda existe a noção de que os
assuntos militares são prioritariamente masculinos. Dois autores
lembram que as resistências à presença de mulheres e
homossexuais nas Forças Armadas, especialmente em funções de
combate, derivam de três argumentos: existe discrepância entre civis
e militares no que toca à definição de políticas para as Forças
Armadas; isso leva os civis a apoiarem políticas para as Forças
Armadas que são consideradas pelos militares inadequadas ou até
mesmo perniciosas para a instituição; a adoção das políticas
demandadas por civis levaria a uma perda de coesão militar e, logo,
a uma queda em sua capacidade de combate.20 Ainda é forte,
portanto, a idéia de que a “feminilização dos exércitos” levaria ao
declínio do poder americano, assim como o argumento segundo o
qual as Forças Armadas não podem ser usadas como laboratório
para experimentos de integração social ou de implementação de
direitos civis demandados pela sociedade.21
A pesquisa mostra que os civis são mais propensos a considerar
positiva a integração de mulheres e homossexuais nas Forças
Armadas, mas estão de acordo com os militares quando se trata de
isentar as mulheres das funções de combate e isto por duas razões:
as mulheres teriam menos força física e sua presença como
soldados no campo de guerra geraria problemas de coesão
interna.22 Os militares, por sua vez, também sustentam que a morte
de mulheres em combate seria uma desmoralização para os
soldados e que a presença delas no palco de guerra prejudicaria o
desempenho deles. Segundo a pesquisa, os militares fazem mais
restrições aos homossexuais do que às mulheres. Apenas 6,5%
deles afirmam que deixariam as Forças Armadas se as mulheres
fossem admitidas plenamente nas funções de combate, enquanto
27,5% dizem que fariam o mesmo se os homossexuais fossem
livremente admitidos na instituição.23 Da mesma forma, 65,5%
admitem que se sentem mais seguros sob um comando militar
masculino, enquanto apenas 20,2% aceitam o comando feminino,
mas nenhum deles aceita ser comandado por homossexuais.
Não se pode dizer, contudo, que essas restrições aos
homossexuais signifiquem uma posição homofóbica por parte dos
militares norte-americanos. Eles aceitam a participação deles em
outras áreas de atividade, mas entendem que as Forças Armadas
exercerão melhor seu papel se continuarem regidas por valores
tradicionais. A justificativa para essa restrição é que, mais do que as
mulheres, os homossexuais são fator de disrupção, de quebra de
coesão interna, embora estes sejam conceitos imprecisos.
Outras pesquisas igualmente rigorosas para aferir o impacto da
incorporação de mulheres, gays e lésbicas vêm sendo desenvolvidas
na Europa e nos Estados Unidos. Os resultados são surpreendentes
e em geral mostram que a integração tem-se dado sem qualquer
aspecto negativo para o conjunto das Forças Armadas, não interfere
em assuntos de defesa e ameniza o assédio sexual de mulheres e
homens. No caso de Estados Unidos, Inglaterra e Canadá,24 essa
integração teria ocorrido sem qualquer necessidade de mudanças
institucionais nos padrões de funcionamento da rotina militar.
Portanto, o tema é novo, mas de grande impacto social e
institucional. Além disso, as pesquisas, algumas bem consistentes,
ainda não permitem a formação de paradigmas ou tendências que
possam generalizar-se. Incorporar esses dois novos atores à
instituição militar é uma inovação nos costumes e uma novidade
sociológica. Os estudos mal começaram na América Latina, mas
parece que a tendência é dar maior divulgação ao tema, e este, para
nós, ainda está mais perto do tabu que do debate.
Por isso mesmo, permito-me inferir que, nas entrevistas
realizadas com os chefes militares e aqui utilizadas, as questões
relativas a gênero foram respondidas mais por educação e
consideração à entrevistadora do que pela relevância social que
pudessem ter para os entrevistados. O tema era delicado e ainda
difícil de ser abordado, mas assim mesmo conseguimos um diálogo
profícuo, o que certamente atesta o profissionalismo dos chefes
militares no sentido de não evitar questões polêmicas.
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