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A QUEM SERVE O ESTADO LIBERAL?

REFLEXÕES SOBRE O LIBERALISMO ECONÔMICO A PARTIR DA ANÁLISE


DAS EMPRESAS MAQUILADORAS NA AMÉRICA LATINA

Leandro Fontes Corrêa1

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAS

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

MAIO DE 2018

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Graduando em Relações Internacionais pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Estadual Paulista.
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RESUMO

A indústria maquiladora desponta hoje como um dos mais lucrativos empreendimentos


impulsionados pela agenda liberal ante a América Latina. As Maquillas, como são chamadas
as fábricas, configuram-se no deslocamento de parte do processo de produção para países
onde são recebidas com incentivos fiscais, mão de obra barata e flexibilização das leis
ambientais, levando consigo o expansionismo econômico de potências para países periféricos
do Sistema Internacional. A despeito da situação de dependência na qual países como México
e Paraguai são colocados, há uma grande pressão exercida por meio de acordos bilaterais e
órgãos supranacionais como o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do
Comércio para que este tipo de internacionalização da produção se efetive.
O desenvolvimento deste tipo de indústria se torna interessante para a análise do
Estado Liberal, e de seus desdobramentos políticos e sociais, ao passo que as Maquillas são
um produto direto do liberalismo econômico. O Estado, desta forma, quando submetido a esta
agenda econômica, pode deixar de desempenhar sua função de prover bem estar social,
delegando ao juízo do Mercado as condições de trabalho dos indivíduos e a exploração dos
recursos do país. Neste sentido, é possível que se evidencie, a partir da análise das empresas
maquiladoras, como a liberalização da economia pode prejudicar o desenvolvimento amplo,
autônomo e soberano das economias e dos sistemas políticos destes Estados.

Palavras-chave: Maquiladoras. Estado Liberal. Dependência.


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INTRODUÇÃO
A história do sistema de produção e reprodução capitalista nos aponta ciclos que não
só o sustentaram no nível local, como também oportunizaram sua capilarização ao em torno
do globo. Mesmo durante os momentos de crise de seus paradigmas, teceram-se instituições e
imaginários que serviram de instrumental para sua perpetuação. Neste processo que perdura
desde seu surgimento até os nossos dias, o capitalismo tomou dimensão e complexidade,
adequou-se aos tempos e espaços e agora, na sua mais atualizada versão, pôde travestir um
modo de produção com mantos políticos, sociais e culturais. Alienou, assim, a sociabilidade à
consolidação de um modelo econômico.
Nesta perspectiva, o liberalismo político-econômico que ganhou força no final do
século XX, chamado por David Harvey (2011) de neoliberalismo, desponta no cenário
internacional como a projeção mais atual do pensamento capitalista; isto é, esta última faceta
do capital toma, reiteradamente, da política e da cultura elementos fulcrais para a garantia do
desenvolvimento e da legitimidade da livre iniciativa privada. A representação do Estado,
cada vez mais, confunde-se com a dinâmica do mercado econômico.
Observou-se, durante a década de 1980, nos governos de Margareth Thatcher, no
Reino Unido, e no de Ronald Reagan, nos Estados Unidos da América, a ascensão massiva do
neoliberalismo enquanto política de Estado. Apoiados em teses de economistas como
Friedrich Hayek e Milton Friedman, renomados autores liberais, os governantes destas duas
potencias dedicaram muito de seus campos de ação política na economia liberal. Austeridade,
privatizações e internacionalização da produção e do capital nacional foram algumas das
medidas estatais desempenhadas por estes governos. O Estado, sob a visão mercadológica,
voltou-se à economia para assegurar a sua livre atividade. Contudo, os esforços em garantir a
mobilidade do capital e o crescimento do produto econômico causaram importantes
desdobramentos para a seguridade social e para as políticas públicas.
De todo modo, para que seja possível ter uma análise geopolítica do avanço do
liberalismo, ou do neoliberalismo, como alguns preferem denominar, é importante pensar
como a ideologia de Estado Liberal surgida nas grandes potências hegemônicas reverberou
para a periferia do Sistema Internacional. Como esta agenda chegou à América Latina, região
historicamente explorada? A quais grupos interessou a supervalorização da livre iniciativa
privada?
Assim como proposto por David Harvey (2011), a globalização, dada na
internacionalização do capital, produtivo ou financeiro, faz com que as transformações locais
estejam relacionadas a tendências gerais de âmbito global, orquestradas por poucos epicentros
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de poder econômico. De forma sistemática, a imposição deste modelo econômico forjado em


países centrais no Sistema Internacional ocasiona um desenvolvimento geográfico desigual
conforme a capacidade de absorção deste modelo pelas instituições e estruturas dos demais
países.
Por meio de organizações, como o Fundo Monetário Internacional e a Organização
Mundial do Comércio, e acordos bi ou multilaterais, como os blocos econômicos e regiões de
livre comércio, a globalização de bens, produtos e serviços, bem como a financeirização da
economia chegam até a região latino-americana, em particular, de forma impiedosa. A
internacionalização financeira e as relações de interdependência da produção fazem parte da
cartilha neoliberal propagada por este mecanismo citados – e as estruturas fundadas no
passado colonial de países historicamente explorados configuram um interessante espaço para
o empreendimento liberal de produção dependente. Neste cenário, a América Latina é situada
em estágios primários da produção, onde a mão de obra barata do nosso povo representa lucro
para os empresários e nossas terras de abundantes recursos naturais chamam a atenção de
investimentos externos. Todavia, para que este empreendimento prospere, e a cartilha se
efetive, o modelo econômico necessita de avais políticos.
É neste passo que se torna interessante o estudo do Estado como ente que assimila e
permite o desenvolvimento de dada ideologia econômica. É evidente que o diálogo que se
estabelece entre os fluxos de informação global e as instituições domésticas reside justamente
na absorção dos governos dos receituários e dinâmicas globais. Isto é, trazendo isto para a
discussão aqui em pauta, as nossas instituições políticas públicas, tecidas no aparato do
Estado, podem ser criadas e destinadas tanto à perpetuação das estruturas coloniais e
patrimonialistas ou ao rompimento deste paradigma. Mas a narrativa neoliberal nos faz
acreditar que só há este caminho a seguir: que a história acabou (Fukuyama) e que a
democracia liberal é o último estágio da evolução das sociedades humanas. A naturalização
da narrativa liberal, nesse sentido, adentrou a racionalidade dos Estados e quando não criou
instituições que a perpetuasse, torceu as existentes para o seu rumo. Por percorrer os
caminhos deixados pelos processos históricos de valorização da propriedade privada e dos
individualismos, nos mais variados aspectos da vida humana, o liberalismo como política de
governo tem seu passo acelerado pela ausência de obstáculos.
No que toca aos processos históricos que permitem o avançar do liberalismo sobre as
nossos governos latino-americanos, Florestan Fernandes, renomado por seus estudos acerca
da estrutura política e econômica do Brasil, diz que a modernidade não trouxe consigo o
rompimento com o regime social gestado na organização econômica colonial, apenas o
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reafirmou: senhores rurais se tornaram a “aristocracia agrária”, donos do latifúndio


agroexportador, a escravidão deixou seu legado na exploração intensiva do trabalho, e no
racismo, e a terra continua sendo expropriada de acordo com demandas externas de países
centrais. A produção agrária e exportadora, a concentração de terra, a exploração da mão-de-
obra e, consequentemente, o poder concentrado em pequena parcela da população ainda são
os propulsores da desigualdade social, da meritocracia enquanto um mito social e, em última
análise, do subdesenvolvimento nacional. Estas estruturas coloniais não superadas
determinam nossas economias como heterônomas, ou seja, economias sujeitas ao capitalismo
dependente: o subdesenvolvimento de países periféricos do Sistema Internacional, para
autores dependentistas, é condição sine qua non para o desenvolvimento dos países centrais,
uma vez que nossa autonomia doméstica é solapada pelos interesses internacionais.
Florestan nega também que a superação do subdesenvolvimento virá através da
aceleração do crescimento do produto econômico, uma vez que a economia é apenas uma das
variáveis neste cenário de dominação. No seguinte exceto, o autor explicita como os EUA é
um grande, se não o principal, exemplo deste tipo de dominação:
“Em consequência, o processo de modernização, iniciado
sob a influência e o controle dos Estados Unidos, aparece como uma
rendição total e incondicional, propagando-se por todos os níveis da
economia, da segurança e da política nacionais, da educação e da
cultura, da comunicação em massa e da opinião pública, e das
aspirações ideais com relação ao futuro e ao estilo de vida
desejável”. (FLORESTAN. 1972. p. 23)
Nesta esteira de pensamento, o Estado é trazido neste trabalho como o aparelho
burocrático-racional responsável por regulamentar a sociedade e que, quando submetido aos
interesses do mercado econômico e das instituições e autoridades financeiras, não garante
segurança política, econômica e social à população em geral. Este deixa de desempenhar sua
função de provedor de direitos, tais como educação, saúde, habitação e alimentação, para se
tornar mero agente de regulação da desregulamentação social, criando uma ordem de
desordem, deixando, portanto, de ser um Estado socializante (Milton Santos. 2008.).
A quem o Estado Liberal advoga e beneficia quando o que lhe cabe é meramente
manter o Mercado fluindo para, através deste, as pessoas disputarem que vidas terão? Ao
autorizar a liberalização da economia, o Estado autoriza também a livre acumulação e à
obtenção de lucro desenfreada. E esta é, muitas vezes, a via contrária da expansão dos direitos
sociais para a sociedade, uma vez que a meritocracia passa a ser a ordem do dia e os direitos
tornam-se restritos àqueles que têm condições de competir neste regime de oportunidades.
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A partir da análise do desenvolvimento da Indústria Maquiladora é possível enxergar


os desdobramentos políticos e sociais deste modelo de economia que beneficia as elites e que
torna nossas economias dependentes. As Maquillas, como são chamadas as fábricas,
concentram-se, na América Latina, na região fronteiriça do México com os EUA, e também
são encontradas no Paraguai. No caso das Maquiladoras do México, a maioria das empresas
são de origem norte-americana; já no Paraguai os investimentos neste tipo de negócio advém
quase em sua totalidade do Brasil. O contexto sociopolítico e econômico que envolve estas
fábricas torna claro as contradições entre livre atividade do capital e trabalho.

MAQUILLADORAS: CASO CONCRETO DA EXPLORAÇÃO IMPOSTA PELA


ECONOMIA LIBERAL

O primeiro ponto a ser levantado sobre este tipo de empreendimento é o seu


posicionamento nas cadeias globais de valor. A sua função dentro da internacionalização da
produção não é tida como um estágio que agrega valor notável ao produto. Pelo contrário, ali
não se desenvolve nenhuma tecnologia de suma importância à produção: as Maquiladoras são
empresas que aglutinam mão de obra barata para servir apenas a montagem de produtos que
nem ali, naquela empresa, muito menos naquele país, são produzidos e comercializados. As
Maquillas são, deste modo, empresas que entram na cadeia produtiva para oferecer mão de
obra barata para a montagem de produtos, não finalizados, destinados a exportação. Neste
sentido, não há muitos ganhos para o país receptor destas empresas além da oferta de
empregos. E é justamente nas relações de trabalho que este empreendimento apresenta suas
profundas perversidades.
O que mais chama atenção sobre o perfil dos empregados é que estes apresentam
características muito semelhantes: são em sua maioria mulheres e mães solteiras. É sabido que
o mundo do trabalho é perpassado por complexas questões de gênero, são as mulheres que
recebem as piores remunerações e sofrem os maiores assédios morais. Relatos das
trabalhadoras destas empresas apontam para o serviço de caráter ininterrupto e desgastante ao
qual são submetidas; não podem parar o serviço para irem ao banheiro e exercem funções
motores repetitivas, como máquinas. Trabalham em esteiras de produção como meras
engrenagens de um processo maior que desconhecem. Muitas trabalhadoras adquirem doenças
pulmonares e dermatológicas por serem expostas a materiais e ambientes que exalam
elementos químicos tóxicos. E quando estas trabalhadoras recorrem ao aparato burocrático-
institucional do Estado para reivindicarem seus direitos trabalhistas, deparam-se com grande
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descaso com suas pautas. Dentro do ambiente jurídico, as empresas, segundo os relatos das
trabalhadoras, sempre saem ganhando nas tentativas de conciliação.
Já no que diz respeito aos cuidados com o descarte dos resíduos da produção, as
empresas Maquiladoras apresentam-se como grandes poluidoras. Ao em torno das empresas
Maquiladoras em Tijuana podem ser observados vários tipos de resíduos sendo despejados
nos rios e ao ar livre, sem qualquer tipo de tratamento. E, mais uma vez, quando os moradores
dos arredores, que são os trabalhadores das fábricas e seus familiares, recorrem ao Estado
para que este tome as devidas providências de controle ambiental, pois isto tem os afetado
diretamente, inclusive os causando doenças, o Estado se omite em protegê-los
(MAQUILAPOLIS, 2006).
Milton Santos, ao fazer sua análise da globalização fragmentadora dos nossos
territórios, coloca que o Estado, submetido ao poder financeiro das empresas globais, tem
forjado um conteúdo normativo com condições favoráveis a instalação de negócios como
esses. Além disso, atenta para a finalidade dessas empresas:
“Cada empresa, porém, utiliza o território em função dos seus fins próprios e
exclusivamente em função desses fins. As empresas apenas têm olhos para os
seus próprios objetivos e são cegas para tudo o mais. Desse modo, quanto
mais racionais forem as regras de sua ação individual tanto menos tais regras
serão respeitosas do entorno econômico, social, político, cultural, moral ou
geográfico, funcionando, as mais das vezes, como um elemento de
pertubação e mesmo de desordem. Nesse movimento, tudo que existia
anteriormente à instalação dessas empresas hegemônicas é convidado a
adaptar-se às suas formas de ser e de agir, mesmo que provoque, no entorno
preexistente, grandes distorções, inclusive a quebra da solidariedade social”
(MILTON SANTOS.2008).
A flexibilização das leis trabalhistas e ambientas são, portanto, atrativos para o
deslocamento industrial às regiões mais lucrativas. É interessante notar, contudo, como este
modelo econômico não se apresenta nos países centrais. As potencias econômicas, por sua
vez, impõe aos países subdesenvolvidos um projeto que elas mesmas não efetivam em seus
territórios; a saber, são protecionistas nas suas políticas domésticas e forçam o liberalismo na
política econômica internacional. Agem, para tanto, por meio de instituições supranacionais
como a OMC e o FMI e com acordos com os países subdesenvolvidos para garantirem maior
liberdade de mercado entre eles.
A quem serve este projeto econômico e político então? As corporações internacionais,
as elites aliadas ao capital estrangeiro e ao desenvolvimento de países centrais. Neste trabalho,
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as empresas Maquiladoras servem para expor este ambiente político e econômico engendrado
no neoliberalismo. Este tipo de indústria é apenas um exemplo prático da falência social do
modelo econômico neoliberal.
Regiões historicamente exploradas e dependentes, como é o caso da América
Latina, ainda são saqueadas pelo expansionismo econômico de países hegemônicos. A partir
da análise do contexto social em que se instalam as empresas estrangeiras que buscam mão de
obra barata, leis ambientais flexíveis e benefícios tributários, chegaremos à defesa sólida de
que o neoliberalismo enquanto política de Estado é incompatível com o ideal de um povo
livre e soberano. Entendida aqui como produto direto da agenda do liberalismo econômico
enquanto política de Estado, a Indústria Maquiladora é um fenômeno que não beneficia a
maioria da população, ou seja, a classe trabalhadora. As Maquillas servem aos interesses das
empresas globais e causam detração dos direitos sociais e da seguridade social.
São muitos os processos de precarização que os trabalhadores e as trabalhadoras das
empresas Maquiladoras são submetidos. A negligência com a seguridade social destas pessoas
vem por meio da precarização nas condições de trabalho dentro das indústrias, com o
descuido no despejo de materiais usados na produção (que muitas das vezes são descartados
ao ar livre, em meio às habitações dos trabalhadores – o que tem causado fortes intoxicações
nos mesmo), com as baixas remunerações e, não raro, com a transferência súbita da empresa
para lugares que oferecem melhores custos de produção – situação na qual milhares de
trabalhadores são demitidos sem os devidos acertos de contas ou garantia de outros postos de
trabalho.
Mesmo se transpuséssemos nossa análise para categorias mais generalizantes, que não
analisam as condições de trabalho, mas se interessam pelo desenvolvimento industrial do país,
ainda assim, neste nível, estaríamos em prejuízo. Como já exposto, estes empreendimentos
não colocam nossos países em importantes momentos da produção tecnológica. As cadeias
globais de valor, que fragmentam a produção e a alocam conforme os custos e competências
de determinados locais, situam nossos países em estágios primários e manufatureiros. Não
evoluímos em justiça social, nem em tecnocracia.

UM ESTUDO SOBRE O ESTADO LIBERAL


A fim de entender melhor o que é o liberalismo, ou neoliberalismo, dois de seus
clássicos defensores servirão a este trabalho: Friedrich Hayek e Milton Friedman. Entender os
princípios norteadores da teoria liberal, saber dos alicerces teóricos e metodológicos sob os
quais esta se sustenta é fundamental para conceber uma crítica direta e contundente às suas
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premissas. Ambos os autores supracitados arguem a livre iniciativa privada como o espaço
onde as potencialidades humanas também serão livremente desenvolvidas.
Em O Caminho para a Servidão, por exemplo, Hayek descreve como a ação
centralizadora do Estado sobre questões de ordem econômica podem causar distorções e
anomalias na troca de informações entre os indivíduos, sendo a livre atividade do mercado a
melhor alternativa para não causar ruídos nas informações econômicas e sociais. Além disso,
o autor diz que o controle governamental das liberdades, começando pelo âmbito econômico,
pode levar a ditaduras totalitárias – por isso coloca o socialismo como um caminho para a
servidão. Friedman, por sua vez, muito influenciado pela obra de Hayek e também pela a de
Adam Smith, reafirma o capitalismo, na figura do mercado, como a melhor alternativa para os
indivíduos exercerem seu ímpeto de ação transformadora e participativa.
Hayek lança mão dos ideais liberais centrando sua teoria no conceito de Liberdade.
Frente a isso, buscando explorar as relações do Estado com o indivíduo e suas liberdades, este
autor confia no Estado liberal o não cerceamento da iniciativa individual, que é um direito
inalienável e grande propulsor de transformações sociais. Princípios como Igualdade e Justiça,
para Hayek, se tornam claros e coesos quando já bem situado o papel da liberdade da esfera
privada. O Estado liberal, não intervencionista no mercado, seria o que melhor garantiria
Justiça e Igualdade – que se daria por um sistema meritocrático. A iniciativa individual, ou
privada, portanto, não poderia estar sob a égide de um estado intervisse nas trocas, pois assim
estaríamos a caminho da servidão e não teríamos nossa Igualdade política e Justiça social.
A Justiça se daria por meio da organização social dos cidadãos, para que sejam
distribuídos os produtos da sociedade. Infere-se aqui o conceito de justiça distributiva, na qual
o prudente é dar a alguém apenas o que lhe é devido, indo ao encontro do mérito. Entretanto,
a justiça é colocada em segundo plano no que tange a necessidade de assegurar as liberdades
individuais. Hayek acredita que o empreendedorismo individual e as capacidades individuais
naturais não devem sofrer qualquer tipo de cerceamento ou intervenção, pois o Estado pode,
muitas vezes, criar desigualdades artificiais, ou estar à mercê de clientelismo. O Estado
interventor pode, por fim, se tornar um “caminho pra servidão”, como coloca em sua obra
homônima. O Mercado, por outro lado, é a máquina mais eficiente para regular a justiça
social. O mercado funciona melhor pela competição, onde nenhuma das partes é favorecida
em descompasso as suas capacidades. Nele, mérito e justiça são justapostos. A teoria do autor
é alinhada aos preceitos neoliberais, associando a política e a economia dentro da perspectiva
liberal. (HAYEK, Friederich.1984)
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Essa perspectiva liberal, quando antepõe as liberdades individuais aos ditames


do Estado, diz que a razão humana e suas liberdades são os fundamentos mais válidos para a
organização civil, e que o Estado deve ser mínimo na interferência dessa dinâmica. Todavia,
analisando criticamente essas premissas, podemos perceber pontos de inflexão dessa teoria
que parece tão bem fechada. Um desses pontos seria a questão de oportunidades, dentro de
um recorte de classe. Teriam todos os indivíduos as mesmas oportunidades de participarem da
redistribuição de bens e serviços? Se mesmo com a intervenção do Estado, por meio de
políticas públicas de inclusão social, não vivemos uma sociedade justa e igualitária, como esta
situação ficaria se estivesse à mercê somente da livre concorrência privada? A luta de classes,
no que toca a variável socioeconômica, é também uma questão de segurança e liberdade, uma
vez que a sociedade capitalista marginaliza a classe trabalhadora do gozo de bem estar social.
Frente ao entendimento das proposições liberais, temos contribuições da teoria
Marxista e da Teoria Crítica que apontam como a movimentação neoliberal que penetra a
institucionalidade dos Estados e argumentam no sentido de como este projeto que extravasa o
âmbito econômico, para afluir em um projeto de cunho essencialmente político, freia a
emancipação da classe trabalhadora – pois a controla e a massifica. O documentário
“Maquilapolis”, dirigido por Vicky Funari e Sergio De La Torre, traz os feitos da produção
audiovisual, dá cor, som e rostos ao estudo, nos mostrando no campo da imagem a situação de
opressão capitalista que vive a classe trabalhadora das Maquillas.

MARX E SUA ATUALIDADE


No que toca o uso da teoria marxista, sua importância se dá no entendimento do
predomínio do mercado sobre as demais instituições sociais. O método de análise do
materialismo histórico e dialético perscruta os mecanismos a serem superados para o fim da
exploração capitalista. O materialismo histórico impele que dentro do modo de produção
capitalista, a ideia de uma sociedade igualitária e justa é inconcebível quando pensarmos na
totalidade. Isso por que a nossa organização social se dá conforme a propriedade dos meios de
produção e, subsequentemente, da produção resultante. Somos, assim, divididos em classes
distintas e hierarquizadas: a burguesia, que detém os meios de produção, e o proletariado, que
vende sua força de trabalho. O trabalho é central em Marx, pois é o maior alvo de alienação e
expropriação. A burguesia, por sua vez, detendo a propriedade de tudo o que o proletariado
produz (por meio da realização do seu trabalho), é capaz de dominar e ditar as relações
capital-trabalho impondo, por exemplo, a Mais Valia – a defasada remuneração em relação ao
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valor gerado pelo trabalhador; e a Alienação – perca de consciência de todo o processo de


produção e estranhamento do produto final.
Isso gera a chamada Luta de Classes, na qual observamos a ditadura da burguesia.
Desta forma, o capitalismo impede que ocorram Igualdade e Justiça dentro da sua dinâmica,
ao passo que o mesmo fomenta relações de opressor (classe proprietária) e oprimido (classe
explorada). Com estas reflexões, podemos analisar as condições materiais que forjam todo o
contexto das Maquiladoras. Conceitos tais como o de Luta de Classes, Mais-Valia,
Reificação, Alienação e Massificação, que perpassam o âmbito não só econômico, mas
político e cultural, auxiliam no debate sobre as Maquillas. A luta de classes, por exemplo, é o
eixo central de análise da atuação do Estado como agente arbitrário, pensando que a principal
hipótese deste trabalho é a de que o neoliberalismo favorece apenas uma das classes – a classe
dominante, ou seja, as empresas globais.
Muito do conhecimento produzido na área das Relações Internacionais, no
escopo da teoria marxista, diz respeito a globalização e o movimento liberalizante que a
acompanha. O agrupamento de alguns dos países latino americanos em torno de uma nova
ideia de regionalismo, por exemplo, agora pautada na América do Sul, ou, mais
especificamente, de Mercado Comum do Sul, desde meados da década de 1990, evidencia, em
grande medida, o diálogo entre o esmorecimento do poder mundial bipolar e a emergência de
blocos econômicos regionais como novos núcleos de poder. Ou seja, a Nova Ordem
Internacional e o caráter multipolar do Sistema Internacional desagregou a governança global,
ora organizada sob a dinâmica bipolar, em novas agendas e alianças de caráter
predominantemente econômico, tais como a União Europeia, Nafta, APEC e o próprio
MERCOSUL.
Este rearranjo da governança global está, em essência, no marco da
internacionalização do capital, dado na difusão do receituário neoliberal. A globalização, já
tracejada por Karl Marx e outros teóricos que analisaram o sistema econômico e, por
excelência, o modo de produção de uma determinada época, como Immanuel Wallerstein,
Raul Prebisch e Teotônio dos Santos, é a internacionalização do capitalismo. Segundo estes, a
globalização é a promoção da dinâmica liberal e interdependente das economias domésticas.
As teorias marxistas e estruturalistas, ao debruçar-se sobre o estudo da relação capital-
trabalho, investigam a complexidade que tomou a Divisão Internacional do Trabalho.
Rejeitam, neste intuito, a ideia de um terceiro mundo “subdesenvolvido”, na perspectiva de
subdesenvolvimento como a condição primeira para evoluir à etapa do desenvolvimento,
numa lógica linear e universal. A teoria marxista da Dependência, por exemplo, concebida
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por Teotônio dos Santos, considera o desenvolvimento das potencias mundiais como
fenômeno que sustentou-se na exploração de países colonizados, o que os situam, até hoje, em
circunstancias de dependência econômica. Immanuel Wallerstein discorre sobre as realidades
não dissociáveis dos países centrais e dos países periféricos, relação esta em que os países
figuram como partícipes de um Sistema Mundo único articulado em zonas desiguais da
produção capitalista. Isto é, a expansão da economia capitalista mundial e interdependente
produz, dialeticamente, o desenvolvimento e do subdesenvolvimento.
Assim, ao mesmo passo que as transações e mercados globais, desde a perspectiva da
totalidade, se fazem vantajosos para o gozo de poder de barganha e autonomia dos países
periféricos no sistema internacional, estes podem servir, em grande medida, projeto
imperialista.
A Cúpula das Américas de Miami, na tentativa de impor a Área de Livre Comércio
das Américas (ALCA), em 1994, demonstra a face imperialista desta moeda. A ALCA, como
sabido, representou a tônica do poder da economia de mercado arranjado pela hegemonia
ideológica e institucional das elites aliadas ao capital internacional. Os ideais desta categoria,
na vazão das instituições e organizações supranacionais, operam na homogeneização
(hierárquica) do mercado por meio da liberalização das economias nacionais. A saber,
economistas de instituições como o Banco Mundial e o FMI, em 1989, no espaço que
denominaram "Consenso de Washington", propuseram o receituário neoliberal que serviria
como guia para a economia dos países em desenvolvimento da América Latina. A ideologia
neoliberal, pois, alavancada por este cenário político internacional, nesta lógica, fez nascer a
malha institucional que daria respaldo e abriria os caminhos que garantiriam a mobilidade do
capital produtivo e financeiro. Prontamente, o exercício da cartilha neoliberal tornou-se pré-
requisito para a concessão de novos empréstimos e cooperação econômica internacional, e,
assim, promoveu a inserção dos países nas cadeias globais de produção, no marco do
capitalismo dependente.
Tomando como exemplo o empenho da ALCA, como sintoma desta cartilha, podem-
se elencar diversos motivos pelos quais o debate sobre a internacionalização das empresas e
da produção não pode ser feito com vista em tão somente os indicadores econômicos. Se não
sopesado outros aspectos da integração, como o sociopolítico, pode ser que esta ferramenta
seja contraproducente para o desenvolvimento da nossa região geográfica. Só no âmbito do
regionalismo da ALCA, neste sentido, teríamos a nossa propriedade intelectual degenerada,
pois o patenteamento de multinacionais estrangeiras, principalmente as norte
americanas, impediriam a posse e manejo de países periféricos de conhecimentos da sua
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biodiversidade. Da mesma forma, subsídios ao agronegócio, que fomentam o latifúndio e, por


conseguinte, a função primário-exportadora, reafirmariam a estrutura produtiva que é
propulsora de concentração desigual da terra e renda no Brasil. Já em termos de investimentos
externos diretos (IEDs), as restrições às corporações transnacionais teriam igualdade de
condições às empresas nacionais - e os mecanismos de soluções de controvérsias, para casos
de conflitos de interesses, uma vez que possuem embasamento na regulamentação jurídica
anglo-saxã, não serviriam aos nossos interesses, uma vez que este sistema jurídico é
absolutamente diferente dos sistemas jurídicos da América do Sul.
Evidentemente, a realidade social pode se apresentar muito mais complexa que o
exposto neste trabalho, contudo, ao pensarmos a nossa sociedade e nos propormos a construir
análises das Relações Internacionais, devemos minimamente refletir sobre estas tendências
globais e tentar perceber como elas afetam a esfera local. As variáveis que formam os espaços
domésticos são as mais diversas, o esforço aqui proposto aqui se voltou a América do Sul
para expor como a ideologia liberal generalizante e padronizada é incompatível com a
complexidade das nossas estruturas políticas e econômicas. Estes foram, portanto, esforços
em representar, por meio de um exemplo prático, o desmonte da soberania nacional e a
submissão dos Estados aos interesses das corporações de países centrais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As hipóteses aqui levantadas conduzem a discussão a respeito do neoliberalismo
situando-o como um projeto de hegemonia global que se contrapõe às tentativas de
emancipação dos povos em situação de dependência. Isto é, se faz necessário romper com os
ideais neoliberais, penetrados no aparato burocrático-racional do Estado, para garantir a
efetivação e expansão dos direitos sociais, pois isto e o avanço do neoliberalismo são
grandezas que crescem de maneira inversamente proporcional. O Estado Liberal, neste
sentido, não serve a todos de forma equivalente; este beneficia a quem tem privilégios sobre a
disputa do mercado econômico.
O contexto social gerado pela indústria Maquiladora evidencia todas essas questões,
pois com o estudo de seus desdobramentos é possível que se aponte com base na
materialidade as práticas que sustentam estas hipóteses, uma vez que entendemos que para a
consolidação material deste empreendimento, o proletariado que trabalha na sua realização, e
o meio no qual este se instala, são negligenciados ao ponto de perderem sua essência: tornam-
se apenas engrenagem no funcionamento de um sistema produtivo.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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