Você está na página 1de 40

POR LAURENT BAFFIE

Versão em Português de Cesar Santos

PERSONAGENS:
RUBENS - SÍNDROME DE TOURETTE
ZÉ CARLOS - ARITMOMANIA - MARANHÃO
BIANCA - NOSOFOBIA / SOMÁTICA - DEBBY
MARIA - TOC DE VERIFICAÇÃO - LUIZA
LOLA - PALILALIA E ECOLALIA - ANDRESSA
NATAN - SIMETRIA - MATHEUS
ATENDENTE - JAY
DR. PEREIRA

ATO 1
Antes do espetáculo iniciar, os atores estarão em contato direto com a plateia ao lado de fora
demonstrando os seus TOC 's. Após uma breve intervenção, os atores começam a entrar e andar
pelo palco ao som da música (A DEFINIR). Ao final da música todos saem de cena, restando
apenas Rubens.
O cenário é uma sala de espera. Nela, seis cadeiras e uma grande mesinha de centro com
revistas e um ou outro livro. Ao fundo, uma grande estante repleta de livros e objetos de decoração.
Muito perto, uma lareira. Rubens, passa a arrumar vários documentos em uma pasta de couro a
seus pés. Depois de guardá-los, Rubens tira um livreto de palavras cruzadas de sua pasta. De
repente, com um espasmo espetacular, Rubens olha para a plateia e faz um gesto obsceno,
apontando o dedo proibido e num grito explana:

RUBENS - "Foda-se!"

Rubens relaxa o rosto e se concentra em suas palavras cruzadas. Nesse momento entra ZÉ
CARLOS, um cinquentenário de fato de treino e ténis, vítima de uma respiração agitada.

ZÉ CARLOS - (recuperando o fôlego) - … Boa tarde.

Rubens acena para ele.


ZÉ CARLOS - Desculpe-me por estar sem fôlego, mas acabei de subir as escadas. 4 andares! 88
passos exatamente e uma queda de 22-23 metros, grosso modo, que consegui fazer em 28
segundos e 73 centésimos. Na minha idade não é tão ruim, né? Ainda não há ninguém que possa
comigo e que passe dez horas por dia pregado no banco do táxi. Sabe… um bom exercício!
RUBENS - (com um gesto obsceno) "FILHO DA PUTA!"
ZÉ CARLOS - Com licença? (Pausa) Você poderia repetir? (Pausa) Estou imaginando ou você
acabou de insultar minha santa mãe?
RUBENS - Não, não. Desculpe-me, por favor. Eu não faço isso de propósito.
ZÉ CARLOS - (aproximando-se de Rubens, ameaçando) Por que não, se você acabou de se
desculpar por chamar minha mãe de prostituta? (dando socos na palma da mão) Você nunca
recebeu uns cacete, não é?
RUBENS - “CARALHO!” Por favor, peço novamente que me desculpe. Sou uma simples vítima do
que os especialistas chamam de “Síndrome de Tourette”. Sim Sim. Eu involuntariamente jogo
insultos e gestos obscenos para as pessoas. Não é totalmente minha culpa. Eles escapam da minha
boca descontroladamente.
ZÉ CARLOS - (incrédulo) Você está brincando?
RUBENS - Não, não, juro que é a verdade absoluta. Isso acontece comigo desde os 11 anos e
tenho 73. Há décadas que vou ao médico! Mas aparentemente esta doença não tem cura. Bom…
tem cura se você procurar um médico a tempo, é claro. Embora na minha idade eu só queira...
"SOCAR BEM FUNDO" (tirando o dedo) . (Pausa) Você vê? Ele sai sozinho!
ZÉ CARLOS - (olhando-o com tristeza) Nossa, coitado. (Pausa) Olha, desculpe se eu reagi mal
antes, mas eu simplesmente não conseguia imaginar.
RUBENS - Relaxe, é normal. Esse mal-entendido acontece comigo com frequência.
ZÉ CARLOS - Mas… deve ser horrível viver com uma coisa dessas!
RUBENS - Sim, não é fácil, não. Embora com o tempo se acostume. "BASTARDO!". Sinto muito…
Estou no ataque total!
ZÉ CARLOS - Eu vejo agora.
RUBENS - É por isso que marquei uma consulta com o Dr. Pereira. Parece que ele é um dos
melhores especialistas do mundo.
ZÉ CARLOS - Um dos melhores, não, o melhor, segundo o meu médico. Treze meses e meio
esperando que ele me desse uma consulta. Treze e meio, está vendo? 410 dias, 9.840 horas,
590.400 minutos, 35.424.000 segundos. Você vê. O famoso pequeno médico se apresenta como um
grande cavalheiro.
RUBENS - Além disso, ele nunca atende o mesmo paciente duas vezes.
ZÉ CARLOS - Meu médico também me disse. Que com sua técnica, em uma única sessão, ele
desbloqueia o que é desbloqueável.
RUBENS - No meu caso, só espero que consiga diminuir minhas crises, porque o que é me curar...
(ele termina a frase com um suspiro).
ZÉ CARLOS - Sinto muito por você, cara, sério.
RUBENS - (estendendo a mão) Rubens, meu nome é Rubens.
ZÉ CARLOS - (apertando a mão) Encantado. Zé Carlos.
RUBENS - Prazer em conhecê-lo, Zé Carlos.
ZÉ CARLOS - Da mesma maneira. E à noite?
RUBENS - À noite o quê?
ZÉ CARLOS - Você também faz?
RUBENS - Não. Felizmente, à noite eu durmo.
ZÉ CARLOS - Sim, sim, mas quando você sonha, você também tem convulsões ou não?
RUBENS - Não, quando durmo... sou muito educado!
ZÉ CARLOS - Bem, olhe, menos não é nada! (Pausa) E essa coisa de insulto... quantas vezes isso
acontece por dia?
RUBENS - Não sei. Eu nunca notei.
ZÉ CARLOS - Você ainda não fez uma média?
RUBENS - Bem, não, eu nunca me importei.
ZÉ CARLOS - Ah não? Bem, vamos contar! Ele tem 73 anos e me disse que isso acontece com ele
desde os 11, certo?
RUBENS - Sim.
ZÉ CARLOS - Você sofre com isso há 62 anos e nunca teve curiosidade de saber quantas vezes
faz isso por dia?
RUBENS - Eu admito, não. Nunca me ocorreu contar.
ZÉ CARLOS - Bem, é isso que estou fazendo agora! Vejam: em 5 minutos teve 6 espasmos, que
fazem 72 vezes por hora, que multiplicam por 16, porque não conto as 8 horas de sono, temos 1152
insultos por dia, grosso modo.
RUBENS - Muito?
ZÉ CARLOS - E ainda não terminei. 1.152 multiplicado por 365, obtemos… 420.480 insultos por
ano!
RUBENS - Cara, visto assim, impressiona muito mais.
ZÉ CARLOS - E término! 420.480 multiplicado por 62, contando desde o início, dá um total de
26.069.760 insultos e gestos obscenos.
RUBENS - Aproximadamente?
ZÉ CARLOS - Não, exatamente! Precisamente!
RUBENS - "NEM FODENDO!"
ZÉ CARLOS - É isso sim, acabei de contar! E... sem ser indiscreto... o que você faz? Porque não
consigo imaginá-lo trabalhando com atendimento ao cliente ou algo assim.
RUBENS - Quando eu era jovem sempre quis ser "VAGABUNDO!". Com licença me desculpe.
ZÉ CARLOS - Sem problemas.
RUBENS - Sempre quis ser advogada! (Zé Carlos ri) Advogado... ah! Teria adorado usar frases e
gestos grandiloquentes, para defender todos os inocentes injustamente condenados. Mas com o
meu problema... vocês já podem imaginar a cara do juiz, me dando o ataque em plena contestação.
ZÉ CARLOS - Bem, sim, que imagem. "Meritíssimo, com todo o respeito..." (gesto obsceno).
RUBENS - Exato. Então, finalmente, resolvi me dedicar a uma atividade que pudesse realizar
sozinha em casa e montei uma editora. Uma empresa muito modesta, trabalhei a vida toda lá, mas
há dois anos estou aposentado. E você?
ZÉ CARLOS - Você já ouviu isso antes. Eu sou taxista.
RUBENS - Não. Eu estava me referindo ao assunto que o traz aqui.
ZÉ CARLOS - Nada, minha esposa diz que aparentemente sou obcecado por números.
RUBENS - Ah sim? (irônico) Não havia me dado conta.
ZÉ CARLOS - Sim, mas escute: eu e meu TOC, como eles chamam isso, estamos indo muito bem!
É a minha mulher que não aguenta e foi ela que me obrigou a vir. Ela fica vermelha de tantos
números, mas juro que ela é mais forte que eu. Preciso contar tudo desde o momento em que me
levanto até a hora de dormir. Para ela é um inferno, mas para mim é como um hobby.
RUBENS - Além disso, esse seu defeito, se for, faz de você alguém brilhante. Porque eu notei que
você faz os cálculos "COM O CU!". Desculpe, eu quis dizer... com a mente.
ZÉ CARLOS - Você me faria um favor, Rubens?
RUBENS - Claro.
ZÉ CARLOS - Para de pedir desculpas a cada dois por três, já vejo que você não faz de propósito.
Antes eu estava prestes a quebrar sua cara, mas agora entendo perfeitamente o que está
acontecendo com você.
RUBENS - Obrigado.
ZÉ CARLOS - E eu ainda não contei tudo a você! Eu também tenho "doença de colecionador",
sempre segundo minha esposa, claro. Eu vejo coisas na rua, em casa e até no supermercado, quem
nunca olhou para uma embalagem de requeijão e pensou “hum… isso aqui dá um bom copo!” e
pagou mais caro só pra ter um copo novo de vidro. Minha esposa não compreende…
RUBENS - Acredita que ela tenha razão?
ZÉ CARLOS - Com certeza não, ela sempre vem com a desculpa de que são coisas inúteis. Antes
de vir aqui, ela foi até o meu médico pedir que ele prescrevesse uma ordem de desapego pra ela
jogar tudo fora.
RUBENS - Mas o que você coleciona?
ZÉ CARLOS - Bem coisas! Latas vazias de leite em pó, bandeiras da copa, placas velhas…
RUBENS - Placas antigas?
ZÉ CARLOS - Ei, alguns têm figuras interessantes.
RUBENS - Em outras palavras, você guarda o que as pessoas normalmente jogam fora.
ZÉ CARLOS - Você também não? Aliás… Você é casado?
RUBENS - Não. Eu estive perto uma vez, mas no final nada. (Pausa) Esmeralda... Acho que ela
teve medo que eu insultasse o padre quando ela dissesse sim. E no fundo eu entendo. Eu mesmo,
no lugar dela, provavelmente também não gostaria. Não foi fácil para ela, nem para seus amigos,
nem para sua família, muito menos pensar em ter filhos. Enfim…. (Rubens limpa os óculos com
entusiasmo) Você tem filhos?
ZÉ CARLOS - Dois. Embora, como você pode ver, não seja 'o cálculo do século'. Dois é um número
muito simples.
RUBENS - Não poderia gerar milhões de qualquer maneira.
ZÉ CARLOS - Potencialmente sim. Você sabe quantos espermatozoides um homem libera em cada
ejaculação?
RUBENS - "DANDO A BUNDA!"
ZÉ CARLOS - Bem, seja dessa forma ou o que quer que seja, você sabe quantos? Vamos, deixo-
vos uma margem de erro de 10 milhões.
RUBENS - Francamente, não tenho a menor ideia. Mas imagino que devem ser muitos.
ZÉ CARLOS - Mais do que muitos. Uma atrocidade! A uma taxa de 60 milhões de espermatozóides
por mililitro e sabendo que entre 2 e 5 mililitros são dados em cada ejaculação, isso perfaz um total
entre 120 e 300 milhões de espermatozóides. Imagine o genocídio em cada palha!

Nesse momento entra BIANCA , munida de um nécessaire.

BIANCA - Boa tarde.


ZÉ CARLOS - Boa tarde.

Bianca entra cautelosa na sala de espera, cumprimentando Rubens e Zé Carlos. Ambos respondem
com um aceno de cabeça.

RUBENS - Boa tarde. (dirigindo-se discretamente a Zé Carlos) Acho que seria conveniente mudar
de assunto...
ZÉ CARLOS - De qualquer forma, sou motorista de táxi. Eu posso te dar um papo sobre o que for
preciso. Política, clima, futebol... tanto faz.

Bianca, munida de alguns lenços, está ocupada limpando o encosto de uma das cadeiras. Zé Carlos
o encara.
ZÉ CARLOS - Há algum problema?
BIANCA - Não, nada. É para micróbios.

Abrindo a pasta, Bianca tira um pano e enxuga o assento da cadeira antes de se sentar.

BIANCA - (para Rubens) Com licença, você sabe onde fica o banheiro?
RUBENS - Não faço ideia, desculpe.
ZÉ CARLOS - (apontando para o banheiro) Acho que é, no corredor, a primeira porta à direita.
BIANCA - (tirando um saboneteira da pasta) Obrigada.

Bianca começa a caminhar em direção ao banheiro.

RUBENS - "PUTA MERDA!" (Para Zé Carlos) Não, não, desta vez sem desculpas.
ZÉ CARLOS - É assim que eu gosto, Rubens. (Pausa) O que você achou da maníaca? Minha
esposa é igualzinha! Todo lugar que vamos ela faz limpeza! E quando saímos para comer, ela só
não entra na cozinha para lavar a louça por milagre.
RUBENS - Você sabia que esse hábito de limpar tudo também é um TOC?
ZÉ CARLOS - A sério?
RUBENS - Claro. Chama-se… mmm… espera. (Rubens tira alguns documentos de sua pasta.) Há
tanto tempo que vou como médico que tenho uma enorme quantidade de documentação sobre o
TOC. A última coisa que peguei da Internet outro dia. Vejamos… Ah, aqui está. Isso é o que eles
chamam de rituais de limpeza. Mas espere, porque tenho certeza que encontrarei o termo
específico. A ver…

Bianca volta do banheiro.

ZÉ CARLOS - É melhor me contar mais tarde, ela está voltando.


BIANCA - (senta na cadeira e põe o sabonete na pasta) Com licença, o médico não está aqui?
RUBENS - Não sei, senhora, estamos esperando.
ZÉ CARLOS - E já passamos 750 segundos, grosso modo, vamos lá, sem checar.

Bianca olha para as mãos, pega a saboneteira e vai ao banheiro.

ZÉ CARLOS - (sussurrando alto) OUTRA VEZ?!


RUBENS - (olhando seus documentos) Aqui está! O termo exato é...
ZÉ CARLOS - (olhando para o banheiro, pensativo) Puta Merda! Me desculpe, dessa vez é culpa
minha. (Pausa) É que fiquei intrigado, e se o dela estiver passando para mim...
RUBENS - (referindo-se a Bianca) Não acredito nisso, O transtorno obsessivo-compulsivo é
caracterizado por pensamentos e medos irracionais, obsessões que de certo modo levam a
comportamentos compulsivos..
ZÉ CARLOS - É que pensei na minha mulher. Ela veio insistir 82 vezes para eu ir ao médico,
quando no final quem está doente é ela e quem está aqui hoje sou eu.
RUBENS - (olhando para algumas fichas) É isso, entendi. Nosofobia.
ZÉ CARLOS - Nosofobia?
RUBENS - Sim, nosofobia. Medo exagerado de doenças.
ZÉ CARLOS - Ah valeu. E para o meu, qual é o nome científico?
RUBENS - (olhando seus documentos) Espere, deixe-me dar uma olhada. O seu TOC se chama...
Aritmomania.
ZÉ CARLOS - Sim? E o que eu sou então?
RUBENS - Um aritmomaníaco. Alguém que não consegue parar de fazer cálculos com a mente.
ZÉ CARLOS - (muito preocupado, chocado) Uau... bem, vou vomitar.

Bianca volta do banheiro, senta-se na cadeira e guarda o saboneteira na pasta.


Nesse momento, entra MARÍA.

MARIA - (timidamente) Boa tarde.


BIANCA - Boa tarde.
ZÉ CARLOS - Boa tarde.
RUBENS - Boa tarde.

Maria atravessa a sala de espera e senta-se, sem dizer nada, numa das cadeiras.

RUBENS - "PUTA VELHA!"


MARÍA (fazendo o sinal da cruz três vezes rapidamente) Ahhh! Jesus, Maria e José, mas o que é
isso? Que deselegante!

Maria começa a rezar um Pai Nosso.

RUBENS - Com licença senhora, eu imploro seu perdão.


MARIA - Você está doente da cabeça? Ele está bêbado ou o quê?
ZÉ CARLOS - Espere, não se ofenda, mulher. Rubens é um cara legal, mas tem um probleminha.
Xingamentos involuntários e gestos obscenos.
BIANCA - Ah sim. Essa é a 'Síndrome de Tourette'.
RUBENS - Exato.
ZÉ CARLOS - (para Bianca) Ah, mas você o conhece?
BIANCA - Sim, um pouco. Eu vi o documentário ocasional na TV onde eles explicaram, não é?
RUBENS - "VACA!"
MARIA - (fazendo o sinal da cruz três vezes rapidamente e rezando) Ahhh!
RUBENS - Com licença me desculpe.
MARIA - Jesus, Maria e José!
ZÉ CARLOS - Não Rubens, desculpe de novo, não! (para Maria) E você, pare de rezar o Terço um
pouco, porque vai fazer meu amigo Rubens se sentir culpado aqui, quando ele é apenas um doente
e não o faz de propósito.
MARIA - (para Bianca) Mas o médico não está aqui?
BIANCA - Eu não sei. Mesmo que eu só esteja aqui há dois minutos.
ZÉ CARLOS - Não, não, não, não... 4 minutos, 15 segundos!
MARIA - (para Zé Carlos) O médico não está aqui?
ZÉ CARLOS - Não sei, senhora. Demorei treze meses e meio para conseguir uma consulta, então
não me importo com cinco minutos a mais ou a menos. Além disso, não estou trabalhando esta
noite, não estou com pressa…
RUBENS - "TEU CU!"

Maria benze-se novamente e começa a rezar.

ZÉ CARLOS - Outra vez? Mas eu não estou dizendo que ele faz isso de propósito, em que língua
eu tenho que te dizer, em aramaico?
MARIA - Ei, eu também não, hein!
ZÉ CARLOS - Como?
MARIA - Que também não faço de propósito.
ZÉ CARLOS - (chocado) A sério? Vamos… isso é um circo!

María olha fixamente para as revistas e livros sobre a mesa baixa.

MARIA - (para Bianca) Com licença, mas isso aí é um evangelho?


BIANCA - (angustiado) O que?
MARIA - Aquele livrinho, o evangelho.
BIANCA - Oh sim. Você quer?

Maria assente. Bianca pega o livrinho com um gesto de repulsa e o entrega a María, segurando-o
com a ponta dos dedos.

MARIA - Obrigado.

Maria começa a ler o evangelho. Bianca olha para as mãos, pega a saboneteira e se levanta.

ZÉ CARLOS - (para Bianca) Você sabe onde é, não sabe?


BIANCA - (a caminho do banheiro) Sim, obrigada.
ZÉ CARLOS - (para Rubens) E são três! Essa é daquelas que come o sabonete na sobremesa!
Estou ficando curioso para saber quantos sabonetes ela gasta por ano... Grosso modo, eu diria entre
175 e 210. Você acha que guarda as caixinhas?
RUBENS - Não sei, pode ser.

Nesse momento, entra LOLA .

LOLA - (balançando a cabeça timidamente) Boa tarde. Boa tarde.


TODOS - Boa tarde.
MARIA - (para Lola) Você também tem consulta com o Doutor?
LOLA - Sim. Sim.
MARIA - Mas com quantas pessoas esse homem marcou um encontro hoje?
ZÉ CARLOS - Teremos que apagar as luzes para não atrair mais esquisitos.
MARIA - Oh meu Deus, a luz! Deixei as luzes acesas em casa. (para si mesma), que idiota. (Pausa)
Ahhh! O gás!!!
ZÉ CARLOS - O gás Também?!
MARIA - Pode ser que sim… Ah, não sei mais. Senhor-senhor, me ajude… Tem três pessoas na
minha frente, certo?
ZÉ CARLOS - Sim, você é a quarta na ordem de chegada. Mas com o contratempo que você tem
em casa, não me importo em lhe dar o meu lugar, se isso ajudar a evitar uma explosão. (para
Rubens) O senhor aqui vai antes de mim e a senhora que passa a vida no banheiro vem depois de
mim.
RUBENS - Não, mas também não estou com pressa. Se lhe convier, deixo você passar a primeira.
MARIA - Obrigado cavalheiro. Você é muito amável.
ZÉ CARLOS - Vê isso? Se eu já disse a ele que eles eram boas pessoas.
RUBENS - "PEGA NO MEU PAU!"
MARIA - Jesus, Maria e José!
ZÉ CARLOS - Só um contratempo, continua sendo gente boa

Bianca volta do banheiro e se senta em sua cadeira.


ZÉ CARLOS - (para Lola) Acima de tudo, não leve a mal. Rubens lança insultos como um animal,
mas não é sério.
LOLA - (desconfortável) OK. OK.
RUBENS - "ARROMBADO!"
MARIA - Jesus, Maria e José!
ZÉ CARLOS - E quando Rubens xinga, a senhora aqui se benze, como uma louca ou sei lá o que.
LOLA - (para Zé Carlos) Certo, certo.
ZÉ CARLOS - É como o Canal Plus... sem a chave que decodifica a imagem, ninguém sabe.
MARIA - (tirando de sua bolsa e revistando-a) Bendito Jesus, minhas chaves! Mas alguém sabe a
que horas vamos fazer uma consulta e quantas pessoas mais vão chegar?
ZÉ CARLOS - Não sei, mas faltando apenas uma cadeira, quem vier atrás terá que ser recolhido.
BIANCA - Nada disso. Eu não vim aqui para pegar… (fixa o olhar em Zé Carlos) micose nem nada
do tipo.
ZÉ CARLOS - O que quer dizer com isso?!
MARIA - (desviando o olhar da bolsa) Obrigado Deus, aqui estão eles! Oh, Virgem Santa, quando
alguém tocar a campainha da minha casa com o gás aberto, uma catástrofe vai acontecer.
RUBENS - Desculpe, mas... você não verificou antes de sair se o gás estava desligado?
MARIA - Sim, bem… a verdade é que… tenho o hábito de sempre verificar. Mesmo várias vezes.
ZÉ CARLOS - Quantos exatamente?
MARIA - Eu não sei agora, mas alguns.
RUBENS - Mais de dez?
MARIA - Ah sim, muitos mais.
ZÉ CARLOS - Quantos? Vamos, mais ou menos…
MARIA - Não sei, mas diria que pelo menos trinta.
RUBENS - (com um gesto expressivo). Então não há problema.
MARIA - Você acredita?
ZÉ CARLOS - Bem, claro, fique calma. Se você verificou o gás tantas vezes, está feito. Vamos lá,
só uma vez, é o suficiente, hein? Não é necessário mimar tanto o botijão…
RUBENS - "MEU PAU NA SUA MÃO!"
MARIA - Jesus, Maria e José!
ZÉ CARLOS - Vamos, vamos, acalme-se.

Nesse momento chega o NATAN, parado na entrada da sala de espera.

NATAN - Boa tarde.


ZÉ CARLOS - Aqui está, a sexta cadeira!

Todos se viram para olhar Natan.

RUBENS - (para Natan) Boa tarde.


TODOS - Boa tarde.
LOLA - Boa tarde. Boa tarde.
ZÉ CARLOS - Entra, entra sem medo, a gente não morde.
NATAN - Isso espero.
ZÉ CARLOS - Bom, sim. Eu tenho que te dizer uma coisa para que não haja mais conflitos. Aqui o
amigo Rubens não para de dizer coisas bárbaras, mas faz sem querer.

Rubens faz um pequeno gesto de resignação.


MARIA - E você também tem uma consulta com o Dr. Pereira?
NATAN - Sim, claro.
MARIA - Ora essa! Porque não me disseram que seria uma terapia de grupo?
ZÉ CARLOS - Não cara, acho que não.

Todos se olham em dúvida.

BIANCA - (para Lola) Disseram-lhe que seria uma terapia de grupo?


LOLA - Não, não.
RUBENS - (com força) "FODA-SE!"
ZÉ CARLOS - Você acertou em cheio.
RUBENS - Você sabe por quê? Porque a ideia da terapia de grupo me deixa muito nervoso. Em
trinta anos de consultas médicas, sempre estive sozinho na frente do médico e não estou pronto
para mais nada.
BIANCA - Eu entendo você perfeitamente. É o mesmo para mim. Já é difícil para mim contar meu
problema para um estranho, imagina com mais gente ouvindo.
ZÉ CARLOS - Vamos, calma, temos certeza que estamos esquentando sem motivo. Vamos
primeiro ver o que diz o Doutor Pereira. (Para Natan) Garoto, você não quer entrar?
NATAN - Sim, gostaria muito.
ZÉ CARLOS - Bem, entre, você tem uma cadeira esperando por você.
NATAN - Sim, mas… com essas linhas.
ZÉ CARLOS - Quais linhas?
NATAN - O desenho do chão. Eu nunca piso na linha quando ando, nunca. E aqui está tudo
listrado.
ZÉ CARLOS - Bem, pule-os. Você só tem 1 metro e 70.
NATAN - Sim, mas... eu tenho medo que você tire sarro de mim.
ZÉ CARLOS - Mas cara, você provocou Rubens com seu último ataque?
NATAN - Pois não.
ZÉ CARLOS - E você tiraria sarro de mim se eu fizesse algo que você não considera normal?
NATAN - Não, Claro que não.
ZÉ CARLOS - E com as senhoras e (para Maria) senhora?
NATAN - De jeito nenhum, nunca.
MARIA - (para Zé Carlos) Ei, estou aqui por causa de uma amiga que me pediu para ir no lugar
dela, hein? Eu pessoalmente estou bem, obrigado.
ZÉ CARLOS - Sim, claro, o que você disser. (Para Natan) Toma, senta na minha cadeira, para
encurtar o caminho.

Natan entra na sala de espera subindo no pedestal da lareira. Então ele sobe em uma das estantes,
pega um livro e o joga no chão. Após um breve momento, Natan salta sobre o livro e salta para cima
da cadeira que Zé Carlos colocou para ele, como um canguru.

ZÉ CARLOS - Que máquina! Incrível.


RUBENS - Juventude, tesouro divino…
ZÉ CARLOS - Vamos, se você é um poeta.
RUBENS - "POETEIRO!"
MARIA - (irônico) Tá certo isso?
ZÉ CARLOS - (aproximando-se de uma distribuidora de água) Isso é incentivado! Alguém quer um
copo d'água?
NATAN - EU.
MARIA - Oh, Virgem Maria Santíssima, a água! Agora sim, com certeza deixei as torneiras da
cozinha abertas. Senhor, quando eu chegar em casa... o dilúvio!
ZÉ CARLOS - Fique tranquila minha senhora, se tiver sorte já vai estar tudo explodido por conta do
gás.

Zé Carlos entrega o copo D’água e brinda com Natan.

RUBENS - Você não checou as torneiras antes de sair?


MARIA - Sim, claro, várias vezes. Mas, mesmo assim, receio ter deixado uma aberta.

Maria começa a revistar sua bolsa, verificando se ela está com as chaves de casa. Nesse momento,
A SECRETÁRIA DO MÉDICO aparece na sala de espera, saindo por uma porta que dá para um
corredor. Ela está vestida com um jaleco branco.

SECRETÁRIA- Boa tarde.


RUBENS - "CACHORRA!"
SECRETÁRIA - (Ignorando-o) Desculpe, mas tive uma ligação mais longa do que o normal.
RUBENS - Com licença, você é o "Dr. Pereira"?
SECRETÁRIA - Não, sou sua secretária.
MARIA - Olhe senhorita, eu vim atrás desta senhora e destes senhores. Mas eles tiveram a
gentileza de me deixar passar primeiro, porque é muito possível que eu tenha saído de casa sem ter
desligado o gás corretamente. E com certeza também não desliguei a água.
SECRETÁRIA - (para Maria) OK. Muito bem.
RUBENS - Menina, me explique uma coisa, o Dr. Pereira não pratica terapia de grupo, não é?
Porque nesse caso, para mim...
SECRETÁRIA - Lamento, mas não tenho nenhuma informação sobre o método do médico. Tudo o
que posso dizer é que seu voo atrasou no Rio devido ao carnaval. E como não consigo falar com
ele, não sei se ainda está no avião ou a caminho de táxi. E agora com licença, mas tenho que ficar
grudado no telefone. Assim que eu souber de algo, te aviso.

A Secretária sai da sala de espera, fechando a porta do corredor atrás de si.

MARIA - Santa Virgem, as contas de água e luz vão me comer viva este mês
ZÉ CARLOS - Quer que eu calcule o custo?
TODOS Não!
ZÉ CARLOS - A grosso modo!
TODOS Não!
ZÉ CARLOS - Ok, ok, entendi!
NATAN - (a Zé Carlos, apontando para a sua cadeira) Você se importaria de me mover?
ZÉ CARLOS - Não, cara, eu não me importo.
NATAN - Em qual Aeroporto chegam os voos do Rio?
ZÉ CARLOS - Viracopos mesmo… Ou será Congonhas?
NATAN - E quanto tempo você acha que vai demorar?
ZÉ CARLOS - Uma horas se vier de jato particular, Três horas se vier direto… E ainda tem o tempo
do Táxi… (fazendo contas no ar) outras meia hora, se o taxista for o Zé Carlos claro.
NATAN - Se for uma hora, não é tanto tempo.
MARIA - Isso se ele já estiver no Avião
BIANCA - Com licença, você se importa se eu arejar um pouco a sala? Porque já não acho
saudável seis pessoas respirarem no mesmo cômodo, menos ainda em plena ressaca da COVID, e
Gripe, e Bronquite, Laringite… AAAHHHH !
MARIA - Fique tranquila querida, estou vacinada!
BIANCA - (abrindo a janela) Apenas dois minutos. Depois fecho de novo.
RUBENS - "ABRE AS PERNAS!"
MARIA - Jesus, Maria e José!
ZÉ CARLOS - Já durou um bom tempo.

Com os pés nas duas revistas, Natan vai até a biblioteca e arruma vários objetos de decoração.

ZÉ CARLOS - (para Natan) Mas o que você está fazendo?


NATAN - Nada, dando harmonia ao todo. Desordem não incomoda ninguém?
ZÉ CARLOS - (olhando para a biblioteca) Que bagunça?
NATAN - Não vê que não é simétrico? (Natan faz um gesto simétrico com as mãos, mostrando o
penteado, onde se destaca uma risca ao meio, também perfeitamente simétrica)
ZÉ CARLOS - Algumas pessoas eu realmente não compreendo (Para Rubens) Olha, Rubens, não
estou dizendo isso para ser chato, mas o que você tem contra terapias de grupo? Veja bem, vamos
passar a tarde toda aqui então… eu não me importo.
LOLA - Não, não. Eu não tenho a tarde inteira, hein? Não, não. Eu não tenho a tarde inteira, hein?
BIANCA - Eu também não.
MARIA - Nem eu. Principalmente com as torneiras abertas. (María começa a procurar as chaves na
bolsa).
NATAN - Disseram-me que era uma terapia de grupo.
RUBENS - (nervoso) A sério? E quem disse a ele?
NATAN - O médico que me recomendou o Doutor Pereira.
RUBENS - "SATANÁS!"

Maria se benze.

ZÉ CARLOS - Calma Rubens, vamos ver, o que há de errado com ele agora?
RUBENS - Nada. Prefiro ficar sozinho com o terapeuta. Porque como as pessoas riram de mim
durante toda a minha vida, com a idade eu aguento cada vez menos.
BIANCA - Eu pessoalmente não vim aqui para rir de ninguém.
MARIA - E nem eu, garanto.
ZÉ CARLOS - Rubens vê isso? Calma, tranquilidade, tranquilidade.
LOLA - Ade-ade-ade-ade-ade-ade!

Todos olham para Lola, muito intrigados.

NATAN - Eu fiz terapia de grupo há dois anos e ninguém tirou sarro de ninguém lá.
ZÉ CARLOS - Natural!
NATAN - Olha, sabe o que teríamos que fazer?
ZÉ CARLOS - Diga
NATAN - Uma rodada de apresentações.
MARIA - Bom Deus e por que isso?
NATAN - Porque acho que vamos ter que fazer na frente do médico. Então, se fizermos agora,
além de economizar tempo, nos conheceremos um pouco melhor e não ficaremos tão tensos na
frente dele.
ZÉ CARLOS - Bem, não é bobagem. Você concorda, Rubens?
RUBENS - Eu acho “UM PÉ NO SACO” Digo… Se é só se apresentar…
NATAN - Não só isso. Você também deve dizer o motivo de sua presença aqui e sua cor favorita.
BIANCA - Minha cor favorita? E para que serve isso?
NATAN - Dizem que tem a ver com o estado de espírito geral. Por exemplo, se você está
deprimido, sua cor certamente será preta. E se ele estiver otimista, será rosa.
ZÉ CARLOS - Tem que tomar cuidado com o rosa, né, pode dar confusão. Bora lá, vamos ver,
quem começa?
NATAN - Eu mesmo. Bem, bem… meu nome é Natan. (Gritando) N.A - T - A.N!
MARIA - Com licença, pode fechar aí? Já não está tão quente assim.
ZÉ CARLOS - (fechando a janela) A partir de agora... sem interrupções!
RUBENS - "CACETA!"
ZÉ CARLOS - Exceto Rubens, é claro, que não faz de propósito.
NATAN - Bem, repito… Natan, 29 anos, sou designer de videogames e sofro de vários TOC desde
a adolescência. Os mais importantes são a minha total incapacidade de caminhar sobre as linhas e
o meu fascínio pela simetria e pela ordem.
BIANCA - E qual é a cor dele?
NATAN - Verde.
BIANCA - Porque?
NATAN - Porque é a cor que está bem no meio do arco-íris. De um lado estão o vermelho, o laranja
e o amarelo, e do outro o azul, o índigo e o violeta. Três e três. E o verde no centro.
ZÉ CARLOS - Eu sabia. Eu teria apostado um olho!
NATAN - Vamos, de quem é a vez? Ninguém é encorajado.
ZÉ CARLOS - E se fizermos por ordem de chegada?
RUBENS - Então é a minha vez.
ZÉ CARLOS - Se você quiser, eu me apresentarei antes de você.
RUBENS - Antes ou depois... não importa. Vai. (Pausa) Meu nome é Rubens, mas meus amigos
me chamam de “CU SECO”, melhor dizendo… Meus amigos me chamam de Ruby por causa da
música do Kaiser Chiefs
ZÉ CARLOS - Ruby Ruby Ruby Rube…
RUBENS - Tenho 73 anos e sofro de 'Síndrome de Tourette' desde criança. Como este TOC é
também o único que não tem cura definitiva, só me resta esperar que o médico seja "PILANTRA!"...
certo ponto. Isso é tudo.
BIANCA - E a cor dele?
RUBENS - Minha cor… (suspira) Esperança.
MARIA - Mas isso não é cor né?
RUBENS - (ansioso) Sim. Mas eu a perdi.
BIANCA - Eu acho que sim, esperança também pode ser uma cor.
ZÉ CARLOS - Devemos lembrar que a esperança... é a última que morre não é mesmo?.
RUBENS - (afetado) Ria e continue, por favor.
ZÉ CARLOS - Bem, nada, vamos! Meu nome é Zé Carlos…

Bianca se levanta de repente, com a saboneteira na mão e vai ao banheiro.

ZÉ CARLOS - Valeu! Legal!


BIANCA - Já volto.
ZÉ CARLOS - Bem, isso... meu nome é Zé Carlos. Mas pode me chamar de ZÉ! Sou taxista, tenho
54 anos e minha cor é… Merengue!
MARIA - Outra vez isso? Isso não é uma cor. Isso é uma sobremesa! O que falta agora é alguém
escolher a “cor Corinthians”!
ZÉ CARLOS - Senhora, não toque no Corinthians, eu mordo! (Começa a cantar "Salve o
Corinthians, o campeão dos campeões") Vejamos... o meu problema... bem, o problema da minha
mulher, porque estou muito bem, é que gosto de contar tudo. Com isso, dado meu nível atual de
“calculite”, tenho duas opções. Ou eu me acalmo um pouco, ou minha esposa pede o divórcio após
25 anos de casamento. É meus amigos, é o que você ganha.
NATAN - Quantos dias tem 25 anos?
ZÉ CARLOS - 9.125.
NATAN - (assobiando, muito surpreso) E quantos minutos?
ZÉ CARLOS - 32.850.000.
NATAN - Sem pensar por um segundo!
ZÉ CARLOS - E isso não é nada. O que realmente me excita é fazer cálculos muito mais
complicados. Bem, vamos lá, de quem é a vez?

Bianca volta do banheiro.

MARÍA (referindo-se a Bianca) Ela!

Bianca guarda o saboneteira na pasta.

NATAN - (para branco) Sua vez, Bianca.


BIANCA - Já? Muito bem. (Pausa) Bem, meu nome é Bianca…
ZÉ CARLOS - (cantando) Seu passado é uma bandeira, seu presente uma missão...!

Natan e Zé Carlos riem.

RUBENS - (com um gesto de negação, para Zé) Não havíamos combinado de não interromper?
ZÉ CARLOS - Perdão Perdão.
BIANCA - Como podem ver, minha cor é branca (mostrando as roupas dela). Sou auxiliar de
laboratório, tenho... bem, vinte e cinco… trinta… quarenta anos...
ZÉ CARLOS - Grosso modo.
BIANCA - …e tenho PAVOR de germes e doenças. Algumas pessoas me dizem que sou muito
somática, mas quando você ouve o que ouve e lê o que lê, digo a mim mesma que faço muito bem
em me preocupar. A única coisa é que, por me preocupar muito, meus amigos insistiram para que
eu fosse ao médico. E assim, de consulta em consulta, fui finalmente recomendada ao Dr. Pereira,
que dizem ser o melhor especialista para o meu caso.
MARIA - Sim, sim, uma eminência! E, com que idade começou o seu probleminha?
BIANCA - Uau, eu tive isso toda a minha vida. Mas acho que se acentuou, eu diria, com a
pandemia há cerca de… Três anos atrás!
RUBENS - "ANO, ÂNUS, CU, ANAL, RETO, BRIOOOOOOOCO!"
ZÉ CARLOS - Cadeia impressionante.

Maria se benze sem parar.

ZÉ CARLOS - (para Maria) Ei, vamos parar de tricotar e começar a falar?


RUBENS - Zé Carlos, nós dissemos para não provocar!
ZÉ CARLOS - Nada faz mal uma brincadeira.
RUBENS - (para Maria) Maria, por favor.
MARIA - Não, não, mas eu já disse isso antes. Estou aqui por causa de uma amiga que não pôde
vir. Valha minha Nossa Senhorinha, a água!
RUBENS - Eu imploro, minha senhora, por favor, apresente-se.
MARIA - (respirando fundo) Senhor meu Deus, não me deixe só, me pegue pela mão! (Pausa. Os
outros a olham com estranheza) Meu... meu nome é... Maria… Minha cor é azul, mas não o azul
normal, mas outro azul mais puro. O Azul Céu.
ZÉ CARLOS - (fazendo o sinal da cruz e cantando em latim) Amém!
MARIA - E se estou aqui é porque tenho uma mania muito ruim que, segundo meu médico,
degenerou em... em TOC.
NATAN - Que mania?
MARIA - Eu verifico tudo de novo e de novo e de novo e de novo...
BIANCA - Mas tudo, o quê?
MARIA - Bem, para começar, minha bolsa. Então, quando saio de casa, verifico várias vezes que
tranquei todas as fechaduras corretamente. E faço o mesmo com gás, luz e água.
ZÉ CARLOS - Você tem o nome disso, Rubens?
RUBENS - Sim, claro. Eles chamam isso de TOCs de verificação, um clássico. Mas pelo que li, cura
muito bem.
ZÉ CARLOS - Ta vendo? Nada vai te fazer (debochando) se afogar num copo d’água.
BIANCA - (para Lola) Garota, só falta você agora.
MARIA - Espere. Eu também tenho... pensamentos estranhos.
NATAN - Estranhos? Estranho como?
MARIA - Ideias que passam pela minha cabeça e que podem mudar o rumo de uma vida inteira
caso queira seguir essas ideias e pensamentos estranhos.
BIANCA - Conte pra gente, vamos lá.
MARIA - Enxerida! Limite-se ao seu problema e me deixe em paz. Vou contar somente quando
estiver a sós com o Doutor Pereira.
ZÉ CARLOS - Fazer o sinal da cruz e orar a cem por hora também é um TOC?
MARIA - Não sei… Talvez… Você acha que eu sou louca?
ZÉ CARLOS - Não cara não. Por essa regra de três estaríamos todos biruleibe.
RUBENS - (para Maria) Claro que não. Só porque temos um problema não significa que somos
loucos, não se preocupe.
BIANCA - (para Lola) Menina, sua vez.
LOLA - Não, não, eu não. Não, não, eu não.
NATAN - Mas se todos já fizeram, até Rubens e Maria.
LOLA - Já. Já.
BIANCA - Bem, daqui a pouco, na frente do Doutor, você não terá escolha.
NATAN - Bianca está certa. Eu levaria como um treinamento para depois. Vamos, anime-se!
LOLA - (depois de respirar fundo e acenar com a cabeça) Meu nome é Lola, e… algo acontece na
minha cabeça que me obriga a repetir tudo.

Todos se preparam para conversar, mas Lola toma a palavra novamente.

LOLA - Meu nome é Lola, e… algo acontece na minha cabeça que me obriga a repetir tudo.
NATAN - A sério? E isso acontece muito com você?
LOLA - Bem, o tempo todo. Bem, o tempo todo.
ZÉ CARLOS - Mas você repete tudo duas vezes?
LOLA - Sim. E às vezes também repito as últimas sílabas do que os outros dizem. Sim. E às vezes
também repito as últimas sílabas do que os outros dizem.
MARIA - E isso sempre aconteceu com você sistematicamente?
LOLA - Não... desde que meu pai morreu. Não... desde que meu pai morreu.
ZÉ CARLOS - Eu acredito que com isso, não deve ser fácil viver.
LOLA - Não mesmo, é muito difícil (risos). Não mesmo, é muito difícil (risos).
NATAN - E o que acontece se você não repetir alguma coisa?
LOLA - Tenho medo de morrer. Tenho medo de morrer.
NATAN - Somente?
ZÉ CARLOS - (para Rubens) Veja se essa coisa está nos seus arquivos, Rubens.
RUBENS - (olhando seus documentos) Dois segundos.
NATAN - (para Lola) Se você prestar atenção, a vantagem de falar tudo duas vezes é que fica
super simétrico. Eu amo isso!
LOLA - Oh, obrigado, isso me anima (com um sorriso tímido). Oh, obrigado, isso me anima (com
um sorriso tímido).
BIANCA - E de que cor é…?
LOLA - Cinza. Cinza.
NATAN - Por que?
LOLA - (sorrindo ingenuamente) Bom não sei. Achei que me traria sorte (mostra seu amuleto
grisgris e ri). Bom não sei. Achei que me traria sorte (mostra seu amuleto grigri e ri).
ZÉ CARLOS - (sem perceber) Como?
BIANCA - O Grisgris é um amuleto da sorte africano. Eu também vi isso em um documentário.
LOLA - (sorrindo) Sim. Sim.
MARIA - Por Deus.
RUBENS - Aqui está. Encontrei. Palilalia e Ecolalia.
ZÉ CARLOS - Este Senhor nomeiam tudo! E qual era o meu?
RUBENS - Eu já te disse. Aritmomania.
NATAN - Acho que não é errado dar um nome ao problema. Parece um bom começo para mim.

A Secretária entra na sala de espera.

ZÉ CARLOS - Aí veio a flor mais linda!


BIANCA - (irritada) Só se trouxer boas notícias
SECRETÁRIA - Sinto muito, mas ainda não consegui localizar o Doutor.
RUBENS - "VACILÃO!"
MARIA - Um ano esperando por isso. Inadmissível!
NATAN - Realmente, coisas assim me fazem surtar
LOLA - AR - AR - AR - AR
BIANCA - Você se importa se eu abrir por um momento?
TODOS - Sim!
LOLA - Sim.
SECRETÁRIA - No entanto, consegui falar com a EMBRAER e eles me disseram que o avião já
decolou, provavelmente o Doutor esteja dentro dele.
MARIA - Provavelmente? Quer dizer, que não é certeza?
SECRETÁRIA - É certeza sim
BIANCA - Um absurdo! Marcar consulta pra quê se a gente chega no horário para ser atendido uma
hora depois, é um descaso total!
SECRETÁRIA - Desculpe-me. O que eu quis dizer é que o avião e o Doutor decolaram.
NATAN - Faz quanto tempo?
SECRETÁRIA - Eles não me disseram isso. Mas no máximo o vôo dura uma hora.
ZÉ CARLOS - Três mil e seiscentos segundos.
RUBENS - "ARROMBADO DO CARALHO!"
ZÉ CARLOS - É isso mesmo Rubens, vou dizer isso na cara dele. Quando ele chegar vou lá e SEU
ARROM…
SECRETÁRIA - (Interrompendo) Se me der licença, tenho que ficar de olho no telefone.

A secretária sai da sala de espera. Bianca vai abrir a janela.

BIANCA - Só um minuto (abre).


ZÉ CARLOS - A senhora está querendo ficar gripada, não é possível
BIANCA - Ao contrário. É assim que mandamos embora os micróbios
LOLA - Óbios, óbios, óbios, óbios!
MARIA - (para os outros) Uma Hora? Mas o que fazemos enquanto isso?
SECRETÁRIA - Finalmente consegui entrar em contato com o aeroporto.
NATAN - A sério?
TODOS - Menos mal!
ZÉ CARLOS - (gritando) E o que eles disseram?
SECRETÁRIA - Bem, o avião do médico pousou em Campinas, mas está bloqueado na pista por
causa de uma passarela danificada.
LOLA - Uma passarela quebrada? Uma passarela quebrada?
RUBENS - "SACO DE BOSTA!"
ZÉ CARLOS - Concordo com ele, esse Doutor é um Saco de Bosta
LOLA - Bosta Bosta
MARIA - Isso significa então que o Doutor não terá consulta esta tarde?
SECRETÁRIA - Não senhora, o Doutor está vindo. Mas daqui a uma hora, ou talvez duas.
LOLA - Uma ou duas?
BIANCA - Acho lamentável que os pacientes sejam jogados assim. (Bianca abre a janela.)
LOLA - Uma ou duas?
SECRETÁRIA - Sinto muito, mas essas são causas fora do nosso controle. O Doutor é o primeiro
indignado com este contratempo.
ZÉ CARLOS - Contratempo? Esse Médico é uma piada mesmo. É assim que se conhece as
maiores instituições. E olhe para nós, seis idiotas presos nesta sala sem poder fazer muita coisa… O
que esse Doutor acha que nós somos?
RUBENS - "CUZÃO!"
NATAN - (jogando para cima o tabuleiro do Monopólio) Seu vagabundo podre de merda!
ZÉ CARLOS - (olhando as fichas espalhadas pelo chão) Uau, foda-se a simetria! (Imitando Natan
com um gesto simétrico no cabelo). Eu ia esfolar todos vocês de qualquer maneira, então, bah, nem
vale a pena terminar. (Em pé no centro, com um gesto) Campeão!
MARIA - Ouça bem, senhorita. Eu estou indo. Mas diga ao seu doutorzeco que você vai ouvir falar
de mim. Um ano de espera para acabar jogando Banco Imobiliário... é indecente!
LOLA - Decente, decente, decente, decente!
BIANCA - Você também vai ouvir de mim, acredite em mim. Porque mesmo que eu não suporte
vírus, pretendo infectar seu site!
RUBENS - Ao 'Grande Doutor Pereira', ao melhor especialista do mundo, à eminência... diz-lhe por
mim que é... uma farsa!
SECRETÁRIA - Sinceramente, não sei o que te dizer, a não ser que paciência…

Perturbada, a Secretária sai da sala, rápido.. Lola a segue e se aproxima da porta do corredor,
fechando-a na cara dela. Um silêncio. Todos se olham, constrangidos.

LOLA - Bem, então... estou saindo.


BIANCA - Eu também.
LOLA - Bem, então... estou saindo.

Lola tira o casaco do cabide, que fica embaixo do de Natan.

NATAN - A sério? Mas porque?


LOLA - Porque se vai demorar duas horas, vai ser muito tarde para mim. Porque se vai demorar
duas horas, vai ser muito tarde para mim.

Lola veste o casaco, pronta para sair. As outras duas mulheres fazem o mesmo.

NATAN - (para Zé Carlos) Então eu vou embora também.


ZÉ CARLOS - Bem, se todos forem embora, eu... (Para Rubens) Rubens, o que você faz?
RUBENS - Sinceramente não sei. Eles me convenceram sobre a terapia de grupo, mas... se todos
forem embora agora...
ZÉ CARLOS - Eu não. Se você ficar, eu fico!
RUBENS - A sério?
ZÉ CARLOS - (violento) Pois sim. Estou curioso para saber o que o Dr. Pereira vai me dizer. E se
você não sair convencido da consulta, prepare-se, porque nem a caridade vai te salvar disso!
MARIA - (fazendo o sinal da cruz) Amém.
RUBENS - Nesse caso, ficarei com você, nem que seja para evitar que faça alguma tolice.
ZÉ CARLOS - Muito obrigado cara.
RUBENS - (para Natan) Por simples curiosidade, Natan, antes que eles saiam... Você que já
participou de terapia de grupo, o que exatamente é feito?
NATAN - Muito simples. A princípio todos se apresentam, apresentam seu problema e depois
trabalham individualmente, em lotes.
RUBENS - Em lotes?
NATAN - Sim, por um período de tempo X todo o grupo está focado em uma pessoa.
BIANCA - Sem tocar, espero.
ZÉ CARLOS - Senhora, não é uma orgia.
BIANCA - Opa, que horror. As doenças que podem ser contraídas em algo assim.
ZÉ CARLOS - Espera espera. Se bem entendi, nessas terapias o grupo é o médico?
NATAN - Completamente. O médico orienta a sessão, mas todos participam.
ZÉ CARLOS - Ótimo então. Por que não o fazemos?
MARIA - Com licença, você está brincando?
ZÉ CARLOS - Não custa tentar, não é mesmo?
MARIA - Mas não somos terapeutas. E embora todos participem, geralmente o médico está
presente para orientar os pacientes... um pouco como o pastor guia seu rebanho.
ZÉ CARLOS - Eu já estava esperando uma Metáfora abençoada!
RUBENS - Zé Carlos, chega de agressividade. O que você precisa fazer é "CHUPAR MEUS
OVOS!" (respira) se acalmar. Cada um reage à sua maneira.
NATAN - É verdade. Um grupo onde as pessoas se bicam geralmente não funciona.
BIANCA - Estou completamente de acordo. Se não somos capazes de nos respeitar, tendo
problemas semelhantes, você não pode esperar que as pessoas sejam tolerantes com você.
RUBENS - Você tem toda razão Bianca. (Rubens pega a mão de Bianca amigavelmente. Ela grita e
vai ao banheiro, rápido e rápido.)
NATAN - Para mim perfeito. No geral, não temos nada a perder.
ZÉ CARLOS - Isso mesmo, filho. Você Rubens?
RUBENS - Escute, as bandas sempre me aterrorizaram, mas com vocês cinco não me importo de
tentar.
ZÉ CARLOS - Muito bem, Rubens (para Bianca, que está no banheiro) Bianca! Se você ficar eu
deixo você fazer a limpeza geral!
BIANCA - (colocando a cabeça para fora da porta do banheiro) Não sei... para ser sincera, não
acredito nesse tipo de coisa.
MARIA - Então vamos começar!
ZÉ CARLOS - (olhando para María com uma expressão de reprovação) Vamos Bianca…
BIANCA - (colocando a cabeça para fora da porta do banheiro) Lola, o que você está fazendo?
LOLA - Se todos ficarem... eu fico. Se todos ficarem... eu fico.
NATAN - (para Bianca) Vá Bianca, um pouco de coragem. Agora nos conhecemos melhor do que
antes e estamos confiantes.
ZÉ CARLOS - Vamos, mulher, pelo menos uma vez na vida... não lave as mãos desse assunto! Se
não quiser fazer por você, faça pelo grupo.
MARIA - E agora ainda por cima, chantagista emocional.
LOLA - nal, nal, nal, nal, nal, nal!
BIANCA - (saindo do banheiro) Ok, tudo bem, vou tentar. Mas para agradá-los, hein?
TODOS Bom!
ZÉ CARLOS - Brilhante. (Para Maria, massageando seus ombros e cantarolando) “Maria-Maria”,
“Maria maria é um dom, uma certa magia uma fonte que nos alerta”...

Maria tira da bolsa um objeto antiestupro que dá choques elétricos e entrega para Zé Carlos na mão.

MARIA - Bajulação comigo é inútil. Eu nunca vou ficar! Essa coisa de terapia é uma simulação de
uma consulta e acabou!
RUBENS - "PUTA VELHA!!"
ZÉ CARLOS - Não Rubens. 'Quem estiver livre do pecado que atire a primeira pedra'.
NATAN - Seu bobo não vai convencê-la.
MARIA - Não, de jeito nenhum. Quando digo não, significa não e não.
ZÉ CARLOS - Mas por que, vejamos, por quê?
MARIA - Porque eu não gosto da atmosfera! Entre Rubens, que não faz de propósito, e você, que
se comporta como quer, parece que estamos num bar de recepcionistas e não no consultório.

Zé Carlos olha para ela, com uma risada zombeteira.

RUBENS - E se Zé Carlos se esforçar, você também se esforça para ficar?


MARÍA (ajeitando o lenço no pescoço) Se não apenas isso. É que tenho que pegar meu trem, e no
máximo, posso ficar meia hora.
RUBENS - (consultando seus documentos) Espere, você não vai me dizer que também é um
sidero... sidero... siderodropóbico?
MARIA - E o que eu sei o que é isso?
RUBENS - Siderodromofobia. Medo de perder o trem.
ZÉ CARLOS - É que eles colocam nomes em tudo, hein! E como se chamam as pessoas que têm
medo de perder o avião? Por causa dos que estão no táxi, deixo cair dez por dia.
RUBENS - Pessoa com medo de perder o avião. Aerofóbico.
BIANCA - Ir. E como você chama alguém que está perdido na vida?
MARIA - Um motorista de táxi.

Todos riem com vontade.


ZÉ CARLOS - Obrigado, muito gentil da sua parte.
MARÍA (imitando Zé Carlos) Não, não... "Estou brincando."
ZÉ CARLOS - Uma coisa Natan. Quanto tempo durou suas sessões de terapia?
NATAN - Cerca de uma hora.
ZÉ CARLOS - E você diz, Natan, que no começo todo o grupo se apresenta expondo o seu
problema?
NATAN - Sim, é como um ritual básico antes de iniciar o "trabalho" em si.
ZÉ CARLOS - E quanto tempo dura esse ritual, mais ou menos?
NATAN - Tipo metade da sessão.
ZÉ CARLOS - É apenas a segunda meia hora que é dedicada à verdadeira terapia?
NATAN - Sim, Zé Carlos, sim.
ZÉ CARLOS - Mas é perfeito! Já fizemos as apresentações e cada um conhece muito bem o
problema do outro. Se formos direto ao assunto, em meia hora estaremos na rua. você não acha?
MARIA - Seja como for, não posso perder o trem.

Maria começa a andar pronta para sair.

ZÉ CARLOS - Vamos Maria, relaxe! (Zé Carlos segura ela puxando a capa dela) Olha, se
começarmos agora, no ritmo de três minutos por pessoa, teremos terminado em 18 minutos. Ele
ainda teria 12 minutos para pegar o trem no horário marcado.
MARIA - Mas você acha que vamos resolver os problemas que arrastamos por anos em três
minutos de nada?
ZÉ CARLOS - Não faço ideia, mas pelo menos tente.
MARIA - Olha, não é pra me fazer implorar, mas…
ZÉ CARLOS - Então aceite!

Zé Carlos se aproxima tanto de María que, quando ela se vira para ele para responder, os dois estão
prestes a se beijar. Maria fica muito nervosa.

MARIA - Oh, eu não sei mais em que mundo eu vivo! O que você acha, Rubens?
RUBENS - Pessoalmente, o assunto me irrita demais. Mas agora eu os conheço bem o suficiente
para saber que eles não vão me julgar.
LOLA - (para Maria) Eu também. Eu também. Eu também. Eu também…

Zé Carlos a interrompe batendo em suas mãos. Lola suspira.

ZÉ CARLOS - (suplicando-lhe) Três minutos, mulher. Menos que nosso pai!


MARIA - Bom está bem. Me rendo!
TODOS Viva!
MARIA - Mas Deus é testemunha de que não tenho fé em tudo isso.
ZÉ CARLOS - Deus é uma testemunha e até mesmo uma testemunha de Jeová, se você quiser.
BIANCA - E o que vamos fazer nesses três minutos?
ZÉ CARLOS - Que tal rezar?
MARIA - De verdade?
ZÉ CARLOS - Não, mulher... (desistindo) Natan, conta pra ela.
NATAN - Durante três minutos, todo o grupo se concentrará em uma pessoa, para ajudá-la a
desbloquear seu problema.
MARIA - Desculpe-me, mas tudo isso me parece besteira.
LOLA - Eira Eira Eira Eira…

Bianca enfia a cabeça na pasta, enojada.

RUBENS - Digamos que todo mundo tenha que enfrentar seu TOC na frente de todo mundo, é
isso?
NATAN - Exato. Esse é o começo.
ZÉ CARLOS - Fazemos? (todos se olham) Vamos?
TODOS Fazemos!
ZÉ CARLOS - Vamos lá, nós fazemos isso!
NATAN - (levantar e subir na mesa) Vá, cada um em sua cadeira.

Todos se levantam e sentam em suas respectivas cadeiras.

ZÉ CARLOS - E como sentamos?


RUBENS - Num círculo.
NATAN - Não não. Três de cada lado.

Cada um posiciona sua cadeira de uma forma diferente, criando desordem na sala.

NATAN - (em pé, em cima da cadeira) Não não. simétrico.

Enquanto eles colocam as cadeiras no lugar, um pequeno burburinho começa. Lola dá a Bianca sua
bolsa de higiene e seu lenço de papel.

BIANCA - Ah, sim, obrigado.

Bianca pega um lenço de papel e limpa rapidamente a pasta, deixando-a aberta. Lola se senta em
sua cadeira.

ZÉ CARLOS - Fazemos por ordem de chegada?


RUBENS - Bem, para me estressar com a espera, é melhor eu pular na piscina primeiro.
ZÉ CARLOS - (para Maria) Piscina, água, suas torneiras!

María levanta-se para sair, chateada, mas volta a sentar-se, retida por Zé Carlos.

RUBENS - (para Natan) O que eu tenho que fazer?


NATAN - É facil. Por três minutos você deve evitar insultos e gestos obscenos. Ficar lá.
RUBENS - Com minha cadeira?
NATAN - Sim.
RUBENS - Olha, na minha idade, eu não acredito mais em milagres. Alguém tem um relógio?

Rubens coloca sua cadeira no meio da sala de espera.

ZÉ CARLOS - Desnecessário! (apontando para a cabeça). Temporizador definido!


RUBENS - CAGUEI PRA VOCÊ!"
MARIA - Bem, começa muito bem.
RUBENS - Desculpe, é estresse.
ZÉ CARLOS - Nós conhecemos o Rubens, nós sabemos.
NATAN - Anime-se Rubens, estamos com você.
RUBENS - "BUNDA MOLE!"
MARIA - Parece-me que esta experiência está falhando muito rapidamente.
NATAN - Não é um experimento, senhora, é um exercício de solidariedade.
ZÉ CARLOS - Maria, pare de mandar más vibrações para o grupo!
RUBENS - VIBRAÇÃO, VIBRADOR!!! (com um gesto obsceno) Acho que não devíamos ter
começado comigo. O grupo vai acabar com a moral no terreno.
NATAN - Mas você não sente que filtra certos palavrões?
RUBENS - "PUTA ARROMBADA!"
MARIA - Sim, sim, que filtro.
RUBENS - É normal. Quanto mais tenso estou, mais forte o ataque me dá. Depois de tanto tempo,
já conheço a mecânica e só me acalmo um pouco se molhar os pés.
LOLA - És, és, és, és…
RUBENS - (para Zé Carlos) Quanto tempo me resta?
ZÉ CARLOS - Um minuto, 45 segundos.
BIANCA - Com licença, você se importa se eu abrir um pouco?
RUBENS - "ARREGANHA ESSAS PERNAS PRA MIM!" Me desculpe, Bianca.
BIANCA - (abrindo a janela) Nada, nada. Siga em frente
MARIA - Que pena, se o Doutor nos visse... Somos um espantalho!
ZÉ CARLOS - Se o Doutor se diverte com a passarela! Isso só depende de nós. Vamos, falta um
minuto.
RUBENS - “COCÔ, CU, PEIDO, MEEEEEERDAAAAAA!”
MARÍA Meu Deus, mas esse homem vai largar a Bíblia em verso!
ZÉ CARLOS - Rubens, cara, espera. Tente se concentrar.
RUBENS - "IDIOTA!"
ZÉ CARLOS - Esse já foi melhor, muito melhor. Trinta segundos.
MARIA - Ainda? Isso nunca vai acabar.
RUBENS - "SEGURA MINHAS BOLAS!"
MARIA - Obrigado, mas não.
RUBENS - "VADIA!"
MARIA - Uau, o broche de ouro!
RUBENS - (para Maria) Sinto muito, mas se eu pedir desculpas, Zé Carlos vai me dar uma bronca.
MARIA - Não se preocupe, estou me acostumando.
ZÉ CARLOS - Prestar atenção! Cinco, quatro, três…
RUBENS - "FODA-SE SEU FILHO DA PUTA ARROMBADO DO CARALHO!" (com um gesto
obsceno)
MARIA - E um último dos gordos para acabar com o desastre.
RUBENS - Eu já tinha avisado eles, que comigo não tem jeito. Bem, quem é o próximo?

Rubens se levanta, pega sua cadeira e volta para onde estava antes.

MARIA - Oh, isso não parecia um fracasso o suficiente?


NATAN - Também não devemos esperar curas espetaculares, María.
ZÉ CARLOS - (Enquanto fecha a janela) Isso mesmo, senhora, não estamos em Curitiba! (Pega sua
cadeira e a coloca no centro). Vamos agora eu. Eu tenho que evitar fazer cálculos por três minutos.
Três, dois, uns… vai! (Longo silêncio) Mas fala uma coisa, cara, vou passar horas mortas aqui.
BIANCA - E o que você quer que digamos?
ZÉ CARLOS - Não sei, coisas que me obrigam a calcular, para que eu resista.
RUBENS - Doze por doze?
ZÉ CARLOS - Cento e quarenta e quatro!
MARIA - Bravo. Isso é o que eu chamo de resistir.
ZÉ CARLOS - Bem, vamos lá, eu me concentrei. Já. Já está. Preparar!
NATAN - Raiz quadrada de 16
ZÉ CARLOS - quatro
RUBENS - Impeachment da Dilma?
ZÉ CARLOS - foi golpe!
MARIA - Descobrimento do Brasil?
ZÉ CARLOS - Os índios já estavam aqui
RUBENS - Bravo Zé Carlos, estou impressionado.
ZÉ CARLOS - Montamos um filme inteiro, mas no final não é tão ruim assim.
LOLA - Boeing? Boeing?
ZÉ CARLOS - 747! Vamos… aqui não tem ninguém para baixar a guarda! Vamos, a terceira vez é o
charme.
BIANCA - A morte de Pelé?
ZÉ CARLOS - Meses depois da morte da Rainha!
NATAN - Os anões?
ZÉ CARLOS - Use um pouco da imaginação! Pergunte-me sobre os dálmatas.
RUBENS - Os pecados capitais multiplicados pelas badaladas da véspera de Ano Novo, divididos
pelos Beatles.
ZÉ CARLOS - Sete vezes doze dividido por quatro, 21, idiota.
RUBENS - Desculpe, eu realmente não queria pegar você.
ZÉ CARLOS - Não se essa luta for uma das boas. Além disso, fui eu quem começou.
BIANCA - Peugeot?
ZÉ CARLOS - 205! Não, não, se começarmos com marcas de carros, estou morto.
MARIA - Tarsila do Amaral?
ZÉ CARLOS - (apontando para a cabeça) 1886–1973. Que Droga!
BIANCA - Paracetamol?
ZÉ CARLOS - Quinhentos.
NATAN - Estados?
ZÉ CARLOS - 26 estados e 1 distrito federal.
LOLA - Pi?
ZÉ CARLOS - 3,1416.
RUBENS - Velozes e Furiosos?
ZÉ CARLOS - Dez.
MARIA - Os mandamentos?
ZÉ CARLOS - Dez.
NATAN - Os porquinhos?
ZÉ CARLOS - Três! Chega, acabou, pareeeeeee!!!
RUBENS - Já acabou o tempo?
ZÉ CARLOS - Quem se importa, eles não podem ver que não funciona? Maria tinha razão, isso não
é uma terapia, é uma piada!
NATAN - Não cara, por que você diz isso? Todos nós vimos que você fez um grande esforço.
ZÉ CARLOS - Esforço?! Aqui está a calculadora com pernas que não conseguem se concentrar por
dez segundos? E ainda por cima estrago tudo com os três porquinhos. Três! É humilhante! Bem, o
que fazemos? Se todos quiserem ir, adeus! Rubens e eu jogamos xadrez e nada aconteceu aqui.
BIANCA - Mas não vou ter direito à minha terapia?
ZÉ CARLOS - Esquece Dona isso não funciona, acabamos de ver que por A+B que não funciona.
NATAN - Espera cara. Só porque não funcionou para você, não significa que não funcionará para
os outros.
LOLA - E se no final só funcionar com um, então terá valido a pena. E se no final só funcionar com
um, então terá valido a pena.
NATAN - Bem, vamos lá, de quem é a vez?
ZÉ CARLOS - Para o tolo que pergunta.
BIANCA - (tomando sua cadeira) Nada disso, depende de mim. Desculpe desculpe desculpe.

Bianca coloca sua cadeira no meio da sala de espera. Depois de se sentar, ela imediatamente olha
para as mãos e pula para ir direto ao banheiro.

TODOS - Não, não, não, não, não, não, não.


NATAN - Ele tem que ficar três minutos sem lavar as mãos.
BIANCA - E assim?
LOLA - Bem, porque senão seria muito fácil. Bem, porque senão seria muito fácil.
MARIA - E sem abrir a janela!
ZÉ CARLOS - Exato. Obrigado Maria (silêncio) Pronto? Já! (Zé Carlos se olha as mãos). Vamos!
Não sei onde coloquei minhas mãos, mas elas estão mais sujas do que nunca.
NATAN - Bem, olhe, eu também.
RUBENS - (olhando para as unhas) E eu.
LOLA - (olha as unhas e enfia o dedo no nariz) Ahg, mas eu tenho unhas pretas!

Natan gesticula para Lilí enfiar o outro dedo no nariz.

LOLA - (colocando o outro dedo no nariz) Ahg, mas eu tenho unhas pretas!
MARÍA (olhando suas unhas) Que horror, meus dedos cheiram terrivelmente!
BIANCA - Não, não, é demais. Não posso!

Bianca se levanta e vai ao banheiro.

ZÉ CARLOS - Eu já disse que isso não funciona. Maria estava certa.


MARIA - Sim, mas agora prefiro que o façamos até ao fim.
ZÉ CARLOS - Olha para ela! Mudando de Flamengo para Fluminense!
MARIA - Três minutos voam e talvez isso ajude alguém.
BIANCA - (gritando demoniacamente) O SABÃÃÃÃÃOOOOO!!!
ZÉ CARLOS - Bem, não será ela...
LOLA - (tirando o sabonete da maleta de Bianca, curvando-se) Estou chegando... estou chegando…
RUBENS - "O que eles se importam!"

Lola se levanta e vai ao banheiro com a saboneteira.

MARIA - A pobrezinha deve estar se sentindo péssima.


NATAN - Bem, você não deveria, porque não vai fazer nenhum bem.
ZÉ CARLOS - Sim, mas deve estar empoeirado.
RUBENS - Bem, pelo menos Lola está com ela.
MARIA - A propósito, por que elas estão demorando tanto?

Zé Carlos sussurra algo em seu ouvido.


MARIA - (chocada) Anda já! Olha lá eles voltam.

Lola e Bianca voltam do banheiro. Branca fica constrangida.

RUBENS - Tudo bem Bianca?


BIANCA - Sim, bem… eu explodi bem rápido. (Lola põe a mão carinhosamente nas costas. Bianca
grita) Ahhh!
NATAN - Sem problemas. Vá novamente.
BIANCA - Sim, mas eu imploro que você não diga coisas tão fortes para mim.
RUBENS - De acordo. Só peço que me deixe tocar suas mãos uma vez, porque as minhas estão
muito, muito limpas. (colocando as mãos sobre as de Bianca).
LOLA - (com o mesmo gesto de mão) Meu também.

Bianca permanece imóvel em sua cadeira, um tanto tensa.

NATAN - (com o mesmo gesto de mão) A minha


MARÍA (aproximando-se, com o mesmo gesto das mãos) A minha
ZÉ CARLOS - A MINHA!!!!

Zé Carlos põe as mãos nas bochechas. Bianca tem um ataque e corre para o banheiro,
completamente desestabilizada. Todos lançam olhares assassinos a Zé Carlos, antes que cada um
volte ao seu lugar com resignação.

ZÉ CARLOS - Ela é pior do que eu. Ela não conseguiu se concentrar por dez segundos.
RUBENS - É que as fobias não são fáceis de transportar.
NATAN - Eu a entendo. A mesma coisa acontece comigo com as linhas.
ZÉ CARLOS - (murmurando) O que fazemos quando eu voltar, passar para o próximo?
RUBENS - Parece-me que deveria ter uma última chance.
MARIA - Sim, coitada.
ZÉ CARLOS - Ok, mas o que fazemos?
LOLA - (balançando as mãos no ar) E se fizermos isso? E se fizermos isso?
NATAN - (balançando as mãos no ar) Bem, nada mal.
RUBENS - (acenando com as mãos no ar) Muito boa ideia.
ZÉ CARLOS - Uma ideia legal!
MARIA - Bem desse jeito?
ZÉ CARLOS - (para Maria) Exatamente, vamos lá, todos juntos.

Os cinco começam a acenar com as mãos no ar. Maria entra por último, imitando os demais. Bianca
volta do banheiro e corre para o grupo. Depois de ficar paralisada por um momento, ela grita
histericamente e volta para o banheiro.

ZÉ CARLOS - Isso já é claramente uma sessão de humilhação.


RUBENS - Não estou de acordo. Para nós não é.
ZÉ CARLOS - Bom então… continuamos?
TODOS Sim, continuaremos.
NATAN - Maria, é a sua vez.
MARIA - Mas vamos esperar que ela volte, certo?
RUBENS - Claro.
ZÉ CARLOS - Além disso, quando ela vai ao banheiro três vezes seguidas, a terceira vez leva
menos tempo.
NATAN - Quantos segundos leva?
ZÉ CARLOS - Vinte e três em média. Devo estar de volta em cinco, quatro, três,…

Bianca volta para a sala com a saboneteira na mão.

NATAN - (referindo-se à cabeça de Zé Carlos) Uau! Se for verdade que tem um timer aí. Zé Carlos,
ele também é leitor de MP3?
ZÉ CARLOS - Sim, vamos, tire sarro do velho.

Todos riem.

LOLA - É a vez de Maria. É a vez de Maria.


MARIA - Meu Deus, temo o pior! (María respira fundo e aperta a bolsa contra o peito) Vejamos, o
que devo fazer?
NATAN - Ele tem que ficar três minutos sem checar nada.
RUBENS - "MEU CU!"
MARIA - (fazendo o sinal da cruz) Jesus amado! Pode ter certeza que não irei checar!
LOLA - E sem se cruzar, hein? E sem se cruzar, hein?
ZÉ CARLOS - Exato. Proibido checar e proibido cruzar! (Ele se persigna, imitando Maria).
MARIA - (chateada) Isso é tudo?
ZÉ CARLOS - Sim. Pronto, pronto, pronto! Você está ou não está com as chaves de casa?
MARÍA (com muita personalidade) Claro que estou!
RUBENS - Está certa disso?
MARIA - Cem por cento de certeza.
LOLA - Certeza? Certeza?
MARIA - Certeza. Certeza.
BIANCA - Mas você verificou?
MARIA - Sim, muitas vezes.
NATAN - Sim, mas às vezes pensamos que verificamos e no fim as chaves não estão na bolsa.
ZÉ CARLOS - Às vezes, pegamos o chaveiro errado por engano.
RUBENS - Ou reconhecemos o barulho, mas no final é outra coisa.
LOLA - Como um alfinete ou troco. Como um alfinete ou troco.
ZÉ CARLOS - Sem as chaves, como você abre a porta de sua casa. Isso se você não tiver
esquecido de fechar a porta… (Encorajar os outros com um gesto).
NATAN - … ou gás…
BIANCA - … a luz…
RUBENS - … e a água…
LOLA - Isso inunda tudo. Isso inunda tudo.
ZÉ CARLOS - Até o chão explodir.
MARIA - Não, por Deus, minhas chaves! (Lançando-se como uma louca para revistar sua bolsa)
Nossa Senhorinha abençoada, aceite meus apelos, encontre minhas chaves!

Nesse momento, Maria tem um ataque tão forte que acaba se esticando na cadeira como uma
parturiente, como se estivesse com falta de ar.

ZÉ CARLOS - Estamos em trabalho de parto!


BIANCA - Não cara, é um ataque de transe!
ZÉ CARLOS - Bem, parece que ela vai conhecer seu amigo mais cedo
RUBENS - "CARALHO!"
LOLA - Maria! Maria!
RUBENS - Natan, rápido, um copo d'água! (Natan corre para o bebedouro) Bianca, abra a janela.
BIANCA - Posso mesmo? (indo até a janela)
ZÉ CARLOS - Rápido, vamos!
RUBENS - (para Maria) Respire profundamente.

Natan dá a Lola um copo de plástico com água. Lola dá de beber a María, que o faz montada, com
um estranho soluço.

BIANCA - Você tem que desabotoar o espartilho dela.


ZÉ CARLOS - Bem, faça você mesma, porque o que quer que eu seja, vou acabar com isso!
LOLA - Eu faço. Eu faço.
RUBENS - Você está melhor?
MARIA - Sim, obrigado.
ZÉ CARLOS - (tomando o pulso) Seu pulso é... 118! Mas descendo. Vamos, respire.
MARIA - Sim, é isso. Não é a primeira vez que me acontece. Segundo meu médico é espasmofilia.
Não é nada grave.
LOLA - Nada sério. Nada sério.
BIANCA - A espasmofilia pode degenerar em um ataque cardíaco.
ZÉ CARLOS - Bem, quando revirou os olhos, ela parecia a garota do exorcista. Não, sério, pensei
que estava chutando o balde.
MARIA - E você teria gostado, certo?
ZÉ CARLOS - Mas o que isso diz? '102'. Eu gosto de você, mesmo que você não goste de mim.
Também faz parte do grupo e o grupo é sagrado. '88'.
RUBENS - (para Maria) Você está se sentindo melhor, Maria?
MARIA - Sim, estou melhor, obrigado. Por favor continue. Porque, no que me diz respeito, a
experiência acabou.

Cada um senta em seu lugar. Zé Carlos fecha a janela.

NATAN - (para Lola) Bem, é a sua vez.


LOLA - (põe sua cadeira e ficando no meio da sala) O que tenho que fazer? O que tenho que fazer?
RUBENS - (para Lola) Nós vamos fazer algumas perguntas bobas. Mas você tem que responder
dando a resposta apenas uma vez.
LOLA - OK eu tento. OK eu tento.
ZÉ CARLOS - andando! Conjunto pronto…
LOLA - Apenas três minutos, hein? Apenas três minutos, hein?
ZÉ CARLOS - Já! Quantos anos tens?
LOLA - Vinte e três. Vinte e três.
RUBENS - Agora você fez um esforço para não repetir?
LOLA - Claro que sim! Claro que sim!.
BIANCA - E onde você mora?
LOLA - Na Zona Sul.
NATAN - É realmente impossível para você repetir tudo?
LOLA - Na Zona Sul. Sim, se eu não repetir fico mal mal mal
BIANCA - E isso por que?
LOLA - Sim, se eu não repetir fico mal mal mal. Não sei, é tipo... muito complicado na minha
cabeça.
RUBENS - Você nos disse há pouco que tinha medo de morrer?
ZÉ CARLOS - Você realmente acredita que irá morrer?
LOLA - Não sei, é tipo... muito complicado na minha cabeça. Sim bom... Eu ou alguém da minha
família. (começa a chorar) Sim bom. Eu ou alguém da minha família.
MARÍA (levantando os braços para o céu, prestes a tocar Bianca) Oh pobrezinha.
BIANCA - (evitando os braços de Maria, com um grito) Ahhh!

Bianca se levanta e se aproxima de Lola.

BIANCA - (consolando Lola) Sem problemas. Chorar é bom de baixar. (pegando Lola pela mão e
apertando com força). Estamos com você.

Maria pega a caixa de lenços de papel e bate nas costas de Zé Carlos, entregando-a a ele. Zé
Carlos oferece a Bianca, que o agarra e dá a Lola.

LOLA - Obrigado. Obrigado.

Lola assoa o nariz duas vezes. Bianca vê o ranho e se vira para o seu lugar, enojada.

BIANCA - (desgostosa) Que horror!


ZÉ CARLOS - Posso tentar uma coisa?
RUBENS - "MERDA!"
ZÉ CARLOS - Obrigado, mas não me apetece. Vejamos, Lola repete depois de mim: Picapica.
LOLA - Pica Pica. Pica Pica.
MARIA - Pode, pode.
RUBENS - Lima Lima
LOLA - Pode, pode.
ZÉ CARLOS - Gori-gori.
LOLA - Pode, pode. Lima Lima.
ZÉ CARLOS - Nada, não funciona.
LOLA - Lima Lima. Gori-gori. Gori-gori. Não, não funciona. Não, não funciona.
NATAN - Você está melhor, Lola?
LOLA - Não estou, é impossível viver com isso
BIANCA - (beijando-a) Vamos, anime-se! Até ganhou um beijinho… Isso é muito bom… Exceto
pelos Germes… Micróbios… Vírus… Aaaargh!
MARIA - (para Lola) Mais cedo ou mais tarde você vai superar isso, mulher. Acredite em mim, tenho
intuição para essas coisas.
TODOS Claro.
LOLA - (levanta-se, pega sua cadeira e se coloca onde estava antes) Obrigada, de verdade. Estou
realmente tocada por vocês serem tão adoráveis comigo, mas ainda assim o meu problema não tem
solução. Obrigado de verdade. Estou realmente tocada por vocês serem tão adoráveis comigo, mas
ainda assim o meu problema não tem solução.

Zé Carlos chora. Bianca pega a caixa de lenços de papel e bate nas costas de María com ela. María
entende que a caixa é para Zé Carlos, pega e entrega ao taxista com um toque. Zé Carlos pega um
lenço de papel.
MARIA - Não estou dizendo isso para desencorajá-la, Natan. Mas é preciso reconhecer que, até
agora, todos falhamos miseravelmente.
ZÉ CARLOS - Ei, fala pelos outros, resisti dez segundos!
MARIA - (irônica) Oooh, o recorde do Guinness!
NATAN - E em dez segundos, que distância a luz percorre?
ZÉ CARLOS - 2 milhões 997 925 quilômetros.
NATAN - Eu ainda te pego!
ZÉ CARLOS - Bem, não, porque não era a minha vez. Além disso, prefiro estragar um cálculo como
este do que com os três porquinhos, porque isso é humilhante para mim. Três! Se dão conta? Três!!!

Todos riem abertamente.

ZÉ CARLOS - É engraçado que o grupo está sempre preparado comigo. Bom bode expiatório você
pegou! Ainda bem que não sou suscetível.
LOLA - (suspira duas vezes e começa a falar rapidamente) Sabe o que seria ótimo acontecer
agora? Bem, para Natan conseguir o que o resto de nós não conseguiu. Ok, você vai dizer que eu
digo isso porque ele acabou de me dar um beijo. Pois não! Sinceramente, seria maravilhoso a nível
humano se cinco pessoas que não se conheciam há duas horas ajudassem outra a se aprimorar
para acabar de vez com o maldito TOC. Pessoalmente, se Natan conseguir aqui e agora na nossa
frente, eu não ficaria mais deprimido por não ter conseguido. Especialmente porque ela ficaria
orgulhosa de tê-la ajudado a vencer sua batalha pessoal. E isso não só lhe daria mais confiança,
mas também daria esperança a todo o grupo.

Todo mundo está atordoado. Um silêncio tenso se instala na sala.

LOLA - Sabe o que seria ótimo acontecer agora?


ZÉ CARLOS - Atenção! Segunda rodada!
LOLA - Bem, para Natan conseguir o que o resto de nós não conseguiu. Ok, você vai dizer…
BIANCA - Eu pessoalmente não me importo se ela repetir. Achei tão legal…
RUBENS - Sim, tem sido lindo. Do coração para a boca diretamente.
LOLA - …que eu digo isso porque ele acabou de me dar um beijo. Pois não! Honestamente, seria
maravilhoso em nível humano se cinco pessoas que não se conheciam duas horas atrás ajudassem
outra se superar para acabar com seu maldito TOC de uma vez por todas.
NATAN - Tem sido ótimo, sim, mas agora estou sob pressão.
LOLA - Pessoalmente, se Natan conseguir aqui e agora na nossa frente, eu não ficaria mais
deprimido por não ter conseguido. Especialmente porque ela ficaria orgulhosa de tê-la ajudado a
vencer sua batalha pessoal. E isso não só lhe daria mais confiança, mas também daria esperança a
todo o grupo.
MARIA - (para Lola) Continue meu amor, eu continuo ouvindo você. (Aos demais) É engraçado
você dizer que amou e depois nem prestar atenção quando repete.
ZÉ CARLOS - Bem, porque já sabemos o que ela vai dizer e isso tira todo o suspense.
RUBENS - (como garçom) "IGUAL CADELA!"
MARIA - Eu já estava sentindo falta dele.
NATAN - (para Lola) Obrigado Lola, por me encorajar. Tocou minha alma, de verdade. Mas se eu
não conseguir depois, não me odeie, por favor.
LOLA - Não te preocupes. Não te preocupes. (Lola o beija na bochecha.) Boa sorte. (Natan dá a
outra face). Boa sorte.

Lola lhe dá um segundo beijo. Natan faz seu conhecido gesto simétrico.
MARIA - Agora usaremos o beijo para cativar as pessoas
ZÉ CARLOS - (beijando-a com ternura) Ciúmes!

María enxuga o rosto com a mão e, sem querer, esfrega-o no braço de Bianca. Este se levanta da
cadeira e vai ao banheiro, histérico.

MARIA - Não!!! Vá de retro Satanás!


BIANCA - (gritando como uma louca) O SABÃÃÃÃÃÃO!!!
LOLA - Já vou. Já vou.

Lola se aproxima da maleta de Bianca para pegar a saboneteira, abaixando-se e levantando-se


muito rapidamente, olhando para Rubens. Em seguida, ela vai ao banheiro andando de costas para
ele, sem tirar os olhos dele.

MARIA - E ainda por cima tem que esperar. Não, se você vai ver como no final eu perco o trem,
com tanta bobagem.

Lola se senta em sua cadeira.

ZÉ CARLOS - Não se preocupe com o seu trem, eu cuido dele. Bianca retornará em exatos 23
segundos, apenas o suficiente para treinar Natan. (Cantarolando a música de 'Missão Impossível').
Agente Natan! Se você aceitar sua missão, terá que andar nas linhas que estão no chão. As
grossas, as finas, as retas, as tortas, todas! No entanto, se você ou algum de seus comparsas for
capturado, nossos serviços negarão ter qualquer conhecimento de seus truques. Esta mensagem se
autodestruirá em três, dois, um…

Bianca volta do banheiro.

ZÉ CARLOS - Pchiiiiit! (imitando a autodestruição da mensagem)

Todos riem.

BIANCA - Vejo muita piada toda vez que volto do banheiro, né Zé Carlos?
ZÉ CARLOS - Não, mulher, nós rimos, mas não de você.
RUBENS - (para Bianca) É Natan, que tem que andar nas linhas.
BIANCA - (rindo) Eu já imaginava que essa ia ser a terapia dele.
ZÉ CARLOS - Ei, isso não é mais um jogo! A partir de agora, as gargalhadas acabaram. (Um
silêncio) Melhor assim, garoto?
NATAN - (com gesto simétrico no cabelo) Não sei... a pressão está me matando.
LOLA - Tenho certeza que você vai conseguir. Tenho certeza que você vai conseguir.
ZÉ CARLOS - Crono correndo… vai! (Zé Carlos fica petrificado). Vamos filho, estamos com você.
Na-Tan! Na-Tan!
TODOS Na-Tan! Na-Tan! Na-Tan! Na-Tan!
RUBENS - Anime-se Natan, você consegue!
BIANCA - Faça para se sentir melhor!
ZÉ CARLOS - Por nós.
LOLA - Para o grupo. Para o grupo.
MARIA - Pela Santíssima Trindade!
BIANCA - Anime Natan, você vai ver como é bom.
NATAN - Não posso. É impossível para mim.
ZÉ CARLOS - Mas você já fez isso uma vez quando veio se sentar! Arrume uma dança se quiser,
mas tente alguma coisa, cara.
NATAN - Não posso. Estou completamente bloqueado.
ZÉ CARLOS - Apenas uma linha...
RUBENS - (tirando o dedo) Uma só!
LOLA - Vamos Natan, faça isso por mim.
NATAN - Eu adoraria, mas…
LOLA - Vamos Natan, faça isso por mim.
NATAN - Tá, mas uma pequenininha… Lola... se eu fizer, você me beija de novo?
LOLA - Vou te dar dois! Vou te dar dois!
NATAN - Ok, aqui vou eu (apavorado). Todos olham para os pés de Natan.
ZÉ CARLOS - A qualquer hora, cara, estamos prontos.
NATAN - Me dê encorajamento, por favor!
TODOS Olha! Olha! Olha! Olha!
NATAN - (hesitando) Não, não posso. Estou bloqueado de tudo.
ZÉ CARLOS - E se eu te empurrar?
NATAN - Não-não-não-não, por favor, isso não, sério.
RUBENS - Não acho que seja uma boa ideia.
ZÉ CARLOS - Mas porque? Se você não é capaz de tomar a decisão por si mesmo, pode ajudar,
certo?
NATAN - Não, não não e NÃO!
BIANCA - Você tem que sair disso.
MARIA - Claro.
LOLA - Vamos, animá-lo novamente! Vamos, animá-lo novamente!
TODOS Olha! Olha! Olha! Olha!
NATAN - (ele cambaleia, hesita e finalmente desiste) Pare, pare, acabou. Game Over!
ZÉ CARLOS - Em todo caso, o tempo acabou.
NATAN - Vocês veem, eu tinha certeza. Agora eu decepcionei todo mundo. Sinto muito.
LOLA - Sem problemas. Sem problemas.
RUBENS - Deve-se dizer a seu favor que passar por último não é fácil.
NATAN - Pffff! Ele teria me bloqueado também se tivesse passado o primeiro.
ZÉ CARLOS - Isso não se sabe, a menos que todos comecemos de novo, mas o contrário.
MARIA - Não, pelo amor de Deus, meu trem!
ZÉ CARLOS - Outra vez? Lá vem você com essa de perder o trem.
RUBENS - Zé Carlos! Por favor, um pouco de compaixão... "BOQUETE!".
MARIA - Senhor! (animando-se)
BIANCA - Será que ele quer que eu provoque outro ataque de catalepsia em Maria?
ZÉ CARLOS - Vamos lá, esse é seu número mais antigo

Zé Carlos imita o ataque de catalepsia de María.

TODOS (chocados) Como é?


LOLA - Número da velha? Número da velha?
NATAN - Você está indo longe demais.
MARIA - Que vergonha, dizendo isso para mim!
RUBENS - Acho que Zé Carlos não quis dizer isso.
ZÉ CARLOS - Claro que sim, e aí?
MARIA - E aí que você irá queimar no inferno, você e sua maldade!
ZÉ CARLOS - Maldade do Papa proibir preservativos!
MARIA - (furiosa) Ahhh!
BIANCA - E ainda está em cima? Olha, se eu não tivesse medo de me sujar, te daria uma boa
surra!
ZÉ CARLOS - Se fizer isso comigo, vou vomitar em cima de você!
TODOS oh!
ZÉ CARLOS - (colocando os dedos na boca, para Bianca) Ugh!
LOLA - Mas que porco. Mas que porco.
ZÉ CARLOS - O porco te manda para o inferno!
TODOS oh!
NATAN - Pare. Você está indo longe demais!
ZÉ CARLOS - Não posso, sou taxista! Até a raiva eu mecanizei!
MARÍA (agitando a cruz no pescoço para Zé Carlos) Satanás saia desse corpo que não te pertence!
ZÉ CARLOS - E deixe-me dizer, Satanás vive em mim!
MARIA - (se sufocando com o crucifixo) Aaaah!
LOLA - Isto é um infortúnio. Isto é um infortúnio.
ZÉ CARLOS - Vá em frente, pequeno papagaio. Co-co-ro-co-co oo!

Natan move sua cadeira, colocando-a entre ele e Zé Carlos, pronto para subir para se aproximar do
taxista.

NATAN - Não sei como não esmago sua cara agora.


ZÉ CARLOS - (retirando a cadeira de Natan) Que não? Bem, para as linhas!
RUBENS - Zé Carlos, dissemos sem provocação. O grupo ficará desapontado.
ZÉ CARLOS - O grupo? O grupo me dá completamente o mesmo!
TODOS oh!
ZÉ CARLOS - Porque eu digo as palavras quando quero, digo-as apenas uma vez, sem repetir, e
não tenho medo das falas, dos micróbios, nem do seu Deus bendito!
BIANCA - Você está vendo? Ele foi desmascarado! (Para Zé Carlos) A tarde inteira fingindo ser
bonzinho e no fundo você é um rato!
ZÉ CARLOS - Rato e os gordos. Com todas as infecções que existiram e existirão, e com vírus!
BIANCA - (desgostosa) Que horror!
ZÉ CARLOS - (seguindo Bianca) O vírus da caxumba!
BIANCA - Ahhhh!
ZÉ CARLOS - A da rubéola.
BIANCA - Ahhhh!
ZÉ CARLOS - escarlatina
BIANCA - Chega!!
ZÉ CARLOS - Lepra, malária e cólera.

Lola fica entre Zé Carlos e Bianca.

BIANCA - Pare!
ZÉ CARLOS - E cheio de herpes!
BIANCA - Por favor pare…
ZÉ CARLOS - Herpes oral e herpes genital, ambos!
LOLA - (indo em direção a Zé Carlos e batendo nas costas dele) Ouça, ouça com atenção, porque
não vou repetir isso para você. Ouça, ouça com atenção, porque não vou repetir isso para você.
ZÉ CARLOS - Minha filha, que credibilidade!
LOLA - Você acha que, por ser mais velho que Natan, Bianca ou eu, pode fazer o que quiser? Pois
não! Da próxima vez que ele se atrever a mexer com alguém do grupo, vou colocar um tijolo na
bolsa da Maria e estourar a cabeça dele, ok, Rain Man?

Zé Carlos encara Lola por um momento, um tanto temeroso.

ZÉ CARLOS - Nããão…

Zé Carlos pega Lilí pelo braço, arrasta-a até a porta do corredor que dá acesso ao consultório do
médico, abre-a e o empurra para dentro, fechando a porta atrás dela.

RUBENS - Mas Zé Carlos!


ZÉ CARLOS - Desculpe, mas não estou afim de ouvi-la duas vezes.

Lola é ouvida em off, repetindo o parlamento no corredor.

NATAN - (passando de cadeira em cadeira para ficar ao lado de Zé Carlos) Deixe-a sair
imediatamente!
ZÉ CARLOS - Dois segundos, acabou.
BIANCA - (ameaçador) Se eu fosse um homem…
NATAN - Deixe-a sair!
RUBENS - E acima de tudo, peça desculpas.
LOLA - (gritando em off) deixe-me sair!

Zé Carlos abre a porta. Lola sai.

LOLA - (gritando) deixe-me sair!


ZÉ CARLOS - Sinto muito.
LOLA - De novo e de verdade! De novo e de verdade!
ZÉ CARLOS - Desculpe, tive uma convulsão, não sei o que aconteceu comigo. É que essa terapia
me deu nos nervos.
BIANCA - Isso não justifica descontar em nós.
ZÉ CARLOS - (para Natan e Lola) Desculpe pessoal, desta vez eu fui um idiota.
MARIA - O taxista tinha que ser.
ZÉ CARLOS - Olha quem fala, e você onde tem respeito?
RUBENS - "NA RODELA DO TOBA!"

A Secretária aparece na sala, abrindo a porta do corredor.

SECRETÁRIA - Há algum problema?


TODOS Não não não.
SECRETÁRIA - Mas se eu ouvi batidas...
TODOS (cada um aponta para um lugar diferente, dissimulando) Não, estava lá, uma coisa que…

O Assistente sai da sala, fechando a porta do corredor.

ZÉ CARLOS - (recolocando as cadeiras, para Natan) Filho... Eu gostaria de ver você ter sucesso.
LOLA - Eu também, sim.
BIANCA - Não será por não o ter encorajado.
LOLA - Eu também, sim.
MARIA - E tanto que já gritamos seu nome.
RUBENS - Com licença Natan, quantas vezes mencionamos seu nome ao torcer por você?
NATAN - Não tenho nem ideia.
RUBENS - Zé Carlos?
ZÉ CARLOS - Sim?
RUBENS - Quantas vezes mencionamos o nome de Natan?
ZÉ CARLOS - Hum… cada um?
RUBENS - Não, totalmente.
ZÉ CARLOS - Bem, especificamente?
RUBENS - Grosso modo, você sabe.
ZÉ CARLOS - Bem, grosso modo… bem… bem, não sei!
RUBENS - E você, quantas vezes você disse o nome de Natan?
ZÉ CARLOS - Também não faço ideia.
RUBENS - E quantas vezes Maria se benzeu?
ZÉ CARLOS - Ah… Bem… Acho que…? Bem, eu também não sei.
RUBENS - Mas como é possível?
ZÉ CARLOS - É possível porque... (diminuindo o tom) Eu não medi isso.
TODOS Como???
LOLA - Como?
RUBENS - Com licença?
ZÉ CARLOS - Bem... não contei!
NATAN - Isso é genial.
ZÉ CARLOS - O quê, pedir perdão?
MARIA - Nenhum homem, que ele não tenha contado. É incrível, vindo de você.
BIANCA - Como é possível que você não tenha contado, você que conta tudo e mais?
ZÉ CARLOS - Não sei, eu estava concentrado no garoto e a única coisa que eu tinha em mente era
que ele andasse nas linhas, o resto não era...
RUBENS - E se essa fosse a solução?
ZÉ CARLOS - O que?
RUBENS - Não sei. Não pense muito sobre um. Esqueça-se.
NATAN - Porque diz isso?
RUBENS - Você não notou nenhum comportamento estranho esta tarde?
TODOS Não…
RUBENS - Ninguém?
TODOS Não.
LOLA - Mas que comportamento estranho?
BIANCA - Sim, isso.
LOLA - Mas que comportamento estranho?
RUBENS - Há um tempo atrás, quando Natan correu para pegar um copo d'água para Maria que
estava sufocando...
ZÉ CARLOS - Que?
RUBENS - Bem… que ele passou dos limites.
MARIA - Deus!
NATAN - (pensativo) Vamos, é verdade.
ZÉ CARLOS - (olhando para o chão) E eu não piso apenas em uma linha. Grosso modo, diria entre
16 e 17 linhas.
LOLA - Tá, mas você percebeu ou não?
NATAN - Não, nada.
LOLA - Tá, mas você percebeu ou não?
NATAN - Como Maria estava sufocando, foquei no que era mais urgente.
LOLA - Isso significa que você conseguiu, Natan! Isso significa que você conseguiu, Natan!
RUBENS - Pois sim. Não na hora que todos queríamos, mas você superou os limites, isso é fato.
ZÉ CARLOS - Conta então se foi na vez de outra pessoa?
LOLA - Sim, claro, por que não contaria? Sim, claro, por que não contaria?
BIANCA - O principal é o resultado.
LOLA - Exato. Exato.
ZÉ CARLOS - Eu também, porque não contei as vezes que torcemos por Natan, quando facilmente
foram 125.
MARIA - Bem, dois em seis, nada mal, certo? No final, não é tão ruim quanto parecia.
ZÉ CARLOS - Parece que sim!
MARIA - Eu não tinha fé, certo. Mas antes das provas, admito que dois em seis é muito, muito bom.
LOLA - E três ainda melhor. E três ainda melhor.
NATAN - Três por quê? Existe um terceiro?
LOLA - Terceiro não. Terceira! Terceiro não. Terceira!
TODOS Quem?
LOLA - Você, Bianca. Você, Bianca.
BIANCA - EU? Mas o que eu fiz para merecer isso?
LOLA - Há pouco, quando eu comecei a chorar, ela veio me animar, segurando assim as minhas
mãos, e aí não lavou.
BIANCA - A sério? (faz cara de nojo)
LOLA - Há pouco, quando eu comecei a chorar, ele veio me animar, segurando assim as minhas
mãos, e aí não lavou.
ZÉ CARLOS - Você vê, o que eu estava dizendo.
MARIA - E por que você não lavou as mãos?
ZÉ CARLOS - (parodiando Rubens) Porque ela estava concentrada na Lola.
RUBENS - Exato!
NATAN - Mas então, o que está acontecendo aqui é muito grande! Pensávamos que ninguém tinha
conseguido e finalmente é o contrário.
MARIA - Claro, cara, assim que a gente parar de olhar pro umbigo.
BIANCA - É verdade que sempre lavo as mãos quando alguém me toca ou quando toco em
alguém. Mas naquele momento não me passou pela cabeça, não sei por quê.
RUBENS - Eu sei. É porque ao pegar a mão de Lola você deu a ela sua amizade. E a amizade
nunca é suja.
ZÉ CARLOS - Nossa! Temos aqui um Carlos Drummond de Andrade
NATAN - Talvez haja outra pessoa e não tenhamos notado.
LOLA - Certamente. Certamente.
BIANCA - Essa sessão de reajuste é maravilhosa! Bem, de quem é a vez? Continue, já volto.

Bianca pega a saboneteira e vai ao banheiro.

MARIA - Meu Deus que saudades do meu trem!


ZÉ CARLOS - Espere, mulher, estamos no meio disso. Se você perder, vai pegar o próximo.
MARIA - É válida minha preocupação, se perco este fico a noite toda na estação, dormindo
sozinha… a luz do luar…
ZÉ CARLOS - Vamos ver, qual o trem que você costuma pegar?
MARIA - Pego a linha Rubi até a estação da Luz, depois faço transferência para linha Azul e desço
na Estação Ipiranga
ZÉ CARLOS - Ipiranga, sério? (para Natan) Vejam só, é pra lá que eu vou!
RUBENS - "VAI PRA CASA DO CARALHO!"

Maria se benze.

BIANCA - (gritando do banheiro, fora) Não… Quer dizer sim mas… Não pode ser!
TODOS O que?

Bianca volta do banheiro.

BIANCA - Acabei de me lembrar de outra pessoa que esqueceu seu TOC por um segundo.
TODOS Sim? Quem?
LOLA - Sim? Quem?
BIANCA - Maria.
MARIA - Eu, sério? Ai meu Deus, que maravilha! E quando foi isso?
BIANCA - Um momento atrás nada, sem perceber, é claro. Quando Lola ameaçou Zé Carlos de
colocar um tijolo em sua bolsa e quebrar seu crânio.
ZÉ CARLOS - Verdade, eu me lembro.
RUBENS - É possível, mas e daí?
BIANCA - Bem, Maria não revistou sua bolsa.

Maria vasculha sua bolsa.

LOLA - Mas por que ela teria que fazer isso? Mas por que ele teria que fazer isso?
BIANCA - Bem, porque quando a palavra bolsa é dita, Maria pula na dela para procurá-la. É como
um reflexo. Aí você tem a prova tangível.

Bianca aponta para Maria, que está mexendo em sua bolsa.

MARIA - (chateada) Não, não, agora é porque eu queria saber se eu não tinha perdido os meus...
(percebe que está se justificando e fecha a bolsa)... nada, nada, estou com eles.
BIANCA - Você se lembra por que não registrou naquele exato momento, Maria?
MARIA - Para falar a verdade, fiquei tão indignado com o taxista que nem pensei nisso.
NATAN - Se então admitirmos que Maria superou seu TOC, só nos restam dois. (Para Rubens)
Você Rubens e Lola.
RUBENS - Sim, mas já disse que não conto.
NATAN - Nesse caso vamos tentar lembrar se a Lola esqueceu de repetir alguma coisa.
LOLA - Mas só vai valer, se eu tiver esquecido de repetir tudo - tudo desde o começo. Mas só vai
valer, se eu tiver esquecido de repetir tudo - tudo desde o começo.
NATAN - Lola, tem certeza que desde que chegou repetiu absolutamente tudo? Mas tudo- tudo-
tudo?
LOLA - Tudo tudo tudo. Tudo tudo tudo.
RUBENS - Tudo menos duas letras.
TODOS - Que letras?
RUBENS - Uma única sílaba.
TODOS - Que sílaba?
RUBENS - Pi.
LOLA - Pi? Mas quando foi isso? Pi? Mas quando foi isso?
BIANCA - Ah sim! Na vez de Zé Carlos. Quando você perguntou o número de PI, você apenas
disse: “Pi”
LOLA - Mas duas letras, isso conta? Mas duas letras, isso conta?
NATAN - Bem, claro que conta.
BIANCA - Oh, que casal fofo vocês formam juntos. Bem, a menos que você tenha herpes!
ZÉ CARLOS - Bem, eu já sei porque ela não repetiu o 'Pi'.
MARIA - (irônica) O regresso do génio Zé Carlos em todo o seu esplendor! Sempre mais inteligente
do que ninguém.
ZÉ CARLOS - Pense nisso. Se Lola tivesse repetido PI, ela teria dito PIPI e ela é educada demais
para deixar escapar isso.
BIANCA - Na minha opinião, a mesma coisa acontece conosco. Lola se envolveu no fogo da ação,
focou em Zé Carlos e por um segundo esqueceu seu TOC.
LOLA - (para Natan) Um segundo não é muito a dizer. Um segundo não é muito a dizer.
NATAN - Ok, mas quantas vezes isso aconteceu com você nos últimos dez anos?
LOLA - Aproximadamente? (Zé Carlos ri) Nunca. Aproximadamente? (Zé Carlos ri) Nunca.
NATAN - Então esse segundo é muito valioso, porque é como um vislumbre de esperança. Você
entende? Se você entender, responda-me 'sim', mas apenas uma vez, por favor.
LOLA - Sim.

Lola fica tensa, mas no final consegue se conter e diz apenas uma vez. Todos aplaudem. Maria se
aproxima e a beija. Zé Carlos também. Rubens pega as mãos dela parabenizando-a. Natan pega
Lola nos braços.

TODOS Bravo! Bravo Lola!

Zé Carlos empurra Natan sem querer.

ZÉ CARLOS - (para Natan) Desculpe.


BIANCA - (para Lola) Eu não te beijo com meu corpo, mas com minha alma.
LOLA - Obrigado. Obrigado.
NATAN - No final, a mudança não foi ruim para nós, assim entre nós.
LOLA - E eu não acho que o Dr. Pereira teria feito melhor, honestamente.
TODOS Exato.
LOLA - E eu não acho que o Dr. Pereira teria feito melhor, honestamente.
TODOS Exato.
RUBENS - Dá-me a sensação de que vamos todos para casa com muito bom gosto na boca e
muita esperança no futuro.
BIANCA - Todos, mas você não
RUBENS - (com um gesto obsceno) "MEU PAU NA SUA MÃO!"
MARIA - Senhor! (gostando)
BIANCA - Tenho certeza de que em algum momento ele conseguiu se controlar.

Bianca abre a janela.

ZÉ CARLOS - Bem, olhe, talvez ele esteja certo.


RUBENS - Ah sim, quando?
ZÉ CARLOS - Não sei, deixe-me pensar por dois segundos.
MARÍA (imitando o som e o movimento de um trem) Dois segundos, né? Lembre-se do meu Trem.
Há um silêncio. Todos eles começam a pensar. Zé Carlos vai até Rubens para lhe contar algo,
apontando o dedo para ele.

RUBENS - (espero) Sim?

Zé Carlos se inclina para trás, balançando a cabeça.

RUBENS - É… Eu sabia.

A Secretária aparece na sala de espera.

SECRETÁRIA - Já conversei com o médico. Ele acabou de sair do avião e está a caminho.
RUBENS - "BANDIDO!"
ZÉ CARLOS - Isso! Bandido!
LOLA - Ido-ido-ido-ido-ido-ido-ido
SECRETÁRIA - Peço que desculpem todos esses contratempos além de nosso controle e espero
que você possa ficar para a consulta.
ZÉ CARLOS - Mas onde está?
SECRETÁRIA - No aeroporto, aguardando o Taxi
ZÉ CARLOS - A esta hora com o trânsito? Mínimo 60 minutos!
MARIA - Impossível, não posso ficar nem mais um segundo, preciso pegar o trem.
ZÉ CARLOS - Mas e se você já perdeu?
MARIA - Nada disso!
ZÉ CARLOS - Mas é claro que sim. E já se passaram 10 minutos.
MARIA - Você não diz nada?
ZÉ CARLOS - Você foi avisada: você perdeu!
MARIA - Claro que você é…
ZÉ CARLOS - Um gênio, você ouviu. Vamos ver, para onde vai?
MARIA - Já lhe disse antes… Estação Ipiranga!
ZÉ CARLOS - Olha.. Daqui pra lá ai lhe sair muito caro… Por volta de R$ 150,00
MARIA - Não vou pagar táxi.
ZÉ CARLOS - Não se preocupe, não vou ligar o taxímetro
MARIA - A sério? Muito gentil então.
NATAN - (para os outros) No final, eles acabam juntos.

Zé Carlos recolhe suas coisas para partir.

SECRETÁRIA - Então você não vai esperar pelo médico?


ZÉ CARLOS - Pois não. Já esperamos o suficiente hoje. Mas você pode dar a ele uma mensagem
minha?
SECRETÁRIA - Claro.
ZÉ CARLOS - Agradeça a ele por não ter vindo. Porque não sei o que teríamos feito com ele, mas
estou surpreso que teria sido melhor… do que fizemos sem ele!
TODOS Bravo!

Todos aplaudem Zé Carlos.

MARIA - Diga a ele também que, agora estou encantada com a vida.
SECRETÁRIA - Tudo bem, eu vou dizer a ele.
RUBENS - De minha parte, você pode dizer que eu acho ele um "ARROMBADO!". Digo..
Atrasado... Enfim, deixa pra lá, eu conto pessoalmente.
ZÉ CARLOS - Você vai ficar?

Bianca vai ao banheiro.

RUBENS - Não esqueça que estou aposentado. Tenho todo o tempo do mundo e não quero abrir
mão da consulta, nem que seja para ver o que o 'famoso especialista' vai me dizer. Mas tenho
certeza de que será menos eficaz do que com vocês.
MARÍA (a Secretária) A propósito, devemos alguma coisa a você?
SECRETÁRIA - Não, claro que não.
LOLA - Melhor do que melhor! Melhor do que melhor!

A Secretária sai da sala de espera.

ZÉ CARLOS - (para Lola e Natan) Devo aproximar vocês? Aproveita, que hoje tô caridoso
LOLA - (colocando várias revistas no chão na frente de Natan, para que ele saia da sala) Não,
Natan me leva de moto. Não, Natan me leva de moto.
ZÉ CARLOS - (dando um beijo na Lola).Neste caso, até logo.(Bianca sai do banheiro) Devo me
aproximar de você, Bianca?
BIANCA - (saindo do banheiro) Não obrigada, vou no meu carro.
ZÉ CARLOS - Seu carro, uma ambulância, certo? Bem Rubens, até logo.
RUBENS - "FILHO DA PUTA!"
ZÉ CARLOS - (dando-lhe um cartão) Obrigado Rubens, muito gentil da sua parte. Eu também
nunca poderei esquecê-lo. Aqui, eu te dou meu cartão. Se você precisar de um táxi, não me chame
porque estará ocupado. Mas, em vez disso, se você precisar de um amigo, o número é o mesmo.
RUBENS - Obrigado Zé Carlos.

Rubens e Zé Carlos primeiro se cumprimentam, para depois se abraçarem.

ZÉ CARLOS - (dando um cartão a Lola) Vamos, mais um para você.


LOLA - Obrigado. Obrigado.

Zé Carlos oferece um cartão a Bianca.

BIANCA - No bolso!
LOLA - (para Rubens, dando-lhe um beijo) Prazer em conhecê-lo, realmente. Prazer em conhecê-
lo, realmente.
RUBENS - Eu também, linda, eu também.
ZÉ CARLOS - (para Lola, enquanto distribuía seus cartões) Tome, para você há dois.

Lola deu de ombros, sorrindo.

NATAN - (dando-lhe um abraço) Apesar de não nos conhecermos esta manhã, a partir desta tarde
você será... alguém importante em minha vida.
RUBENS - (Rubens dá um tapinha na bochecha de Natan) Eu te digo o mesmo, Natan.

Natan dá a outra face. Rubens dá outro tapinha nele e Natan faz seu agora famoso gesto simétrico.
BIANCA - Rubens!
RUBENS - (aproximando-se para beijar Bianca) Bianca!
BIANCA - Não, sem beijos, obrigado. Só queria te dizer que embora não tenhamos percebido,
tenho certeza que em algum momento você venceu seu TOC.
RUBENS - Obrigado Bianca. Você me toca profundamente.
BIANCA - Bem, olha que bom. Pela primeira vez... consigo tocar alguém.

Bianca, Natan e Lola vão embora. Maria coloca um lenço na cabeça, estampado com o rosto do
Papa.

NATAN - Bye Bye.


BIANCA - Bye Bye.
LOLA - (saindo pela porta) Tchau tchau tchau. Tchau tchau tchau. Tchau tchau tchau.

Lola sai por último. Zé Carlos fecha a porta na cara dele.

MARIA - (para Rubens) Deixe-me dar-lhe um pequeno presente.


RUBENS - Com muito prazer.
MARIA - É uma foto do Papa Francisco.
ZÉ CARLOS - Sim, tem até merchandising!
MARIA - Cale a boca, você nem sabe quem você é.
RUBENS - Obrigado María, sempre o levarei comigo… só por precaução…
MARÍA - Vai sem garantia de milagre, mas com certeza te ajuda.
ZÉ CARLOS - Vamos Maria, vamos! (Pausa) Você bem sabe que o trânsito na marginal é
tenebroso este horário

Zé Carlos dá um tapa na bunda de Maria.

MARIA - Tome vergonha que não lhe dei intimidade

Zé Carlos e Maria vão embora. Rubens fica sozinho.

BLACKOUT

Na sala de espera, Rubens arruma seus documentos, como no início da peça.

RUBENS - "PUTA VAGABUNDA!"

A Secretária aparece na sala de espera.

SECRETÁRIA - Você me ligou, doutor?


RUBENS - Não, mas já que você está aqui, terminei as anotações. Peça-lhes que os coloquem no
computador e depois os envie com os originais para meu escritório no Rio.
A SECRETÁRIA - (enquanto coloca as cadeiras de volta no lugar) Muito bem, doutor. Tem sido um
bom grupo, não é? Bem, o pouco que pude ver.
RUBENS - Um excelente grupo. O melhor deste ano. Acho que tem sido melhor do que o de
Buenos Aires e diria até melhor do que o do México.
SECRETÁRIA - Você já sabe que, mesmo sendo multilíngue, você se sai muito melhor quando
trabalha na sua língua materna. Embora, bem, aquela sessão em Paris não tenha sido ruim.
RUBENS - (ansioso) Ah... Paris!
SECRETÁRIA - Por certo. Na próxima terça-feira temos a sessão de Caieiras! (colocar o nome da
cidade em que está apresentando)
RUBENS - Claro!

A Secretária vai embora. Rubens encara a plateia.

RUBENS - "FODA-SE!"
ESCURO - FECHAM-SE AS CORTINAS
FIM

Você também pode gostar