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Toc Toc - Laurent Baffiev
Toc Toc - Laurent Baffiev
PERSONAGENS:
RUBENS - SÍNDROME DE TOURETTE
ZÉ CARLOS - ARITMOMANIA - MARANHÃO
BIANCA - NOSOFOBIA / SOMÁTICA - DEBBY
MARIA - TOC DE VERIFICAÇÃO - LUIZA
LOLA - PALILALIA E ECOLALIA - ANDRESSA
NATAN - SIMETRIA - MATHEUS
ATENDENTE - JAY
DR. PEREIRA
ATO 1
Antes do espetáculo iniciar, os atores estarão em contato direto com a plateia ao lado de fora
demonstrando os seus TOC 's. Após uma breve intervenção, os atores começam a entrar e andar
pelo palco ao som da música (A DEFINIR). Ao final da música todos saem de cena, restando
apenas Rubens.
O cenário é uma sala de espera. Nela, seis cadeiras e uma grande mesinha de centro com
revistas e um ou outro livro. Ao fundo, uma grande estante repleta de livros e objetos de decoração.
Muito perto, uma lareira. Rubens, passa a arrumar vários documentos em uma pasta de couro a
seus pés. Depois de guardá-los, Rubens tira um livreto de palavras cruzadas de sua pasta. De
repente, com um espasmo espetacular, Rubens olha para a plateia e faz um gesto obsceno,
apontando o dedo proibido e num grito explana:
RUBENS - "Foda-se!"
Rubens relaxa o rosto e se concentra em suas palavras cruzadas. Nesse momento entra ZÉ
CARLOS, um cinquentenário de fato de treino e ténis, vítima de uma respiração agitada.
Bianca entra cautelosa na sala de espera, cumprimentando Rubens e Zé Carlos. Ambos respondem
com um aceno de cabeça.
RUBENS - Boa tarde. (dirigindo-se discretamente a Zé Carlos) Acho que seria conveniente mudar
de assunto...
ZÉ CARLOS - De qualquer forma, sou motorista de táxi. Eu posso te dar um papo sobre o que for
preciso. Política, clima, futebol... tanto faz.
Bianca, munida de alguns lenços, está ocupada limpando o encosto de uma das cadeiras. Zé Carlos
o encara.
ZÉ CARLOS - Há algum problema?
BIANCA - Não, nada. É para micróbios.
Abrindo a pasta, Bianca tira um pano e enxuga o assento da cadeira antes de se sentar.
BIANCA - (para Rubens) Com licença, você sabe onde fica o banheiro?
RUBENS - Não faço ideia, desculpe.
ZÉ CARLOS - (apontando para o banheiro) Acho que é, no corredor, a primeira porta à direita.
BIANCA - (tirando um saboneteira da pasta) Obrigada.
RUBENS - "PUTA MERDA!" (Para Zé Carlos) Não, não, desta vez sem desculpas.
ZÉ CARLOS - É assim que eu gosto, Rubens. (Pausa) O que você achou da maníaca? Minha
esposa é igualzinha! Todo lugar que vamos ela faz limpeza! E quando saímos para comer, ela só
não entra na cozinha para lavar a louça por milagre.
RUBENS - Você sabia que esse hábito de limpar tudo também é um TOC?
ZÉ CARLOS - A sério?
RUBENS - Claro. Chama-se… mmm… espera. (Rubens tira alguns documentos de sua pasta.) Há
tanto tempo que vou como médico que tenho uma enorme quantidade de documentação sobre o
TOC. A última coisa que peguei da Internet outro dia. Vejamos… Ah, aqui está. Isso é o que eles
chamam de rituais de limpeza. Mas espere, porque tenho certeza que encontrarei o termo
específico. A ver…
Maria atravessa a sala de espera e senta-se, sem dizer nada, numa das cadeiras.
ZÉ CARLOS - Outra vez? Mas eu não estou dizendo que ele faz isso de propósito, em que língua
eu tenho que te dizer, em aramaico?
MARIA - Ei, eu também não, hein!
ZÉ CARLOS - Como?
MARIA - Que também não faço de propósito.
ZÉ CARLOS - (chocado) A sério? Vamos… isso é um circo!
Maria assente. Bianca pega o livrinho com um gesto de repulsa e o entrega a María, segurando-o
com a ponta dos dedos.
MARIA - Obrigado.
Maria começa a ler o evangelho. Bianca olha para as mãos, pega a saboneteira e se levanta.
Natan entra na sala de espera subindo no pedestal da lareira. Então ele sobe em uma das estantes,
pega um livro e o joga no chão. Após um breve momento, Natan salta sobre o livro e salta para cima
da cadeira que Zé Carlos colocou para ele, como um canguru.
Maria começa a revistar sua bolsa, verificando se ela está com as chaves de casa. Nesse momento,
A SECRETÁRIA DO MÉDICO aparece na sala de espera, saindo por uma porta que dá para um
corredor. Ela está vestida com um jaleco branco.
MARIA - Santa Virgem, as contas de água e luz vão me comer viva este mês
ZÉ CARLOS - Quer que eu calcule o custo?
TODOS Não!
ZÉ CARLOS - A grosso modo!
TODOS Não!
ZÉ CARLOS - Ok, ok, entendi!
NATAN - (a Zé Carlos, apontando para a sua cadeira) Você se importaria de me mover?
ZÉ CARLOS - Não, cara, eu não me importo.
NATAN - Em qual Aeroporto chegam os voos do Rio?
ZÉ CARLOS - Viracopos mesmo… Ou será Congonhas?
NATAN - E quanto tempo você acha que vai demorar?
ZÉ CARLOS - Uma horas se vier de jato particular, Três horas se vier direto… E ainda tem o tempo
do Táxi… (fazendo contas no ar) outras meia hora, se o taxista for o Zé Carlos claro.
NATAN - Se for uma hora, não é tanto tempo.
MARIA - Isso se ele já estiver no Avião
BIANCA - Com licença, você se importa se eu arejar um pouco a sala? Porque já não acho
saudável seis pessoas respirarem no mesmo cômodo, menos ainda em plena ressaca da COVID, e
Gripe, e Bronquite, Laringite… AAAHHHH !
MARIA - Fique tranquila querida, estou vacinada!
BIANCA - (abrindo a janela) Apenas dois minutos. Depois fecho de novo.
RUBENS - "ABRE AS PERNAS!"
MARIA - Jesus, Maria e José!
ZÉ CARLOS - Já durou um bom tempo.
Com os pés nas duas revistas, Natan vai até a biblioteca e arruma vários objetos de decoração.
Maria se benze.
ZÉ CARLOS - Calma Rubens, vamos ver, o que há de errado com ele agora?
RUBENS - Nada. Prefiro ficar sozinho com o terapeuta. Porque como as pessoas riram de mim
durante toda a minha vida, com a idade eu aguento cada vez menos.
BIANCA - Eu pessoalmente não vim aqui para rir de ninguém.
MARIA - E nem eu, garanto.
ZÉ CARLOS - Rubens vê isso? Calma, tranquilidade, tranquilidade.
LOLA - Ade-ade-ade-ade-ade-ade!
NATAN - Eu fiz terapia de grupo há dois anos e ninguém tirou sarro de ninguém lá.
ZÉ CARLOS - Natural!
NATAN - Olha, sabe o que teríamos que fazer?
ZÉ CARLOS - Diga
NATAN - Uma rodada de apresentações.
MARIA - Bom Deus e por que isso?
NATAN - Porque acho que vamos ter que fazer na frente do médico. Então, se fizermos agora,
além de economizar tempo, nos conheceremos um pouco melhor e não ficaremos tão tensos na
frente dele.
ZÉ CARLOS - Bem, não é bobagem. Você concorda, Rubens?
RUBENS - Eu acho “UM PÉ NO SACO” Digo… Se é só se apresentar…
NATAN - Não só isso. Você também deve dizer o motivo de sua presença aqui e sua cor favorita.
BIANCA - Minha cor favorita? E para que serve isso?
NATAN - Dizem que tem a ver com o estado de espírito geral. Por exemplo, se você está
deprimido, sua cor certamente será preta. E se ele estiver otimista, será rosa.
ZÉ CARLOS - Tem que tomar cuidado com o rosa, né, pode dar confusão. Bora lá, vamos ver,
quem começa?
NATAN - Eu mesmo. Bem, bem… meu nome é Natan. (Gritando) N.A - T - A.N!
MARIA - Com licença, pode fechar aí? Já não está tão quente assim.
ZÉ CARLOS - (fechando a janela) A partir de agora... sem interrupções!
RUBENS - "CACETA!"
ZÉ CARLOS - Exceto Rubens, é claro, que não faz de propósito.
NATAN - Bem, repito… Natan, 29 anos, sou designer de videogames e sofro de vários TOC desde
a adolescência. Os mais importantes são a minha total incapacidade de caminhar sobre as linhas e
o meu fascínio pela simetria e pela ordem.
BIANCA - E qual é a cor dele?
NATAN - Verde.
BIANCA - Porque?
NATAN - Porque é a cor que está bem no meio do arco-íris. De um lado estão o vermelho, o laranja
e o amarelo, e do outro o azul, o índigo e o violeta. Três e três. E o verde no centro.
ZÉ CARLOS - Eu sabia. Eu teria apostado um olho!
NATAN - Vamos, de quem é a vez? Ninguém é encorajado.
ZÉ CARLOS - E se fizermos por ordem de chegada?
RUBENS - Então é a minha vez.
ZÉ CARLOS - Se você quiser, eu me apresentarei antes de você.
RUBENS - Antes ou depois... não importa. Vai. (Pausa) Meu nome é Rubens, mas meus amigos
me chamam de “CU SECO”, melhor dizendo… Meus amigos me chamam de Ruby por causa da
música do Kaiser Chiefs
ZÉ CARLOS - Ruby Ruby Ruby Rube…
RUBENS - Tenho 73 anos e sofro de 'Síndrome de Tourette' desde criança. Como este TOC é
também o único que não tem cura definitiva, só me resta esperar que o médico seja "PILANTRA!"...
certo ponto. Isso é tudo.
BIANCA - E a cor dele?
RUBENS - Minha cor… (suspira) Esperança.
MARIA - Mas isso não é cor né?
RUBENS - (ansioso) Sim. Mas eu a perdi.
BIANCA - Eu acho que sim, esperança também pode ser uma cor.
ZÉ CARLOS - Devemos lembrar que a esperança... é a última que morre não é mesmo?.
RUBENS - (afetado) Ria e continue, por favor.
ZÉ CARLOS - Bem, nada, vamos! Meu nome é Zé Carlos…
RUBENS - (com um gesto de negação, para Zé) Não havíamos combinado de não interromper?
ZÉ CARLOS - Perdão Perdão.
BIANCA - Como podem ver, minha cor é branca (mostrando as roupas dela). Sou auxiliar de
laboratório, tenho... bem, vinte e cinco… trinta… quarenta anos...
ZÉ CARLOS - Grosso modo.
BIANCA - …e tenho PAVOR de germes e doenças. Algumas pessoas me dizem que sou muito
somática, mas quando você ouve o que ouve e lê o que lê, digo a mim mesma que faço muito bem
em me preocupar. A única coisa é que, por me preocupar muito, meus amigos insistiram para que
eu fosse ao médico. E assim, de consulta em consulta, fui finalmente recomendada ao Dr. Pereira,
que dizem ser o melhor especialista para o meu caso.
MARIA - Sim, sim, uma eminência! E, com que idade começou o seu probleminha?
BIANCA - Uau, eu tive isso toda a minha vida. Mas acho que se acentuou, eu diria, com a
pandemia há cerca de… Três anos atrás!
RUBENS - "ANO, ÂNUS, CU, ANAL, RETO, BRIOOOOOOOCO!"
ZÉ CARLOS - Cadeia impressionante.
LOLA - Meu nome é Lola, e… algo acontece na minha cabeça que me obriga a repetir tudo.
NATAN - A sério? E isso acontece muito com você?
LOLA - Bem, o tempo todo. Bem, o tempo todo.
ZÉ CARLOS - Mas você repete tudo duas vezes?
LOLA - Sim. E às vezes também repito as últimas sílabas do que os outros dizem. Sim. E às vezes
também repito as últimas sílabas do que os outros dizem.
MARIA - E isso sempre aconteceu com você sistematicamente?
LOLA - Não... desde que meu pai morreu. Não... desde que meu pai morreu.
ZÉ CARLOS - Eu acredito que com isso, não deve ser fácil viver.
LOLA - Não mesmo, é muito difícil (risos). Não mesmo, é muito difícil (risos).
NATAN - E o que acontece se você não repetir alguma coisa?
LOLA - Tenho medo de morrer. Tenho medo de morrer.
NATAN - Somente?
ZÉ CARLOS - (para Rubens) Veja se essa coisa está nos seus arquivos, Rubens.
RUBENS - (olhando seus documentos) Dois segundos.
NATAN - (para Lola) Se você prestar atenção, a vantagem de falar tudo duas vezes é que fica
super simétrico. Eu amo isso!
LOLA - Oh, obrigado, isso me anima (com um sorriso tímido). Oh, obrigado, isso me anima (com
um sorriso tímido).
BIANCA - E de que cor é…?
LOLA - Cinza. Cinza.
NATAN - Por que?
LOLA - (sorrindo ingenuamente) Bom não sei. Achei que me traria sorte (mostra seu amuleto
grisgris e ri). Bom não sei. Achei que me traria sorte (mostra seu amuleto grigri e ri).
ZÉ CARLOS - (sem perceber) Como?
BIANCA - O Grisgris é um amuleto da sorte africano. Eu também vi isso em um documentário.
LOLA - (sorrindo) Sim. Sim.
MARIA - Por Deus.
RUBENS - Aqui está. Encontrei. Palilalia e Ecolalia.
ZÉ CARLOS - Este Senhor nomeiam tudo! E qual era o meu?
RUBENS - Eu já te disse. Aritmomania.
NATAN - Acho que não é errado dar um nome ao problema. Parece um bom começo para mim.
Perturbada, a Secretária sai da sala, rápido.. Lola a segue e se aproxima da porta do corredor,
fechando-a na cara dela. Um silêncio. Todos se olham, constrangidos.
Lola veste o casaco, pronta para sair. As outras duas mulheres fazem o mesmo.
Maria tira da bolsa um objeto antiestupro que dá choques elétricos e entrega para Zé Carlos na mão.
MARIA - Bajulação comigo é inútil. Eu nunca vou ficar! Essa coisa de terapia é uma simulação de
uma consulta e acabou!
RUBENS - "PUTA VELHA!!"
ZÉ CARLOS - Não Rubens. 'Quem estiver livre do pecado que atire a primeira pedra'.
NATAN - Seu bobo não vai convencê-la.
MARIA - Não, de jeito nenhum. Quando digo não, significa não e não.
ZÉ CARLOS - Mas por que, vejamos, por quê?
MARIA - Porque eu não gosto da atmosfera! Entre Rubens, que não faz de propósito, e você, que
se comporta como quer, parece que estamos num bar de recepcionistas e não no consultório.
ZÉ CARLOS - Vamos Maria, relaxe! (Zé Carlos segura ela puxando a capa dela) Olha, se
começarmos agora, no ritmo de três minutos por pessoa, teremos terminado em 18 minutos. Ele
ainda teria 12 minutos para pegar o trem no horário marcado.
MARIA - Mas você acha que vamos resolver os problemas que arrastamos por anos em três
minutos de nada?
ZÉ CARLOS - Não faço ideia, mas pelo menos tente.
MARIA - Olha, não é pra me fazer implorar, mas…
ZÉ CARLOS - Então aceite!
Zé Carlos se aproxima tanto de María que, quando ela se vira para ele para responder, os dois estão
prestes a se beijar. Maria fica muito nervosa.
MARIA - Oh, eu não sei mais em que mundo eu vivo! O que você acha, Rubens?
RUBENS - Pessoalmente, o assunto me irrita demais. Mas agora eu os conheço bem o suficiente
para saber que eles não vão me julgar.
LOLA - (para Maria) Eu também. Eu também. Eu também. Eu também…
RUBENS - Digamos que todo mundo tenha que enfrentar seu TOC na frente de todo mundo, é
isso?
NATAN - Exato. Esse é o começo.
ZÉ CARLOS - Fazemos? (todos se olham) Vamos?
TODOS Fazemos!
ZÉ CARLOS - Vamos lá, nós fazemos isso!
NATAN - (levantar e subir na mesa) Vá, cada um em sua cadeira.
Cada um posiciona sua cadeira de uma forma diferente, criando desordem na sala.
Enquanto eles colocam as cadeiras no lugar, um pequeno burburinho começa. Lola dá a Bianca sua
bolsa de higiene e seu lenço de papel.
Bianca pega um lenço de papel e limpa rapidamente a pasta, deixando-a aberta. Lola se senta em
sua cadeira.
María levanta-se para sair, chateada, mas volta a sentar-se, retida por Zé Carlos.
Rubens se levanta, pega sua cadeira e volta para onde estava antes.
Bianca coloca sua cadeira no meio da sala de espera. Depois de se sentar, ela imediatamente olha
para as mãos e pula para ir direto ao banheiro.
LOLA - (colocando o outro dedo no nariz) Ahg, mas eu tenho unhas pretas!
MARÍA (olhando suas unhas) Que horror, meus dedos cheiram terrivelmente!
BIANCA - Não, não, é demais. Não posso!
Zé Carlos põe as mãos nas bochechas. Bianca tem um ataque e corre para o banheiro,
completamente desestabilizada. Todos lançam olhares assassinos a Zé Carlos, antes que cada um
volte ao seu lugar com resignação.
ZÉ CARLOS - Ela é pior do que eu. Ela não conseguiu se concentrar por dez segundos.
RUBENS - É que as fobias não são fáceis de transportar.
NATAN - Eu a entendo. A mesma coisa acontece comigo com as linhas.
ZÉ CARLOS - (murmurando) O que fazemos quando eu voltar, passar para o próximo?
RUBENS - Parece-me que deveria ter uma última chance.
MARIA - Sim, coitada.
ZÉ CARLOS - Ok, mas o que fazemos?
LOLA - (balançando as mãos no ar) E se fizermos isso? E se fizermos isso?
NATAN - (balançando as mãos no ar) Bem, nada mal.
RUBENS - (acenando com as mãos no ar) Muito boa ideia.
ZÉ CARLOS - Uma ideia legal!
MARIA - Bem desse jeito?
ZÉ CARLOS - (para Maria) Exatamente, vamos lá, todos juntos.
Os cinco começam a acenar com as mãos no ar. Maria entra por último, imitando os demais. Bianca
volta do banheiro e corre para o grupo. Depois de ficar paralisada por um momento, ela grita
histericamente e volta para o banheiro.
NATAN - (referindo-se à cabeça de Zé Carlos) Uau! Se for verdade que tem um timer aí. Zé Carlos,
ele também é leitor de MP3?
ZÉ CARLOS - Sim, vamos, tire sarro do velho.
Todos riem.
Nesse momento, Maria tem um ataque tão forte que acaba se esticando na cadeira como uma
parturiente, como se estivesse com falta de ar.
Natan dá a Lola um copo de plástico com água. Lola dá de beber a María, que o faz montada, com
um estranho soluço.
BIANCA - (consolando Lola) Sem problemas. Chorar é bom de baixar. (pegando Lola pela mão e
apertando com força). Estamos com você.
Maria pega a caixa de lenços de papel e bate nas costas de Zé Carlos, entregando-a a ele. Zé
Carlos oferece a Bianca, que o agarra e dá a Lola.
Lola assoa o nariz duas vezes. Bianca vê o ranho e se vira para o seu lugar, enojada.
Zé Carlos chora. Bianca pega a caixa de lenços de papel e bate nas costas de María com ela. María
entende que a caixa é para Zé Carlos, pega e entrega ao taxista com um toque. Zé Carlos pega um
lenço de papel.
MARIA - Não estou dizendo isso para desencorajá-la, Natan. Mas é preciso reconhecer que, até
agora, todos falhamos miseravelmente.
ZÉ CARLOS - Ei, fala pelos outros, resisti dez segundos!
MARIA - (irônica) Oooh, o recorde do Guinness!
NATAN - E em dez segundos, que distância a luz percorre?
ZÉ CARLOS - 2 milhões 997 925 quilômetros.
NATAN - Eu ainda te pego!
ZÉ CARLOS - Bem, não, porque não era a minha vez. Além disso, prefiro estragar um cálculo como
este do que com os três porquinhos, porque isso é humilhante para mim. Três! Se dão conta? Três!!!
ZÉ CARLOS - É engraçado que o grupo está sempre preparado comigo. Bom bode expiatório você
pegou! Ainda bem que não sou suscetível.
LOLA - (suspira duas vezes e começa a falar rapidamente) Sabe o que seria ótimo acontecer
agora? Bem, para Natan conseguir o que o resto de nós não conseguiu. Ok, você vai dizer que eu
digo isso porque ele acabou de me dar um beijo. Pois não! Sinceramente, seria maravilhoso a nível
humano se cinco pessoas que não se conheciam há duas horas ajudassem outra a se aprimorar
para acabar de vez com o maldito TOC. Pessoalmente, se Natan conseguir aqui e agora na nossa
frente, eu não ficaria mais deprimido por não ter conseguido. Especialmente porque ela ficaria
orgulhosa de tê-la ajudado a vencer sua batalha pessoal. E isso não só lhe daria mais confiança,
mas também daria esperança a todo o grupo.
Lola lhe dá um segundo beijo. Natan faz seu conhecido gesto simétrico.
MARIA - Agora usaremos o beijo para cativar as pessoas
ZÉ CARLOS - (beijando-a com ternura) Ciúmes!
María enxuga o rosto com a mão e, sem querer, esfrega-o no braço de Bianca. Este se levanta da
cadeira e vai ao banheiro, histérico.
MARIA - E ainda por cima tem que esperar. Não, se você vai ver como no final eu perco o trem,
com tanta bobagem.
ZÉ CARLOS - Não se preocupe com o seu trem, eu cuido dele. Bianca retornará em exatos 23
segundos, apenas o suficiente para treinar Natan. (Cantarolando a música de 'Missão Impossível').
Agente Natan! Se você aceitar sua missão, terá que andar nas linhas que estão no chão. As
grossas, as finas, as retas, as tortas, todas! No entanto, se você ou algum de seus comparsas for
capturado, nossos serviços negarão ter qualquer conhecimento de seus truques. Esta mensagem se
autodestruirá em três, dois, um…
Todos riem.
BIANCA - Vejo muita piada toda vez que volto do banheiro, né Zé Carlos?
ZÉ CARLOS - Não, mulher, nós rimos, mas não de você.
RUBENS - (para Bianca) É Natan, que tem que andar nas linhas.
BIANCA - (rindo) Eu já imaginava que essa ia ser a terapia dele.
ZÉ CARLOS - Ei, isso não é mais um jogo! A partir de agora, as gargalhadas acabaram. (Um
silêncio) Melhor assim, garoto?
NATAN - (com gesto simétrico no cabelo) Não sei... a pressão está me matando.
LOLA - Tenho certeza que você vai conseguir. Tenho certeza que você vai conseguir.
ZÉ CARLOS - Crono correndo… vai! (Zé Carlos fica petrificado). Vamos filho, estamos com você.
Na-Tan! Na-Tan!
TODOS Na-Tan! Na-Tan! Na-Tan! Na-Tan!
RUBENS - Anime-se Natan, você consegue!
BIANCA - Faça para se sentir melhor!
ZÉ CARLOS - Por nós.
LOLA - Para o grupo. Para o grupo.
MARIA - Pela Santíssima Trindade!
BIANCA - Anime Natan, você vai ver como é bom.
NATAN - Não posso. É impossível para mim.
ZÉ CARLOS - Mas você já fez isso uma vez quando veio se sentar! Arrume uma dança se quiser,
mas tente alguma coisa, cara.
NATAN - Não posso. Estou completamente bloqueado.
ZÉ CARLOS - Apenas uma linha...
RUBENS - (tirando o dedo) Uma só!
LOLA - Vamos Natan, faça isso por mim.
NATAN - Eu adoraria, mas…
LOLA - Vamos Natan, faça isso por mim.
NATAN - Tá, mas uma pequenininha… Lola... se eu fizer, você me beija de novo?
LOLA - Vou te dar dois! Vou te dar dois!
NATAN - Ok, aqui vou eu (apavorado). Todos olham para os pés de Natan.
ZÉ CARLOS - A qualquer hora, cara, estamos prontos.
NATAN - Me dê encorajamento, por favor!
TODOS Olha! Olha! Olha! Olha!
NATAN - (hesitando) Não, não posso. Estou bloqueado de tudo.
ZÉ CARLOS - E se eu te empurrar?
NATAN - Não-não-não-não, por favor, isso não, sério.
RUBENS - Não acho que seja uma boa ideia.
ZÉ CARLOS - Mas porque? Se você não é capaz de tomar a decisão por si mesmo, pode ajudar,
certo?
NATAN - Não, não não e NÃO!
BIANCA - Você tem que sair disso.
MARIA - Claro.
LOLA - Vamos, animá-lo novamente! Vamos, animá-lo novamente!
TODOS Olha! Olha! Olha! Olha!
NATAN - (ele cambaleia, hesita e finalmente desiste) Pare, pare, acabou. Game Over!
ZÉ CARLOS - Em todo caso, o tempo acabou.
NATAN - Vocês veem, eu tinha certeza. Agora eu decepcionei todo mundo. Sinto muito.
LOLA - Sem problemas. Sem problemas.
RUBENS - Deve-se dizer a seu favor que passar por último não é fácil.
NATAN - Pffff! Ele teria me bloqueado também se tivesse passado o primeiro.
ZÉ CARLOS - Isso não se sabe, a menos que todos comecemos de novo, mas o contrário.
MARIA - Não, pelo amor de Deus, meu trem!
ZÉ CARLOS - Outra vez? Lá vem você com essa de perder o trem.
RUBENS - Zé Carlos! Por favor, um pouco de compaixão... "BOQUETE!".
MARIA - Senhor! (animando-se)
BIANCA - Será que ele quer que eu provoque outro ataque de catalepsia em Maria?
ZÉ CARLOS - Vamos lá, esse é seu número mais antigo
Natan move sua cadeira, colocando-a entre ele e Zé Carlos, pronto para subir para se aproximar do
taxista.
BIANCA - Pare!
ZÉ CARLOS - E cheio de herpes!
BIANCA - Por favor pare…
ZÉ CARLOS - Herpes oral e herpes genital, ambos!
LOLA - (indo em direção a Zé Carlos e batendo nas costas dele) Ouça, ouça com atenção, porque
não vou repetir isso para você. Ouça, ouça com atenção, porque não vou repetir isso para você.
ZÉ CARLOS - Minha filha, que credibilidade!
LOLA - Você acha que, por ser mais velho que Natan, Bianca ou eu, pode fazer o que quiser? Pois
não! Da próxima vez que ele se atrever a mexer com alguém do grupo, vou colocar um tijolo na
bolsa da Maria e estourar a cabeça dele, ok, Rain Man?
ZÉ CARLOS - Nããão…
Zé Carlos pega Lilí pelo braço, arrasta-a até a porta do corredor que dá acesso ao consultório do
médico, abre-a e o empurra para dentro, fechando a porta atrás dela.
NATAN - (passando de cadeira em cadeira para ficar ao lado de Zé Carlos) Deixe-a sair
imediatamente!
ZÉ CARLOS - Dois segundos, acabou.
BIANCA - (ameaçador) Se eu fosse um homem…
NATAN - Deixe-a sair!
RUBENS - E acima de tudo, peça desculpas.
LOLA - (gritando em off) deixe-me sair!
ZÉ CARLOS - (recolocando as cadeiras, para Natan) Filho... Eu gostaria de ver você ter sucesso.
LOLA - Eu também, sim.
BIANCA - Não será por não o ter encorajado.
LOLA - Eu também, sim.
MARIA - E tanto que já gritamos seu nome.
RUBENS - Com licença Natan, quantas vezes mencionamos seu nome ao torcer por você?
NATAN - Não tenho nem ideia.
RUBENS - Zé Carlos?
ZÉ CARLOS - Sim?
RUBENS - Quantas vezes mencionamos o nome de Natan?
ZÉ CARLOS - Hum… cada um?
RUBENS - Não, totalmente.
ZÉ CARLOS - Bem, especificamente?
RUBENS - Grosso modo, você sabe.
ZÉ CARLOS - Bem, grosso modo… bem… bem, não sei!
RUBENS - E você, quantas vezes você disse o nome de Natan?
ZÉ CARLOS - Também não faço ideia.
RUBENS - E quantas vezes Maria se benzeu?
ZÉ CARLOS - Ah… Bem… Acho que…? Bem, eu também não sei.
RUBENS - Mas como é possível?
ZÉ CARLOS - É possível porque... (diminuindo o tom) Eu não medi isso.
TODOS Como???
LOLA - Como?
RUBENS - Com licença?
ZÉ CARLOS - Bem... não contei!
NATAN - Isso é genial.
ZÉ CARLOS - O quê, pedir perdão?
MARIA - Nenhum homem, que ele não tenha contado. É incrível, vindo de você.
BIANCA - Como é possível que você não tenha contado, você que conta tudo e mais?
ZÉ CARLOS - Não sei, eu estava concentrado no garoto e a única coisa que eu tinha em mente era
que ele andasse nas linhas, o resto não era...
RUBENS - E se essa fosse a solução?
ZÉ CARLOS - O que?
RUBENS - Não sei. Não pense muito sobre um. Esqueça-se.
NATAN - Porque diz isso?
RUBENS - Você não notou nenhum comportamento estranho esta tarde?
TODOS Não…
RUBENS - Ninguém?
TODOS Não.
LOLA - Mas que comportamento estranho?
BIANCA - Sim, isso.
LOLA - Mas que comportamento estranho?
RUBENS - Há um tempo atrás, quando Natan correu para pegar um copo d'água para Maria que
estava sufocando...
ZÉ CARLOS - Que?
RUBENS - Bem… que ele passou dos limites.
MARIA - Deus!
NATAN - (pensativo) Vamos, é verdade.
ZÉ CARLOS - (olhando para o chão) E eu não piso apenas em uma linha. Grosso modo, diria entre
16 e 17 linhas.
LOLA - Tá, mas você percebeu ou não?
NATAN - Não, nada.
LOLA - Tá, mas você percebeu ou não?
NATAN - Como Maria estava sufocando, foquei no que era mais urgente.
LOLA - Isso significa que você conseguiu, Natan! Isso significa que você conseguiu, Natan!
RUBENS - Pois sim. Não na hora que todos queríamos, mas você superou os limites, isso é fato.
ZÉ CARLOS - Conta então se foi na vez de outra pessoa?
LOLA - Sim, claro, por que não contaria? Sim, claro, por que não contaria?
BIANCA - O principal é o resultado.
LOLA - Exato. Exato.
ZÉ CARLOS - Eu também, porque não contei as vezes que torcemos por Natan, quando facilmente
foram 125.
MARIA - Bem, dois em seis, nada mal, certo? No final, não é tão ruim quanto parecia.
ZÉ CARLOS - Parece que sim!
MARIA - Eu não tinha fé, certo. Mas antes das provas, admito que dois em seis é muito, muito bom.
LOLA - E três ainda melhor. E três ainda melhor.
NATAN - Três por quê? Existe um terceiro?
LOLA - Terceiro não. Terceira! Terceiro não. Terceira!
TODOS Quem?
LOLA - Você, Bianca. Você, Bianca.
BIANCA - EU? Mas o que eu fiz para merecer isso?
LOLA - Há pouco, quando eu comecei a chorar, ela veio me animar, segurando assim as minhas
mãos, e aí não lavou.
BIANCA - A sério? (faz cara de nojo)
LOLA - Há pouco, quando eu comecei a chorar, ele veio me animar, segurando assim as minhas
mãos, e aí não lavou.
ZÉ CARLOS - Você vê, o que eu estava dizendo.
MARIA - E por que você não lavou as mãos?
ZÉ CARLOS - (parodiando Rubens) Porque ela estava concentrada na Lola.
RUBENS - Exato!
NATAN - Mas então, o que está acontecendo aqui é muito grande! Pensávamos que ninguém tinha
conseguido e finalmente é o contrário.
MARIA - Claro, cara, assim que a gente parar de olhar pro umbigo.
BIANCA - É verdade que sempre lavo as mãos quando alguém me toca ou quando toco em
alguém. Mas naquele momento não me passou pela cabeça, não sei por quê.
RUBENS - Eu sei. É porque ao pegar a mão de Lola você deu a ela sua amizade. E a amizade
nunca é suja.
ZÉ CARLOS - Nossa! Temos aqui um Carlos Drummond de Andrade
NATAN - Talvez haja outra pessoa e não tenhamos notado.
LOLA - Certamente. Certamente.
BIANCA - Essa sessão de reajuste é maravilhosa! Bem, de quem é a vez? Continue, já volto.
Maria se benze.
BIANCA - (gritando do banheiro, fora) Não… Quer dizer sim mas… Não pode ser!
TODOS O que?
BIANCA - Acabei de me lembrar de outra pessoa que esqueceu seu TOC por um segundo.
TODOS Sim? Quem?
LOLA - Sim? Quem?
BIANCA - Maria.
MARIA - Eu, sério? Ai meu Deus, que maravilha! E quando foi isso?
BIANCA - Um momento atrás nada, sem perceber, é claro. Quando Lola ameaçou Zé Carlos de
colocar um tijolo em sua bolsa e quebrar seu crânio.
ZÉ CARLOS - Verdade, eu me lembro.
RUBENS - É possível, mas e daí?
BIANCA - Bem, Maria não revistou sua bolsa.
LOLA - Mas por que ela teria que fazer isso? Mas por que ele teria que fazer isso?
BIANCA - Bem, porque quando a palavra bolsa é dita, Maria pula na dela para procurá-la. É como
um reflexo. Aí você tem a prova tangível.
MARIA - (chateada) Não, não, agora é porque eu queria saber se eu não tinha perdido os meus...
(percebe que está se justificando e fecha a bolsa)... nada, nada, estou com eles.
BIANCA - Você se lembra por que não registrou naquele exato momento, Maria?
MARIA - Para falar a verdade, fiquei tão indignado com o taxista que nem pensei nisso.
NATAN - Se então admitirmos que Maria superou seu TOC, só nos restam dois. (Para Rubens)
Você Rubens e Lola.
RUBENS - Sim, mas já disse que não conto.
NATAN - Nesse caso vamos tentar lembrar se a Lola esqueceu de repetir alguma coisa.
LOLA - Mas só vai valer, se eu tiver esquecido de repetir tudo - tudo desde o começo. Mas só vai
valer, se eu tiver esquecido de repetir tudo - tudo desde o começo.
NATAN - Lola, tem certeza que desde que chegou repetiu absolutamente tudo? Mas tudo- tudo-
tudo?
LOLA - Tudo tudo tudo. Tudo tudo tudo.
RUBENS - Tudo menos duas letras.
TODOS - Que letras?
RUBENS - Uma única sílaba.
TODOS - Que sílaba?
RUBENS - Pi.
LOLA - Pi? Mas quando foi isso? Pi? Mas quando foi isso?
BIANCA - Ah sim! Na vez de Zé Carlos. Quando você perguntou o número de PI, você apenas
disse: “Pi”
LOLA - Mas duas letras, isso conta? Mas duas letras, isso conta?
NATAN - Bem, claro que conta.
BIANCA - Oh, que casal fofo vocês formam juntos. Bem, a menos que você tenha herpes!
ZÉ CARLOS - Bem, eu já sei porque ela não repetiu o 'Pi'.
MARIA - (irônica) O regresso do génio Zé Carlos em todo o seu esplendor! Sempre mais inteligente
do que ninguém.
ZÉ CARLOS - Pense nisso. Se Lola tivesse repetido PI, ela teria dito PIPI e ela é educada demais
para deixar escapar isso.
BIANCA - Na minha opinião, a mesma coisa acontece conosco. Lola se envolveu no fogo da ação,
focou em Zé Carlos e por um segundo esqueceu seu TOC.
LOLA - (para Natan) Um segundo não é muito a dizer. Um segundo não é muito a dizer.
NATAN - Ok, mas quantas vezes isso aconteceu com você nos últimos dez anos?
LOLA - Aproximadamente? (Zé Carlos ri) Nunca. Aproximadamente? (Zé Carlos ri) Nunca.
NATAN - Então esse segundo é muito valioso, porque é como um vislumbre de esperança. Você
entende? Se você entender, responda-me 'sim', mas apenas uma vez, por favor.
LOLA - Sim.
Lola fica tensa, mas no final consegue se conter e diz apenas uma vez. Todos aplaudem. Maria se
aproxima e a beija. Zé Carlos também. Rubens pega as mãos dela parabenizando-a. Natan pega
Lola nos braços.
RUBENS - É… Eu sabia.
SECRETÁRIA - Já conversei com o médico. Ele acabou de sair do avião e está a caminho.
RUBENS - "BANDIDO!"
ZÉ CARLOS - Isso! Bandido!
LOLA - Ido-ido-ido-ido-ido-ido-ido
SECRETÁRIA - Peço que desculpem todos esses contratempos além de nosso controle e espero
que você possa ficar para a consulta.
ZÉ CARLOS - Mas onde está?
SECRETÁRIA - No aeroporto, aguardando o Taxi
ZÉ CARLOS - A esta hora com o trânsito? Mínimo 60 minutos!
MARIA - Impossível, não posso ficar nem mais um segundo, preciso pegar o trem.
ZÉ CARLOS - Mas e se você já perdeu?
MARIA - Nada disso!
ZÉ CARLOS - Mas é claro que sim. E já se passaram 10 minutos.
MARIA - Você não diz nada?
ZÉ CARLOS - Você foi avisada: você perdeu!
MARIA - Claro que você é…
ZÉ CARLOS - Um gênio, você ouviu. Vamos ver, para onde vai?
MARIA - Já lhe disse antes… Estação Ipiranga!
ZÉ CARLOS - Olha.. Daqui pra lá ai lhe sair muito caro… Por volta de R$ 150,00
MARIA - Não vou pagar táxi.
ZÉ CARLOS - Não se preocupe, não vou ligar o taxímetro
MARIA - A sério? Muito gentil então.
NATAN - (para os outros) No final, eles acabam juntos.
MARIA - Diga a ele também que, agora estou encantada com a vida.
SECRETÁRIA - Tudo bem, eu vou dizer a ele.
RUBENS - De minha parte, você pode dizer que eu acho ele um "ARROMBADO!". Digo..
Atrasado... Enfim, deixa pra lá, eu conto pessoalmente.
ZÉ CARLOS - Você vai ficar?
RUBENS - Não esqueça que estou aposentado. Tenho todo o tempo do mundo e não quero abrir
mão da consulta, nem que seja para ver o que o 'famoso especialista' vai me dizer. Mas tenho
certeza de que será menos eficaz do que com vocês.
MARÍA (a Secretária) A propósito, devemos alguma coisa a você?
SECRETÁRIA - Não, claro que não.
LOLA - Melhor do que melhor! Melhor do que melhor!
ZÉ CARLOS - (para Lola e Natan) Devo aproximar vocês? Aproveita, que hoje tô caridoso
LOLA - (colocando várias revistas no chão na frente de Natan, para que ele saia da sala) Não,
Natan me leva de moto. Não, Natan me leva de moto.
ZÉ CARLOS - (dando um beijo na Lola).Neste caso, até logo.(Bianca sai do banheiro) Devo me
aproximar de você, Bianca?
BIANCA - (saindo do banheiro) Não obrigada, vou no meu carro.
ZÉ CARLOS - Seu carro, uma ambulância, certo? Bem Rubens, até logo.
RUBENS - "FILHO DA PUTA!"
ZÉ CARLOS - (dando-lhe um cartão) Obrigado Rubens, muito gentil da sua parte. Eu também
nunca poderei esquecê-lo. Aqui, eu te dou meu cartão. Se você precisar de um táxi, não me chame
porque estará ocupado. Mas, em vez disso, se você precisar de um amigo, o número é o mesmo.
RUBENS - Obrigado Zé Carlos.
BIANCA - No bolso!
LOLA - (para Rubens, dando-lhe um beijo) Prazer em conhecê-lo, realmente. Prazer em conhecê-
lo, realmente.
RUBENS - Eu também, linda, eu também.
ZÉ CARLOS - (para Lola, enquanto distribuía seus cartões) Tome, para você há dois.
NATAN - (dando-lhe um abraço) Apesar de não nos conhecermos esta manhã, a partir desta tarde
você será... alguém importante em minha vida.
RUBENS - (Rubens dá um tapinha na bochecha de Natan) Eu te digo o mesmo, Natan.
Natan dá a outra face. Rubens dá outro tapinha nele e Natan faz seu agora famoso gesto simétrico.
BIANCA - Rubens!
RUBENS - (aproximando-se para beijar Bianca) Bianca!
BIANCA - Não, sem beijos, obrigado. Só queria te dizer que embora não tenhamos percebido,
tenho certeza que em algum momento você venceu seu TOC.
RUBENS - Obrigado Bianca. Você me toca profundamente.
BIANCA - Bem, olha que bom. Pela primeira vez... consigo tocar alguém.
Bianca, Natan e Lola vão embora. Maria coloca um lenço na cabeça, estampado com o rosto do
Papa.
BLACKOUT
RUBENS - "FODA-SE!"
ESCURO - FECHAM-SE AS CORTINAS
FIM