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OESTADO DE DIREITO Histéria, teoria, critica Organizado por Pietro Costa e Danilo Zolo Com a cotaboracto de Eniilio Santoro Teadagse CARLO ALBERTO PASTOR Martins Fontes So Pao 2006, O Estado de Direito entre 0 pasado e o futuro Por Luigi Ferrajoti islativo de Direito e Estado ional de Direito A cxpressio “Estado de Direito” 6 utilizada normalmente com dois significados diversos que 6 oportune manter rigora- samente distintos, Em sentido amplo ox fraco ou formal, ela signa qualquer ordenamento no qual os poderes pblicos si sonferidos pele tei e exercidos nas formas ¢ cam os procedi- mentos por ela estabelecidos. Neste sentido, comespondente a0 uso alemdo de “Rechisstaai”, sio Estados de Direito tados os ordenamentos juridicos modemo: ve 08 mais nio-li- is, nas quais os poderes paiblicos tém uma fontee uma for- inv um segundo sentido, forte ou substandial, “Esta- do de Direito” designa, ao contririo, aqueles ordenamentos nos quais os paderes vjitos 8 (e por isso limitados ou vinculados pela) lei, nfo apenas quanto is formas, mas também quanto. aos contetidas do seu exercicio. Neste significado znais restrito, que corresponde aquele predominan- te 20 uso italiano, sio Estados de Direito aqueies ordenamen. {05 nos quais todos os poderes, inclusive © Lepislaive, estio vinculados 20 respeito de prin geguntzado por M,G. Losano, Fraud, Torino, N66 p.3HS: "se se rocenheceg Fstedo como ardenamanto jurdco, todo Estado € um Estado de Deets ext i “todo Estado deve set um Esato de Estado Sum erdenamento jurco® ta, noseneido er gle i 418 ESTADO DEDIREITO , Rierarquicamente supra-onienada & legislacdo ordindria, Disso resulta trés alteragbes cio modelo do Estado legis- lativo de Direito sobre os tmesmos planos nos quais esse tinha modificado o direito jurisprudencial pré-mademe: a) no plano 425, idade se estende da fei as normas que regulam 05 contetidos da lei e implica por isso uma separacdo entre validade e vigor e uma nova relagao entre for- “mie substncia das decises; b) no plano da interpretacéo e da plicagao da lel, onde tal separacdo implica uma mudanca do spel do juiz, bem como das formas e das condigées da sua su~ no plano, enfim, da ciénei ‘mais simplosmente deseriti- ‘vo, mas critico e projetvial em relagéo ab seu proprio objeto. ‘A primeira alteracao diz respeito & teoria da validade. No “Estado constitucional de Direito", as leis sie submetidas nfo 86 2 notmas formais sobre a produgao, mas também @ normas substanciais sobre o seu significado. De fato, nfo sao admitidas rnommas legets, cujo significado esteja em contraste com ‘mas constitucionais. A existéncia ou vigor das normas, que no paradigma paleojuspositivista tinkiam sido separadas da justi- ‘9a, Separari-se agora, também, da validade, tornando possi- vel que uma norma formalmente valida e, portanto, vigente, seja substancialmente invélida quando o seu significado esti- ver em contraste com normas constitucionais substancials, como, por exemplo, o prinefpio de igualdade ou as direitos fundamenteis. Precisemente, enquanto a notma de reconhe- sor” permanace o antigo principio de legalida- de, que diz tespeito unicamente a “forma” da producao nor- rmativa e que por isso pode ser chamado de “principio de le- galidade formal” ou de “mera legalidade”, a norma de reco- hecimento da “validade” é ao contrério, muito mais com- jcados das normes produzida: . principios e os diceitos estabelecidos pela constituigéo. ‘Asegunda alteracio diz respeito ao papel da jurisdico. A incorporagdo em nivel constitucional de prineipios ¢ direitos fancamentais e por isso a provével existéncia de normas lidas porque ern contzaste com esses, de fato, mudam a rel io entre o juz a lei. Tal relagdo ndo é mais, como no antigo radigma, de sujeicfo & lei, seja qual for 0 seu contetido ou gnicado, mas o conti de sujlgdo antes de tudo cons- Uihulgéo e, portanto, & fei apenas se constitucionalment 1, @ interpretacio e a aplicagio da um juizo sobte a propria lei que ossivel interpreté-le em sentido constit- como invalida por mefo da sta sete alleragdo diz respito,ntim, ao paradigmaepis- i como transforma as con- de, essa inudanca impde, j40 ndo mais merament tigo paradigma do Esta ea elaboracdo do direito vi- rente ~ no plano ético. a0 mesmo tempo, politico de exar interior e de propor as suas necesséi pela presenca de notmas q como as lcunas geradas pela auséncia de nocmas que sétiela, Por outro lado, de solicitar a anulagio das primeitas porque invaldas e a intyodugéo das seyundas © constitucionalismo levado a sério, 01 parte do préprio direito, cia juridlica © & jurispradéncia uma © DEBATE TEORICO CONTEMPORANEO 427 ica desconhecidas & razio jurdica peépria do antigo Juspositivismo dogmatico ¢ formalista: o exame das antinomins dis lacunas, « promosdo da sua superacio por melo das ga rantias existentes, a elaborasio, enfir, das gatantias que fal fam. E investe por isso a cultura juridica de uma responsabili- dade civil e politica em relagio ao proprio objeto, atribuindo- persegui, por meio de operactes intexpretati- ‘vas Ou juriscicionais ou legislativas, a sua coeténcia interna e ‘Sompletuce ~ vaier dizer a efetividade dos principios constitu. cionais sem, por outro lado, ter a ilusdo de que tais operayées ossam ser jamais inteiramente realizaveis, E clato que a sujeicdo da lei & constituigdo introduz um elemento de permanente incerteza sobre a validade da prime! a avaliagio jurisdicional da sua coeréncia com a segunda. No entanto, ela resttinge, ao mesmo tempo, cantta- Tlamente ao que muitas vezes se julga, a incerteza sobre o seu significado, uma vez que reduz a diseti de lel implica, de ou nao de principios estabelecidos or uma constituigio rigida, um leque, no primeiro caso mais, Zestilto-e no segundo mais amplo, de interpretacieslegitimas, Tomemos como exemplo uma norma como aquela, presente 0 cédigo penal italiano, que pune o pouco esclarecido crime de “altraje" (“Qualquer pessoa que ultraje etc.”). Na auséncia de constiuigdo, o significado de uma norma similar fica mente indeterminado, sendo possivel entender por “ultraje” qualquer manifestacio de pensamento considerado “vil”, ou Seja, que ofenda as instituigées por ela tuteladas. Ne presenca constituiglo, e em particular do liberdade de manifestagio do pensamento, a orma sobre o ultraje ainda possa ser considerada valida, re- ssultamn de qualquer modo exclufdas do seu campo de signific cacio ¢ de aplicagdo todas as expresses de pensament vez de simples insultos, mesmo que ofensivas em rela prOptias instituicdes, Briste, enfim, uma quarta mudanga talvez a mais impor- {ante ea qual me limito aqui apenas a aludit ~ produzida pelo 428 ‘© EsTADO DE DIREITO Eatatigme do consttucionalismo rigido! Se, no plano da teoe i clo diseto tai paradigma implica uma revisap do conears de validace baseacia na separa € 0 vigor telativo as for- ace telativa@ substncia das decsées, no plano 2 teoia politica esse paradigma implica uma contlatieg art Sie dt conceps20 puramente procedural da demoned cernuaicionalizagdo de prinipios e creitos fundamentats ine Sulanl a legisla e condicionando a legitimidade do vane, 4 sua tutela e satisfacio, - do ensina ~ poderiam igualmenie subver os diteitos, o proprio método demperatieo. Acrescento que o constitucionalismo rgido, mesmo im- plicando uma mudanga intema do modelo paleojuspositivista, Tres rast completsmento, nio s6 do Estado te Diseity rie ambi do preprio positivismo jurdico:porsssim dive, © Estado de Direito¢ © positvisme juridico na sua forma nc intamente com seiadeente esa ese em Dirtoe ago. Tara del gern isto pol, Latecea, Roma-Ba, 2000, Fe; I dirtcone seme di generate, Rago et init fonda, , 2 re, Dt sen, Fate ca bh 328 Todo 0 debue ests port eunida om hero ee Foidart, ogecizad po & We, Later, Rema Ret ae © DERATE TEORICO CONTEMPORANEO 429 Hem ¢ mais completa, De fato, como vimos, a mudanga que & Produziu com esse paradigina imprimits& lepalidade ume nal fica e da sua capacidade projetual, estao, port minando 0 Estado de Diteito em seus dois paradigm: © paradigma legislativo ¢ o constitucional. NAc €gide do primado da lei do mais forte ou, ao contr se de transico para um terceiro modelo ampliado de Estado de Direito. Sabemos apenas que tal resultado ird depender, ain da uma vez, de papel que a razdo juridica e politica serd ca- paz de desempenhar. A transigae para um fortalecimento, em vvez de uma dissolugio do Estado de Direito, dependeri da re- fundagdo da legalidade ~ ordindria e c onal, estatal ¢ supra-estatal ~ 3 altura dos desafios a ele ditigidos pelos dois aspectos da ctise acima mencionados. © primeiro desafio, aquele dirigido 20 Estado legislative 10 pela crise do principio de mera le fm causa o papel eritco, projetwal e construtivo da ra2io furl dica na refundacao de legalidade ordinéria, Indicarei duas pos- siveislinhas de reforme, uma telativa & dimensto liberal do Es- indicacdo diz respeito ao ditefto penal, no am- bite do qual nasceu,ndo por acaso, o Estado liberal de Dircto. Contra a legislagdo aluvionel que pés em crise 0 papel garan- tista da lei penal, um corretivo eficaz seria © fortalecimento do principio de mera legalidade através da substituigio da simples reserva de lei com uma “reserva de eédigo", entendendo com ‘esta expresso o principio a ser introduzido em nivel constiti- ional, segundo o qual nenhuma norma pode ser introduzida ‘em matéria de crimes, penas e processos penais, sendo através, de uma moditicagio ou integragio, a ser aprovada com prace- dimento agravante, do texto do cédigo penal ou processual” 232. Sustente o principio da reserva de cédigo em ata penal om Lz pina in or socetademeratce,“Questione giust za” (1896), 3-4, pp, 937-8, 450 © ESTADO DE DIREITO O DEBATE TEORICO CONTEMPORANEO 51 Nio se ttaariasimplesmente de uma reforma dos cédigos. Ao Conteétio, tatar-se-ia de um recadificasio de toda odireito pe. zal com base em uma metagarantia contra o abtso da lopisin. 40 especial, capaz de por fim ao caus existente e colocencio os CSdigos ~ coneebidos pela cultura iluminista como sistemes ormatives relativamente simples e claros para a tutela das Ii, bercadles dos cidadios contra o arbittio daguiles que Hobbes chamou de “juizes desordenados” ~2 salvo do arbittioe da vo. lubitidade dos hodiemos legisladores “desorcenacios” © 6d. 80 penal ¢ o de procedura tornar-se-iam textos notmativos exaustives e, ac mesme tempo, exclusives de toda a matéria Penal, cuja coeréncia e sistemeticidade 0 legislador deveria Cada vez assumiz. Disso resuitaréa um aumento da capacidade Teguladora, tanto em relagio acs cidaeos como em relagio 08 uizes. A drdstica despenalizacdo que se seguiria a come, cartaceo e burocrético que é formade de um amontoado de crimes hoje punidas como contravengoes utsom simples penas pecuniries- seria largamente compen sada pelo aumento da certeza, da efetividade e do garantsmo noscibilidade. Somente a refundagio da legalidade induzida Port estes principios ~a taxatividade no plano dos contedns ¢ a reserva de cédigo no plano das formas de produgio ~ pode, {o,8 prerrogativa constitucional da reserva absoluta deve, see Somente se a prépria lei estiver subordinada, por sua vee 20 dlireito, ou seja, 8 garantia, a primeira entre as quaisé a tana, {iidade capazes de limita © vincuiar a jurisdicio. isso equivas 42 a dizer que a lei pode ser efetivamente condicionante se ¢ somente se ela for também juridicamente condicionada, O fate de que esta 6 a antiga receitailurminista nao diminui o seu va, lot. © fato de que tuo isso fossevélido ha dois séculos, quando a codificagio transigio do arbitrio dos propia do antigo diveito jurisprudencial ao Estado de Direlto, ide hoje no momento em que a inflagao legislativa fez praticamente regcedir o sistema penal 3 incete, 2a do diteito pré-modemo. Mais difcil e compiexa 6 taclo social, © Estado social mais do que nas formas da s Direito, através da progress 05, da aumento dos seus espag e da acumulagio desorginica 5, Priticas administativas e ntelistas que ‘eriram e deformaram as antigas estruturas do Estado li. isso detivou uma pesada e complexa intermediagio fos servigos publicos que & responsivel pela sua ineficiéncia e, como a experiéncia no apenas italiana ensina, Por suas degeneracies ilegals, E evidente que o fomecimenty dle servisos sociais por parte da esfera pxibiica requ, de qual. duet modo, 0 desenvolvimento de custosos aparelhos bur. stéticos. Mas tals aparelhos poclem ser convententemente te, duzidos ¢ simplificados pela construgéo de um Estado social de Direito que, ndo diversamente do Estato de Diteito iberal, se unde sobce « miéxtma sujeigdo lei no apenas das formas, nuracao e 0 fortalecimento clo prinefpio de mera le~ ‘ade, ¢ por isso da capacidade reguladora e condicionante im a reforma e a0 fortalecimento do principio ta legalcdade em forga do qual, como vimos, a propria {ei dove ser regulada e condicionada por goranties metalogeis: ios substanciais de taxativi- como regras semnticas de ‘oda linguagem legal, mas também, neste caso, por um Principio formal sobre a produao legislativa voltada pata vin sulé-la 8 unidade, & coeréncia ea maxima simplicidade e cop. Giurstvioneedemocrsie,Demosazi dito" dein age perate. apopasa le sre Ue tentative de intros esse paincipio no ardenamento tealanoe iecey Sama previo de proedinentesagrvines pare a macitcato do cSdge com incusso na reserva taminsm das fs onginicase com a cases das eee ‘as pocssns— fo eallasd polo eboso de eforma da Coetitiets ore tao pola Comisdobicansra, que naa, 12 estaba gue “norm pels $30 adidas somente se madam a édigo penal os te contac eon ec ee ‘plinantes organicamente a tedsa matin queen serskrem

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