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Simulação Clínica: ensino e

avaliação nas diferentes áreas Em 2013, a Secretaria de Gestão do trabalho e


da Medicina e Enfermagem Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde
do Brasil, formalizou um intercâmbio de políticas
Cirurgia Geral, Clínica Médica, Emergência, Ginecologia e práticas sobre demografia médica, avaliação de
competências dos profissionais da saúde e centros de
e Obstetrícia, Pediatria, Saúde Coletiva, Saúde da Família simulação realística com a Conselheria de Igualdade,
e Comunidade e Saúde Mental Saúde e Políticas Sociais da Junta de Andaluzia,
Espanha. Após as mudanças decorrentes da publicação
da Lei 12.871/2013 (Programa Mais Médicos para o
Brasil) colocou-se em pauta a ordenação da formação
de profissionais de saúde pelo SUS, postulando-se
nessa parceria, entre outras ações, a transferência de
tecnologia para construção de centros de simulação
realística em saúde, no Brasil. A partir deste primeiro
acordo e de oficinas de formação e desenvolvimento,
Blended learning para aplicação da simulação a EBSERH foi incorporada a proposta e realizou-se
com os professores de Andaluzia uma oficina na
Universidade Federal de São Carlos, UFSCAR, na
perspectiva de mobilizar centros de formação em
simulação realística no SUS, voltados para educação
permanente de profissionais de saúde e também
para formação de estudantes e residentes. Este foi
o primeiro movimento que após anos, resultou na
presente carta-acordo que possibilitou a ABEM em
parceria com a OPAS, SGTES, EBSERH realizar o Projeto
“Desenvolvimento da Rede de centros de Simulação
Clínica: elaboração de curso para capacitação de
multiplicadores”.

Este livro - Simulação Clínica: ensino e avaliação


nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem -
foi escrito por estudiosos e pesquisadores e reflete
a experiência de elaboração e desenvolvimento
de um curso para capacitação de multiplicadores
oferecido em 18 Centros de Simulação, distribuídos
nas diferentes regiões do País, do qual participaram
mais de 300 profissionais de saúde. Com a presente
publicação, esperamos poder contribuir para educação
em saúde no século XXI.

Eliana Goldfarb Cyrino e Nildo Alves Batista


Gerson Alves Pereira Júnior
Hermila Tavares Vilar Guedes
(Organizadores)

Simulação Clínica: ensino e


avaliação nas diferentes áreas
da Medicina e Enfermagem
(Cirurgia Geral, Clínica Médica, Emergência, Ginecologia
e Obstetrícia, Pediatria, Saúde Coletiva, Saúde da Família
e Comunidade e Saúde Mental)

1ª Edição
Todos os direitos desta edição reservados à Associação Brasileira de Educação Médica,
Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde e
Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares.

Venda proibida. Distribuição gratuita.

Esta publicação contou com o apoio da SGTES/MS, OPAS/OMS, ABEM e EBSERH.

616.02507Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Diagramação e Layout de Capa


Claudineia Sussai

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Simulação Clínica: ensino e avaliação nas


diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
[livro eletrônico] : (cirurgia geral, clínica
médica, emergência, ginecologia e obstetrícia,
pediatria, saúde coletiva, saúde da família e
comunidade e saúde mental) / Gerson Alves Pereira
Júnior, Hermila Tavares Vilar Guedes,
(organizadores). -- Brasília : Associação
Brasileira de Educação Médica, 2022.
PDF

Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-65-86406-04-7

1. Enfermagem 2. Medicina 3. Simulação clínica


I. Pereira Júnior, Gerson Alves. II. Guedes, Hermila
Tavares Vilar.

22-124526 CDD-610.7
Índices para catálogo sistemático:

1. Simulação clínica : Educação médica 610.7

Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380

Direitos autorais, 2022, da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM);


Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS)
e Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH)

Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM)


SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023
Asa Norte - Brasília | DF | CEP: 70712-903
Telefones: (61) 3024-9978 / 3024-8013
ABEM
Gestão 2020 -2022

Conselho Diretor
Diretor Presidente Prof. Nildo Alves Batista
Diretor Vice-presidente Prof. Sandro Schreiber de Oliveira
Diretora Tesoureira Profa. Denise Herdy Afonso
Diretora de Inovação Profa Eliana Goldfarb Cyrino
Diretor Secretário Profa Eduardo Arquimino Postal
Diretor Discente Acad. Carlos Eduardo Merss
Diretor Médico Residente Prof. André Ferreira de Abreu Júnior

Coordenadores Regionais
Centro Oeste Profa Ana Maria de Oliveira
Minas Gerais Prof Gustavo Antonio Raimondi
Nordeste I Prof Jorge Carvalho Guedes
Nordeste II Profa Daniela Chiesa
Norte Profa Maira Tiyomi Sacata Tongu Nazima
RJ/ES Prof Paulo Roberto Alves de Pinho
São Paulo Prof Aristides Augusto Palhares Neto
Sul I Prof Leandro Tuzzin
Sul II Profa Lara Cristina Leite Guimaraes Machado

Coordenadores Residentes – Gestão 2021 – 2022


Douglas Vinicius Reis Pereira – Minas Gerais
Carlos Roberto Figueiredo Coelho – Centro Oeste

Coordenadores Discentes – Gestão 2021 -2022


Hanna Oliveira Ramos – São Paulo
Matheus Henrique Cobalan Barbosa Del Cistia – SUL II
Maykon Wanderley Leite Alves da Silva – Nordeste I

Equipe Administrativa
Caio de Azevedo da Fonseca
Cristiane Cavalcanti Pinto Ruiz
Érika Maria Lima Bandeira
Rozane Landskron Gonçalves
Yuri Barros Brandani
Assessoria Técnica editorial do livro
Eliana Goldfarb Cyrino
Nildo Alves Batista

Revisão Final
Eliana Goldfarb Cyrino

Acompanhamento técnico OPAS/OMS


Mônica Diniz Durães

Conselho Editorial
Valéria Vernaschi Lima
Oscarina da Silva Ezequiel
Ruy Guilherme Silveira de Souza
Luiz Ernesto Almeida Troncon
Agradecemos aos nossos parceiros na realização e desenvolvimento
do presente projeto que possibilitou a construção deste livro, a
EBSERH, OPAS e SGTES.
Sumário
11 Prefácio
Prof. Dr. Nildo Alves Batista

13 Apresentação
Mayra Isabel Correia Pinheiro

14 Apresentação
Mónica Padilla

16 Apresentação
Oswaldo de Jesus Ferreira

18 Apresentação do Livro 2
Gerson Alves Pereira Júnior

Capítulos Gerais
21 Capitulo 1
A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para
definição dos cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção
das estações simuladas.
Gerson Alves Pereira Júnior, Sara Fiterman Lima e Armando de Negri Filho

45 Capítulo 2
As matrizes de conteúdo das áreas da medicina para a construção das estações simuladas
Gerson Alves Pereira Júnior e Carla Tiemi Minamihara

51 Capítulo 3
A evolução do conceito de competências para marcos de competências e “Entrustable Professio-
nal Activities” (EPAs)
Gerson Alves Pereira Júnior e Cintia Rocha Fortes de Sá
70 Capítulo 4
Engenharia da construção das estações simuladas - Passo a passo para a elaboração das estações
simuladas
Gerson Alves Pereira Júnior e Sara Fiterman Lima

Capítulos Específicos
5. Cirurgia Geral
87 Capítulo 5.1
O ensino da Cirurgia Geral na graduação e residência médica
Izabel C Meister M Coelho, Rosiane Guetter Mello, Henrique Alexandre Stachon e Gerson Alves
Pereira Júnior

101 Capítulo 5.2


O estado da arte da simulação clínica em Cirurgia Geral
Gerson Alves Pereira Júnior e Izabel C. Meister M. Coelho
118 Capítulo 5.3
Tipos de simuladores utilizados em Cirurgia Geral
Neide da Silva Knihs, Keyla Cristine Nascimento, Ana Graziela Alvarez, Debora Popov e Patrícia
Treviso

131 Capítulo 5.4


O ensino de graduação, treino de habilidades e uso de simulação em enfermagem na Cirurgia
Geral
Neide da Silva Knihs, Keyla Cristine Nascimento, Ana Graziela Alvarez, Debora Popov e Patrícia
Treviso

6. Clínica Médica
144 Capítulo 6.1
O ensino de Clínica Médica na graduação e residência médica
Juliana Annete Damasceno e René Scalet dos Santos Neto

153 Capítulo 6.2


O estado da arte da simulação clínica em Clínica Médica
Luisa Patrícia Fogarolli de Carvalho e René Scalet dos Santos Neto

164 Capítulo 6.3


Tipos de simuladores utilizados em Clínica Médica
Fernanda Berchelli Girão Miranda, Elaine Cristina Negri e Karyna Turra Osternack

176 Capítulo 6.4


O ensino de graduação, treino de habilidades e uso de simulação em enfermagem na Clínica Médica
Fernanda Berchelli Girão e Karyna Turra Osternack

7. Emergências
186 Capítulo 7.1
O ensino de Emergências na graduação e residência médica
Gerson Alves Pereira Júnior e Fernanda Silveira Nunes

201 Capítulo 7.2


O estado da arte da simulação clínica em Emergências
Gerson Alves Pereira Júnior e Sara Fiterman Lima

213 Capítulo 7.3


Tipos de simuladores utilizados em Emergências
Sara Fiterman Lima e Gerson Alves Pereira Júnior

226 Capítulo 7.4


O ensino de graduação, treino de habilidades e uso de simulação em enfermagem nas Emergências
Sara Fiterman Lima, Lidiane Andréia Assunção Barros e Gerson Alves Pereira Júnior

8. Ginecologia e Obstetrícia
251 Capítulo 8.1
O ensino da Ginecologia e Obstetrícia na graduação e residência médica
Edison Luiz Almeida Tizzot e Roxana Knobel
264 Capítulo 8.2
O estado da arte da simulação clínica em Ginecologia e Obstetrícia
Brena Melo, MD, OBGYN, PhD

272 Capítulo 8.3


Tipos de simuladores utilizados em Ginecologia e Obstetrícia
Júnia Aparecida Laia da Mata

287 Capítulo 8.4


O ensino de graduação, treino de habilidades e uso de simulação em enfermagem na Ginecologia e
Obstetrícia
Júnia Aparecida Laia da Mata e Clara Fróes de Oliveira Sanfelice

9. Pediatria
302 Capítulo 9.1
O Ensino da Pediatria na graduação e residência médica
Alessandra Carla de Almeida Ribeiro, Rosana Alves e Josielson Costa da Silva

307 Capítulo 9.2


O estado da arte da simulação clínica em Pediatria
Rosana Alves, Alessandra Carla de Almeida Ribeiro, Josielson Costa da Silva e Alexandre Rodrigues
Ferreira

313 Capítulo 9.3


Tipos de simuladores utilizados em Pediatria
Josielson Costa da Silva, Camila Thais dos Santos Silva, Alessandra Carla de Almeida Ribeiro e
Rosana Alves

320 Capítulo 9.4


O ensino de graduação, treino de habilidades e uso da simulação em enfermagem na Pediatria
Josielson Costa da Silva, Camila Thais dos Santos Silva, Alessandra Carla de Almeida Ribeiro,
Rosana Alves e Climene Laura de Camargo

10. Saúde Coletiva


329 Capítulo 10.1
O ensino da Saúde Coletiva na graduação e residência médica
Hermila Tavares Vilar Guedes

339 Capítulo 10.2


O estado da arte da simulação clínica em Saúde Coletiva
Rachel Esteves Soeiro.

349 Capítulo 10.3


NOTA: protótipos, manequins e simuladores não são necessários quando se prática simulação
em saúde coletiva
Hermila Tavares Vilar Guedes

348 Capítulo 10.4


O ensino de graduação, treino de habilidades e uso da simulação em enfermagem na Saúde Coletiva
Raphael Raniere de Oliveira Costa, Soraya Maria de Medeiros e Diego Bonfada
11. Saúde da Família e Comunidade
365 Capítulo 11.1
O ensino da medicina de família e comunidade na graduação e residência médica
Andrea Taborda Ribas da Cunha e Fernanda Lazzari Freitas

380 Capítulo 11.2


O estado da arte do uso da simulação clínica em Medicina de Família e Comunidade
Gustavo Valadares Labanca Reis

391 Capítulo 11.3


Tipos de simuladores utilizados em Saúde da Família e Comunidade
Raphael Raniere de Oliveira Costa e Miguel Arcangelo Serpa

398 Capítulo 11.4


O ensino de graduação, treino de habilidades e uso de simulação em enfermagem na Saúde da
Família e Comunidade
Miguel Arcangelo Serpa

12. Saúde Mental


405 Capítulo 12.1
Ensino de saúde mental na graduação e residência médica
Karina Diniz Oliveira, Bianca Cristina Ciccone Giacon-Arruda e Renato Soleiman Franco.

413 Capítulo 12.2


O estado da arte do uso da simulação clínica em saúde mental
Renato Soleiman Franco, Karina Diniz Oliveira e Bianca Cristina Ciccone Giacon-Arruda

417 Capítulo 12.3


Tipos de simuladores utilizados em Saúde Mental
Karina Diniz Oliveira, Renato Soleiman Franco, Bianca Cristina Ciccone Giacon-Arruda, Jeferson
Rodrigues e Elen Ferraz Teston

423 Capítulo 12.4


O ensino de graduação, treino de habilidades e uso de simulação em enfermagem na Saúde Mental
Bianca Cristina Ciccone Giacon-Arruda, Saionara Nunes de Oliveira, Jeferson Rodrigues, Elen
Ferraz Teston, Carmem Gress Veivenberg, Renato Soleiman Franco e Karina Diniz Oliveira
Prefácio

É
com muita alegria que, em nome do mento da Simulação em diferentes contextos for-
Conselho Diretor da Associação Brasileira mativos de médicos e enfermeiros.
de Educação Médica (ABEM), participo Aborda as diferentes dimensões da simulação, en-
do lançamento deste segundo livro, mais um dos tendida como uma metodologia ativa e participativa
produtos do projeto “Desenvolvimento da Rede de ensino, cada vez mais utilizada na formação em
de Centros de Simulação Clínica: Elaboração saúde, tanto na graduação como na Pós-graduação,
de curso para capacitação de multiplicadores” em cenários práticos controlados e protegidos.
desenvolvido pela ABEM, em parceria com a O livro inicia com 4 Capítulos Gerais, abor-
Organização Panamericana de Saúde (OPAS), a dando, desde uma revisão das redes de atenção à
Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-
Saúde (SGTES) e a Empresa Brasileira de Serviços -regional para definição dos cenários de prática
Hospitalares (EBSERH). e dos contextos clínicos para a diversificação da
Este livro – “Simulação Clínica: ensino e construção das estações simuladas, às matrizes de
avaliação nas diferentes áreas da Medicina e conteúdo das áreas da medicina para a construção
Enfermagem” aborda a temática nas áreas de das estações simuladas, a evolução do conceito
Cirurgia Geral, Clínica Médica, Emergência, de competências para marcos de competências e
Ginecologia e Obstetrícia, Pediatria, Saúde Coletiva, “Entrustable Professional Activities” (EPAs) e a
Saúde da Família e Comunidade e Saúde Mental. Engenharia da construção das estações simuladas.
Escrito por dezenas de estudiosos e pesquisado- Seguem 32 capítulos, explorando as diferentes
res sobre simulação, reflete experiências únicas e áreas de atuação em saúde, explorando conhecimen-
bastante consolidadas de elaboração e desenvolvi- tos básicos para estruturação do treinamento de ha-

Prefácio 11
bilidades, princípios instrucionais na Simulação, uso uma vez que “oportuniza aos estudantes de medi-
de pacientes simulados, confecção de moldagens e cina vivenciar situações de erros e acertos, relatar
uso de simuladores artesanais e de baixo custo, in- e discutir sistematicamente estes erros e os quase
dicando ruptura com uma “ideia (exclusiva) de si- acidentes, reconhecer condições inseguras, inves-
mulações com ambientes informatizados/ robo- tigar, repetir procedimentos até o acerto e melho-
tizados e com simuladores hiper-realistas (que) rar estes sistemas com uma compreensão completa
tornam o uso dessa estratégia inalcançável para a da falibilidade humana”
maioria dos campos de ensino”, e que “a simula- Entendemos que a comunidade da Educação
ção e o uso de ambientes simulados podem ser uti- Médica Brasileira recebe, sem dúvida, mais uma
lizados mesmo com recursos limitados”. grande obra! Sua leitura reveste-se de uma efetiva
A avaliação é também discutida enfatizando, oportunidade de aprofundar a compreensão de pres-
desde os cenários para habilidades não técnicas, supostos, teorias e práticas sobre simulação, com
como comunicação, liderança, trabalho em equipe, seus avanços e desafios na (re)construção de pro-
gerenciamento de tarefas, tomada de decisão, den- cessos formativos que tenham significado e repre-
tre outras, até a avaliação de habilidades, com desta- sentem possibilidades efetivas de transformação
que para a importância do Feedback e do Debriefing, das práticas profissionais.
bem como o uso de Checklists e Escalas de Avaliação
Global.
A Simulação como estratégia de preparo de Prof Dr Nildo Alves Batista
uma prática profissional comprometida com a Diretor Presidente da ABEM
SEGURANÇA do paciente é também enfatizada, Gestão 2018-2020 e 202O-2022

12 Prefácio
Apresentação

É
para mim motivo de honra e privilégio mais ético, com minimização de erros em saúde,
escrever o prefácio do livro que será uti- que possam comprometer a segurança do paciente.
lizado no Projeto “Desenvolvimento da O curso de capacitação de multiplicadores é
Rede de Centros de Simulação Clínica: elaboração assim uma excelente contribuição para o conheci-
de curso de capacitação de multiplicadores”. mento e formação em simulação realística no país,
A simulação clínica é um processo dinâmico já reconhecida como instrumento importante no
que envolve a criação de uma situação hipotética processo de ensino aprendizagem na saúde, essen-
que incorpora uma representação autêntica da re- cial para o aperfeiçoamento de profissionais dessa
alidade, facilitando a participação ativa do aluno área e para a oferta de melhor assistência aos pa-
e integrando o aprendizado prático e teórico com cientes. Os temas tratados nesse curso tais como,
oportunidades para a repetição, feedback, avaliação o uso de instrumentos para a avaliação do ensino
e reflexão, sem o risco de causar dano ao paciente. nos laboratórios simulados, a utilização da simula-
As evidencias mostram que as tecnologias de si- ção na capacitação da gestão de recursos em crise
mulação clínica são estratégias capazes de articular na área da saúde, a colaboração como fundamento
práticas de ensino e pesquisa, necessárias na quali- para ao trabalho Inter profissional em saúde en-
ficação dos profissionais da saúde, nos diversos ní- tre tantos outros, compõem assim um conjunto de
veis de atenção à saúde da população. ofertas que indiscutivelmente marcam um avanço
Há uma recomendação da OMS para a utiliza- na educação em saúde no Brasil.
ção dessa estratégia durante a formação em saúde.
Aprender e praticar técnicas e ou procedimentos em Mayra Isabel Correia Pinheiro
pacientes em situação de vulnerabilidade pode as- SGTES, MS, Brasília, 2021
sim ser substituída por um modelo de treinamento

Apresentação 13
Apresentação

N
os últimos vinte anos, a aplicação de me- simulações realísticas sempre terá como princípio
todologias de simulação, como ferramenta garantir a segurança e a prevenção de erros críti-
de ensino aprendizagem, foi desenvolvida cos, pois os modelos de simulação baseiam-se em
como uma das principais alternativas para se traba- sua capacidade de controlar as variáveis que pos-
lhar as competências educacionais (conhecimen- sam influenciar na aquisição e colocação em prá-
tos e habilidades) em um ambiente controlado, se- tica das competências definidas, bem como garan-
guro e que permite ser adaptado às necessidades tir um ambiente seguro, tanto para os profissionais
de cada momento. como para os usuários.
Os modelos de simulação realística, cada vez No campo da saúde, a aplicação dos modelos
com maior semelhança com a realidade, têm sido de aprendizagem por simulação permite trabalhar
adaptados a diferentes campos, onde os cenários competências profissionais em ambientes realistas
de simulação são os que causam impacto e os que diminuindo, de forma significativa, o tempo neces-
permitem uma maior aquisição de competências, sário para a aquisição de habilidades ao permitir a
com agilidade de transferência destas em relação repetição das ações de treinamento de forma ilimi-
à situação treinada. tada, utilizando ambientes com diferentes níveis
A simulação como estratégia de ensino aprendi- de dificuldade, do mais simples ao mais complexo.
zagem é de grande importância nos processos for- No movimento da mudança das Diretrizes
mativos, pois cada vez mais se faz necessário ga- Curriculares Nacionais (DCNs) do Curso de
rantir a segurança do paciente e que este, não seja Graduação em Medicina, em 2014, o Ministério
considerado um objeto de aprendizado. O uso das da Saúde e a Organização Pan Americana da

14 Apresentação
Saúde (OPAS) estabeleceu parceria com a Escuela lhar em equipe, fez com que este componente am-
Andaluza de Salud Publica (EASP), que entre ou- pliasse seu escopo possibilitando que profissio-
tras ações, dedicou um componente específico para nais dos serviços de saúde fossem contemplados
se trabalhar a área de aprendizagem por meio de si- na formação ofertada. Esta assessoria apresentou
mulação, um componente importante para ser es- ao final: a) “Guia de orientação para implantação
timulado e desenvolvido no país. e manutenção de centros de simulação no SUS” e,
Naquele momento, coube às autoridades sani- b) “Guia de desenvolvimento do programa de for-
tárias e educacionais do país promover e difundir mação de profissionais de saúde com uso da simu-
esta metodologia nos processos de aprendizagem lação realística em saúde.”
através da articulação e integração ensino serviço. A produção do livro “Simulação Clínica:
A parceria com a EBSERH foi de suma importância ensino e avaliação nas diferentes áreas da
visto que estavam dando inicio a estruturação dos Medicina e Enfermagem” como produto do projeto
centros de simulação em seus hospitais, como tam- “Desenvolvimento da Rede de Centros de Simulação
bém, a articulação com as faculdades de medicina, Clínica: Elaboração de curso para capacitação de
por meio da ABEM, possibilitou identificar profis- multiplicadores”, apresenta avanços nesta área. A
sionais que estavam se especializando nesta área. pandemia ocasionada pelo COVID-19, tem permi-
Seguindo a experiência de criação do Complexo tido identificar a importância de manter estes ce-
Multifuncional Avançado de Simulação e Inovação. nários de prática como centros de treinamento per-
Tecnologia (CMAT) de Granada na Andaluzia a as- manentes para desenvolver competências críticas
sessoria da EASP abrangeu diversos aspectos no no sistema e, neste sentido reforça ainda mais par-
processo de tomada de decisão para a estrutura- cerias como esta que devem ser impulsionadas no
ção e desenvolvimento de centros de aprendiza- país, de forma a proporcionar estruturas que visam
gem por simulação realística. A criação de cenários a qualificação de todos os trabalhadores da saúde
adequados que permitem reproduzir as situações
que os profissionais enfrentam e os momentos em
que devem integrar os seus conhecimentos, as suas Mónica Padilla
competências técnicas e relacionais para traba- OPAS, OMS, Brasília, 2021

Apresentação 15
Apresentação

A
parceria ABEM-Ebserh-Ministério da servada, nos termos do art. 207 da Constituição
Saúde/OPAS viabilizou a realização do Federal, a autonomia universitária.  
projeto “Desenvolvimento da Rede de A Ebserh caracteriza-se como uma rede que in-
Centros de Simulação Clínica: Elaboração de Curso tegra 40 unidades hospitalares vinculadas a 37 ins-
para Capacitação de Multiplicadores” que teve como tituições federais de ensino superior (IFES), das
objetivo desenvolver e capacitar multiplicadores em cinco regiões do pais. Tem como propósito “Ensinar
simulação clínica, no intuito de qualificar a atua- para transformar o cuidar” e a missão de fornecer
ção em ensino, pesquisa e extensão dos centros de campo de prática de excelência para inovação em
treinamento referenciais por meio de simulação.   saúde por meio do ensino e pesquisa, praticando
A Empresa Brasileira de Serviços assistência de qualidade e uma gestão sustentável
Hospitalares, Ebserh, empresa pública vinculada e transparente.
ao Ministério da Educação (MEC), criada pela Lei Atualmente, a Rede Ebserh conta com 17 polos
nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011 tem por fina- estruturados que trabalham com centros de simu-
lidade a prestação de serviços gratuitos de assis- lação ligados ao hospital e/ou à IFES. As demais
tência médico-hospitalar, ambulatorial e de apoio unidades hospitalares da Rede utilizam práticas de
diagnóstico e terapêutico à comunidade, em média simulação clínica, tais como simulação cênica, ro-
e alta complexidade, assim como a prestação de ser- bótica, de baixa, média e alta complexidades, como
viços de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão, estratégias de ensino-aprendizagem aplicadas aos
ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas cenários de práticas dos discentes e capacitação de
no campo da saúde pública às instituições públicas seus profissionais. Não por acaso a Rede reuniu as
federais de ensino ou instituições congêneres, ob- condições necessárias para essa diferenciada ação

16 Apresentação
de capacitação cujos resultados ainda incluem a va- O livro “Simulação Clínica: ensino e avaliação
liosa publicação desta obra. nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem”
A evolução científica e as discussões éticas sobre é mais uma iniciativa para qualificação de recur-
modelos de ensino-aprendizagem trouxeram gran- sos humanos que colabora para que o ensino base-
des restrições ao ensino em ciências da saúde, uma ado em simulação seja uma realidade e uma prática
vez que por muitos anos tal formação foi baseada corriqueira nos hospitais universitários federais.   
em modelos animais. Como consequência, apesar A perspectiva pedagógica trazida nos capítulos
das diversas restrições impostas por controles éti- converge para atender à necessidade crescente de
cos, o ensino prático realizado diretamente no pa- profissionais envolvidos na compreensão da rela-
ciente ainda é o principal modelo utilizado o que ção entre as diretrizes estabelecidas para a forma-
traz questões tanto para a formação do profissio- ção e a implementação de práticas interdisciplinares
nal quanto para a qualificação do cuidado prestado.   colaborativas, base para aquisição de novos conhe-
O uso de simuladores para aprendizado tem sido cimentos com vistas a uma atuação interpessoal e
aplicado há muitos anos em diversas áreas do co- técnica integradas, além do domínio da metodolo-
nhecimento. Notadamente, na área de aviação re- gia baseada em simulação em saúde.
percutiu de forma direta na diminuição do número Sem dúvida, o presente livro será referência para
de erros e aumento da segurança. Contudo, seu uso a comunidade acadêmica, profissionais de saúde,
como recurso de ensino-aprendizagem na área da estudantes, preceptores e docentes, do ensino téc-
saúde é relativamente recente.   nico à pós-graduação, nos diversos hospitais uni-
O planejamento do ensino baseado em competên- versitários e nas diferentes unidades da rede de
cias e habilidades trouxe um grande incentivo à prá- ensino e saúde do País. Isso porque representa um
tica da simulação como meio de desenvolvimento do convite à reflexão, ao debate e à atenção aos desa-
processo de ensino- aprendizagem com várias van- fios para o futuro das atividades de simulação clí-
tagens relacionadas a aspectos éticos, reprodutibi- nica na formação e na capacitação dos profissionais
lidade, segurança, eficiência, efetividade, custo e re- para melhorar a qualidade da assistência e garantir
ceptividade por parte dos aprendizes. Nesse sentido, mais segurança para os pacientes. A Ebserh se orgu-
desde 2016, a Ebserh tem fomentado tanto a criação lha de ter participado de tão importante parceria!
de laboratórios de habilidades e simulação quanto
a formação de pessoal com competências e habili- Oswaldo de Jesus Ferreira
dades para a gestão de centros de simulação e orga- Presidente da Ebserh
nização de atividades para formação e capacitação. Brasília, 2021

Apresentação 17
Apresentação do Livro 2

C
om o sucesso do Curso de Multiplicadores atual livro “Simulação Clínica: ensino e avaliação
para Desenvolvimento da Rede de Centros nas diferentes áreas da medicina e enfermagem”.
de Simulação Clínica, realizado em par- Em cada semestre de 2021 foram montadas
ceria entre a Empresa Brasileira de Serviços e aplicadas as duas disciplinas de pós-gradua-
Hospitalares (EBSERH), Associação Brasileira ção stricto sensu, vinculadas ao Programa de Pós-
de Educação Médica (ABEM), Secretaria de Graduação da USP de Bauru:
gestão do trabalho e da Educação da Saúde do 1) Simulação Clínica: Conceitos e Aplicação na
Ministério da Saúde (SGTES, MS) e Organização Formação e Capacitação de Profissionais (4 cré-
Panamericana de Saúde (OPAS), que capacitou ditos, 60 horas e duração de 10 semanas) e
323 profissionais de 18 hospitais federais de todas 2) Simulação Clínica Multiprofissional em Saúde (6
as regiões do país, criou-se um segundo espaço de créditos, 90 horas com 10 semanas de duração).
formação profissional com a oferta de duas disci- O conteúdo de cada disciplina está explicitado
plinas de pós-graduação na Universidade de São nos dois livros citados e ambas têm o mesmo de-
Paulo (USP) acerca do tema. sign instrucional com acesso pelo e-disciplinas (am-
O material didático da parte geral do curso biente virtual de aprendizagem da USP): 1) sala de
(módulos 1, 2, 4 e 5) foi transformado no livro aula invertida com disponibilização de vídeos gra-
“Simulação Clínica no ensino e avaliação: concei- vados e os capítulos dos livros, 2) enquetes, pré-tes-
tos e aplicações”, já publicado no final de 2021. Já o tes e tarefas orientadas a serem postadas em cada
material didático da parte específica das oito áreas tema, 3) acesso aos fóruns para dúvidas e intera-
de saúde do curso (módulo 3) foi transformado no ções, 4) encontro online síncrono semanal (60 a 90

18 Apresentação do Livro
minutos de duração) para discussão do tema, cujos dir a metodologia em todo o país. Na ausência de
materiais didáticos foram disponibilizados previa- suas atividades, observa-se nas disciplinas a viabi-
mente, na presença do professor responsável. Este lidade de outras opções com uma estrutura já va-
encontro é gravado e disponibilizado. lidada e aprovada.
Mesmo com pouca divulgação, nos três semes-
tres de aplicação dessas disciplinas (duas aplica- Diferentemente do primeiro livro “Simulação
ções da disciplina geral e uma da específica), ti- Clínica no ensino e avaliação: conceitos e aplica-
vemos 361 alunos inscritos. Deste total, apenas 32 ções”, que em seus 17 capítulos, discute os concei-
eram alunos regulares de mestrado e doutorado, tos acerca da simulação como método de ensino e
sendo os demais 329 profissionais de saúde in- de avaliação, sua inserção curricular, temas de su-
teressados no tema da simulação clínica. Os da- porte à simulação (pacientes simulados, moulage,
dos gerais dos inscritos são os seguintes: 1) Área simuladores de baixo custo etc) e gestão do centro
profissional: 42% médicos e 48% enfermeiros, 2) de simulação, este novo livro “Simulação Clínica:
Pós-graduação concluída: 45,4% Mestrado, 21,5% ensino e avaliação nas diferentes áreas da medicina
Doutorado e 4% Pós-Doutorado, 3) Contratados e enfermagem”, conta com 36 capítulos. Os quatro
de Instituições de Ensino Superior: 66,3% - 52% primeiros capítulos gerais mostram as tarefas ini-
Públicas e 48% Privadas, em sua grande maioria ciais da elaboração das estações simuladas. Os qua-
de cursos da saúde, 4) Contratados de Hospitais: tro capítulos específicos dentro de cada uma das oito
52,8% - 84,9% Públicos e 15,1% Privados e 5) Regiões áreas (Cirurgia Geral, Clínica Médica, Emergência,
do país: 6,6% Centro-Oeste, 46,2% Nordeste, 6,6% Ginecologia e Obstetrícia, Pediatria, Saúde Coletiva,
Norte, 22,7% Sudeste e 17,9% Sul. Nos questioná- Saúde da Família e Comunidade e Saúde Mental) fo-
rios de avaliação e nas manifestações espontâneas ram escritos por tutores médicos (o ensino na gra-
dos inscritos a respeito dos aspectos metodológi- duação e residência médica e, o estado da arte da
cos, corpo docente e qualidade das discussões fo- simulação) e por enfermeiros (os tipos de simula-
ram somente elogios. dores disponíveis e o ensino de graduação, treino
Há uma grande necessidade da capacitação, de habilidades, uso da simulação na enfermagem).
principalmente docente, no uso da simulação clí- Esperamos que o conteúdo deste livro possa
nica, com muito interesse mesmo fora da academia. contribuir ainda mais com a difusão da utilização
A experiência de sucesso do curso de simulação clí- da simulação clínica com método de ensino e ava-
nica e das disciplinas na forma remota tornou-as liação nos cursos da área da saúde.
com maior número de inscritos dentre os progra-
mas de pós-graduação da universidade pública. Os
tutores do curso e das disciplinas têm sido convi-
dados para vários eventos e bancas de pós-gradu-
ação em todo o país. Prof. Gerson Alves Pereira Júnior
O Programa ABEM de Simulação Clínica foi Coordenador Pedagógico do Curso EBSERH
criado em 2016 para suprir esta finalidade e difun- Coordenador – Programa ABEM de Simulação

Apresentação do Livro 19
CAPÍTULOS GERAIS
CA P Í T UL O 1

A revisão das redes de atenção


à saúde, linhas de cuidado e a
epidemiologia loco-regional para
definição dos cenários de prática
e dos contextos clínicos para a
diversificação da construção das
estações simuladas

21
21
Gerson Alves Pereira Júnior
Docente de Cirurgia de Urgência e do Trauma
Universidade de São Paulo
Coordenador do Programa
ABEM de Simulação

Sara Fiterman Lima


Enfermeira
Professora do Curso de Medicina
de Pinheiro/MA
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Armando De Negri Filho


Médico
Coordenador geral
Rede Brasileira de Cooperação
em Emergências

1. INTRODUÇÃO

A engenharia de cenários de simulação é a arte de curricular refere-se a cenários de simulação usados


desenvolver aplicações práticas (cenários de simu- como uma ferramenta de rotina na entrega de par-
lação) que englobam conhecimento da medicina, si- tes selecionadas do currículo (KHAN et al., 2010).
muladores, diferentes ambientes clínicos e currícu- Os cenários adequados dependem de planeja-
los. O objetivo geral da engenharia de cenário deve mento detalhado para condução da simulação clí-
ser facilitar a entrega e obtenção de um conjunto de nica, podendo variar em relação à complexidade e
resultados de aprendizagem claros, mantendo a “fi- ao tempo de duração, de acordo com os objetivos de
delidade” o mais alta possível (KHAN et al., 2010). aprendizagem propostos e os resultados esperados,
As habilidades necessárias para criar cenários sem impedirem que outros pontos possam emergir
de simulação de alta fidelidade são diferentes das durante a atividade. Dessa forma, o planejamento
necessárias para escrever cenários de ensino para deve ser retroalimentado, flexível e cíclico, sendo
discussões baseadas em casos. É por isso que o con- composto por várias escolhas, decisões e constru-
ceito “engenharia de cenário” é mais adequado do ções (ALINIER, 2011; INTERNATIONAL NURSING
que “escrita de cenário”. Se os cenários não forem ASSOCIATION FOR CLINICAL SIMULATIONAND
projetados com a devida diligência, eles não ape- LEARNING, 2016).
nas poderão prejudicar a ação e a fidelidade tem- Casos da vida real costumam ser um bom ponto
poral, mas também reduzirão o impacto educacio- de partida para o desenvolvimento de cenários, pois
nal da educação baseada em simulação, por não se costumam trazer consigo boas lições e pontos rele-
vincularem diretamente ao currículo. A integração vantes para a aprendizagem (MURRAY et al., 2004).

22 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


Utilizando-se o conceito de engenharia para 2. BREVE ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE
SAÚDE
construção dos cenários simulados, durante o pro-
cesso de capacitação docente, há o planejamento do
processo de instrução em três etapas: O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maio-
1) Escrita do caso clínico selecionado para a ser res e mais complexos sistemas de saúde pública do
transformado em atividade simulada. mundo, abrangendo desde o atendimento na aten-
2) Montagem dos itens da encomenda da esta- ção primária até o nível mais complexo de assistên-
ção simulada, que é o início da transforma- cia à saúde, como os transplantes de órgãos. Deve
ção do caso clínico em estação simulada, já ser garantido o acesso integral, universal e gratuito
permitindo a visualização de como será cons- para toda a população do país. Desde a sua criação
truída a estação. na Constituição Federal de 1988, o SUS tem progre-
3) Modelo de construção completo da estação dido para proporcionar o acesso universal e a aten-
simulada, que é o roteiro integral do cenário ção integral à saúde, não se limitando aos cuidados
simulado em que estão as instruções e tare- assistenciais. Assim, segue com foco mais amplo
fas do estudante/candidato, as orientações em busca da qualidade de vida, de modo trabalhar
ao avaliador, a lista de materiais e equipa- com prevenção de doenças e promoção da saúde
mentos, o mapa de disposição dos móveis e (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020).
recursos humanos dentro do ambiente físico Dessa forma, os princípios do SUS são:
da estação simulada, o script do paciente si- • Universalização: a saúde é um direito de todas
mulado (caso seja simulação cênica), o flu- as pessoas, e cabe ao Estado assegurar esse di-
xograma de decisão do avaliador e o instru- reito, já que o acesso às ações e aos serviços deve
mento padronizado de avaliação (checklist). ser garantido a todas as pessoas, independente-
mente de sexo, raça, ocupação ou outras carac-
Dessa forma, no início do processo de capaci- terísticas sociais ou pessoais.
tação docente, a primeira tarefa é uma revisão da • Equidade: o objetivo desse princípio é diminuir
rede de atenção à saúde locorregional, associada à desigualdades. Apesar de todas as pessoas pos-
epidemiologia das causas de morbidade e morta- suírem direito aos serviços, elas não são iguais
lidade. O objetivo é que os professores e precep- e, por isso, têm necessidades distintas.
tores das várias áreas da medicina, dentro de suas • Integralidade: esse princípio considera as pes-
linhas de cuidados, consigam visualizar a organi- soas como um todo, atendendo a todas as suas
zação de suas redes de atenção e também as pato- necessidades. Para isso, é necessária a integra-
logias mais prevalentes e relevantes para a monta- ção de ações, incluindo a promoção da saúde,
gem das estações simuladas. a prevenção de doenças, o tratamento e a re-
Embora possa parecer um tanto óbvia essa ta- abilitação. Além disso, o princípio de integra-
refa, percebe-se que sua realização de forma com- lidade pressupõe a articulação da saúde com
pleta permite os seguintes resultados: outras políticas públicas, para assegurar uma
• Avaliação da capacidade instalada da rede de atuação intersetorial entre as diferentes áreas
atenção à saúde, identificando os pontos for- que tenham repercussão na saúde e qualidade
tes e as fraquezas; de vida dos indivíduos.
• Visualização integral das linhas de cuidados
das várias áreas de assistência à saúde (cardio- A gestão das ações e dos serviços de saúde deve
vascular, cerebral, trauma, gineco-obstétrica, ser solidária e participativa entre os três entes fe-
pediátrica, sepse, patologias cirúrgicas agudas, derativos: União, estados e municípios. A rede que
respiratória etc.), podendo estabelecer os tem- compõe o SUS abrange as ações e os serviços de
pos de espera e permanência em cada nível de saúde, nas diferentes complexidades (primária, se-
atenção para uma melhor qualidade do resul- cundária e terciária), incluindo os serviços urgência
tado do atendimento ao paciente; e e emergência, a atenção hospitalar, as ações e os ser-
• Definição das patologias mais frequentes e pre- viços das vigilâncias epidemiológica, sanitária e am-
valentes que causam morbidade e mortalidade biental, e assistência farmacêutica (MINISTÉRIO
no município e na região. DA SAÚDE, 2020).
Com as análises e reflexões dessas tarefas, a pos- Os princípios organizativos do SUS envolvem
sibilidade de diversificação da elaboração de esta- os seguintes tópicos:
ções simuladas é muito grande. • Regionalização e hierarquização: os serviços de-

A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 23
vem ser organizados em níveis crescentes de • Estados e Distrito Federal: os estados possuem
complexidade, circunscritos a uma determinada secretarias específicas para a gestão de saúde.
área geográfica, planejados a partir de crité- O gestor estadual deve aplicar recursos pró-
rios epidemiológicos e com definição e conheci- prios, inclusive nos municípios, e os repassados
mento da população a ser atendida. A regiona- pela União. Além de ser um dos parceiros para a
lização é um processo de articulação entre os aplicação de políticas nacionais de saúde, o es-
serviços que já existem, visando ao comando tado formula suas próprias políticas de saúde.
unificado deles. Já a hierarquização deve pro- Ele coordena e planeja o SUS em nível estadual,
ceder à divisão de níveis de atenção e garantir respeitando a normatização federal. Os gesto-
formas de acesso a serviços que façam parte da res estaduais são responsáveis pela organiza-
complexidade requerida pelo caso, nos limi- ção do atendimento à saúde em seu território.
tes dos recursos disponíveis numa dada região. • União: a gestão federal da saúde é realizada por
• Descentralização e comando único: descentra- meio do Ministério da Saúde. O governo fede-
lizar é redistribuir poder e responsabilidade ral é o principal financiador da rede pública de
entre os três níveis de governo. Com relação à
saúde. Historicamente, o Ministério da Saúde
saúde, a descentralização objetiva prestar ser-
aplica, em todo o Brasil, metade de todos os re-
viços com maior qualidade e garantir o controle
cursos gastos no país em saúde pública, e estados
e a fiscalização por parte dos cidadãos. No SUS,
e municípios, em geral, contribuem com a ou-
a responsabilidade pela saúde deve ser descen-
tra metade dos recursos. O Ministério da Saúde
tralizada até o município, ou seja, devem ser for-
formula políticas nacionais de saúde, mas não
necidas ao município condições gerenciais, téc-
nicas, administrativas e financeiras para exercer realiza as ações. Para a realização dos projetos,
essa função. Para que valha o princípio da des- depende de seus parceiros (estados, municípios,
centralização, existe a concepção constitucio- organizações não governamentais – ONGs, fun-
nal do mando único, em que cada esfera de go- dações, empresas etc.). Também tem a função
verno é autônoma e soberana nas suas decisões de planejar e elaborar normas, e avaliar e utili-
e atividades, respeitando os princípios gerais e zar instrumentos para o controle do SUS.
a participação da sociedade. Os conselhos de saúde, no âmbito de suas atua-
• Participação popular: a sociedade deve partici- ções (nacional, estadual ou municipal), em caráter
par no dia a dia do sistema. Para isso, devem ser permanente e deliberativo, são órgãos colegiados
criados os conselhos gestores locais das unida- compostos por representantes do governo, presta-
des de saúde que irão formar os conselhos mu-
dores de serviços, profissionais de saúde e usuários.
nicipais de saúde. Também existem conselhos
Atuam na formulação de estratégias e no controle
de saúde em níveis estadual e federal. A cada
da execução da política de saúde na instância cor-
quatro anos, são organizadas as conferências
respondente, inclusive nos aspectos econômicos e
de saúde, que visam formular estratégias, con-
financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo
trolar e avaliar a execução da política de saúde.
chefe do poder legalmente constituído em cada es-
• Estão bem definidas as responsabilidades dos
entes federativos que compõem o SUS: fera do governo (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020).
• Municípios: são responsáveis tanto pela execu- Cabe a cada conselho de saúde definir o número
ção das ações quanto pelos serviços de saúde de membros, que obedecerá à seguinte composição:
no âmbito do seu território. O gestor munici- 50% de entidades e movimentos representativos de
pal deve aplicar recursos próprios e os repassa- usuários, 25% de entidades representativas dos tra-
dos pela União e pelo estado. O município for- balhadores da área de saúde e 25% de representa-
mula suas próprias políticas de saúde e também ção de governo e prestadores de serviços privados
é um dos parceiros para a aplicação de políticas conveniados ou sem fins lucrativos.
nacionais e estaduais de saúde. Ele coordena e O processo de decisão das ações a partir dos
planeja o SUS em nível municipal, respeitando conselhos municipais de saúde também segue para
a normatização federal. Pode estabelecer par- outros foros:
cerias com outros municípios para garantir o • Comissão Intergestores Bipartite (CIB): foro de
atendimento pleno de sua população, para pro- negociação e pactuação entre gestores estadu-
cedimentos de complexidade que estejam acima ais e municipais, quanto aos aspectos operacio-
daqueles que pode oferecer. nais do SUS.

24 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


• Comissão Intergestores Tripartite (CIT): foro cesso democrático e solidário, entre as esferas
de negociação e pactuação entre gestores fede- de gestão do SUS, podendo ser operada no que
rais, estaduais e municipais, quanto aos aspec- se refere à referência intermunicipal.
tos operacionais do SUS. • Escopo da central de regulação: definição de
quais especialidades e procedimentos (inter-
Também participam entidades representativas
nações, consultas e exames) serão regulados, e
dos principais atores da saúde:
que profissionais de saúde estarão vinculados
• Conselho Nacional de Secretarias Municipais de
à central de regulação. Nesse escopo, também
Saúde (Conasems): entidade representativa dos
são definidos os recursos físicos e financeiros
entes municipais na CIT para tratar de matérias
alocados para atendimentos da população pró-
referentes à saúde.
pria e referenciada.
• Conselhos de Secretarias Municipais de Saúde
• Unidades solicitantes: são instituições de saúde
(Cosems): são reconhecidos como entidades
às quais é permitido solicitar atendimentos à
que representam os entes municipais, no âm-
bito estadual, para tratar de matérias referen- central de regulação: unidades básicas de saúde,
tes à saúde, desde que vinculados institucional- ambulatórios de especialidades, pronto atendi-
mente ao Conasems, na forma que dispuserem mentos, hospitais; secretarias municipais e co-
seus estatutos. ordenadorias regionais de saúde; centrais de
• Conselho Nacional de Secretário da Saúde (Conass): regulação de outros municípios e regiões auto-
entidade representativa dos entes estaduais e do rizados pelo gestor.
Distrito Federal na CIT para tratar de matérias • Unidades executantes: estabelecimentos públi-
referentes à saúde. cos e privados que, sob a concordância do ges-
tor, ofertam sua capacidade física de atendi-
Uma estratégia para regular a oferta e a de- mento, ou parte dela, para a central de regulação.
manda em saúde é a constituição de complexos re- Fazem parte da rede assistencial do SUS e são
guladores que consiste numa organização do con- incorporados às centrais de regulação por meio
junto de ações da regulação do acesso à assistência, do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de
de maneira articulada e integrada, buscando ade- Saúde (CNES).
quar a oferta de serviços de saúde à demanda que
mais se aproxima das necessidades reais em saúde Assim, a constituição de complexos reguladores
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). permite aos gestores articular e integrar dispositi-
Em cada região, deve haver a composição dos vos de regulação do acesso, como centrais de inter-
complexos reguladores da assistência para situa- nação, centrais de consultas e exames, e protocolos
ções eletivas e de urgência. A operacionalização assistenciais, com outras ações de controle, avalia-
das ações de regulação traz um ganho expressivo ção e auditoria assistencial, assim como com outras
para o SUS ao reforçar e qualificar as funções ges- funções da gestão, como programação e regionali-
toras, de modo a otimizar os recursos de custeio zação (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006).
da assistência, qualificar o acesso e, consequente- A implantação de centrais de internação, con-
mente, proporcionar aos usuários do SUS melhor sultas e exames, para gerenciar os leitos disponíveis
oferta das ações governamentais voltadas à saúde. e a agenda de consultas especializadas e Serviço de
Para essa operacionalização, faz-se necessário Apoio Diagnóstico e Terapêutico (SADT), demanda
que o gestor defina previamente a sua estratégia um pacto com prestadores, formalizado nos con-
de regulação, que envolve as seguintes decisões: tratos, e a atualização dos cadastros de estabeleci-
• Abrangência da central: compreende a região geo- mentos, profissionais e usuários. Para padronizar a
gráfica de cobertura da central de regulação, que solicitação de internações, consultas, exames e tera-
deve respeitar a composição da região de saúde, ex- pias especializadas, exigem-se protocolos para en-
pressa no Plano Diretor de Regionalização (PDR), caminhamentos, que devem estar de acordo com os
e sua identidade cultural, econômica e social, de mais recentes e seguros consensos científicos. Para
redes de comunicação e infraestrutura de trans- criar fluxos ágeis de referência, exige-se a integra-
porte compartilhadas. ção com as ações de solicitação e de autorização de
• Esfera administrativa: refere-se à esfera respon- procedimentos. Ao criar o canal para a referência
sável pela gestão dos recursos assistenciais vin- de uma unidade a outra, segundo fluxos e protoco-
culados à central de regulação. A abrangência e los padronizados, permite-se a utilização mais ade-
respectiva gestão devem ser pactuadas, em pro- quada dos níveis de complexidade e viabiliza-se a

A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 25
atenção de forma oportuna e adequada à necessi- • Central de Regulação de Consultas e Exames: é
dade do usuário (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). responsável pela regulação do acesso dos pa-
A organização dos fluxos de referência especiali- cientes às consultas especializadas, aos SADTs,
zada e contrarreferência intermunicipal estabelece bem como aos demais procedimentos ambula-
exigências para a conformação de uma rede hierar- toriais especializados ou não.
quizada e regionalizada, fazendo demandas destina-
É importante frisar que as centrais de regula-
das ao processo de regionalização e da Programação
ção são estruturas básicas que compõem o com-
Pactuada e Integrada (PPI).
plexo regulador; contudo, é possível trabalhar com
Todos os municípios devem organizar a regu- centrais de regulação específicas que atuem em um
lação do acesso dentro das diretrizes da Regulação universo menor de procedimentos, como: terapia
da Atenção à Saúde, mas nem todos contarão com renal substitutiva, transplantes e procedimentos
complexos reguladores. Assim, no mínimo, todos contemplados na Central Nacional de Regulação
os municípios devem organizar uma atenção básica da Alta Complexidade (CNRAC) e outros.
resolutiva que faça solicitações padronizadas pelos
protocolos, encaminhamentos responsáveis e ade-
quados aos demais níveis de assistência, segundo os 3. EPIDEMIOLOGIA
fluxos de referência desenhados, ainda que os esta-
belecimentos não estejam localizados em seu terri-
A epidemiologia é um dos pilares da saúde pú-
tório (definições do PDR e da PPI). Nessa situação,
blica e, como tal, deve estar estreitamente incorpo-
o município desempenhará, ao mesmo tempo, o pa-
rada às políticas, aos programas e aos serviços pú-
pel de autorizador e de unidade solicitante dentro
blicos de saúde. No Brasil, a criação e o processo de
de um complexo regulador, localizado no municí-
fortalecimento e consolidação do SUS vêm permi-
pio que é seu polo de referência.
tindo a garantia da saúde como direito constitucional,
O complexo regulador é composto por uma ou
e a saúde pública vem ampliando consideravelmente
mais estruturas denominadas centrais de regula- o seu espaço dentro desse sistema (ASSOCIAÇÃO
ção, que compreendem toda a ação-meio do pro- BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA, 2005).
cesso regulatório, isto é, recebem as solicitações No Brasil e no mundo, vive-se um fenômeno de
de atendimento, processam-nas e agendam-nas transição epidemiológica, marcado pelo envelheci-
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). mento populacional, provocado pela elevação da
As centrais de regulação atuam em áreas as- expectativa de vida, pois temos mais qualidade de
sistenciais inter-relacionadas, como a assistências vida, avanços da medicina, novos tratamentos, as-
pré-hospitalar e inter-hospitalar de urgência, e as sim como a implementação e ampliação de políti-
internações, além das consultas e dos procedimen- cas públicas de saúde. Entretanto isso implica em
tos ambulatoriais de média e alta complexidade, e redução das condições agudas e aumento das con-
são classificadas em: dições crônicas (MENDES, 2011).
• Central de Regulação de Urgência: sua ação é Dessa forma, o Brasil encontra-se numa transição
executada conforme disposto na Portaria do epidemiológica, que refere-se às mudanças ocorri-
Ministério da Saúde nº 2.048, de 5 de novem- das, temporalmente, na frequência, na magnitude e
bro de 2002. Regula o atendimento pré-hospi- na distribuição das condições de saúde. Essas mu-
talar de urgência, que é realizado pelo Serviço danças se expressam nos padrões de morte, morbi-
de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). A dade e invalidez que caracterizam uma população
partir do momento em que o paciente necessita específica e que, em geral, acontecem, concomitan-
de uma internação, será acionada a Central de temente, com outras transformações demográficas,
Regulação de Internações. sociais e econômicas (MENDES, 2011).
• Central de Regulação de Internações: é respon- Há, contudo, padrões diferenciados de transição
sável pela regulação dos leitos hospitalares dos epidemiológica, especialmente verificáveis nos paí-
estabelecimentos de saúde vinculados ao SUS, ses desenvolvidos e em desenvolvimento. Essa situ-
próprios, contratados ou conveniados. O escopo ação epidemiológica singular dos países em desen-
da central de internações hospitalares deve ser volvimento – que se manifesta claramente no Brasil
configurado com os leitos das diversas clínicas, – define-se por alguns atributos fundamentais: a su-
de unidade de terapia intersiva (UTI) e de reta- perposição de etapas, com a persistência concomi-
guarda aos prontos-socorros. tante das doenças infecciosas e carenciais e das do-

26 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


enças crônicas; movimentos de ressurgimento de Os sistemas fragmentados de atenção à saúde,
doenças que se acreditavam superadas; as doenças fortemente hegemônicos, são aqueles que se orga-
reemergentes como dengue e febre amarela; a tran- nizam por meio de um conjunto de pontos de aten-
sição prolongada; a falta de resolução da transição ção à saúde, isolados uns dos outros, e que, por con-
num sentido definitivo; a polarização epidemioló- sequência, são incapazes de prestar uma atenção
gica, representada pela agudização das desigual- contínua à população. Neles, a atenção primária
dades sociais em matéria de saúde; e o surgimento à saúde (APS) não se comunica fluidamente com
das novas doenças ou enfermidades emergentes a atenção secundária à saúde, e esses dois níveis
(MENDES, 1999; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA também não se articulam com a atenção terciária
SAÚDE, 2003). à saúde, nem com os sistemas de apoio e logísticos.
Essa complexa situação epidemiológica tem sido Diferentemente, os sistemas integrados de aten-
definida, recentemente, como tripla carga de doen- ção à saúde, as redes de atenção à saúde (RAS), são
ças, porque envolve, ao mesmo tempo: primeiro, aqueles organizados por meio de um conjunto co-
uma agenda não concluída de infecções, desnutri- ordenado de pontos de atenção à saúde para pres-
ção e problemas de saúde reprodutiva; segundo, o tar uma assistência contínua e integral a uma po-
desafio das doenças crônicas e de seus fatores de ris- pulação definida (MENDES, 2011).
cos, como tabagismo, sobrepeso, inatividade física, A concepção vigente na normativa do SUS é a
uso excessivo de álcool e outras drogas e alimen- de um sistema hierárquico, piramidal, formatado
tação inadequada; e terceiro, o forte crescimento segundo as complexidades relativas de cada nível
da violência e das causas externas (FRENK, 2006). de atenção em atenção básica, média complexi-
dade e alta complexidade. Essa concepção é total-
mente equivocada tomando-se a significação di-
4. FORMAÇÃO DE REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE cionarizada, e não da teoria da complexidade, de
algo complicado e difícil. Nas RAS, a concepção
Além de se organizarem pela atenção às con- de hierarquia é substituída pela de poliarquia, e o
dições agudas e crônicas, os sistemas de atenção à sistema organiza-se sob a forma de uma rede hori-
saúde podem apresentar-se, socialmente, num con- zontal de atenção à saúde. Assim, nas RAS não há
tínuo que vai desde a fragmentação até a integra- uma hierarquia entre os diferentes pontos de aten-
ção (MENDES, 2011). ção à saúde, mas a conformação de uma rede ho-
Essas duas maneiras de analisar os sistemas de rizontal de pontos de atenção à saúde de distintas
atenção à saúde não aparecem, na prática social, densidades tecnológicas e seus sistemas de apoio,
de forma independente; ao contrário, os sistemas sem ordem e sem grau de importância entre eles.
fragmentados tendem a se voltar para a atenção Todos os pontos de atenção à saúde são igualmente
principal às condições e aos eventos agudos, en- importantes para que se cumpram os objetivos das
quanto os sistemas integrados tendem a atuar, equi- RAS; apenas se diferenciam pelas diferentes densi-
libradamente, sobre as condições agudas e crôni- dades tecnológicas que os caracterizam. A Figura 1
cas (MENDES, 2011). apresenta essa diferença de conceitos.

ALTA
COMPLEXIDADE

MÉDIA COMPLEXIDADE APS

ATENÇÃO BÁSICA

Figura 1. A mudança dos sistemas piramidais e hierárquicos para as redes de atenção à saúde. Fonte: Mendes (2011).

A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 27
Dessa forma, não é verdade que a APS seja me- Todos os pontos de atenção a saúde são igualmente
nos complexa que os cuidados ditos de média e alta importantes para que se cumpram os objetivos da
complexidades. É a APS que deve atender a mais rede de atenção à saúde e se diferenciam, apenas,
de 85% dos problemas de saúde; é aí que se situa a pelas distintas densidades tecnológicas que os ca-
clínica mais ampliada e onde se ofertam, preferen- racterizam (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014).
cialmente, tecnologias de alta complexidade, como A atenção básica é um conjunto de interven-
aquelas relativas a mudanças de comportamentos ções de saúde nos âmbitos individual e coletivo que
e estilos de vida em relação à saúde: cessação do envolve: promoção, prevenção, diagnóstico, trata-
hábito de fumar, adoção de comportamentos de mento e reabilitação. É desenvolvida por meio do
alimentação saudável e de atividade física etc. Os exercício de práticas gerenciais e sanitárias, demo-
níveis de atenção secundários e terciários consti- cráticas e participativas, sob a forma de trabalho em
tuem-se de tecnologias de maior densidade tecno- equipe, dirigidas a populações de territórios bem
lógica, mas não de maiores complexidades. Tal vi- delimitadas, sobre as quais assumem responsabili-
são distorcida de complexidade leva os políticos, os dade. Utiliza tecnologias de elevada complexidade
gestores, os profissionais de saúde e a população a e baixa densidade que devem resolver os problemas
uma sobrevalorização, seja material, seja simbólica, de saúde de maior frequência e relevância das po-
das práticas que são realizadas nos níveis secundá- pulações. É o contato preferencial dos usuários com
rios e terciários de atenção à saúde e, por consequ- o sistema de saúde. Orienta-se pelos princípios de
ência, a uma banalização da APS. universalidade, acessibilidade (ao sistema), conti-
Esse movimento universal em busca da constru- nuidade, integralidade, responsabilização, huma-
ção de RAS está sustentado por evidências de que nização, vínculo, equidade e participação social. A
essas redes constituem uma saída para a crise con- atenção primária deve considerar o sujeito em sua
temporânea dos sistemas de atenção à saúde. Há evi- singularidade, complexidade, integralidade e in-
dências, provindas de vários países, de que as RAS serção sociocultural, e buscar a promoção de sua
melhoram os resultados sanitários e econômicos saúde, a prevenção e tratamento das doenças, e a
dos sistemas de atenção à saúde (MENDES, 2011). redução dos danos ou sofrimentos que possam es-
As RAS são definidas como arranjos organiza- tar comprometendo suas possibilidades de viver
tivos de ações e serviços de saúde, de diferentes de modo saudável (CONSELHO NACIONAL DE
densidades tecnológicas, que, integradas por meio SECRETÁRIOS DE SAÚDE, 2004).
de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, É aquele nível de um sistema de serviços de saúde
buscam garantir a integralidade do cuidado. O ob- que oferece a entrada no sistema para todas as no-
jetivo das RAS é promover a integração sistêmica vas necessidades e problemas, fornece atenção so-
de ações e serviços de saúde com provisão de aten- bre a pessoa (não direcionada para a enfermidade)
ção contínua, integral, de qualidade, responsável no decorrer do tempo, proporciona atenção a todas
e humanizada, bem como incrementar o desem- as condições, exceto as muito incomuns e raras, e
penho do sistema em termos de acesso, equidade, coordena ou integra a atenção disponibilizada em
eficácia clínica e sanitária, e eficiência econômica outro lugar ou por terceiros (STARFIELD, 2002).
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014).
Outro conceito fundamental na construção das 5. LINHAS DE CUIDADOS
RAS é o de nível de atenção à saúde. Os níveis de
atenção à saúde estruturam-se por arranjos pro- A linha de cuidado é uma forma de articulação de
dutivos conformados, segundo as densidades tec- recursos e práticas de produção de saúde, orien-
nológicas singulares, variando do nível de menor tadas por diretrizes clínicas, entre as unidades de
densidade, a APS, ao de densidade tecnológica in- atenção de uma dada região de saúde. O objetivo é a
termediária, a atenção secundária à saúde, até o de condução oportuna, ágil e singular dos usuários pe-
maior densidade tecnológica, a atenção terciária à las possibilidades de diagnóstico e terapia, em res-
saúde. Os níveis de atenção à saúde são fundamen- posta às necessidades epidemiológicas de maior re-
tais para o uso racional dos recursos e para o esta- levância. Visa à coordenação ao longo do contínuo
belecimento do foco gerencial dos entes de gover- assistencial, por meio da conectividade de papéis e
nança das RAS (MENDES, 2011). tarefas dos diferentes pontos de atenção e profissio-
Os “pontos de atenção à saúde” são entendidos nais. Pressupõe uma resposta global dos profissio-
como espaços onde se ofertam determinados ser- nais envolvidos no cuidado, superando as respostas
viços de saúde por meio de uma produção singular. fragmentadas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014).

28 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


A implantação de linhas de cuidado deve ser bilitação; proporcionar o acesso a todos os recursos
a partir das unidades da APS que têm a respon- tecnológicos de que o usuário necessita, desde vi-
sabilidade da coordenação do cuidado e ordena- sitas domiciliares realizadas pela Estratégia Saúde
mento da rede. da Família e outros dispositivos, como o Programa
A linha do cuidado deve expressar os fluxos de Atenção Domiciliar, até os de alta complexidade
assistenciais seguros e garantidos ao usuário, no hospitalar; e ainda requer uma opção de política de
sentido de atender às suas necessidades de saúde. saúde e boas práticas dos profissionais. O cuidado
É como se ela desenhasse o itinerário que o usuá- integral é pleno, feito com base no ato acolhedor do
rio faz por uma rede de saúde, incluindo segmen- profissional de saúde, no estabelecimento de vín-
tos não necessariamente inseridos no sistema de culo e na responsabilização diante do seu problema
saúde, mas que participam de alguma forma da de saúde (FRANCO; FRANCO, 2012).
rede, tal como entidades comunitárias e de as- Vários pressupostos devem ser observados para
sistência social. É diferente dos processos de re- a efetivação das linhas de cuidado, como garantia
ferência e contrarreferência, apesar de estes fa- dos recursos materiais e humanos necessários à
zerem parte dela. O funcionamento não é apenas sua operacionalização; integração e corresponsa-
por protocolos estabelecidos, mas também pelo bilização das unidades de saúde; interação entre
reconhecimento de que os gestores dos serviços equipes; processos de educação permanente; gestão
podem pactuar fluxos, reorganizando o processo de compromissos pactuados e de resultados. Tais
de trabalho, a fim de facilitar o acesso do usuá- aspectos devem ser de responsabilidade de grupo
rio às unidades e aos serviços dos quais necessita técnico, com acompanhamento da gestão regional
(FRANCO; FRANCO, 2012). (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014).
O conceito de linha de cuidado incorpora a ideia No conceito das linhas de cuidado, está prevista
da integralidade na assistência à saúde, o que signi- a atenção integral aos pacientes dentro da história
fica unificar ações preventivas, curativas e de rea- natural das doenças (Figura 2).

Figura 2. Modelo de atenção integral da linha de cuidado da população geral, em especial em portadores de hiper-
tensão arterial (HA) e diabetes melito (DM), e as possibilidades de evolução dessas patologias, desde sua promoção e
prevenção, passando pela assistência (diagnóstico e tratamento), até as complicações e sequelas, com eventual neces-
sidade de cuidados paliativos. Fonte: Adaptado de Ministério da Saúde (2014).

A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 29
O projeto terapêutico é o fio condutor para o o usuário a buscar na rede de serviços os recur-
fluxo da linha do cuidado. O projeto terapêutico sos necessários ao atendimento à sua necessidade.
aciona ou dispara a linha do cuidado. Importa pensar que, com a linha do cuidado in-
Dessa forma, o projeto terapêutico é concei- tegral organizada, o serviço de saúde opera cen-
tuado como o conjunto de atos assistenciais pen- trado nas necessidades dos usuários, e não mais
sados para resolver determinado problema de na oferta de serviços, o que geralmente limita o
saúde do usuário, com base em uma avaliação acesso (FRANCO; FRANCO, 2012).
de risco. O risco não é apenas clínico, é impor- Esses fluxos devem ser capazes de garantir o
tante enfatizar isso, ele é também social, econô- acesso seguro às tecnologias necessárias à assistên-
mico, ambiental e afetivo, ou seja, um olhar in- cia (FRANCO; FRANCO, 2012). Trabalha-se com a
tegral sobre o problema de saúde vai considerar imagem de uma linha de produção do cuidado que
todas essas variáveis na avaliação do risco. Com parte da rede básica ou de qualquer outro lugar de
base no risco, é definido o projeto terapêutico, e, entrada no sistema para os diversos níveis assis-
a partir dele, o trabalhador de saúde vai orientar tenciais (Figura 3).

Figura 3. Relação das redes de atenção a partir da atenção básica, mostrando o papel das linhas de cuidados. Fonte:
Adaptado de Ministério da Saúde (2014).

As linhas de cuidados, dentro de cada área de nos atendimentos e encaminhamentos não impli-
atenção à saúde, devem ser construídas perpas- que maior morbidade pelo risco de sequelas com
sando todos os níveis de atenção à saúde (Figura a não instituição da terapêutica nos tempos ade-
4), com a definição dos tempos de espera e perma- quados, o que também resulta em maior risco de
nência em cada ponto da rede para que a demora mortes evitáveis.

30 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


Figura 4. Relação das linhas de cuidado/atenção a partir da atenção básica, perpassando todos os níveis de atenção,
com definição dos tempos de espera e permanência em cada nível da rede. Fonte: Adaptado de De Negri Filho (2016).

É muito importante que cada linha de cuidado amento das linhas de cuidado integral (FRANCO;
organizada tenha um gestor – ou um colegiado ges- FRANCO, 2012).
tor, como for melhor – que pense e operacionalize As diretrizes clínicas são entendidas como re-
seus fluxos, de modo a garantir que os caminhos de comendações que orientam decisões assistenciais,
acesso aos serviços permaneçam desobstruídos e fa- de prevenção e promoção, como de organização
zer uma “vigilância” pela não burocratização des- de serviços para condições de saúde de relevância
ses fluxos. Essa gestão das linhas de cuidado é fun- sanitária, elaboradas a partir da compreensão am-
damental. O gestor ou colegiado gestor da linha de pliada do processo saúde-doença, com foco na in-
cuidado pode ser composto por aquele que detém o tegralidade, incorporando as melhores evidências
conhecimento dos fluxos e tem trânsito entre todos da clínica, da saúde coletiva, da gestão em saúde
os serviços, ou, no caso do colegiado, por aqueles e da produção de autonomia (MINISTÉRIO DA
indicados por cada serviço para fazer essa gestão. SAÚDE, 2014).
A gestão das linhas de cuidado deve estar atenta à As diretrizes desdobram-se em guias de prá-
aderência aos novos processos, isto é, as mudanças tica clínica/protocolos assistenciais, orientam as li-
do processo de trabalho, os novos fluxos que sur- nhas de cuidado e viabilizam a comunicação entre
gem e as inovações no ato de cuidar. O grupo ges- as equipes e os serviços, a programação de ações e
tor deve procurar perceber essas inovações como a padronização de determinados recursos.
elementos que enriquecem o que foi anteriormente
definido para os fluxos assistenciais. Não é porque
algo não está previsto anteriormente nos fluxos que 6. FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO DE RECURSOS
pode ser prejudicial a ele. Muitas vezes, a novidade HUMANOS EM SAÚDE
que surge é um aperfeiçoamento do processo pen-
sado originalmente, e, portanto, ele deve ser con- O artigo 200 da Constituição Federal de 1988, em
templado. A liberdade anda com a criatividade, e seu inciso III, atribui ao SUS a competência de or-
esta é a maior fonte de enriquecimento e aperfeiço- denar a formação na área da saúde (BRASIL, 1988).

A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 31
Portanto, as questões da educação na saúde passam há a possibilidade de intercâmbio e incremento
a fazer parte do rol de atribuições finalísticas do do conhecimento teórico-prático aos profissio-
sistema. Para observá-lo e efetivá-lo, o Ministério nais da rede de saúde (ANDRADE; MEIRELLES;
da Saúde tem desenvolvido, ao longo do tempo, vá- LANZONI, 2011).
rias estratégias e políticas voltadas para a adequa- A educação permanente em saúde constitui-se
ção da formação e qualificação dos trabalhadores numa estratégia fundamental para as transforma-
de saúde às necessidades de saúde da população e ções do processo de trabalho no setor, direcionando-
ao desenvolvimento do SUS. -o a tornar-se locus de atuação crítica, reflexiva e
A necessidade de avanços na gestão de recur- propositiva (CECCIM, 2005). Dessa forma, a trans-
sos humanos dos serviços públicos de saúde é mo- formação e qualificação das práticas de saúde, da
tivo de debates há anos. As dificuldades presentes organização das ações e dos serviços, dos processos
nessa área geram desafios para gestores nas três es- formativos e de desenvolvimento dos trabalhado-
feras de governo. A produção dos serviços de saúde res dessa área, mais do que diretrizes de uma polí-
depende da estrutura física, material e tecnológica tica, são prerrogativas de um Estado democrático.
disponível, e da existência de profissionais quali- Um dos grandes desafios enfrentados pelo SUS
ficados e motivados para transformar insumos em é o de ter profissionais competentes e preparados
resultados. para a assistência, de forma a impactar favoravel-
A gestão de recursos humanos é composta por um mente o benefício das condições de saúde da popu-
conjunto de ações que envolvem a contratação dos lação brasileira. Esse desafio torna imperativo as-
trabalhadores, a capacitação, a avaliação, a remunera- sumir o desenvolvimento de novas tecnologias para
ção e o desenvolvimento de um ambiente de trabalho formar e avaliar profissionais com excelência, que
adequado. Tomar decisões nessa área implica modi- respondam às necessidades de atenção à saúde dos
ficar determinadas realidades, processos, estruturas cidadãos, da sociedade e do sistema de saúde. Isso
de trabalhos, direitos e deveres, afetando a vida dos exige o desenvolvimento de um modelo de forma-
trabalhadores (SCALCO; LACERDA; CALVO, 2010). ção dinâmico, contínuo e atualizado.
No setor da saúde, educação permanente é um As rápidas e crescentes transformações das so-
conceito pedagógico utilizado para expressar as re- ciedades contemporâneas, por sua vez, têm colocado
lações entre ensino e ações e serviços, articulando em debate, de modo muito expressivo, os aspectos
docência e atenção à saúde. A Política Nacional de relativos à necessidade de mudanças na formação e
Educação Permanente em Saúde (PNEPS) ampliou capacitação dos profissionais de saúde (SILVA et al.,
esse conceito, que passou a designar também as re- 2014). Os sistemas de saúde enfrentam, atualmente, o
lações entre formação e gestão setorial, desenvol- desafio de conseguir profissionais competentes, que
vimento institucional e controle social em saúde realizem uma assistência efetiva e de qualidade, in-
(BRASIL, 2007). corporando valores adequados e adaptados a locais
A produção da PNEPS representou o esforço de e contextos determinados.
cumprir uma das metas da saúde coletiva no Brasil: A dinâmica de ensino-aprendizagem das meto-
transformar a rede pública de saúde em uma rede dologias tradicionais de ensino, influenciadas pelas
de ensino-aprendizagem no trabalho e no exercício tendências cartesianas, sob uma perspectiva frag-
da prática profissional (CECCIM, 2005). mentada e reducionista, coloca o docente na pos-
Na perspectiva da educação, estão estabelecidas tura de transmissor de conteúdos e o discente no
diretrizes curriculares nacionais para a formação papel de mero espectador (COSTA et al., 2015). Por
de profissionais de saúde, com perfil e competên- sua vez, as metodologias de ensino-aprendizagem
cias orientados pelos princípios e pelas diretrizes inovadoras buscam ativar no aluno a construção de
do SUS, que podem ser realizadas a partir de ex- conhecimentos a partir de experiências significa-
periências de ensino e desenvolvidas em cenários tivas, por meio de uma prática pedagógica partici-
concretos de prática (ANDRADE; MEIRELLES; pativa, crítico-reflexiva e edificadora de conheci-
LANZONI, 2011). mentos (BOLLELA et al., 2014; SOUZA; IGLESIAS;
O exercício da prática profissional em situação PAZIN-FILHO, 2014).
de ensino, como os estágios supervisionados, agrega O foco do processo ensino-aprendizagem nos
benefícios a todos os envolvidos nesse processo. aprendizes reflete no engajamento destes, com me-
Observam-se oportunidades de aprimoramento em todologias ativas que os envolvam em atividades
via de mão dupla, ou seja, enquanto o estudante vi- práticas, nas quais eles são protagonistas da pró-
vencia seu tempo da formação no campo de prática, pria aprendizagem (BERBEL, 2011). As estraté-

32 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


gias incluem experiências reais ou simuladas, vi- tes níveis de atenção à saúde (primário, secundá-
sando solucionar, com sucesso, desafios advindos rio ou terciário).
das atividades essenciais da prática, em diferentes A simulação é uma tentativa de imitar as pecu-
contextos (BERBEL, 2011) que atendem às diver- liaridades de uma determinada situação real, alme-
sas necessidades de formação, aumentando a inte- jando sua melhor compreensão e gestão (MEAKIM
gração dos conteúdos e a compreensão e retenção et al., 2013). Promove, em ambiente seguro e con-
dos assuntos. trolado, o desenvolvimento de aprendizagens sig-
Um dos métodos que vêm se destacando dentro nificativas e demonstra eficácia na educação cogni-
dessas metodologias ativadoras do conhecimento é a tiva e comportamental (HOADLEY, 2009).
aprendizagem baseada em simulação, uma estratégia Atualmente, por questões de segurança, quali-
prática que prepara os participantes para que pos- dade, ética, desenvolvimento de novas tecnologias e/
sam atuar em aspectos relevantes de situações reais. ou constantes cenários práticos em mutação, tem sido
Trata-se de metodologia racional para treinamento considerada imprescindível na formação e no apri-
de habilidades básicas e simples (capacidades cog- moramento dos profissionais da saúde (MEAKIM
nitivas, afetivas e psicomotoras mobilizadas em de- et al., 2013).
terminado contexto para a realização de tarefas) até No início da utilização do processo de ensino-
as mais complexas, envolvendo aspectos comporta- -aprendizagem das atividades práticas, o foco era
mentais (atividade global ou conjunto de atos de um o treino de habilidades de profissionais, porém nos
indivíduo perante uma situação). Essa metodologia dias atuais, com maior possibilidade de recursos
permite ao aprendiz atuar em ambiente protegido tecnológicos para a simulação, o foco tem sido o
e seguro com possibilidade da repetição de uma ta- desenvolvimento de raciocínio clínico, tomada de
refa inúmeras vezes (BEAUBIEN; BAKER, 2004). decisões, trabalho em equipe, autoconfiança, satis-
Esse método também associa a aprendizagem fação e motivação pela aprendizagem, entre outros
autodirigida dos estudantes/profissionais à expe- atributos.
riência do tutor, no momento de escolha da sequ-
ência de casos simulados, com o intuito de desen-
volver habilidades psicomotoras, habilidades de 7. PRIMEIRA TAREFA PRÉVIA À ELABORAÇÃO DAS
comunicação e de tomada de decisões, podendo ser ESTAÇÕES SIMULADAS
planejado o uso de fatores de confusão (distrato-
res) que mais frequentemente ocorrem na prática No processo de capacitação docente, principal-
real e que irão auxiliar na motivação e no envolvi- mente em trabalhos com grandes grupos, devemos
mento (IGLESIAS; PAZIN-FILHO, 2015). dividi-los nas diferentes áreas de atuação para me-
A aprendizagem de competências por meio lhor compreensão dos papéis individuais e coleti-
da simulação garante um ambiente de ensino com vos no processo de elaboração das estações simu-
maior segurança para os pacientes, na prática clí- ladas. Aqui dividiremos em oito áreas de atuação:
nica, além de ser mais rápida e mais duradoura, pediatria, clínica médica, cirurgia, medicina da fa-
pois a simulação é uma ferramenta que antecipa mília e comunidade, ginecologia/obstetrícia, saúde
uma situação real num contexto controlado. Por mental, medicina de emergência e saúde coletiva.
meio dela, o aprendiz e/ou o profissional poderão Dessa forma, a primeira tarefa é uma revisão da
treinar situações comuns e incomuns, e rever seus rede de atenção à saúde locorregional associada à
processos já implantados de raciocínio diagnós- epidemiologia das causas de morbidade e mortali-
tico e tratamento, procedimentos, tomada de deci- dade. O objetivo é que os professores e precepto-
sões e trabalho em equipe multiprofissional. Dessa res das várias áreas da medicina (ver as oito áreas
forma, associa-se o protagonismo do estudante em já mencionadas), dentro de suas linhas de cuidado,
sua aprendizagem à reflexão crítica antes, durante consigam visualizar a organização de suas redes de
e depois de ações e sua autonomia para aprendiza- atenção, de modo a definir os cenários de prática em
gem contínua (COOREY, 2016). que as estações simuladas serão aplicadas e também
A estruturação dos casos simulados possibilita as patologias mais prevalentes e relevantes para a
o desenvolvimento de ideias que permitem envol- montagem delas. Para essa primeira tarefa, utili-
vimento significativo dos estudantes/profissionais zam-se diferentes anexos: anexo 1 (modelo geral
nas discussões de condutas a serem tomadas, ba- para as áreas de pediatria, clínica médica, cirurgia
seadas na presença ou não de recursos humanos, geral e ginecologia/obstetrícia), anexo 2 (medicina
diagnósticos e terapêuticos existentes, nos diferen- de emergência), anexo 3 (medicina de família e co-

A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 33
munidade) e anexo 4 (saúde mental). Para a saúde ções simuladas e, por fim, no modelo de constru-
coletiva, como não há uma rede de atenção, a tarefa ção completa da estação simulada. Todas as áreas
é descrever a rede de serviços que está implantada médicas devem elaborar uma matriz de conteúdos,
no município e na região, acerca dos dados de vi- que é uma lista com as diversas patologias que po-
gilância (epidemiológica, sanitária e ambiental), dem ocorrer, desde as mais frequentes e prevalen-
assim como os demais serviços que a compõem. tes até as mais raras.
Percebe-se que sua realização de forma completa, A terceira tarefa será estabelecer as competên-
principalmente envolvendo profissionais de saúde cias necessárias para o cumprimento das tarefas
de diferentes áreas, permite os seguintes resultados: definidas na avaliação do desempenho esperado,
• Avaliação da capacidade instalada da rede de podendo a atividade simulada ser utilizada como
atenção à saúde nos diversos níveis de atenção, forma de ensino ou de avaliação (prova prática).
identificando os pontos fortes e as fraquezas. É imprescindível lembrar que a competência
• Visualização integral das linhas de cuidados das não é algo que se observa diretamente, mas pode
várias áreas de assistência à saúde. Na medicina ser inferida pelo desempenho e pela articulação de
de emergência, por exemplo, podemos dividi-las tarefas e capacidades, que dão a noção de compe-
em cardiovascular, cerebral, trauma, gineco-obs- tência profissional com base em padrões ou crité-
tétrica, pediátrica, sepse, patologias cirúrgicas rios definidos.
agudas, respiratória etc. Podem-se estabelecer Utilizando-se o conceito de engenharia dos ce-
os tempos de espera e permanência em cada ní- nários simulados, durante o processo de capacitação
vel de atenção para uma melhor qualidade do docente, há o planejamento do processo de instru-
resultado do atendimento ao paciente. ção em três etapas, para transformar o caso clínico
• Definição das patologias mais frequentes e pre- selecionado em atividade simulada:
valentes que causam morbidade e mortalidade 1) Escolha e escrita do caso clínico selecionado
no município e na região. para a ser transformado em atividade simulada.
Com as análises e reflexões dessas tarefas, a pos- 2) Montagem dos 19 itens da encomenda da esta-
sibilidade de diversificação da elaboração de esta- ção simulada, que é o início da transformação
ções simuladas é muito grande. do caso clínico em estação simulada, já permi-
Dessa forma, dentro do contexto da educação tindo a visualização de como será construída a
baseada em simulação, o desenvolvimento do corpo estação simulada.
docente envolve mais do que apenas treinamento 3) Modelo de construção completa da estação si-
para elaborar e executar os cenários de simulação, mulada, que é o roteiro integral do cenário si-
e fornecer feedback de forma eficaz, envolve tam- mulado em que estão as instruções do cenário
bém uma compreensão básica de todos os aspec- e tarefas do estudante/candidato, as orienta-
tos da simulação, incluindo a manutenção de am- ções ao avaliador, a lista de materiais e equipa-
bientes de aprendizagem seguros, gerenciamento mentos, o mapa de disposição dos móveis e os
de fidelidade e engenharia de cenário. recursos humanos dentro do ambiente físico da
A segunda tarefa, que será discutida no Capítulo estação simulada, o script do paciente simulado
2, corrobora a escolha dos conteúdos e temas a se- (caso seja simulação cênica), o fluxograma de
rem desenvolvidos no formato, inicialmente, de decisão do avaliador e o instrumento padroni-
casos clínicos, depois nas encomendas das esta- zado de avaliação (checklist).

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34 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


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A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 35
ANEXO 1

MATRIZ GERAL PARA A DEFINIÇÃO DOS PONTOS DE ATENÇÃO À SAÚDE NAS ÁREAS DE ATUAÇÃO
ÁREA DE ATUAÇÃO - Pediatria, Clínica Médica, Cirurgia Geral e Ginecologia/Obstetrícia

NÍVEL DE PONTO DE ATENÇÃO TERRITÓRIO


ATENÇÃO À SAÚDE SANITÁRIO

ATENÇÃO
MACRORREGIÃO:
TERCIÁRIA
À SAÚDE
No de Habitantes:
No de leitos
MACRORREGIÃO:
ATENÇÃO
SECUNDÁRIA
À SAÚDE
No de Habitantes:

MUNICÍPIO:

No de Habitantes:
ATENÇÃO
PRIMÁRIA Unidades Básicas (Número)=
ÁREA DE ABRANGÊNCIA
À SAÚDE

Equipe ESF/Ag Com. de Saúde MICRO-ÁREA


(Número e % de Cobertura)=

ANÁLISE CRÍTICA DA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE

VANTAGENS DA REDE DESVANTAGENS / PONTOS CRÍTICOS DA REDE

36 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


EPIDEMIOLOGIA DA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE NA ÁREA DE ATUAÇÃO

NÍVEL DE
MORTALIDADE MORBIDADE
ATENÇÃO

ATENÇÃO
CAUSAS DE
TERCIÁRIA
INTERNAÇÃO:
À SAÚDE

MOTIVOS DE
ATENÇÃO
ATENDIMENTO:
SECUNDÁRIA
À SAÚDE

MOTIVOS DE
ATENÇÃO
ATENDIMENTO:
PRIMÁRIA
À SAÚDE

A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 37
ANEXO 2

MATRIZ PARA A DEFINIÇÃO DOS PONTOS DE ATENÇÃO ÀS URGÊNCIAS EM SAÚDE


ÁREA DE ATUAÇÃO - Urgência e Emergência

NÍVEL DE PONTO DE ATENÇÃO TERRITÓRIO


ATENÇÃO À SAÚDE SANITÁRIO
HOSPITAIS MACRORREGIÃO:
TERCIÁRIOS
No de leitos e se porta aberta
ou demanda regulada No de Habitantes:

HOSPITAIS MACRORREGIÃO:
SECUNDÁRIOS
No de leitos e se porta aberta
ou demanda regulada No de Habitantes:

CENTRAL DE REGULAÇÃO (No


de médicos reguladores/período
do dia e grau de informatização
do registro e da tecnologia
comunicação com as ambulâncias MUNICÍPIO:
e UPAs/hospitais)=
ATENÇÃO No de Habitantes:
SAMU (No de ambulâncias USAs/
PRIMÁRIA
USBS e se regional ou não)=
À SAÚDE ÁREA DE ABRANGÊNCIA

UPAS (Número)=
MICRO-ÁREA

Unidades Básicas (Número)=


Equipe ESF/Ag Com. de Saúde
(Número e % de Cobertura) =

ANÁLISE CRÍTICA DA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE

VANTAGENS DA REDE DESVANTAGENS / PONTOS CRÍTICOS DA REDE

38 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


EPIDEMIOLOGIA DA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE NA ÁREA DE ATUAÇÃO

NÍVEL DE
MORTALIDADE MORBIDADE
ATENÇÃO

ATENÇÃO
CAUSAS DE
TERCIÁRIA
INTERNAÇÃO:
À SAÚDE

MOTIVOS DE
ATENÇÃO
ATENDIMENTO:
SECUNDÁRIA
À SAÚDE

MOTIVOS DE
ATENÇÃO
ATENDIMENTO:
PRIMÁRIA
À SAÚDE

A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 39
ANEXO 3

MATRIZ PARA A DEFINIÇÃO DOS PONTOS DE ATENÇÃO À SAÚDE NAS ÁREAS DE ATUAÇÃO
ÁREA DE ATUAÇÃO - Medicina de Família e Comunidade (MFC)

NÍVEL DE PONTO DE ATENÇÃO TERRITÓRIO


ATENÇÃO À SAÚDE SANITÁRIO
ATENÇÃO MACRORREGIÃO:
TERCIÁRIA
À SAÚDE
No de leitos No de Habitantes:

MACRORREGIÃO:
ATENÇÃO
SECUNDÁRIA
À SAÚDE
No de Habitantes:

CAPS (Número/tipo)= MUNICÍPIO:

No de Habitantes:
ATENÇÃO
PRIMÁRIA Unidades Básicas (Número)=
ÁREA DE ABRANGÊNCIA
À SAÚDE

Equipe ESF/Ag Com. de Saúde


(Número e % de Cobertura) = MICRO-ÁREA

ANÁLISE CRÍTICA DA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE

VANTAGENS DA REDE DESVANTAGENS / PONTOS CRÍTICOS DA REDE

40 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


EPIDEMIOLOGIA DA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE NA ÁREA DE ATUAÇÃO

NÍVEL DE
MORTALIDADE MORBIDADE
ATENÇÃO

ATENÇÃO
CAUSAS DE
TERCIÁRIA
INTERNAÇÃO:
À SAÚDE

MOTIVOS DE
ATENÇÃO
ATENDIMENTO:
SECUNDÁRIA
À SAÚDE

MOTIVOS DE
ATENÇÃO
ATENDIMENTO:
PRIMÁRIA
À SAÚDE

A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 41
ANEXO 4

MATRIZ GERAL PARA A DEFINIÇÃO DOS PONTOS DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL

NÍVEL DE TERRITÓRIO
PONTO DE ATENÇÃO À SAÚDE
ATENÇÃO SANITÁRIO
MUNICÍPIO, MICRO OU
Hospitais
MACRORREGIÃO:
Psiquiátricos
No de leitos
No de Habitantes
Leitos psiquiátricos MUNICÍPIO, MICRO OU
em Hospital Geral MACRORREGIÃO:

No de leitos No de Habitantes:

Serviços Residenciais Terapêuticos


No de leitos MICRORREGIÃO:
Unidades de
Acolhimento
Unidades de Acolhimento Transitório No de Habitantes:
No de leitos
MUNICÍPIO, MICRO OU
CAPS AD 3
MACRORREGIÃO:
(número e número de
leitos em cada um)
No de Habitantes
MUNICÍPIO, MICRO OU
CAPS AD MACRORREGIÃO:
(número)
No de Habitantes
MUNICÍPIO, MICRO OU
CAPS i MACRORREGIÃO:
(número)
No de Habitantes
MUNICÍPIO, MICRO OU
CAPS 3
MACRORREGIÃO:
(número e número de
leitos em cada um)
No de Habitantes
MUNICÍPIO, MICRO OU
CAPS 2
MACRORREGIÃO:
(número)
No de Habitantes:
MUNICÍPIO, MICRO OU
CAPS 1 MACRORREGIÃO:
(número)
No de Habitantes:
MUNICÍPIO, MICRO OU
Ambulatório de
MACRORREGIÃO:
Psiquiatria
No de Habitantes:
Estratégias de MUNICÍPIO, MICRO OU
geração de renda MACRORREGIÃO:
(Regional ou
Municipal) No de Habitantes:

42 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


MUNICÍPIO:
Consultório na Rua (equipes)
ATENÇÃO
No de Habitantes:
PRIMÁRIA
À SAÚDE Unidades Básicas com pelo menos equipe
mínima de Saúde Mental(Número) ÁREA DE ABRANGÊNCIA

Centros de Convivência (número) MICRO-ÁREA

CENTRAL DE REGULAÇÃO (No de médicos


psiquiatras reguladores/período do dia e grau
de informatização do registro e da tecnologia MUNICÍPIO:
comunicação com as ambulâncias e UPAs/
REDE DE ATENÇÃO hospitais, se municipal ou regional)= No de Habitantes:
À URGÊNCIA
PSIQUIÁTRICA SAMU com psiquiatra plantonista (No de horas ÁREA DE ABRANGÊNCIA
psiquiatra/ se regional ou não)=
MICRO-ÁREA
UPAS (Número total)
Unidades Básicas (Número)=

EPIDEMIOLOGIA DA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL

VANTAGENS DA REDE DESVANTAGENS/PONTOS CRÍTICOS DA REDE

A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 43
NÍVEL DE
MORBIDADE
ATENÇÃO

CAUSAS DE
Leitos em Hospital
INTERNAÇÃO:
Geral e Hospital Psiquiátrico

MOTIVOS DE
CAPS
ATENDIMENTO:

ATENÇÃO PRIMÁRIA MOTIVOS DE


À SAÚDE ATENDIMENTO:

REDE DE ATENDIMENTO À MOTIVOS DE


URGÊNCIA PSIQUIÁTRICA ATENDIMENTO:

SUICÍDIO
Tentativa/ano Consumado/ano

A RAPS (REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL) Atenção Residencial de Caráter Transitório


• Unidade de Acolhimento;
A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) estabe- • Serviço de Atenção em Regime Residencial.
lece os pontos de atenção para o atendimento de Atenção Hospitalar
pessoas com problemas mentais, incluindo os efei- • Enfermaria especializada em hospital geral;
tos nocivos do uso de crack, álcool e outras drogas. • Serviço Hospitalar de Referência (SHR) para
A Rede integra o Sistema Único de Saúde (SUS). Atenção às pessoas com sofrimento ou transtorno
mental e com neecessidades decorrentes do uso de
Na Atenção Básica crack, álcool e outras drogas.
• Unidade Básica de Saúde;
• Núcleo de Apoio a Saúde da Família; Estratégia de Desintitucionalização
• Consultório na Rua; • Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT);
• Apoio aos Serviços do componente Atenção • Programa de Volta para Casa (PVC).

Estratégias de Reabilitação Psicossocial


Residencial de Caráter Transitório; • Iniciativas de Geração de Trabalho e Renda;
• Centros de Convivência e Cultura. • Empreendimentos Solidários e Cooperativas Sociais.

Atenção Psicossocial Estratégica


• Centros de Atenção Psicossocial nas suas dife-
rentes modalidades.

44 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


CA P Í T UL O 2

As matrizes de conteúdo das áreas


da medicina para a construção das
estações simuladas

45
Gerson Alves Pereira Júnior
Docente de Cirurgia de Urgência e do Trauma
Universidade de São Paulo
Coordenador do Programa ABEM de Simulação

Carla Tiemi Minamihara


Pediatra/Neonatologista
Mestranda do Programa de Pós-graduação
em Ensino nas Ciências da Saúde
Faculdades Pequeno Príncipe

1. MATRIZES DE CONTEÚDO

Para a elaboração das estações simuladas, como uma matriz de conteúdos, que é uma lista com as
apresentado no Capítulo 1, a primeira tarefa é uma diversas patologias que podem ocorrer, desde as
revisão da rede de atenção à saúde locorregional, mais frequentes e prevalentes até as mais raras. O
associada à epidemiologia das causas de morbi- ideal é que sejam separadas em dois grupos: as que
dade e mortalidade. O objetivo é que os profes- ocorrem em situações eletivas e aquelas que sur-
sores e preceptores das várias áreas da medicina, gem como emergência/urgência, e, em ambas, de-
dentro de suas linhas de cuidados, consigam visu- vem ser descritos os procedimentos que podem ser
alizar a organização de suas redes de atenção, de- realizados no atendimento a cada uma dessas pato-
finindo os cenários de prática em que as estações logias. A realização dessa tarefa facilita na visuali-
simuladas serão aplicadas e também as patologias zação das possibilidades de realização de estações
mais prevalentes e relevantes para a montagem das simuladas como um todo, principalmente quando
estações simuladas. já existe um pool de estações já realizadas e há o in-
Para que possam corroborar a escolha dos con- teresse de elaborar situações simuladas diferentes.
teúdos e temas a serem desenvolvidos no formato, Como podemos trabalhar com a simulação, tanto
inicialmente de casos clínicos, depois nas enco- para ensino como para avaliação, nos diversos mo-
mendas das estações simuladas e, por fim, no mo- mentos da formação dos aprendizes (graduação e
delo de construção completa da estação simulada, residência médica) ou mesmo no processo de edu-
todas as áreas médicas e de saúde devem elaborar cação permanente dos profissionais de saúde, as

46 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


matrizes de conteúdo das diversas áreas devem in- Como um modelo de matriz de conteúdo, uti-
cluir todas as possibilidades de conteúdos e temas lizaremos a área de cirurgia geral para melhor en-
das patologias existentes. tender a proposta dessa montagem.
Na graduação, o estudante deve adquirir co-
nhecimentos, habilidades e atitudes necessários
para o início do seu exercício profissional, com 2. DEFINIÇÃO DO MOMENTO DA ATUAÇÃO MÉDICA
base na matriz de conteúdos desse momento da EM QUE AS COMPETÊNCIAS A SEREM ENSINADAS/
formação. Essa matriz deve contemplar a integra- AVALIADAS DEVEM SER CONTEXTUALIZADAS
ção entre as áreas clínicas e cirúrgicas, quando
isso é requerido, tangenciando-se igualmente as Uma vez definido o conteúdo ou tema a ser abor-
demais especialidades médicas que contribuem dado na estação simulada, devem-se estabelecer os
para a formação. grupos de competências a serem analisadas nas esta-
Os processos de avaliação do preparo para a ap- ções simuladas, tanto no ensino quanto na avaliação.
tidão profissional devem ter como foco verificar se Para facilitar a definição do momento da atua-
o graduado faz jus ao exercício da medicina. A com- ção médica no qual as competências serão ensina-
petência desejada deve traduzir-se na figura de um das/avaliadas, principalmente quando se utilizam
profissional novato cientificamente treinado, apto encomendas de estações práticas simuladas para
a ingressar na etapa subsequente de sua formação, um grupo de professores, temos que dividir esses
a residência médica, e suficientemente habilitado a
momentos da seguinte:
uma prática com o grau de independência exigido no
1) Realizar a história clínica e o exame físico, e in-
cuidado à saúde nos níveis primário e secundário.
terpretar seus resultados com vistas à formu-
A elaboração da matriz deve seguir a orienta-
lação de hipóteses, à investigação diagnóstica
ção das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)
do curso médico, contemplando as competências e ao tratamento, considerando doenças e agra-
gerais a partir da especificação de competências e vos mais frequentes.
habilidades e da designação do nível de desempe- 2) Solicitar e interpretar exames complementa-
nho esperado em cada etapa do aprendizado. res, considerando seu uso racional, com vistas
As DCN não definem uma matriz de conteúdo à formulação de hipóteses diagnósticas e à se-
(BRASIL, 2001, 2014). Uma matriz de conteúdo de gurança do paciente.
referência é a do Exame Nacional de Revalidação 3) Elaborar, pactuar, implementar e avaliar planos
de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de terapêuticos individuais contextualizados, de
Educação Superior Estrangeira – Revalida (BRASIL, acordo com o prognóstico, aplicando as evidên-
2010). cias científicas e considerando a relação risco-
Temos que diferenciar as matrizes de conteúdo -benefício e os preceitos éticos e legais.
com as matrizes das provas (Blueprint), que é um 4) Indicar e/ou realizar procedimentos médicos
instrumento norteador para a elaboração dos itens de forma tecnicamente adequada, considerando
que serão usados na composição das provas a se- riscos e benefícios para o paciente, provendo ex-
rem aplicadas nos exames com questões de múltipla plicações para este e/ou familiares.
escolha, discursivas e estações práticas simuladas. 5) Identificar e utilizar, de forma crítica, as redes
As matrizes das provas devem ser um docu- de serviços de saúde e os mecanismos interse-
mento sigiloso e de uso restrito aos coordenado- toriais de acordo com as necessidades do pa-
res das avaliações, pois nele são indicados deta- ciente e de sua família, sabendo encaminhar o
lhadamente aspectos referentes ao conteúdo e à paciente com base em critérios e em evidências
estrutura dos itens que poderão ser encomenda-
médico-científicas.
dos em cada área.
6) Reconhecer, diagnosticar e tratar as urgências e
A matriz é, portanto, uma referência para a cons-
emergências traumáticas e não traumáticas nos
trução das provas, sendo composta por várias su-
âmbitos pré-hospitalar e hospitalar, incluindo a
bunidades denominadas encomendas.
realização de manobras de suporte à vida.
Dessa forma, as matrizes de conteúdos de cada
7) Analisar as necessidades de saúde de grupos de
área auxiliam na definição dos temas a serem ava-
pessoas e planejar, implantar e avaliar planos e
liados em provas subsequentes, identificando aque-
projetos de intervenção coletiva, considerando
les que já foram utilizados em matrizes de provas
a epidemiologia, a organização, a gestão do sis-
anteriores.

As matrizes de conteúdo das áreas da medicina


para a construção das estações simuladas. 47
tema de saúde e o controle social, com ênfase envolve pelo menos uma compreensão básica de
na atenção primária à saúde. todos os aspectos da simulação, incluindo a manu-
8) Planejar, aplicar, gerenciar e avaliar ações de pro- tenção de ambientes de aprendizagem seguros, ge-
moção da saúde, prevenção de doenças e vigilân- renciamento de fidelidade e engenharia de cenário.
cia na atenção dos níveis individual e coletivo. Utilizando o conceito de engenharia dos cená-
9) Compreender e aplicar os princípios do traba- rios simulados, durante o processo de capacitação
lho em equipe. Nesse contexto, os seguintes as- docente, há o planejamento do processo de instru-
pectos são imprescindíveis: respeitar as normas ção em três etapas, sendo o próximo passo a escrita
institucionais dos ambientes de trabalho e agir do caso clínico selecionado para a ser transformado
com compromisso ético-profissional, formular em atividade simulada.
e receber críticas de modo respeitoso, valorizar Antes da montagem dos 19 itens da encomenda
o esforço de cada um e favorecer a construção da estação simulada, que é o início da transforma-
de um ambiente solidário de trabalho. ção do caso clínico em estação simulada, é neces-
10) Compreender, aplicar e correlacionar os as- sário definir quais os objetivos de aprendizagem/
pectos biológicos, psicológicos, socioeconômi- avaliação.
cos, culturais e ambientais relacionados ao pro- Uma vez definidos esses objetivos, o passo se-
cesso saúde-doença do cidadão, da família e da guinte é definir as competências necessárias para
comunidade, referenciados na realidade epide- o cumprimento das tarefas estabelecidas na avalia-
miológica e profissional, de modo a proporcio- ção do desempenho esperado.
nar a integralidade das ações do cuidar, do tra- É imprescindível lembrar que a competência
balho e da educação em saúde. não é algo que se observa diretamente, mas pode
11) Compreender os princípios, as diretrizes e as ser inferida pelo desempenho e pela articulação de
políticas dos sistemas e serviços de saúde, com tarefas e capacidades, que dão a noção de compe-
ênfase no Sistema Único de Saúde (SUS). tência profissional com base em padrões ou crité-
12) Comunicar-se adequadamente, por meio de lin- rios definidos.
guagem verbal e não verbal, com usuários, fa-
miliares, comunidades e membros das equipes
profissionais, com empatia, sensibilidade e inte- 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
resse, preservando a confidencialidade, a com-
preensão, a autonomia e a segurança da pes- Essas duas primeiras tarefas na elaboração das es-
soa sob cuidado, inclusive na documentação tações simuladas é um ótimo exercício para a ca-
de atos médicos. pacitação dos docentes e preceptores divididos nas
O Capítulo 3 apresentará a evolução do con- suas áreas de atuação, pois ajudam a compor uma
ceito de competências para marcos de competên- seleção de conteúdos que poderão ser explorados
cias e Entrustable Professional Activities (EPA), o nos diversos cenários de prática da rede de aten-
que permitirá melhor definir as competências que ção à saúde.
deverão ser ensinadas e/ou avaliadas na elabora- Para cada encomenda, definimos o cenário de
ção das estações simuladas. prática, os conteúdos e os procedimentos que, even-
tualmente, possam ser necessários durante a ava-
liação dos aprendizes.
3. ENGENHARIA DOS CASOS SIMULADOS O próximo passo será um melhor detalhamento
da definição dos objetivos de aprendizagem e/ou
No contexto da educação baseada em simulação, o avaliação por meio do aprofundamento da discussão
desenvolvimento do corpo docente envolve mais do das competências com a utilização dos marcos de
que apenas treinamento para executar os cenários competências e das EPA, tema do próximo capítulo.
de simulação e fornecer feedback de forma eficaz,

48 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


TEMAS
ÁREA SUBÁREA PROCEDIMENTOS
ELETIVOS URGÊNCIAS
Treinamento dos princípios de técnica cirúrgica Ferimentos Curativo
Resposta endócrino-metabólica ao trauma Sutura
Comportamento em ambiente cirúrgico
Reconhecimento e manuseio de instrumental cirúrgico
TÉCNICA Preparo do paciente para o ato cirúrgico
OPERATÓRIA Controle de infecção
Assepsia e antissepsia
Princípios gerais das biópsias
Classificação e tratamento de feridas
Técnica operatória fundamental
Princípios gerais de pré e pós-operatório
Equilíbrio hidroeletrolítico
Princípios de assistência respiratória
Generalidades de pré e pós-operatório
Princípios do cuidado pré e pós-operatório em situações especiais
PRÉ E PÓS- Complicações pós-operatórias
OPERATÓRIO Infecções e antibióticos em cirurgia
Profilaxia do tromboembolismo venoso
GERAL Nutrição em cirurgia
Regeneração celular e cicatrização
Princípios de instrumentação cirúrgica.
Vacinação antirrábica
Vacinação antitetânica
Lesões pré-malignas de pele Queimaduras agudas
Tumores benignos de pele e subcutâneo Corpos estranhos
CIRURGIA Tumores malignos de pele e subcutâneo Cirurgia de unha
AMBULATORIAL Úlceras de MMII Abscessos
Queimaduras
Doenças infecciosas e parasitárias
Hérnia inguinal Hérnia estrangulada
Hérnia femoral Hérnia encarcerada
PAREDE
Hérnia umbilical e epigástrica
ABDOMINAL
Hérnia incisional
Hematoma de reto abdominal
C Aspectos éticos e relação médico-paciente
I O impacto da doença sobre o paciente e a família
ÉTICA
R Bioética e legislação
U Regulamentação da pesquisa humana e animal
R Hérnia hiatal Hemorragia digestiva alta - HDA (varizes de esôfago) Sondagem gástrica
G Refluxo gastroesofágico Hemorragia digestiva alta- HDA (Malory Weiss) Endoscopia digestiva alta
I ESÔFAGO Estenose caústica Ingestão caústica aguda
A Distúrbios de motilidade
Neoplasia
Doença péptica Abdome agudo perfurativo (ulcera gástrica perfurada) Endoscopia digestiva alta
Gastroparesia Abdome agudo perfurativo (tumor gástrico perfurado)
ESTÔMAGO
Gastroenterite Hemorragia digestiva alta- HDA (Dienfaloy)
Neoplasia Hemorragia digestiva alta- HDA (ulcera gástrica)
Doença péptica Abdome agudo perfurativo (ulcera duodenal perfurada) Papilotomia endoscópica
DUODENO
Hemorragia digestiva alta- HDA (úlcera duodenal)
Doenças intestinais inflamatórias - Doença de Chron Abdome agudo vascular (embolia mesentérica) Cuidados com ileostomia
Síndrome desabsortiva Abdome agudo vascular (trombose arterial mesentérica)
INTESTINO
Diarréia aguda e crônica Abdome agudo vascular (trombose venosa mesentérica)
DELGADO
Neoplasia Abdome agudo vascular (doença não oclusiva)
GASTRO Ileo paralítico Abdome agudo obstrutivo (bridas)
Hipertensão portal Hematoma hepático Ultrassom diagnóstico
Cirrose Ultrassom em procedimentos
FÍGADO
Hepatites
Neoplasia
Colecistite crônica Abdome agudo inflamatório (colecistite aguda) Colangiopancreatografia endoscópica retrógrada
VESÍCULA E
VIAS BILIARES Litíase biliar
Neoplasia
Pancreatite crônica Abdome agudo inflamatório (pancreatite aguda) Ultrassom endoscópico
PÂNCREAS Neoplasia Drenagem de pseudocisto

Esplenomegalia Abscesso esplênico


Cisto esplênico
BAÇO
Doença hematológica do baço
Neoplasia
Doença diverticular Abdome agudo perfurativo (diverticulite perfurada) Cuidados com colostomia
Doenças inflamatórias - retocolite ulcerativa Abdome agudo inflamatório (diverticulite aguda) Toque retal
Pólipos Abdome agudo perfurativo (neoplasia perfurada) Anuscopia
COLON
Neoplasia Abdome agudo obstrutivo (fecaloma) Retoscopia
Colite isquêmica
Volvo Abdome agudo obstrutivo (Ogilvie) Retosigmoidostima
PROCTOLOGIA
Hemorróidas Abdome agudo inflamatório (apendicite aguda) Colonoscopia
Neoplasia Hemorragia digestiva baixa - HDB (angiodisplasia) Digitoclasia
Fissura Hemorragia digestiva baixa - HDB (sangramento tumoral) Sondagem retal
RETO E ÂNUS
Doenças inflamatórias - retocolite ulcerativa Hemorragia digestiva baixa - HDB (sangramento diverticular)
Abscesso e fístula perianal Lavagem instestinal

As matrizes de conteúdo das áreas da medicina


para a construção das estações simuladas. 49
5. REFERÊNCIAS
Revalidação de Diplomas Médicos expedidos
por universidades estrangeiras. Matriz de
BRASIL. Resolução CNE/CES nº 4, de 7 de novembro Correspondência Curricular. Diário Oficial da
de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do União, Brasília, n. 53, 18 mar. 2010.
curso de Graduação em Medicina. Diário Oficial da
BRASIL. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014.
União, Brasília, 9 nov. 2001.
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do curso
BRASIL. Portaria Interministerial MEC/MS nº de Graduação em Medicina e dá outras providências.
278, de 17 de março de 2011. Exame Nacional de Diário Oficial da União, Brasília, 23 jun. 2014.

50 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


CA P Í T UL O 3

A evolução do conceito de
competências para marcos de
competências e “Entrustable
Professional Activities” (EPAs)

51
Gerson Alves Pereira Júnior
Docente de Cirurgia de
Urgência e do Trauma
Universidade de São Paulo
Coordenador do Programa
ABEM de Simulação

Cintia Rocha Fortes de Sá


Médica Cardiologista
Mestranda do Programa de Pós-graduação
em Ensino nas Ciências da Saúde
Faculdades Pequeno Príncipe

1. INTRODUÇÃO

No processo de ensino e avaliação, deve ser possí- competente e autorizado para exercer a profissão
vel identificar o avanço dos estudantes na aquisi- (MONTIEL et al., 2012).
ção de conhecimentos, habilidades, atitudes, va- Diante das modificações do aprender clínico e
lores e aptidões que, em conjunto, estruturam as da diversificação dos cenários de aprendizagem, os
competências. É necessário identificar e reforçar métodos de avaliação de competências em saúde
os pontos fortes e as lacunas de aprendizagem de necessitaram se adaptar aos novos métodos de en-
cada estudante, estabelecer as estratégias correti- sino aprendizagem, como a simulação clínica. Uma
vas e de melhorias no processo de ensino aprendi- tendência e necessidade do ensino em saúde é a
zagem, estimular a capacidade de autoavaliação e utilização de estratégias que facilitem o processo
determinar a eficácia da ação do facilitador, assim de avaliação do estudante na observação durante o
como dos métodos de ensino empregados. O obje- desenvolvimento de habilidades técnicas e não téc-
tivo final deve ser a obtenção do mais alto nível de nicas nas práticas clínicas (NOGUEIRA; RABEH,
competência profissional dos aprendizes, de modo 2014).
a justificar os recursos materiais, financeiros, estru- Em um ambiente simulado, a avaliação por com-
turais e humanos investidos, e certificar com segu- petências vai muito além de um enfoque exclusivo
rança a qualidade do estudante, a fim de garantir em determinada ação. Engloba avaliar os conheci-
que a sociedade seja atendida por um profissional mentos, as habilidades e as atitudes dos aprendizes

52 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


de maneira formativa, deliberada e contínua, num O conceito de competência tem como alicerce
processo complexo que vem sendo gradativamente três dimensões distintas: conhecimentos, habilida-
construído (NOGUEIRA; RABEH, 2014). Esse tipo des e atitudes. Aliados a esses conceitos também são
de avaliação pode abranger solução de problemas, necessários os atributos que envolvem os aspectos
decisões éticas, tomada de decisão e desenvolvi- cognitivos, técnicos, sociais e afetivos para o sucesso
mento de intervenções. Podem-se ainda avaliar com- de uma atividade laboral (RUTHES; CUNHA, 2016.
petências globais para a prática clínica, como tra- Na educação, há três importantes enfoques con-
balho em equipe, tomada de decisão em situações ceituais sobre competência: um associa competên-
com maiores complexidades, comunicação com pa- cia a atributos pessoais, outro a vincula aos resul-
cientes, familiares e profissionais, liderança, entre tados de tarefas realizadas, e um terceiro propõe a
outras (MAZZO et al., 2017). noção de competência dialógica, originada na asso-
ciação das características pessoais para a realização
de ações, em contextos específicos, visando atingir
2. CONCEITO DE COMPETÊNCIAS determinados resultados (LIMA, 2005).
Na área da saúde, o modelo de Miller (1990) in-
Existem diversas interpretações e definições acerca clui diferentes níveis de capacitação que sustentam
do conceito de competência nos campos da admi- a competência profissional e podem determinar sua
nistração e da educação. Porém, falta um modelo evolução. É representado por uma pirâmide, em cuja
consensual para aplicação prática das competências base estão os conhecimentos necessários para o de-
no contexto do ensino e da avaliação dos profissio- sempenho eficaz do profissional. No segundo nível,
nais em saúde, tanto daqueles em formação quanto está a capacidade para utilizar os seus conhecimen-
para os já formados. Dessa maneira, não se conse- tos, no terceiro nível como ele demonstra suas habi-
gue transformar esses conhecimentos em ganhos lidades em determinada situação e no pico da pirâ-
reais para estudantes e formadores. mide a ação de como o indivíduo age em situações
Em 1973, o conceito de competência foi des- clínicas reais (MILLER, 1990). Atualmente, diver-
crito pela primeira vez de maneira estruturada por sos estudos têm discutido o acréscimo de mais um
David McClelland. A construção desse conceito foi nível de avaliação na pirâmide de Miller (1990), um
determinada pela história, pela cultura e pelo de- nível de desenvolvimento acima do “fazer”, que é o
senvolvimento da sociedade. Esse autor evidencia nível “ser”, no qual a aquisição de identidade profis-
a compreensão da ação humana direcionada para sional, valores, comportamentos, ações e aspirações
os resultados. A partir de então, competência pas- profissionais passa a ser considerada (CRUESS et
sou a ser entendida como um conjunto de conhe- al, 2015; CRUESS; CRUESS; STEINERT, 2016; AL-
cimentos, habilidades e atitudes que explicam um ERAKY; MAREI, 2016). A Figura 1 mostra a pirâ-
alto desempenho, presumindo que os melhores mide de Miller atualizada.
desempenhos estão fundamentados na inteligên- Sabe-se que a competência não é algo que se
cia e personalidade das pessoas (BONFIM, 2012; observa diretamente, mas pode ser inferida pelo
FURUKAWA; CUNHA, 2010). desempenho e pela articulação de tarefas e capa-
A competência não é uma avaliação estática. cidades, que dão a noção de competência profissio-
Trata-se de um processo contínuo que envolve ha- nal com base em padrões ou critérios definidos. As
bilidades técnicas, raciocínio clínico, capacidade de Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de 2014
resolver problemas, tomadas de decisões, compor- preconizam que competência
tamento psicológico e social para se adaptar aos no-
vos ambientes e às novas condições (SPORTSMAN, [...] é compreendida como a capacidade de
2010). Competência é uma palavra do senso comum, mobilizar conhecimentos, habilidades e atitudes,
utilizada para indicar que o indivíduo é qualificado com utilização dos recursos disponíveis; é também
para realizar alguma atividade, é “um saber agir res- a capacidade de ter iniciativas e ações que
ponsável e reconhecido que implica mobilizar, inte- traduzam desempenhos capazes de solucionar, com
grar, transferir conhecimentos, recursos, habilida- pertinência, oportunidade e sucesso, os desafios que
des, que agreguem valor econômico à organização se apresentem à prática profissional em diferentes
e valor social ao indivíduo” (FLEURY; FLEURY, contextos do trabalho em saúde, traduzindo a
2001, p. 188; FURUKAWA; CUNHA, 2010). excelência da prática médica (BRASIL, 2014).

A evolução do conceito de competências para marcos de competências


e “Entrustable Professional Activities” (EPAs) 53
Demonstra consistentemente as atitudes, valores, e
SER comportamentos esperados de quem veio para “pensar, agir e
(Identidade) sentir como um médico”.

Conscientemente demonstra os comportamentos esperados de


FAZER
um médico.
(Ação)

DEMONSTRAR Demonstra os comportamentos esperados de um médico sob


(Performance) supervisão.

SABER COMO Sabe quando os comportamentos individuais são


(Competência) inapropriados.

Conhece as normas de comportamento esperadas de um


SABER
médico
(Conhecimento)

Figura 1. A versão corrigida da pirâmide de Miller com a adição de “ser” e um esboço do que deve ser avaliado em
cada nível. Fonte: Adaptada de Cruess, Cruess e Steinert (2016).

A função de uma matriz de competências é ex- de modo que a formação do graduado em Medicina
pressar os consensos coletivos acerca do que é im- deve se desdobrar nas seguintes áreas: 1. atenção à
prescindível e as inter-relações entre os conteúdos saúde, 2. gestão em saúde e 3. educação em saúde
essenciais que nenhum estudante deverá deixar de (BRASIL, 2014).
saber ao se formar (ARAÚJO, 2007). Para tanto, Em todas as áreas de ensino dos profissionais da
as DCN preconizam que a formação médica deve área de saúde, é necessário que haja modificações
se basear em competências. O ensino por compe- do aprender clínico e diversificação dos cenários
tências implica desenvolver no estudante a capa- de aprendizagem. Os métodos para a avaliação de
cidade de mobilizar conhecimentos, habilidades e competências precisam se adaptar à nova realidade,
atitudes para lidar com situações, problemas e di- e isso inclui o uso de técnicas que facilitem o pro-
lemas da vida real, e sua certificação expressa le- cesso de avaliação do estudante durante o desenvol-
gitimação social de pessoas que passam a ser reco- vimento de suas funções (AMARAL; DOMINGUES;
nhecidas como capazes de atuar na carreira médica. ZEFERINO, 2012).
Cada vez mais, as competências profissionais de- Dessa forma, pode-se concluir que a educação
vem ser consideradas como aspectos essenciais no de- baseada em competências é definida por uma capa-
senvolvimento dos projetos pedagógicos e das matri- cidade tangível de atuar no local de trabalho como
zes curriculares dos cursos da area da saúde, de modo resultado da educação. É uma abordagem para pre-
a nortear o processo de formação. Assim, o modelo de parar futuros médicos para a prática orientada para
currículo baseado em competências é privilegiado para formar habilidades de resultados e organizada em
alavancar as transformações e necessidades que vêm torno de competências derivadas de uma análise das
ocorrendo no mundo do trabalho, preparando o pro- necessidades sociais e dos pacientes. Ao valorizar
fissional para melhor atender a população e aos servi- as competências, o método destaca o treinamento
ços dos diferentes níveis de atenção à saúde (PEREZ; com base no tempo e promete maior responsabi-
TOURINHO; CARVALHO JÚNIOR, 2016). lidade, flexibilidade e centralização no estudante
As DCN de 2014 trazem as competências e ha- (FRANK et al., 2010).
bilidades preconizadas para o egresso do curso de A educação baseada em competências tem
Medicina de maneira diferente em alguns aspectos, sido adotada por escolas médicas com o objetivo

54 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


de orientar a formação baseada na aplicação do co- Surgiram estudos sobre o desenvolvimento de
nhecimento e no desenvolvimento de habilidades marcos de competências, como as publicações do
e atitudes. Esse método pressupõe uma avaliação CanMEDS Framework (FRANK; DANOFF, 2007;
formativa, em que se avalie o desempenho do estu- VAN DER LEE et al., 2013), os Milestones (KORTE
dante em relação às competências previamente es- et al., 2013; TEHERANI; CHEN, 2014; TEN CATE et
tabelecidas (CARRACCIO et al., 2002; GRUPPEN; al., 2015), os Tomorrows Doctors do Reino Unido e o
MANGRULKAR; KOLARS, 2012; SANTOS, 2011). Scottish Doctor da Escócia (VAN LOON et al., 2014).
Embora a competência tenha sido sempre o ob- Os marcos de competências são descrições de
jetivo implícito das mais tradicionais estruturas conhecimentos, habilidades e atitudes para cada
educacionais, a competency-based education (CBE) uma das competências esperadas durante a for-
torna isso mais explícito ao estabelecer desempe- mação do estudante. São organizados de forma a
nhos observáveis e mensuráveis que os estudantes evidenciar os resultados de desenvolvimento pro-
devem atingir para que possam ser considerados gressivo dos estudantes baseado em competências,
competentes. A aquisição de competências, inte- que vão desde a sua inserção na universidade até a
grando conhecimentos, habilidades e atitudes em pós-graduação (WANCATA et al., 2016; LAMBA et
prol do trabalho na prática, deve ser confirmada al., 2016). Dessa forma, fornecem uma visão geral e
em um ambiente de trabalho. de progressão para avaliação do desenvolvimento
A organização do currículo no local de traba- do graduando em Medicina e do médico residente
lho (workplace curriculum) é um conjunto organi- em dimensões-chave dos elementos da competên-
zado de experiências em um ambiente do mundo cia em uma especialidade ou subespecialidade, e,
real que promove a aquisição de competências ne- posteriormente, a recertificação do médico especia-
cessárias para que um indivíduo possa atuar como lista (WANCATA et al., 2016; LAMBA et al., 2016).
profissional. Os recursos que caracterizam um cur- De maneira narrativa, descrevem as compe-
rículo no local de trabalho incluem: 1. uma trajetó- tências que devem ser demonstradas repetida-
ria de participação de baixa a alta responsabilidade; mente durante as programações curriculares em
2. acesso a conhecimentos que não seriam apren- ambientes clínicos com diferentes níveis de com-
didos apenas pela descoberta; 3. orientação direta plexidade (KRUPAT; PELLETIER, 2016). Isso per-
de outras pessoas e especialistas mais experientes; mite a possibilidade de feedback formativo para
e 4. orientação indireta fornecida pelos ambientes estímulo a mudanças nos comportamentos obser-
físico e social (BILLETT, 2001, 2014). vados, além de propocionar uma maior precisão
na aplicação de escalas avaliativas (BEESON et al.,
2013; LOMIS et al., 2017; PAGE et al., 2017). Esse
3. CONCEITO DE MARCOS DE COMPETÊNCIA modelo expandiu-se nas variadas especialidades
médicas (SWING et al., 2013), como cirurgia geral
Existem inúmeros desafios na formação em saúde, (LYLE et al., 2016; DROLET et al., 2017), pediatria
nas instituições de ensino das diferentes categorias (HICKS, 2013; BARTLETT et al., 2015), urologia
profissionais, no sentido de promover o desenvol- (SMITH et al., 2017), com destaque para a medi-
vimento do aprendiz com a responsabilidade de cina de emergência (BEESON et al., 2014, 2015;
oferecê-lo à sociedade como um profissional qua- PECK et al., 2014; KETTERER et al., 2017), cujos
lificado que atenda não somente às expectativas avanços no cuidado multiprofissional ocorrem em
do sistema de saúde, mas principalmente que cor- todo o mundo.
responda positivamente às reais necessidades da Com cada especialidade médica desenvolvendo
população. metas voltadas para sua área de atuação, houve a
Apesar das dificuldades para superar a educa- necessidade de criar uma nomenclatura comum a
ção tradicional e incorporar metodologias de ensino todas (LYLE et al., 2016). Um conjunto de marcos
aprendizagem baseadas em competências, tais ne- de competência consiste na definição de todas as
cessidades têm seus principais progressos descritos etapas de desenvolvimento em todos os níveis para
no ensino da medicina de língua inglesa (GRUPPEN; uma subcompetência em particular (WANCATA et
MANGRULKAR; KOLARS, 2012; FERNANDES al., 2016; DROLET, 2016).
et al., 2012; BOLLELA; CASTRO, 2014; LEUNG; Os marcos de competências representam ha-
TREVENA; WATERS, 2016; KLAMEM et al., 2016). bilidades explícitas ou comportamentos que ocor-

A evolução do conceito de competências para marcos de competências


e “Entrustable Professional Activities” (EPAs) 55
rem durante o processo de tornar o médico capaz 2) Identificarem o núcleo específico da especiali-
de desenvolver suas atividades profissionais de dade sobre conhecimentos, habilidades, atitu-
forma confiável, definidas para cada especialidade des e crenças; e
(WANCATA et al., 2016). Esses marcos aumentam 3) Descreverem as subcompetências como progres-
a compreensão acerca das competências quando sões de conhecimentos, habilidades e atitudes que
apresentadas de uma forma geral e estanque por: devem ser demonstrados desde a graduação (nível
1) Descreverem competências mais especifica- 1), a residência médica (níveis de 2 a 4) até a prá-
mente do que o modelo atual; tica profissional (nível 5) (Figura 2 e Quadro 1).

Competência geral Progressão dos marcos


Subcompetência de competência dentro
da subcompetência

Estudos de diagnóstico (PC3)

Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4 Nível 5

Determina a Indica estudos de Prioriza os exames Utiliza testes de Discrimina entre


necessidade de diagnóstico essenciais. diagnóstico com base na resultados
estudos de apropriados. probabilidade pré-teste diagnósticos sutis
diagnóstico. Interpreta os resultados de da doença e o que o e/ou conflitantes no
Realiza estudos e um estudo de diagnóstico, conhecimento do contexto da
procedimentos de reconhecendo limitações e resultado do teste apresentação clínica
diagnósticos riscos, procurando auxílio provocará de alteração do paciente.
apropriados à beira na interpretação, quando na conduta.
do leito. apropriado.
Pondera a avaliação de
Faz a revisão dos riscos, risco-efetividade para a
dos benefícios, das contra- solicitação de estudos
indicações, e das de diagnóstico.
alternativas para um
estudo ou procedimento Compreende as
diagnóstico. implicações de
resultados falso-
positivos e negativos na
probabilidade pós-teste.

Marco de
competência

*PC refere-se à primeira competência geral – “assistência ao paciente” –, e o número mostra que é a terceira subcompetência
relacionada à PC, estando o conjunto progressivo de marcos de competência definido para cada nível de proficiência:
graduação (nível 1), residência médica (níveis de 2 a 4) e prática profissional (nível 5).

Figura 2. Nomenclaturas dos marcos de competências utilizadas no modelo do Accreditation Council for Graduate
Medical Education (ACGME). Fonte: Adaptada de Beeson et al. (2013b).

O marco de competência corresponde ao com- cançado após anos de prática clínica (Quadro 1). O
portamento observável dentro de cinco níveis de nível 4 é o comportamento esperado para o médico
proficiência: desde o nível 1 de entrada (graduando residente para a certificação inicial (WANCATA et
da escola médica) até o nível 5, um nível a ser al- al., 2016).

56 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


Quadro 1. Interpretação geral dos níveis de proficiência.

NÍVEL DE
DEFINIÇÃO
PROFICIÊNCIA
O aluno de Medicina recém-formado ao entrar na residência
1
médica demonstra esses marcos esperados.
O médico residente está avançando e demonstra marcos adicionais, mas ainda
2
não atingiu o nível intermediário para o programa de residência.
O médico residente continua a avançar e demonstrar marcos adicionais;
3 e a maioria dos marcos de competência direcionados para a área específica
da residência médica está presentes nessa subcompetência.
O médico residente tem avançado de forma a demonstrar que atingiu
4 substancialmente os marcos de competência previstos para o programade
residência. Esse nível é concebido como o alvo final da residência médica.
O médico residente tem avançado além das metas de desempenho estabelecidaspara o
programa de residência médica. Demonstra metas atingidas para aspirações maiores,
5
no mesmo nível do profissional que esteja atuante na prática há vários anos. Espera-se
que apenas alguns médicos residentes de desempenho excepcional atinjam esse nível.

Fonte: Traduzido de Accreditation Council for Graduate Medical Education and American Board of Emergency Medicine
(BEENSON et al., 2013b).

Assim, a decisão de desenvolver marcos para ção e da prática médica. Dessa forma, na avaliação
descrever as expectativas progressivas para apren- individual dos aprendizes, é possível monitorar o
dizagem e desempenho é consistente com mode- progresso por meio desses marcos e determinar se
los mais atuais de desenvolvimento. Tais modelos houve progresso, estagnação ou regressão como
enfatizam a natureza progressiva da aquisição de uma indicação da necessidade específica de cor-
conhecimentos, proporcionando a base conceitual reções (PAGE et al., 2017).
para marcos de competência (LOMIS et al., 2017). Os marcos das competências avaliados também
A formação generalista é a base de atuação do serão utilizados para determinar se existem lacunas
futuro egresso e tem como objetivo o fortalecimento nos programas curriculares ou da residência mé-
do Sistema Único de Saúde (SUS) e, em especial, da dica que precisam ser adequadas. Isso também po-
atenção primária à saúde e das urgências. Nesse derá ser usado para garantia de segurança aos pa-
contexto, o profissional desenvolverá atividades cientes e à sociedade, aos prestadores de serviços
com usuários de todos os ciclos de vida. Além disso, e aos formuladores de políticas de atenção à saúde
é a base também para futuras especializações nas (BEESON et al., 2013b).
linhas de atenção e cuidados cujas prevalências de Muito embora esteja ocorrendo essa evolução
morbimortalidades sejam estatisticamente signi- na educação médica, na formação em enfermagem
ficativas para a organização em rede dos serviços é um tema ainda a ser explorado, pois ainda per-
e do trabalho. manece a visão de que o conteúdo ensinado de-
Para atingir essa formação desejada, é necessá- pende da concepção dos docentes e geralmente
ria a construção de autonomia e de práticas que se possui uma disciplina específica para essas aborda-
ancorem na integralidade. Somente num cenário gens (MEYER, 2017 MORAIS FILHO et al., 2017).
educacional em transformação poderemos cons- É muito importante que o ensino em enfermagem
truir uma prática médica também transformadora, a e outras áreas da saúde tenha essa evolução para
despeito de todos os desafios (FREITAS; RIBEIRO; que se possam permitir a educação e o trabalho
BARATA, 2018). interprofissional.
A expectativa é de que os marcos de competên- Conforme mostrado no Quadro 1, o nível 1 pos-
cia sejam indicadores de qualidade dos programas sui os marcos projetados para corresponder ao ní-
de aprendizado nos vários momentos da forma- vel de competência dos estudantes de Medicina

A evolução do conceito de competências para marcos de competências


e “Entrustable Professional Activities” (EPAs) 57
ao se formarem, ou seja, antes de entrarem na re- siderarem os custos ao avaliarem os riscos e benefí-
sidência. Esses resultados são úteis para o desen- cios, de modo a melhorar o desempenho do sistema
volvimento de um método válido para a avaliação por meio da identificação de erros de encaminha-
do desempenho médico dos estudantes. Isso per- mento e de comunicação entre os diferentes níveis
mite que cada instituição possa adequar seu cur- da rede de atenção à saúde. Além disso, espera-se
rículo às metas de seus estudantes, de modo a al- que o médico consiga implementar potenciais so-
cançar esses resultados (BARTLETT et al., 2015). luções que contribuam para melhoria da qualidade
Na avaliação dos programas de residência mé- da assistência aos pacientes (CHAN et al., 2012).
dica, enquanto os requisitos essenciais referem-se O próximo desafio para cada especialidade du-
à sua estrutura ou ao processo (por exemplo, o vo- rante a residência médica é o desenvolvimento de
lume de serviço de emergência, registros de casos medidas de resultados objetivos de avaliação dos
etc.), as exigências de resultados são declarações marcos das subcompetências. Múltiplos instrumen-
que especificam atributos esperados mensuráveis tos de avaliação terão de ser desenvolvidos para for-
ou observáveis (conhecimentos, habilidades e ati- necer medidas objetivas de uma ou mais subcompe-
tudes) nas várias fases da formação médica. tências dentro dos marcos (KOGAN; HOLMBOE;
Ao padronizarem os resultados esperados da HAUER, 2009). Estudos mais recentes visam de-
aprendizagem na residência médica, os marcos irão monstrar a validade e a confiabilidade dos marcos
definir objetivamente quais os indicadores de co- de competência como um instrumento de avalia-
nhecimento e aquisição de habilidades a serem mo- ção para seu uso disseminado (BEESON et al., 2015;
nitorados. Isso assegurará que o desenvolvimento LOMIS et al., 2017).
profissional ocorra antes da certificação pelo pro- Com os marcos de competências, a capacidade
grama de formação e que o médico residente seja de agrupar medidas em diferentes configurações
minimamente competente para a prática, indepen- possibilita identificar tendências do desempenho
dentemente de sua especialidade médica (BEESON do estudante, revelando a necessidade ou não de
et al., 2014). melhorias. Esses marcos orientam os docentes no
Na outra extremidade desse espectro de formação, processo de desenvolvimento de suas programações
os marcos têm o potencial para determinar o grau de dentro da matriz curricular ao longo do curso, bem
desenvolvimento profissional mesmo após o término como no processo de avaliação, gerando um modelo
da residência médica, especialmente no que se refere que pode ser compartilhado entre diversas progra-
à manutenção da certificação. Em 2004, o programa mações no que diz respeito ao conhecimento, às ha-
de manutenção da certificação foi desenvolvido para bilidades e aos comportamentos esperados dos estu-
assegurar que os médicos estejam comprometidos dantes (GONTIJO et al., 2013; SANTEN et al., 2014).
com aprendizagem ao longo da vida (educação per- Os relatórios do nível de proficiência deve-
manente), mantendo as competências necessárias em rão ser baseados em dados objetivos para garan-
sua especialidade (BEESON et al., 2015). tir avaliação coerente e adequada. Isso será um
Os marcos de competência tornam transparen- importante aspecto do processo de certificação e
tes as expectativas dos programas de formação, uma sua manutenção. Os instrumentos desse processo
vez que determinados resultados são esperados em ainda devem incluir relatórios padronizados, for-
termos de competências iniciais para cada etapa. mação de um comitê de competências clínicas e
Dessa forma, as escolas médicas podem ter uma uso de aquisição dos marcos de competência como
compreensão muito mais clara do conhecimento reflexo do desempenho do médico residente e de
básico e das habilidades esperados dos estudantes seu programa (KETTELER, 2014).
de graduação (PECK et al., 2014). O comitê de competências clínicas servirá para
Tema que tem ganhado cada vez mais impor- reunir informações sobre o desempenho de cada
tância diz respeito ao conhecimento que o médico médico residente e dos respectivos programas, aju-
tem sobre o sistema de saúde e sobre a capacidade dando a equalizar as variações das avaliações en-
para torná-lo mais eficaz na assistência ao paciente. tre diferentes avaliadores e contribuindo para di-
Os médicos devem ser capazes de colaborar com minuir a ameaça à integridade dos dados e de seus
outros membros da equipe de saúde, tanto no am- resultados (KETTELER, 2014). Há várias vanta-
biente pré quanto no intra-hospitalar, além de con- gens em relação ao funcionamento desse comitê:

58 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


• Embora essa tarefa envolva reuniões frequentes Quanto à sua aplicação, discute-se sobre o con-
(mensais), não é onerosa. Depois de um certo texto em que os marcos serão especificados e ob-
tempo, a reuniões duram cerca de uma hora. serváveis, o número de marcos agrupados dentro
• As expectativas dos médicos residentes são mais de cada nível ou o número total de competências e
claras e, pela natureza dos marcos de compe- subcompetências a serem desenvolvidas e avalia-
tência, são observáveis e tangíveis. O feedback das, o que eventualmente pode prejudicar a prá-
ocorre geralmente no prazo de uma semana após tica para a avaliação, necessitando de adequações
a reunião com cada médico residente e gera co- da instituição de ensino (SCHUWIRTH; VAN DER
mentários e metas da direção do programa. O VLEUTEN, 2011; ENGLANDER et al., 2013). Esses
foco dessas reuniões é definir o que os médicos questionamentos levaram à introdução do conceito
residentes fazem bem e em que aspectos deve- de Entrustable Professional Activities (TEHERANI;
riam se esforçar para melhorar. CHEN, 2014; TEN CATE et al., 2015).
• Os preceptores familiarizados com as metas são
capazes de treinar mais efetivamente os médi-
cos residentes, tornando claras as competên- 4. A EVOLUÇÃO DOS MARCOS DE COMPETÊNCIAS
cias até que eles estejam “de volta ao caminho PARA O CONCEITO DE ENTRUSTABLE PROFESSIONAL
ACTIVITIES
certo” para a conclusão bem-sucedida do pro-
grama de residência.
• Os médicos residentes que não atingirem as me- Os marcos de competência descrevem de maneira
tas apropriadas poderão ser alocados em ações narrativa as competências que se desenvolvem
ao longo de um período de formação profissio-
de recuperação para que entendam que o resul-
nal e que devem ser demonstradas repetidamente
tado potencial de não se alcançarem tais marcos
ao longo da formação do aprendiz em ambien-
de competências pode determinar repetição de
tes clínicos de diferentes níveis de complexidade
um ano ou, até mesmo, a exclusão do programa
(KRUPAT; PELLETIER, 2016; WANCATA et al.,
de treinamento. 2016; LAMBA et al., 2016; PEREIRA JÚNIOR et
• A função do comitê e a maior compreensão dos al., 2015; TEHERANI; CHEN, 2014; TEN CATE
marcos têm ajudado não só a avaliar melhor os et al., 2015).
médicos residentes, mas também os estágios No entanto, devido à grande quantidade de mar-
necessários para garantir a oferta de experiên- cos de competências existentes e às suas caracterís-
cias que ajudem a alcançar os marcos de com- ticas de pouca integração, síntese e aplicabilidade,
petências necessárias. notou-se a necessidade de uma maior especificidade
para avaliação dos aprendizes nas atividades práti-
A melhor forma de avaliação do comportamento cas. Assim, foi concebido o conceito de Entrustable
do médico residente é a observação direta da pres- Professional Activities (EPA). Será seguido aqui o
tação de cuidados clínicos em seu ambiente de prá- melhor equivalente terminológico em português:
tica (avaliação no cenário de trabalho). Alguns edu- atividades profissionais confiáveis.
cadores argumentam que esse é o método ideal de As EPA são unidades da prática profissional ali-
avaliação de competências, porque fornece o con- nhadas aos cuidados clínicos, que traduzem os ele-
texto da prática profissional, em vez da avaliação mentos da prática clínica em níveis de proficiência
simulada ou padronizada (KOGAN; HOLMBOE; (PEREIRA JÚNIOR et al., 2015). Trata-se de um
HAUER, 2009). modo de definir quais seriam as competências ne-
Os resultados fornecidos pelas avaliações dos cessárias para que o egresso possa exercer sua ati-
marcos de competências servem como alertas sobre vidade profissional de maneira confiável.
Na medicina de emergência, por exemplo, as
o desempenho do currículo. Na avaliação de uma
EPA se caracterizam por unidades da prática pro-
turma de estudantes, podem mostrar se os resul-
fissional alinhadas aos cuidados clínicos no setor
tados das competências desejadas estão sendo ob-
de urgência (BEESON et al., 2014). Apresentam
tidos, o que claramente é útil como fonte de dados
potencial para traduzir elementos da prática clí-
para discussões sobre melhorias e monitoramento nica em níveis de proficiência das subcompetên-
dos impactos potenciais das mudanças curriculares cias dos marcos. Como são clinicamente relaciona-
(SANTEN et al., 2014; FRANCO; CUBAS; FRANCO, das, facilitam para o corpo docente avaliar a prática
2014; FREITAS; RIBEIRO; BARATA, 2018). clínica, em comparação com os marcos de compe-

A evolução do conceito de competências para marcos de competências


e “Entrustable Professional Activities” (EPAs) 59
tências (BEESON et al., 2014). Cada especialidade O uso das EPA possui as seguintes vantagens:
médica, de forma específica, definiu seus critérios • São atividades que fazem sentido para os profes-
da forma de apresentação de suas unidades de prá- sores, os estagiários e o público,
tica profissional. • Representam o trabalho do dia a dia do profissio-
Mais recentemente, as várias associações mé- nal, situam as competências e seus marcos no
dicas norte-americanas e dos demais países do contexto clínico,
Primeiro Mundo vêm discutindo esse modelo con- • Possibilitam uma avaliação mais prática do que
ceitual, usado na implementação da educação mé- os marcos de competência utilizando agrupa-
dica baseada na competência (Figura 3). O tutor/
mento de atividades significativas,
facilitador deve apoiar o estudante como protago-
• Adicionam explicitamente as noções de con-
nista na sua trajetória rumo à competência e, logo,
fiança e supervisão na equação de avaliação.
à independência, num processo de autonomia cres-
cente, à medida que o discente esteja mais confiante. A relação entre as EPA e as competências está
É complexo o processo de o preceptor realizar diu- bem descrita na literatura. As EPA são unidades de
turnamente julgamentos acerca da confiabilidade do trabalho, enquanto as competências são os conhe-
estudante para desempenhar as unidades essenciais cimentos, as habilidades e as atitudes dos indiví-
de prática profissional. Tais atividades profissionais duos. A EPA requer a integração de várias compe-
constituem um legítimo instrumento processual de tências, geralmente entre diferentes competências
forjamento de profissionais dignos de confiança gerais (domínios) dos marcos (Figura 4).
para desempenhá-las com sucesso, isto é, são ge- São necessárias duas premissas fundamentais
nuinamente confiáveis (NEUMANN et al., 2019). para toda EPA: 1. confiabilidade e 2. autoconsci-
As EPA são as tarefas ou responsabilidades que ência das limitações individuais, que gera compor-
os médicos com adequada formação devem execu- tamento de busca de ajuda. Portanto, essas duas
tar sem supervisão depois de atingirem os níveis de competências devem ser documentadas para cada
competências específicas considerados suficientes. aprendiz antes de ser tomada qualquer decisão so-
bre a avaliação (ASSOCIATION OF AMERICAN
MEDICAL COLLEGES, 2014).
Outra característica da EPA é a necessidade de
integração de subcompetências, geralmente entre
EPA para médico especialista domínios ou entre competências gerais dos mar-
cos (ASSOCIATION OF AMERICAN MEDICAL
Expectativas EPA para o EPA COLLEGES, 2014; TEN CATE et al., 2015).
para o estudante de para o
estudante de Medicina médico
O número de vezes que cada competência foi
Medicina (internato) residente vinculada a cada EPA é um componente crítico em re-
(pré-clínico)
lação à decisão de avaliação pelo supervisor. As com-
petências gerais de comunicação interpessoal (equipe
multiprofissional, pacientes e familiares) e profissio-
nalismo são as mais fundamentalmente citadas para
a realização das EPA (TEN CATE, 2013; ASSOCIATION
Figura 3. Relações entre as EPA para cada fase da formação OF AMERICAN MEDICAL COLLEGES, 2014).
médica. Embora a relação entre EPA e competências seja
relativamente bem definida na literatura, a relação
Fonte: Adaptada de Association of American Medical entre EPA e marcos de competência não o é. As EPA
Colleges (2014). oferecem contexto clínico para as competências
As EPA definem atividades que requerem profi- (Quadro 2). Cada EPA pode ser mapeada para as
ciência em várias competências simultaneamente e competências críticas utilizadas para a tomada de
são um foco mais adequado para avaliação de com- decisão durante a avaliação. Cada competência, em
seguida, tem marcos associados que representam
petências distintas, sendo independentemente exe-
definições de comportamento para progressão dos
cutáveis, observáveis e mensuráveis no seu processo
níveis de desempenho. Assim, uma EPA está direta-
e resultado, e, portanto, apropriadas para as deci-
mente relacionada aos marcos para determinadas
sões de avaliação e certificação (ASSOCIATION
competências (TEN CATE, 2013; ASSOCIATION
OF AMERICAN MEDICAL COLLEGES, 2014). OF AMERICAN MEDICAL COLLEGES, 2014).

60 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


Quadro 2. A comparação das vantagens e desvantagens dos dois modelos conceituais: competências e EPA.

USO DAS EPA USO DOS MARCOS DE COMPETÊNCIA

• As competências têm sido a base para a


• São “atividades” que fazem sentido para os
avaliação há mais de uma década.
professores, os estagiários e o público.
• No total, definem o “bom médico”.
• Representam o trabalho do dia a dia do profissional.
• Têm evidências razoáveis em torno da
• Situam competências e marcos no contexto clínico
avaliação dos domínios “tradicionais”
Vantagens em que vivemos.
(conhecimento médico e assistência ao
• Permitem avaliação mais prática por grupos de
paciente)
marcos em atividades significativas.
• Têm sido utilizados para o estabelecimento
• Adicionam explicitamente noções de confiança e
ou o desenvolvimento de marcos de
supervisão na avaliação
desempenho.

• Foram recentemente introduzidas na literatura. • São abstratos.


• Houve pouca operacionalização em todo o mundo. • Como são granulares, muitas vezes não
Desvantagens
• Foram desenhadas originalmente para a transição refletem a maneira como pensamos ou
da residência para a vida profissional subsequente. observamos os alunos.

Fonte: Traduzida de Association of American Medical Colleges (2014).

Uma vez determinadas as competências críti- guida, sintetizaram-se as metas combinadas do es-
cas para cada EPA, desenvolvem-se metas para cada tudante/médico residente pré-confiável para criar
competência. Assim, foram desenvolvidos dois pon- a narrativa e a descrição dos pontos (TEN CATE,
tos descritivos para cada competência: 1. o ponto 2013; ASSOCIATION OF AMERICAN MEDICAL
no qual o estudante/médico residente seria consi- COLLEGES, 2014). Isso também foi feito utilizando
derado “pré-confiável” (ou seja, ainda não é capaz os marcos de competência para o estudante/médico
de realizar a atividade sem supervisão direta) e 2. residente confiável. Uma vez criadas as descrições
o ponto no qual o estudante/médico residente po- comportamentais e traduzidas em competências clí-
deria ser considerado “confiável” (ou seja, capaz de nicas, estas podem ser usadas como base para ava-
realizar a atividade sem supervisão direta). Em se- liação pelo corpo docente (Figura 4).

M1 Descrição
Subcompetência 1 narrativa do
M2 estudante
Competência M1 pré-confiável
Geral 1 Subcompetência 5 M2
M1
Subcompetência 2 M2
Competência
EPA
Geral 2 M1
Subcompetência 4
M2

Competência M1
Subcompetência 3
Geral 3 M2 Descrição
M1 narrativa do
Subcompetência 6 estudante
M2 confiável

Figura 4. As EPA requerem a integração de subcompetências, geralmente a partir de dois ou mais domínios (com-
petências gerais). Para cada subcompetência, marcos podem ser estabelecidos e, em seguida, sintetizados em nar-
rativas descritivas de comportamentos esperados para os estudantes/médicos residentes em níveis pré-confiáveis e
confiáveis de desempenho; M1 e M2 são marcos de competências para cada subcompetência.

Fonte: Traduzida de Association of American Medical Colleges (2014).

A evolução do conceito de competências para marcos de competências


e “Entrustable Professional Activities” (EPAs) 61
Os resultados da avaliação baseada nas EPA per- de formação, qual o nível específico de supervisão
mitem apontar em relação ao aprendiz, em qualquer exigida (Quadro 3).

Quadro 3. Prerrogativas relacionadas aos níveis de supervisão

NÍVEIS DE
DEFINIÇÃO
SUPERVISÃO
1 Estar presente e observar.
Atuar com supervisão proativa direta, ou seja, com supervisor fisicamente
presente no local:
2 • realiza o ato, auxiliado pela supervisão,
• age sozinho, com o supervisor presente na sala, pronto para intervir se
necessário.
Agir com supervisão reativa indireta, ou seja, prontamente disponíveis a pedido
por meio de telefonia e/ou modalidades eletrônicas:
• age com supervisor imediatamente disponível, sendo todas as decisões
definidas em conjunto,
3
• age com supervisor imediatamente disponível, porém as principais decisões são
definidas em conjunto,
• age com supervisor disponível a distância (por exemplo, por telefone), devendo
revisar os achados e as decisões.
Agir com supervisão não imediatamente disponível no
4
local, mas com supervisão distante e vigilante.
5 Fornecer supervisão a aprendizes mais inexperientes.
Fonte: Traduzida de Ten Cate et al. (2015).

Existem várias características que pesam na de- tas vezes são baseadas em “intuição” e com informa-
cisão de confiar ao aprendiz, em qualquer nível de ções limitadas. Isso não significa, necessariamente,
sua formação, a responsabilidade assistencial de que a tomada de tais decisões seja imprecisa, pois
pacientes (TEN CATE et al., 2015): nem tudo que fundamenta uma decisão pode ser
traduzido em números, escalas ou mesmo palavras.
• Qualidades fundamentais, baseadas principal- Às vezes, a supervisão “sente” que pode confiar ou
mente na competência e no raciocínio clínico, não no aprendiz. Essa confiança presuntiva baseada
• Consciência e confiança nas ações, em credenciais anteriores, combinados à confiança
• veracidade e honestidade, inicial após breve observação, pode ser suficiente
• Discernimento de suas limitações e propensão para se assumir a decisão de deixar o aprendiz re-
a pedir ajuda, se isso for realmente necessário, alizar ações médicas sobre o paciente, que seriam
• Empatia, compreensão e receptividade para de responsabilidade profissional da própria super-
com os pacientes, visão. Em determinado momento da formação, as
• Habilidade na comunicação e colaboração decisões que demandam anuência para agir sem
interprofissional, supervisão devem ser fundamentadas em avalia-
• Sentimento de autoconfiança e segurança em agir, ções sistemáticas que considerem as qualidades do
• Hábitos de autoavaliação, reflexão e desenvolvi- aprendiz (TEN CATE et al., 2015). Alguns critérios
• mento, podem fundamentar tais decisões:
• Senso de responsabilidade e • Desempenho em exames cognitivos e de
• Capacidade adequada para lidar com erros pró- habilidades,
prios e alheios. • Observações diretas por parte dos supervisores,
relacionadas com o desempenho nas
Como tais decisões são normalmente tomadas • EPA específicas,
sem muito tempo para deliberação criteriosa, mui- • Observação e feedback por parte de pacientes e
colegas,

62 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


• Auditoria da prática e dos registros médicos, (APC) em diferentes disciplinas, profissões e paí-
• Uso de técnicas de ensino utilizadas pelos pre- ses, mostrando que esse conceito surgiu pela pri-
ceptores na observação dos aprendizes, meira vez em 2005 e agora tem se tornado popular
• Credenciais anteriores, confiança e reputação nos programas de pós-graduação e, mais recente-
relatadas pelos colegas, mente, nos de graduação.
• Verificação amostral da precisão das informa- Em 2019, diversos autores gaúchos escreveram
ções relatadas no item anterior, um livro no qual se encontra a descrição de uma
• Apresentações de casos clínicos nas visitas mé- trajetória percorrida por docentes com o objetivo
dicas e discussões que se seguem, de ampliar a avaliação por competências no inter-
• Avaliação de casos atendidos e situações espe- nato, introduzindo o conceito de EPA, que traduzi-
cíficas durante o plantão, ram com a denominação de atividades profissionais
• Discussões de casos elaborados para essa finalidade, confiabilizadoras, de reconhecido valor na avalia-
• Exercícios de autorreflexão, ção de habilidades durante a formação dos profis-
• Auditoria e análise de fatos relevantes, identifi- sionais da saúde (NEUMANN et al., 2019).
cando as lacunas de aprendizagem,
• Feedback de múltiplas fontes sobre habilidades
interprofissionais, 5. USO DE MARCOS DE COMPETÊNCIA E EPA NA
• Condução de casos clínicos e de investigação SIMULAÇÃO CLÍNICA
por iniciativa própria,
• Sinais de preparação e iniciativas/proatividade, A simulação clínica se apresenta como uma possí-
• Atribuir tarefa na qual a segurança do paciente vel estratégia de ensino e/ou avaliação, por meio
pode ser avaliada. da qual se podem conquistar e/ou confirmar com-
petências clínicas e otimizar métodos de avaliação
Avançar para o próximo nível de responsabi- na formação profissional, atributos interpessoais,
lidade e autonomia exige a coleta de informações capacidade de raciocínio clinico, tomada de deci-
válidas sobre os formandos e a utilização sistemá- são, habilidades técnicas, entre outros (MONTIEL
tica de instrumentos e métodos empregados, prin- et al., 2012).
cipalmente nos cenários de prática (TEN CATE et Uma revisão sistemática sobre as característi-
al., 2015). cas e os usos de simulações médicas levou à identi-
Esse esquema pedagógico avaliativo foi introdu- ficação baseada em evidências e proposta de recur-
zido no campo da educação médica pelo holandês sos e melhores práticas para o ensino médico eficaz
Olle ten Cate. Ele permite operacionalizar os pro- baseado em simulação (ISSENBERG et al., 2005):
cessos de confiabilização que os bons professores
clínicos já faziam intuitivamente no dia a dia. O es- 1) Feedback
quema desse autor coloca a avaliação de competên- 2) Prática repetitiva/deliberada
cias no contexto adequado da prática médica, jus- 3) Integração curricular
tamente por meio da linguagem da confiança, um 4) Medição de resultados
conceito essencial e nuclear da atenção à saúde. É 5) Fidelidade da simulação e validade do simulador
possivel reconhecer a aplicabilidade prática do es- 6) Aquisição e manutenção de habilidades
quema avaliativo baseado nas EPA durante o inter- 7) Aprendizado de domínio individualizado
nato médico, já que levam em conta não só as defi- 8) Transferência para a prática
nições abrangentes e integrativas de competências, 9) Treinamento de equipe
mas também sua conotação legal. Isso significa que 10) Teste de alto risco
o aprendiz adquire por mérito não somente a capa- 11) Treinamento de instrutores
cidade, mas também o direito de atuar como pro- 12) Contextos educacional e profissional
fissional (NEUMANN et al., 2019).
Em artigo publicado em português em 2019 na O princípio da educação baseada em simulação
Revista Brasileira de Educação Médica, o “Guia atu- é que haja a transferibilidade das competências ad-
alizado sobre Atividades Profissionais Confiáveis”, quiridas em atividades simuladas, em que o treina-
Olle ten Cate fez uma revisão do estado da arte do mento permite que a aquisição de habilidades cog-
trabalho com as atividades profissionais confiáveis nitivas, afetivas e psicomotoras adquiridas fora do

A evolução do conceito de competências para marcos de competências


e “Entrustable Professional Activities” (EPAs) 63
local de trabalho possa servir na melhor qualifica- sentido, é necessário desenvolver e aprimorar mé-
ção e segurança para a resolução dos problemas dos todos de ensino aprendizagem e avaliação de com-
pacientes no ambiente clínico. O treinamento ba- petências que sejam capazes de assegurar resulta-
seado em simulação está muito próximo desse mo- dos confiáveis.
delo de aprendizagem em seu design. O realismo Nesse contexto, os marcos de competências fo-
dos ambientes de ensino simulados pode ser um ram desenvolvidos e são utilizados para a avalia-
fator que influencia a transferência da aprendiza- ção da progressão do aprendiz. Sabe-se que origi-
gem cognitiva, afetiva e psicomotora para o local nalmente as EPA foram criadas para que pudessem
de trabalho (KHAN et al., 2010). ser desenvolvidas no contexto da prática, no en-
Não há dúvida sobre a necessidade de simulação tanto há estudos na área médica que demonstram
na educação médica no currículo baseado em compe- a possibilidade de elas serem realizadas em simu-
tências para que os estudantes possam ter os melhores lação clínica, pela capacidade de similitude desse
resultados pela capacitação e pelo treinamento prévio. método com o contexto real da prática clínica em
O pré-treinamento no simulador ou no ambiente saúde (CROFT et al., 2020).
simulado antes do encontro com o paciente aborda No atual momento, a educação médica base-
as questões de segurança nas condutas e nos pro- ada em simulação vem procurando estudar e uti-
cedimentos. Isso salvaguarda as instituições de en- lizar as melhores práticas, buscando maximizar
sino quando confrontadas por quem faça a propa- seus benefícios educacionais no contexto do cur-
ganda negativa de que “os pacientes estão sendo rículo por competências (CHACKO, 2017). As EPA
tratados pelos estudantes”. podem fornecer uma plataforma para decisões de
Para os pacientes, ter estudantes e médicos re- confiança em torno das principais habilidades, pre-
sidentes treinados em simulação é a garantia de ter enchendo, assim, a lacuna entre a teoria e a prática
desenvolvido um nível mínimo de competência an- (CROFT et al., 2020).
tes de sua interação clínica. Isso os deixa mais dis- Existem várias restrições e desafios práticos que
postos a permitir que os estudantes realizem pro- precisam ser superados na implementação de pro-
cedimentos, uma vez que já tiveram o treinamento gramas de treinamento em simulação, como res-
em simulação (GRABER et al., 2005). trições de tempo e falta de capacitação do corpo
No entanto, a educação médica baseada em si- docente, alto custo do equipamento e de sua ma-
mulação é apenas um complemento e não substi- nutenção, e restrições de espaço necessário para la-
tui os muitos métodos e as estratégias educacio- boratórios educacionais. Como os simuladores não
nais existentes no ambiente clínico tradicional para substituem os bons educadores, os professores trei-
garantir que os graduandos se tornem competen- nados em bons princípios educacionais e técnicas
tes. Após a experiência de aprendizagem baseada de ensino precisam ser identificados e treinados no
em simulação para desenvolver o nível mínimo de uso de simulação (CHACKO, 2017).
competências para a prestação de cuidados segu- Em um estudo, EPA de complexidade cres-
ros, os estudantes precisam praticar sob supervisão cente foram propostas para as responsabilidades
em pacientes reais. Isso também vale para as habi- e competências dos membros do corpo docente
lidades relacionadas à gestão em saúde: é necessá- que ensinam no laboratório de simulação. A abor-
rio que o aprendiz realize treinamento em sistemas dagem em camadas das EPA ajuda o corpo do-
de prestação de cuidados em equipes para apren- cente a ganhar confiança em suas habilidades e
der a participar de equipes de saúde e liderá-las entender como progridem, o que pode ser bené-
(CHACKO, 2017). fico para eles e os estudantes. Os julgamentos de
Para os estudantes, as experiências de apren- competência de nível pessoal são informados por
dizagem baseadas em simulação incorporadas ao múltiplas EPA, diretamente observáveis e men-
currículo oferecem a oportunidade ideal para pra- suráveis. É fundamental que haja processos bem
ticar o atendimento ao paciente longe da beira do definidos para garantir maior competência entre
leito. Em ambiente simulado, é possível aplicar os os responsáveis pela formação das gerações futu-
princípios da aprendizagem e da prática deliberada ras de provedores de saúde. A implementação de
para o domínio de conhecimentos e habilidades. EPA para líderes de simulação pode ser um mé-
Há muitos caminhos para desenvolver e avaliar todo para alcançar esse objetivo (GARDNER; GEE;
as competências nas atividades simuladas. Nesse AHMED, 2018).

64 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


Outro estudo desenvolveu uma ferramenta cha- 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
mada EPA Assessment for Structured Simulated
Emergency ScenarioS (E-ASSESS) para coletar evi- As EPA são tarefas clínicas observáveis e executáveis
dências que apoiem o uso das EPA em simulação que refletem uma ou mais competências clínicas. O
para fornecer informações de avaliação que podem objetivo é que os estudantes realizem seu trabalho
contribuir potencialmente para as decisões sobre com segurança e eficácia sem supervisão, uma vez
confiabilidade. Essa ferramenta pode ser um mo- que tenham demonstrado competência suficiente,
delo para outras ferramentas semelhantes para in- e tornem-se confiáveis na sua execução. Na final
formar decisões sobre independência na realiza- do treinamento, a atividade profissional deve ser
realizada com segurança. Isso significa que a ava-
ção das atividades práticas (ANDLER et al., 2020).
liação do estudante deve ser focada na sua capaci-
A incorporação da educação médica baseada em
dade de lidar com quaisquer acontecimentos ines-
simulação no currículo pode ser alcançada usando a
perados que ocorram durante a atividade.
ferramenta de mapeamento do currículo. Por meio
A simulação oferece uma oportunidade única
dele, é possível identificar e abordar todas as EPA
para avaliar as EPA e medir, objetivamente, as ha-
necessárias (MOADEL; EVANS, 2015).
bilidades sem ameaça à segurança do paciente.
Para superar esse desafio relacionado ao corpo
A avaliação da competência pode ser realizada
docente da educação médica baseada em simula-
durante a observação do desempenho de um apren-
ção, as instituições devem recompensar adequa-
diz, integrando os vários componentes e subcompo-
damente os educadores por meio de promoções e
nentes dos domínios de cada marco de competência.
compensá-los com tempo protegido para ensinar,
A avaliação de competências é sempre necessária,
realizar pesquisas adicionais e participar de avalia-
anteriormente a qualquer decisão de atribuição. Se
ções periódicas do programa para melhorar a qua-
avaliadas no contexto do desempenho, apresentam
lidade e eficácia do treinamento baseado em si-
melhores resultados. As competências são medi-
mulação. As instituições também devem priorizar
das e avaliadas para assegurar a sua aquisição por
a simulação em seus hospitais (simulação in situ),
parte do aprendiz (ASSOCIATION OF AMERICAN
de acordo com as necessidades curriculares, por
MEDICAL COLLEGES, 2014).
meio do mapeamento curricular, tendo em mente
A discussão apresentada tem a intenção de ser
as instalações e oportunidades disponíveis nas en-
fonte inspiradora de reflexões para a elaboração e
fermarias e nas instalações ambulatoriais, e identi-
o desenvolvimento de marcos de competências e
ficando as EPA que requerem pré-treinamento em
EPA nos cursos da área da saúde.
simuladores antes de permitir que sejam pratica-
O uso dos marcos de competência permite que
das em pacientes reais (CHACKO, 2017). o estudante visualize seu roteiro de aprendizagem
Há evidências emergentes sobre como as EPA e se conscientize da necessidade de identificação
podem ser efetivamente introduzidas no treina- das lacunas de sua formação para atingir as compe-
mento clínico na graduação médica. As EPA es- tências essenciais. Trata-se de um norteador para
pecíficas com escalas de supervisão adaptadas ao estudantes e docentes que visa à formação de pro-
contexto podem ser úteis, aproveitando melhor fissionais preparados.
seu potencial de avaliação formativa (PINILLA et As EPA permitem que os supervisores sistema-
al., 2021). tizem a avaliação das competências dos aprendi-
Um estudo recente mostrou que a percepção zes que devem ser demonstradas de forma confi-
dos estudantes sobre o valor de aprendizagem das ável na execução das diversas atividades práticas,
atividades baseadas em simulação é muito consis- sendo sua aplicação mais objetiva, sintética e inte-
tente e positiva. Dessa forma, a adoção de currícu- grada, de modo a assegurar a qualidade no ensino
los com simulação baseados em EPA nos anos clí- e na avaliação, e contribuir também para a segu-
nicos é viável e generalizável, e se presta a uma boa rança do paciente.
avaliação formativa. A avaliação formativa longitu- Dessa forma, verifica-se que é possível a apli-
dinal utilizando atividades simuladas é de extrema cação dos marcos de competências e EPA nos cur-
importância no desenvolvimento eficaz das EPA es- sos da área da saúde, pois se complementam no
senciais (HERRIGEL et al., 2020). processo de ensino e avaliação de competências,

A evolução do conceito de competências para marcos de competências


e “Entrustable Professional Activities” (EPAs) 65
podendo-se utilizar essas formas de avaliação das na atualização das matrizes curriculares é uma ne-
competências em atividades simuladas. cessidade obrigatória dos cursos da área da saúde,
A incorporação desses conceitos e de sua prática particularmente a Medicina, nos dias atuais.

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A evolução do conceito de competências para marcos de competências


e “Entrustable Professional Activities” (EPAs) 69
CA P Í T U L O 4

Engenharia da construção das


estações simuladas - Passo a passo
para a elaboração das estações
simuladas

70
Gerson Alves Pereira Júnior
Docente de Cirurgia de
Urgência e do Trauma
da Universidade de São Paulo (USP)
Coordenador do Programa
ABEM de Simulação

Sara Fiterman Lima


Enfermeira
Professora do Curso de
Medicina de Pinheiro/MA
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

1. INTRODUÇÃO 2. ENGENHARIA DOS CASOS SIMULADOS

Todas as informações conceituais aqui apresentadas No contexto da educação baseada em simulação, o


estão dispostas de maneira mais pormenorizada no desenvolvimento do corpo docente envolve mais
capítulo 3 – “Conhecimentos básicos para estrutu- do que apenas treinamento para executar os cená-
ração do treinamento de habilidades e da elabora- rios de simulação e fornecer feedback de forma efi-
ção das estações simuladas” – do livro eletrônico caz, mas também pelo menos uma compreensão bá-
Simulação em saúde para ensino e avaliação: concei- sica de todos os aspectos da simulação, incluindo
tos e práticas, da Associação Brasileira de Educação a manutenção de ambientes de aprendizagem se-
Médica, publicado em 2021 pela Editora Cubo. guros, o gerenciamento de fidelidade e a engenha-
Neste capítulo, serão discutidas as partes mais prá- ria de cenário.
ticas e sequenciais da engenharia dos casos simulados, Utilizando-se o conceito de engenharia dos ce-
cujo objetivo é transformar os casos clínicos vivencia- nários simulados, durante o processo de capaci-
dos pelos profissionais de saúde durante a assistên- tação docente, há o planejamento do processo de
cia aos pacientes reais, de forma viável e realista, em instrução em três etapas, sendo o próximo passo a
estações simuladas completas com todas as informa- escrita do caso clínico selecionado para a ser trans-
ções necessárias para a excelência de sua execução. formado em atividade simulada.

Engenharia da construção das estações simuladas - Passo a


passo para a elaboração das estações simuladas 71
Antes da montagem dos 19 itens da encomenda teúdo, e apoiar os objetivos e resultados esperados.
da estação simulada, que é o início da transforma- Assim, devem ser estruturados a partir de caso ba-
ção do caso clínico em estação simulada, é neces- seado em situações da vida real e com uma histó-
sário definir quais os objetivos de aprendizagem/ ria principal, o que inclui uma sequência de ati-
avaliação.
vidades de aprendizagem e envolve tomadas de
Uma vez definidos esses objetivos, o passo se-
guinte é estabelecer as competências necessárias decisão estratégias para resolução de problemas,
para o cumprimento das tarefas delineadas na ava- raciocínio inteligente e outras habilidades cogni-
liação do desempenho esperado. tivas (ALINIER, 2011).
É imprescindível lembrar que a competência Seu design direciona a abordagem de aspectos
não é algo que se observa diretamente, mas pode essenciais da estrutura, do processo e dos resul-
ser inferida pelo desempenho e pela articulação de tados da atividade (DOMINGUES; NOGUEIRA;
tarefas e capacidades, que dão a noção de compe- MIÚRA, 2020). Na literatura, são observadas várias
tência profissional com base em padrões ou crité-
rios definidos. propostas para desenvolvimento desses cenários,
entretanto a maioria destaca a necessidade de pla-
nejamento e desenvolvimento adequados (KHAN
3. A ESTRUTURAÇÃO DOS CENÁRIOS SIMULADOS et al., 2010).
EM SAÚDE A simulação serve tanto como atividade de en-
sino quanto para avaliação. Para tanto, existem di-
O desenvolvimento dos cenários é de grande re- ferenças no processo de elaboração e desenvolvi-
levância para o treinamento com simulação clí- mento das estações simuladas que precisam ser
nica, para garantir a qualidade e validade do con- conhecidas (figuras 1 e 2).

SIMULAÇÃO CLÍNICA COMO ENSINO


Com uso de simuladores
Com paciente simulado | padronizado
Híbrida
Prática Deliberada em Ciclos Rápidos (PDCR)
Simulação em Educação Interprofissional
Virtual
In situ
Telessimulação

REFLEXÃO
PLANEJAMENTO DESENVOLVIMENTO
PÓS PRÁTICA

- Problema e área de atuação; Pré-briefing Debriefing - Autoavaliação;


- Facilitadores (dialogicidade); Estação Simulada - Avaliação interpares;
Briefing Feedback
- Arcabouço teórico; - Lacunas de
- Público-alvo e conhecimento prévio aprendizagem.
participantes;
- Competências desejadas, objetivos e
desfechos; FACILITADORES
- Tipo de simulação; ESTUDANTES
- Cenário de prática (local para a atividade,
recursos, instrumentos, gravação ou não);
- Tipo de comunicação (estudante e
facilitador);
- Duração da atividade;
- Organização das etapas de pré-briefing e
briefing;
- Definição do tipo de debriefing/feedback.
FIDELIDADE COMPLEXIDADE
(física, ambiental, psicológica) (tecnologia, e caso simulado)

Figura 1. Proposta para a estruturação de cenários simulados para ensino.

Fonte: Elaborada pelos autores.

No ensino, a simulação é utilizada principal- O feedback é um dos principais contribuintes para


mente como uma ferramenta de avaliação forma- a melhoria do desempenho. A amostragem da me-
tiva. Cada cenário de simulação seguido por um tacognição é possível durante o debriefing, permi-
debriefing é um processo de avaliação formativa. tindo que os alunos pensem e reflitam sobre suas

72 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


ações e processos de pensamento. Os resultados de Na avaliação, a simulação é utilizada princi-
aprendizagem definidos dos cenários direcionam a palmente como uma ferramenta de avaliação so-
avaliação formativa. O debriefing realizado no final mativa. Num cenário simulado bem projetado, é
de cada cenário de simulação apresenta uma opor- possível verificar a realização de cada procedi-
tunidade ideal para fornecer ao candidato um feed- mento, definir o desempenho dos estudantes pe-
back relevante e focado tanto no indivíduo quanto rante as situações clínicas reproduzidas e infe-
no grupo, a fim de maximizar a experiência geral rir o desempenho deles em ambientes clínicos.
A Figura 2 resume todo o processo de simulação
de aprendizagem. A Figura 1 resume todo o pro-
como avaliação.
cesso de simulação como ensino.

SIMULAÇÃO CLÍNICA COMO AVALIAÇÃO


Estudantes e avaliadores presenciais
Estudante presencial e avaliador on-line
Estudante e avaliador on-lines

ANÁLISES DOS
PLANEJAMENTO RODÍZIO NAS ESTAÇÕES SIMULADAS
RESULTADOS

- Cenários de prática de cada Avaliação (individual, turma e


estação; Briefing Estações Simuladas currículo)
(escrita ou
(momento) (tipo de comunicação)
- Áreas de atuação dos cenários; informatizada)
- Local da prova;
- Número e duração das estações;
- Tipos de simulações utilizadas; AVALIADORES
- Confinamento pré e pós prova; ESTUDANTES
- Gravação ou não;
- Momento de leitura do caso;
- Tipo de comunicação estudante
avaliador.
FIDELIDADE COMPLEXIDADE
(física, ambiental, psicológica) (tecnologia, e caso simulado)

Figura 2. Proposta para a estruturação de cenários simulados para avaliação.


Fonte: Elaborada pelos autores

A validade – que é a capacidade de um conjunto simuladores, diferentes ambientes clínicos e currícu-


de variáveis ​​de prever resultados com base em in- los. O objetivo geral da engenharia de cenário deve
formações de outras variáveis ​​e de se relacionar ser facilitar a entrega e obtenção de um conjunto
com critérios concretos no “mundo real” –, a fide- de resultados de aprendizagem claros, mantendo a
dignidade e a reprodutibilidade são as grandes van- “fidelidade” mais alta possível (KHAN et al., 2010).
tagens da utilização da simulação como avaliação, As habilidades necessárias para criar cenários
tanto formativa quanto somativa. de simulação de alta fidelidade são diferentes das
habilidades necessárias para escrever cenários de
3.1. PLANEJAMENTO DOS CENÁRIOS SIMULADOS ensino para discussões baseadas em casos. Por isso,
o conceito “engenharia de cenário” é mais adequado
A estruturação de cenários simulados requer um pla- do que “escrita de cenário”. Se os cenários não fo-
nejamento prévio, intencional, sistemático e minu- rem projetados com a devida diligência, eles não
cioso da atividade proposta. Tal processo deve pre- apenas impactarão a ação e a fidelidade temporal,
ferencialmente ser inclusivo e dialógico, envolvendo mas também reduzirão o impacto educacional da
colaboradores com experiência em simulação e/ou educação baseada em simulação por não se vincu-
na área de conhecimento objeto da prática simulada. larem diretamente ao currículo. A integração cur-
A engenharia de cenários de simulação é a arte ricular refere-se a cenários de simulação usados
de desenvolver aplicações práticas (cenários de si-
mulação) que englobam conhecimento da medicina, como uma ferramenta de rotina na entrega de par-

Engenharia da construção das estações simuladas - Passo a


passo para a elaboração das estações simuladas 73
tes selecionadas do currículo (KHAN et al., 2010). demandas do contexto da saúde (administrativas,
Os cenários adequados dependem desse plane- científicas, sociais e políticas). Quanto ao público-
jamento detalhado para a condução da simulação alvo, é importante identificar o conhecimento prévio
clínica, podendo variar em relação à complexidade dele, pois é relevante que o cenário simulado seja
e ao tempo de duração, de acordo com os objetivos adequado ao seu nível de conhecimento e vivências
(NEVES; IGLESIAS; PAZIN-FILHO, 2017; EPPICH;
de aprendizagem propostos e resultados esperados,
CHENG, 2015; SANTALUCIA et al., 2016).
sem impedir que outros pontos possam emergir du-
rante a atividade. Dessa forma, o planejamento deve
3.1.2. DEFINIÇÃO DOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
ser retroalimentado, flexível e cíclico, sendo com-
posto por várias escolhas, decisões e construções Trata-se de uma etapa essencial para a constru-
(ALINIER, 2011; INTERNATIONAL NURSING ção do cenário de simulação, pois refere-se às fer-
ASSOCIATION FOR CLINICAL SIMULATION ramentas de orientação que facilitarão a obtenção
AND LEARNING, 2016). de resultados e a marca registrada de um projeto
Casos da vida real costumam ser um bom ponto educacional sólido.
Os objetivos podem ser amplos ou específicos, e,
de partida para o desenvolvimento de cenários, pois,
nesse sentido, a taxonomia de Bloom, fornece uma
em geral, trazem consigo boas lições e pontos rele-
estrutura para desenvolver e nivelar objetivos de
vantes para aprendizagem (MURRAY et al., 2004). forma a atender aos resultados esperados. Na taxo-
No planejamento de cenários, é importante lem- nomia de Bloom revisada, a hierarquia dos objetivos
brar-se dos conceitos estruturantes apresentados progride de um nível inferior (lembrar e entender)
anteriormente quando se projeta o cenário para para os objetivos de nível superior (aplique, análise,
trabalhar com a fidelidade, buscando realismo e avalie e crie). Esses verbos fornecem a estrutura e
suspensão da descrença. comunicam as competências que o participante deve
alcançar como resultado da participação na ativi-
dade de simulação (INTERNATIONAL NURSING
3.1.1 RECONHECIMENTO DO PROBLEMA OU DA
SITUAÇÃO CLÍNICA A SER ABORDADA ASSOCIATION FOR CLINICAL SIMULATION
AND LEARNING, 2016).
No início da estruturação de um cenário, é impor- Para que os resultados alcançáveis possam ser
tante definir o problema a ser trabalhado e o pú- obtidos, é importante traçar objetivos mensuráveis
blico-alvo da simulação. Dependendo do local onde
e claramente definidos. No campo da gestão cor-
será aplicado o cenário, o problema deve estar as-
porativa, Doran (1981) criou o acrônimo SMART
sociado aos conteúdos curriculares da graduação e
pós-graduação ou a situações relacionadas ao traba- – specific (específico), measurable (mensurável),
lho dos profissionais nos serviços de saúde, sejam achievable (atingível), realistic (realista) e time ba-
estas reconhecidas por seus componentes (é interes- sed (relacionado ao tempo) – como uma estrutura
sante quando essa atividade parte das necessidades para desenvolver objetivos mensuráveis e signifi-
e expectativas dos participantes) ou secundárias a cativos, que pode ser visto no Quadro 1.

Quadro 1. Ferramenta SMART.

S Específico: o que exatamente vamos fazer e para quem?

M Mensurável: é passível de quantificar e medir?

A Atingível: podemos fazer com os recursos e o suporte que temos disponíveis?

R Realista: terá efeito sobre os resultados esperados?

Tempo necessário: quando esse objetivo pode ser alcançado?


T
Fonte: Adaptado de International Nursing Association for Clinical Simulation and Learning (2016).

74 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


No planejamento do cenário, podem ser desen- bulatório, enfermaria, sala de emergência, centro
volvidos objetivos gerais e específicos para atender cirúrgico, unidade de terapia intensiva) também é
às necessidades identificadas e otimizar o alcance muito relevante.
dos resultados esperados. Os objetivos gerais refle- Devem-se ainda estruturar as experiências ba-
tem o propósito da experiência baseada em simu- seadas na simulação, incluindo um ponto de iní-
lação e estão relacionados com as metas organiza- cio, as atividades estruturadas do participante e o
cionais, já os objetivos específicos referem-se às ponto de término. O ponto de início representa as
medidas de desempenho do participante. circunstâncias iniciais do paciente ou a situação
Durante a fase de design, é importante deter- quando o participante inicia seu envolvimento na
minar que objetivos serão ou não disponibilizados experiência baseada em simulação. As atividades
para os participantes antes da experiência da simu- estruturadas do participante são compostas para
lação. Os objetivos que fornecem informações ge- envolvimento do participante (por exemplo, caso
rais e contextuais devem ser apresentados para os simulado ou um desdobramento do cenário, e/ou
participantes (por exemplo, realizar cuidados para ensino/avaliação das habilidades psicomotoras). O
paciente com insuficiência cardíaca), já aqueles que ponto final é o estágio no qual se espera que a expe-
se referem às medidas de desempenho dos partici- riência baseada em simulação termine, geralmente
pantes não devem ser apresentados. quando os resultados esperados da aprendizagem
foram demonstrados, o tempo se esgota ou o cená-
3.1.3. IDENTIFICAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS A SE- rio não pode prosseguir.
REM ENSINADAS E/OU AVALIADAS

As competências são domínios construídos e adqui- 3.1.5. LEVANTAMENTO DE RECURSOS


ridos em situações cotidianas que necessariamente
É importante para determinar as necessidades do
envolvem a compreensão da ação empreendida e do
cenário simulado a ser elaborado, o que inclui re-
uso a que essa ação se destina. Portanto, competên-
cursos materiais e humanos, considerando o cená-
cia é a capacidade de mobilizar recursos cognitivos,
rio de prática que vai ser simulado, os objetivos de
emocionais e psicomotores (conhecimentos,
aprendizagem e os resultados esperados.
habilidades e atitudes) para solucionar, com efi-
Em relação ao levantamento dos recursos ma-
cácia, as situações da prática em saúde (BAILLIE;
teriais necessários, devem-se incluir:
CURZIO, 2009; AGUIAR; RIBEIRO, 2010).
1) O espaço para a simulação (laboratório de si-
Para definição dessas competências, é válido
mulação, serviço de saúde ou outro);
utilizar a pirâmide de Miller atualizada e o Modelo
2) Os simuladores (manequins), se forem utilizados;
da Aquisição de Habilidades de Dreyfus, apresen-
3) Mobiliários (cama, cadeira, armários, suporte
tados anteriormente.
de soro e biombo);
Atualmente, podemos utilizar os marcos de
4) Equipamentos (monitor, aspirador e foco);
competências e Entrustable Professional Activities
5) Materiais (seringas, sondas e termômetro);
(EPA) para selecionar quais serão utilizadas na ela-
6) Documentação de apoio (cartas de encami-
boração do cenário simulado.
nhamento, ficha de atendimento e exames
complementares);
3.1.4. DEFINIÇÃO DO FORMATO DA SIMULAÇÃO
7) Utilização de recursos diagnósticos e terapêu-
Uma vez definidos os objetivos de aprendizagem ticos, de medicações e de equipamentos; e
e o público-alvo da prática simulada, é importante 8) Adereços (roupas, documentos de identifica-
selecionar a modalidade apropriada para a experi- ção, embalagens de remédios, exames prévios,
ência baseada em simulação, escolhendo entre os dispositivos invasivos, maquiagem, sangue e
diversos formatos já apresentados neste capítulo. secreções).
Existem evidências de que a utilização de pacien-
tes simulados treinados (que podem ser atores) nas No que concerne ao levantamento dos recur-
atividades de simulação aumenta a adesão dos estu- sos humanos, devem ser incluídos facilitadores,
dantes, tornando a aprendizagem mais significativa. pacientes simulados ou padronizados, operado-
A definição do cenário de prática que a estação res de equipamentos tecnológicos e outros que se-
prática irá simular (unidade básica de saúde, am- jam necessários.

Engenharia da construção das estações simuladas - Passo a


passo para a elaboração das estações simuladas 75
Quanto mais detalhado for o inventário dos re- de decisão é importante para auxílio no desenvolvi-
cursos necessários, menor será a possibilidade de mento do cenário de acordo com a evolução e ações
que um recurso não providenciado previamente do(s) participante(s). Nele são descritos os passos
ou garantido de última hora interfira na aplicação esperados do participante durante o cenário pro-
adequada do cenário. posto e as ações que devem ser realizadas caso al-
guma atividade seja ou não feita. Nesse caso, a forma
3.1.6. CONTEXTO E DETALHAMENTO DO CENÁRIO oval é utilizada para iniciar e finalizar o processo,
SIMULADO a retangular representa uma etapa do processo, e
O contexto deve incluir a realização da documen- a triangular mostra as decisões a serem tomadas.
tação para condução das atividades, como presença Além disso, a realização do checklist contendo
de relógios para controlar o tempo, scripts e infor- as ações/atividades que os participantes devem
mações a serem oferecidas aos participantes du- desenvolver durante a prática simulada, conside-
rante o aquecimento da atividade (briefing), como: rando o que é indicado por evidências científicas,
1) Roteiro do paciente, de forma que quem está fa- os objetivos do cenário e as competências que es-
lando como ele possa, por exemplo, responder tão sendo trabalhadas, também representa um re-
às perguntas dos participantes sobre sintomas, curso interessante tanto para o facilitador quanto
alergias, medicamentos, história médica ante- para os participantes observadores durante o acom-
rior, última ingestão e eventos que levaram à panhamento da simulação.
sua queixa principal. Esse roteiro deve infor- É importante determinar também se haverá a
mar ao paciente como ele deve falar, em frases utilização de distratores, que devem ser pensados
completas ou não, expressando dor ou descon- com o propósito de auxiliar na aprendizagem e
forto, ser confuso, calmo ou agressivo. aproximar o cenário de condições reais, entretanto
2) Roteiro para atores, esclarecendo se eles têm in- não devem desviar a atenção do participante, afas-
formações adicionais para fornecer aos partici- tando-o dos objetivos propostos. É relevante ainda
pantes quando solicitados e se devem ser bas- determinar o tempo necessário para a progressão
tante ativos e prestativos, ou apenas responder do cenário, para garantir que exista tempo razoável
às solicitações dos participantes. para atingir os objetivos a serem trabalhados.
3) Informações para o participante com descrição Recomenda-se construir um roteiro organizado
do caso, da tarefa e do tempo de realização. do cenário simulado, incluindo a disposição do mo-
4) Caso para o cenário simulado, com descrição biliário e das pessoas envolvidas em cena, para sua
sucinta e clara, e informações essenciais para o padronização e reprodutibilidade.
alcance dos objetivos propostos.
3.1.7. ORIENTAÇÕES PARA O FACILITADOR
Para detalhamento do cenário, deve-se plane- Nesse passo, devem estar descritas as ações críti-
jar a comunicação entre facilitador e participan- cas que serão observadas pelo facilitador, as quais
tes. Além disso, devem ser providenciadas as pistas sinalizam se os objetivos foram contemplados pe-
para fornecer informações quanto à evolução clí- los participantes. Frequentemente, utilizam-se ins-
nica do caso, em resposta às ações do participante. trumentos objetivos como as listas de tarefas (che-
Essas pistas devem ser adicionadas para medir o de- cklist), de modo a possibilitar a padronização da
sempenho e utilizadas para redirecionar o partici- observação e aumentar a sua reprodutibilidade.
pante quando ele se desvia do objetivo pretendido. Essa parte do cenário também deve conter dicas
Essas pistas podem ser entregues aos participantes
de ações a serem tomadas pelo facilitador no sen-
de forma verbal (por exemplo, por intermédio do
tido de resolver problemas de execução e sugerir
paciente, do facilitador ou de um participante in-
caminhos alternativos.
corporado no momento), visual (por exemplo, por
meio de mudança dos sinais vitais no monitor), por Ações prévias do facilitador, como reunião com
meio de dados adicionais (por exemplo, novos resul- pacientes simulados para esclarecimento do script
tados de exames) e assim por diante, mas isso deve e pontos fundamentais da atuação cênica, devem
ser pensado na formulação do cenário. ser definidas. O desenvolvimento do cenário, em
todas as suas etapas, também deve ser alvo de dis-
A organização de um fluxograma para tomada cussão e detalhamento.

76 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


3.2 DESENVOLVIMENTO DO CENÁRIO SIMULADO facilitar o envolvimento dos participantes com con-
3.2.1. PRÉ-BRIEFING E BRIEFING fiança, comunicação aberta e reflexiva. Além disso,
fornece um feedback formativo, planejado para en-
O pré-briefing deve ser conduzido de forma estrutu-
riquecer o aprendizado e contribuir para a consis-
rada, antes do desenvolvimento do cenário. Nele, o tência da experiência baseada em simulação, tanto
facilitador pode identificar as expectativas dos par- para participante quanto para facilitadores, refor-
ticipantes. Nessa etapa, os participantes recebem çando comportamentos positivos e corrigindo e es-
orientações sobre o espaço, equipamento e simula- clarecendo dúvidas (FRENCH et al., 2015).
dor (SHAROFF, 2015; INTERNATIONAL NURSING Consiste em etapa pautada em uma estrutura
ASSOCIATION FOR CLINICAL SIMULATION teórica e deve ser direcionado para os objetivos de
AND LEARNING, 2016). aprendizagem e resultados esperados.
No briefing, devem ser repassadas todas as orien- O ambiente do debriefing deve ser positivo e
tações específicas quanto ao cenário simulado que entusiástico, sempre de acordo com a visão de
“não criticar”. Nesse contexto, deve-se utilizar
será desenvolvido, com a apresentação do problema e
uma condução com questionamentos adequa-
dos passos relativos à tarefa a ser realizada. Também dos que permita que o estudante/participante
é interessante estabelecer regras e limites reali- memorize as ações, de forma a agir confortavel-
zando o contrato de ficção com os participantes, mente quando um caso real semelhante lhe for
orientação sobre quem são e os papéis dos facilita- apresentado. Assim, auxilia os participantes na
dores e avaliadores da simulação. conceitualização construída na aprendizagem, fa-
Tanto o pré-briefing quanto o briefing fazem cilita a reflexão sobre o desempenho individual
parte do preparo para a finalização da utilização e permite resumir a aprendizagem fechando as
da atividade simulada como ensino, que será rea- lacunas de conhecimento e desenvolvendo o ra-
lizada durante o debriefing. ciocínio clínico.
No caso de avaliações de habilidades com uso
de atividades de simulação, o debriefing pode ser
3.2.2. ESTAÇÃO SIMULADA substituído pelo feedback, de modo que os parti-
O momento da ação de simulação é aquele em que a cipantes sejam guiados para melhorar ou confir-
mar sua prática.
tarefa é realizada de forma prática, sendo observada
No feedback, informações ou diálogos ocorrem
pelo facilitador e pelos demais participantes, com ou entre participantes, facilitador, paciente simulado
sem gravação audiovisual. Esse momento tem um ou pares com o objetivo de melhorar a compreen-
ponto de início, as atividades estruturadas previstas são de conceitos ou de aspectos relacionados ao de-
para o participante e ponto de término. É fundamen- sempenho (VAN DER LEEUW; SLOOTWEG, 2013).
tal que os observadores tenham máxima atenção ao Não foi objetivo deste capítulo discorrer mais
cumprimento dos passos preestabelecidos, de modo a respeito tanto do debriefing/feedback quanto da
a facilitar o debriefing/feedback. Nessa etapa, o faci- avaliação, pois esses temas estão discutidos em ca-
litador deve estar atento para conduzir a evolução pítulos específicos deste livro.
do cenário, estimulando a participação de todos e o
trabalho em equipe (INTERNATIONAL NURSING 3.3. REFLEXÃO PÓS-PRÁTICA
ASSOCIATION FOR CLINICAL SIMULATION Devido à natureza dinâmica do treinamento base-
AND LEARNING, 2016; NOGUEIRA, DOMINGUES; ado em simulação, essa experiência não se encerra
BERGAMASCO, 2020). em si mesma. São comuns as reverberações e refle-
xões decorrentes da vivência de participantes, fa-
3.2.3. DEBRIEFING E SESSÃO DE FEEDBACK cilitadores e suas interações. A reflexão pode ser
O debriefing é uma fase planejada e voltada para considerada um processo metacognitivo (pensar
a promoção do pensamento reflexivo e o aperfei- sobre pensar ou pensar sobre as próprias atitudes/
çoamento do desempenho futuro do participante. comportamentos).
Promove o entendimento e apoia a transferência Na formação de médicos capazes de promover
de conhecimentos, habilidades e atitudes (KOLBE; um cuidado ético, socialmente responsável e cen-
GRANDE; SPAHN, 2015). trado no paciente, é de vital importância estimular
Deve ser facilitado por uma pessoa competente os estudantes a exercitar um pensamento crítico
no processo, desenvolvido em um ambiente que per- reflexivo (MANN; GORDON; MACLEOD, 2009).
mita a aprendizagem e confidencialidade, de modo a A promoção de espaços e diálogos no sentido de

Engenharia da construção das estações simuladas - Passo a


passo para a elaboração das estações simuladas 77
estimular a reflexão ocorre quando se proporcio- uma ferramenta de avaliação diagnóstica. Essas ava-
nam ambientes de engajamento, trocas e vivência. liações ajudam a informar os professores sobre as ne-
Assim, considerar a simulação como um espaço cessidades dos estudantes e contribuem para a modi-
que promove reflexão seria extrapolar a visão es- ficação e concepção dos planos de ensino ou da matriz
tritamente biomédica da simulação e compreender curricular com base nos resultados. O uso de simula-
o estudante/trainee em suas dimensões biopsicos-
ção em tal contexto pode ser extremamente útil, es-
sociais (KUMAGAI; NAIDU, 2015).
pecialmente no início de um ano ou semestre, antes
A aplicação do cenário costuma levar a outras
possibilidades valiosas para aprendizagem, bem de passar para a próxima fase (KHAN et al., 2010).
como para algumas lacunas nesse processo, e a iden- A inserção de simulação nos currículos médi-
tificação desses pontos deve retroalimentar o pla- cos é mais bem-sucedida quando se torna parte da
nejamento do cenário para que haja um constante matriz curricular e não apenas quando utilizada
aperfeiçoamento dele. de forma esporádica (ISSENBERG et al., 2005;
Além da identificação de novas possibilidades MCGAGHIE et al., 2010). É imprescindível de-
e lacunas de aprendizagem, a reflexão pós-prática terminar que componentes de um currículo são
costuma levar os participantes a um processo de aprimorados quando se usa a educação baseada
autoavaliação, em que refletem sobre os aspectos em simulação e se incorpora o uso das estações si-
específicos de suas condutas e conquistas, e à per- muladas de forma mais direcionada e sustentada.
cepção do que pode ser melhorado nesse sentido. Essa abordagem tem o benefício adicional de au-
Ao mesmo tempo, a experiência pode conduzi-los a xiliar a determinar os recursos humanos e mate-
uma reflexão sobre o desempenho dos demais par- riais, assim como o espaço físico, que serão neces-
ticipantes, o que servirá de baliza para a transfor- sários para a realização dos treinamentos. Em um
mação de condutas (FRENCH et al., 2015).
currículo já estruturado, permite uma revisão crí-
4. CAPACITAÇÃO DOCENTE PARA ELABORAÇÃO DAS tica de como o currículo está sendo administrado e
ESTAÇÕES SIMULADAS como os objetivos de aprendizagem são mais bem
alcançados por meio das diferentes modalidades
Como dito anteriormente, na educação baseada em de ensino disponíveis. O desenvolvimento de um
simulação, o desenvolvimento do corpo docente deve plano abrangente antes de sua implementação re-
ultrapassar um treinamento para executar os cená- sultará, certamente, em economia de tempo e re-
rios de simulação e fornecer feedback de forma eficaz. cursos valiosos (MOTOLA et al., 2013).
É necessária a inclusão de tópicos que levem a uma Utilizando-se o conceito de engenharia dos ce-
compreensão básica de todos os aspectos da simula- nários simulados, durante o processo de capacitação
ção, incluindo a manutenção de ambientes de apren- docente, recomenda-se o processo de instrução se-
dizagem seguros, o gerenciamento de fidelidade, e a guindo as três etapas já citadas:
engenharia de cenário (KHAN et al., 2010). 1) Escrita do caso clínico selecionado para a ser
O treinamento do corpo docente abaixo do ideal transformado em atividade simulada.
pode levar a uma integração curricular deficiente da 2) Montagem dos 19 itens da encomenda da esta-
simulação com os demais ambientes de ensino, à en- ção simulada (Quadro 2), que é o início da trans-
genharia de cenário inadequada, ao fraco gerencia- formação do caso clínico em estação simulada, já
mento de fidelidade e debriefing e a feedback ineficazes permitindo a visualização de como será constru-
ou contraproducentes. Uma combinação de qualquer ída a estação simulada.
um desses fatores pode ser prejudicial à autoconfiança 3) Modelo de construção completa da estação simu-
e ao aprendizado dos trainees. Isso poderia, por sua lada (Quadro 3), que é o roteiro integral do cená-
vez, criar uma percepção negativa da educação ba- rio simulado onde estão as instruções do cenário
seada em simulação, reduzindo a utilidade dessa fer- e tarefas do estudante/candidato, as orientações
ramenta educacional em seus treinamentos futuros. ao avaliador, a lista de materiais e equipamentos,
Portanto, é vital treinar o corpo docente com os mais o mapa de disposição dos móveis e recursos hu-
altos padrões possíveis. Isso pode ser alcançado com manos dentro do ambiente físico da estação si-
programas de desenvolvimento do corpo docente cui- mulada, o script do participante simulado (caso
dadosamente elaborados (KHAN et al., 2010). seja simulação cênica), o fluxograma de decisão
Além do uso de simulação para fins de avaliações do avaliador e o instrumento padronizado de ava-
formativa e somativa, também pode ser usada como liação (checklist).

78 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


Quadro 2. Itens de estruturação das encomendas dos cenários simulados.

1) Tema/conteúdo a ser abordado (utilizar a matriz de conteúdos): Deve-se escolher um título que represente
o problema a ser trabalhado.
2) População alvo: Definir para quem se destina a simulação e considerar os conhecimentos prévios dos
estudantes.
3) Número de participantes (mínimo e máximo)
4) Duração do cenário: tempo total previsto para todas as etapas, estabelecendo um limite de duração da atividade
com tempo suficiente para que os participantes atinjam os objetivos.
5) Objetivos de aprendizagem/avaliação: O objetivo geral é o resultado que se espera com o aprendizado. Os
objetivos específicos são as medidas de desempenho do participante, que geralmente são disponibilizados apenas
para os facilitadores. O número de objetivos específicos depende da complexidade e do tempo estabelecido para o
cenário. Podem-se utilizar os marcos de competências que devem ser mobilizados no desenvolvimento da estação.
6) Competências gerais a serem desenvolvidas: Conhecimentos, habilidades e atitudes que são esperadas
do participante ao final da atividade. Devem-se definir as habilidades específicas a serem demonstradas,
considerando os conhecimentos prévios dos participantes.
7) Tipo de simulação: Deve-se escolher uma destas possibilidades: simulação clínica com uso de simulador
(manequim); simulação clínica com uso de paciente simulado (se padronizado); role play; simulação híbrida; prática
deliberada de ciclos rápidos; simulação in situ; simulação interprofissional; simulação virtual; telessimulação.
8) Caso/situação clínica: Refere-se às informações do caso clínico a ser desenvolvido e às tarefas a serem
cumpridas. Deve-se descrever o caso de maneira sucinta e clara, com informações essenciais para o alcance
dos objetivos propostos.
9) Lesões/patologias: Devem-se definir os achados do exame físico e os exames complementares a serem
explorados. Devem-se definir também as decisões críticas de diagnóstico e tratamento.
10) Procedimentos médicos a serem realizados (se houver): Definem-se os materiais e equipamentos que
deverão estar presentes no cenário simulado.
11) Distratores: Devem ser pensados com o propósito de auxiliar na aprendizagem e aproximar o cenário de
condições reais, entretanto não devem desviar a atenção do participante, afastando-o dos objetivos propostos.
12) Cenário de prática a ser simulado: Local/referência de local em que será realizado o atendimento/
procedimento (ex: se UBS, ambulatório, UTI ou outro).
13) Problemas de comunicação com pacientes, familiares e membros da equipe interprofissional:
Devem-se utilizar as situações mais frequentes de conflitos.
14) Conflitos éticos e jurídicos: Caso se apliquem aos objetivos do caso, deve-se realizar a inclusão.
15) Situação interprofissional envolvida: Nos casos de utilização, devem-se definir as competências comuns
e colaborativas.
16) Nível estimado de dificuldade: Fácil, médio ou difícil.
17) Informações complementares:
Devem-se inserir outras informações que possam ser úteis na construção da estação.
18) Protocolo/consenso de orientação para a construção e ponderação do checklist.

19) Resultados esperados: Determinar quais resultados esperados para o desenvolvimento do cenário.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Engenharia da construção das estações simuladas - Passo a


passo para a elaboração das estações simuladas 79
Na engenharia do cenário simulado, após a definição dos 19 itens da encomenda da estação simulada,
os profissionais/professores que estão sendo capacitados já devem ter decidido por uma série de infor-
mações sistematizadas que permitem a visualização da futura estação simulada. É nesse momento que
os facilitadores da capacitação docente, com experiência em simulação, farão as sugestões de viabilidade
e fidelidade do cenário simulado. Feito isso, o próximo passo é os professores em capacitação utilizarem
o modelo de construção completa da estação simulada do Quadro 3.

Quadro 3. Itens de estruturação da estação simulada completa.

Definições prévias:
• Gravação do cenário: Definir se será realizada a gravação, além do equipamento e responsável.
• Tipo de comunicação entre estudante/candidato e avaliadores: Verbal, escrita e visual.
1) Instruções para o participante/estudante/candidato: Informações essenciais para
o caso clínico e definição das tarefas e de sua duração (estabelecer um limite de duração
da atividade com tempo suficiente para que os participantes atinjam os objetivos).
2) Instruções sobre o cenário simulado: Realizar a listagem dos recursos de acordo com as necessidades
e possibilidades do cenário: 1. O espaço para a simulação; 2. Os simuladores (manequins), se forem
utilizados; 3. Mobiliários (cama, cadeira, armários, suporte de soro e biombo); 4. Equipamentos (monitor,
aspirador e foco); 5. Materiais (seringas, sondas e termômetro); 6. Documentação de apoio (cartas de
encaminhamento, ficha de atendimento e exames complementares); 7. Utilização de recursos diagnósticos
e terapêuticos, de medicações e de equipamentos; e 8. Adereços (roupas, documentos de identificação,
embalagens de remédios, exames prévios, dispositivos invasivos, maquiagem, sangue e secreções).
3) Checklist de montagem da estação: Incluindo a disposição do mobiliário e das
pessoas envolvidas em cena, para sua padronização e reprodutibilidade.
4) Recursos humanos para condução do cenário: Definir os diferentes papéis a serem desempenhados
no cenário para estabelecer o número de participantes e seus pré-requisitos. Em relação ao
levantamento dos recursos humanos, devem ser incluídos facilitadores, pacientes simulados ou
padronizados, operadores de equipamentos tecnológicos e outros que sejam necessários.
5) Recursos materiais: Realizar a listagem dos recursos de acordo com as necessidades e
possibilidades do cenário. Exemplo: 1) o espaço para a simulação (laboratório de simulação, serviço
de saúde, ou outro); 2) os simuladores (manequins), se forem utilizados; 3) mobiliários (cama,
cadeira, armários, suporte de soro, biombo); 4) equipamentos (monitor, aspirador, foco); 6) materiais
(seringas, sondas, termômetro); 7) documentação de apoio (cartas de encaminhamento, ficha de
atendimento, exames complementares); 8) utilização de recursos diagnósticos e terapêuticos, de
medicações, de equipamentos; e 9) adereços (roupas, documentos de identificação, embalagens
de remédios, exames prévios, dispositivos invasivos, maquiagem, sangue e secreções).
6) Orientações ao participante simulado (paciente, familiar, membro da equipe etc): Script
e, caso haja necessidade, descrição das observações para moulage, vestimenta e adereços.
7) Orientações e informações ao facilitador/examinador/avaliador: Descrição
sequencial e cronológica das condutas a serem tomadas pelo estudante/candidato.
8) Informações sobre o caso e as condutas a serem tomadas: Descrição das possibilidades de
condutas e comportamentos que o estudante/candidato pode adotar, de modo a definir a ação dele.
9) Fluxograma de decisões possíveis das estações: Para auxílio no desenvolvimento
do cenário de acordo com a evolução e as ações do participante.
10) Checklist do facilitador/examinador/avaliador: Deve conter as ações/atividades
adequadas a serem desenvolvidas pelos participantes durante a prática simulada.

Fonte: Elaborado pelos autores.

80 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


Esse processo de construção das estações si- A Figura 3 mostra a proposta integrada da en-
muladas serve para o amadurecimento progres- genharia de construção dos cenários simulados.
sivo das ideias iniciais e enriquecimento das infor- Importante destacar as mesmas considerações acerca
mações dos diversos tópicos que compõem, tanto da fidelidade e complexidade da simulação já discuti-
a encomenda quanto da sua construção completa. dos anteriormente. Outra questão importante é a defi-
nição do ambiente onde será realizada a simulação que
Esse processo também facilita o trabalho colabo-
pode ser tanto nos laboratórios dos cursos, nas pró-
rativo dos demais profissionais de saúde que po-
prias salas de aula, ambientes externos para demons-
dem visualizar as informações e dar sugestões que tração de atendimentos pré-hospitalares, além dos di-
permitem uma melhor qualificação dos cenários versos setores dos serviços de saúde, onde também
simulados. Isto é particularmente verdadeiro para podem ser realizadas simulações in situ para treina-
as propostas de construção das estações de simu- mento das equipes multiprofissionais, principalmente
lação interprofissional. na educação permanente dos profissionais de saúde.

ENGENHARIA DA CONSTRUÇÃO DOS CENÁRIOS SIMULADOS


ITENS DA ENCOMENDA CONSTRUÇÃO COMPLETA DAS ESTAÇÕES SIMULADAS

- Tema/conteúdo a ser abordado; - Definições prévias: Gravação do cenário e Tipo de


- População alvo; comunicação entre estudante/candidato e avaliadores;
- Número de participantes; - 1) Instruções para o participante/estudante/candidato;
- Duração do cenário; - 2) Instruções sobre o cenário simulado;
- Objetivos de aprendizagem/avaliação; - 3) Checklist de montagem da estação;
- Competências a serem desenvolvidas; - 4) Recursos humanos para condução do cenário;
- Tipo de simulação; - 5) Recursos materiais;
- Caso/situação clínica; - 6) Orientações ao(s) participante(s) simulado(s) - paciente,
- Lesões/patologias; familiar, membro da equipe etc.
- Procedimentos médicos a serem realizados; - 7) Orientações e informações ao facilitador, examinador,
- Distratores; avaliador;
- Cenário de prática a ser simulado; - 8) Informações sobre o caso e as condutas a serem tomadas;
- Problemas de comunicação com pacientes, - 9) Fluxograma de decisões possíveis das estações;
familiares e membros da equipe - 10) Checklist do facilitador/examinador/avaliador.
interprofissional;
- Conflitos éticos e jurídicos; FIDELIDADE COMPLEXIDADE
- Situação interprofissional envolvida; (física, ambiental, psicológica) (tecnologia, e caso simulado)
- Nível estimado de dificuldade;
- Protocolo/consenso de orientação para a AMBIENTE PARA SIMULAÇÃO
construção e ponderação do checklist. Laboratório, sala de aula, ambiente externo,
serviço de saúde (diferentes setores), in situ.

Figura 3. Proposta integrada da engenharia de construção dos cenários simulados.


Fonte: Elaborada pelos autores

Checklists ou listas de verificação represen- ticularmente verdadeiro para provas práticas de se-
tam listas de ações ou itens específicos que devem leção de concursos públicos, certificação de títulos
ser executados pelo aprendiz. Os checklists solici- de especialista e revalidação de diplomas de profis-
tam que os avaliadores atestem ações diretamente sionais de saúde formados no exterior.
observáveis. O Quadro 4 apresenta o modelo de checklist pro-
A priori, um bom instrumento de avaliação deve posto. Há uma estrutura de tópicos que envolvem vá-
idealmente (KUUSKNE, 2017): rios itens de avaliação. Há quatro opções de respos-
• possuir alta confiabilidade entre avaliadores, tas (não fez, inadequado, parcialmente adequado e
• ter alta validade de construção, adequado). No processo de elaboração do checklist,
• ser viável para aplicar e cada item do checklist deve ser analisado individu-
• ser capaz de discriminar entre diferentes níveis almente para se definir se serão mantidos apenas os
de aprendizagem. dois extremos de respostas (não fez ou adequado,
ou seja, sim ou não), inutilizando as opções inter-
Como já explicitado num dos itens da encomenda mediárias, ou se serão mantidas as opções de ina-
da estação simulada, é importante que a escolha dos dequado e parcialmente adequado. Nesta última
itens do checklist seja baseada em protocolos e con- situação com a utilização das quatro opções de res-
sensos para que não haja dúvidas sobre o que foi se- postas, na descrição dos itens avaliados devem ser
lecionado. Isso também facilitará a ponderação de discriminados por escrito os critérios que diferen-
cada tópico e de seus itens de avaliação. Isto é par- ciam essas duas opções.

Engenharia da construção das estações simuladas - Passo a


passo para a elaboração das estações simuladas 81
Quadro 4. Estrutura de montagem do checklist das estações simuladas.

Indicadores de avaliação Não fez Inadequado Parcialmente adequado Adequado

A Tópico avaliado 1
1 Indicador a
2 Indicador b
3 Indicador c
4 Indicador d
5 Indicador e
B Tópico avaliado 2
6 Indicador f
7 Indicador g
8 Indicador h
9 Indicador i
C Tópico avaliado 3
10 Indicador j
11 Indicador k
12 Indicador l
13 Indicador m

Fonte: Elaborado pelos autores

Para finalizar, outra importante discussão diz res- dades presenciais. Este modelo transformou-se em
peito às estratégias de aplicação dos cenários no pla- referência a um modelo de aprendizagem que reor-
nejamento das diferentes programações que podem ganiza o tempo gasto dentro e fora da classe, trans-
ter simulação envolvida. O valioso tempo presencial ferindo o protagonismo no processo de aprendi-
dos estudantes em contato com os professores/fa- zado, dos educadores para os alunos. Assim, o valioso
cilitadores tornou-se ainda mais importante após a tempo presencial de aula é dedicado a uma aprendi-
pandemia do COVID-19 como acontece nas ativida- zagem mais ativa, com projetos baseados no apren-
des simuladas. Este tempo presencial não deve ser dizado e nos quais os alunos trabalham em conjunto
gasto com revisões teóricas para aplicação da simu- ou isoladamente para resolverem os casos simula-
lação. Os estudantes devem ter consciência da ne-
dos (PEREIRA JÚNIOR et al, 2017).
cessidade de estudo prévio dos conteúdos que se-
A Figura 4 mostra as possibilidades de aplicação
rão praticas nas atividades simuladas presenciais.
dos cenários simulados com a utilização do Blended
O blended learning é um derivado do e-learning,
Learning, tanto em ambientes internos dos cursos
onde há um momento online de estudo prévio e ou-
tro com a sessão presencial. Na Sala de Aula Invertida quanto externos e nos locais de trabalho. O estudo
(Flipped Classroom), esse primeiro contato dos es- prévio com o uso da sala de aula invertida é uma es-
tudantes com os temas a serem estudados acontece tratégia diferencial para melhor eficiência da prática
por meio da internet, incluindo vídeo-aulas, livros e simulada em qualquer situação. Geralmente nos am-
textos didáticos, podendo incluir formas de intera- bientes internos dos cursos, tanto em salas de aula e,
ção entre os estudantes e professores (Fóruns, chats principalmente nos laboratórios, as atividades de si-
etc) e avaliações, como preparo prévio para as ativi- mulação são realizadas para os estudantes de todos
os momentos da formação, particularmente pré-in-

82 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


ternato ou estágio supervisionado. Dependendo da dantes de anos mais avançados dos cursos da saúde
estrutura de cada serviço de saúde, principalmente ou para capacitação dos profissionais dentro de pro-
hospitalar, também podem ter locais disponíveis gramas de educação continuada e/ou permanente.
para a aplicação de atividades simuladas para estu-

BLENDED LEARNING PARA APLICAÇÃO DA SIMULAÇÃO

Estudo prévio online


(Sala de aula invertida)
Textos Vídeos Fóruns Avaliações

Blended learning para a graduação


(momentos iniciais do curso)
Atividade prática
presencial no ambiente
de simulação

Blended learning para o internato/Estágio


Supervisionado e educação continuada/permanente

Atividade simulada no FIDELIDADE COMPLEXIDADE


local de trabalho (física, ambiental, psicológica) (tecnologia, e caso simulado)

Figura 4. Possibilidades para aplicação dos cenários simulados em diferentes ambientes.


Fonte: Elaborado pelos autores.

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Medical Teacher, v. 35, n. 10, p. e1511-1530, 2013.

84 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


CAPÍTULOS ESPECÍFICOS
5. CIRURGIA GERAL
CA P Í TUL O 5.1

O ensino da Cirurgia Geral


na graduação e
residência médica

87
Izabel C. Meister M. Coelho Rosiane Guetter Mello
Doutora em Clínica Cirúrgica. Doutora em Ciências.
Prof.a Adjunta de Medicina Diretora de Pesquisa e Pós-Graduação
Coordenadora do Mestrado Acadêmico Faculdades Pequeno Príncipe/PR
em Ensino nas Ciências da Saúde
Faculdades Pequeno Príncipe/PR

Henrique Alexandre Stachon Gerson Alves Pereira Júnior


Médico Cirurgião Docente de Cirurgia de Urgência e do Trauma
Docente do Curso de Medicina Universidade de São Paulo
Faculdades Pequeno Príncipe/PR Membro da Comissão de Ensino - CBC

1. INTRODUÇÃO desenvolvimento, e havia grandes oportunidades


para experiências verdadeiramente desafiadoras.
O ensino de cirurgia tem sofrido grandes modifi- No entanto, com as mudanças ocorridas na educa-
cações nos últimos 50 anos. A metodologia tradi- ção cirúrgica, diversas preocupações têm surgido
cional, que nos anos 1970 era preponderante e pro- quanto à capacidade da atual formação em ensinar
movia um ensino baseado no saber do professor e cirurgia geral a residentes de modo a torná-los in-
na transmissão do conhecimento, tem sido grada- dependentes (STAHL; MINTER, 2020).
tivamente questionada e repensada em face dos Além dessas questões, o desenvolvimento tec-
avanços no conhecimento sobre aprendizagem do nológico rápido que levou à melhoria dos proce-
adulto e na compreensão dos conceitos de compe- dimentos anestésicos e à segurança dos procedi-
tência e autenticidade profissional (ERICSSON, mentos cirúrgicos permitiu a criação de inovações
2015; CALDEIRA; LEITE; RODRIGUES-NETO, nas técnicas e no ensino da cirurgia (TANG et al.,
2011; DE SIQUEIRA; GOUGH, 2016). 2017; DAMEWOOD et al., 2017). O advento da ci-
No modelo prévio de residência em cirurgia, de- rurgia laparoscópica trouxe as primeiras estações
nominado pela escola norte-americana de Halsted, de simulação em caixa-preta para o desenvolvi-
em que não havia horário predefinido de traba- mento de habilidades manuais específicas em 3D.
lho nem tempo estabelecido para o término da Nas últimas duas décadas, surgiram os manequins
residência, a autonomia do paciente era reduzida, para simulações com maior fidelidade, inicialmente
as técnicas experimentais de cirurgias estavam em para treinar cirurgiões em serviço e, depois, para

88 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


o ensino de habilidades específicas aos estudantes Surgiu assim o currículo nacional em cirurgia geral
(COOPER; TAQUETI, 2008). que posteriormente foi agregando outras especia-
Duas inovações mais recentes devem ser lem- lidades cirúrgicas e tem servido como base para a
bradas: a cirurgia robótica e a produção de mate- definição das competências cirúrgicas a serem de-
rial para ensino e planejamento cirúrgico em im- senvolvidas nas escolas médicas.
pressoras 3D. As implementações ocorridas nos currículos de
Todas essas mudanças tornaram necessárias as graduação e pós-graduação iniciaram-se com a de-
definições sobre o que deve ser ensinado ao estu- finição de quais seriam os conteúdos fundamentais
dante e ao residente de cirurgia, e como isso deve a serem ensinados – Core Curriculum – e que com-
ocorrer. petências deveriam ser desenvolvidas por todos os
Em 1999, o Accreditation Council for Graduate estudantes e residentes a fim de permitir que tives-
Medical Education (ACGME) estabeleceu seis com- sem oportunidades de alcançá-las. Estabeleceu-se
petências fundamentais a serem alcançadas durante assim a educação baseada em competências.
a residência: conhecimento médico, cuidado desti- Assim, o ensino da cirurgia nos Estados Unidos e
nado ao paciente, habilidades interpessoais e de co- no Canadá tem se baseado no SCORE® – Curriculum
municação, profissionalismo, aprendizagem e me- Outline for General Surgery (SURGICAL COUNCIL
lhoria baseadas na prática, e prática baseada em ON RESIDENT EDUCATION, 2020) que traz em seu
sistemas de saúde (MAINIERO; LOURENCO, 2011; escopo o core e advanced curriculum em cirurgia ge-
MINER; HARRINGTON, 2011). Associada ao esta- ral e tem sido constantemente atualizado e desenvol-
belecimento das competências, houve a implemen- vido para as especialidades cirúrgicas. Os itens estão
tação de restrição de horas de serviço e o aumento divididos nas seis grandes competências do ACGME,
dos requisitos de fiscalização para o credenciamento citadas no tópico anterior.(KANG et al., 2018).
de novas residências. Como consequência, as resi- Entre procedimentos abordados no SCORE®, é
dências em cirurgia reestruturaram seus programas possível ver na Figura 1 exemplos de cirurgias con-
educacionais (DE SIQUEIRA; GOUGH, 2016), re- sideradas básicas para a formação do cirurgião geral,
vendo seu desenho de ensino de conceitos para o que, quando comparadas aos procedimentos elenca-
desenvolvimento de competências. dos na formação brasileira, parecem bastante amplas.
No Brasil, a definição da carga horária semanal Após sua implantação em 2010, várias pesquisas
da residência se deu por meio da Lei nº 6.931/81 que têm demonstrado seus resultados (WINER et al.,
estabelece para o residente a jornada máxima de 60 2019; DECOTEAU et al., 2018; ARORA et al., 2019;
horas semanais, na qual está incluído um plantão DIETL; RUSSELL, 2016) com a melhoria da com-
de 24 horas. Já a estruturação das competências preensão do papel da cirurgia por parte do paciente
teve início com o Decreto nº 8.516/2015 que estabe- e de seus familiares, e da sua atuação na segurança
lece como responsabilidade da Comissão Nacional do paciente e no desenvolvimento do profissiona-
de Residência Médica (CNRM) definir a matriz lismo. Diversos centros de simulação com o obje-
de competências para a formação de especialistas. tivo de ensinar e desenvolver habilidades técnicas
e de comunicação passaram a ser incorporados nas
escolas médicas e nos hospitais de ensino.
2. SURGICAL COUNCIL ON RESIDENT EDUCATION Nos últimos anos, os laboratórios de simulação
(SCORE®)
realística se tornaram uma tendência necessária na
educação da medicina moderna. Em diferentes es-
Em 2006, para qualificar o preparo dos resi- colas médicas do mundo, a simulação realística apa-
dentes na área de cirurgia, o American Board of rece como uma importante inovação curricular. A
Surgery, o American College of Surgeons (ACS), a aprendizagem baseada em simulação fornece labo-
Association of Program Directors in Surgery (APDS) ratórios controlados, virtuais, simulados e clínicos.
e a Association for Surgical Education (ASE) suge- O ambiente deve propiciar a integração da teoria
riram a definição das habilidades cirúrgicas bási- com habilidades práticas para que o estudante pra-
cas. A intenção era diminuir a variabilidade no con- tique e domine as habilidades, e nesse contexto o
junto de habilidades existentes entre os estagiários espaço também contempla uma estrutura para a
de cirurgia e melhorar a preparação dos estagiários avaliação das habilidades aplicadas.
para atender aos requisitos da educação baseada em Já como advanced curriculum, os procedi-
competências (ACOSTA et al., 2018; SURGICAL mentos podem ser considerados específicos de
COUNCIL ON RESIDENT EDUCATION, 2020). especialidades na realidade brasileira (Figura 2).

O ensino da Cirurgia Geral na


graduação e residência médica 89
Procedimentos Procedimentos Procedimentos
ESSENCIAIS ESSENCIAIS ESSENCIAIS
Abdômen-Geral Abdômen - Hérnia Vascular - Doença Arterial
Exploração Abdominal Hérnia Diafragmática - Reparo Amputações - Extremidade Inferior
Inserção de cateter de Hérnia Inguinal e Femoral - Reparo Embolectomia/Trombectomia-Arterial
diálise peritoneal Hérnias Diversas - Reparo Desvio de extremidade inferior
Hérnia Ventral – Reparo
Abdômen - Vias biliares Vascular -Doença Venosa
Colecistectomia com ou Pele e Tecido Mole Inserção de filtro em Veia Cava
sem Colangiografia Melanoma - Excisão Ampla Insuficiência Venosa/
Colecistotomia Biópsia de linfonodo Varizes - Operação
Anastomose biliodigestiva sentinela para Melanoma
Exploração do Ducto Biliar Cisto pilonidal - manejo Vascular - Acesso
Comum e Coledocostomia Lesões de pele/tecido mole – Enxerto ou Fístula Arteriovenoso
biopsia incisional e excisional Princípios da Exposição Vascular
Abdômen - Fígado Infecções de Tecido Mole - Incisão, Dispositivos de acesso
Abscesso Hepático - Drenagem Drenagem, Debridamentos\ venoso - Inserção
Biópsia hepática Suporte Nutricional
Uso de ultrassom para Cirurgia Torácica
Abdômen – Pâncreas acesso intravascular Toracotomia exploratória
Pancreatectomia Distal Acesso Vascular – Aberta e Vídeo
Debridamento pancreático Ressecções Pulmonares
Pseudocisto pancreático – Drenagem Endoscopia Parciais - Aberta e Vídeo
Lavagem bronco-alveolar Toracentese e Toracostomia com tubo
Abdômen - Baço e broncoscopia
Esplenectomia Esophagogastroduodenoscopia Cirurgia Pediátrica
Colonoscopia Hérnia Inguinal - Reparo
Trato Alimentar - Esôfago Intussuscepção - Operação
Procedimentos antirrefluxo Mamas Malrotação - Operação
Biópsia de linfonodo axilar Divertículo de Meckel - Excisão
Trato Alimentar - Estômago sentinela e linfadenectomia Piloromiotomia
Gastrectomia - Parcial/Total Excisão do ducto mamário Hérnia umbilical- Reparo
Perfuração gastroduodenal - Reparo Biópsia de mama excisional
Gastrostomia e mastectomia parcial Cirurgia plástica
Vagotomia e Drenagem Mastectomia – Simples, Radical Fechamento complexo da ferida
Modificada e Radical Enxerto de pele
Tratamento Alimentar Biópsia de mama percutânea
- Intestino Delgado e aspiração de cisto Trato Geniturinário
Tratamento de aderências Cistostomia
Ileostomia e fechamento Endócrino Nefrectomia
de Ileostomia Paratiroidectomia
Ressecção Intestinal curta Tireoidectomia - Parcial ou Total Ginecologia e Obstetrícia
Histerectomia e Salpingooforectomia
Trato Alimentar - Traumatismo Cirurgia em Paciente Grávida
Intestino Grosso Exploração Abdominal para Trauma
Apendicectomia Lesão cardíaca - Reparo Cabeça e Pescoço
Colectomia - subtotal e total Lesão pancreática e Biópsia do linfonodo
Colostomia e fechamento Duodenal - manejo Traqueostomia
de Colostomia Lesão no Esôfago - Reparo
Fasciotomia
Tratado Alimentar Avaliação Focada com Ultrassom
- Anorretal para Trauma (FAST)
Esfíncterectomia Anal - Interna Lesão do trato gastrointestinal
Abscesso Anorretal - Drenagem - Reparo
Fístula Anorretal - Reparo Lesão hepática - Reparo/Ressecção
Hemorroidas - Manejo Lesões no pescoço - manejo
Condiloma Perianal – Excisão Esplenectomia/Esplenorrafia
Trauma do Trato Urinário – manejo
Lesões Vasculares - manejo
Ferimentos maiores
- Debridamento/Sutura

Figura 1. Core Curriculum em cirurgia geral segundo o SCORE®.


Fonte: Surgical Council on Resident Education (2020).

90 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


Procedimentos Procedimentos Procedimentos
AVANÇADOS AVANÇADOS AVANÇADOS
Abdômen - Operação biliar Endócrino Transplante
Câncer de ducto biliar – Operação Adrenalectomia Ressecção em Bloco de
Lesão ou iatrogenia de ducto Ultrassom da Tireoide Órgãos Abdominais
biliar – reparo na fase aguda Hepatectomia do Doador Vivo
Câncer de vesícula biliar - Operação Pele e Tecido Mole Nefrectomia do Doador Vivo
Ultrassom da Árvore Biliar Linfadenectomia Ílio-inguinofemoral Transplante de Fígado
Sarcoma de tecido mole - Ressecção Transplante de pâncreas
Abdômen - Fígado Cuidados Críticos em Cirurgia Transplante Renal
Ultrassom hepático - Intraoperatório Marcapasso cardíaco não
Segmentectomia/Lobectomia invasivo e invasivo Cirurgia Pediátrica
Trauma Cisto/Fístula Branquial - Excisão
Abdômen - Pâncreas Reparos no tendão da mão Deformidade da parede
Ressecção ampular para tumor Lesões Térmicas - Operações torácica - Reparo
Pancreatectomia - Total Hérnia diafragmática - Reparo
Ultrassom Pancreático - Intraoperatório Vascular - Doença Arterial Atresia esofágica/Fístula
Pancreaticoduodenectomia Aneurisma Abdominal e Traqueoesofágica – Reparo
Pancreatite Crônica – Manejo Cirúrgico Aortoilíaco - Reparo Gastrosquise/Onfaqlocele – Reparo
Reconstrução aortoilíaca Megacólon Congênito - Operação
Trato Alimentar - Esôfago para doença oclusiva Ânus Imperfurado - Operação
Miotomia cricofaríngea em Carótida Endarterectomia Atresia/ Estenose Intestinal -reparo
Divertículo de Zenker - Excisão Princípios de Intervenção Íleo Meconial - Manejo
Perfuração do Esôfago Endovascular Enterocolite Necrotizante -Manejo
- Reparação/Ressecção Bypass extra-anatômico Orquidopexia
Esofagectomia / esofagogastrectomia Fístula enxerto-entérica - Manejo Cisto do Ducto Tireoglosso - Excisão
Esofagomiotomia (Heller) Doença Oclusiva Mesentérica
Hérnia paraesofágica - Reparo - Operação Ginecologia e Obstetrícia
Aneurismas Periféricos - Reparo Cesareana
Trato Alimentar - Estômago Artéria Mesentérica Superior
Obesidade Mórbida - Operações – Embolectomia/Trombectomia Cabeça e Pescoço
Síndromes pós-gastrectomias - Ultrassom no Diagnóstico e Dissecção modificada do pescoço
Procedimentos Revisionais Manejo de Doenças Vasculares Parotidectomia
Trato Alimentar - Anorretal
Câncer Anal - Excisão
Câncer retal - Ressecção
Abdominoperineal e
Exenteração Pélvica
Câncer retal – Ressecção Transanal
Prolapso Retal – Reparo

Figura 2. Advanced curriculum em cirurgia geral o segundo SCORE®.


Fonte: Surgical Council on Resident Education (2020).

Já no Brasil, a CNRM e a Associação Médica dos dados epidemiológicos dos sistemas de saúde,
Brasileira (AMB) têm buscado estabelecer a matriz dando início à educação baseada na comunidade.
de competências por especialidade e promovido a
3. ENSINO NA GRADUAÇÃO MÉDICA
publicação delas desde 2019.
A partir da compreensão de quais conteúdos e
habilidades devem ser ensinados em cirurgia, adota- No Brasil, a avaliação dos cursos de Medicina ini-
ram-se o refinamento dos tópicos e a busca da preva- ciou-se efetivamente com a criação em 1991 da
lência deles com base em análises locais e regionais Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação

O ensino da Cirurgia Geral na


graduação e residência médica 91
do Ensino Médico (Cinaem) que surgiu como II. Tomada de decisões: o trabalho dos profissio-
um colegiado com objetivo de “avaliar o Ensino nais de saúde deve estar fundamentado na ca-
Médico brasileiro, visando sua qualidade para aten- pacidade de tomar decisões visando o uso apro-
der às necessidades médico-sociais da população” priado, eficácia e custo-efetividade, da força de
(CALDEIRA; LEITE; RODRIGUES-NETO, 2011). trabalho, de medicamentos, de equipamentos,
É importante assinalar que as entidades que criaram de procedimentos e de práticas. Para este fim, os
a Cinaem decidiram também zelar pela qualidade mesmos devem possuir competências e habili-
do ensino médico e pelo aperfeiçoamento do sis- dades para avaliar, sistematizar e decidir as con-
tema de saúde, binômio considerado indispensável dutas mais adequadas, baseadas em evidências
à boa formação médica segundo o Conselho Federal científicas;
III. Comunicação: os profissionais de saúde de-
de Medicina (CFM). Durante os dez anos em que
vem ser acessíveis e devem manter a confiden-
a Cinaem acompanhou os cursos de Medicina, os
cialidade das informações a eles confiadas, na
achados mais relevantes foram os seguintes: o en-
interação com outros profissionais de saúde
sino estava desvinculado da realidade de saúde da
e o público em geral. A comunicação envolve
população, faltava às escolas médicas a integração comunicação verbal, não-verbal e habilida-
com os problemas de saúde locais, a infraestrutura des de escrita e leitura; o domínio de, pelo me-
das escolas se encontrava sucateada e inadequada, nos, uma língua estrangeira e de tecnologias de
e os interesses econômicos estavam condicionando comunicação e informação;
ensino e pesquisa. Em relação ao corpo docente, ve- IV. Liderança: no trabalho em equipe multipro-
rificou-se que a maior parte dos professores estava fissional, os profissionais de saúde deverão es-
pouco preparada para o ensino, para a pesquisa e tar aptos a assumir posições de liderança, sem-
para as atividades administrativas. pre tendo em vista o bem-estar da comunidade.
Em decorrência dos resultados obtidos pela A liderança envolve compromisso, responsa-
Cinaem, estabeleceu-se o processo de discussão e bilidade, empatia, habilidade para tomada de
promulgação das Diretrizes Curriculares Nacionais decisões, comunicação e gerenciamento de
(DCN) para a graduação em Medicina no ano de forma efetiva e eficaz;
2001 (BRASIL, 2001). As DCN trouxeram, em sua V. Administração e gerenciamento: os profissio-
essência, seis competências gerais a serem desen- nais devem estar aptos a tomar iniciativas, fa-
volvidas durante a formação médica. O artigo 4o de- zer o gerenciamento e administração tanto da
finiu que a formação do médico tem por objetivo forca de trabalho quanto dos recursos físicos
dotar o profissional dos conhecimentos requeridos e materiais e de informação, da mesma forma
para o exercício das seguintes competências e ha- que devem estar aptos a serem empreendedo-
bilidades gerais: res, gestores, empregadores ou lideranças na
equipe de saúde; e
VI. Educação permanente: os profissionais devem
I . Atenção à saúde: os profissionais de saúde,
ser capazes de aprender continuamente, tanto
dentro de seu âmbito profissional, devem es-
na sua formação, quanto na sua prática. Desta
tar aptos a desenvolver ações de prevenção,
forma, os profissionais de saúde devem apren-
promoção, proteção e reabilitação da saúde,
der a aprender e ter responsabilidade e com-
tanto em nível individual quanto coletivo. Cada
promisso com a sua educação e o treinamento/
profissional deve assegurar que sua prática seja
estágios das futuras gerações de profissionais,
realizada de forma integrada e contínua com as
mas proporcionando condições para que haja
demais instâncias do sistema de saúde, sendo ca-
benefício mútuo entre os futuros profissionais
paz de pensar criticamente, de analisar os pro-
e os profissionais dos serviços, inclusive, esti-
blemas da sociedade e de procurar soluções para
mulando e desenvolvendo a mobilidade acadê-
os mesmos. Os profissionais devem realizar seus
mico/profissional, a formação e a cooperação
serviços dentro dos mais altos padrões de qua-
por meio de redes nacionais e internacionais
lidade e dos princípios da ética/bioética, tendo
(BRASIL, 2001).
em conta que a responsabilidade da atenção à
saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, A implantação das DCN trouxe grandes debates
com a resolução do problema de saúde, tanto que levaram escolas, docentes e discentes a rever
em nível individual como coletivo; seus currículos e suas formas de ensinar e avaliar.

92 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


Entre as ações decorrentes disso, quase 20 anos de w. Toracocentese/paracentese/drenagem
DCN, a Associação Brasileira de Educação Médica pleural.
(Abem) coordenou e publicou em 2014 o capítulo
“Internato médico”, que consiste nas Diretrizes 4) Conhecimento e realização de cuidados pre/
Nacionais da Abem para o internato no curso de per/pós-operatórios:
graduação em Medicina, em consonância com as x. Identificação e avaliação do risco cirúrgico.
DCN. Isso trouxe orientações sobre o que deve ser y. Preparo do paciente cirúrgico.
desenvolvido em cada grande área da formação mé- z. Indicações e prescrição de dietas (oral e
dica (ZANOLLI et al., 2014). enteral).
Na cirurgia, definiram-se os temas descritos aa. Indicações e prescrição de reposição volê
a seguir. mica e correção de distúrbios eletrolíticos
• Competências gerais da área: e acido-básicos.
1) Identificação e diagnóstico diferencial das pa- bb. Sedação superficial/moderada e analgesia.
tologias cirúrgicas mais prevalentes, suas his- cc. Avaliação e indicações de imunizações.
tórias naturais, conhecimento das diferentes Antibioticoprofilaxia/terapia.
opções de tratamento e reconhecimento das in- dd. Cuidados com estomas.
dicações cirúrgicas. ee. Identificação de complicações pós-opera-
2) Identificação e diagnóstico das principais ur- tórias imediatas e tardias.
gências das diversas especialidades cirúrgicas. ff. Identificação precoce de choque circulató-
rio, as diversas etiologias e tratamento ini-
• Competências específicas da área: cial. Identificação de risco, profilaxia e diag-
1) Conhecimento e aplicação de fundamentos bá- nóstico de tromboembolia venosa.
sicos de técnica operatória: gg. Indicações e procedimentos iniciais de su-
a. Biossegurança. porte ventilatório não invasivo e invasivo.
b. Técnicas de assepsia/antissepsia. hh. Atendimento inicial aos pacientes traumati-
c. Paramentação/instrumentação. zados nos ambientes pre e intra-hospitalar.
d. Princípios básicos de diérese, hemostasia e Identificação e conduta inicial em situações
síntese. suspeitas de maus-tratos.
e. Noções gerais de técnicas de anestesia re- ii. Atendimento inicial dos pacientes
gional e geral. queimados.
f. Anestesia local.
5) Conhecimentos sobre gestão clínica em cirurgia:
• Princípios de triagem do paciente traumatizado.
2) Procedimentos a serem realizados:
• Controle do fluxo de pacientes, gerenciamento
g. Acesso venoso periférico (punções).
dos leitos e vaga zero.
h. Sondagem gástrica, enteral e vesical.
• Princípios de medicina de catástrofe.
i. Cuidado de feridas, debridamentos e curativos.
• Princípios de segurança do paciente cirúrgico.
j. Técnicas de suturas.
• Critérios de agendamento cirúrgico.
k. Drenagem superficial de abscessos e coleções.
• Termo de consentimento informado para a re-
l. Exérese de unha.
alização dos procedimentos.
m. Cirurgias de superfície (incisional e exci-
sional) e cauterizações. No mesmo ano de 2014, as novas DCN para a
n. Retirada de corpo estranho (exceto ocular). Medicina (BRASIL, 2014) agruparam as seis com-
o. Punção lombar. petências em três – atenção à saúde, educação em
p. Dispositivos de liberação de oxigênio. saúde e gestão na saúde –, tornando mais clara a de-
q. Procedimentos de acesso à via aérea: intu- finição de competência a ser aplicada, sendo com-
bação traqueal. preendida como a capacidade de mobilizar conhe-
r. Tamponamento nasal anterior. cimentos, habilidades e atitudes, com utilização dos
s. Imobilização de fraturas/luxações. recursos disponíveis, e exprimindo-se em iniciati-
vas e ações que traduzem desempenhos capazes
3) Procedimentos a serem, no mínimo, simulados:
de solucionar, com pertinência, oportunidade e su-
t. Cricotireoidostomia.
cesso, os desafios que se apresentam à prática pro-
u. Acesso venoso central e via intraóssea.
fissional, em diferentes contextos do trabalho em
v. Tamponamento nasal posterior.
saúde, traduzindo a excelência da prática médica,

O ensino da Cirurgia Geral na


graduação e residência médica 93
prioritariamente nos cenários do Sistema Único uma abordagem pedagógica que prepara o estu-
de Saúde (SUS). dante para prestar assistência em um ambiente de
As novas DCN trazem as competências divididas equipe colaborativa. A premissa interessante da EIP
em ações-chave que facilitam a sua incorporação aos é que, quando os profissionais de saúde começam a
currículos. Definem ainda o uso de metodologias trabalhar juntos e de forma colaborativa, isso me-
ativas, a avaliação por competência, a inserção da lhora a qualidade do atendimento e reduz os cus-
urgência e emergência no internato com carga ho- tos, o tempo de internação dos pacientes e os erros
rária protegida, e a valorização do trabalho docente. (JOYAL et al., 2015).
Dessa forma, fica clara a necessidade tanto de se O uso de simulação interprofissional com pa-
estabelecerem os conteúdos centrais e prevalentes cientes padronizados em EIP teve um efeito po-
para ensino da cirurgia na graduação como de uti- sitivo na prontidão para EIP (SOLOMON, 2011).
lizar novas formas de ensinar e avaliar. Essa estratégia de ensino clínico pode ser utilizada
para facilitar a prática colaborativa interprofissio-
nal (PCI) e melhorar as habilidades de comunica-
4. SIMULAÇÃO EM MEDICINA ção entre os profissionais (ZHANG et al., 2015).

Com essas mudanças, o ensino por simulação tor-


nou-se essencial para a graduação, residência e edu- 5. MILESTONES PROJECT
cação continuada, requisito já exigido na Europa e
nos Estados Unidos (AWTREY; FOBERT; JONES, Na residência médica, os mesmos movimentos têm
2010; STEFANIDIS; ACKER; GREENE, 2020). ocorrido. Desde 2005, o Canadá e os Estados Unidos
No Brasil, a simulação ganhou força nos cur- têm debatido o estabelecimento de Core Curriculum
rículos médicos nos últimos dez anos com a im- em todas as especialidades, com o objetivo de ga-
plantação de laboratórios nas universidades e o rantir um aprendizado adequado e a aquisição de
desenvolvimento de docentes para o uso dessa me- competências necessárias à especialidade esco-
todologia (COOPER; TAQUETI, 2008; BOTEZATU lhida. Existem inclusive experiências canadenses
et al., 2010). para definir tempo individual de residência a partir
A aprendizagem baseada em simulação é uma dessas competências, ou seja, o residente só fina-
metodologia ativa de ensino-aprendizagem que
lizará a especialização quando apresentar compe-
pode ser considerada essencial para o desenvolvi-
tência em todas as áreas elencadas pela especiali-
mento de habilidades e competências práticas. Nas
dade (TEN CATE; SCHEELE; TEN CATE, 2007).
escolas médicas, esse método ajuda a superar pro-
Nessa lógica, surge em 2013 o Milestones
blemas relacionados à utilização de pacientes reais
Project (CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND
no ensino, como seus direitos éticos e legais, e tam-
PREVENTION, 2013) com o intuito de estabelecer a
bém à falta de eventos críticos, que são uma fonte de
linha do tempo individual de cada residente para
aprendizagem e aquisição de diferentes habilidades.
alcançar as competências específicas de sua área.
Nos dias atuais, sua utilização tem privilegiado
A intencionalidade do projeto é permitir avaliar
o desenvolvimento desde habilidades básicas da
quanto tempo os residentes levam em média para
prática médica, como exame físico com a possibi-
alcançar cada nível até que possam chegar ao quarto.
lidade de ausculta de sons cardíacos e suas altera-
Assim, seria possível rever o tempo médio de cada
ções ou treinamento de suturas, até atendimentos
residência (hoje estabelecido sem critério técnico),
complexos de politraumatizados, procedimentos
corrigir eventuais dificuldades gerais do programa
cirúrgicos ou atendimentos interprofissionais fo-
e permitir avaliar algum residente que tenha difi-
cados na segurança do paciente (LYNCH, 2020).
culdades com a especialidade escolhida e redire-
Desde 2017, sob orientação do ACGME, os resi-
cioná-lo se necessário.
dentes nos Estados Unidos são obrigados a participar
O conselho de sociedades de especialidade que
de simulações interprofissionais para a melhoria dos
compõem o projeto propôs subcompetências a serem
padrões de segurança do paciente (WEIS et al., 2019).
desenvolvidas pelos residentes e avaliadas pelos pre-
Com a preocupação do desenvolvimento das
ceptores dentro das seis competências do ACGME.
competências clínicas, a educação interprofissio-
Para cada subcompetência, há uma graduação de
nal (EIP) é apontada como muito importante na
nível que varia de 1 a 5, conforme mostra a Figura 3.
formação dos profissionais da saúde por constituir

94 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


Prática baseada em sistemas 2: Navegação do sistema para cuidados centrados no paciente
Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4 Nível 5
Demonstra Coordena Coordena e/ou lidera o Coordena o cuidado em Lidera o desenho e
conhecimento sobre Cuidado multidisciplinar de cuidado multidisciplinar de pacientes com dificuldades implementação de melhorias
coordenação do cuidado. pacientes em situações pacientes em situações para acesso à saúde para o cuidado
clínicas de rotina clínicas complexas ou outras coordenado.
disparidades no cuidado

Realiza Realiza Supervisiona Resolve Lidera


transições seguras e eficazes transições seguras e eficazes transições seguras e eficazes conflitos em transições do o desenho e implementação
do cuidado em do cuidado em do cuidado em residentes de cuidado entre as equipes de melhorias para transições
situações clínicas de rotina situações clínicas complexas primeiro ano. do cuidado

Comentários: Ainda não concluído nível 1

Selecionando uma caixa de resposta no Selecionando uma caixa de resposta na linha em


meio de um nível implica que marcos entre níveis indica que marcos em níveis inferiores
nesse nível e em níveis inferiores foram foram substancialmente demonstrados, bem
substancialmente demonstrados. como alguns nos níveis mais altos.

Figura 3. Exemplo de estrutura do Milestone Project.


Fonte: Brasel et al. (2019a).

Em 2015, foi publicado The General Surgery lidades médicas (COMITÊ DE CIRURGIA, 2018).
Milestone Project (BRASEL et al., 2019a), que hoje Como exemplo de subcompetência cirúrgica,
tem sido utilizado como suporte para a definição inserida na competência “cuidado do paciente”, a
de competências cirúrgicas no projeto encabeçado Figura 4 apresenta alguns procedimentos a serem
pela CNRM e que, atualmente, revê todas as especia- realizados e avaliados.

Atendimento ao Paciente 2: Atendimento intraoperatório ao paciente - Desempenho nos Procedimentos


Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4 Nível 5
Demonstra nível básico de Realiza procedimentos no Realiza cirurgias de maior Realiza cirurgias complexas Realiza cirurgias incomuns
habilidades (por exemplo, leito do paciente (por frequência e menor (por exemplo, E complexas (por exemplo,
amarrar nó de sutura) exemplo, acesso central e complexidade (por exemplo, ressecção anterior, Whipple, esofagectomia)
colocação de tubo torácico) hérnia, colecistectomia, hérnia paraesofágica ,
apendicectomia) reconstrução de parede
abdominal)
Ensina habilidades básicas Ensina procedimentos no Ensina cirurgias complexas
para estudantes de medicina leito do paciente residentes Ensina cirurgias de maior para
e residentes do primeiro ano. do primeiro ano. frequência cirurgias de maior residentes de anos inferiores.
frequência para residentes do Ainda não girado
primeiro ano.

Comentários: Ainda não concluído nível 1


Ainda não passou no rodízio

Selecionando uma caixa de resposta no Selecionando uma caixa de resposta na linha em


meio de um nível implica que marcos entre níveis indica que marcos em níveis inferiores
nesse nível e em níveis inferiores foram foram substancialmente demonstrados, bem
substancialmente demonstrados. como alguns nos níveis mais altos.

Figura 4. Exemplo de subcompetência – desempenho em procedimentos.


Fonte: Brasel et al. (2019a).

O ensino da Cirurgia Geral na


graduação e residência médica 95
6. ENTRUSTABLE PROFESSIONAL ACTIVITIES As EPA de apoio ( já estabelecidas e validadas)
(NEUMANN et al., 2019) partem da anamnese e
Na mesma linha de pensamento, a fim de esta- do exame físico vão até a discussão e conduta, de-
belecer o que deve ser ensinado na prática diária vendo ser adaptadas para cada especialidade mé-
do residente e quando ele pode executar sozinho dica. No Brasil, temos 15 EPA validadas para o uso:
uma tarefa com segurança para si e para o pa- EPA 1: coletar a história e realizar um exame físico;
ciente, foram desenvolvidas Entrustable Professional EPA 2: priorizar um diagnóstico diferencial após
Activities (EPA) com a publicação em 2014 do Core uma consulta clínica; EPA 3: solicitar e interpretar
Entrustable professional activities for entering resi- exames comuns para diagnóstico e triagem; EPA
dency (ASSOCIATION OF AMERICAN MEDICAL 4: elaborar e discutir solicitação de exames e pres-
COLLEGES, 2014; TEN CATE et al., 2015; TEN crições; EPA 5: documentar o encontro clínico no
CATE, 2019). Esse guia de elaboração tem permi- prontuário do paciente; EPA 6: fazer a apresenta-
tido oportunizar, na residência e, posteriormente, ção oral de um caso clínico; EPA 7: formular per-
guntas clínicas e obter evidências para promover
na graduação, maior estruturação para o desen-
o cuidado com o paciente; EPA 8: fazer a passagem
volvimento de competências médicas por meio de
de caso para um colega ou recebê-lo; EPA 9: colabo-
atividades cotidianas do trabalho do cirurgião. No
rar como membro de uma equipe multiprofissional;
Brasil, o guia já foi traduzido, validado e ampliado
EPA 10: reconhecer um paciente que necessite de
(NEUMANN et al., 2019), permitindo que várias atendimento urgente e iniciar a avaliação e o ma-
pesquisas desenvolvam propostas para uso em nos- nejo; EPA 11: obter consentimento informado para
sos programas de residência e na graduação, guar- exames e procedimentos; EPA 12: executar proce-
dando as características regionais e do país. dimentos médicos gerais; EPA 13: identificar falhas
As EPA baseiam-se na prática diária e cotidiana nos sistemas e contribuir para a cultura de melho-
do cirurgião e partem da lógica das atividades com o ria e segurança; EPA 14: comunicar más notícias;
paciente, a família dele, a equipe cirúrgica e a equipe EPA 15: educar pacientes: manejo da doença, pro-
multiprofissional em atividades de atenção, ensino moção da saúde e medicina preventiva.
e pesquisa. Seguem a ideia já tradicional do trei- Ao se adaptar uma EPA, é importante conside-
namento em serviço, mas estruturam-na em ações rar as características da especialidade, incluindo
claras que permitem definir se o estudante ou re- sinais e sintomas específicos da área, assim como
sidente podem atuar sem supervisão direta ou in- exames e medicamentos (ANDERSON et al., 2018;
direta em determinada situação. BRASEL et al., 2019b; STAHL et al., 2020).

96 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


EPA 10. Reconhecer um paciente que necessite atendimento urgente e iniciar a sua avaliação e manejo
A capacidade de reconhecer prontamente um paciente que requer cuidados urgentes ou emer-
gentes, de iniciar avaliação e tratamento, e de buscar ajuda é essencial para todos os médicos.
Os internos, em particular, estão frequentemente entre os que respondem primeiro em um am-
biente de tratamento agudo, ou são os primeiros a receber notificação de um exame laborato-
rial anormal ou a perceber a deterioração no status de um paciente. O reconhecimento e a in-
tervenção precoces oferecem a maior chance de resultados ideais no atendimento ao paciente.
Essa EPA exige, muitas vezes, o reconhecimento simultâneo da necessidade e o início de um
pedido de assistência. Exemplos de condições em que os internos devem saber reconhecer,
saber iniciar avaliação e gerenciamento, e saber buscar ajuda:
1. Dor no peito
2. Mudanças no estado mental
3. Falta de ar e hipoxemia
4. Febre
5. Hipotensão e hipertensão
6. Taquicardia e arritmias (por exemplo, taquicardia supra-ventricular, fibrilação atrial, blo-
queio cardíaco)
7. Oligúria, anúria, retenção urinária
Descrição 8. Anormalidades eletrolíticas (por exemplo, hiponatremia, hipercalemia)
da EPA 9. Hipoglicemia e hiperglicemia

Funções
• Reconhecer os sinais e as variações vitais normais que podem ser esperadas com base em
fatores específicos do paciente e da doença;
• Reconhecer a gravidade da doença de um paciente e as indicações para encaminhar o atendimento;
• Identificar potenciais etiologias subjacentes da descompensação do paciente;
• Aplicar suporte de vida básico e avançado, conforme indicado;
• Iniciar o plano de cuidados iniciais para o paciente descompensado;
• Envolver os membros da equipe necessários para resposta imediata, tomada de decisão con-
tínua e acompanhamento necessário para otimizar os resultados dos pacientes;
• Entender como iniciar uma resposta de código e participar como membro da equipe.
• Comunicar a situação aos membros da equipe que são responsáveis.
• Documentar as avaliações dos pacientes e as intervenções necessárias no prontuário médico.
• Atualizar os membros da família para explicar o status do paciente e os planos de encaminhamento
de atendimento.
• Esclarecer metas de cuidado do paciente no reconhecimento da deterioração (por exemplo,
ordem de não ressuscitação ou/e não internação em UTI, cuidados de suporte para conforto).
• Cuidado com o Paciente (CP)
• Conhecimento para a Prática (CPP)
Domínios de
• Aprendizagem e aperfeiçoamento baseados na prática (AABP)
competência
• Habilidades de comunicação e relacionamento interpessoal (HCRI)
mais relevantes
• Colaboração Interprofissional (CI)
• Desenvolvimento pessoal e profissional (DPP)
Competências • CP1 CP5 AABP7
críticas para • CP2 CP6 AABP9
decisões de
confiabilização • CP3 AABP1 HCRI2
em cada domínio • CP4 AABP3 HCRI6
• No começo do internato, explicar cada uma das EPAs essenciais a serem avaliadas, as com-
petências esperadas, os critérios utilizados e o processo de avaliação.
• Durante a supervisão dos casos, fornecer feedback sobre os marcos de desenvolvimento de
Métodos de comportamentos do aluno com relação ao que se espera para que ele seja considerado digno
avaliação de confiança para executar a EPA 10 sem supervisão.
• Realizar simulação de situações de urgências e de emergências em manequins ou em outros
cenários padronizados, avaliando através de checklist de cada um dos procedimentos, pelo
menos um momento do estágio.
Figura 5. Exemplo de EPA a ser adaptada.

Fonte: Neumann et al. (2019), p 116.

O ensino da Cirurgia Geral na


graduação e residência médica 97
As EPA foram propostas e desenhadas como ati- No mundo, esse movimento tem se tornado mais
vidades de ensino e acompanhamento do desenvol- intenso na última década. No Brasil, ele tem sido
vimento das competências, mas alguns trabalhos constantemente avaliado nos últimos cinco anos
têm sugerido que elas sejam adotadas como instru- (DROLET et al., 2017; GREENBERG; MINTER,
mento de avaliação. Nesse caso, podem-se utilizar 2019; ONUFER et al., 2019; GUPTA et al., 2020;
os instrumentos já descritos na literatura, como o WANCATA et al., 2017).
Mini Clinical Evaluation Exercise (Mini-CEX) ou A necessidade de diferenciar conteúdos essen-
Milestones. Há ainda a possibilidade de desenvolver ciais e avançados, o foco no ensino de habilidades
instrumentos próprios, como as Surgical Entrustable essenciais, a simulação de situações médicas para
Professional Activities – Sepa (SCHICK et al., 2019; permitir que todos os estudantes e residentes te-
SHRIVASTAVA et al., 2019; ALBRIGHT et al., 2020; nham acesso ao aprendizado adequado e possam
STEIMAN et al., 2018; CHEN et al., 2020). desenvolver habilidades de comunicação com pa-
Em resumo, podem-se perceber muitas inicia- res e pacientes de forma clara e objetiva, a prioriza-
tivas que buscam estabelecer critérios para a se- ção da segurança do paciente em seus procedimen-
leção de conteúdos, competências e sistemas de tos e a compreensão do sistema de saúde em que
avaliação que permitam ensinar cirurgia na gra- atuam têm os enfoques atuais em educação cirúr-
duação em Medicina e na residência em cirurgia gica e médica (ANTON; GARDNER; STEFANIDIS,
com qualidade e em consonância com a atualidade. 2020; FRYER et al., 2019).

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100 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 5.2

O estado da arte da
simulação clínica em
Cirurgia Geral

101
Gerson Alves Pereira Júnior
Docente de Cirurgia de
Urgência e do Trauma
Universidade de São Paulo
Membro da Comissão de Ensino - CBC

Izabel C. Meister M. Coelho


Doutora em Clínica Cirúrgica
Prof.a Adjunta de Medicina da
Faculdades Pequeno Príncipe
Coordenadora do Mestrado Acadêmico
em Ensino nas Ciências da Saúde

1. INTRODUÇÃO é aprimorada quando os graduandos e médicos re-


sidentes praticam em simuladores antes de execu-
As transformações da educação em saúde, espe- tarem procedimentos e operações em pacientes re-
cialmente médica, têm levado a uma grande mu- ais (NORMAN; DORE; GRIERSON, 2012).
dança de paradigma no formato do ensino, desta- A educação médica baseada em simulação
cada pela incorporação de diversas metodologias (EMBS) e o treinamento baseado em simulação
ativas de ensino-aprendizagem, tanto na gradu- (TBS) têm, gradualmente, ganhado maior impor-
ação quanto em cursos de educação continuada tância. Há mais de duas décadas, a simulação tem
e permanente. O modelo tradicional de aprendi- se tornado cada vez mais popular e com maior inte-
zagem mudou no sentido da maior utilização do gração nas matrizes curriculares dos cursos médi-
cos. Algumas áreas como a medicina de emergência,
ensino de habilidades clínicas de forma mais di-
a anestesia e a obstetrícia rapidamente incorpora-
recionada. Essas mudanças criaram lacunas no
ram a simulação e, atualmente, mesmo a psiquia-
treinamento, e o uso da simulação foi expandido tria passou a utilizá-la (WALSH, 2015).
para ajudar a solucionar essas lacunas (WILLIS; A acessibilidade e a fidelidade da simulação se
VAN SICKLE, 2015). beneficiaram claramente dos avanços tecnológi-
Os defensores do uso da simulação na educa- cos da era digital e continuarão a crescer no futuro
ção médica postulam que a segurança do paciente (WILLIS; VAN SICKLE, 2015).

102 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Eis as perguntas que devem nortear o uso da 2) Alta complexidade: habilidades básicas de en-
simulação: doscopia e gerenciamento de reanimação; si-
• Podemos treinar melhor os cirurgiões usando muladores baseados em dados têm sido utiliza-
simulação? dos para ensinar o reconhecimento de arritmia
• Os pacientes estariam mais seguros com os ci- (KING et al., 2008). A simulação cênica ou hí-
rurgiões usando simulação? brida tem sido utilizada para encenar o papel
• É possível tornar o treinamento mais barato ou de pacientes, enfermeiros e outros membros
mais eficiente com o uso da simulação? da equipe de saúde com muita frequência (VAN
• Há a transferência do aprendizado do treinamento SICKLE et al., 2011; DULAN et al., 2012).
simulado para a prática com pacientes reais?
A tendência para a cirurgia minimamente inva-
O ensino de cirurgia tem sido realizado por siva levou à incorporação do TBS para melhorar a
meio do modelo halstediano de treinamento ci- curva de aprendizado dos estagiários, reduzindo o
rúrgico, cujas habilidades cirúrgicas foram trei- tempo necessário para a aprendizagem. O treina-
nadas sob o lema: “Veja um, faça um, ensine um” mento cirúrgico passou da sala de operações para
(MONTBRUN; MACRAE, 2012). Porém, após dé- os laboratórios de habilidades cirúrgicas. Assim,
cadas de tal prática, as preocupações com questões os estagiários são muito hábeis em vários graus de
éticas sobre o fato dos pacientes serem tratados pe- procedimentos complexos e complicados, além de
los estagiários e o custo de treinamento com as lon- técnicas minimamente invasivas em um período
gas horas de aprendizado fortaleceram o uso de si- mais curto, estando garantida a segurança dos pa-
mulação no ensino de cirurgia. Os programas de cientes (WEKSLER, 2018).
treinamento atuais estão agora, mais do que nunca, Os simuladores em cirurgia são classificados
empregando currículos baseados em objetivos/com- como orgânicos (alta fidelidade) ou inorgânicos
petências e orientados por proficiência/desempe- (baixa fidelidade). Simuladores orgânicos incluem
nho, com prática deliberada para acelerar a curva animais vivos e cadáveres humanos. Os simuladores
de aprendizado antes do “Faça um” da antiguidade, inorgânicos compreendem simuladores de realidade
inaugurando uma nova era do: “Veja um; pratique virtual, modelos sintéticos de pele, simuladores la-
muitos; faça um” (BROWN; PAIGE, 2015). paroscópicos de baixa fidelidade, simuladores para
O reconhecimento da simulação como uma fer- novas técnicas cirúrgicas, como cirurgia laparoscó-
ramenta altamente eficaz para ensinar uma varie- pica de incisão única (single-incision laparoscopic
dade de habilidades técnicas e não técnicas para surgery – Sils), cirurgia endoscópica transluminal
estudantes, médicos residentes e cirurgiões tem de orifício natural (natural orifice transluminal en-
sido fundamental nessa transformação. O valor da doscopic surgery – Notes) e simuladores de cirur-
simulação agora é amplamente aceito e integrado gia robótica (KING et al., 2008).
na formação em saúde, desde o ensino de gradu- Além desses, a simulação também é utilizada
ação até a educação médica continuada e perma- para o ensino de habilidades cirúrgicas não técni-
nente, entre profissões e dentro dos sistemas de cas, como profissionalismo, habilidades de comuni-
saúde (BROWN; PAIGE, 2015). cação, trabalho em equipe e liderança, coordenação
A simulação é descrita como uma técnica edu- interdisciplinar e interprofissional. Esses critérios
cacional na qual os conceitos do “mundo real” são são estabelecidos pelo Conselho de Credenciamento
integrados em cenários que utilizam ferramentas de para Educação na Residência Médica (Accreditation
baixa a alta fidelidades para reencenar as situações Council for Graduate Medical Education –ACGME)
do “mundo real” (MEAKIM et al., 2013). e pelo Instituto de Educação Médica Internacional
Inúmeros conteúdos de treinamento foram como componentes necessários da competência
relatados na literatura e incluem (WILLIS; VAN médica (ACGME, 2019).
SICKLE, 2015): A simulação tem sido utilizada, tanto no trei-
namento quanto na seleção e avaliação de estagiá-
1) Baixa complexidade: modelos de simulação para
rios e médicos residentes. Com base na destreza e
ensinar a amarrar nós e realizar suturas, a abor-
dagem das vias aéreas, cateterismo venoso cen- nas habilidades processuais, eles podem ser sele-
tral, drenos torácicos e habilidades básicas de cionados para várias especialidades cirúrgicas. As
laparoscopia. habilidades cirúrgicas não técnicas também podem

O estado da arte da simulação clínica em Cirurgia Geral 103


ser ensinadas e avaliadas por meio da simulação. essa linha fica tênue, mas no geral esse é um escla-
Apesar de se provar como uma excelente mo- recimento útil.
dalidade de ensino, levando a uma melhor experi-
ência de aprendizado em vários estudos, em geral,
a simulação ainda não está integrada às matrizes 2. SIMULAÇÃO NA GRADUAÇÃO MÉDICA
curriculares de graduação e residência médica
(ACTON, 2015). Nos últimos 15 anos, algumas mudanças significati-
Assim, quando se abordaram questões éticas de vas exigiram que os professores de cirurgia mudas-
segurança do paciente, relação custo-benefício do sem suas abordagens metodológicas. Os principais
treinamento e horário restrito de trabalho, houve fatores dessas mudanças incluem quatro tendências
a uma mudança de paradigma no treinamento ci- importantes em saúde e educação (ACTON, 2015):
rúrgico. A simulação provou ser uma ferramenta 1) Espera-se que os estudantes aprendam um nú-
integral na educação médica em termos de ensino mero cada vez maior de novos conhecimentos
de habilidades técnicas e não técnicas e avaliação médicos.
de aprendizes, bem como no processo seletivo de 2) Alterações na segurança, na qualidade e nas ex-
médicos residentes e assistentes. Ainda existe um pectativas, tanto da graduação e residência mé-
enorme potencial de pesquisa nesse campo de trei- dica quanto do paciente cirúrgico,
namento em saúde para justificar sua segurança, 3) Limitações das horas de trabalho e com redução
capacidade de transferência e retenção de conhe- do número de membros das equipes cirúrgicas.
cimento, custo-benefício e métodos para reduzir 4) Maior direcionamento para a educação base-
seu custo, bem como nos bons resultados obtidos ada em competências e na criação de ativida-
e também relatados pelos pacientes. Dessa forma, des profissionais confiáveis.
a simulação tem um futuro promissor e deve se
tornar uma parte fundamental da educação mé- A educação baseada em simulação (EBS) é uma
dica em nível de graduação, pós-graduação, espe- excelente resposta para essas mudanças necessá-
cialização e no processo de educação permanente rias entre as metodologias ativas de ensino-apren-
(ACGME,2019). dizagem. Com o uso da simulação, a antecipação
Há um crescente número de pesquisas que con- das habilidades e competências a serem ensinadas
firma os benefícios do TBS em termos de desenvol- e aprendidas, dissociadas do estressante ambiente
vimento de habilidades, e um ponto fundamental é clínico, melhorou o aprendizado dos estudantes,
a transferência dessas habilidades para pacientes que podem tornarem-se mais preparados e segu-
reais, em termos de melhora da qualidade dos des- ros para a prática real (ACTON, 2015).
fechos clínicos (VAN SICKLE et al., 2011). No último século, o modelo clássico de educa-
Dois importantes conceitos precisam ser dife- ção cirúrgica de William Halsted, embora não fosse
renciados: treinamento de habilidades e uso da si- destinado diretamente a estudantes de Medicina,
mulação clínica. A melhor distinção entre os dois é teve um forte impacto nos currículos médicos.
que se podem praticar habilidades (posicionamento Tradicionalmente, os estudantes foram incorpo-
da veia central, suturas, habilidades laparoscópi- rados por oito a 12 semanas a um serviço cirúrgico,
cas etc.) de forma isolada com alguns simuladores onde recebiam uma quantidade significativa de
de baixa e média fidelidades, enquanto a simula- seu treinamento supervisionado pelos membros da
ção exige a elaboração de cenários de forma estru- equipe cirúrgica e médicos residentes, observando/
turada com objetivos de aprendizagem e avaliação participando das atividades ambulatoriais, das en-
bem definidos, assim como a necessidade de par- fermarias e do centro cirúrgico. Com essa experiên-
ticipação de pacientes simulados e facilitadores. cia, esperava-se que os estudantes adquirissem os
Embora nem todos concordem com essas distin- conhecimentos, as habilidades e as atitudes neces-
ções, elas servem para uma divisão útil, pois as ha- sários para um atendimento eficiente ao paciente.
bilidades podem representar parte(s) limitada(s) A única mudança real parecia ser a quantidade
de algum procedimento técnico, e a simulação se cada vez maior de conhecimento que se esperava
concentra na(s) interação(ões) entre uma pessoa que um estudante aprendesse, formal ou informal-
ou pessoas e elementos responsivos previstos no mente. Esse paradigma halstediano começou a mu-
cenário. Claramente, existem alguns casos em que dar drasticamente quando se implementou uma

104 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
restrição de 60 horas de trabalho nas residências Os recursos dos módulos incluem: 1) objetivos,
médicas, o que foi seguido em muitas escolas de premissas e leituras sugeridas, 2) descrição do passo
medicina pela máxima carga horária de 40 horas a passo das técnicas, das tarefas e dos procedimen-
dos estudantes de graduação em estágio. Essa ação tos com fotografias, 3) discussão de erros comuns,
foi, em grande parte, uma resposta a uma tendên- 4) vídeos de desempenho de especialistas, 5) fer-
cia crescente de aumentar a conscientização pú- ramentas de avaliação para pontuar o desempe-
blica sobre a segurança e a qualidade do paciente, nho dos alunos e fornecer feedback e 6) descrição
com maiores expectativas da sociedade em relação do modelo de laboratório de simulação, incluindo
aos cuidados dispensados. O desafio foi ajustar os estações sugeridas, suprimentos e configuração
horários para a demanda de trabalho mantendo os (AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS, 2020a).
médicos residentes em conformidade com as limi- O objetivo do aprendizado é o domínio de uma
tações das horas de trabalho impostas, mesmo em variedade de habilidades cirúrgicas relevantes para
face do aumento concomitante nas obrigações do todos os médicos.
curso de graduação e dos programas de residência O esboço da programação dos módulos de en-
médica em estar cada vez mais presente em casos sino para os três primeiros anos é o seguinte:
cirúrgicos e nos atendimentos clínicos. Uma con- A) Módulos do ano 1
sequência maléfica da implementação dessas mu- • Módulo 1: Exame abdominal
danças foi uma piora dos conhecimentos dos estu- • Módulo 2: Exame vascular básico
dantes de Medicina (ACTON, 2015). • Módulo 3: Exame da mama
O Colégio Americano de Cirurgiões (American • Módulo 4: Exame retal digital
College of Surgeons – ACS) e a Association for Surgical • Módulo 5: Exame pélvico feminino
Education (ASE) desenvolveram um “Currículo de • Módulo 6: Região inguinal e exame genital
Habilidades Cirúrgicas Baseado em Simulação de masculino
Estudantes de Medicina”. Nesse currículo, são ofe- • Módulo 7: Precauções universais-biossegurança
recidas experiências estruturadas, uniformes e con- • Módulo 8: Punção venosa e periférica IV
sistentes de aprendizado, e fornecem-se materiais
que usam simulação e simuladores para ajudar os B) Módulos do ano 2
estudantes de Medicina (AMERICAN COLLEGE • Módulo 1: Abordagem básica das vias aéreas
OF SURGEONS, 2020a) em: • Módulo 2: Comunicação – história e exame
A) A adquirir as habilidades cirúrgicas essenciais físico, e apresentação dos casos clínicos
necessárias a todos os médicos e • Módulo 3: Cateterismo vesical
B) A construir uma base sólida para treinamento • Módulo 4: Exame vascular intermediário
adicional daqueles que querem seguir a cirur- • Módulo 5: Tubos nasogástricos
gia como carreira profissional. • Módulo 6: Técnica estéril – luvas, máscaras
e opas
Os módulos de ensino baseados em simulação • Módulo 7: Drenos cirúrgicos – cuidados e
podem ser usados ​​para ensinar habilidades clíni- remoção
cas, desde a obtenção de anamnese e exame físico,
orientações de alta do paciente até a realização de C) Módulos do ano 3
procedimentos médicos, como a inserção de uma • Módulo 1: Punção arterial e gases sanguíneos
linha venosa central com orientação por ultrassom. • Módulo 2: Realização de nós cirúrgicos
Os tópicos são alinhados com base no momento da • Módulo 3: Sutura básica
formação (semestre ou ano) em que são ensinados • Módulo 4: Inserção da linha venosa central
com mais frequência (AMERICAN COLLEGE OF • Módulo 5: Comunicação – durante transfe-
SURGEONS, 2020a). rências seguras e eficazes
Os módulos são independentes e podem ser • Módulo 6: Via aérea intermediária
usados como atividades de aprendizado indepen- • Módulo 7: Punção intraóssea
dentes ou como parte de todo o currículo. Podem • Módulo 8: Anestésicos locais
ser implementados em uma configuração supervi- • Módulo 9: Paracentese
sionada individual, de pequeno ou grande grupo. • Módulo 10: Toracocentese

O estado da arte da simulação clínica em Cirurgia Geral 105


No Brasil, a Associação Brasileira de Educação A marginalização do estudante de Medicina
Médica (ABEM), por meio do projeto “Abem 50 anos durante o estágio cirúrgico, incentivando-os a ter
– 10 anos das Diretrizes Curriculares Nacionais”, em o papel passivo de “turista” ou deixando clara sua
2013 publicou o resultado de quatro oficinas nacio- inconveniência para os médicos residentes, é mul-
nais com representantes de escolas médicas de todo tifatorial e onerosa para o campo da cirurgia, tanto
o país, que foi a construção das Diretrizes Nacionais em termos de preparação para o estágio cirúrgico
para o Internato, nas quais foram definidas as compe- quanto no que concerne ao interesse do estudante
tências essenciais que devem ser desenvolvidas du- pelas carreiras cirúrgicas. Várias intervenções de
rante esse momento da formação (ZANOLLI et al., curto e longo prazos para o estágio cirúrgico po-
2014). O grupo de estudos que construiu as Diretrizes dem combater o risco dessa marginalização do es-
para a Cirurgia definiu os procedimentos que os es- tudante de Medicina, potencialmente levando a
tudantes de Medicina, ao se formarem, já deveriam um aprendizado e interesse cirúrgicos aprimora-
ter realizado em pacientes reais (Quadro 1) ou, pelo dos (MCKINLEY; PHITAYAKORN, 2020).
menos, em treinamento simulado (Quadro 2).

Quadro 1. Procedimentos que os estudantes de Me- 3. CURSOS PREPARATÓRIOS NA TRANSIÇÃO DA


dicina já deveriam ter realizado em pacientes reais ao se GRADUAÇÃO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA COM USO
formarem.
DA SIMULAÇÃO

2. Procedimentos a serem realizados:


Em muitos países e também no Brasil, houve a cria-
Acesso venoso periférico (punções). ção de cursos preparatórios para a transição en-
Sondagem gástrica, enteral e vesical. tre a graduação e a residência médica em cirur-
Cuidado de feridas, desbridamentos e curativos. gia. Esses cursos fornecem a base de habilidades
cognitivas, interpessoais e técnicas que podem ser,
Técnicas de suturas.
posteriormente, desenvolvidas pelos novos médi-
Drenagem superficial de abscessos e coleções. cos residentes. A força desses programas tem sido
Exérese de unha. o design e a implementação local dos cursos. Cada
Cirurgias de superfície (incisional e excisional) e instituição deve entender as necessidades especí-
cauterizações. ficas de seus estudantes e os recursos disponíveis
(KNEEBONE; AGGARWAL, 2009). Os conteúdos
Retirada de corpo estranho (exceto ocular).
têm sido desenvolvidos para otimizar esse alinha-
Punção lombar. mento dos dois diferentes modelos educacionais.
Dispositivos de liberação de oxigênio. Na residência médica, são muito importantes as
Procedimentos de acesso à via aérea: intubação traqueal. definições quanto à autonomia e supervisão apro-
priadas para avançarem rapidamente na curva de
Tamponamento nasal anterior.
aprendizado. Nos Estados Unidos, há um grupo de
Imobilização de fraturas/luxações. trabalho estudando as bases e o formato para um
Fonte: Elaborado pelos autores curso preparatório nacional (KHALIQ et al., 2019).
Por meio de um esforço colaborativo do ACS,
da Association of Program Directors in Surgery
Quadro 2. Procedimentos que os estudantes de Me- (APDS) e da Surgical Education Association (ASE),
dicina já deveriam ter realizado, pelo menos de forma
está sendo desenvolvido um currículo modular pre-
simulada, ao se formarem.
paratório para garantir que os estudantes adqui-
3. Procedimentos a serem, pelo menos, simulados: ram as habilidades necessárias para assumir seus
novos papéis como médicos residentes de cirurgia
Cricotireoidostomia.
(AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS, 2020b).
Acesso venoso central e via intraóssea. O currículo do curso de Preparação para Residentes
Tamponamento nasal posterior. está atualmente sendo testado em várias escolas de
Toracocentese/paracentese/drenagem pleural. medicina dos Estados Unidos.

Fonte: Elaborado pelos autores

106 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Os objetivos desse currículo na transição dos • Pele e tecido mole
estudantes para serem médicos residentes de ci- • Sistema endócrino
rurgia são: • Transplante de órgãos sólidos
• Fortalecer as competências dos estudantes de • Cirurgia pediátrica
Medicina do sexto ano que farão cirurgia como • Cuidados de pacientes críticos cirúrgicos
especialidade médica. • Oncologia cirúrgica (incluindo cirurgia de ca-
• Tornar os estudantes mais bem preparados para beça e pescoço)
o treinamento cirúrgico. • Trauma e cirurgia de emergência
• Reduzir a variabilidade nas habilidades de in- • Cirurgia vascular
gresso dos médicos residentes.
• Apoiar um atendimento mais seguro ao paciente. O conhecimento e a experiência adicionais es-
perados nessas áreas incluem:
• Proficiência técnica na execução dos principais
Os objetivos de aprendizagem foram identifi-
procedimentos e cirurgias nessas áreas, além
cados para auxiliar o corpo docente na prioriza-
de conhecimento, familiaridade e, em alguns
ção das atividades necessárias para o início da re-
casos, proficiência técnica em operações mais
sidência médica. Os professores podem adaptar a
incomuns e complexas.
experiência com base nas necessidades exclusivas
• Conhecimento clínico, incluindo epidemiolo-
dos estudantes e nos recursos disponíveis em cada
gia, anatomia, fisiologia, apresentação clínica
local. A estrutura modular e flexível permite que o
e patologia (incluindo neoplasias) das condi-
corpo docente organize atividades como uma ex-
ções cirúrgicas.
periência de quatro semanas ou de outras manei-
• Conhecimento de anestesia; bioestatística e ava-
ras que atendam às suas programações específicas
liação de evidências; princípios da cirurgia mi-
(AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS, 2020b).
nimamente invasiva; hemotransfusão e distúr-
O conteúdo mais essencial deve se concentrar
bios da coagulação.
nas habilidades necessárias durante as primeiras
• Conhecimento de cicatrização de feridas; infec-
semanas de residência:
ção; manutenção de fluidos; choque e reposição
• Ser o primeiro a responder a pacientes críticos
volêmica; imunologia; uso de antibióticos; me-
ou instáveis.
tabolismo; manejo da dor pós-operatória; e uso
• Treinamento em procedimentos de emergên-
de nutrição enteral e parenteral.
cia (vias aéreas e ventilação).
• Experiência e habilidades nas seguintes áreas:
• Correção dos distúrbios eletrolíticos mais comuns,
avaliação e gerenciamento clínico, ou estabi-
• Gestão de condições perioperatórias comuns
lização e encaminhamento de pacientes com
e urgentes.
doenças cirúrgicas; gerenciamento de cuida-
• Interpretação de exames de imagens mais co-
dos pré-operatórios, operatórios e pós-operató-
muns, principalmente as radiografias simples.
rios; manejo de comorbidades e complicações;
• Estudo da anatomia operatória dos procedimen-
conhecimento do uso e interpretação adequa-
tos de que irá participar.
dos de imagens radiológicas e outros métodos
• Respostas às solicitações de enfermeiros.
de diagnóstico por imagens.
• Padronização das informações nas passagens de
plantão e de pacientes entre setores hospitalares.
O Comitê de Revisão de Residência Médica da
• Abordagem de pacientes difíceis.
Cirurgia obriga que todos os programas de residên-
• Habilidades de comunicação.
cia em cirurgia devem incluir laboratórios de simu-
• Consentimento informado.
lação e habilidades. Assim, foi lançado o Currículo
4. SIMULAÇÃO NA RESIDÊNCIA MÉDICA EM CIRURGIA de Habilidades para Residentes em Cirurgia em
2007. Os objetivos desse currículo foram sincro-
nizar os esforços de desenvolvimento curricular,
Nos Estados Unidos, o treinamento de residên-
compartilhar currículos com programas de trei-
cia em cirurgia geral requer experiência em to-
namento e padronizar os esforços de treinamento
das as seguintes áreas (AMERICAN COLLEGE OF
baseados em simulação entre os programas de re-
SURGEONS, 2020c):
• Trato digestório (incluindo cirurgia bariátrica) sidência (GLASS et al., 2014). O currículo de habili-
• Abdome e seu conteúdo dades para médicos residentes em cirurgia tem três
• Tórax e seu conteúdo fases: as fases 1 e 2 se concentram na aquisição de

O estado da arte da simulação clínica em Cirurgia Geral 107


habilidades técnicas, enquanto a fase 3 se concentra dos por especialistas para residentes. Também in-
em habilidades não técnicas (ou seja, em equipe). clui avaliações objetivas, recomendações em nível de
A fase 1 inclui 16 módulos que abordam habili- proficiência e instruções abrangentes para configu-
dades cirúrgicas básicas. A fase 2 inclui 15 módulos rar cada simulação para professores e funcionários
que abordam habilidades e procedimentos avança- (AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS, 2020c).
dos, e a fase 3 inclui dez módulos que abordam ha- Há um currículo básico de nó e sutura que uti-
bilidades baseadas na assistência em equipe. Todas liza modelos de baixo custo e de baixa fidelidade.
as três fases estão disponíveis sem custo para pro- Esse currículo compreende 12 habilidades cirúrgi-
fessores e residentes (AMERICAN COLLEGE OF cas essenciais, incluindo manuseio de instrumen-
SURGEONS, 2020c). tos, várias técnicas de nós com uma e duas mãos e
vários exercícios de sutura em pontos separados ou
• Fase 1: Habilidades essenciais: foi desenvol- contínuos (GOMEZ et al., 2014).
vida para ensinar 16 habilidades cirúrgicas es- O curso Fundamentals of Laparoscopic Surgery
senciais aos médicos residentes nos estágios ini- (FLS) é um programa baseado na internet, pro-
ciais de seu treinamento. Cada módulo contém: jetado para fornecer e verificar as habilidades e
1) Instruções ilustradas e individualizadas para os conhecimentos fundamentais necessários para
o residente, incluindo vídeos de desempenho uma cirurgia laparoscópica eficaz e segura, e in-
de especialistas que demonstram a maioria das clui componentes de conhecimentos e habilida-
habilidades. des. Também há módulos sobre considerações pré-
2) Instruções abrangentes para o pessoal do labo- operatórias, intraoperatórias e pós-operatórias
ratório com instruções sobre como configurar durante procedimentos laparoscópicos básicos e
a simulação. possíveis complicações, bem como prática manual
3) O passo a passo para a impressão pelo aluno. de habilidades em cinco tarefas: 1) transferência de
4) Um instrumento de avaliação objetivo para me- pinos, 2) corte de precisão, 3) colocação de um laço
dir a aquisição de habilidades, incluindo níveis de ligação e sutura com realização de 4) nós extra-
recomendados para proficiência. corpóreo e 5) nós intracorpóreo (RITTER; SCOTT,
2007). Esse programa passou por validação rigorosa
Os módulos da fase 1 são os seguintes: e está atualmente disponível para todos os progra-
• Módulo 1: Assepsia e identificação de instrumentos mas de residência em cirurgia geral nos Estados
• Módulo 2: Realização de nós cirúrgicos Unidos por meio de uma doação apoiada pela in-
• Módulo 3: Sutura dústria. É importante ressaltar que agora é necessá-
• Módulo 4: Fechamento de feridas e retalhos rio que os médicos residentes de cirurgia geral ob-
cutâneos tenham a certificação de FLS para que possam ser
• Módulo 5: Enxertos de pele elegíveis para o exame de qualificação do American
• Módulo 6: Cateterismo uretral Board of Surgery. Essa é a primeira inclusão da
• Módulo 7: Abordagem das vias aéreas simulação como um componente da certificação
• Módulo 8: Inserção do tubo torácico em cirurgia geral (STEFANIDIS; COLAVITA, 2013).
• Módulo 9: Inserção de cateter venoso central O TBS demonstrou ser um método eficaz para
• Módulo 10: Biópsia cirúrgica reduzir infecções da corrente sanguínea relaciona-
• Módulo 11: Abertura e fechamento de laparotomia das à inserção do venoso central. Os médicos resi-
• Módulo 12: Habilidades básicas em laparoscopia dentes treinados que usavam a prática deliberada
• Módulo 13: Habilidades avançadas de laparoscopia ou um simulador exigiam menos passagens de agu-
• Módulo 14: Anastomose intestinal manual lha para linha central e apresentavam níveis mais
• Módulo 15: Anastomose do intestino com grampeador altos de confiança do que os médicos residentes que
• Módulo 16: Anastomose arterial aprenderam a colocar as linhas centrais da forma
tradicional (BARSUK et al., 2009).
Esse currículo foi redesenhado recentemente
para ser mais abrangente, interativo e fácil de usar • Fase 2: Procedimentos avançados: foi projetada
para educadores e residentes. O currículo inclui mó- para ensinar médicos residentes de nível médio a
dulos individuais e vídeos de desempenho realiza- sênior a executar procedimentos mais complexos.

108 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Os módulos da fase 2 são os seguintes: lismo abaixo do ideal e potencial de aprender maus
• Módulo 1: Reparo laparoscópico da hérnia ventral hábitos na ausência de um instrutor para dar feed-
• Módulo 2: Ressecção aberta de cólon direito back (KUHLS et al., 2013).
• Módulo 3: Ressecção laparoscópica do cólon O currículo de cirurgia robótica compreende
sigmoide sete exercícios de RV oferecidos no Simulador Da
• Módulo 4: Ressecção aberta do cólon esquerdo Vinci. Os participantes mostraram ganho significa-
• Módulo 5: Exploração aberta e laparoscópica tivo de habilidades, independentemente do nível
do ducto biliar anterior de treinamento cirúrgico, sugerindo que
• Módulo 6: Reparo laparoscópico da hérnia in- as habilidades robóticas são independentes da ex-
cisional/ventral (modelo porcino) periência cirúrgica anterior (DULAN et al., 2012;
• Módulo 7: Apendicectomia laparoscópica GOMEZ; WILLIS; VAN SICKLE, 2015).
• Módulo 8: Fundoplicatura laparoscópica de Nissen O Comitê de Trauma da Colégio Americano
• Módulo 9: Biópsia de linfonodo sentinela e dis- de Cirurgiões estabeleceu o curso de Habilidades
secção de linfonodo axilar Cirúrgicas Avançadas para Exposição em Trauma
• Módulo 10: Reparo aberto de hérnia inguinal/femoral (Advanced Surgical Skills for Exposure in Trauma –
• Módulo 11: Reparo laparoscópico de hérnia inguinal ASSET) em 2005, que inclui um curso padronizado
• Módulo 12: Esplenectomia laparoscópica/aberta baseado em habilidades, projetado para ensinar a
• Módulo 13: Colecistectomia laparoscópica/aberta exposição cirúrgica de estruturas vitais nas áreas
• Módulo 14: Ressecção gástrica e rafia de úlcera de pescoço, tórax, abdômen e pelve e nas extremi-
péptica dades superior e inferior, utilizando cadáveres hu-
• Módulo 15: Paratireoidectomia/tireoidectomia manos (KUHLS et al., 2013; BOWYER et al., 2013).
O curso de Manuseio Cirúrgico Avançado de
O curso Fundamentals of Endoscopic Surgery Traumas (Advanced Trauma Operative Management
(FES), que é um programa baseado em realidade – ATOM) foi desenvolvido para ajudar médicos re-
virtual (RV) semelhante ao curso FLS, visa ensinar sidentes a adquirir experiência no manuseio ope-
e avaliar as habilidades endoscópicas dos médicos ratório de 12 lesões traumáticas penetrantes no in-
residentes de cirurgia (STEFANIDIS; COLAVITA, testino delgado, na bexiga, no duodeno, no rim, no
2013). As habilidades básicas de endoscopia flexível baço, no diafragma, no estômago, no pâncreas, no
utilizam o simulador GI Mentor II. Há melhorias fígado, na veia cava inferior e no coração em mo-
significativas nas habilidades objetivas de endos- delo suíno (JACOBS et al., 2005).
copia flexível, mostrando que essas habilidades fo-
ram transferidas do ambiente simulado para o am- • Fase 3: Habilidades em equipe: foi projetada
biente clínico (VAN SICKLE et al., 2011). para ensinar aos médicos residentes o compor-
Comparados com simuladores realistas, os si- tamento ideal dentro da equipe por meio de si-
muladores de RV oferecem vantagens significati- mulação. Esse currículo modular abrange dez
vas para os aprendizes de diferentes momentos de cenários simulados, nos quais o cirurgião deve
formação. Esses sistemas são configuráveis ​​para di- trabalhar com uma equipe para obter um resul-
ferentes níveis de dificuldades, possibilitam múlti- tado bem-sucedido do paciente. Esse currículo
plas variações anatômicas para simular patologias e inclui tópicos que variam de transferências de
anatomia aberrante, além de permitirem a prática pacientes a uma variedade de casos emergen-
repetitiva de procedimentos a um custo mínimo tes de pacientes. O currículo inclui ainda su-
(ou seja, a mesma tarefa/procedimento pode ser gestões para o desenvolvimento e a implemen-
executada um número infinito de vezes sem a ne- tação de casos simulados para ensinar e avaliar
cessidade de suprimentos ou descartáveis). Além as habilidades da equipe para o médico resi-
disso, os simuladores de RV não exigem a presença dente (AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS,
de um instrutor, pois geralmente fornecem tuto- 2020c).
riais integrados e várias métricas que podem ser
usadas para avaliação e feedback do desempenho Os módulos da fase 3 são os seguintes:
dos aprendizes. Suas desvantagens incluem: altos • Módulo 1: Trabalho em equipe no atendimento
custos de aquisição e manutenção, necessidade de ao trauma
atualizações periódicas de software e hardware, rea- • Módulo 2: Hipotensão arterial pós-operatória

O estado da arte da simulação clínica em Cirurgia Geral 109


• Módulo 3: Crise durante a cirurgia laparoscópica liadas para garantir que os pedidos sejam adequa-
• Módulo 4: O briefing pré-operatório damente recebidos (KING et al., 2008).
• Módulo 5: Solução de problemas laparoscópicos Várias outras técnicas de comunicação, tais como
• Módulo 6: Embolia pulmonar pós-operatória ISBAR (MARSHALL; HARRISON; FLANAGAN,
• Módulo 7: Infarto agudo do miocárdio pós-ope- 2008), CUSS (CURTIS; TZANNES; RUDGE, 2011)
e I PASS the BATON (BHABRA et al., 2007), fo-
ratório (choque cardiogênico)
ram desenvolvidas para melhorar a comunicação
• Módulo 8: Anafilaxia na alergia ao látex
em situações estressantes e aquelas que ocorrem
• Módulo 9: Transferência do paciente durante as transições no atendimento ao paciente.
• Módulo 10: Compressa retida nos exames de Os quadros a seguir apresentam essas três técnicas.
imagem pós-operatórios de tórax e abdome
Quadro 3. Técnica de comunicação ISBAR
As habilidades não técnicas são geralmente de-
finidas como habilidades interpessoais, cognitivas Identify: Quem? Onde?
e de recursos pessoais, e incluem: Situation: Qual é o problema?
• Comunicação e trabalho em equipe Background: Há antecedentes relevantes na
• Consciência situacional história do paciente?
• Liderança Assessment: Qual é a avaliação do problema?
• Buscando feedback Recommendation: O que deve ser feito?
• Lidar com o estresse Fonte: Adaptado de MARSHALL; HARRISON; FLANAGAN,
• Manejo da fadiga 2008.

Embora as habilidades técnicas sejam indubita- Quadro 4. Técnica de comunicação CUSS


velmente necessárias para um atendimento seguro
e eficaz ao paciente, falhas nas habilidades não téc- Concern and clarification: Estou preocupado e
nicas podem ser atribuídas a erros cometidos na ci- preciso de esclarecimentos.
rurgia. A falta de comunicação foi identificada como Uncomfortable: Estou desconfortável com esta ação.
fator casual em 43% dos erros cirúrgicos. Portanto, é Serious worry: Estou seriamente preocupado
importante que os educadores cirúrgicos desenvol- com esta ação.
vam um entendimento mais profundo das habilidades Stop: Por favor, pare imediatamente para que
possamos discutir.
não técnicas e sua aplicação no ambiente cirúrgico,
métodos de avaliação e estratégias para melhorar as Fonte: Adaptado de CURTIS; TZANNES; RUDGE, 2011.
deficiências encontradas (HULL et al., 2012).
Quadro 5. Técnica de comunicação I PASS the BATON
A comunicação pode ocorrer em situações indi-
viduais (por exemplo, tendo uma discussão no final
da vida com a família de um paciente) ou em situa- Introduction: Apresente-se e indique o seu pa-
ções em equipe (por exemplo, ativação de ressusci- pel na equipe.
tação). No ambiente cirúrgico, a comunicação base- Patient: Forneça identificadores do paciente.
ada em equipe se concentra em garantir que todos os Assessment: Descreva a queixa principal, os si-
membros da equipe tenham um modelo mental com- nais vitais e o diagnóstico do paciente.
partilhado do status atual dos eventos e dos planos Situation: Descreva o estado atual do paciente, in-
futuros nas situações de crise (HULL et al., 2012). cluindo o estado inicial e as alterações recentes.
Para aprimorar a segurança do paciente por meio Safety: Forneça os valores e resultados laborato-
de comunicação e trabalho em equipe, foi desen- riais críticos do paciente.
volvido o modelo “Estratégias e Ferramentas de The
Equipe para Melhorar o Desempenho e a Segurança Background: Descreva as comorbidades e os me-
do Paciente” (Team Strategies and Tools to Enhance dicamentos do paciente.
Performance and Patient Safety – TeamSTEPPS). Actions: Destaque quais ações foram executadas.
Esse modelo permite que todos membros da equipe Timing: Indique o nível de urgência atual.
de saúde desempenhem um papel na segurança do Ownership: Explique quais membros da equipe
paciente e propõe o uso de retornos de comunica- de saúde são responsáveis pelo paciente.
ção (repetir pedidos para garantir que a comunica- Next: Descreva o que acontecerá a seguir, mu-
ção seja recebida corretamente) e a regra de dois danças antecipadas e planos de contingência.
desafios – solicitar que as informações sejam reava-
Fonte: Adaptado de BHABRA et al., 2007.

110 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
A fase 3 do currículo de habilidades para médicos início por educadores cirúrgicos para uso em equi-
residentes em cirurgia foi projetada para fornecer mé- pes cirúrgicas (YULE et al., 2008). A taxonomia
todos de ensino ao trabalho em equipe e habilidades do NOTSS é dividida em quatro categorias princi-
de comunicação pré, intra e pós-operatória. A simu- pais, e cada uma delas possui elementos associa-
lação tem sido usada nas situações de crises para apri- dos (Quadro 6). A taxonomia foi obtida por meio
morar o trabalho em equipe, liderança e comunicação de análise de tarefas cognitivas com cirurgiões e es-
(AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS, 2020c). crita em linguagem cirúrgica de uma maneira que
O projeto de Non-Technical Skills For Surgeons cirurgiões treinados adequadamente pudessem ob-
(NOTSS) representa uma nova ferramenta de ava- servar, classificar e fornecer feedback sobre as ha-
liação do trabalho em equipe, projetada desde o bilidades não técnicas dos aprendizes.

Quadro 6. Taxonomia do NOTSS

Categorias Elementos
Reunir informações, entender informações e projetar e antecipar
Consciência da situação
o estado futuro.
Considerar opções, selecionar e comunicar opções, e implementar e
Tomada de decisões
revisar decisões.
Liderança Estabelecer e manter padrões, apoiar os outros e lidar com a pressão.
Troca de informações, estabelecimento de entendimento
Comunicação e trabalho em equipe
compartilhado e coordenação da equipe.

Fonte: Adaptado de Higham et al. (2019)

Tem ocorrido uma grande expansão de consór- ciente por meio de simulação (JONES; FOREWORD,
cios, tanto em nível regional quanto em âmbito nacio- 2012). Os objetivos do programa são:
nal, para o treinamento de diferentes competências dos 1) Promover a segurança do paciente por meio da
médicos residentes nos vários locais que dispõem de utilização da simulação.
laboratórios de simulação com diversos recursos e di- 2) Desenvolver novas tecnologias de educação.
ferentes complexidades. Dois exemplos de colabora- 3) Identificar as melhores práticas com transfe-
ções em nível estadual incluem a Oregon Simulation rência para desfechos clínicos.
Alliance (OSA) e a Texas Association of Surgical Skills 4) Promover pesquisa e colaboração entre insti-
Laboratories (TASSL). A OSA é uma organização in- tuições de ensino credenciadas.
terprofissional sem fins lucrativos que criou uma rede
estadual de profissionais de saúde e sistemas hospitala- Os requisitos de credenciamento incluem es-
res, com foco na melhoria da qualidade em uma abor- paço, pessoal, cursos disponíveis e avaliação. O ACS
dagem multidisciplinar (SEROPIAN et al., 2006). O já credenciou 70 institutos avançados e 12 foca-
consórcio TASSL foi estabelecido em 2007, do qual dos nos Estados Unidos e em nove outros países
participam predominantemente cirurgiões e educado- (JONES; FOREWORD, 2012).
res cirúrgicos, tem um foco principal no treinamento Muitos programas de certificação em cirurgia,
em residência cirúrgica, com reuniões anuais rotativas tal como o American Board of Surgery, continuam a
realizadas nas instituições acadêmicas patrocinadoras expandir a exigência de proficiência dos candida-
(VAN SICKLE et al., 2011). tos, tais como a aprovação nos exames de Suporte
À medida que o TBS ganha aceitação no ensino Avançado de Vida em Cardiologia (ACLS), Suporte
médico e os custos desses simuladores aumentam, vá- Avançado de Vida em Trauma (ATLS) e FLS, para
rios programas de treinamento em residência cirúrgica elegibilidade para fazer o exame de qualificação. O
criaram maneiras de compartilhar equipamentos e cur- curso sobre EEF foi projetado para fornecer aos pro-
sos. Em 2005, o ACS organizou um processo formal de gramas gerais de treinamento em cirurgia um cur-
acreditação para institutos educacionais básicos e avan- rículo gradual e baseado em marcos de competên-
çados, encarregados de promover a segurança do pa- cias que inclui treinamento didático e prático. Dessa

O estado da arte da simulação clínica em Cirurgia Geral 111


forma, um médico residente de cirurgia geral deve Confrontados com esse ritmo acelerado de mu-
possuir o conhecimento e a habilidade de ser um dança e com a necessidade de permanecerem tecni-
endoscopista cirúrgico com a capacidade de forne- camente eficientes, os cirurgiões precisam de uma
cer serviços endoscópicos a pacientes em qualquer infraestrutura que dê o suporte necessário de atua-
ambiente clínico. A lista crescente de treinamento lização ao longo de décadas de prática. Essa infraes-
está adicionando grande custo e ônus aos progra- trutura deve fornecer informações para atualização
mas de residência médica (ACGME, 2019). Com das estratégias de tratamento e com melhor relação
foco especificamente na cirurgia robótica, espera- custo-benefício, além de treinamento com prática
-se que o curso Fundamentals of Robotic Surgery deliberada para garantir a proficiência técnica ade-
(FRS) seja formalmente liberado nos próximos me- quada. Idealmente, os cirurgiões deveriam ter re-
ses ou anos, e ainda não está claro se ele se tornará lacionamento com um home lab (laboratórios do-
um requisito obrigatório de treinamento ou creden- miciliares) que lhes proporcionasse o treinamento
cial. Dado o sucesso e o impacto dos demais cursos, contínuo necessário na prática, semelhante ao que
parece provável (WILLIS; VAN SICKLE, 2015). eles tinham durante o treinamento na residência
médica (DUNKIN, 2015).
5. SIMULAÇÃO NA CAPACITAÇÃO E RECERTIFICAÇÃO
O American Board of Surgery tem incentivado os
DE CIRURGIÕES JÁ FORMADOS cirurgiões a se manter atualizados em seu campo,
instituindo um processo de manutenção da certifica-
Na “curva de duplicação do conhecimento”, em 1900 ção que contém quatro elementos (DUNKIN, 2015):
o conhecimento humano dobrava aproximadamente 1) Posição profissional: Isso requer a manutenção
a cada século. No final da Segunda Guerra Mundial, de uma licença médica completa e irrestrita nos
duplicava a cada 25 anos. Em 2010, o tempo de du- Estados Unidos ou no Canadá, mantendo os pri-
plicação diminuiu para três anos, e, atualmente, vilégios com referências profissionais favoráveis
estima-se que o conhecimento clínico-cirúrgico em bons hospitais e centros cirúrgicos.
dobre a cada 18 meses. Isso significa que um cirur- 2) Aprendizagem ao longo da vida e autoavaliação:
gião que entra na prática aos 32 anos passa por 22 Os cirurgiões certificados pela diretoria devem
duplicações de conhecimento clínico antes de se demonstrar aprendizado contínuo participando
aposentar aos 65 anos. Esse ritmo de mudança está de, pelo menos, 90 horas de atividades de edu-
pressionando cada vez mais os médicos a se man- cação médica continuada relevantes para a sua
ter a atualizados em seu campo de atuação, neces- prática a cada três anos. Sessenta dessas horas
sitando de um processo de educação permanente devem incluir a autoavaliação, que é conside-
(DUNKIN, 2015). rada um exame escrito sobre o material de atu-
A rápida acumulação de conteúdos leva à neces- alização do estudo definidos para a educação
sidade de identificação de lacunas nos conhecimen- médica continuada. Uma pontuação de 75% ou
tos e nas habilidades dos cirurgiões, o que contri- mais deve ser alcançada nesses exames.
bui para a variabilidade da qualidade na prestação 3) Conhecimento cognitivo: Os cirurgiões devem
de cuidados assistenciais, à medida que os profis- passar com êxito em um exame de recertifica-
sionais conseguem se manter atualizados. Essa va- ção a cada dez anos.
riabilidade aumenta o custo e diminui a qualidade. 4) Avaliação do desempenho prático: Isso requer
O Instituto Nacional de Medicina estima que, se a participação de um registro de resultados lo-
todos os estados nos Estados Unidos pudessem cais, regionais ou nacionais, ou um programa de
oferecer a qualidade dos cuidados prestados pelos avaliação da qualidade, individualmente ou por
estados com melhor desempenho, haveria 75 mil meio de uma instituição.
mortes a menos em 2005 e 210 bilhões de dólares
economizados na eliminação de serviços desneces- As limitações do processo de manutenção dessa
sários. Numa época em que as despesas com assis- certificação incluem a falta de diretiva para tópicos
tência médica dos Estados Unidos excedem 10% do que devem ser cobertos pelos cirurgiões durante
produto interno bruto, é fundamental controlar os a educação médica continuada para maximizar a
custos, reduzindo a variabilidade no atendimento saúde pública e a incapacidade de medir as habi-
(DUNKIN, 2015). lidades técnicas.

112 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
O processo de certificação não atende às neces- cirúrgicas, os centros acadêmicos e as indústrias
sidades de um cirurgião que deseja aprender a usar de equipamentos tentaram prestar esse importante
uma nova tecnologia ou técnica e introduzi-lo com serviço, as instalações para treinamento e reequilí-
segurança em sua prática. Até o momento, isso tem brio tecnológico permanecem inadequadas, inde-
sido abordado principalmente por cursos de pós- vidamente usadas e com recursos muito desiguais
-graduação custeados pelas sociedades ou pelos (DUNKIN, 2015).
programas de treinamento patrocinados pela in- Os laboratórios domiciliares (home labs) devem
dústria (DUNKIN, 2015). ser instalações criadas especificamente para a prá-
Os cursos práticos de pós-graduação tornaram- tica de cirurgiões com necessidades educacionais
-se uma oferta de muitas sociedades cirúrgicas. específicas que diferem de estudantes de Medicina
Esses programas geralmente consistem em uma sé- e dos médicos residentes. A estrutura física deve ser
rie de palestras de professores especializados, se- grande o suficiente para atender um número signifi-
guidas de uma experiência prática de treinamento cativo de cirurgiões e incluir ambientes para apoiar
em laboratório. Os modelos usados para esse trei- o treinamento cognitivo, processual e de equipe. Os
namento são inanimados, animados ou cadáveres. ambientes de aprendizagem cognitiva devem per-
Por causa do período de tempo compactado desses mitir a educação interativa usando a mais recente
programas e do acesso aberto a qualquer nível de teoria da aprendizagem de adultos e permitir a vi-
profissional, os cursos de pós-graduação são úteis sualização de casos ao vivo com interação bidirecio-
como introdução a novas técnicas ou tecnologias, nal. Os ambientes de treinamento da equipe devem
mas não para uma incorporação segura e bem-su- ser capazes de recriar qualquer parte do ambiente
cedida na prática (DUNKIN, 2015). de atendimento cirúrgico, incluindo a sala de ope-
Os programas de treinamento mais comuns dis- rações, a sala de recuperação, a unidade de terapia
poníveis para os cirurgiões são os cursos patrocina- intensiva e a enfermaria do paciente. À medida que
dos pela indústria. Os fabricantes de dispositivos mé- a cirurgia evoluiu para um “esporte de equipe”, es-
dicos são motivados a fornecer treinamento sobre o ses ambientes são críticos para o ensaio de todos
uso correto de seus produtos para garantir o uso se- os membros da equipe cirúrgica (DUNKIN, 2015).
guro na prática. Como os procedimentos cirúrgicos Além de uma estrutura física, os laboratórios
se tornaram mais dependentes desses dispositivos, domiciliares (home labs) devem ter acesso a pro-
a indústria investiu pesadamente no treinamento do fessores especializados, treinados para ensinar ou-
cirurgião. A maioria dos programas de treinamento tras pessoas, e especialistas em design de cursos,
patrocinados pelo setor são oportunidades do tipo capazes de criar experiências educacionais signifi-
“ganha-ganha”. Os cirurgiões têm a oportunidade de cativas. Esses cursos devem incluir medidas de de-
treinar o uso dos novos dispositivos e técnicas com sempenho processual que podem ser usadas para
o custo compensado pela indústria, e os fabricantes feedback formativo e somativo, tanto no laboratório
podem mostrar sua tecnologia e garantir que ela seja de treinamento prático quanto na sala de operações
usada corretamente. As limitações desse treinamento real. Finalmente, os laboratórios domiciliares (home
incluem o risco de viés para promover os produtos labs) devem poder apoiar os cirurgiões quando re-
de um fabricante, o foco potencialmente restrito a tornarem às suas próprias instituições e começarem
apenas uma técnica ou tecnologia e um período de a percorrer a parte inicial de sua curva de aprendi-
tempo compactado sem métricas de desempenho zado em busca de uma nova técnica ou tecnologia.
incorporadas ao curso. Esse suporte pode ser feito com orientação pessoal
A criação de oportunidades de treinamento para ou telementoria. No entanto, a logística moderna di-
cirurgiões necessita do desenvolvimento de uma ficulta a orientação no local. Não há um número su-
infraestrutura nacional para uma rede distribuída ficiente de mentores qualificados para treinar uma
de laboratórios domiciliares (home labs), com uma grande quantidade de cirurgiões em um país do ta-
nova infraestrutura para apoiar o treinamento ci- manho dos Estados Unidos, e a receita financeira
rúrgico e o reequipamento técnico. perdida para um mentor ficar longe de sua própria
A maioria dos cirurgiões, na prática, conta com sala de operações é significativa. Além disso, obstá-
um programa próprio de autoestudo, aquisição de culos legais e regulatórios se tornaram mais comple-
habilidades e revisão de seus resultados da prática xos, fazendo com que muitos mentores especializa-
cirúrgica. Embora se reconheça que as sociedades dos abandonassem essa prática.

O estado da arte da simulação clínica em Cirurgia Geral 113


Recentemente, a tecnologia audiovisual evo- de consciência compartilhada para que todos este-
luiu a ponto de permitir uma interação bidirecio- jam no mesmo momento de atenção (SCHENARTS;
nal significativa em uma sala de operações. A tele- WAIBEL, 2020).
mentoria com essa tecnologia audiovisual poderia A realização do debriefing pós-crise é o elemento
ser usada para desenvolver um escalável programa mais importante na solidificação da educação dos
de mentoria que minimiza a carga de mentores es- médicos residentes. Existem três áreas de foco para
pecializados e os torna mais facilmente disponí- esse tipo de revisão: 1) a comparação das ações e
veis. A prática tem sido usada com sucesso em vá- como elas correspondem aos padrões de desem-
rias instituições em todo o mundo, porém limitada penho atuais, 2) capacitar o médico residente a se
por barreiras regulatórias e legais (DUNKIN, 2015). identificar o que aconteceu, por que aconteceu, o
A telementoria é uma iniciativa de qualidade para o que eles fizeram bem e as áreas a serem melhora-
cirurgião praticante e requer três elementos essenciais: das, e 3) os cirurgiões assistentes devem realizar a
1) Um relacionamento estabelecido entre o men- mesma crítica autorreflexiva solicitada ao médico
tor e o aprendiz. Isso torna a telementoria di- residente (SCHENARTS; WAIBEL, 2020).
ferente da teleconsulta, em que não há um Na condução desses debriefing pós-crise, o cirurgião
relacionamento estabelecido antes do evento, assistente deve começar criando um ambiente res-
ou da telemedicina, que é a interação direta en- peitoso focado na educação – e não na transferência
tre o paciente e o especialista. de culpa – e estabelecendo as regras básicas para a
2) As habilidades e os conhecimentos do mentor discussão. A seguir, os participantes apresentam um
e do aprendiz são entendidos por meio de um breve resumo cronológico dos eventos. Após esse re-
relacionamento desenvolvido antes do evento de sumo, cada pessoa que desempenhou um papel na
telementoria, que deve ocorrer dentro de uma gestão da crise recebe a mesma série de perguntas:
estrutura educacional. Tanto o mentor quanto • O que foi bem?
o aprendiz trabalharam juntos nessa estrutura • O que deve ser melhorado?
e foram adequadamente preparados para a ex- • Como devemos melhorar as áreas identifica-
periência de mentoria. das de fraqueza?
3) A telemediação deve ser feita com um apren-
diz competente. Isso significa que o aprendiz O cirurgião assistente que lidera a discussão deve
é completamente capaz de gerenciar a doença fazer perguntas abertas que promovam a autocrí-
do paciente, como se o mentor não estivesse lá tica dos médicos residentes. É importante permi-
– apenas com uma técnica diferente ou usando tir que os médicos residentes expressem seus pen-
uma tecnologia distinta. A sessão de orienta- samentos sem serem interrompidos. Na conclusão
ção é para ajudar a adotar uma nova técnica ou dessa revisão, que é uma avaliação formativa, o par-
tecnologia na prática clínica, mas sempre com ticipante deve resumir os pontos principais da dis-
um plano de retorno seguro, se alguém se sen- cussão. Para completar o ciclo, as lições aprendidas
tir desconfortável com o andamento do proce- durante a revisão pós-ação devem ser incorporadas
dimento (DUNKIN, 2015). na próxima reunião com todos os médicos residen-
tes, para que todos possam se beneficiar da experi-
ência (SCHENARTS; WAIBEL, 2020).
6. OUTROS CURSOS DE CAPACITAÇÃO EXISTENTES A ferramenta SEGUE (Quadro 7) é uma lista
de verificação baseada em pesquisa de tarefas de
comunicação médica e é a estrutura mais amplamente
O melhor uso para ambientes ou tarefas simula-
usada para ensino e avaliação de habilidades de
das é ajudar a resolver um problema que, de outra
comunicação na América do Norte (MAKOUL, 2001).
forma, é difícil, inseguro ou caro de resolver por ou-
Imediatamente após essa interação observada, um
tros meios. Uma das situações importantes são as
membro do corpo docente fornece ao médico resi-
crises intraoperatórias, quando a atenção deve es-
dente o reforço positivo de seus pontos fortes, bem
tar focada no bem-estar do paciente. A comunica-
como feedback construtivo sobre como eles podem
ção eficaz entre o cirurgião responsável e a equipe
melhorar seu desempenho. Os médicos residentes e
é de suma importância para resolver uma crise. Há
o membro do corpo docente também têm uma dis-
a necessidade de desenvolver engajamento verbal
cussão breve, porém abrangente sobre a dinâmica
ativo entre todos membros da equipe. O objetivo é
psicossocial e familiar de cada paciente.
promover a transparência e desenvolver uma cultura

114 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 7. Estrutura SEGUE para ensinar e avaliar habilidades de comunicação.

Elementos essenciais das interações médico-paciente


Tópicos
e as ações/comportamentos necessários
1. Manter a privacidade do paciente
Defina o palco/ 2. Cumprimente o paciente adequadamente
cenário
3. Faça uma conexão pessoal durante a visita (por exemplo, vá além dos problemas médicos)
(Set the stage)
4. Estabeleça o motivo da visita (por exemplo, comece com uma pergunta aberta)
5. Esboce a agenda da visita (por exemplo, “mais alguma coisa?”, questões, sequência)
6. Perguntar a visão do paciente sobre o problema de saúde e/ou progresso (ideias,
preocupações)
7. Explorar fatores físicos/fisiológicos (sinais, sintomas)
8. Explorar fatores psicossociais/emocionais (por exemplo, situação de vida, relações
familiares, estresse)
9. Discutir tratamentos anteriores (por exemplo,
Obter informações
autocuidado, última visita, outros cuidados)
(Elicit information)
10. Discutir como o problema de saúde afeta a vida do paciente
11. Discutir questões de estilo de vida/estratégias de prevenção
12. Evite perguntas diretivas/diretivas
13. Dê oportunidade/tempo ao paciente para falar (não interrompa)
14. Ouça. Dar atenção total ao paciente (por exemplo, encarar o paciente, reconhecimento
verbal, feedback não verbal)
15. Verifique/esclareça as informações
16. Explique a lógica de testes diagnósticos
Dê informações 17. Explique ao paciente o que está acontecendo em relação
(Give information) ao corpo, sintomas e exames realizados
18. Encoraje o paciente a tirar suas dúvidas
19. Adapte à linguagem ao nível de entendimento do paciente
Entender a 20. Entender as conquistas, progresso e desafios do paciente
perspectiva 21. Entender o tempo de espera
do paciente
22. Expressar cuidado, preocupação e empatia
(Understand the
patient’s perspective) 23. Manter a entonação de respeito
Terminar o encontro 24. Pergunte se há mais alguma coisa que o paciente gostaria de discutir
(End the encounter) 25. Cumprimente adequadamente
26. Discutir as expectativas, interesses e objetivos do tratamento
Se sugerir um novo 27. Envolver o paciente nas decisões a serem tomadas
ou modificar o plano 28. Explicar os benefícios das opções de tratamento
de tratamento/
29. Explicar os efeitos colaterais e riscos das opções de tratamento
prevenção
(If suggested a 30. Prover as instruções completas sobre o tratamento
new or modified 31. Discutir a capacidade do paciente monitorar o
treatment/ tratamento (entendimento, tempo, atitudes)
prevention plan) 32. Discutir a importância do papel do paciente no tratamento

Fonte: Adaptado de Makoul, 2001.

O estado da arte da simulação clínica em Cirurgia Geral 115


Após essa sessão de feedback direcionada, os 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
médicos residentes são instruídos a se avaliar em
cada uma das dimensões SEGUE e, em seguida, O treinamento de habilidades e a utilização de ce-
concluir duas sessões curtas de autorreflexão, ex- nários simulados podem ser ferramentas úteis para
plorando o que eles fizeram e foi eficaz durante a ajudar indivíduos ou equipes a se tornar proficien-
tes enquanto reduzem riscos desnecessários para pa-
interação médico-paciente, e também onde eles
cientes reais. A simulação em todas as suas formas
poderiam melhorar nessas áreas de competên- não serve para a remediação de todos os males. Não
cia. Os médicos residentes devolvem o formulá- corrigirá a mudança na aquisição tardia de habilida-
rio ao membro do corpo docente, que adiciona des para estagiários, ou seja, um problema sistêmico
suas classificações e comentários ao lado dos re- que incorpora escolas médicas, questões de respon-
sidentes, observando diferenças nas classificações sabilidade, restrições financeiras e demandas e ex-
(MAKOUL, 2001). pectativas do público. A simulação não substituirá a
É fácil realizar repetidas vezes o ciclo de en- necessidade de interagir com humanos reais, dentro
saios mentais antes que o evento ocorra, verbalizar e fora da sala de operações, para se tornar eficiente
como cirurgião. A simulação não eliminará a ansie-
o processo de pensamento do cirurgião de comando dade (ou alegria) do cirurgião assistente ao ensinar
durante a crise, padronizar a revisão pós-ação e in- estagiários. Entretanto, é altamente provável que
corporar as lições aprendidas na próxima situa- o treinamento de habilidades e a simulação sejam
ção de treinamento de crise. Esse método também úteis para resolver ou ajudar a resolver subconjun-
pode ser aplicado a qualquer outro tipo de emer- tos de problemas que todos encontramos ao treinar-
mos ou ao incorporarmos novas tecnologias ou pro-
gência médica.
cedimentos nos ambientes profissionais.

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O estado da arte da simulação clínica em Cirurgia Geral 117


CA P Í T U L O 5.3

Tipos de simuladores utilizados


em Cirurgia Geral

118
Neide da Silva Knihs Debora Popov
Enfermeira Enfermeira
Membro da SOBECC1 Membro da SOBECC
Profa. Departamento de Enfermagem da Profa. Departamento de Enfermagem
Universidade Federal de Santa Catarina da Universidade Paulista

Keyla Cristine Nascimento Patrícia Treviso


Enfermeira Enfermeira
Membro da SOBECC Membro da SOBECC
Profa. Departamento de Enfermagem da Profa. Departamento de Enfermagem
Universidade Federal de Santa Catarina da Universidade do Vale do Rio
dos Sinos - UNISINOS

Ana Graziela Alvarez


Enfermeira
Membro da SOBECC
Profa. Departamento de Enfermagem da
Universidade Federal de Santa Catarina

1. INTRODUÇÃO ficados como animado, inanimado, virtual, real, de


tarefa ou de procedimento parcial. No entanto, in-
O uso de simuladores e ambientes de simulação dependentemente do conceito, da classificação ou
para o ensino de profissionais de saúde está bem da especificação, cabe ressaltar que tais tecnologias
estabelecido na literatura, é eficaz e pode melhorar oportunizam recriar situações cirúrgicas reais da
habilidades cirúrgicas, técnicas de comunicação e prática e ensinar, treinar e avaliar habilidades cogni-
de trabalho em equipe, contribuindo para a segu- tivas, técnicas, tomada de decisão e procedimentos
rança do paciente e a mitigação de erros (COOK et operacionais básicos no sentido de aprimorar a edu-
al., 2018; HANKS, 2019). cação, o atendimento ao paciente e a segurança nos
É possível encontrar simuladores cirúrgicos en- procedimentos cirúrgicos (COIMBRA et al., 2020).
volvendo cadáveres humanos, animais vivos, mode- O Quadro 1, adaptado do American College of Surgeons
los de bancada, manequins realísticos e sistemas de (ACS), apresenta uma diversidade de simuladores, com
realidade virtual. Os simuladores podem ser classi- a classificação, a descrição, o uso e o custo deles.

Tipos de simuladores
utilizados em Cirurgia Geral 119
Quadro 1. Classificação dos simuladores quanto à descrição, ao uso e ao custo.

Simulador Descrição Uso Custo


Prendedor de nó; Aprender tarefas simples e
modelos de sutura em repetitivas, como suturar,
Tarefas parciais Baixo custo e reutilizável. Pode
espuma; dar nó, puxar drenos e
abstratas ser usado em casa por alunos.
formadores simples de realizar transferência de
caixas laparoscópicas. pinos para laparoscopia.
São réplicas de partes Permitem exercitar
Produtos fabricados e
de um corpo humano, procedimentos completos
Peças comercializados. Os preços
as quais podem ser em várias etapas (passagem
anatômicas de algumas peças podem
informatizadas, simples de sondas, acesso central,
ser mais elevados.
ou complexas. intubação etc.).
Réplicas de partes Permitem treinar
do corpo humanos equipes em ressuscitação
Peças que se Manequins computadorizados
que podem ser cardiopulmonar, vias
aproximam do tornam o produto mais caro.
informatizadas, simples aéreas, intubação, presença
corpo humano
ou complexas. de choques, alterações
São muito realistas. hemodinâmicas, entre outros.
Possibilitam treinar a tomada
Criam cenários de decisão clínica e/ou A maioria dos programas é
Baseados em clínicos e/ou cirúrgicos cirúrgica, oportunizando comprada por assinatura.
computador programados que podem o reteste e a avaliação Contudo, existem
ser repetidos várias vezes. do aprimoramento também gratuitos.
do conhecimento.
Permitem desenvolver
Quando há pacientes e
habilidades de exame
Pacientes São pacientes/ atores, estudantes voluntários, são
físico, treinamento de
padronizados alunos e voluntários. mais baratos se comparados
equipe, relação interpessoal
à contratação de atores.
e feedback imediato.
Quando se utilizam animais
vivos, os custos podem
Oportuniza operações
ser elevados (alojamento,
Animais vivos ou parte completas, adiciona realismo
Uso de animais anestesia e descarte). É
do corpo de animais. à cena e possibilita avaliar
necessária a autorização
a consistência do tecido.
do Comitê de Ética no
Uso de Animais (Ceua).
Instrutores de tarefas
Permitem treinar
Peças específicas, assistidos
procedimentos A compra dos programas
anatômicas no computador, no
laparoscópicos, endoscópicos pode ter alto custo.
virtuais celular e em tablets
e vasculares.
guiados por imagem.
Ambiente interativo Permite exercitar
Realidade baseado em realidade procedimentos laparoscópicos
Custo inicial bastante elevado.
virtual virtual. Utilizam-se e endoscópicos, bem como
computadores. a tomada de decisão.

Fonte: Adaptado de Acton (2015).

A variedade de simuladores é tão diversificada lhetas de soda para instruções sobre procedimentos
que praticamente se aproximam dos numerosos de anastomose). É importante pontuar que o uso de
procedimentos cirúrgicos realizados (manequins, simuladores em cenários criados não substitui ex-
equipados com computador, dispositivos simples periência intraoperatória, contudo representa um
de caixa, pacotes de suturas descartados ou até pa- método importante na educação cirúrgica atual.

120 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Diante desse contexto, apresentam-se os dife- seguida, serão indicados os simuladores realistas e
rentes tipos de simuladores utilizados para treina- virtuais de baixa, média e alta fidelidades.
mentos no ambiente cirúrgico, que amparam as si-
mulações e ajudam a equipe no desenvolvimento de:
2. SIMULADORES DE BAIXA FIDELIDADE
• Habilidades básicas abertas: amarração de nós,
suturas, acesso intravenoso e inserção de linha
central e tubo torácico. No ambiente cirúrgico, os simuladores de baixa
• Habilidades laparoscópicas fundamentais: nave- fidelidade podem ser de grande ajuda, conside-
gação por câmera, corte controlado, exercícios rando que oportunizam aprendizagem de habilida-
de transferência e sutura laparoscópica. des específicas, caracterizados por equipamentos,
• Habilidades em cirurgias abertas: reparo da hér- peças ou manequins de corpo completo ou par-
nia inguinal, anastomose intestinal suturada e cial, ou, ainda, suprimentos desatualizados de sa-
grampeada, anastomose vascular, endarterecto- las de operações, frutas, papel, canudos, entre ou-
mia arterial, ponte de safena e reparo do aneu- tros (HOHMANN et al., 2019).
risma da aorta aberta. Esses simuladores permitem movimentos gros-
• Habilidades em simuladores de realidade virtual: seiros e são estáticos, ou seja, não apresentam qual-
habilidades avançadas laparoscópicas, colecis- quer resposta às intervenções efetuadas e, portanto,
tectomia laparoscópica, ressecção laparoscópica são menos realísticos. Esses tipos de simulador per-
do cólon, anatomia vascular angiográfica e am- mitem a prática de habilidades ou técnicas indivi-
pla variedade de habilidades endovasculares. duais, em vez de uma operação inteira, sendo mais
adequados para iniciantes que praticam habilidades
A escolha do simulador é apenas uma etapa para cirúrgicas básicas.
criação dos cenários. Para auxiliar na escolha do No Quadro 2, apresentam-se alguns estudos que
simulador, serão apresentados os diferentes tipos, utilizam manequins, peças e outros simuladores de
bem como as tecnologias e as respostas de ação. Em baixa fidelidade.

Quadro 2. Estudos com simuladores de baixa fidelidade.

Tipo de simulador/
Autor/ano Resposta de ação
tecnologia
Coimbra Simulador sintético Permite o aperfeiçoamento de habilidades técnicas para
et al. (2020) de retalho cirúrgico manipulação dos instrumentais e prática do procedimento.
Ajuda a detectar e rastrear até duas ferramentas
Aeckersberg Simulador
endovasculares simultaneamente e permite treinamento
et al. (2019) SonesOne básico em habilidades endovasculares.
Bouaicha Aprimora a coordenação de olho e mão, e a triangulação e
Simulador ArthroBox
et al. (2019) manipulação indireta.
Moscarelli Simulador de válvula mitral Melhora habilidade cirúrgica, familiaridade
et al. (2019) minimamente invasiva e destreza processual do cirurgião.
Simulador que representa Treina o profissional para reconstrução laringotraqueal
Kavanagh e
enxerto de traqueia, e etapas envolvidas na medição, escultura e sutura dos
Murray (2019)
esôfago e cartilagem enxertos de cartilagem costal anterior e posterior.
Ramirez Simulador VELCRO Acelera a aquisição de habilidades gerais de cirurgia
et al. (2018) Brand Sticky Back torácica por meio de etapas distintas.
Lefor Simulador de plástico Treina habilidades de procedimentos e técnicas
(2018) e tecido ex vivo avançados e possibilita aprimorar a avaliação clínica.
Promove orientação de profissionais em todos os níveis de
Hossien Simulador portátil para
conhecimento, a fim de aprimorar suas habilidades cirúrgicas
(2016) circulação extracorpórea em conexão com o circuito de circulação extracorpórea (CEC).
Fonte: Elaborado pelas autoras.

Tipos de simuladores
utilizados em Cirurgia Geral 121
A seguir, apresentam-se simuladores de baixa
fidelidade disponíveis no mercado que podem ser
utilizados para aprimorar habilidades que envol-
vem o ambiente cirúrgico.

Figura 1. Simulador de baixa fidelidade – circulação Figura 4. Simulador de baixa fidelidade – ArthroBox.
extracorpórea e cirurgia de válvula mitral.
Fonte: BOUAICHA et al. (2019).
Fonte: HOSSIEN (2016); MOSCARELLI Et al. (2019).

Habilidades em sutura

Figura 5. Simulador de baixa fidelidade – VELCRO 1.

Figura 2. Simulador de baixa fidelidade – prática de sutura. Fonte: RAMIREZ et al. (2018).

Fonte: COSTA et al. (2020). 3. SIMULADORES DE MÉDIA FIDELIDADE

Os simuladores de média fidelidade pode ser bené-


ficos no ambiente cirúrgico, em razão de eles opor-
tunizarem o desenvolvimento de habilidades téc-
nicas e procedimentos um pouco mais complexos.
Esse tipo de simulador pode ser vantajoso sobre-
tudo quando aplicado em simulações que tenham
como objetivos desenvolver habilidades e aprimorar
conhecimento em ausculta respiratória e cardíaca,
além do desenvolvimento de habilidades repetiti-
vas. Esses simuladores emitem sons que se repetem
exaustivas vezes até que sejam compreendidos e as-
similados pelo participante. Ainda, é possível via-
bilizar a monitorização do traçado de eletrocardio-
Figura 3. Simulador de baixa fidelidade – prática de grama e a pesquisa de alguns pulsos (habitualmente
cateterismo vesical.
centrais). Algumas marcas disponíveis no mercado
Fonte: COSTA et al. (2020). oferecem sons pré-gravados (tosse, vômito, gemido,
entre outros). O uso desses simuladores está dire-
cionado à formação de cenários simples (KANEKO;
LOPES, 2019; MARTINS et al., 2012).

122 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Simuladores de média complexidade foram e são pois permitem que os profissionais repitam quan-
utilizados com maior destaque em cirurgias de la- tas vezes desejarem o procedimento (RÖLFING
paroscopia, em razão de a equipe precisar aprimo- et al., 2019).
rar habilidades técnicas e atingir a curva de apren- É importante destacar que os simuladores de
dizagem para prática desse procedimento. Um dos média fidelidade possuem tecnologia intermediá-
simuladores de caixa laparoscópicos mais comuns ria e que o nível de fidelidade do ensino simulado
e simples é o Sistema Inanimado McGill, o qual deve ser estabelecido considerando os objetivos de
oportuniza o desenvolvimento de tarefas básicas aprendizagem. Ao planejar o desenvolvimento da
de habilidades laparoscópicas (transferência de simulação em ambiente perioperatório, você po-
derá usar exclusivamente um manequim de mé-
pinos, corte, colocação de alça de ligação e sutura)
dia fidelidade ou um ou mais tipos de simuladores
(PORTO et al., 2020).
na mesma experiência simulada.
Simuladores baseados em realidade virtual de
No Quadro 3, apresentam-se estudos que utiliza-
média fidelidade também são utilizados no trei- ram simuladores realísticos de média complexidade.
namento da técnica de cirurgias de laparoscopia,
Quadro 3. Estudos realizados com simuladores de média fidelidade.

Tipo de simuladores/ Resposta


Autor/ano
tecnologia de ação
Simulador de realidade Possibilita desenvolver habilidades de forma
Rölfing
virtual para cirurgia de crescente até chegar ao procedimento completo
et al. (2019)
fratura de quadril com a colocação de parafuso dinâmico no quadril.
Permite desenvolver e aprimorar habilidades
Gasperin, Zanirati básicas para realizar procedimentos de diferentes
Simulador Mentor LAP,
e Cavazzola complexidades. Possibilita aumentar a segurança
modelo hepático
(2018) e o aprendizado para realizar procedimentos
cirúrgicos básicos de cirurgia geral.
Ritter Simulador-sistema de Promove domínios de habilidade manuais
et al. (2017) treinamento em endoscopia da endoscopia superior e inferior.
Moura-Júnior Simulador-EndoSuture Permite desenvolver e aprimorar habilidades em
et al. (2017) Training Box endossuturas, na cirurgia minimamente invasiva.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

A seguir, apresentam-se simuladores de média fidelidade, realistas e virtuais.

Figura 6. Simulador de média fidelidade para ausculta Figura 7. Simuladores de média fidelidade – masculino
cardíaca e pulmonar e feminino.
Fonte: COSTA et al. (2020). Fonte: COSTA et al. (2020).

Tipos de simuladores
utilizados em Cirurgia Geral 123
Figura 8. Simulador de média fidelidade – EndoSuture
Training Box.

Fonte: MOURA-JÚNIOR et al. (2017).

Figura 11. Simulador de média fidelidade – cirurgia de


fratura de quadril em realidade virtual. Fonte: RÖLFING
et al. (2019).

4. SIMULADORES DE ALTA FIDELIDADE

Os simuladores de alta fidelidade utilizam desen-


volvimento técnico contínuo de hardware e software,
atualizados constantemente, e fornecem experiên-
cia quase real, além de conterem recursos como res-
postas fisiológicas realistas, capacidade de se comu-
nicar e interagir com o manequim, realidade virtual
e vários outros. Eles podem fornecer aos usuários
cenários complexos e imersivos, com feedback re-
Figura 9. Simulador de média fidelidade – simulador alista (WONGSIRIMETEEKUL et al., 2018). Tais
Mentor LAP, modelo hepático, da Simbionix. simuladores podem ser utilizados para desenvolver
Fonte: GASPERIN, ZANIRATI E CAVAZZOLA (2018). múltiplas habilidades clínicas e cirúrgicas, com re-
dução de riscos, complicações e danos ao paciente
e à equipe (BIERER et al., 2019).
A inovação tecnológica oportuniza ajustes em
modelos já existentes, além de desenvolver novos
modelos, os quais possuem efeitos positivos no trei-
namento de habilidades cirúrgicas. Entretanto, para
ter sucesso na escolha do simulador, é recomen-
dado que você se direcione à sua realidade e iden-
tifique quais habilidades, conhecimentos e atitu-
des precisam ser aprimorados. Ainda, é importante
destacar que simuladores de alta fidelidade neces-
sitam de ajustes frequentes e contínuos nos har-
dwares e softwares.
No mercado, há diversos tipos de simuladores de
alta fidelidade sendo ofertados. Cada qual apresenta
especificações detalhadas dos recursos disponíveis
a serem utilizados. É possível encontrar hardware e
software que permitem o diálogo e que são capazes
Figura 10. Simulador de mpedia fidelidade – sistema de de alterar padrões na visão e nas frequências cardí-
treinamento em endoscopia (ETS). aca e respiratória, além de oportunizarem a prática
Fonte: GASPERIN, ZANIRATI E CAVAZZOLA (2018). de cuidados, como intubação, abertura de vias aé-

124 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
reas, injeção venosa de medicamentos, injeção in- Na criação de cenários reais, é preciso determi-
tramuscular, uso de bomba de infusão, práticas de nar objetivos de aprendizagem e associar materiais
auscultas cardíaca, respiratória e intestinal, desfibrila- e equipamentos reais, além de tecnologia de ma-
ção, aspiração gástrica e outras atividades. nequins realísticos ou realidade virtual. Somente
Já os simuladores em realidade virtual promo- assim, será possível criar um ambiente simulado
vem experiência imersiva, com visualização 360º do aproximando-se da prática. Vale destacar ainda
que esses simuladores são de alto custo e devem
cenário virtual. Eles permitem ao usuário desenvol-
ser mantidos em local adequado, além de manu-
ver coordenação dos olhos, habilidades motoras fi-
tenções frequentes em caso de manequins realís-
nas e familiaridade com um procedimento por meio
ticos. No caso de realidade virtual, há necessidade
do uso de ferramentas cirúrgicas que simulam um constante de atualização do sistema, além da ma-
ambiente real. Comparados com os simuladores rea- nutenção (KANEKO; LOPES, 2019). O Quadro 4
listas, eles disponibilizam inúmeras vantagens, em apresenta estudos que utilizaram esse equipamento
razão de serem configuráveis (diferentes níveis de em ambientes simulados. Na sequência, apontam-
dificuldade) e permitirem múltiplas variações anatô- -se os diversos modelos de simuladores de alta fi-
micas para simular diferentes realidades e a prática delidade que oferecem suporte para treinamentos
repetitiva de procedimentos (COSTA et al., 2020). da equipe cirúrgica.

Quadro 4. Estudos realizados com simuladores de alta fidelidade.

Tipo de simuladores/
Autor/ano Resposta de ação
tecnologia
Nia Simulador de cirurgia Habilidades de maneira objetiva no reparo
et al. (2020) de válvula mitral da válvula mitral endoscópica.
Simulador SimMan (além
de carrinho de choque,
Koers medicamentos, máscaras Treinamento interdisciplinar para ressuscitação ou
et al. (2020) de oxigênio, materiais resposta rápida, radiografias e eletrocardiogramas.
de coleta de sangue e
fluidos intravenosos)
Tierney Habilidades em diminuir as horas de ventilação dos
Simulador SimMan
et al. (2019) pacientes em cirurgia cardíaca para enfermeiros.
Volbek Simulador de realidade Melhora a habilidade dos participantes em
et al. (2019) virtual no RobotiX Mentor realizar a anastomose uretrovesical simulada.

Kun Simulador Match Habilidades em cirurgias robóticas


et al. (2019) board; Trainer (dVT) minimamente invasivas.
Treinamento a médicos de medicina interna,
medicina de emergência e programas de treinamento
Davis Manequins interativos
em anestesia para desenvolver habilidades e melhorar
et al. (2019) e de alta fidelidade
o conforto, o conhecimento e a proficiência nos
cuidados com traqueostomia e laringectomia.
Simulador de alta fidelidade
Treinamento destinado à equipe multiprofissional
Wongsirimeteekul SimMan (além de
para melhorar habilidades e agilidade nos
et al. (2018) equipamentos de anestesia
cuidados no transoperatório e pós-imediato.
geral e um desfibrilador)
Simulador de sinais vitais Habilidades intraoperatória de crise
Bierer SimMan modificado para emergências cirúrgicas torácicas com
et al. (2018) reversivelmente possibilidade de diferenciação das habilidades não
nas vias aéreas técnicas de estagiários e cirurgiões consultores.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Tipos de simuladores
utilizados em Cirurgia Geral 125
Figura 12. Modelo de simulador de alta fidelidade
adulto – SimMan.
Figura 15. Simulador de alta fidelidade para habilidades
Fonte: Costa et al. (2020).
intraoperatória em emergências cirúrgicas torácicas.
Fonte: BIERER et al., 2019.

Figura 13. Modelo de simulador de alta fidelidade


infantil.
Fonte: COSTA et al. (2020).

Figura 16. Simulador de alta fidelidade para habilidades


de reparo da válvula mitral.
Fonte: BIERER et al., 2019

Figura 14. Simulador de alta fidelidade para habilidade Figura 17. Simulador de alta fidelidade para habilidades
em cirurgia robótica-realidade virtual. em cirurgias abertas – Simulador Sim
Fonte: KUN et al. (2019). Fonte: TERZIOĞLU et al. (2016).

126 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Esses simuladores, juntamente com outros equi- pós-operatório (alteração na frequência cardíaca
pamentos e materiais, são utilizados para criar am- e respiratória, arritmias, hipotensão e hipertensão,
bientes reais de alta fidelidade em diferentes mo- hipotermia e hipertermia, insuficiência respirató-
mentos cirúrgicos. Alguns deles são adaptados ria aguda, parada cardiorrespiratória, sinais de cho-
conforme a necessidade e o objetivo proposto no que hipovolêmico e outras atividades).
ambiente simulado. Além disso, oportunizam aos Considerando que há inúmeros tipos de si-
profissionais que atuam em ambiente cirúrgico apri- mulador, o Quadro 5 apresenta exemplos de si-
morar habilidades, conhecimento e atitudes re- muladores que podem ser usados no ambiente
lacionados com: eventos hemodinâmicos trans e cirúrgico.

Quadro 5. Modelos de simuladores comercializados para serem usados em procedimento cirúrgico.

Tipo de simulador Modelo


• MIST-VR parte do LapSim • Simball Box
• Lap Mentor • ANGIO Mentor
• CAE Lap VR • SimSuite Catheterization Lab Sim
Simulador • LapSim • CAE vimedix
de realidade virtual • CAE EndoscopyVR • Mimic dV-Trainer
• GI Mentor • SurgSim
• Endosim • CyberGlove II
• Teamsim
• Sim-Ortho OSSim Tech
• Orthopedic Open Surgery Simulation
Simulador 3D
• Simulador em tempo real da hemodinâmica 3D
• Crisalix
• SimMan 3G • KGS-TFX
Simuladormanequins • SimMan ALS • Synbone
realísticos • Skills Trainers • WOAB-Matt-1

Fonte: Elaborado pelas autoras.

É importante mencionar que existem outros ti- nhecer os diferentes tipos de simulador oferta-
pos de simulador que não foram explorados neste dos por meio de jogos já existentes no mercado.
capítulo, em razão de o foco ser apresentar simu- Vale destacar que muitos desses simuladores po-
ladores de baixa, média e alta fidelidades. Ainda dem ser baixados gratuitamente em tablets, smar-
assim, serão apresentados, brevemente, os mais tphones, entre outros.
comuns, como jogos de animação, denominados Uma tendência na área de simuladores com fá-
Touch Surgery, que podem ser baixados gratuita- cil e rápida aplicabilidade e acesso são os aplicati-
mente e apresentam conteúdos de realidade au- vos para smartphones usados em aprendizado para
mentada. O jogo Surgery Squad, gratuito, oportu- estudantes da área da saúde, como:
niza ao profissional navegar por uma variedade de
cirurgias, levando o jogador a vários estágios do • Touch Surgery – – IOS ou Android: trata-se de
procedimento cirúrgico. um simulador cirúrgico com qualidade gráfica.
Outro jogo gratuito que permite praticar ci- Esse aplicativo tem sido usado por estudantes
rurgias é o Operate Now, o qual possibilita ao jo- de graduação e residentes da área da saúde. É
gador criar obstáculos no cuidado destinado ao possível simular procedimentos cirúrgicos, in-
paciente e na relação com a equipe cirúrgica. clusive em módulo treinamento, com o passo
Enfim, você terá muito que explorar para co- a passo da execução da cirurgia (UFJF, 2017).

Tipos de simuladores
utilizados em Cirurgia Geral 127
• Outros aplicativos encontrados no sistma IOS dores que podem ser utilizados pela equipe cirúr-
são: Gastro Ex, Nurses Day, Nurse book, além de gica. A proposta neste capítulo foi despertar em
aplicativos voltados ao apoio e aprendizado para você o interesse em buscar simuladores que pos-
a área de fisioterapia (testes espaciais, Seufisio, sam atender à sua demanda para aprimorar habi-
entre outros) (COSTA et al., 2020). lidades, conhecimento e atitudes.
Talvez, ainda, seja interessante olhar para sua
Dessa forma, também destacamos a tendência realidade e identificar possibilidades de criar simu-
de educação simulada por Móvel ou M-learning, ou ladores de baixa fidelidade e/ou peças (cirúrgicas)
seja, a aprendizagem que ocorre por meio de auxí- com sua equipe que possam atender a uma neces-
lio de dispositivos móveis e aprendizagem em mo- sidade específica. É comum encontrarmos estudos
vimento, tema essencial a ser discutido nos dias de que mostram esse tipo de simulador sendo montado
hoje em que o smartphone e o ambiente de simula- para atender a uma demanda única de equipe, em
ção transcendem os muros das salas de aula e dos que os profissionais precisam pôr em prática uma
laboratórios (CHAVES et al., 2018). habilidade repetidas vezes, até que se sintam segu-
ros para desenvolver essa prática. Muitas vezes, es-
ses simuladores são simples e de baixo custo. Um
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS exemplo é o simulador de baixa fidelidade apre-
sentado na Figura 1, criado com papelão, tubos de
Neste capítulo, você teve uma breve introdução PVC e outros materiais, que permitiu à equipe de-
dos diferentes tipos de simulador. A busca rápida senvolver as primeiras habilidades ou aprimorar a
na literatura possibilitou apresentar a você alguns técnica nesse simulador.
modelos que estão sendo utilizados no ambiente Nessa perspectiva, compreende-se a importân-
cirúrgico. Contudo, vale destacar que se trata ape- cia de você usar este capítulo para despertar e agu-
nas de alguns modelos. Existem vários outros, ou çar seu interesse por novas buscas de simuladores,
talvez poderíamos dizer inúmeros outros simula- os quais atendam à sua realidade situacional.

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130 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 5.4

O ensino de graduação, treino de


habilidades e uso de simulação em
enfermagem na Cirurgia Geral

131
Neide da Silva Knihs Debora Popov
Enfermeira Enfermeira
Membro da SOBECC Membro da SOBECC
Profa. Departamento de Enfermagem da Profa. Departamento de Enfermagem
Universidade Federal de Santa Catarina da Universidade Paulista

Keyla Cristine Nascimento


Enfermeira Patrícia Treviso
Membro da SOBECC Enfermeira
Profa. Departamento de Enfermagem da Membro da SOBECC
Universidade Federal de Santa Catarina Profa. Departamento de Enfermagem da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS

Ana Graziela Alvarez


Enfermeira
Membro da SOBECC
Profa. Departamento de Enfermagem da
Universidade Federal de Santa Catarina

1. INTRODUÇÃO dos propondo melhorias efetivas no processo pe-


rioperatório e na assistência prestada aos pacien-
Neste capítulo, o leitor irá se aproximar da aplica- tes. Tais mudanças estão direcionadas com maior
bilidade da metodologia ativa educacional: simu- foco para a segurança do paciente e da equipe mul-
lação realística no ensino, treino de habilidades e tiprofissional, a qualidade em todas as etapas dos
uso de cenários de simulação da enfermagem no processos assistenciais e o desenvolvimento da sis-
ambiente cirúrgico. A simulação é uma metodo- tematização do cuidado (DHAWAN et.al., 2017;
logia que aproxima a equipe de saúde em ambien- SANTO et.al., 2020).
tes projetados e controlados, propondo aprimora- O perioperatório envolve três momentos distin-
mento no ensino e melhores habilidades, além de tos: pré-operatório, transoperatório e pós-operató-
refinamento do conhecimento (RIBEIRO et.al., rio. Cada um desses momentos operatórios apre-
2018; ALVES et.al., 2019). senta cuidados específicos perante as necessidades
O ambiente cirúrgico é um local de alta comple- de saúde do indivíduo. Diante de tal realidade, a
xidade. Assim, compreende-se que tal estratégia de simulação surge como proposta de criar cenários
ensino otimiza o tempo na formação, apoia e res- quase reais de eventos perioperatórios, oportuni-
palda a equipe de saúde, em especial o enfermeiro, zando ao profissional aprofundar o conhecimento e
ao promover mudanças na prática diária (ALVES desenvolver ou aperfeiçoar as habilidades e atitudes
et.al., 2019). Nesse cenário, o enfermeiro tem sido (D’SOUZA; ARJUNAN; VENKATESAPERUMAL,
protagonista nas mudanças, por desenvolver estu- 2017).

132 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
No decorrer deste capítulo, serão apresenta- volvimento de atividades organizacionais e assis-
das as necessidades de ensino na formação do en- tenciais (DALCÓL; GARANHANI, 2016).
fermeiro para atuar no centro cirúrgico, além das O enfermeiro é o profissional capacitado a ge-
competências a serem desenvolvidas pelo futuro renciar as funções administrativas do centro ci-
enfermeiro e profissional enfermeiro durante a sua rúrgico e prestar assistência às necessidades do
formação (graduação e progressivamente durante a paciente durante o período perioperatório. A de-
residência, pós-graduação e prática), no sentido de pender do porte do centro cirúrgico, podem exis-
que o leitor possa compreender os espaços de en- tir tanto o enfermeiro assistencial quanto o enfer-
sino em que a simulação poderá ser inserida. Na se- meiro coordenador, que desempenha as funções
quência, será feita uma discussão breve dos passos gerenciais e técnico-administrativas (ASSOCIAÇÃO
a serem seguidos para o desenvolvimento da simu- BRASILEIRA DE ENFERMEIROS DE CENTRO
lação em ambientes de ensino. Ainda, serão indica- CIRÚRGICO, RECUPERAÇÃO ANESTÉSICA E
dos estudos que apresentam atividades de simula- CENTRO DE MATERIAL E ESTERILIZAÇÃO,
ção desenvolvidas por estudantes de Enfermagem, 2017; SILVA et al., 2019).
enfermeiros e equipe multiprofissional no exercí-
cio de habilidades em cenários criados à luz do am-
biente cirúrgico. 3. TEMA 2: COMPETÊNCIAS A SEREM
DESENVOLVIDAS DURANTE A FORMAÇÃO E A
ATUALIZAÇÃO DE ENFERMEIROS

2. TEMA 1: ENSINO/CONHECIMENTO A SER


DESENVOLVIDO NA GRADUAÇÃO PARA QUE Como membros da equipe cirúrgica, o futuro en-
O ENFERMEIRO POSSA ATUAR NO AMBIENTE fermeiro e o enfermeiro põem em prática conheci-
CIRÚRGICO mentos específicos na gestão do cuidado e da equipe
multiprofissional alocada em atividades diretas e in-
Conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais do diretas ao paciente e à família no ambiente cirúrgico.
curso de Graduação em Enfermagem, o enfermeiro No transcorrer do seu trabalho no centro cirúrgico e
precisa desenvolver as seguintes competências ge- nas unidades de internação cirúrgica, esse graduando
rais: atenção à saúde; tomada de decisões; comuni- e o enfermeiro desenvolvem diversas competências:
cação; liderança; administração e gerenciamento; e • Desenvolver a sistematização do cuidado em
educação permanente (BRASIL, 2001). todos os períodos do perioperatório.
Quanto às competências específicas direcionadas • Promover educação continuada destinada à
ao ambiente cirúrgico previstas nessas diretrizes, des- equipe de enfermagem, respeitando preceitos
tacam-se: ser capaz de diagnosticar e solucionar pro- legais e humanísticos referentes ao paciente, à
blemas de saúde, de comunicar-se, de tomar decisões, família e à equipe multiprofissional.
de intervir no processo de trabalho, de trabalhar em • Promover melhorias no cenário da segurança do
equipe e de enfrentar situações em constante mu- paciente, atendendo às demandas específicas do
dança; considerar a relação custo-benefício nas de- perioperatório apresentadas pelo paciente, pela
cisões dos procedimentos na saúde; conhecer e saber família e pela equipe multiprofissional.
usar adequadamente as novas tecnologias (de infor- • Conhecer os cuidados de enfermagem relati-
mação ou comunicação); reconhecer-se como coorde- vos a cada período do perioperatório, de acordo
nador do trabalho da equipe de enfermagem; assumir com os diferentes tipos de procedimentos
o compromisso ético, humanístico e social com o tra- anestésico-cirúrgicos.
balho multiprofissional em saúde; e incorporar a ciên- • Conhecer o processo anestésico-cirúrgico, pelo
cia/arte do cuidar como instrumento de interpretação menos das cirurgias mais comuns.
profissional (BRASIL, 2001; MOREDA et al., 2019). • Identificar equipamentos, materiais e instru-
Tanto estudantes quanto profissionais enfer- mentais cirúrgicos, bem como materiais de apoio
meiros necessitam desenvolver competências e ha- utilizados no centro cirúrgico e sala de recupe-
bilidades específicas para atuação em unidade de ração pós-anestésica (SRPA).
cuidados complexos como o centro cirúrgico, com • Conhecer as etapas de processamento de produ-
foco no gerenciamento dos processos de trabalho, tos para a saúde, como limpeza, desinfecção, este-
na assistência de enfermagem e, ainda, no desen- rilização e armazenamento.

O ensino de graduação, treino de habilidades


e uso de simulação em enfermagem na Cirurgia Geral 133
• Conhecer e manusear adequadamente drenos, • Priorizar os cuidados de enfermagem destina-
sondas, cateteres e curativos cirúrgicos. dos ao paciente em situações críticas, em qual-
• Conhecer os principais posicionamentos cirúr- quer momento do período perioperatório.
gicos e os riscos e cuidados relativos a cada um. • Tomar decisões de maneira rápida e efetiva
• Conhecer os riscos e cuidados relativos aos pro- para prevenir o agravamento da condição de
cedimentos que envolvem radiação, visando à saúde do paciente (DALCÓL; GARANHANI,
segurança do paciente e da equipe cirúrgica. 2016; NASCIMENTO, 2018; SANTO et al.,
2020; ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
• Realizar adequada comunicação com o paciente,
ENFERMEIROS DE CENTRO CIRÚRGICO,
a família e a equipe multiprofissional.
RECUPERAÇÃO ANESTÉSICA E CENTRO
• Realizar o gerenciamento, a supervisão e a co- DE MATERIAL E ESTERILIZAÇÃO, 2017;
ordenação do processo de trabalho e logística ASSOCIATION OF PERIOPERATIVE
do ambiente cirúrgico, e gerenciar conflitos. REGISTERED NURSES, 2019).
• Promover a relação terapêutica entre equipe de
saúde, paciente e família no sentido de desenca- Diante de tais competências a serem desenvol-
dear o processo de cuidado baseado em autono- vidas pelo graduando e pelo enfermeiro ao longo de
mia, segurança, respeito, compromisso e apoio sua formação e no desenvolvimento da prática, con-
aos envolvidos no contexto do perioperatório. sidera-se importante apresentar o percurso deles na
• Desenvolver, gerenciar e supervisionar o uso progressão do aprendizado no ambiente cirúrgico.
de novas tecnologias de cuidado no ambiente Sempre que o graduando tem contato com o cená-
cirúrgico. rio cirúrgico, surge a oportunidade de avançar em
• Identificar intercorrências e complicações suas habilidades, desenvolvendo-se como profissio-
apresentadas pelo paciente durante o período nal enfermeiro apto para atuar nessa área. Nas figu-
perioperatório. ras apresentadas a seguir, há dois exemplos de pro-
• Desenvolver o raciocínio clínico. gressão do aprendizado e da prática de habilidades.

Figura 1. Progressão de habilidades ao longo da formação do enfermeiro: sistematização do cuidado.


Fonte: Elaborada pelas autoras.

134 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Figura 2. Progressão de habilidades ao longo da formação do enfermeiro: habilidades de comunicação interpessoal.
Fonte: Elaborada pelas autoras.

Quadro 1. Habilidades avançadas diante das novas tecnologias de cuidado no ambiente cirúrgico.

Utilizar de forma adequada as tecnologias leves, leve-duras e duras na sala cirúrgica:


Desenvolver tecnologias leve, leve-duras e duras capazes de apoiar a gestão do ambiente cirúrgico, a coordenação
de sala cirúrgica, a logística dos processos e o fluxo de entrada e saída de materiais, paciente e equipe.
Criar e validar fluxos, diretrizes, guias de orientações, protocolos e procedimentos operacionais padrões (POP)
visando à segurança em todas as etapas que envolvem o perioperatório.
Utilizar de forma adequada as tecnologias de software, aplicativos e outros produtos adquiridos por meio da
internet das coisas que auxiliam de maneira efetiva a gestão dos cuidados e o gerenciamento do ambiente cirúrgico.
Coordenar e gerenciar de forma ética os dados dos pacientes por meio das tecnologias a serem utilizadas no
ambiente cirúrgico.
Coordenar e gerenciar equipamentos, materiais e instrumental a serem utilizados no ambiente cirúrgico.
Utilizar, orientar e ensinar a utilização de novas tecnologias utilizadas no ambiente cirúrgico.
Criar e validar novas tecnologias educacionais para desenvolver educação continuada para a equipe
multiprofissional.
Desenvolver fluxos e capacitações visando a maior segurança na utilização de tecnologias para a assistência
ao paciente cirúrgico. Promover a segurança tanto do paciente como da equipe multiprofissional.

Fonte: Association of Perioperative Registered Nurses (2019).

A partir da realidade apresentada, a simulação ambientes da prática desenvolvidos para fornecer


surge como oportunidade para que estudantes e en- experiências básicas e avançadas de aprendizado
fermeiros desenvolvam e aprimorem competências clínico e cirúrgico. No aprendizado dos temas do
e habilidades na área, além de reformularem as pers- ambiente cirúrgico, a simulação é uma técnica ca-
pectivas da enfermagem perioperatória por meio de paz de proporcionar maior segurança e minimizar

O ensino de graduação, treino de habilidades


e uso de simulação em enfermagem na Cirurgia Geral 135
riscos, imprudência, imperícia e negligência por propostas. Cada etapa deve ficar muito clara para
meio do preparo minucioso de ambientes contro- quem participa da simulação e também para quem
lados (RIBEIRO et.al., 2018; ALVES et.al., 2019). O conduz, organiza e desenvolve a cena. Nesse sentido,
uso dessa metodologia ativa aproxima o graduando orienta-se que o docente compreenda que, em um
e o enfermeiro de cenários quase reais, oportuni- cenário simulado em saúde, há que se reconhecer
zando treinar e aprimorar habilidades, ao mesmo a necessidade do paciente, do ambiente e do ce-
tempo que permite ao aprendiz errar com segu- nário clínico, mesmo que nesses cenários haja si-
rança e ajustar possíveis erros cometidos, propondo muladores de baixa, média ou alta fidelidade ou,
uma prática mais segura para todos os envolvidos.
ainda, pacientes representados por avatares em am-
Com base no exposto, compreendem-se as po-
tencialidades da simulação como oportunidade biente de realidade virtual (D’SOUZA; ARJUNAN;
de promover melhores práticas para a equipe ci- VENKATESAPERUMAL, 2017; KNIHS et.al., 2017).
rúrgica. Estudos apontam o uso frequente de Outra orientação importante ao docente que
simulação no perioperatório, com benefícios que estará envolvido na descrição e construção do am-
envolvem habilidades de comunicação, trabalho biente simulado é reconhecer o problema a ser abor-
em equipe, relação interpessoal, autoconfiança e dado e definir os objetivos de aprendizagem pro-
aprimoramento das técnicas cirúrgicas (RIBEIRO postos e as competências a serem desenvolvidas.
et.al., 2018; ALVES et.al., 2019). Considerando as diferentes fases de aprendizado
a serem desenvolvidas pelo graduando/futuro en-
fermeiro para que possa atuar no ambiente cirúr-
4. TEMA 3: TREINAMENTO DE HABILIDADES E USO gico conforme exemplos das figuras 1 e 2, sugere-se
DE CENÁRIOS DE SIMULAÇÃO EM ENFERMAGEM que o docente aponte com clareza claro, na escrita
NO AMBIENTE CIRÚRGICO
da estação simulada, quais competências devem ser
desenvolvidas, sempre com base na fase de aprendi-
A simulação oportuniza inovação e reformula a pers-
zado em que o aluno se encontra. Ainda, considera-
pectiva da enfermagem perioperatória. A incorpo-
-se interessante e oportuno que o docente possa,
ração dessa metodologia enfatiza a aprendizagem
ativa e oferece oportunidade para os alunos expe- em uma mesma estação simulada, dependendo da
rimentarem eventos do perioperatório, além de in- fase de aprendizado em que o aluno se encontra, in-
corporar informações didáticas e promover habi- serir a participação de outros membros que com-
lidades (ERLINGER; BARTLETT; PEREZ, 2019). põem a equipe cirúrgica. Por exemplo: quando se
A educação e o treinamento baseados em simu- desenvolvem competências diante de um paciente
lação envolvendo a equipe multiprofissional no am- com intercorrências e complicações apresentadas
biente cirúrgico fornecem uma abordagem única e no pós-operatório imediato, sugere-se que, além
eficaz para o desenvolvimento de competências e de profissionais da equipe de enfermagem, seja in-
habilidades profissionais no perioperatório (téc- serido um colega médico do serviço de anestesia.
nicas e não técnicas), como habilidade metacogni-
Outra sugestão importante na descrição da esta-
tiva, cautela, tomada de decisão, liderança e comu-
ção simulada é prever, com muito tato e cuidado, os
nicação (KALDHEIM et.al., 2019).
Considerando a importância do uso dessa fer- materiais, os equipamentos, as roupas, entre outros
ramenta de aprendizagem no ambiente cirúrgico, detalhes. Cada detalhe deve ser observado, mensu-
a seguir serão apresentadas algumas recomenda- rado e organizado para que o ambiente se aproxime
ções a serem seguidas pelos docentes e/ou profis- ao máximo da realidade da prática. Somente assim,
sionais que utilizarão essa ferramenta pedagógica o aluno poderá se sentir inserido em um ambiente
no ambiente cirúrgico. real, o qual irá aproximá-lo ao máximo da realidade
cirúrgica, em razão de os espaços cirúrgicos serem
ricos em equipamentos, instrumentais e vestimen-
4.1. RECOMENDAÇÕES E ORIENTAÇÕES PARA O tas específicas, em especial em cenários que envol-
DESENVOLVIMENTO DE CENÁRIO SIMULADO EM vem as salas cirúrgicas. É importante que todos esses
AMBIENTE CIRÚRGICO detalhes sejam pensados, além de ser feita a provi-
são de materiais necessários quando da descrição da
Para obter efetividade e atingir os objetivos propos- guia da estação simulada (KALDHEIM et.al., 2019).
tos no desenvolvimento da simulação, faz-se neces- Além disso, destaca-se, como outro ponto-chave
sário que os docentes sigam todas as recomendações para a descrição da estação simulada, o passo a passo

136 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
das atividades a serem desenvolvida por cada mem- tências a serem desenvolvidas na estação simulada,
bro da estação, além das falas principais que serão além de incentivar o aluno a olhar para a simulação
conduzidas pelos atores presentes na cena, em caso que foi realizada por ele, permitindo que o próprio
de simulação com paciente estandardizado. No caso discente possa identificar oportunidades de melho-
em que será utilizado um simulador de alta fideli- rias (KNIHS et.al., 2017; KALDHEIM et.al., 2019).
dade, cada ajuste a ser inserido no software do si- Em razão de o ambiente cirúrgico ser um es-
mulador deve estar muito bem pontuado. Apenas paço complexo, além de ser um local onde há circu-
assim o aluno poderá desenvolver as competências lação de vários profissionais, sugere-se que, ao des-
planejadas para cada estação. crever uma estação simulada, independentemente
Ainda sobre as recomendações, sugere-se que da fase de aprendizado em que o aluno se encon-
os docentes tenham muito cuidado quando do de- tre, o docente possa inserir objetivos de aprendiza-
senvolvimento do debriefing e da sessão de feed- gem direcionados à segurança do paciente. Dessa
back, haja vista que a simulação é educativa e não maneira, no debriefing o docente poderá resgatar
punitiva. A simulação traz a proposta de aprimo- essa discussão com os alunos que realizaram a es-
rar o conhecimento do aluno, propor o desenvol- tação simulada.
vimento de competências, além de incentivar o ra- Para maior compreensão do uso da simulação
ciocínio clínico e aproximar o aluno de situações no ambiente cirúrgico, o Quadro 2 apresenta alguns
quase reais da prática. Assim, o docente precisar estudos com o uso de simulações, bem como as ha-
estar apto para desenvolver o debriefing, conside- bilidades que foram desenvolvidas pelos estudan-
rando os objetivos de aprendizagem e as compe- tes no ambiente cirúrgico.

Quadro 2. Habilidades básicas e avançadas desenvolvidas pela equipe de enfermagem com o uso da simulação no
ambiente cirúrgico conforme estudos já desenvolvidos.

Habilidades básicas
• Habilidades gerais de comunicação, autoconsciência e pensamento
crítico.
Instrumentação:
• Abrir o avental e as luvas para a paramentação.
• Esfregar e secar as mãos após a antissepsia cirúrgica.
• Participar de uma contagem de compressas e materiais
perfurocortantes.
“Nursing Shortages in the OR: • Remover avental e luvas contaminados.
solutions for new models of Circulante de sala:
education” (BALL; DOYLE; • Abrir pacotes estéreis e suprimentos.
OOCUMMA, 2015) • Cumprimentar o paciente e apresentar-se a ele.
• Identificar o paciente corretamente.
• Mover o paciente para a mesa cirúrgica (com a ajuda de outros
profissionais).
• Posicionar o paciente para o procedimento.
• Remover a luva contaminada.
• Abrir outra luva esterilizada para o instrumentador.
• Participar da contagem e registrar a contagem no quadro.
• Desenvolver interações verbais e não verbais entre enfermeiros e
cirurgiões que muitas vezes ficam fora do treinamento explícito.
“Video-Supported Simulation
• Promover segurança na comunicação entre instrumentador e
for Interactions in the Operating
cirurgião.
Theatre (ViSIOT)”
• Desenvolver agilidade e efetividade da comunicação entre esses
(KORKIAKANGAS et.al., 2015)
profissionais.
• Melhorar a comunicação verbal e a não verbal.

O ensino de graduação, treino de habilidades


e uso de simulação em enfermagem na Cirurgia Geral 137
• Desenvolver a empatia e o interesse para com a condição de saúde
da paciente.
“Simulação clínica com paciente • Realizar a anamnese e o exame físico.
estandardizado no ensino da • Desenvolver orientações quanto aos cuidados de enfermagem gerais
enfermagem perioperatória” e específicos referentes ao período perioperatório de hernioplastia.
(KNIHS et.al., 2017) • Demonstrar habilidade para responder com clareza às dúvidas do
paciente.
• Praticar medidas de biossegurança.
“The effects of an empathy role- • Desenvolver empatia na sala cirúrgica por meio de jogos de papéis
playing program for operating pelos estudantes de Enfermagem.
room nursing students in Iran” • Interação e desenvolvimento de papéis na sala cirúrgica (conside-
(LARTI; ASHOURI; AARABI, 2018) rando-se a realidade vivida pelo paciente na sala cirúrgica).
• Aprimorar a comunicação e coordenação entre os membros da equipe
“Using simulation based
cirúrgica no gerenciamento das crises hemorrágicas.
education to improve team
• Desenvolver a prática do uso do protocolo de transfusão massiva en-
communication during a massive
tre a equipe.
transfusion protocol in the OR”
• Praticar papéis e responsabilidades individuais ao ativar o proto-
(VORTMAN, 2020)
colo de transfusão massiva nas crises hemorrágicas.

Habilidades avançadas
• Desenvolver a movimentação dos três braços do robô antes e de-
pois do procedimento.
“Capacitação em cirurgia robótica
• Demonstrar como ligar o sistema robótico de forma adequada.
no programa de residência em
• Demonstrar as conexões do sistema robótico.
enfermagem perioperatória”
• Desligar o equipamento corretamente após o uso.
(SOUSA; BISPO; CUNHA, 2016)
• Realizar o correto ajuste de câmera e o alinhamento do sistema.
• Colocar as capas nos braços do robô, assegurando o perfeito en-
“A importância da constante
caixe nas roldanas de encaixe da pinça.
atualização científica em
• Identificar os instrumentos básicos para cirurgia robótica.
enfermagem perioperatória
• Desenvolver o posicionamento adequado e a retirada de instru-
para a qualidade e a segurança
mentos robóticos.
da assistência: o papel das
• Identificar a localização da chave de emergência.
associações e sociedades
• Verbalizar situação de emergência (perda de energia elétrica ou falha
de especialistas”
irrecuperável).
(PEREIRA; MORIYA, 2022)
• Verbalizar ações corretas para as faltas recuperáveis.
• Identificar o número de usos das pinças.
• Verbalizar como realizar o registro para controle.
• Realizar a retirada da capa e guardar os cabos ópticos.
• Atuar e desenvolver cuidados no pós-operatório imediato.
• Identificar as intercorrências e complicações apresentadas pelo pa-
ciente na sala de recuperação pós-anestésica (SRPA).
“Metodologias ativas no ensino • Priorizar os cuidados de enfermagem destinados ao paciente na
de enfermagem perioperatória” SRPA.
(NASCIMENTO et.al., 2017) • Prestar cuidados de enfermagem para prevenir o agravamento do
caso clínico do paciente.
• Tomar decisão quanto ao acionamento da equipe multiprofissio-
nal para avaliar o paciente.
“High-fidelity mannequin simulation • Reconhecer sinais de eventos críticos no intraoperatório, de forma a
versus virtual simulation for preveni-los.
recognition of critical events • Reconhecer e gerenciar eventos críticos intraoperatórios.
by student registered nurse
anesthetists” (ERLINGER;
BARTLETT; PEREZ, 2018)

138 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Praticar gestão do cuidado seguro por meio da visita pré-operató-
“Simulação realística como estratégia
ria de enfermagem ao paciente.
facilitadora no ensino-aprendizagem
• Praticar situação de risco inerente do ambiente que permeia o pro-
para identificação dos riscos no
cesso cirúrgico no período perioperatório.
paciente cirúrgico oncológico”
• Desenvolver a prática de ações que minimizem os riscos existentes.
• Oferecer oportunidade de crescimento, liderança, gerência e de-
(PEDRADA; BRUM, 2020)
senvolvimento de habilidades técnicas relacionadas ao cuidado de
pacientes com variados níveis de complexidade.
• Praticar higienização das mãos.
“Simulação realística no ensino • Identificar corretamente o paciente.
de segurança do paciente: • Atentar aos procedimentos de verificação de sinais vitais.
relato de experiência” • Praticar contagem do gotejamento da solução endovenosa em si-
tuações de emergência.
(MAGNAGO et.al., 2020) • Desenvolver o protocolo de cirurgia segura (estudantes atentam
para a aplicação da lista de verificação de cirurgia segura e obser-
vam o uso de dispositivos intravenosos, cateteres e sondas).
• Desenvolver habilidades técnicas para a prática perioperatória e
independência na prática de enfermagem.
“The effects of an empathy role-
• Adquirir habilidades técnicas e não técnicas valiosas no ambiente
playing program for operating
cirúrgico.
room nursing students in Iran”
• Aprimorar os processos e resultados de aprendizagem dos participantes.
(LARTI; ASHOURI; AARABI, 2018)
• Competência valiosa na forma de percepção de suas reações e
em termos de priorização de tarefas, comunicação e colaboração
interprofissional.
“A qualitative study of • Desenvolver habilidades técnicas para a prática perioperatória e
perioperative nursing students’ independência na prática de enfermagem.
experiences of interprofessional • Adquirir habilidades técnicas e não técnicas para atuar no am-
simulation-based learning” biente cirúrgico.
(KALDHEIM et.al., 2020) • Aprimorar os processos e resultados de aprendizagem dos participantes.

Habilidades multiprofissionais
“Towards a safer culture: • Desenvolver práticas avançadas por meio de simuladores de alta fi-
implementing multidisciplinary delidade com a equipe cirúrgica multiprofissional (enfermeiros, ci-
simulation-based team training in rurgiões e anestesiologistas) na chegada do paciente, gerenciando
New Zealand operating theatres complicações e intercorrências.
– a framework analysis” • Desenvolver habilidades direcionadas à segurança do paciente.
(JOWSEY et.al., 2019) • Promover a discussão sobre a cultura de segurança.
• Desenvolver habilidades no trabalho em equipe multiprofissional.
“Evaluation of the effect of • Melhorar a comunicação.
multidisciplinary simulation- • Aprimorar os processos de trabalho, com o objetivo de minimi-
based team training on patients, zar as reclamações dos usuários do serviço cirúrgico e da equipe
staff and organisations: protocol multiprofissional.
for a stepped-wedge cluster-mixed • Utilizar e aprimorar atividades como a aplicação da lista de verifi-
methods study of a national, insurer- cação de cirurgia segura e a cultura de segurança.
funded initiative for surgical teams
in New Zealand public hospitals”
(WELLER et.al., 2020)

Fonte: Elaborado pelas autoras.

O ensino de graduação, treino de habilidades


e uso de simulação em enfermagem na Cirurgia Geral 139
4.2. PRINCIPAIS HABILIDADES BÁSICAS, AVANÇADAS nhecer e utilizar as diferentes tecnologias de saúde,
E MULTIPROFISSIONAIS DESENVOLVIDAS POR MEIO
inclusive novas tecnologias do contexto cirúrgico,
DAS SIMULAÇÕES: UM OLHAR PARA A SEGURANÇA
NO AMBIENTE CIRÚRGICO como a robótica; conhecer e utilizar estratégias de
comunicação efetiva e empática; atuar de forma
Considerando o cenário de cuidado complexo e o integrada à equipe multiprofissional; realizar as-
grande avanço tecnológico presente no centro cirúr- sistência de enfermagem relativa às condições do
gico, enfermeiros e estudantes de Enfermagem são paciente em cada etapa do período perioperató-
cada vez mais exigidos quanto ao desenvolvimento rio, prevenindo complicações e promovendo a sua
de habilidades específicas para atuação nessa área, recuperação; realizar o gerenciamento do setor e
as quais podem influenciar positivamente na sua do serviço de enfermagem; entre outras situações.
atuação e nas interações com as diferentes equipes, Ao compararmos o ensino simulado com o en-
proporcionado condições para o cuidado seguro e sino tradicional de aula expositiva, podemos afirmar
de qualidade do paciente cirúrgico. que a simulação é uma estratégia de ensino-apren-
Nesse cenário, o enfermeiro perioperatório re- dizagem capaz de proporcionar maior capacitação
presenta um profissional habilitado para geren- de habilidades técnicas sem submeter os pacien-
ciar as atividades relacionadas ao processo anes- tes, os alunos e os docentes aos riscos dessa etapa
tésico-cirúrgico, desenvolvendo o planejamento do aprendizado (KNIHS et al., 2017; SILVA, 2019).
e direcionando as intervenções necessárias para o Utilizar essa tecnologia de ensino é colaborar para
adequado cuidado do paciente, de modo seguro e que o enfermeiro seja sujeito da sua aprendizagem,
individualizado. participando ativamente da construção do saber. O
Desse modo, enfermeiros e estudantes de ensino vem se apropriando da simulação como uma
Enfermagem que atuam no centro cirúrgico neces- ferramenta atrativa e eficaz para subsidiar o desen-
sitam desenvolver e aperfeiçoar constantemente ha- volvimento de competências e habilidades desen-
bilidades básicas inerentes à função, especialmente volvidas pela enfermagem no cenário do ambiente
a comunicação, o pensamento crítico, a empatia, o cirúrgico (KALDHEIM et.al., 2020).
manuseio de tecnologias, a segurança do paciente, Diante desse contexto, torna-se evidente o
a identificação de intercorrências/complicações e quanto as metodologias ativas como a simulação
a educação permanente. As atividades de simula- podem contribuir para o desenvolvimento e o apri-
ção podem contribuir para isso. moramento de competências que possibilitem ao
Ainda, os desenvolvimentos de habilidades es- graduando de Enfermagem e ao enfermeiro atuar
pecíficas também são desejáveis aos enfermeiros nos cenários cirúrgicos com competência, segu-
e estudantes de Enfermagem em centro cirúrgico, rança e desenvoltura.
devido à alta complexidade do trabalho realizado
nessa área, tais como a instrumentação cirúrgica, 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
a circulação de sala de cirúrgica, a organização da
sala cirúrgica, o manuseio, a montagem e a desmon- Acerca das competências do enfermeiro no am-
tagem de equipamentos usados no setor, além de biente cirúrgico, destacam-se assistência às ne-
executar procedimentos privativos do enfermeiro, cessidades do paciente durante o período perio-
A análise das publicações evidencia contribui-
peratório, a tomada de decisões, a comunicação,
ções para a formação de enfermeiros e para a re-
o gerenciamento das funções administrativas e a
alização de melhores práticas no perioperatório
envolvendo diversas situações relativas tanto à assis- educação permanente. Essas competências aca-
tência como ao gerenciamento dos processos, como: bam por contribuir para instrumentalizar a gestão
a degermação de mãos e antebraços; a paramenta- e possibilitar uma assistência integral, humanizada
ção cirúrgica (luvas e aventais); a instrumentação e de segurança ao paciente no ambiente cirúrgico.
cirúrgica e o controle de materiais e instrumental Para assegurar o exercício dessas competências,
durante a cirurgia; abrir e manusear materiais es- o ensino e o treino de habilidades por meio da si-
terilizados; realizar o protocolo de cirurgia segura; mulação mostram-se efetivos, pois reúnem recursos
realizar o adequado posicionamento do paciente, adequados em um ambiente com baixo potencial
evitando lesões decorrentes do posicionamento; co- de risco. Isso favorece o desenvolvimento integral

140 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
de competências e habilidades, com aprendizagem fermeiro na avaliação cirúrgica de pacientes.
significativa e contínua. Ao término deste capítulo, é possível compreen-
A construção e a utilização de cenários de si- der o contexto complexo do cuidado de enferma-
mulação no ambiente cirúrgico colaboram com o gem no centro cirúrgico e como as simulações clí-
êxito no emprego da simulação como estratégia de nicas podem contribuir para o desenvolvimento de
ensino, trazendo assim maior estrutura para a inte- habilidades básicas e avançadas e sua interação com
gração de conhecimentos e habilidades para o en- a equipe multiprofissional.

ERLINGER, L. R.; BARTLETT, A.; PEREZ, A. High-


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142 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
6. CLÍNICA MÉDICA
CA P Í T U L O 6.1

O ensino de Clínica
Médica na graduação
e residência médica

144
Juliana Annete Damasceno
Médica Hematologista
Centro Universitário de Volta
Redonda (UniFOA)

René Scalet dos Santos Neto


Médico Nefrologista
Docente de Clínica Médica
Faculdades Pequeno Príncipe/PR

1. INTRODUÇÃO mia e participação ativa dos estudantes. De qualquer


forma, a compreensão desse processo de formação
A educação médica brasileira tem se modificado ao ainda é um grande desafio, pois vai além do aspecto
longo do tempo para que os médicos formados te- pedagógico e inclui também o desejo de uma for-
nham as competências necessárias para a atuação mação mais humanizada dos profissionais médicos
no sistema público de saúde, dentro de um enfoque (MACHADO; WUO; HEINZLE, 2018).
biopsicossocial. Atualmente, o perfil do egresso, de-
finido nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) 2. MUDANÇAS NA FORMAÇÃO MÉDICA
de 2014 para o curso de Medicina, é a formação
de um profissional humanista, ético e reflexivo. Em 1994, o Ministério da Saúde instituiu o Programa
Para atender a essa necessidade de formação, os Saúde da Família (PSF), promovendo mudanças na
cursos de graduação têm adotado gradativamente organização dos serviços de saúde e consolidando
adaptações curriculares e novas metodologias de o Sistema Único de Saúde (SUS). O acesso à saúde
ensino-aprendizagem. pela população implicou diretamente a formação
Os currículos centrados em disciplinas de cunho dos médicos, de modo que era preciso que esse pro-
hospitalocêntrico, focados no processo patológico, fissional tivesse, já na sua graduação, um olhar vol-
têm cedido espaço a currículos que priorizam o pro- tado para a realidade social (MACHADO; WUO;
cesso de ensino-aprendizagem com maior autono- HEINZLE, 2018).

O ensino de Clínica Médica na


graduação e residência médica 145
Nesse sentido, a necessidade de mudança no 4) Importância de interação e discussão clínica
perfil do egresso de Medicina levou a Organização com uma equipe multiprofissional e não ape-
Pan-Americana da Saúde (Opas) a se posicionar: nas com profissionais médicos;
5) Papel do médico na manutenção da saúde, na
prevenção primária e secundária e não ape-
[...] os médicos devem ser preparados nas no diagnóstico e tratamento das doenças
para promover a saúde, prevenir e estabelecidas;
tratar a doença e reabilitar o deficiente, 6) Incorporação dos conhecimentos de epidemio-
de maneira ética e amorosa, dentro da logia na prática clínica;
sua área de competência. Não se trata 7) Reconhecimento da importância dos aspectos
de um somatório de disciplinas, mas psicológicos, sociais e culturais nas doenças e
de uma formação transdisciplinar, a nos pacientes (KIRA; MARTINS, 1996).
qual lhes dará condições de agir em
equipes de caráter multidisciplinar A escolha da especialidade, que define a carreira
e multiprofissional, em estudos e profissional de um médico, tem sido objeto de es-
soluções dos problemas de saúde. tudo, chamando a atenção o fato de ser feita muito
precocemente, ainda no início do curso. O estilo de
(LAMPERT, 2009). vida, a recompensa financeira, o desejo de prestígio
social e o efeito de mentores são alguns dos fato-
res levados em consideração e que podem ter mo-
A inadequação do paradigma tradicional de dificado esse cenário suficientemente para tornar
atuação médica, desenvolvido ao longo deste século, as características psicológicas um fator menos im-
motivou a proposição de um modelo alternativo, portante na escolha de uma especialidade. Fatores
voltado mais à promoção da saúde do que à cura relacionados ao estilo de vida, tais como horas de
das doenças (TRONCON, 1999). De fato, nos últi- trabalho, tempo livre para atividades e frequência
mos anos, a tendência é que a maior parte das ações de plantões noturnos, têm sido apontados como im-
seja desenvolvida na própria comunidade e não no portantes na escolha da especialidade (DORSEY;
hospital, favorecendo uma prática médica menos JARJOURA; RUTECKI, 2003).
especializada, mais abrangente e humanizada, fo- Os egressos atuais da graduação são fundamen-
cada na pessoa e no seu meio de inserção familiar, talmente diferentes de seus professores e mento-
na prevenção das doenças e na promoção da saúde res. Eles valorizam um equilíbrio controlável en-
(TRONCON, 1999). tre vida pessoal e profissional, sacrificam salários
Partindo da definição mais generalista do médico e progressão na carreira por tempo com as famí-
a ser formado, o próximo passo é definir as habili- lias (embora a renda seja uma consideração devido
dades e competências mínimas que esse profissio- ao endividamento excessivo pelo crédito estudan-
nal deve possuir. Algumas mudanças de paradigmas til), fazem parte de casais de dupla carreira, defi-
foram sendo introduzidas na prática médica e têm nem o sucesso dentro do contexto da vida pessoal
sido, cada vez mais, incorporadas ao ensino de gra- em vez de realização profissional, caracterizam o
duação em Medicina. As mudanças são: profissionalismo de forma diferente e estão menos
interessados ​​em desenvolver relacionamentos de
1) Treinamento em ambulatório clínico e unida- longo prazo com os pacientes (PARKER et al., 2011).
des básicas de saúde, e não apenas em enferma-
rias, serviços de emergência e unidades de te-
rapia intensiva; 3. ENSINO DE SEMIOLOGIA CLÍNICA
2) Importância de avaliar judiciosamente, nas
decisões clínicas, os custos dos exames com- Para se estabelecer um programa de ensino de téc-
plementares, de internações hospitalares e de nicas de diagnóstico clínico, é fundamental anali-
tratamentos propostos; sar as estratégias que um médico usa para fazer o
3) Participação e protagonismo do paciente nas diagnóstico. Importante contribuição foi dada por
decisões que são tomadas a seu respeito; Sackett et al. (1991) ao sistematizarem definições

146 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
e descrições de quatro estratégias possíveis para o Assim, o aprimoramento das técnicas de rea-
diagnóstico clínico: lizar uma boa história clínica e um exame físico
adequado deve ser incentivado constantemente. O
1) Reconhecimento de padrões: a experiência pré- ambulatório é um bom cenário para o exercício da
via e os sentidos, principalmente a visão, mas coleta da história clínica, pois apresenta pacientes
também a audição, ou mesmo o olfato, são usa- com problemas menos complexos, permitindo que
dos para a realização do diagnóstico. o raciocínio hipotético-dedutivo possa ser exerci-
2) Árvore de decisões: constitui-se em um conjunto tado pelos alunos, desde o início de sua formação.
de decisões que devem ser tomadas, dependendo A enfermaria, por sua vez, é um local privilegiado
da resposta a uma questão anterior. Essa estraté- para o ensino de técnicas de exame físico, reconhe-
gia tem grande utilidade em algumas situações, cimento de padrões e demonstração de situações
como triagem por não médicos ou protocolos em que o referido procedimento é alterado (KIRA;
de investigação. No entanto, habitualmente, os MARTINS, 1996).
médicos não fazem o seu raciocínio clínico por Em países como o Brasil, é possível o contato
meio dela. direto do estudante com o paciente. Esse fato é de
3) História e exame físico completos: trata-se da grande valia para o aprendizado clínico, no entanto
forma tradicional de ensino de semiologia clínica. pode ser complementado com equipamentos e dis-
O aluno de Medicina, independentemente da positivos que permitam simulações realísticas, bas-
queixa do paciente, faz a história clínica e o exame tante vantajosas em muitos casos, como nos sistemas
físico de forma mais completa possível, para de- de simulação de ausculta cardíaca, em que os sons
pois levantar as hipóteses diagnósticas e propor cardíacos podem ser ouvidos várias vezes pelos es-
investigação laboratorial e conduta. tudantes, até que haja memorização de todas as suas
4) Estratégia baseada no raciocínio hipotético- características e filigranas (KIRA; MARTINS, 1996).
dedutivo: trata-se de um processo dinâmico, em
que, mesmo inconscientemente, o médico, desde
o início, está formulando hipóteses. Desde o ins- 4. O INTERNATO MÉDICO
tante em que o paciente entra na sala, o médico
está formulando hipóteses diagnósticas e ten- O internato médico é um período obrigatório de
tando confirmá-las ou excluí-las, pelo aspecto ensino-aprendizagem, com atividades eminente-
do paciente, pela sua fala e, depois, por meio da mente práticas, em que o estudante deve receber
história clínica e do exame físico. treinamento intensivo e contínuo, sob supervisão
de preceptores, docentes ou não docentes, em
A adequada execução da história clínica, instituições de saúde vinculadas ou não à escola
do exame físico e dos exames laboratoriais no médica (ZANOLLI et al., 2014).
diagnóstico (inicialmente sindrômico) e a con- Os preceptores devem ter formação e/ou
duta recebem grande destaque no ensino da clínica experiência profissional na área de conhecimento
médica. A história clínica e o exame físico adequada- e receber um programa de educação permanente,
mente realizados são capazes de levar o médico ao incluindo metodologias de ensino-aprendizagem
diagnóstico etiológico, ou próximo dele, na grande e de avaliação. Em caso de utilização de residentes
maioria dos casos (KIRA; MARTINS, 1996). no processo de ensino-aprendizagem dos internos,
É evidente que, em pacientes mais graves, com eles deverão também ser capacitados e submetidos
múltiplas comorbidades, os exames complementa- à educação permanente (ZANOLLI et al., 2014).
res tornam-se cada vez mais necessários e decisivos. A carga horária mínima do internato médico
No entanto, mesmo nessas situações, a solicitação é de 35% da carga total do curso e deve, obriga-
e a interpretação dos exames devem ser baseadas toriamente, incluir aspectos essenciais nas cinco
nos dados clínicos. Dessa forma, não seria exa- grandes áreas da medicina: clínica médica, cirur-
gero afirmar que o reconhecimento de padrões, a gia geral, pediatria, saúde coletiva e ginecologia/
história clínica e o exame físico, em conjunto, são obstetrícia; na maioria das escolas médicas, os es-
uma arma poderosa de que o médico dispõe para tudantes fazem rodízios em cada uma dessas áreas.
o diagnóstico e, muitas vezes, para o tratamento De acordo com as DCN, até 25% da carga horária
(KIRA; MARTINS, 1996). do internato pode ser realizada fora da instituição

O ensino de Clínica Médica na


graduação e residência médica 147
de origem. As DCN determinam que o internato extracurriculares, como ligas acadêmicas, plantões
médico tenha dois anos de duração, um máximo remunerados e acompanhamento de docentes fora
de 40 horas semanais e férias de 30 dias por ano da escola médica (ZANOLLI et al., 2014).
(ZANOLLI et al., 2014). É comum que, ao final de cada uma das etapas/
Apesar de ser eminentemente prático, o inter- rodízios, seja feita uma avaliação, que pode ser na
nato médico também oferece atividades teóricas forma de prova cognitiva; avaliação prática de habi-
no formato de discussão de casos clínicos, clube lidades por observação real ao final de cada etapa;
de revistas, sessões clínicas e anatomoclínicas, gru- avaliação prática de habilidades por Exame Clínico
pos de discussão, ciclos pedagógicos, Team Based Objetivo Estruturado (Objective Structured Clinical
Learning (TBL), atividades em laboratórios e bancos Examination –OSCE), entre outras ferramentas de
de sangue, atividades com os Conselhos Regionais avaliação disponíveis.
de Medicina, entre outros. A grande maioria das es- As competências essenciais a serem desenvol-
colas médicas também oferece opções de atividades vidas no internato estão resumidas no Quadro 1.

Quadro 1. Competências gerais.

Prevenir, diagnosticar, tratar e


Capacidade para realizar a reabilitar os agravos da saúde
Solicitar e interpretar exames
anamnese adequadamente física e mental nas enfermidades
complementares de acordo com as
e os exames físicos mais prevalentes e relevantes,
hipóteses diagnósticas, avaliando
geral e específico, e considerando o perfil sociodemográfico,
custo-benefício, tecnologias de
formular hipóteses epidemiológico e cultural, respeitando
saúde e evidências científicas.
diagnósticas adequadas. o princípio da integralidade nos
âmbitos regional e nacional.

Acolher o paciente Comunicar adequadamente


Manter a educação permanente.
com empatia. a má notícia

Fazer registros
Conhecer e utilizar de forma
(prontuários, receitas e Atuar de forma adequada em situações
adequada o sistema de referência
documentos) de modo de estresse no ambiente de trabalho.
e contrarreferência.
completo, ético e legível.

Orientar o paciente,
Interpretar os indicadores de Realizar prevenção primária,
seus familiares e a
saúde e dados epidemiológicos. secundária, terciária e quaternária.
equipe de saúde.

Conhecer os processos Atender pacientes com Promover e preservar a qualidade


de doação de órgãos. transtornos mentais. de vida do estudante.

Utilizar tecnologias de Conhecer os aspectos éticos Conhecer a organização do


informação e comunicação e bioéticas, adotando-os em sistema de saúde por meios de suas
na área médica. sua postura profissional. portarias e normas operacionais.

Desenvolver uma boa Conhecer os recursos físicos, Promover boa relação médico-
relação médico-paciente, humanos e tecnológicos paciente, respeitando e reconhecendo
respeitando e reconhecendo de seu local de atuação o ambiente sociocultural em que está
o ambiente sociocultural profissional, considerando a inserido em sua singularidade.
em que está inserido. inserção do serviço no SUS.

Fonte: Zanolli et al. (2014).

148 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Especificamente sobre o ensino da clínica mé- atual trata a educação permanente em saúde (EPS)
dica, espera-se que o interno desenvolva a capa- como educação ao longo da vida, por meio de res-
cidade de realizar procedimentos diagnósticos e significação do desenvolvimento pessoal e interpes-
terapêuticos de forma singular, o que inclui conhe- soal contínuo, concebendo o aprendizado no traba-
cimentos, habilidades e atitudes perante a situação lho, que vai além da dimensão técnica (TAROCO;
de emergência – capacitação em suporte básico e TSUJU; HIGA, 2017). Dessa forma, a EPS discute
avançado de vida, pacientes com doença crônica e o autoaprimoramento contínuo na busca de com-
cuidados paliativos. petência pessoal, profissional e pessoal (TAROCO;
TSUJU; HIGA, 2017).
Nas metodologias ativas, a estrutura física de
5. BUSCA DO CONHECIMENTO DE FORMA AUTÔNOMA salas de aula, laboratórios e espaços de convívio
devem atender à necessidade de integração que o
Uma das competências mais importantes a serem modelo pedagógico exige. Diante disso, fica claro
adquiridas pelo estudante de Medicina e pelo mé- que a implantação desse modelo curricular não
dico é a capacidade de buscar o conhecimento de se dá de forma abrupta e sem planejamento das
forma autônoma, sendo capaz de se atualizar con- instituições de ensino superior. Uma das principais
tinuamente e analisar, de forma crítica, a informa- características de um bom médico é a sua capaci-
ção obtida (KIRA; MARTINS, 1996). dade de atualização permanente. Formar médicos
Nos últimos anos, os currículos integrados e as com essa habilidade deve ser um dos objetivos cen-
metodologias ativas mostraram-se como alternativa trais do ensino médico, devendo as instituições de
aos currículos tradicionais, visando atender às ex- ensino desenvolverem estratégias específicas para
pectativas das políticas públicas de saúde nacionais esse fim (BERBEL, 2011).
e internacionais (GOMES; REGO, 2011). Passaram-se 20 anos desde o início da implantação
No intuito de mobilizar estudantes para a das mudanças curriculares e metodologias ativas nas
participação ativa no processo de ensino-aprendi- escolas médicas brasileiras, sendo necessário ava-
zagem, em que o professor é visto como mediador, liar os resultados destas nos profissionais formados.
os cursos de graduação passaram a adotar metodo- Gomes e Rego (2011) analisaram uma série de traba-
logias ativas. Há uma tendência, cada vez maior, de lhos científicos acerca da implantação do Problem-
diminuição das propostas curriculares disciplinares. Based Learning (PBL) nas escolas médicas brasi-
Em contrapartida, existe uma crescente implantação leiras, não demonstrando melhorias na formação
de currículos integrados com proposições de meto- clínica, nas habilidades de comunicação, no de-
dologias ativas. As metodologias ativas se baseiam sempenho e nas colocações de carreira dos médicos
em diferentes formas de desenvolvimento do pro- formados em instituições que adotam o PBL em
cesso de aprendizagem, fazendo com que os estu- comparação às metodologias de ensino convencio-
dantes participem utilizando experiências reais nais. No entanto, pode-se perceber um aumento da
ou simuladas, visando criar condições para solu- participação e dedicação destes na atenção básica
cionar os desafios advindos das atividades essen- à saúde (GOMES; REGO, 2011). Também foi notó-
ciais da prática médica em diferentes contextos ria a melhoria da relação médico-paciente, muito
(BERBEL, 2011). provavelmente decorrente da convivência precoce
São exemplos de modalidades compreendidas dos acadêmicos em ambientes de atenção primária.
nas metodologias ativas: No que se diz respeito à escolha da especialidade,
1) Estudo de caso clínico; não foi observado aumento de demanda em relação
2) Aprendizagem Baseada em Projetos; às carreiras generalistas ou de medicina da família,
3) Pesquisa científica; evidenciando que, apesar do estreitamento dos
4) Metodologia da Problematização com o Arco laços entre médico e paciente, as especialidades
de Maguerez; médicas continuam tendo a preferência dos for-
5) Aprendizagem Baseada em Problemas. mandos (COSTA et al., 2014; PEIXOTO; RIBEIRO;
AMARAL, 2011; TAROCO; TSUJU; HIGA, 2017).
O ensino na graduação em saúde, particular- No Brasil, a conclusão do curso de Medicina
mente na Medicina, vem sofrendo grandes trans- habilita o recém-graduado a exercer a profissão
formações nas últimas décadas. A concepção mais (STERN, 2006). No entanto, os recém-formados

O ensino de Clínica Médica na


graduação e residência médica 149
procuram a residência médica como continuação tadores, com enorme capacidade de acúmulo de
de sua formação (MARTINS, 2005). No ensino da informações e de regras para utilizá-las, apresen-
medicina, tanto na graduação quanto na residência, taram pior desempenho que pessoas experientes
conhecimentos e habilidades isolados não tornam (NORMAN; BROOKS, 1997).
um médico competente; no entanto, a capacidade O sucesso do raciocínio clínico depende da abor-
de usar esses atributos em situações clínicas parti- dagem do paciente como um todo, em que os co-
culares, aliada à realização profissional, à satisfação nhecimentos da medicina e as técnicas são ferra-
dos pacientes e a uma atenção de qualidade que mentas importantes que devem ser usadas dentro
seja eficiente e custo-efetiva, é fundamental para de um contexto. Esse raciocínio utiliza mecanismos
um bom desempenho do profissional (HUDDLE; analíticos e não analíticos e pode ser treinado, ensi-
HEUDEBERT, 2007). nado e aprendido (BOTTIL; REGO, 2010).
Ao observarem os preceptores docentes e não O ambiente e o modo como se dá essa formação
docentes, os residentes os identificam como modelo são de suma importância. O ganho de aprendizado
não apenas de conhecimento e habilidades, mas é muito maior com estímulos para se chegar a um
também de comportamentos e atitudes (BRANCH diagnóstico, discutindo as hipóteses, do que com
et al., 2001). Um importante passo no processo de uma simples arguição (BOTTIL; REGO, 2010). De
ensino-aprendizagem durante a residência médica é modo geral, o que se espera é que o residente, mu-
oferecer experiências variadas que permitam ao re- nido de conhecimentos e técnicas específicas, con-
cém-formado aprender a identificar sinais relevan- siga atender os diferentes pacientes que vai encon-
tes nas situações encontradas e buscar, na memória, trar e compreenda os contextos sociais em que estão
ações apropriadas para serem usadas em situações inseridos (BOTTIL; REGO, 2010).
posteriores (SIMON, 2000). Um importante fator que deve ser estimulado,
Infere-se que a escola médica não é o único lo- tanto nos alunos da graduação quanto nos médicos
cal onde é possível aprender. A educação formal não residentes, é a metacognição. Entende-se por me-
consegue mais, isoladamente, ser capaz de desenvol- tacognição a capacidade do estudante em perceber,
ver todas as habilidades, todos os conhecimentos e avaliar e controlar seu processo de aprendizagem e
todas as atitudes necessários à formação de um bom sua performance no desempenho das tarefas. Essa é
profissional (BRANSFORD; BROWN; COCKING, uma grande mudança no ensino da medicina, uma
2000). Nesse contexto, a residência médica torna- vez que leva o estudante ou médico a buscar suas
-se um espaço para aprendizado e desenvolvimento necessidades educacionais (BOTTIL; REGO, 2010).
de habilidades. De acordo com Ark, Brooks e Eva
(2006), o raciocínio clínico lança mão de dois tipos
de mecanismos não excludentes: analítico e não 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
analítico. O mecanismo analítico, dependente de
uma cognição consciente, racional e analítica, é re- O ensino superior brasileiro tem passado por gran-
presentado pelas características isoladas dos fatores des mudanças visando atender às necessidades so-
que levam à construção dos diagnósticos. O meca- ciais e às políticas públicas de saúde. Apesar de ter
nismo analítico é tradicionalmente ensinado, dando ocorrido uma evidente melhora na relação médico-
especial atenção à identificação das características paciente, atendendo aos preceitos das DCN, há
clínicas (ARK; BROOKS; EVA, 2006). Já os meca- muito para evoluir no sentido de se obter melho-
nismos não analíticos do raciocínio clínico são re- ria similar na formação e no desempenho clínico.
presentados pelas considerações diagnósticas feitas A adoção de modelos curriculares flexíveis, em que
de forma rápida e inconsciente, a partir de similari- o discente é o foco do processo ensino-aprendiza-
dades do caso atual com outros prévios (BOTTIL; gem e desenvolve suas habilidades de forma crítica
REGO, 2010). e reflexiva, parece ser um passo necessário na cons-
Para um bom raciocínio clínico, não basta de- trução de um novo perfil profissional.
corar listas de sinais e sintomas e, a partir deles, A residência médica, por sua vez, não pode ser
tentar encontrar um diagnóstico. Existem outras vista apenas como um treinamento, mas sim como
instâncias importantes que permitem identificar um meio de desenvolvimento de diversas formas de
e interpretar o conhecimento prévio. Isso foi com- conhecimento, habilidades e atitudes. Por meio do
provado por estudos em que modelos de compu- exercício da metacognição, o residente desenvolve

150 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
atributos técnicos que lhe permitem se responsabi- Por fim, há que se buscar sedimentar a discus-
lizar progressivamente pelos atos profissionais, até são de políticas voltadas ao aumento do interesse
que possa construir a sua autonomia profissional, dos graduandos pelo aprimoramento de habilida-
sem depender da ajuda de um preceptor. des na clínica médica e propor ações nesse sentido.
lho, o que podemos fazer hoje pela clínica amanhã? Afinal, quando se trata do futuro da força de traba-

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O ensino de Clínica Médica na


graduação e residência médica 151
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152 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 6.2

O estado da arte da
simulação clínica em
Clínica Médica

153
Luisa Patrícia Fogarolli de Carvalho
Médica
Mestre e Doutora
Especialista em Clínica Médica
Especialista em Doenças
Infecciosas e Parasitárias

René Scalet dos Santos Neto


Médico Nefrologista
Docente de Clínica Médica
Faculdades Pequeno Príncipe/PR

1. INTRODUÇÃO terar as respostas e reações do paciente, o que não


poderia ser realizado em pacientes reais (OGDEN
A simulação é definida como a técnica de ensino et al., 2013).
que se fundamenta em princípios do ensino base- As técnicas de simulação variam desde pergun-
ado em tarefas e se utiliza da reprodução parcial ou tas verbais “e se” em discussões baseadas em ca-
total dessas tarefas em um modelo artificial, con- sos até o uso de simuladores, pacientes simulados,
ceituado como simulador. Constitui-se em pode- manequins aprimorados por computador e treino
rosa ferramenta de treinamento de competências. de habilidades complexas avançadas (MOTOLA
Entretanto, não substitui o ensino com pacientes re- et al., 2013).
ais, sendo uma ferramenta complementar (PAZIN A simulação permite uma maior retenção do co-
FILHO; SCARPELINI, 2007). nhecimento por um tempo mais prolongado, sendo
É, portanto, uma técnica que consegue substituir uma estratégia mais agradável e prazerosa do que
ou amplificar experiências reais com o o ensino tradicional (BRANDÃO; COLLARES;
desenvolvimento de experiências guiadas que MARIN, 2014).
evocam ou replicam aspectos do mundo real de Como condições motivadoras para o uso da si-
modo totalmente interativo, permitindo a reflexão mulação no ensino, Iglesias e Pazin-Filho (2015) in-
das ações realizadas de modo seguro (GABA, 2004, dicam questões éticas e andragógicas, possibilidade
2009). Fornece representação realística de ambien- de oportunizar conteúdos críticos, treinamento real
tes clínicos complexos e permite aos educadores al- de competências e feedback real (Quadro 1). Os au-

154 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
tores descrevem ainda que, quando o foco é a ava- ações. Além disso, a contextualização do conhe-
liação, as condições motivadoras são a alta confia- cimento científico em uma estrutura clínica com-
bilidade e a alta validade (Quadro 2). plexa aprimora o entendimento científico básico
e acelera o desenvolvimento dos conhecimentos
médicos (GORDON et al., 2010).
2. EXPERIÊNCIAS EXITOSAS COM USO DA Varga et al. (2009) trazem a experiência da
SIMULAÇÃO Universidade de São Carlos (UFSCar) com a
Unidade Educacional de Simulação da Prática
Dados sobre o uso da simulação remontam ao sé- Profissional (Uesp), em que se utilizam situação-
culo XVI, quando manequins eram utilizados para -problema e estações de simulação. A Uesp tem se
ensinar obstetrícia e diminuir a mortalidade ma- mostrado útil e efetiva para avaliar o desempenho
terno-infantil (OGDEN et al., 2013). No Brasil, há e as habilidades clínicas, permitindo o controle de
dificuldade em precisar onde e quando se iniciou fatores externos, a padronização dos problemas e o
a utilização de pacientes simulados. feedback positivo. Com isso, tem sido identificado
A Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto um aumento no autoconhecimento, na confiança
(FMRP), no final dos anos 1980, utilizava mane- e no relacionamento interpessoal dos estudantes.
quins para o ensino de habilidades ligadas à tu- Flores et al. (2014) relatam a experiência
bagem traqueal, à assistência ao traumatizado e da Universidade Federal de Ciências da Saúde
à reanimação cardiorrespiratória. Na década de de Porto Alegre (UFCSPA), na disciplina de
1990, foi criado o Programa de Avaliação Terminal Nefrologia, com a utilização de casos clíni-
do Graduando, em que eram avaliado o desempe- cos interativos a partir de casos clínicos reais.
nho dos graduandos quanto a habilidades cogni- Forneciam-se aos estudantes a história clínica e
tivas, psicomotoras e de atitudes. Utilizaram-se os exames físico, laboratoriais, de imagem e ana-
manequins para as habilidades de acesso venoso, tomopatológico. Também eram disponibiliza-
recepção ao recém-nascido, exame ginecológico, dos links para textos curtos e informações adi-
assistência ao parto normal, acesso às vias aéreas cionais. Para discussão dos casos, utilizou-se o
e reanimação cardiorrespiratória. A reforma cur- Moodle. A avaliação da utilização dos casos in-
ricular de 1993 levou à criação das disciplinas de terativos foi realizada por meio da aplicação de
“Iniciação à Saúde” e de “Primeiros Socorros e um questionário aos 18 estudantes participantes,
Atendimento Pré-Hospitalar”, possibilitando o dos quais 17 responderam a ele. Entre os tópicos
emprego, no primeiro e segundo anos do curso avaliados, 76% dos estudantes concordaram que o
de Medicina, de manequins de simulação para o exercício visava ao desenvolvimento do discente
aprendizado de técnicas de acesso venoso, admi- e que o exercício levou à autonomia da aprendi-
nistração de injeções intramusculares e manuseio zagem. A bibliografia foi considerada relevante
da pessoa acidentada. Em 1995, introduziram-se por 88% dos estudantes. Não houve consenso se
os pacientes padronizados para avaliação final o exercício levou à motivação e concentração na
da disciplina de Semiologia do Departamento de resolução do problema. Entre os discentes, 41%
Clínica Médica e da prova de Habilidades Clínicas consideram essa opção regular; 47%, boa; e 12%,
do Programa de Avaliação Terminal do Graduando muito boa. A interatividade com a ferramenta
(TRONCON, 2007) foi considerada boa somente por 47% dos estu-
Outras experiências exitosas podem ser vistas dantes, o que levou a equipe a questionar a atra-
a seguir. Em 2001, o Gilbert Program in Medical tividade da ferramenta. A grande maioria (82%)
Simulation foi instituído em Harvard com o obje- não se sentiu pressionada ou obrigada a avançar
tivo de dar vida a bons casos por meio da utiliza- nas tarefas. Duas ferramentas de pacientes vir-
ção da simulação de alta fidelidade, promovendo tuais foram desenvolvidas pela UFCSPA: Sistema
o ideal flexneriano de aprendizagem experiencial Interdisciplinar de Análise de Casos Clínicos
em um ambiente seguro ao paciente. Em 2006, na (SIACC) e Simulador Inteligente para a Tomada
reforma curricular, a simulação foi incluída for- de Decisão em Cuidados de Saúde (SimDeCs).
malmente desde o início da formação. A introdu- Um estudo realizado com professores e
ção em fases iniciais foi pensada para que o estu- estudantes de um curso de Ressuscitação
dante aprendesse a traduzir o conhecimento em Cardiopulmonar avançado em um hospital do

O estado da arte da simulação


clínica em Clínica Médica 155
Rio de Janeiro, por meio da utilização de obser- 3. INSERÇÃO DE SIMULAÇÃO EM CLÍNICA MÉDICA
vação em campo, entrevista e questionários, elen-
cou quatro potencialidades do ensino baseado Com base nas experiências descritas anterior-
em simulação para a educação continuada de mente, toda a trajetória da formação médica, do
médicos: articulação entre teoria e prática, erro início do curso até os cursos de educação conti-
como oportunidade de aprendizagem, relação en- nuada, tem a possibilidade de utilizar a simulação.
tre o mundo virtual e o mundo real, e fortaleci- No estágio pré-clínico, utilizam-se, para a re-
mento do trabalho em equipe. O estudo contou alização de correlação clínica, fisiologia, concei-
com a participação de 13 estudantes, do coorde- tos patológicos e habilidades clínicas. A simulação
nador do curso e de três professores (DOURADO; nos anos pré-clínicos fornece um local padroni-
GIANNELLA, 2014). zado e eficiente para a apresentação de correla-
Um estudo recente desenvolvido por Morris e ção clínica e acelera o desenvolvimento de conhe-
Conroy (2020) avaliou os estudantes e identificou cimentos científicos. Com a simulação, é possível
falta de confiança na condução de emergências recriar com segurança respostas emocionais in-
médicas comuns. Foi então criado um novo sub- tensas. Essas respostas emocionais aumentam o
módulo para incluir a simulação de alta fidelidade aprendizado e podem acelerar a expertise em ci-
(Sim Man 3G) e práticas de manejo das emergên- ências básicas. Como exemplo, temos a observação
cias. Ao avaliarem o módulo, os estudantes relata- de que 15 minutos de simulação em choque cardio-
ram como ponto positivo a integração de conhe- gênico aumentou o entendimento do mecanismo
cimentos prévios e habilidades, bem como uma de Frank-Starling, um conceito básico de fisiolo-
abordagem prática em um ambiente seguro. gia cardiovascular. A simulação propicia ainda uma
O programa de residência médica em medicina experiência de responsabilidade pessoal pelo aten-
interna da Oregon Health & Science University re- dimento ideal ao paciente, promovendo a motiva-
alizou um intensivo de cinco dias de simulação, ção intrínseca ao estudo (GORDON et al., 2010)
em que se avaliou a realização de procedimen- Nos estágios clínicos, utilizam-se os casos
tos, como passagem de cateter venoso central, virtuais, avaliam-se as habilidades técnicas e não
paracentese, toracocentese e habilidades cogniti- cognitivas, e realiza-se o Exame Estruturado de
vas e afetivas, como manejo dos pacientes aguda- Habilidades Clínicas (Objective Structured Clinical
mente doentes e condução de conversas difíceis. Examination – OSCE). O OSCE permite a avalia-
Verificou-se que, com os exercícios simulados, os ção de habilidades de comunicação, gestão, coo-
residentes demonstraram maior confiança interna peração e entrevista.
e competência autopercebida na execução de ta- Na residência médica, a simulação tem sido
refas nos domínios cognitivo, afetivo e psicomo- utilizada para treino e avaliação de habilidades
tor (DVERSDAL et al., 2018) de comunicação, profissionalismo e competên-
cias processuais (ZIV et al., 2003; VOZENILEK
et al., 2004; OGDEN et al., 2007, 2013).

156 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 1. Condições motivadoras da utilização da simulação no ensino.

CONDIÇÕES COMENTÁRIOS
O treinamento médico pode pressupor ideais ambíguos que, apesar de
conhecidos, são muitas vezes insatisfatoriamente discutidos, como a
necessidade de treinamento em pacientes reais em oposição à obrigação
ética médica de oferecer tratamento seguro e adequado ao paciente.
Questões Desse modo, a simulação ganha espaço crescente, garantindo a
éticas segurança pessoal dos pacientes e, apesar de insuficientemente
discutida, também segurança jurídica para a instituição de ensino
em uma era de maior divulgação da ocorrência de erros médicos
e das limitações do ensino convencional, com forte pressão da
sociedade para a melhoria da educação médica e sua avaliação.

Para maximizar o aprendizado, é necessário um ambiente educacional


adequado, em que o aprendiz sinta-se confortável psicologicamente e
seguro para atuar sem se expor ao julgamento ácido ou ao ridículo.
Um cenário controlado e protegido em que o estudante encontra
Questões o apoio psicológico necessário para treinar novas habilidades,
andragógicas podendo errar sem causar danos e sem constrangimentos para
que, por meio de feedback imediato e repetição, possa desenvolver
um grau mínimo de competência e segurança para num segundo
momento realizar as mesmas tarefas na prática real.

Num currículo médico, existem habilidades e competências cruciais


que podem não ser adequadamente trabalhadas caso sejam abordadas
na prática somente pela demanda espontânea dos estágios clínicos,
Oportunizar cingindo desde habilidades menos complexas, como intubação
conteúdos críticos orotraqueal ou suporte básico de vida, até o treinamento de situações
difíceis e de comportamentos complexos interdisciplinares e
interprofissionais, como comunicação, trabalho em equipe e liderança.

Dentro da proposta moderna de ensino por competência,


Treinamento real a simulação é a tecnologia que integra as esferas
cognitiva, psicomotora e comportamental/afetiva, em
de competências
níveis mais elevados na pirâmide de Miller.

O feedback imediato maximiza a capacidade de correção de rumos que


uma avaliação precisa e deve ter.
Pode vir não somente do professor facilitador, mas,
Feedback preferencialmente, incluir autoavaliação e avaliação pelos pares,
imediato maximizando o aprendizado e a correção de comportamentos.
Desenvolve a capacidade de observação, avaliação, comunicação,
liderança e crítica. A autoavaliação e o autorredirecionamento
são ferramentas cruciais para aprender a aprender.

Fonte: Disponível em: http://revista.fmrp.usp.br/.

O estado da arte da simulação


clínica em Clínica Médica 157
Quadro 2. Condições motivadoras da utilização da simulação na avaliação.

CONDIÇÃO COMENTÁRIOS

Definida como o grau no qual os resultados avaliativos são acurados e


reprodutíveis, desde que o conteúdo seja adequadamente mostrado.
É atingida pela inerente estruturação da tarefa e
padronização dos resultados por checklist.
Alta A pequena variabilidade nos resultados, principalmente quando
confiabilidade se utilizam vários observadores com recursos de gravação
audiovisual, permite sua utilização cientificamente adequada para
classificação de resultados, como concursos médicos para residência
ou outros concursos públicos, assim como para a avaliação de
progressão em cursos de graduação ou na residência médica.
Definida como a capacidade de o teste efetivamente avaliar
aquilo a que se propõe, com alta validade preditiva de
comportamentos futuros na prática real e alta validade de face,
Alta além de aceitabilidade pelos avaliados e avaliadores.
validade O avaliado deve demonstrar efetivamente seu desempenho na realização das
tarefas propostas, integrando as esferas cognitivas, afetivas e psicomotoras
da competência, indo além de uma simples verificação de memória ou
raciocínio, posicionando-se mais realisticamente próximo da realidade.

Fonte: Disponível em: http://revista.fmrp.usp.br/.

4. FASES DO USO DA SIMULAÇÃO Quando se utilizam pacientes simulados, há uma


sequência simplificada de procedimentos para o
A simulação é composta de duas fases: preparo e treinamento deles para atuação no ensino e na ava-
aplicação (Quadro 3). liação de habilidades clínicas.
A fase de preparo é o momento em que deve ser Os procedimentos para treinamento são:
identificado e abordado o conteúdo. O conteúdo
deve ser claro, bem definido e adequado ao nível de • Explicação detalhada sobre o papel.
complexidade que se espera do estudante. Após a • Leitura do roteiro escrito.
definição do conteúdo, devem-se definir a técnica e • Discussão do roteiro e inclusão das modifica-
a estratégia de transmissão do conteúdo. A escolha ções pertinentes.
da estratégia a ser utilizada está ligada aos objeti- • Memorização do roteiro.
vos de aprendizagem, ao conteúdo prévio dos par- • Avaliação do entendimento da situação e do do-
ticipantes, aos custos e à capacitação docente ade- mínio do roteiro.
quada. A habilidade deve ser decomposta em seus • Primeira simulação com o treinador.
componentes básicos, a fim de que a competência • Correções das impropriedades.
seja internalizada e realizada posteriormente de • Segunda simulação com o treinador.
forma consciente e inconsciente. A decomposição • Ajustes adicionais.
da habilidade permite ao instrutor transmitir a ha- • Simulação com “estudante ou profissional
bilidade de modo sistematizado e identificar mais simulado”.
facilmente o erro do estudante. • Ajustes finais.
Ainda na fase de preparo, devem-se considerar
o material disponível no laboratório de simulação, A fase de aplicação é composta de: briefing (ex-
a relação custo-benefício e o número de alunos en- posição), ação e debriefing (ou feedback).
volvidos na atividade. Devem ainda ser criados che- A exposição consiste na apresentação do problema
cklists para acompanhamento das competências es- e dos passos da tarefa a ser realizada. Os comandos
peradas e posterior feedback. devem ser claros, sucintos e objetivos.

158 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
A ação é a execução da tarefa com observação tes. Um dos participantes relata o que experien-
do instrutor e dos demais participantes, com ou sem ciou. Na fase de discussão, identificam-se os pontos
gravação, permitindo que a competência desejada fortes e os pontos a serem melhorados pelo grupo.
seja observada e documentada. Caso a atividade tenha sido gravada, o vídeo pode
O feedback garante que os objetivos de apren- ser utilizado, restringindo-se a parte que mostra o
dizagem sejam alcançados e que os objetivos de ponto a ser discutido. No debriefing, o professor tem
aprendizagem decorrentes da experiência sejam uma postura de facilitador da discussão em grupo
discutidos. Quando utilizamos simulação de alta sobre os acertos e as oportunidades de melhoria.
fidelidade, chamamos de debriefing. O debriefing A principal tarefa do professor é impedir que os
permite a oportunidade de investigar o conheci- estudantes sejam desviados por imperfeições no
mento, as habilidades e as atitudes de um partici- ambiente simulado e orientá-los para o contexto
pante que levaram às ações observadas durante a clínico. A última fase da ação é sumarizar aos es-
simulação, ajudando a determinar a causa das va- tudantes as mensagens que levem ao seu aprimo-
riações entre a ação observada e a ação esperada ramento. Para os outros tipos de simulação, utiliza-
(MOTOLA et al., 2013). mos o feedback (PAZIN FILHO; ROMANO, 2007;
O debriefing deve ser planejado em como e TRONCON, 2007; GORDON et al., 2010; MOTOLA
quando será fornecido de maneira consistente com et al., 2013; BRANDÃO; COLLARES; MARIN, 2014;
o objetivo de aprendizagem e se divide em acolhi- IGLESIAS; PAZIN-FILHO, 2015).
mento, síntese, discussão e mensagens. No acolhi- Para que haja um programa de simulação, é
mento, o facilitador diminui o estresse do grupo e necessário um corpo docente treinado para de-
foca as tarefas realizadas, sempre voltado para o co- senvolver o currículo por meio dessa ferramenta.
letivo. Na síntese, faz-se a discussão a fim de buscar Além disso, são necessários espaço e equipamen-
a homogeneização do conteúdo entre os participan- tos adequados.

Quadro 3. Etapas e princípios a serem respeitados nas situações de simulação.

ETAPAS PRINCÍPIOS CONSIDERAÇÕES

As tarefas a serem executadas são decompostas em


Decomposição componentes. Componentes são pontos críticos que devem
ser cumpridos para a correta execução da atividade.
Elaboração
Os componentes devem ter uma sequência, geralmente
Ordenação
ilustrada de modo gráfico com fluxogramas.

Descrição da situação a ser avaliada e resolvida


Exposição
pelo aluno. Deve ser clara, sucinta e objetiva.
Sequência Complexidade crescente.

Aplicação Complementação da informação transmitida caracterizando


Feedback
uma reação por parte do instrutor para uma ação do aluno.

Oferecer oportunidade de repetição exaustiva das


Repetição
etapas completadas a cada nova exposição.

Fonte: Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: 40 (2): 167-70, abr./jun. 2007.

Como em toda metodologia adotada no ensino, a si- delineando os pontos fortes e fracos de sistemas e proces-
mulação pode ser utilizada como ferramenta gerencial, sos, incluindo questões de ética profissional (GABA, 2009).

O estado da arte da simulação


clínica em Clínica Médica 159
5. ANÁLISE DA UTILIZAÇÃO DA SIMULAÇÃO as implicações do erro e permitir reações que cor-
rijam desvios. A filmagem das estações é utilizada
A educação médica baseada em simulação ofe- para o feedback, incentivando a mudança de com-
rece ao estudante a oportunidade de aprender e portamento. Os erros podem ser revisados sem a
praticar novas habilidades e melhorar habilida- preocupação de responsabilidade ou culpa. A si-
des técnicas, comportamentais e sociais necessá- mulação tem propiciado o estabelecimento de uma
rias para a prática clínica, repetindo os procedi- cultura de espírito de equipe e cooperação (PAZIN
mentos até atingir o domínio necessário em um FILHO; SCARPELINI, 2007; OGDEN et al., 2007,
ambiente controlado e seguro (TRONCON, 2007; 2013; KHAN; PATTISON; SHERWOOD, 2011).
ZIV et al., 2003; OGDEN et al., 2013) A simulação é uma ferramenta útil para dimi-
Com o uso da simulação, podemos diminuir o nuir a tensão entre questões éticas e dilemas prá-
tempo de aprendizado, aumentar a confiança do ticos, uma vez que não utiliza pacientes sedados
estudante e avaliar as competências gerais espe- ou que estão morrendo. A simulação pode ainda
radas. Outras vantagens identificadas incluem fa- substituir situações raras e experimentos com ani-
cilitação da aprendizagem, da resolução de pro- mais (PAZIN FILHO; SCARPELINI, 2007; OGDEN
blemas, da autoavaliação e do pensamento crítico et al., 2013).
(ZIV et al., 2003). Possibilita ainda a prática no ní- Gaba (2009) descreve como limitação funda-
vel de complexidade desejado, em diferentes ní- mental a possibilidade de desleixo ou de hipervi-
veis de aprendizagem, quando os objetivos estão gilância quando se está realizando a simulação de
claros. Propicia a realização de intervenções vol- situações agudas. Os estudantes podem agir como
tadas para a integração de temas de diferentes se fosse um jogo ou então tomar atitudes que de-
áreas (OGDEN et al., 2007; TRONCON, 2007). pois confessam que não tomariam com o paciente
Permite a exposição consistente do estagiário a real. Podem ainda pular muito rapidamente sinais
uma variedade de apresentações clínicas e con- de possíveis problemas.
textos processuais, incluindo padrões atípicos, Como limitações para o uso da simulação,
doenças raras, incidentes críticos, quase aciden- Iglesias e Pazin-Filho (2015) indicam a dificuldade
tes e crises. Os objetivos de aprendizagem são ex- de recriar cenários variados com fidedignidade pró-
perienciados por todos os estagiários ao mesmo xima da realidade e a possibilidade de que a com-
tempo, embora as habilidades possam ser treina- petência desenvolvida em um ambiente simulado
das no tempo de cada um dos estudantes, por meio possa não ser automaticamente transferida para a
da repetição dos procedimentos, levando a ganho prática real. Além disso, a criação do centro de si-
de confiança e proficiência (OGDEN et al., 2007, mulação e a aquisição e manutenção das tecnolo-
2013; BRANDÃO; COLLARES; MARIN, 2014). O gias utilizadas ainda são caras (OGDEN et al., 2007).
Quadro 4 apresenta as vantagens do uso de pa- Um dificultador do processo de simulação é a
cientes simulados, e o Quadro 5 mostra exemplos criação de casos. Esse fato se relaciona com a com-
de sinais físicos que podem ser simulados por pa- plexidade dos simuladores, o grande número de
cientes treinados (TRONCON, 2007). estações necessárias para contemplar todo o con-
A segurança do paciente é um dos fatores que teúdo, o desconhecimento de ferramentas tecno-
mais têm impulsionado, em todo o mundo, o uso lógicas, a necessidade de desenvolvimento de um
da simulação na educação médica. As mudanças ambiente amigável e o acompanhamento do estu-
sociais e de valores culturais não permitem que dante (FLORES et al., 2014)
haja comprometimento da segurança do paciente Como dificuldades para a implementação da
em nome do treinamento. O paradigma “ver um, simulação no Brasil, Brandão, Collares e Marin
fazer um, ensinar um” tornou-se indefensável. A (2014) mencionam o custo e a dificuldade de ca-
maioria dos erros preveníveis envolve ausência de pacitação docente.
padronização de técnica, comunicação deficiente Algumas das principais desvantagens com uso
e ausência de trabalho em equipe. Na simulação, é de pacientes simulados encontram-se no Quadro
possível progredir o erro para ensinar ao estudante 6 (TRONCON, 2007).

160 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 4. Vantagens do uso de pacientes simulados.

VANTAGENS COMENTÁRIOS

Pessoas confiáveis recrutadas para atuar como pacientes simulados estão sempre
Disponibilidade
disponíveis; várias pessoas podem ser treinadas para desempenhar o mesmo papel.
Pacientes simulados bem treinados desempenham seus
Consistência
papéis com realismo, acurácia e de forma reprodutível.
O paciente simulado bem treinado desempenha o mesmo papel sempre da
Ppadronização
mesma maneira.

Multiplicação Várias pessoas podem ser treinadas para desempenhar o mesmo papel.

Pode-se apresentar a mesma situação clínica ou problema


Controle do nível de
em diferentes níveis de complexidade, de modo a se
complexidade
adequar ao estágio de aprendizado do estudante.
Pacientes simulados podem ser empregados no ensino e no treinamento
Adequação
para atuação em situações em que seria impróprio utilizar pacientes reais.

A mesma tarefa pode ser repetida inúmeras vezes pelo mesmo


Repetição de tarefa
estudante ou por outros empregando o mesmo paciente simulado.

Pacientes simulados suportam bem a repetição de tarefas, a sua execução por


Tolerabilidade
vários estudantes ou a participação em sessões prolongadas.

Pacientes simulados podem ser instruídos para colaborar no ensino, fazendo


Ensino
correções ou emitindo comentários construtivos sobre a atuação do estudante.
Pacientes simulados podem ser treinados para avaliar a
Avaliação adequação da tarefa desempenhada, seja fazendo comentários
construtivos, seja colaborando para a tomada de decisões.

Fonte: Medicina (Ribeirão Preto) 2007;40 (2): 180-91. Link de acesso: https://www.revistas.usp.br/rmrp/article/view/315.
Acesso em 18 de fevereiro de 2022.

Quadro 5. Sinais físicos que podem ser simulados por pacientes normais adequadamente treinados.

SINAIS FÍSICOS
GERAIS NEUROLÓGICOS
Ferimento Afasia
Icterícia Ataxia
Obstrução de vias aéreas Atetose
Pneumotórax Coma
Respiração anormal Confusão
Rigidez abdominal Coreia
Rigidez articular Disartria
Sibilância Hemiparesia
Sopro cardíaco Hiper-reflexia

O estado da arte da simulação


clínica em Clínica Médica 161
Sopro tireóideo Incoordenação
Taquicardia Paralisia facial
Taquipneia Rigidez de nuca
Tosse Sinal de Brudzinski
Traumatismos Sinal de Babinski
Vômitos Tremores

Fonte: Medicina (Ribeirão Preto) 2007;40 (2): 180-91.

Quadro 6. Principais desvantagens na utilização de pacientes simulados.

DESVANTAGENS COMENTÁRIOS

Alguns profissionais julgam, equivocadamente, que não é lícito utilizar pessoas


Aceitabilidade
normais simulando situações clínicas ou substituindo os pacientes reais.

Em algumas circunstâncias, o desempenho do papel é pouco acurado ou exige


Credibilidade
a atitude de suspensão do crédito.

Adequação para A maioria dos sinais físicos é impossível de ser simulada; a simulação de muitos
exame físico sinais pode se associar à artificialidade, comprometendo a credibilidade.

Custo Sempre há necessidade de remunerar o paciente simulado ou, ao menos,


financeiro ressarcir as despesas relacionada à sua participação.
Custo
Sempre elevado, pois envolve recrutamento, seleção e treinamento.
operacional

Fonte: Medicina (Ribeirão Preto) 2007;40 (2): 180-91.Link de acesso: https://www.revistas.usp.br/rmrp/article/view/315.


Acesso em 18 de fevereiro de 2022.

Podemos então inferir que a simulação, em suas dos essenciais, com o menor custo possível. É im-
diferentes modalidades, tem sido cada vez mais uti- portante lembrar que temos de ter claros os objeti-
lizada para que a segurança do paciente seja alcan- vos educacionais de cada atividade proposta. Outro
çada. As repetições dos procedimentos, o treino das fator limitante ainda é a desconfiança de professo-
habilidades de comunicação e a oferta das mes- res que sempre conviveram com o método tradicio-
mas oportunidades de aprendizagem a todos os nal. O desenvolvimento docente entra como ferra-
estudantes são algumas das vantagens da simula- menta essencial para que a utilização correta da
ção. O maior desafio é utilizar a criatividade para ferramenta de simulação apresente os benefícios
que possamos criar cenários adequados, com com- esperados. Há muito a se aprimorar, mas é um ca-
plexidade esperada para determinado período do minho sem volta.
curso, de forma a cobrir os conteúdos considera-

6. REFERÊNCIAS de medicina. Scientia Medica, v. 24, n. 2, p. 187-192.


DOURADO, A. S. S.; GIANNELLA, T. R. Ensino baseado
BRANDÃO, C.; COLLARES, C.; MARIN, H. A simulação em simulação na formação continuada de médicos:
realística como ferramenta educacional para estudantes análise das percepções de alunos e professores de

162 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
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O estado da arte da simulação


clínica em Clínica Médica 163
CA P Í T U L O 6.3

Tipos de simuladores utilizados


em Clínica Médica

164
Fernanda Berchelli Girão Miranda
Doutora em Ciências da Saúde.
Profa. Departamento de Enfermagem.
Universidade Federal de São Carlos -UFSCar

Elaine Cristina Negri


Doutora em Ciências da Saúde.
Profa. Departamento de Enfermagem.
Universidade do Oeste Paulista-Unoeste

Karyna Turra Osternack


Enfermeira
Docente do Curso de Medicina
Faculdades Pequeno Príncipe/PR

1. INTRODUÇÃO prática dos estudantes. Para Gaba (2009), o pro-


cesso educacional capaz de replicar o cenário de
Os educadores em saúde cada vez mais demonstram assistência à saúde, com o objetivo de analisar e
a preocupação em exercer uma formação e capa- refletir as ações realizadas de forma segura, é a si-
citação profissional mais autônoma e consciente. mulação realística.
É fato que, atualmente, o perfil do atendimento A simulação é um componente importante para
aos pacientes se apresenta cada vez mais complexo educação médica há décadas. Em 1960, a Resusci
devido à senilidade, às comorbidades físicas e aos Anne foi apresentada como o primeiro simulador
distúrbios mentais, entre outros acometimentos, o a ser utilizado para o treinamento de estudantes de
que caracteriza um sistema de assistência à saúde Medicina. Três anos depois, o primeiro paciente pa-
cada vez mais exigente com os futuros profissionais dronizado foi utilizado na University of Southern
médicos. Esse contexto estabelece conjuntos de ha- California para ensinar estudantes de Medicina du-
bilidades que vão além das capacidades dos estudan- rante seu estágio de neurologia (WHITWORTH;
tes iniciantes na área e ainda ensejam um desenvol- LONG; 2020).
vimento profissional contínuo (CAMPBELL, 2019). Com a evolução da tecnologia e a necessidade
Nesse contexto, devemos entender que a apren- de promover melhoria à segurança do paciente, a
dizagem representa uma mudança de comporta- simulação se expandiu e passou a incluir uma va-
mento. É nesse sentido que estratégias educacio- riedade de simuladores, como os de alta, média ou
nais são investigadas para promover a experiência baixa fidelidade, além do uso de pacientes virtuais,

Tipos de simuladores utilizados


em Clínica Médica 165
simulados ou padronizados, e todos apresentam a de diferentes tipos de lesão, inserção de tubos gás-
finalidade de reproduzir situações clínicas comuns tricos, reanimação cardiopulmonar (RCP), entuba-
na assistência ao paciente por meio de uma situa- ção orotraqueal, exame físico, entre outros.
ção fictícia, confiável e com alta percepção de fi-
delidade (CAMPBELL, 2019).
Segundo as normas de prática recomendada
da International Nursing Association of Clinical
and Simulation Learning (INACSL), a fidelidade
é descrita como a “capacidade de ver ou represen-
tar coisas como elas são para aumentar a credibi-
lidade”. Relaciona o quanto a experiência simu-
lada se aproxima da realidade, e quanto maior a
fidelidade, maior o realismo (INTERNATIONAL
NURSING ASSOCIATION OF CLINICAL AND
SIMULATION LEARNING, 2016).
Atualmente no mercado há diferentes simula-
dores para a composição das atividades simuladas, Foto 1. Trauma Moulage Kit.
como os simuladores para treino de tarefas, simu-
Fonte: Marketing da Universidade
ladores de baixa, média e alta fidelidades, simula-
do Oeste Paulista (Unoeste).
dores por softwares e realidade virtual, entre ou-
tros (LOPREIATO, 2016).
A seguir, serão apresentados os simuladores co-
mumente utilizados no ensino e na capacitação de
estudantes na clínica médica.

2. PART TASK TRAINER

Simuladores desse tipo são projetados para treinar


habilidades psicomotoras e cognitivas. Eles
podem representar uma parte do corpo humano e
incorporar um mecanismo eletrônico para ensinar e
proporcionar feedback sobre a habilidade realizada Foto 1. Simulador de baixa fidelidade
para manejo de vias aéreas.
(OLIVEIRA; PRADO; KEMPFER; 2014).
Geralmente, esses simuladores são acessíveis, Fonte: Marketing da Universidade
pois possuem baixo custo e manutenção simples do Oeste Paulista (Unoeste).
(MESKA et al., 2016). São considerados de baixa
fidelidade, têm anatomia exterior semelhante ao
corpo humano e se apresentam como corpo com- Os simuladores para ensino e treino de habili-
pleto ou parcial e com menor mobilidade nas prin- dades podem apresentar uma interlocução com os
cipais articulações (MARTINS et al. 2012). aprendizes. Por exemplo, o simulador Little Anne
QCPR da empresa Laerdal possui a função race para
Existe uma enorme gama de simuladoradores
fornecer o feedback ao facilitador e aos participan-
desse tipo para fins de treinamento clínico, os quais
tes em tempo real, por meio de aplicativos insta-
permitem técnicas como cateterismo vesical, toque lados em smartphones. Isso contribui para o apri-
retal, punção venosa periférica e central em adulto moramento da qualidade do treinamento em RCP,
e pediátrico, punção arterial, punção intramuscu- a eficiência na sala de aula e o envolvimento dos
lar, subcutânea e intradérmica, suturas, curativos estudantes.

166 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Foto 2. Simulador de baixa fidelidade Foto 2. Simulador de baixa de fidelidade para manuseio
para manejo de vias aéreas difícil. de acessos venosos de longa permanência; cateter
Fonte: Marketing da Unoeste. venoso totalmente implantado; cateter venosos
central e cateter central de inserção periférica.
Fonte: Marketing da Unoeste

(A) (B) (C)

Figura 3. Aplicativo QCPR instrutor (A), aplicativo QCPR aprendiz (B) e simulador Little Anne QCPR (C).
Fonte: Laerdal e Marketing da Unoeste.

3. SIMULADOR AVANÇADO DOS EFEITOS DA alterações musculoesqueléticas, visuais e auditi-


VELHICE (KIT) vas que ocorrem durante o envelhecimento hu-
mano. Possibilita que a pessoa vista as peças que
A população mundial está em processo de envelhe- compõem o kit e vivencie os efeitos e as dificul-
cimento, e, nesse contexto, a realidade impõe no- dades físicas comuns no envelhecimento. No con-
vos desafios e exigências para os sistemas de saúde texto das alterações musculoesqueléticas, as peças
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2015). restritoras de movimentos de joelho e cotovelo di-
Assim, os estudantes de Medicina necessitam ficultam a motivação das articulações. Além disso,
adquirir competências e habilidades, principal- permite ao usuário experimentar uma redução da
mente aprender a desenvolver uma assistência em- força muscular com pesos no pulso e no tornozelo,
pática (VANLAERE; COUCKE; GASTMANS, 2010). e uma sensação de toque reduzida ao usar as luvas.
Nesse sentido, o simulador avançado dos efeitos Uma postura curvada pode ser experimentada com
da velhice se caracteriza como uma estratégia de- a utilização do protetor dorsal (CIVIAM, 2021a).
signada a preparar os estudantes ou até mesmo os A acuidade visual é alterada pelo uso de óculos
profissionais no que concerne a essa temática e in- que promovem a perda da visão periférica e alte-
centivá-los a atender às necessidades da crescente rações na função visual. A audição é alterada com
população idosa. o uso de tampões para os ouvidos que bloqueiam a
Esse simulador é destinado a demonstrar as faixa de som de alta frequência (CIVIAM, 2021a).

Tipos de simuladores utilizados


em Clínica Médica 167
Figura 4. Simulador avançado dos efeitos da velhice (kit)

Fonte: Civiam (2021a).

4. SIMULADORES DE MÉDIA FIDELIDADE para o ensino das auscultas cardíaca, pulmonar e


abdominal normais e anormais.
Esses simuladores têm maior similitude com o corpo Por exemplo, o simulador de tronco adulto SAM
humano e contemplam sons respiratórios, mas não II pode ser utilizado no ensino/aprendizagem das
apresentam movimentos inspiratórios e expiratórios. habilidades de auscultas cardíaca, pulmonar e in-
Têm sons cardíacos e monitorização de traçado de testinal. Esse manequim de ausculta pode ser co-
eletrocardiograma (ECG) e de comunicação com sons nectado a um laptop (incluído) com software pré-
pré-gravados, como tosse, gemido de dor, vômito e -instalado, permitindo o acesso a uma variedade de
pequenos diálogos com respostas curtas. E tudo isso sons. O manequim de ausculta pode ser conectado
é possibilitado por meio de dispositivos eletrônicos a alto-falantes, de modo que um número maior de
portáteis operados por um facilitador (MARTINS et estudantes possa compartilhr o momento de apren-
al., 2012). Esses simuladores apresentam valores de dizagem. Como é leve e portátil, pode ser deslocado
mercado mais elevados quando comparados aos de com facilidade de um local para o outro.
baixa fidelidade e exigem cuidados de manutenção O manequim está disponível nos tons de pele
especializados (MARTINS et al., 2012). clara e escura, podendo ser usado com qualquer
Os simuladores de média fidelidade para o en- estetoscópio. Possui um pulso carotídeo palpável e
sino e a proficiência de habilidades no exame físico inclui sons pulmonares com a coronavirus disease
possuem sons fisiológicos e ferramentas intuitivas 2019 – Covid-19 (3B SCIENTIFIC, 2021).

Foto 3. Simulador de média fidelidade, tronco, cabeça e pescoço para treino


de ausculta cardiopulmonar e abdominal e sopros carotídeos.
Fonte: Marketing da Unoeste.

168 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
cronizados com o ECG e que os sons respiratórios
sejam sincronizados com a subida e descida do tó-
rax durante cada ciclo respiratório (ALINIER, 2011).
Dentre os simuladores de alta fidelidade dis-
poníveis no mercado, o mais conhecido, constru-
ído pela empresa Laerdel, é o SimMan.
Esse simulador é recomendado para simula-
ção de média e alta complexidades, permitindo
simulações mais próximas à realidade. É compu-
tadorizado, com anatomia realista, braços total-
mente articulados e distribuição natural do peso
(LAERDAL, 2021b).
Exibe diversas funcionalidades: vias aéreas, res-
piração espontânea com incursões da caixa torá-
Foto 4. Simulador de média fidelidade para cuidados
e supervisão de uma ampla diversidade de paciente. cica, sons pulmonares com pontos de auscultas an-
Fonte: Marketing da Unoeste. terior e posterior, sons cardíacos, pulsos palpáveis
(carotídeos, femoral, radial, dorsal do pé, tibial pos-
A Resusci Anne é um simulador de média fide- terior e braquial), acessos vasculares, via intraóssea
lidade construído e vendido pela empresa Laerdel. em ambas as pernas, recursos sonoros permitindo
Foi projetado para treinamento específico referente sons vocais pré-programados ou gravados, pupilas
(normais, contraídas e dilatadas), olhos que piscam
ao cuidado de emergência em ambientes pré-hospi-
(velocidade: lento, normal, rápido), permitindo tam-
talares e hospitalares. Esse simulador possui uma
bém manter os olhos abertos, fechados ou parcial-
anatomia realista e oferece uma variedade de recur- mente abertos (LAERDAL, 2021b).
sos de acordo com os objetivos de aprendizagem, Possui conexões de rede totalmente sem fio,
permitindo que o estudante pratique habilidades além de simular vários parâmetros de ECG, SpO2,
de manejo de vias aéreas, como intubação endo- CO2, entre outros (LAERDAL, 2021b).
traqueal, manobra de Sellick, manobras de eleva-
ção e tração da mandíbula, além de apresentar res-
piração espontânea com elevação torácica visível.
Nos recursos cardiovasculares, é possível realizar
desfibrilação e monitoramento de ECG de forma
sincronizada, ausculta da pressão arterial e moni-
toramento do pulso e de sons pulmonares e cardí-
acos. Permite a inserção de cateteres endovenosos
e aplicação de injeções intramusculares bilaterais.
Fornece o feedback da qualidade da RCP (QRCP) no
SimPad PLUS para medir e aprimorar o desempe-
nho em tempo real das compressões, das ventilações
e do tempo sem compressão (LAERDAL, 2021a).

5. SIMULADORES DE ALTA FIDELIDADE

Os simuladores de alta fidelidade são totalmente in-


terativos e operam de forma autônoma a partir de
modelos matemáticos fisiológicos definidos para
o perfil do paciente e por meio das intervenções
recebidas durante o desenvolvimento do cenário.
Trata-se de simuladores modernos que se asseme-
lham às intervenções e respondem a elas com graus
cada vez maiores de realismo. Permitem, por exem- Foto 5. Simulador alta fidelidade.
Fonte: Marketing da Unoeste.
plo, que os pulsos e batimentos cardíacos sejam sin-

Tipos de simuladores utilizados


em Clínica Médica 169
Figura 8. Simulador de alta fidelidade em uso
Fonte: Marketing da Faculdades Pequeno Príncipe (FPP).

Outro simulador de alta fidelidade muito conhe-


cido é o vendido pela empresa Civiam, o simulador
de paciente adulto CAE Apollo. Possui diversos re-
cursos, como pele realista, respiração espontânea
bilateral, olhos reativos, respostas fisiológicas au-
tomáticas e totalmente wireless. Com sons e frases
pré-programados, permite gravações feitas pelo ins-
trutor. Apresenta sons respiratórios (anterior e pos-
terior), cardíacos e intestinais. As vias aéreas supe-
riores são projetadas como as de um paciente real,
permitindo procedimentos como intubação oro-
traqueal, nasotraqueal, endotraqueal, retrógrada,
fibroscopia e endobronquial. Possibilita a monito-
rização dos sinais vitais como frequência cardíaca,
ritmo cardíaco, frequência respiratória, saturação,
pressão sanguínea bilateral por ausculta e palpação
e pontos de ECG de 12 derivações e interface com
monitor de ECG real. Tem ainda membros superio-
Figura 9. Simulador de paciente adulto CAE Apollo.
res e inferiores articulados, o que possibilita a se-
paração nas articulações do joelho e dos cotovelos Fonte: CAE (2021).
para simular amputações. Permite a inserção bila-
teral de tubo torácico com saída de fluidos, além de Os simuladores de alta fidelidade possuem vias
dois pontos de ferimento com sangramentos com aéreas múltiplas e pulmões bastante sofisticados,
capacidade de 1,5 litro de sangue. Permite a inser- permitindo a conexão em ventiladores mecânicos,
ção de cateter nasogástrico, cateterismo urinário, nas modalidades assistida e controlada, por meio
injeções intramusculares e intraósseas e acesso in- de máscara facial ou tubo endotraqueal. A incorpo-
travenoso na fossa antecubital e no dorso da mão ração de tal modelo de pulmão de alta fidelidade
(CIVIAM, 2021b). permite que o simulador seja conectado a equipa-

170 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
mentos respiratórios sofisticados, como sistemas de ram a se caracterizar como aliados às necessidades
ventilação mecânica, espirômetros, manômetros e educacionais. A realidade virtual, na qual o usuário
analisadores de gás de maneira realista e com me- está “imerso” e com possibilidade de agir e interagir,
dições realistas obtidas. Da mesma forma, os sen- oferece uma oportunidade atraente de experiências
sores eletromecânicos e eletro-ópticos permitem de aprendizagem simuladas de uma forma nova e
que eletrocardiógrafos padrão, monitores de pres- envolvente (BAILENSON et al., 2008; JOHNSON-
são arterial não invasivos e oxímetros de pulso se- GLENBERG, 2018).
jam conectados ao simulador, resultando em me- A simulação por software é controlada por um
dições realistas relatadas nas telas dos monitores computador e também pode oferecer aos partici-
pantes um ambiente de treinamento mais realista.
multiparamétricos (GOOD, 2003).
Podem ser instalados em um computador pessoal
É fato que os recursos clínicos e os aspectos de
ou institucional no qual está instalado o software
engenharia dos simuladores estão continuamente
de educação médica, o qual proporciona interação
em evolução. Como o hardware de controle do si-
e aprendizagem unilateral ou interativa (AKAIKE
mulador tem se tornado cada vez mais robusto e et al., 2012).
compacto, ele permite o desenvolvimento de si- Atualmente a empresa Civiam representa o Body
muladores portáteis que podem ser utilizados p ​​ ara Interact, um simulador virtual de paciente para edu-
treinar e avaliar o ensino e a capacitação em servi- cação clínica. Esse simulador apresenta um algo-
ços de saúde, comunidades rurais, vias públicas e ritmo fisiológico avançado, no qual cada paciente
áreas remotas, de modo a possibilitar que os bene- virtual reage imediatamente às ações dos usuários.
fícios da simulação se estendam além das paredes Com o propósito de acelerar o pensamento crítico
de um centro de simulação, fornecendo valores no e desenvolver habilidades de tomada de decisão,
campo educacional nas áreas dos domínios psico- ao mesmo tempo que se concentra na segurança
motores da aprendizagem, cognitivo (pensamento) do paciente com feedback abrangente para que os
e afetivo (sentimento) (GOOD, 2003). alunos identifiquem áreas de melhorias, o software
Esses simuladores dependem de um operador e apresenta uma extensa biblioteca de pacientes vir-
podem ser controlados de diferentes maneiras du- tuais com situações clínicas em cenários do básico
rante os cenários. Operar um simulador de paciente ao avançado. Por meio dessa ferramenta, os educa-
requer muita preparação e testagens para aprimo- dores podem utilizar metodologias avançadas de
rar os cenários e assegurar que eles funcionem sem ensino e avaliação nos âmbitos da avaliação clínica,
problemas e que os parâmetros fisiológicos mudem da comunicação, da interação, do planejamento e
de forma realista. É necessário que as ações dos es- da avaliação do estado de um paciente. Por sua vez,
os alunos tornam-se mais confiantes com foco em
tudantes sejam previstas, resultando em uma ca-
suas habilidades cognitivas, afetivas e psicomoto-
deia de eventos com diferentes caminhos, e que o
ras (CIVIAM, 2021a).
operador seja familiarizado e ágil com a interface
paciente-simulador e tenha um conhecimento su-
ficiente sobre o efeito das intervenções procedimen-
tais desenvolvidas pelos aprendizes em cena, como
os medicamentos administrados (ALINIER, 2011).

6. SIMULADORES DE REALIDADE VIRTUAL

Como a situação pandêmica alterou o contexto das


atividades formativas, seja nos ambientes univer-
sitários ou de trabalho, houve necessidades signi-
ficativas de mudanças.
Nesse contexto, os simuladores de realidade vir-
tual que compõem a simulação assistida por compu- Figura 10. Simulador virtual Body Interact.
tador ou simulação baseada em computador passa- Fonte: Civiam (2021a).

Tipos de simuladores utilizados


em Clínica Médica 171
A empresa ADInstrument possui a plataforma enterologia, urologia, ginecologia, cirurgias robó-
de aprendizado on-line Lt. Trata-se de um software ticas (AKAIKE et al., 2012).
de educação médica on-line com mais de 30 estudos Uma proposta de simulação híbrida com a re-
de casos reais de pacientes, permitindo interativi- alidade virtual é combinar o simulador de tarefas
dade, autoavaliação e aprendizagem ativa. e o ambiente virtual, aumentando a eficiência da
simulação e a possibilidade do número de parti-
cipantes, e integrar a educação baseada em com-
petências, pois permite que um estudante ou um
grupo experimentem diversos estímulos auditivos
e visuais, como é o caso dos óculos especializados
(BRANDÃO; COLLARES; MARIN, 2014; POIKELA;
POIKELA, 2012).

Figura 11. Plataforma de Aprendizagem Virtual


Fonte: ADIntruments Lt.

A literatura refere que os simuladores virtuais


possibilitam o feedback ao final dos casos clínicos e
também pelos instrutores, permitindo que os estu-
dantes voltem a treinar. Além disso, esses simulado-
res fornece a avaliação de desempenho e debriefing
após o procedimento. Essas funções de simulado-
res de realidade virtual são altamente eficazes para
avaliar e melhorar os níveis de procedimento dos
trainees (AKAIKE et al., 2012).
Esses simuladores aumentam significativamente
a vivacidade das situações de prática e são muito Foto 7. Óculos 3D Realidade Virtual
utilizados em cenários em que há a necessidade de Fonte: Marketing da Unoeste.
computação gráfica para simular uma técnica ou um
procedimento (AKAIKE et al., 2012). Para Akaike et al. (2012), esses simuladores po-
Nos últimos anos, houve uma expansão de simu- dem ser utilizados para treinar estudantes, resi-
ladores que podem mostrar imagens de ultrassom dentes, especialistas e profissionais na educação
com visualização de órgãos controlados por com- médica continuada. Também são comumente uti-
putador, ecocardiografia transtorácica ou transeso- lizados em exames de avaliação, como o Exame
fágica, ecografia, entre outras. Além disso, simula- Clínico Objetivo Estruturado (Objective Structured
dores de realidade virtual mais avançados têm sido Clinical Examination – OSCE).
usados p​​ ara treinamento em técnica invasiva ou ci- O CAE Vimedix é uma plataforma inovadora
rúrgica, como angiografia para intervenção cere- de treinamento em ultrassom que torna mais fácil
bral ou cardiovascular, broncoscopia ou endoscopia e rápido aprender ultrassom cardíaco, pulmonar e
gastrointestinal, cirurgia laparoscópica de gastro- abdominal. O Vimedix – ecocardiografia transto-

172 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
rácica e transesofágica – permite que os profissio- senta um novo módulo de aprendizado para treina-
nais de saúde adquiram as habilidades cognitivas e mento de ultrassom associado à Covid-19. Em to-
psicomotoras necessárias para realizar exames de das as opções, é possível solicitar o módulo FAST/
ultrassom. Com mais de 200 patologias e conteúdo TRAUMA, que permite o exame completo e rápido
instrucional autodirigido, o Vimedix fornece aos es- por meio da pesquisa de fluidos e de ar, especial-
tudantes exposição e prática realistas de casos que mente nas áreas do coração e dos pulmões em si-
eles podem não ver normalmente; além disso, apre- tuações de trauma.

Figura 14. Plataforma de treinamento em ultrassom CAE Vimedix.


Fonte: CAE Vimedix.

As Mesas de Anatomia 3D são simuladores de os três eixos do corpo (ROSA et al., 2019).
realidade virtual que proporcionam visualização O equipamento permite uma interface de toque,
de imagens em três dimensões de órgãos, múscu- possibilitando mover a imagem, deslocá-la, girá-
los, ossos e tecidos do corpo humano, uma vez que -la e navegar dentro dela. Possui um portal edu-
os cortes axiais são devidamente registrados e seg- cacional, em que o usuário tem acesso a imagens
mentados na dissecção tradicional. Esses simulado- de anatomia, ultrassom e radiologia até imagens
res são usados na mesa para criar imagens finais de histológicas (PORTAL DE EDUCACIÓN Y MESA
qualquer sistema ou estrutura anatômica em todos SECTRA, 2021).

Figura 15. Mesa Sectra Figura 16. Plataforma Multidisciplinar 3D Csanmek

Fonte: Portal de educación y mesa Sectra (2021). Fonte: Marketing da FPP.

Tipos de simuladores utilizados


em Clínica Médica 173
O desenvolvimento de simuladores a partir do gada, proporcionar o cenário que melhor atenda às
século XIX, principalmente nos países de Primeiro necessidades de cada momento.
Mundo, envolveu um grande impacto no ensino em A simulação como estratégia pedagógica exige
saúde (VIEIRA; CAVERNI, 2011). planejamento, capacitação profissional e conheci-
Hoje os manequins disponíveis no mercado in- mento para que os objetivos de aprendizagem pro-
corporam o que há de mais recente em tecnologia e postos sejam alcançados.
permitem uma variedade de cenários que, no am- Os processos reflexivos na simulação precisam ser
estruturados para possibilitar e tornar explícitas as
biente real, seriam raros ou de difícil participação
experiências e emoções (SUNDLER; PETTERSSON;
do acadêmico. Além disso, propiciam um ambiente
BERGLUND, 2015). Além disso, existem também
seguro e possibilitam a aplicação dos conhecimentos
barreiras organizacionais, incluindo treinamento
e das habilidades necessários para atingir o apren- do corpo docente, custos iniciais e carga contínua
dizado (TEIXEIRA et al., 2011). de recursos de equipamentos, ambientes e pessoal
Diante das inúmeras vantagens que a tecnologia (AL-GHAREEB; COOPER, 2016).
oferece ao ensino, ela isoladamente não é garantia É importante que as instituições que visam mi-
de resultado eficaz. É necessário conhecer as fun- nimizar essas barreiras individuais ou organiza-
ções de cada simulador e sua aplicabilidade, para cionais, antes de investirem em novas tecnologias,
que ele possa, com base no objetivo de aprendiza- avaliem os potenciais de capacitação, viabilidade e
gem proposto e na concepção pedagógica empre- eficácia em simulação como método educacional.

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Tipos de simuladores utilizados


em Clínica Médica 175
CA P Í T U L O 6.4

O ensino de graduação, treino de


habilidades e uso de simulação
em enfermagem na Clínica Médica

176
Fernanda Berchelli Girão
Profa. Departamento de Enfermagem
Universidade Federal de São Carlos - UFSCar

Karyna Turra Osternack


Enfermeira
Docente do Curso de Medicina
Faculdades Pequeno Príncipe/PR

1. INTRODUÇÃO É nesse contexto que os ambientes de simulação


aparecem como estratégias voltadas a estimular os
A educação clínica em enfermagem historicamente estudantes de Enfermagem a aprender, treinar, pen-
tem evoluído associada a atividades teóricas e prá- sar, agir e refletir profissionalmente (CAMPBELL,
ticas vinculadas a princípios pedagógicos, cientí- 2012) antecipando o contato direto com pacientes
ficos, coletivos, éticos e de segurança do paciente e garantindo a segurança para ambos.
(OLIVEIRA; PRADO; KEMPFER, 2014). Instituições representativas mundialmente po-
A aprendizagem e as experiências práticas ainda tencializam a simulação para a formação em saúde,
hoje representam um desafio para muitas instituições, como a Organização Pan-Americana da Saúde –
pois estão cada vez menos oportunizadas. Nos cursos Opas (2015), para a qual a simulação contribui para
de graduação em Enfermagem, as aulas práticas são a capacitação e qualificação profissional, reconhe-
experiências que geram ansiedade, medo, angústia cendo-a como forte aliada para melhorias na assis-
nos estudantes, entre outras dificuldades emocionais. tência em saúde oferecida à sociedade.
Para alguns acadêmicos, a clínica é um período desa- No contexto da formação do enfermeiro, as
fiador do curso de graduação, e fatores como inexpe- Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) em
riência, medo de cometer erros, condições de avalia- Enfermagem orientam a implementação de um
ção, insegurança na realização dos procedimentos e currículo que possibilite o desenvolvimento de com-
despreparo na execução das técnicas estão relaciona- petências e habilidades psicomotoras. No entanto,
dos a esses sentimentos (BECK; SRIVASTAVA, 1999). mostra-se necessário que o estudante disponha de

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso


de simulação em enfermagem na Clínica Médica 177
estratégias acessíveis que combinem o ato de cui- Enfermagem (PE) voltadas à investigação, como
dar, o conhecimento científico e a habilidade prática a anamnese e o exame físico, de modo a permi-
(MAKUCH; ZAGONEL, 2017; VACCARI; FARIAS; tir a comunicação interpessoal e interprofissional,
PORTO, 2020; BRASIL, 2001). o desempenho psicomotor, o pensamento e o co-
É fato que grande parte da evidência científica nhecimento clínico para a solução de problemas
sobre os resultados e impactos da simulação na for- e colaboração interdisciplinar (ROTHGEB, 2008;
mação dos enfermeiros encontra-se como produtos COUTINHO; FRIEDLANDER, 2004).
de mestrado, doutorado e pós-doutorado, e, apesar Assim, para contribuir para esse processo de
de a maioria desses estudos comprovar a eficácia aprendizagem voltado ao ensino de técnicas e pro-
da simulação, ainda há uma gama de assuntos a se- cedimentos clínicos, existe uma diversidade de re-
rem explorados na temática (BAPTISTA; PEREIRA; cursos como jogos, modelos anatômicos, manequins,
MARTINS, 2014). pacientes simulados, estudos de casos e apresen-
Entre as modalidades simuladas, está o treino tações de multimídia. As simulações que utilizam
de habilidades ou simulação de baixa fidelidade. manequins ou pacientes simulados facilitam a aqui-
Historicamente, o uso de laboratórios de habilida- sição de habilidades para os cuidados clínicos desti-
des para treinamento de técnicas sempre foi muito nados aos pacientes, propiciando a imersão dos es-
comum na enfermagem, e, desde meados da década tudantes em ambientes interativos e seguros para
de 1970, o ensino de habilidades e as oportunida- desenvolver o PE (TEIXEIRA; FELIX, 2011).
des dos estudantes se resumiam a procedimentos Reconhece-se que a simulação envolve quatro
em colegas e durante a imersão em campo clínico, pontos-chave do processo de formação profissio-
diretamente em pacientes (MARTINS et al. 2012; nal em enfermagem: 1. desenvolvimento da técnica
OLIVEIRA et al., 2018. por meio da prática de habilidades psicomotoras e
Com a evolução do ensino em saúde das últimas repetição; 2. possibilidade de assistência por en-
décadas, cada vez mais tem se discutido que a in- fermeiros experts nas áreas em que os estudantes
corporação do treino de habilidades nas atividades necessitam se capacitar, 3. práticas realizadas em
de aprendizagem clínica implica um planejamento ambientes adequados, éticos e seguros, possibili-
e uma sistematização, os quais devem sempre ser tando a incorporação de componentes emocionais
concomitante com os objetivos de aprendizagem na aprendizagem, e 4. papel ativo dos estudantes
que o docente pretende alcançar. Ressalta-se que a sobre aquisição do conhecimento e das habilida-
aprendizagem efetiva não acontece apenas pela re- des durante a análise dos casos simulados (CANT;
petição ou observação de um procedimento com um COOPER, 2010).
simulador, sendo fundamental que o estudante rea- As simulações por multimídias ou recursos de
lize uma reflexão crítica a partir do retorno do do- informática cooperam para a capacitação clínica
cente sobre o seu desempenho (VACCARI; FARIAS; do profissional em diferentes níveis de habilida-
PORTO, 2020). Nessa holística, o objetivo passa a des e competências.
ser a ressignificação da aprendizagem visando à ex- A revisão sistemática de Teixeira e Felix (2011)
celência profissional (MELO et al., 2017). mostra que o treino de habilidades mediado por simu-
De acordo com Quirós e Vargas (2014), o sucesso lação por computador foi desenvolvido em sete arti-
no centro ou laboratório de simulação clínica não gos com temas relacionados à semiologia e semiotéc-
consiste somente em ter equipamentos e modelos nica ou propedêutica. De acordo com esses autores,
de alta tecnologia, é necessário que os docentes se se os procedimentos e as técnicas não forem realiza-
capacitem em aspectos relacionados com a estra- dos corretamente, apresentarão risco para os pacien-
tégia pedagógica, que permitam executar um mo- tes. Esse tipo de simulação refere-se às ferramentas
delo de desenvolvimentos de competências e juízo de apoio ao ensino presencial de Fundamentos de
clínico em enfermagem. Enfermagem (SCHATKOSKI et al., 2007).
O laboratório de treino de habilidades é um re- Os estudantes comumente apresentam difi-
curso com estrutura para a aprendizagem, que dis- culdades na propedêutica da ausculta respirató-
põe de equipamentos e materiais simuladores para ria, com dificuldades para reconhecer os sons res-
o desenvolvimento de habilidades profissionais piratórios, identificar as áreas de ausculta e, ainda,
como a avaliação clínica do paciente. No laborató- distinguir os sons normais e os adventícios (MELO;
rio, desenvolvem-se algumas fases do Processo de DAMASCENO, 2006; TEIXEIRA; FELIX, 2011).

178 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Em 2006, Melo e Damasceno, pesquisado- Em 2011, Alavarce e Pierin construíram um re-
res do curso de graduação em Enfermagem da curso semelhante para o ensino da técnica de me-
Universidade Federal do Ceará (UFC), desenvol- dida da pressão arterial pelo método indireto com
veram um software como recurso na aprendizagem técnica auscultatória. Pesquisas têm sido realiza-
dessa prática que compreende o método da aus- das com simuladores de baixa fidelidade para capa-
culta, as finalidades do procedimento, a classifica- citação e avaliação de desempenho, como o estudo
ção dos sons e as características auscultatórias. Os experimental de Marmol et al. (2012) que compa-
recursos tridimensionais incluíram a construção rou o desempenho de graduandos de Enfermagem
de avatares e ambientes virtuais, e a conclusão do na realização do curativo do cateter venoso central
trabalho foi que a simulação da ausculta respira- semi-implantado, com o auxílio do tutor ou de um
tória, proporcionada por esse software, contribuiu
guia autoinstrucional.
para o ensino e a aprendizagem técnica em enfer-
A revisão de literatura de Hara et al. (2016) so-
magem (MELO; DAMASCENO, 2006).
bre estudos de casos clínicos em tecnologias digitais
para educação em enfermagem revelou que 52% de
seus achados referem-se ao uso da simulação vir-
tual. Assim, esse levantamento revelou o seguinte:
Alvarez e Dal Sasso (2011) desenvolveram nos estu-
dantes conhecimento sobre a avaliação dos sinais e
sintomas sobre dor do paciente clínico, Cogo et al.
(2010) promoveram o desenvolvimento para funda-
mentos em enfermagem, Tanaka et al. (2010) foca-
ram a aprendizagem de enfermagem em sinais vi-
(A)
tais do paciente, e Heinrich, Pennington e Kuiper
(2012) concentraram-se no desenvolvimento da de-
cisão clínica em enfermagem para pacientes com
cetoacidose diabética ou embolismo pulmonar.
Um recente estudo metodológico desenvolveu e
avaliou um ambiente virtual imersivo 3D utilizando
o Oculus Rift®, denominado Comunica-Enf, um jogo
que consiste no desenvolvimento da competência
comunicativa na realização de procedimentos de
enfermagem (HARA et al., 2021).
(B) Outro recurso é o Virtual Hospital Healthcare
Experience, no qual o participante, estudante ou
profissional, exerce o papel de um profissional en-
fermeiro. O participante escolhe uma área do hos-
pital e se envolve em uma história em que usa as
competências e habilidades de enfermagem para
fazer escolhas, mudando a história clínica do pa-
ciente conforme avança nas fases do game virtual.
O produto tem como autoria colaborativa funcio-
nários e alunos do Centennial College, de Toronto,
no Canadá, em parceria com a Ryerson University e
o George Brown College (VERKUYL et al., 2020).
É reconhecido como um portal que oferece a
(C)
estudantes e profissionais de saúde uma oportuni-
dade de aprendizagem experiencial para praticar
o atendimento, com total envolvimento em tomada
Figura 1. Tela do Software para Exame Físico
de decisões clínicas, ao cliente em um ambiente
Fonte: Melo e Damasceno (2006).
virtual interativo totalmente seguro (VERKUYL
et al., 2020).

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso


de simulação em enfermagem na Clínica Médica 179
DOMÍNGUEZ CANCINO, 2018; KANEKO; LOPES,
2019).
As práticas com simulações precisam ser pla-
nejadas em uma sequência de complexidade cres-
cente, conforme as exigências dos assuntos, de modo
a permitir que estudantes demonstrem competên-
cia na formação do enfermeiro (TEIXEIRA; FELIX,
2011). Isso propicia cenários de simulação ao ofe-
recer experiências cognitivas, psicomotoras e afe-
tivas, contribuindo para a transferência de conhe-
Figura 2. Posto de Enfermagem
cimento da sala de aula para os ambientes clínicos
Fonte: Centennial College (2020) e Verkuyl et al. (2020). (TUORINIEMI; SCHOTT-BAUER, 2008).
Estudos evidenciam resultados positivos no pro-
cesso de aprendizagem, ressaltando que essa estra-
O treino de habilidades colabora para a inserção tégia de ensino estimula diversas competências e
dos aprendizes nos cenários de simulação clínica, habilidades atitudinais, procedimentais e cogniti-
pois muitas vezes eles ainda apresentam despreparo vas, de modo a potencializar a autoconfiança e a sa-
ético e profissional (SILVA et al., 2012; SALVADOR tisfação (CANT; COOPER, 2017; FORONDA; LIU;
et al., 2019). O estudo de Souza et al. (2020) obje- BAUMAN, 2013; HADDELAND et al., 2018; SHIN;
tivou desenvolver o ensino e a aprendizagem das JIN-HVA; JUNG-HEE, 2015).
práticas recomendadas de prevenção de infecção A literatura descreve possibilidades de cenários si-
da corrente sanguínea associadas a cateteres ve- mulados em diversas situações clínicas. O estudo de
nosos periféricos para profissionais de enferma- revisão integrativa de Costa et al. (2018) evidencia que,
gem. Os autores utilizaram a modalidade de simu- entre as áreas de formação, o ensino clínico tem sido
lação clínica híbrida e de baixa complexidade, com destacado e enfatiza o uso de cenários em enferma-
a participação de um paciente simulado e o uso de gem fundamental (OLIVEIRA; PRADO; KEMPFER,
simulador de baixa complexidade para injeções in- 2014; SILVEIRA; ROBAZZI, 2011), enfermagem clí-
travenosas – braço (Laerdal), que possibilita a in- nica (MARTINS et al., 2012; SANTOS; LEITE; HECK,
serção de cateter periférico e a respectiva drena- 2011; MARMOL et al., 2012; ALVAREZ; DAL SASSO,
gem de sangue artificial. 2011; SALVADOR et al., 2015; PINA-JIMENEZ;
Nesse sentido, o treino simulado de habilidades AMADOR-AGUILAR, 2015) e ensino de técnicas e
para a prática e o ensino clínicos do enfermeiro é procedimentos de enfermagem (MARTINS et al., 2012;
fundamental, sendo desenvolvido por meio de ce- OLIVEIRA; PRADO; KEMPFER, 2014; MARMOL et
nários com diferentes complexidades tecnológicas al., 2012; GOES et al., 2015; SMITHBURGER et al.;
e com fidelidade ao realismo do cenário simulado, 2013; TEIXEIRA; FELIX, 2011).
em ambiente seguro, reprodutível e transferível, em No ensino de semiologia e semiotécnica, a lite-
que os participantes consolidam suas capacidades ratura evidencia que é possível desenvolver cená-
de raciocínio crítico e tomada de decisão com com- rios clínicos para habilidades técnicas, como ava-
petências técnicas, relacionais, éticas e cognitivas liação de sinais vitais, aferição de peso e estatura,
(MARTINS, 2012 GRAVETO; TABORDA, 2014). aferição da pressão arterial não invasiva, exame das
Assim, o cenário em simulação clínica (com fi- mamas, otoscopia e oftalmoscopia, além de exames
delidade ao realismo) tem se tornado fundamen- clínicos mais completos, como dos aparelhos res-
tal para a formação profissional, bem como para os piratório, cardiovascular e digestório. Esses cená-
cursos de capacitação e treinamento em enferma- rios podem associar procedimentos técnicos com
gem. Ademais, a integração da simulação na ma- a tomada de decisão clínica, como a introdução de
triz curricular inserida como uma prática no de- sonda gástrica e cateter vesical, e realização de aspi-
senvolvimento do estudante está padronizada nos ração traqueal, punção arterial ou oxigenioterapia,
critérios de boas práticas e reportada em estudos além de intervenções decisivas para a estabilidade
(INTERNATIONAL NURSING ASSOCIATION clínica do paciente. Dessa forma, o ensino torna-se
OF CLINICAL AND SIMULATION LEARNING, ético ao evitar que o paciente real seja usado para
2016; ESCUDERO; AVENDAÑO BEN-AZUL; treinamento (MELO et al., 2016).

180 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Para Santos, Leite e Heck (2010), o desenvolvi- Um estudo sobre segurança clínica do paciente
mento de cenários de simulação clínica na semio- desenvolveu cenários e constatou que os estu-
logia e semiotécnica possibilita o ensino e o uso dantes frequentemente omitem práticas comuns,
de feedback visando à avaliação formativa. Outra como lavagem das mãos e identificação do pa-
revisão integrativa observou que existe um vasto ciente, o que levou à reflexão dos facilitadores
repertório de conteúdos clínicos trabalhados por sobre a necessidade de intensificar o treino de
meio da simulação, e a maioria dos estudos agrega habilidades e cenários clínicos simulados com
o desenvolvimento de atitudes (comportamentais esses objetivos primordiais para imersão clínica
e afetivas) ao desenvolvimento de procedimentos do estudante de Enfermagem (GANTT; WEBB-
técnicos (OLIVEIRA; PRADO; KEMPFER, 2014). CORBETT, 2009).
Um tema ultimamente muito abordado, talvez A simulação clínica viabiliza a realização de es-
pelas necessidades provenientes do envelhecimento tudos clínicos no âmbito das práticas seguras, na re-
populacional, das doenças crônicas e até mesmo do alização de procedimentos diagnósticos, terapêu-
perfil hospitalocêntrico dos sistemas de saúde, é a ticos invasivos e complexos de enfermagem, bem
utilização de cenários de simulação para ensino ou como na promoção de atitudes éticas e de respon-
avaliação de competências na temática de preven- sabilidade profissional e interdisciplinar na aten-
ção, tratamento e avaliação de Lesão por Pressão ção ao paciente, à família e à comunidade (QUIRÓS;
(LPP). Moura e Caliri, (2013) utilizaram um simu- VARGAS, 2014).
lador adulto de alta complexidade operado por sof- Inúmeros conteúdos disponíveis na literatura
tware para o desenvolvimento de competência clí- comungam com a colaboração da simulação clínica
nica para enfermeiros que avaliam o risco de LPP; como uma estratégia pedagógica intimamente li-
já o estudo de Mazzo et al. (2018) descreve a elabo- gada à aprendizagem experiencial para o desenvol-
ração de construção de cenário com paciente simu- vimento de competências clínicas necessárias para
lado e moulage, para possibilitar o desenvolvimento uma prática segura. Para o ensino e a avaliação do
de competências necessárias para a prevenção e o conteúdo clínico em enfermagem, bem como nas
tratamento de LPP. Baracho, Chaves e Lucas (2020) demais áreas da educação em enfermagem, são im-
realizaram um estudo com profissionais de enfer- prescindíveis o desenvolvimento e a capacitação do
magem previamente treinados e desenvolveram ce- corpo docente e a sensibilização dos estudantes, a
nário com simuladores e feridas artificiais reutilizá- fim de garantir sua operacionalização e o sucesso
veis, para simular casos clínicos associados às LPP. dessa estratégia.

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184 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
7. EMERGÊNCIAS
CA P Í T U L O 7.1

O ensino de Emergências
na graduação e
residência médica

186
Gerson Alves Pereira Júnior
Docente de Cirurgia de Urgência e do Trauma
Universidade de São Paulo
Especialista em Medicina de
Emergência (ABRAMEDE)

Fernanda Silveira Nunes


Médica Emergencista
Mestranda do Programa de Pós-graduação
em Ensino nas Ciências da Saúde
Faculdades Pequeno Príncipe

1. INTRODUÇÃO Sobre o internato médico, as DCN de 2014


(BRASIL, 2014) definiram, no inciso 3º do artigo
O ensino de urgência e emergência na gradua- 24, que o mínimo de 30% da carga horária prevista
ção médica não foi contemplado nas Diretrizes para o internato médico da graduação em Medicina
Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de será desenvolvido na atenção básica e em serviço de
Medicina como uma grande área do internato mé- urgência e emergência do Sistema Único de Saúde
dico em 2001, tampouco houve qualquer especifi- (SUS), respeitando-se o mínimo de dois anos desse
cação sobre o tema durante o curso. Apenas no pa- internato (35% da carga horária total do curso de
rágrafo XIV do artigo 5o, descreve-se que graduação em Medicina). A carga horária dessas
atividades deverá ser eminentemente prática, e a
[...] a formação do médico tem por carga horária teórica não deverá ultrapassar 20%
objetivo dotar o profissional dos do total. Também houve a definição de carga ho-
conhecimentos requeridos para o rária máxima de 12 horas diárias e 44 horas sema-
exercício das seguintes competências nais (BRASIL, 2014).
e habilidades específicas: realizar As DCN de 2014 definem competência, para os
procedimentos clínicos e cirúrgicos fins da formação médica, como sendo a “capaci-
indispensáveis para o atendimento dade de mobilizar diferentes recursos para solu-
ambulatorial e para o atendimento inicial cionar, com pertinência e sucesso, os problemas da
das urgências e emergências em todas as prática profissional em diferentes contextos do tra-
fases do ciclo biológico (BRASIL, 2001). balho em saúde”. Eis os elementos da competência:

O ensino de Emergências na
graduação e residência médica 187
• A mobilização de capacidades cognitivas, atitu- ração, más condições de trabalho e excesso de res-
dinais e psicomotoras deve promover uma com- ponsabilidade (PEREIRA JÚNIOR, 1999).
binação de recursos que se expressa em ações Dessa forma, estabelece-se um paradoxo, pois,
perante um problema. numa área em que deveria haver os médicos mais
• As ações são traduzidas por desempenhos que experientes e bem preparados, acontece justamente
refletem os elementos da competência, as capa- o contrário!
cidades de intervenção dos valores e o padrão de Pela identificação de maior risco ético-profis-
qualidade num determinado contexto da prática. sional e jurídico, pelo excesso de carga profissio-
• Essas ações traduzem a excelência da prática nal, pela pouca valorização e pelo estresse pessoal/
médica nos cenários do SUS. profissional, os médicos mais experientes migram
para outros tipos de atividade e as vagas nessa área
Embora essa definição das DCN 2014 repre- acabam sendo preenchidas por médicos recém-for-
sente um avanço, seu cumprimento pelos cursos é mados, o que leva à alta rotatividade das escalas de
muito heterogêneo, tendo em vista a enorme falha trabalho e de plantão (PEREIRA JÚNIOR, 1999).
de regulamentação e monitoramento. Além disso, A formação limitada em urgência e emergên-
não informa nada sobre a necessidade de um eixo cia médica traumática e não traumática durante a
curricular de ensino de urgência, que deveria ser graduação e a residência médica ainda está asso-
iniciado precocemente na formação médica, evo- ciada a outros fatores que complicam sua atuação:
luindo com complexidade progressiva. 1) Falta de estruturação da central de regulação
Dessa forma, na formação do profissional de de urgência em diversas regiões do país.
saúde, particularmente dos médicos, tanto no curso 2) Excesso de demanda de atendimento por falta
de graduação quanto na residência médica, o en- de orientação da população.
sino das emergências médicas traumáticas e não 3) Inadequado acolhimento e inexistência da clas-
traumáticas não tem merecido destaque, visto que, sificação de risco para triagem dos casos.
na quase totalidade das vezes, não há programa es- 4) Falta de direitos trabalhistas.
truturado de ensino para emergências médicas na 5) Risco à segurança física.
matriz curricular das faculdades de Medicina em 6) Pouca experiência profissional para atuação em
nosso país (PEREIRA JÚNIOR et al., 2015). unidade de suporte avançado (USA) do atendi-
Tal deficiência na formação médica vai em di- mento móvel pré-hospitalar.
reção contrária às estatísticas, que mostram que 7) Escassez e má distribuição de recursos diagnós-
70% dos médicos trabalham, por um bom tempo ticos e terapêuticos nas unidades de saúde de
de sua vida profissional, principalmente nas fases atendimento pré-hospitalar fixo.
de iniciação e afirmação profissional, em plantões 8) Sobreposição concomitante e acúmulo de fun-
de pronto atendimento, estando na linha de frente ção do médico emergencista de pronto-socorro
do atendimento às emergências sem o devido pre- e de supervisão de pacientes de enfermarias.
paro técnico e emocional.
A maioria dos médicos recém-formados terão Tudo isso deixa o médico inexperiente bastante
como uma das principais oportunidades de emprego exposto a todo risco de problemas de ordem pes-
o trabalho em regime de plantões em unidades de soal, ético-profissional e jurídica. Por sua vez, a po-
pronto atendimento (UPA) ou de pronto-socorro, pulação fica exposta ao atendimento nas situações
além das unidades básicas de saúde (UBS) na aten- de urgência e emergência de um profissional mal
ção primária e na Estratégia Saúde da Família (ESF). preparado tanto no âmbito individual quanto para
Em todos esses cenários de atuação profissional, de- o trabalho em equipe multiprofissional de saúde, o
verão atender pacientes em situações de urgência que compromete completamente a segurança dos
e emergência. Como mostrado na pesquisa “Perfil pacientes (PEREIRA JÚNIOR, 1999).
dos médicos no Brasil”, coordenada pela Fundação As tentativas de discussão e aproximação inter-
Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelo Conselho Federal de profissional, tanto do aparelho formador quanto da
Medicina (CFM), esses profissionais estão expos- assistência, foram sempre infrutíferas, pois os de-
tos ao desgaste por excesso de trabalho, jornada de mais cursos da área da saúde e as associações de
trabalho prolongada, multiemprego, baixa remune- categoriais profissionais mal sabiam reconhecer
os problemas multiprofissionais da inserção de sua

188 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
área nas situações de urgência. Para tentar melho- de Segurança do Paciente (PNSP) contemplam as
rar essa situação e aumentar a possibilidade de in- demais políticas de saúde e objetivam contribuir
tegração na educação e no trabalho interprofissio- para a qualificação do cuidado nas RAS. Estabelece
nal nas urgências, a Rede Brasileira de Cooperação ainda que no Brasil, assim como em todo o mundo,
em Emergências (RBCE) contribuiu com a publi- há um aumento do número de casos de urgência e
cação da Resolução no 569, de 8 de dezembro de emergência que demandam atenção dos hospitais e
2017 (BRASIL, 2017), que inclui o Parecer Técnico serviços de saúde em geral, o que ocorre em virtude
no 300/2017, em que foram definidos os 12 princí- do maior número e da maior longevidade da popu-
pios gerais para as DCN dos cursos de graduação lação, da maior sobrevida de pacientes com diver-
da área da saúde: sas doenças crônicas e do expressivo quantitativo
1) Defesa da vida e defesa do SUS como preceitos de acidentes e casos de violência civil. Esse quadro
orientadores do perfil dos egressos da área da tem demandado adequações na formação e no de-
saúde. senvolvimento dos trabalhadores da área da saúde,
2) Atendimento às necessidades sociais em saúde. que devem contemplar: a assistência direta aos pa-
3) Integração ensino-serviço-gestão-comunidade. cientes nas situações de urgência e emergência; o co-
4) Integralidade e as redes de atenção à saúde (RAS). nhecimento e a discussão das políticas públicas de
5) Trabalho interprofissional. saúde; e a prevenção e a reabilitação dos agravos,
6)  Projetos pedagógicos de cursos e componentes estimulando atividades que enfoquem a promoção
curriculares coerentes com as necessidades so- da saúde no sentido de evitar a agudização de doen-
ciais em saúde. ças crônicas e prevenir os diversos tipos de condi-
7) Utilização de metodologias de ensino que promo- ções clínicas agudas e traumas, temas prioritários de
vam a aprendizagem colaborativa e significativa. saúde pública em todo o território nacional. Nesse
8) Valorização da docência na graduação, do pro- sentido, é importante que as DCN definam as compe-
fissional da rede de serviços e do protagonismo tências requeridas na área de urgência e emergência,
estudantil. em consonância com a Política Nacional de Atenção
9)  Educação e comunicação em saúde. às Urgências (BRASIL, 2017).
10) Avaliação com caráter processual e formativo. Todos os dias, em qualquer tipo de mídia, televi-
11)  Pesquisas e tecnologias diversificadas em saúde. siva, rádio, jornais, internet, temos muitas notícias
12) Formação presencial e carga horária mínima de vários problemas relacionados ao caótico aten-
para cursos de graduação da área da saúde. dimento de urgência em todo o país, geralmente de
modo sensacionalista, continuado e sem a cobrança
O princípio geral 1 (“Defesa da vida e defesa efetiva das soluções necessárias às diversas e com-
do SUS como preceitos orientadores do perfil dos plexas dimensões do problema.
egressos da área da saúde”) estabelece que as ins- Conforme a síntese de evidências produzida
tituições de ensino, orientadas pelas DCN, devem pela RBCE (DE NEGRI FILHO et al., 2018), a con-
incorporar o arcabouço teórico do SUS nos proje- gestão ou saturação dos serviços hospitalares de
tos pedagógicos de seus cursos, objetivando a for- urgência (SHU) e, mais além, sua superlotação re-
mação de profissionais comprometidos com a de- fletem essencialmente a insuficiência quantitativa
mocracia e com o direito fundamental à saúde, que de serviços, notadamente leitos de internação efe-
compreendam os princípios, as diretrizes e as po- tivos, e uma gestão insuficiente dos processos assis-
líticas do sistema de saúde. O que se busca é a va- tenciais. Esse problema é observado internacional-
lorização da vida por meio de abordagens dos pro- mente e, no sistema de saúde brasileiro, afeta todos
blemas de saúde recorrentes na atenção básica, na os estados da Federação de forma sistêmica e ro-
urgência e na emergência, na promoção da saúde e tineira, tanto os serviços do SUS como muitos da
na prevenção de riscos e doenças, visando à melho- saúde suplementar (DE NEGRI FILHO et al., 2018).
ria dos indicadores de qualidade de vida, de morbi- Os serviços congestionados e superlotados apre-
dade e de mortalidade (BRASIL, 2017). sentam demora para avaliação inicial dos pacien-
O princípio geral (“Projetos pedagógicos de cur- tes agudos, para o diagnóstico, para a instituição
sos e componentes curriculares coerentes com as das terapêuticas e para a alta desse serviço, resul-
necessidades sociais em saúde”) estabelece que as tando em efeitos negativos para os pacientes que
ações previstas no âmbito do Programa Nacional ficam maior tempo nos SHU e nas UPA e que assim

O ensino de Emergências na
graduação e residência médica 189
sofrem mais complicações, comorbidades e morta- A saúde brasileira nas últimas décadas passou
lidade, bem como em efeitos negativos para o sis- por transformações políticas, econômicas, demo-
tema de saúde, pois o agravamento da condição dos gráficas e sociais, tais como o crescimento econô-
pacientes, além de comprometer o uso racional dos mico, a instabilidade econômica, a perda de convê-
recursos, provoca maior permanência nas interna- nio médico, a urbanização, a redução de fertilidade,
ções, o que leva a uma ainda maior saturação do sis- a elevação da expectativa de vida, o aumento de pes-
tema de saúde e compromete sua sustentabilidade soas com doenças crônicas, a pobreza e o desem-
(SPRIVULIS et al., 2006). prego, a crescente mão de obra itinerante e o cres-
No atual cenário de expansão das escolas mé- cimento populacional de grandes centros. Esses e
dicas brasileiras com significativo aumento do nú- outros fatores repercutem diretamente no acesso a
mero de médicos formados para os próximos anos, um atendimento médico resolutivo e de qualidade.
é muito importante que o egresso do curso médico A mudança do perfil demográfico e epidemioló-
tenha um conjunto de conhecimentos, habilidades e gico dos países do hemisfério norte com sistema de
atitudes que o tornem competente e confiável para saúde socializado, também em curso acelerado no
um bom atendimento aos pacientes nos diferentes Brasil, já constata aumento da demanda para a aten-
cenários da urgência e emergência, tanto traumáti- ção às urgências, sobretudo para os casos de agu-
cas quanto não traumáticas (OLIVEIRA et al., 2019). dização das doenças crônicas. Para o crescimento
Para estabelecer um consenso sobre as recomen- de 9,3% na população, houve aumento de 25,8%
dações para esse ensino nos cursos de graduação da demanda aos serviços de urgência (NAGREE et
no país, foi necessário primeiramente fazer o diag- al., 2011). Na Espanha, o aumento populacional de
nóstico de como tem sido realizado esse ensino nas 2000 a 2005 foi de 8,9%, mas a demanda por ser-
várias fases da formação médica e promover a dis- viços de urgência aumentou 10,4% (MIRÓ, 2009).
cussão entre os representantes das escolas acerca A assistência à população brasileira nos servi-
das recomendações nacionais sobre o ensino de ur- ços de urgência ao longo dos anos ainda mostra um
gência e emergência no Brasil, o que ocorreu, a par- quadro bastante desfavorável. Os departamentos ou
tir de 2012, no subprojeto “Situação do ensino de serviços de urgência no mundo todo são alvos de
urgência e emergência nos cursos de graduação de intensas reclamações por parte dos usuários e so-
Medicina” (FRAGA; PEREIRA JR.; FONTES, 2014) frem grandes pressões da imprensa, de órgãos go-
que foi aprovado dentro do “Projeto Abem 50 anos vernamentais e organizações sociais para que execu-
– Dez anos das Diretrizes Curriculares Nacionais tem suas tarefas de forma eficiente. A superlotação
do Curso de Graduação em Medicina”, com finan- desses serviços transforma essa área numa das mais
ciamento da Organização Pan-Americana da Saúde problemáticas do sistema de saúde. Os componen-
(OPAS) e será apresentado mais à frente. tes da rede de urgência e emergência lidam com a
aglomeração e a insatisfação de pacientes, o que di-
ficulta a gerência e a assistência, aumenta os riscos
2. A POLÍTICA NACIONAL DE URGÊNCIA NO BRASIL para trabalhadores e usuários, e tem sido objeto de
exposição negativa do SUS, já que múltiplos fato-
É muito importante conhecermos a Política Nacional res concorrem para esse quadro (BRASIL, 2011a).
de Urgência (BRASIL, 2003) para planejarmos a O SUS desde 1989 é baseado na descentraliza-
inserção de programações e estágios dos estudan- ção administrativa, com ampliação da autonomia
tes ao longo do eixo longitudinal de ensino de gra- dos municípios e fortalecimento da sua capacidade
duação, conforme previsto nas recomendações da gestora (BRASIL, 1990). Nesse período, várias nor-
Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM). mas operacionais – Normas Operacionais Básicas
Os estudantes devem ter inicialmente uma visão do SUS (NOB-SUS) nºs 01/93 e 01/96, e Normas
sistêmica da rede de atenção às urgências e, à me- Operacionais da Assistência à Saúde (NOAS) nºs
dida que vão progredindo no curso médico, e a ex- 01/2001 e 01/2002 – impulsionaram esse processo
periência de passar por programações e estágios em de descentralização, e, em 2006, optou-se pela ado-
todos os cenários de prática pré-hospitalar móvel ção do Pacto pela Saúde (BRASIL, 2006a) com me-
(USA) e fixo (UPA), em central de regulação de ur- lhor definição das atribuições dos entes federados
gências e nos setores de urgência de hospitais de e fortalecimento dos espaços de negociação, arti-
diferentes complexidades. culação e pactuação.

190 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Foram criados os colegiados de gestão regional a atenção primária à saúde (APS) que, quando bem
com potencial para formulação de estratégias que estruturada, torna as RAS efetivas, eficientes e de
operacionalizassem as políticas públicas de saúde qualidade (SILVA, 2011).
(COSEMS, 2008). Esse arranjo regional, previsto Nos últimos anos, a crescente demanda por ser-
constitucionalmente, pôde proporcionar a forma- viços na área de urgência e emergência, devido ao
ção de sistemas de saúde eficientes e o estabeleci- crescimento do número de acidentes e da violên-
mento de relações governamentais cooperativas e cia urbana, fatos já mencionados neste capítulo, e
solidárias (BRASIL, 2006b). a insuficiente estruturação da rede são fatores que
O Decreto Federal nº 7.508, de 28 de junho têm contribuído decisivamente para a sobrecarga de
de 2011 regulamentou a Lei Orgânica da Saúde serviços de urgência e emergência disponibilizados
(BRASIL, 1990), que dispõe sobre a organização do para o atendimento da população. A satisfação nos
SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde serviços de urgência é significativamente associada
e a articulação interfederativa. Além disso, conso- ao tempo de espera, à qualidade do atendimento for-
lidou a responsabilidade de gestão das três esferas necido e à idade do paciente (MCCARTHY, 2011).
de governo com o sistema de forma articulada por Isso tem transformado essa área numa das mais
meio da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), problemáticas do sistema de saúde.
Comissão Intergestores Bipartite (CIB) e Comissão No Brasil, a Portaria n° 2048 do Ministério da
Intergestores Regional (CIR), nas quais se devem Saúde, de 5 de novembro de 2002, instituiu o re-
pactuar a organização e o funcionamento das ações e gulamento técnico do atendimento das urgências
dos serviços de saúde integrados em RAS (BRASIL, e emergências, definindo a participação dos com-
2011a; SANTOS & ANDRADE, 2008). ponentes de atendimento pré-hospitalar fixo (UBS
O Decreto nº 7.508/2011 reafirma o acesso uni- e unidades não hospitalares de pronto atendimento)
versal e igualitário, e regulamenta a ordenação às e móvel (unidades de suporte básico e avançado),
ações e aos serviços de saúde por meio de suas por- classificou as unidades hospitalares e introduziu
tas de entrada: serviços de atenção primária, ser- a regulação médica como o elemento ordenador
viços de atenção de urgência e emergência, servi- e orientador dos sistemas estaduais de urgência e
ços de atenção psicossocial e serviços especiais de emergência. As centrais, estruturadas nos níveis es-
acesso aberto, completando-se nas RAS, regionali- tadual, regional e/ou municipal, organizam a rela-
zadas e hierarquizadas de acordo com a complexi- ção entre os vários serviços, qualificando o fluxo
dade do serviço necessário (BRASIL, 2011b). dos pacientes no sistema e gerando uma porta de
A regionalização que se seguiu após a assinatura comunicação aberta ao público em geral, por meio
do pacto pelos entes federados vem transformando da qual os pedidos de socorro são recebidos, ava-
os espaços de discussão das políticas de saúde, de liados e hierarquizados.
forma a organizar as RAS e a responsabilidade da A Portaria n° 2.657, de 16 de dezembro de 2004,
atenção básica como ordenadora dessa rede e co- estabeleceu as atribuições das centrais de regulação
ordenadora de cuidado (BRASIL, 2006c). médica de urgências e o dimensionamento técnico
Deve ser destacado que a regionalização foi a di- para a estruturação e operacionalização das cen-
retriz adotada na concepção do SUS, pois já existiam trais do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
evidências internacionais de que o sistema de saúde (SAMU 192). A Portaria nº 1.010, de 21 de maio de
em redes melhorava a qualidade dos serviços, os re- 2012, redefiniu as diretrizes para a implantação do
sultados sanitários e a satisfação do usuário, e ainda SAMU 192 e sua central de regulação das urgên-
diminuía os custos dos sistemas (SANTOS, 2008). cias, componente da rede de atenção às urgências.
Os gestores vêm atuando para a implantação das Dentro do modelo de assistência pré-hospita-
RAS. A Portaria nº 4.279/2010 estabelece diretrizes lar adotado no Brasil, existe a presença do médico
para a organização das RAS e define-as como: “ar- na central de regulação médica e nas USA (unidade
ranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de terapia intensiva (UTI) móvel).
de diferentes densidades tecnológicas que, integra- O atendimento pré-hospitalar deve prestar aten-
das por meio de sistemas de apoio técnico, logístico dimento e/ou transporte adequado a um serviço de
e de gestão, buscam garantir a integralidade do cui- saúde devidamente hierarquizado e integrado ao
dado” (BRASIL, 2010). É consenso que as redes de- SUS. Para um adequado atendimento pré-hospita-
verão ter em comum o seu centro de comunicação: lar móvel, ele deve estar vinculado a uma central

O ensino de Emergências na
graduação e residência médica 191
de regulação de urgências e emergências. A central nos níveis estadual, regional e/ou municipal, or-
deve ser de fácil acesso/comunicação ao público, por ganizam a relação entre os vários serviços, quali-
via telefônica, em sistema gratuito (192 como nú- ficando o fluxo dos pacientes no sistema, e geram
mero nacional de urgências médicas ou outro nú- uma porta de comunicação aberta ao público em
mero exclusivo da saúde, se o 192 não for tecnica- geral, por meio da qual os pedidos de socorro são
mente acessível). O médico regulador, após julgar recebidos, avaliados e hierarquizados (PEREIRA
cada caso, define a resposta mais adequada, seja um JÚNIOR, 2012).
conselho médico, o envio de uma equipe de aten- O atendimento pré-hospitalar fixo é aquela
dimento ao local da ocorrência ou ainda o aciona- assistência prestada, num primeiro nível de atenção,
mento de múltiplos meios. O número de acesso da aos pacientes com quadros agudos, de natureza clí-
saúde para socorros de urgência deve ser ampla- nica, traumática ou ainda psiquiátrica, que possam
mente divulgado para que a comunidade possa uti- levar ao sofrimento, a sequelas ou mesmo à morte,
lizá-lo quando necessário. Todos os pedidos de so- provendo um atendimento e/ou transporte ade-
corro médico que derem entrada por meio de outras quado a um serviço de saúde hierarquizado, regu-
centrais, como da Polícia Militar (190), do Corpo lado e integrante do sistema estadual de urgência
de Bombeiros (193) ou de quaisquer outras exis- e emergência. Esse atendimento é prestado por um
tentes, devem ser imediatamente retransmitidos à conjunto de UBS, unidades do Programa de Saúde da
central de regulação por intermédio do sistema de Família (PSF), Programa de Agentes Comunitários
comunicação, para que possam ser adequadamente de Saúde (PACS), ambulatórios especializados, ser-
regulados e atendidos (PEREIRA JÚNIOR, 2012). viços de diagnóstico e terapia, unidades não hospi-
O médico regulador pode monitorar, via rádio, talares de atendimento às urgências e emergências
o atendimento local, orientando em tempo real a e pelos serviços de atendimento pré-hospitalar mó-
equipe de intervenção quanto aos procedimentos vel (PEREIRA JÚNIOR, 2012).
necessários para a condução do caso. Deve existir É imprescindível que as unidades tenham uma
uma rede de comunicação entre a central, as ambu- adequada retaguarda pactuada para o referenciamento
lâncias e todos os serviços que recebem os pacientes. de pacientes que, uma vez acolhidos, avaliados e
Respostas rápidas são vitais para as necessidades tratados nesse primeiro nível de assistência, neces-
imediatas da população ou necessidades agudas ou sitem de cuidados disponíveis em serviços de ou-
de urgência. O sistema deve ser capaz de acolher a tros níveis de complexidade. Assim, mediados pela
clientela, prestando-lhe atendimento e redirecio- respectiva central de regulação, devem estar clara-
nando-a para os locais adequados à continuidade mente definidos os fluxos e mecanismos de transfe-
do tratamento, por meio do trabalho integrado das rência dos pacientes que necessitarem de outros ní-
centrais de regulação médica de urgências com ou- veis de complexidade da rede assistencial, de forma
tras centrais de regulação – de leitos hospitalares, a garantir seu encaminhamento, seja para unidades
procedimentos de alta complexidade, exames com- não hospitalares, prontos-socorros, ambulatórios
plementares, internações e atendimentos domici- de especialidades ou unidades de apoio diagnós-
liares, consultas especializadas, consultas na rede tico e terapêutico. Além disso, deve-se adotar me-
básica de saúde, assistência social, transporte sani- canismos que garantam transporte para os casos
tário não urgente, informações e outros serviços e mais graves, que não possam se deslocar por conta
instituições, como as Polícias Militares e a Defesa própria, por meio do serviço de atendimento pré-
Civil (PEREIRA JÚNIOR, 2012). -hospitalar móvel, onde ele existir, ou outra forma
Essas centrais, obrigatoriamente interligadas de transporte que venha a ser pactuada (PEREIRA
entre si, constituem um verdadeiro complexo re- JÚNIOR, 2012).
gulador da assistência, ordenador dos fluxos gerais As unidades não hospitalares de atendimento de
de necessidade/resposta, que garante ao usuário do urgência e emergência, que funcionam 24 horas do
SUS a multiplicidade de respostas necessárias à sa- dia, devem estar aptas a prestar atendimento reso-
tisfação de suas necessidades. Dessa forma, a re- lutivo aos pacientes acometidos por quadros agu-
gulação médica das urgências, baseada na implan- dos ou crônicos agudizados. São estruturas de com-
tação de suas centrais de regulação, é o elemento plexidade intermediária entre as UBS e unidades
ordenador e orientador dos sistemas estaduais de de saúde da família e as unidades hospitalares de
urgência e emergência. As centrais, estruturadas atendimento às urgências e emergências, com im-

192 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
portante potencial de complacência da enorme de- mitigou parte dos problemas da situação assisten-
manda atual dos prontos-socorros, além do papel cial anterior: modelo assistencial ainda fortemente
ordenador dos fluxos da urgência. Assim, têm como centrado na oferta de serviços e não nas necessi-
principais missões: atender aos usuários do SUS com dades dos cidadãos; falta de acolhimento dos casos
quadro clínico agudo de qualquer natureza, dentro agudos de menor complexidade na atenção básica;
dos limites estruturais da unidade, e, em especial, insuficiência de portas de entrada para os casos
os casos de baixa complexidade, à noite e nos finais agudos de média complexidade; má utilização das
de semana, quando a rede básica e o PSF não estão portas de entrada de elevada complexidade; insu-
ativos; descentralizar o atendimento de pacientes ficiência de leitos hospitalares qualificados, espe-
com quadros agudos de média complexidade; da cialmente de terapia intensiva e retaguarda para
retaguarda às UBS e unidades de saúde da família; as urgências; deficiências estruturais da rede as-
diminuir a sobrecarga dos hospitais de maior com- sistencial – áreas físicas, equipamentos e pessoal;
plexidade que hoje atendem a essa demanda; ser en- inadequação na estrutura curricular dos aparelhos
treposto de estabilização do paciente crítico para o formadores; baixo investimento na qualificação e
serviço de atendimento pré-hospitalar móvel; de- educação permanente dos profissionais de saúde;
senvolver ações de saúde por meio do trabalho de dificuldades na formação das figuras regionais e
equipe interdisciplinar, sempre que necessário, com fragilidade política nas pactuações; incipiência nos
o objetivo de acolher, intervir em sua condição clí- mecanismos de referência e contrarreferência; es-
nica e referenciar para a rede básica de saúde, para cassas ações de controle e avaliação das contratua-
a rede especializada ou para internação hospitalar, lizações externas e internas; e falta de regulação da
proporcionando uma continuidade do tratamento rede de urgência e emergência (BRASIL, 2006d).
com impacto positivo no quadro de saúde indivi- As unidades hospitalares de atendimento às ur-
dual e coletivo da população usuária (beneficiando gências e emergências são classificadas em unida-
os pacientes agudos e não agudos, e favorecendo, des gerais de tipos I e II e em unidades de referên-
pela continuidade do acompanhamento, principal- cia de tipos I, II e III. Essa diferenciação é dada em
mente os pacientes com quadros crônico-degene- critérios de recursos humanos mínimos presentes
rativos, com a prevenção de suas agudizações fre- no próprio hospital e alcançáveis, além dos recur-
quentes); articular-se com unidades hospitalares, sos tecnológicos (propedêuticos e/ou terapêuticos
unidades de apoio diagnóstico e terapêutico, e ou- para o atendimento das urgências/emergências es-
tras instituições e serviços de saúde do sistema lo- pecializado) mínimos e indispensáveis presentes
corregional, construindo fluxos coerentes e efetivos na própria estrutura hospitalar, e aqueles disponí-
de referência e contrarreferência, e ser observatório veis em serviços de terceiros, instalados dentro ou
do sistema e da saúde da população, subsidiando a fora da estrutura ambulatório-hospitalar da uni-
elaboração de estudos epidemiológicos e a constru- dade (PEREIRA JÚNIOR, 2012).
ção de indicadores de saúde e de serviço que contri- Há críticas aos serviços de pronto atendimento
buam para a avaliação e o planejamento da atenção como porta de entrada para o sistema. Entretanto, a
integral às urgências, bem como de todo o sistema urgência como “porta de entrada” responde a uma
de saúde (PEREIRA JÚNIOR, 2012). expectativa da população, e essa porta de entrada
A presença de profissionais sem preparo ade- “irregular” não compete com a atenção básica por-
quado prejudica o processo de assistência em todos que não está qualificada para seguir e fazer vínculo
os níveis de atenção do SUS. Como consequência, com o paciente. Cabe à atenção básica receber o pa-
há uma redução da resolutividade e a ineficácia das ciente por demanda espontânea ou programada, e
práticas, com intensificação dos encaminhamen- muitas demandas espontâneas são necessidades de
tos desnecessários e inadequados a outros profis- urgência, reconhecida ou não pelo referencial téc-
sionais e serviços. Isso causa um grande ônus para nico. Outra grande parte da demanda espontânea
os usuários e contribui para a não desejada repu- não chega à atenção básica, e a central de regulação
tação de um SUS ineficiente. Além disso, gera so- permite um espaço do seu encaminhamento para
brecarga nos setores de atendimento às urgências os serviços da rede de urgência que, embora não
e emergências (AMORETTI, 2005). desejável, é o acesso possível e operativo. Os usuá-
A regulação médica das urgências, por meio das rios preferem os serviços de pronto atendimento,
suas prerrogativas e da capacitação profissional, tanto pelos aspectos culturais quanto pelos técni-

O ensino de Emergências na
graduação e residência médica 193
cos, tendo em vista que podem chegar ao serviço na sentados a seguir (FRAGA; PEREIRA JR.; FONTES,
hora em que bem entendem, pois serão atendidos, 2014):
dependendo do dia da semana e do horário, com • Necessidade de um eixo longitudinal na ma-
maior ou menor rapidez. Nos serviços de urgência, triz curricular da graduação com programação
é possível que os exames complementares para o conjunta dos professores das várias áreas mé-
diagnóstico sejam realizados ali mesmo, e, quando dicas, envolvendo os seguintes tópicos: conte-
necessários, a medicação para o tratamento e/ou o údo, momento da inserção na matriz e formas
procedimento também estão ao alcance (CARRET; de avaliação.
FASSA; DOMINGUES, 2009; GARLET et al., 2009; • Programações com pactuação das atividades te-
OLIVEIRA; MATTOS; SOUZA, 2009; COELHO et órico-práticas de complexidade crescente pe-
al., 2010; CUNNINGHAM, 2011). las diversas áreas médicas.
Os indicadores da central de regulação de ur-
gência analisados pelo Comitê Gestor de Urgência, Quanto à distribuição das programações no eixo
com regularidade, obtiveram informações sobre res- de ensino de urgência e emergência ao longo do
trições de recursos humanos, capacitação e lacunas curso, são fundamentais as seguintes orientações
assistenciais, e, assim, passaram a servir de meca- (PEREIRA JÚNIOR et al., 2015):
nismo de gestão da rede assistencial de urgência e • Nos dois primeiros anos do curso: No primeiro
oferecer subsídios para identificar necessidades de ano, deve haver uma programação voltada para
investimentos públicos. primeiros socorros ou suporte básico à vida, a
fim de despertar o interesse e capacitar os alu-
nos para situações que possam vivenciar em te-
3. RECOMENDAÇÕES DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA mas relacionados às emergências médicas trau-
DE EDUCAÇÃO MÉDICA PARA O ENSINO DE máticas e não traumáticas com conhecimento
MEDICINA DE EMERGÊNCIA NA GRADUAÇÃO para ativação do sistema de urgência e emer-
gência e de seus recursos.
Em 2012, foi aprovado o “Projeto Abem 50 anos –
Dez anos das Diretrizes Curriculares Nacionais do Como desdobramentos dessas programações,
Curso de Graduação em Medicina”, com financia- deve-se estimular a inserção dos alunos em ativida-
mento da Opas. A Abem destacou como uma das des/programas de extensão universitária que foca-
prioridades o subprojeto “Situação do ensino de lizem a prevenção de acidentes e de agudização das
urgência e emergência nos cursos de graduação de doenças crônicas, e ensino de suporte básico à vida.
Medicina”, que tinha como metas: conhecer as in- • No terceiro e/ou quartos anos: Deve haver uma
formações e dados do ensino de urgência e emer- programação diversificada com conteúdo e trei-
gência dos cursos de Medicina associados; analisar namento de habilidades básicas envolvendo emer-
o conjunto das informações e dos dados com diri- gências traumáticas e não traumáticas (em clínica
gentes escolares e gestores do SUS; diagnosticar os médica, cirurgia, pediatria, ginecologia/obstetrí-
aspectos situacionais e as expectativas; e discutir as cia), tendo como modelos de programação os cur-
proposições em consenso para que houvesse uma sos de imersão em urgência (PreHospital Trauma
recomendação nacional para a estruturação desse Life Support – PHTLS, Advanced Cardiac Life
ensino na matriz curricular das escolas médicas. Support – ACLS, Advanced Trauma Life Support
O objetivo foi avaliar as escolas no que se re- – ATLS, Pediatric Advanced Life Support – PALS
fere direta ou indiretamente às necessidades de co- e Advanced Life Support in Obstetrics – ALSO).
nhecimentos, habilidades e atitudes para o atendi- Recomenda-se, preferencialmente, o treinamento
mento das situações de urgência e emergências, no em laboratórios de habilidades/simulação.
contexto da atenção integral e contínua à saúde, e
elaborar recomendações para a estruturação desse Na programação dessa fase da graduação, de-
ensino na matriz curricular para todos os cursos vem ser ministrados conteúdos sobre as portarias
de Medicina no Brasil (FRAGA; PEREIRA JR.; que norteiam a organização do sistema de urgência
FONTES, 2014). e emergência. Os alunos devem ter vivência prática
As discussões realizadas nas quatro oficinas na- nos atendimentos pré-hospitalar fixo (englobando
cionais tiveram como resultado os consensos apre- acolhimento e classificação de risco) e móvel (na

194 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
USA, sob supervisão de médicos), bem como na cen- Como cenários de prática e integração ensino-
tral de regulação de urgência, para que entendam -serviço, preferencialmente no quinto ano, as unida-
o funcionamento da rede de urgência. des não hospitalares de pronto atendimento (UPA)
O uso da simulação como ferramenta didática devem ser utilizadas para que os alunos tenham
deve ser estimulada devido às questões éticas e de vivência e experiência de um serviço de saúde de
segurança dos pacientes. A simulação pode ser uti- porta aberta (não regulada).
lizada para treinamento de procedimentos, prescri- No sexto ano, os alunos devem ter vivência no
ção, atendimento e discussão de casos clínicos pre- pronto-socorro hospitalar, de preferência com de-
parados, e manejo de situações de crises em setores manda regulada.
específicos, como centro cirúrgico, anestesia e te- Algumas escolas médicas possuem estágio de
rapia intensiva, antes de os estudantes terem con- medicina intensiva, oferecendo a oportunidade de
tato com os pacientes reais nos cenários de prática aperfeiçoamento das habilidades de comunicação,
clínica. Tal estratégia de ensino antecipa os pro- uso de critérios de triagem e índices prognósticos,
blemas reais que têm acontecido em muitos servi- compreensão de protocolos de segurança dos pa-
ços de saúde e previne a ocorrência de erros e ia- cientes, gestão de equipe multidisciplinar, cuida-
trogenias, já que os alunos poderão treinar num dos paliativos, bioética e ética médica.
ambiente seguro com discussão das dificuldades Também permitem discussões sobre a medicina
encontradas e repetirão o treinamento dos proce- translacional nas suas três fases:
dimentos até sentirem-se mais seguros e capaci- 1) Da pesquisa básica (de bancada) em pesquisa
tados para sua execução com sucesso (PEREIRA clínica,
JÚNIOR et al., 2015). 2) A partir de investigação clínica para a diretri-
A utilização de protocolos e diretrizes clínicas zes baseadas em evidências na assistência aos
com utilização da melhor evidência científica e ex- pacientes, e
periência profissional também deve ser estimu- 3) Do cuidado individual ao paciente até o uso sis-
lada nas discussões de condutas diagnósticas e te- temático e generalizado da prática baseada em
rapêuticas tanto em ambientes simulados quanto evidências.
na prática clínica.
• No internato: A Comissão de Internato da escola A maioria das escolas com estágio em medicina
médica deve evitar a fragmentação dos conte- intensiva discute temas relativos aos pacientes críti-
údos e assegurar a continuidade da programa- cos distribuídos nos estágios das grandes áreas, par-
ção conjunta nos estágios práticos de urgência e ticularmente a abordagem da sepse e dos diferentes
emergência envolvendo as áreas de clínica mé- tipos de choque circulatório. Vários estudos inter-
dica, cirurgia, pediatria, ortopedia, ginecologia/ nacionais colaboram para a incorporação desses as-
obstetrícia, neurologia e psiquiatria. suntos na graduação médica (SANTEN; DEIORIO;
GRUPPEN, 2012; FESSLER, 2012).
Também deve ser garantido que o estágio seja A preceptoria docente e não docente deve ter
acadêmico, inserindo os alunos diretamente nas ati- adequada capacitação pedagógica e técnica. Os pre-
vidades práticas com pacientes sob supervisão, po- ceptores não docentes devem ser valorizados de
rém evitando sua utilização apenas como força de todas as formas possíveis: financeira, certificados,
trabalho, sem a devida discussão dos casos atendi- acesso aos programas de pós-graduação, entre ou-
dos pelos discentes. tras formas de premiação.
Os internos devem desenvolver habilidades de Não há a menor dúvida sobre a necessidade de
prescrição médica, racionalização do uso de recur- uma estruturação urgente e obrigatória do ensino
sos diagnósticos e indicação consciente das drogas de urgência e emergência traumática e não trau-
comumente utilizadas em cenários de urgência e mática na graduação médica em todas as escolas
emergência. A simulação também deve ser empre- do país. As programações devem ser realizadas de
gada para sedimentar os conteúdos propostos nas forma integrada e colaborativa entre todas as áreas
suas várias possibilidades de uso, principalmente do conhecimento médico, com complexidade cres-
em procedimentos médicos e manejo de situações cente, desenvolvendo precocemente atividades teó-
de crise, como parada cardiorrespiratória e aten- rico-práticas com simulações que utilizem ambien-
dimento ao traumatizado grave. tes e materiais propícios para que o estudante possa

O ensino de Emergências na
graduação e residência médica 195
ter estudo, contato e capacitação prévia com diver- 4. SITUAÇÃO DA RESIDÊNCIA EM MEDICINA DE
EMERGÊNCIA NO BRASIL
sas atividades médicas antes do atendimento aos pa-
cientes nos diversos cenários de prática (PEREIRA
JÚNIOR et al., 2015). Mundialmente, a medicina de emergência é uma
As programações devem envolver a assistên- das maiores especialidades, e hoje mais de 60 paí-
cia direta aos pacientes nas situações de urgência ses a reconhecem. Somente nos Estados Unidos há
e emergência, assim como o conhecimento e a dis- mais de 160 programas de residências em medicina
cussão das políticas públicas de saúde, a prevenção de emergência que formam mais de mil médicos
e a reabilitação dos agravos, estimulando ativida- por ano.
des que enfoquem a promoção de saúde no sentido Como bem demonstra a literatura mundial, o
de evitar a agudização de doenças crônicas e pre- médico emergencista com formação e titulação re-
venir os diversos tipos de trauma, temas prioritá- duz a mortalidade, os custos, a superlotação com to-
rios de saúde pública em todo o território nacional madas de decisão seguras nos critérios de internação
(PEREIRA JÚNIOR et al., 2015). e alta, bem como reduz os processos éticos profis-
As atividades práticas, particularmente no in- sionais decorrentes das atuações nas emergências.
ternato médico, devem ser realizadas em serviços No Brasil, para haver residência médica, é neces-
de saúde de diferentes níveis de atenção e comple- sário antes o reconhecimento da especialidade. O
xidade, integrados à rede de urgência e emergência reconhecimento da medicina de emergência como
municipal e regional, trabalhando com demanda re- especialidade há anos esbarra em questões políti-
gulada ou não pela central de regulação de urgên- cas e vaidades pessoais, deixando a população re-
cia. É de fundamental importância que os alunos legada a um segundo plano. A Comissão Mista de
possam ter experiência prática com os atendimen- Especialidades constituída pela Associação Médica
tos pré-hospitalar móvel (em USA) e fixo (em UPS Brasileira (AMB), pelo CFM e pela Comissão
não hospitalar), assim como na regulação médica Nacional de Residência Médica (CNRM) é o órgão
e nos serviços hospitalares de referência terciária responsável por tal reconhecimento.
(PEREIRA JÚNIOR et al., 2015). Em 2010, tanto o CFM como alguns conselhos
Uma atenção especial deve ser dada aos docen- regionais começaram a discutir o assunto de forma
tes e preceptores dos serviços de urgência e emer- mais oficial. Em 2015, após reuniões entre as enti-
gência que serão responsáveis pela supervisão dos dades, resolve-se que é melhor para a medicina bra-
casos atendidos pelos estudantes. Há que se cuidar sileira que a medicina de emergência seja uma es-
da capacitação tanto técnica quanto pedagógica des- pecialidade médica (54a especialidade brasileira),
ses profissionais, para que possam se manter moti- como é em mais de 80 países em todo o mundo.
vados na assistência, no ensino e na pesquisa, e tam- Porém, somente em agosto de 2016 é que foi publi-
bém motivar os estudantes sobre o trabalho nessa cado o documento oficial do CFM, etapa final do
área da medicina. Como ainda não existem muitos reconhecimento da medicina de emergência como
profissionais com o perfil adequado para atuação a mais nova especialidade médica do país.
completa nessa supervisão e no sentido de estimular Toda essa discussão pelo reconhecimento da me-
e valorizar essa carreira, permitindo que tenhamos dicina de emergência como especialidade foi con-
mais docentes e preceptores capacitados e experien- duzida pela Associação Brasileira de Medicina de
tes, o reconhecimento da medicina de emergência Emergência (ABRAMEDE), fundada em 2008 e já
como especialidade médica no Brasil seria um im- tendo realizado cinco congressos nacionais até en-
portante catalisador para a mudança da atual rea- tão. Porém, logo após o reconhecimento da espe-
lidade de atendimento às urgências e emergências cialidade, a Associação Brasileira de Medicina de
médicas traumáticas e não traumáticas em todo o Urgência (ABRAMURGEM), fundada em 2009, um
país, assim como aconteceu nos países do Primeiro grupo derivado da clínica médica e que era contra
Mundo (PEREIRA JÚNIOR et al., 2015). o reconhecimento da especialidade, cujo trabalho

196 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
retardou por mais de dez anos esse processo, re- A divulgação da nova especialidade está entre
quereu assumir o comando da emergência brasi- os principais desafios da categoria. Isso se faz ne-
leira, mesmo sendo contra os fundamentos da es- cessário para que as pessoas, as empresas e as insti-
pecialidade. A AMB, de forma clara, transparente tuições aprendam e entendam a importância de ter
e juridicamente correta, abriu um edital para que, um médico emergencista na frente de uma emer-
após a exposição das sociedades pretendentes, to- gência. Um profissional realmente capacitado, não
das as sociedades médicas escolhessem aquela que simplesmente alguém que esteja fazendo um “bico”
representaria a emergência brasileira. Dessa forma, ou um recém-formado.
em abril de 2017, a ABRAMEDE saiu vitoriosa do O segundo desafio está relacionado à necessi-
pleito e passou a ser a representante da emergên- dade de capacitar os médicos que já trabalham há
cia brasileira, sendo a única filiada à AMB, e é a so- muito tempo na frente das emergências, de modo
ciedade que certificará todos os especialistas bra- a atualizá-los, pois, à medida que a especialidade
sileiros em medicina de emergência. se torna oficial, é imprescindível resgatar o profis-
Dessa forma, a residência em medicina de emer- sional que está desatualizado.
gência é ainda uma novidade para a maioria dos Em 2017, houve a primeira titulação, e ainda
hospitais e centros universitários do país. Em 2017, existem hoje menos de mil médicos emergencis-
de acordo com a Demografia médica no Brasil, ha- tas no Brasil, mas acredita-se que, com a titulação
via 68 médicos residentes em medicina de emer- e as formações dos programas de residência mé-
gência no país, o que correspondia a 0,2% do total. dica, esse número irá aumentar bastante para co-
O Programa de Residência em Emergência tem meçar a exigir que esses profissionais sejam acei-
três anos de duração. Esse programa visa formar tos nas emergências do país.
um profissional qualificado para atender às situa- A pesquisa Demografia médica 2018 no Brasil re-
ções clínicas e traumáticas agudas de nossa popu- velou, entre as 54 especialidades médicas, as mais e
lação e, especialmente, liderar a organização dos menos procuradas. As dez mais procuradas são clí-
serviços de urgência e emergência do Brasil. O pro- nica médica (11,2%), pediatria (10,3%), cirurgia geral
grama foi desenhado conforme as diretrizes ado- (8,9%), ginecologia e obstetrícia (8%), anestesiologia
tadas pela CNRM e é embasado, também, na ex- (6%), medicina do trabalho (4,2%), ortopedia e trauma-
periência bem-sucedida de dois programas já em tologia (4,1%), cardiologia (4,1%), oftalmologia (3,6%)
funcionamento no país: um no Hospital de Pronto e radiologia e diagnóstico por imagem (3,2%). Por
Socorro, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, sua vez, cirurgia de mão (0,2%), radioterapia (0,2%)
criado em 1996; e outro no Hospital Massejana, e genética médica (0,1%) foram as menos requisita-
em Fortaleza, no Ceará, criado em 2008. Essa pro- das (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2018).
posta foi elaborada por membros representantes No que se refere à remuneração, tomemos como
das seguintes instituições: Universidade Federal de exemplo um país em que a especialidade já existe
Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio há algum tempo. No dia 10 de abril de 2019, foi pu-
Grande do Sul (UFRGS), Universidade de São Paulo blicado nos Estados Unidos o Medscape Physician
(USP), USP de Ribeirão Preto, Universidade Federal Compensation Report 2019, que avalia os salários
de São Paulo (Unifesp), Universidade Estadual de médios e o nível de satisfação de 30 especialidades
Campinas (Unicamp), Grupo Hospitalar Conceição médicas. Nesse ano, a medicina de emergência fi-
(GHC), Hospital Santa Marcelina, Hospital de cou em 13º lugar em remuneração (média de 353
Pronto Socorro de Porto Alegre, Hospital Messejana mil dólares anuais) e em segundo lugar (68%) em
de Fortaleza e Universidade Federal de Ciências da grau de satisfação (sentir-se recompensado de ma-
Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). neira justa, não necessariamente relacionada ao sa-
Atualmente, são reconhecidos pela CNRM mais lário). Foi visto ainda que 83% dos emergencistas
de 40 programas com duração de três anos distri- entrevistados escolheriam novamente a medicina
buídos pelo país. de emergência como especialidade (KANE, 2019).
A titulação é concedida por meio de programa No Brasil, onde a medicina de emergência en-
de residência médica credenciado pelo Ministério gatinha e muitas pessoas sequer sabem da sua exis-
da Educação (MEC) e também pela ABRAMEDE tência, ainda não é regra um pagamento diferen-
com a AMB. ciado para especialistas e não especialistas. Porém,
nos locais onde há emergencistas formados, temos

O ensino de Emergências na
graduação e residência médica 197
exemplos de diversos hospitais que preferem um Para a resolução desses problemas, visando à me-
especialista, concursos em que ser médico emer- lhora da formação de futuros profissionais de saúde
gencista é um diferencial e até hospitais onde todos e dos profissionais já formados dentro do programa
os plantonistas do setor de emergência são médi- de educação permanente, os docentes, os precep-
cos emergencistas. tores não docentes e os médicos que trabalham nos
serviços de urgência e emergência precisam ser ca-
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
pacitados do ponto de vista técnico assistencial, de
gestão clínica e pedagógico, com ênfase na atuação
em equipe multiprofissional. Essa capacitação en-
A situação do atendimento de urgência e emergên-
volve programação teórica por ensino a distância
cia é caótica em todo o Brasil, e as ações pontuais
e capacitação prática simulada dos profissionais;
dentro desse sistema complexo têm sido inócuas.
estratégias de supervisão presencial e a distância;
Não há como adequar o modelo de formação utilização do acolhimento e classificação de risco,
sem realizar paralelamente a adequação do modo abordagem em equipe multiprofissional dos atendi-
e dos modelos de atenção. Caso contrário, os estu- mentos dentro das normas técnicas, éticas e de boa
dantes estarão aprendendo algo na teoria que não comunicação; uso de protocolos clínicos baseados
poderão aplicar na prática dadas as inadequações em evidências nas condutas tomadas e na pactua-
do cenário prático assistencial. Entre os principais ção das necessidades de encaminhamentos com a
problemas apontados, destacam-se: central de regulação de urgências; uso de diferen-
• A necessidade de adequação e hierarquização tes estratégias de avaliação – cognitiva, avaliação
dos serviços de urgência e emergência mediante do desempenho prático (Mini Clinical Evaluation
redes regionais de atenção a pacientes agudos Exercise – Mini-CEX), avaliação do trabalho em
(integração dos atendimentos pré-hospitalar equipe multiprofissional, autoavaliação e avalia-
fixo e móvel com o atendimento hospitalar); ção 360o; estratégias de acompanhamento psicoló-
• Adoção do acolhimento e classificação de risco gico com avaliação do perfil profissional e cultura/
de acordo com os critérios de gravidade; clima organizacional; e avaliação dos serviços de ur-
• A adequação das portas hospitalares de urgência gência e emergência (infraestrutura física, organi-
e do fluxo dos pacientes nos leitos de observação; zação do processo de trabalho, recursos diagnós-
• A definição dos tempos de espera e permanên- ticos e terapêuticos, recursos humanos, origem da
cia das patologias agudas com maior risco de demanda recebida, índice de resolubilidade e per-
morte em cada nível de atenção para que dimi- centual de encaminhamentos).
nua o número de mortes evitáveis e sequelas Todas essas ações precisam ser estruturadas,
que poderiam não ter ocorrido; e com necessidade de diversas ações de políticas pú-
• A implementação de protocolos clínicos e in- blicas, diretrizes, recomendações, formação de re-
dicadores de qualidade assistencial, pactuados cursos humanos na graduação e residência mé-
entre os médicos das unidades de atendimen- dica, educação permanente, pesquisa e extensão
tos pré-hospitalar fixo e móvel, médicos regu- universitária.
ladores e médicos dos hospitais de referência.

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200 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 7.2

O estado da arte da simulação


clínica em Emergências

201
Gerson Alves Pereira Júnior
Docente de Cirurgia de Urgência e do Trauma
Universidade de São Paulo
Especialista em Medicina de
Emergência (ABRAMEDE)

Sara Fiterman Lima


Enfermeira
Professora do Curso de Medicina de Pinheiro/MA
Universidade Federal do Maranhão (UFMA

1. INTRODUÇÃO atendimentos e executarem procedimentos em pa-


cientes reais (NORMAN; DORE; GRIERSON, 2012).
As transformações da educação em saúde, especial- A educação médica baseada em simulação
mente médica, têm levado a uma grande mudança (EMBS) e o treinamento baseado em simulação
de paradigma no formato do ensino, destacada pela (TBS) têm gradualmente ganhado maior importân-
incorporação de diversas metodologias ativas de cia. Há mais de duas décadas, a simulação tem se
ensino-aprendizagem, tanto na graduação quanto tornado cada vez mais popular e com maior inte-
em cursos de educação continuada e permanente. gração nas matrizes curriculares dos cursos médi-
O modelo tradicional de aprendizagem mudou no cos. Algumas áreas como a medicina de emergência,
sentido da maior utilização do ensino de habilida- a anestesia e a obstetrícia rapidamente incorpora-
des clínicas de forma mais direcionada. Essas mu- ram a simulação, porém atualmente mesmo a psi-
danças criaram lacunas no treinamento, e o uso da quiatria passou a utilizá-la (WALSH, 2015).
simulação foi expandido para ajudar a solucionar A acessibilidade e a fidelidade da simulação se
essas lacunas (WILLIS; VAN SICKLE, 2015). beneficiaram claramente dos avanços tecnológi-
Os defensores do uso da simulação na educação cos da era digital e continuarão a crescer no futuro
médica postulam que a segurança do paciente é apri- (WILLIS; VAN SICKLE, 2015).
morada quando os graduandos e médicos residen- Eis algumas perguntas que devem nortear o uso
tes praticam em simuladores antes de realizarem da simulação:

202 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Podemos treinar melhor os médicos usando Outro estudo de referência foi publicado em
simulação? 1999 que descreveu um curso de simulação para
• Os pacientes estariam mais seguros com a melhorar o desempenho do clínico de medicina de
simulação? emergência, aumentar a segurança do paciente e
• É possível tornar o treinamento mais barato ou diminuir a responsabilidade (SMALL et al., 1999).
mais eficiente com uso da simulação? Alguns dados iniciais sobre o uso da simulação no
• Há a transferência do aprendizado do treinamento ensino de medicina de emergência incluíram uma
simulado para a prática com pacientes reais? descrição dos princípios de treinamento em equipe
(SMALL et al., 1999; REZNEK et al., 2003), uma dis-
A medicina de emergência é uma especialidade cussão acerca das respostas humanas ao ambiente
com alta carga de tomadas de decisões, que são ti- simulado (GORDON et al., 2001) e o detalhamento
picamente de alto risco. Além disso, os médicos de de uma simulação utilizada na educação médica
emergência trabalham em um ambiente onde a efi- (GORDON; PAWLOWSKI, 2002).
cácia das comunicações interpessoais e o trabalho Desde 2000, a especialidade da medicina de
em equipe são essenciais para a segurança do pa- emergência é líder no desenvolvimento de técni-
ciente. Esses dois fatores, combinados à ampla gama cas de simulação, treinamento de professores e in-
de doenças incomuns, porém críticas, e à ampli- tegração de sistemas, pesquisa e política.
tude de procedimentos, fazem do treinamento em
simulação em medicina de emergência uma neces-
sidade obrigatória. 2. SIMULAÇÃO NA GRADUAÇÃO MÉDICA
Impulsionada por essas demandas, a comuni-
dade de simulação em medicina de emergência tem
Com o crescimento do uso da simulação na edu-
estado na vanguarda da educação e avaliação base-
cação dos residentes em medicina de emergência,
adas em simulação nos últimos 15 anos. Muito do
naturalmente esses programas também levaram a
que foi bem-sucedido na medicina de emergência
simulação para a graduação médica.
pode ser facilmente aplicado a uma variedade de
O Programa de Simulação da Associação
outras áreas clínicas.
Brasileira de Educação Médica (Abem) prevê uma
A simulação permite que os aprendizes em for-
pesquisa nos vários cursos de Medicina do Brasil
mação (estudantes de graduação e médicos resi-
para termos uma descrição completa do estado atual
dentes), bem como no processo de educação per-
do uso da simulação e dos tipos de laboratórios de
manente de profissionais já formados, pratiquem
habilidades/centros de simulação. No entanto, um
com segurança a tomada de decisões médicas e ha-
projeto-piloto desenvolvido em 2016 para apresen-
bilidades processuais sem incorrer em riscos para
tação no Congresso Brasileiro de Educação Médica
os pacientes (GORDON; ORIOL; COOPER, 2004).
(Cobem), realizado em Brasília, mostrou dados in-
Isso permite que a aprendizagem crítica ocorra para
completos pela falta de colaboração dos responsá-
o profissional de medicina de emergência fora do
veis em responder ao questionário eletrônico. Dessa
ambiente descontrolado e caótico do atendimento
forma, os dados nacionais sobre a simulação nas es-
de emergência, seja no nível pré-hospitalar mó-
colas médicas permanecem escassos.
vel ou no fixo, assim como no ambiente hospitalar
Existem descrições do uso da simulação na gradu-
(pronto-socorro, enfermarias e unidades de tera-
ação médica em todas as modalidades, como pacientes
pia intensiva).
padronizados, treinamento baseado em computador,
Gaba e DeAnda (1988) deram os próximos pas-
treinamento de procedimentos e simulação baseada
sos no desenvolvimento dessa tecnologia e técnicas
em manequim (GORDON; VOZENILEK, 2008).
educacionais na década de 1980. Esses esforços ini-
Diversos autores publicaram uma revisão mais
ciais de simulação humana realista levaram à ado-
abrangente de simulação na educação na medi-
ção amplamente difundida da técnica.
cina de emergência para estudantes de Medicina
Em 1999, apareceu o primeiro uso publicado de
(CHAKRAVARTHY et al., 2011), que examinou a
treinamento em simulação para a especialidade de
prevalência de uso e a pesquisa envolvendo a si-
medicina de emergência, detalhando um curso avan-
mulação na educação médica.
çado de vias aéreas que ensinava intubação por se-
Existe uma grande variação nos métodos de uso
quência rápida (ELLIS; HUGHES, 1999).
de simulação nas escolas de Medicina, e na me-

O estado da arte da simulação clínica em Emergências 203


dicina de emergência não é diferente. Um estudo de todas as atividades didáticas pela simulação até
reuniu dados sobre a situação e os desafios em si- sua inexistência na matriz curricular.
mulação para estágios de medicina de emergência Há algumas barreiras bem descritas sobre o uso
(HEITZ et al., 2011). Em 60 instituições pesquisa- da simulação, como a capacitação e o interesse do
das, 83% relataram que a simulação estava disponí- corpo docente, além de considerações financeiras.
vel para os estudantes durante os anos pré-clínicos.
A maioria dos estágios incluía algumas simulações:
79% usavam simulação de alta fidelidade, 55% trei- 3. SIMULAÇÃO NA RESIDÊNCIA EM MEDICINA DE
navam procedimentos e 30% adotavam simulações EMERGÊNCIA
de baixa fidelidade. A maioria das matrizes curri-
culares gasta menos de 25% de suas cargas horá- Na América do Norte, a simulação tem sido cada
rias em simulação, mas o tempo real relatado variou vez mais usada nos programas de pós-graduação
bastante. Quando perguntados sobre as barreiras em educação médica para treinamento de residen-
ao aumento da utilização da simulação, 88% rela- tes em medicina de emergência. Entre 2003 e 2008,
taram a baixa capacitação e a falta de interesse do os programas de residência médica em medicina de
corpo docente como os principais empecilhos. Além emergência relataram que o uso de simulação au-
disso, a carga horária dos demais ambientes de en- mentou de 29% para 91% (OKUDA et al., 2008). A
sino e considerações financeiras foram as próximas simulação demonstrou ser um meio eficaz de en-
maiores barreiras relatadas por 47% e 42% dos en- sino e avaliação desses médicos residentes, desde
trevistados, respectivamente. o conhecimento clínico e aquisição de habilidades
Outra pesquisa com 32 diretores do internato até o treinamento em equipe e o desenvolvimento
em medicina de emergência relatou que 60% inclu- de habilidades interpessoais e profissionalismo.
íram alguma exposição à simulação, inclusive uma A incorporação da simulação como uma ferra-
que usava a simulação como ferramenta de avalia- menta educacional está aprimorando as matrizes
ção para os estudantes (MULCARE et al., 2011). curriculares. A simulação também tem sido mos-
A simulação como ferramenta de segurança e trada como uma alternativa eficaz para as reuni-
satisfação do paciente também foi explorada no ní- ões de morbimortalidade (M&M). Em uma reu-
vel do estudante de Medicina. Demonstrou-se que nião de M&M baseada em simulação, o cenário
as percepções dos pacientes no setor hospitalar de clínico real em questão é recriado usando simu-
urgência e sua disposição de permitir que os estu- lação. Os presentes avaliam ativamente o caso em
dantes realizem um procedimento neles melho- tempo real, o que aumenta o envolvimento do es-
ram quando os pacientes são informados de que os tudante (VOZENILEK et al., 2006).
discentes mostraram competência nesse procedi- A simulação também parece ser uma ferramenta
mento em um simulador (GRABER et al., 2005). O de avaliação eficaz do treinamento para programas
treinamento processual eventualmente exige prá- de residências médicas (GORDON et al., 2003). Os
tica em pacientes reais e melhora o conforto dos estudos que validam as ferramentas de avaliação
pacientes, e é importante que os estudantes apren- para uso em simulação em medicina de emergên-
dam procedimentos em situações reais. Os pacien- cia estão aumentando (GIRZADAS JR. et al., 2007).
tes também merecem os estudantes que são pre- Um estudo utilizou a avaliação baseada em si-
parados da maneira mais completa antes de serem mulação como parte de um programa abrangente de
submetidos a procedimentos para reduzir a proba- avaliação para demonstrar a competência dos resi-
bilidade de erro e dano. dentes de medicina de emergência no atendimento
Em resumo, os estudos realizados principal- às vítimas de agressão sexual (MCLAUGHLIN et
mente na América do Norte mostram que há varia- al., 2007). Esse tipo de estudo é um exemplo de
ções no uso da simulação no ensino de graduação como a simulação pode ser usada de maneira efi-
em medicina de emergência, porém há evidências caz com outras ferramentas de avaliação para cap-
crescentes de que pode ser bem-sucedida. A maio- turar uma imagem mais completa do desempenho
ria dos programas de graduação em medicina de de um estudante.
emergência está usando simulação clínica, embora A avaliação baseada em simulação tem o poten-
sua quantidade e tipos de simulação não sejam pa- cial de revolucionar a avaliação de competências e
dronizados e variem desde a substituição completa pode servir como uma ferramenta crítica para al-

204 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
cançar os objetivos do programa, tanto na gradua- significativas entre os residentes do primeiro e ter-
ção quanto na residência médica. ceiro anos (GIRZADAS JR. et al., 2007).
Dois autores identificaram que a simulação era Outros estudos com médicos residentes em um
mais útil para abordar os marcos de competências programa de treinamento em pediatria constataram
sobre atendimento ao paciente, prática baseada no que a simulação pode medir e discriminar adequa-
sistema e habilidades interpessoais das competên- damente a competência. Além disso, observaram-se
cias essenciais (BOND; SPILLANE, 2002). A compe- diferenças significativas entre médicos residentes
tência prática baseada em sistemas aborda a enorme iniciantes e médicos experientes que foram testa-
variedade de condições médicas e sociais, bem como dos em uma competência de assistência ao paciente
as interações médicas e não médicas que um mé- usando metas baseadas no tempo para a tomada de
dico emergencista encontra diariamente (WANG; decisões (ADLER et al., 2007; SMITH et al., 2017).
VOZENILEK, 2005). Pode-se utilizar a observa- Esses estudos sugerem que a avaliação baseada em
ção direta dos médicos residentes com avaliação simulação, sendo bem projetada, é uma maneira
de critérios de competência em checklist e análise eficaz de monitorar o progresso dos residentes por
de vídeos com base em videoteipe. meio do programa de treinamento.
A simulação também demonstrou ser uma ma- Uma iniciativa bastante interessante começou
neira eficaz de avaliar vários cenários e procedimen- em 2014, quando os diretores dos seis programas de
tos, abrangendo a competência do conhecimento residência em medicina de emergência em Chicago
médico (WAGNER; THOMAS JR., 2002). O pro- (Illinois) concordaram em reunir seus recursos lo-
fissionalismo dos médicos residentes também foi cais e o trabalho do corpo docente de cada centro
avaliado por meio de um cenário focado na confi- de simulação para criar um evento anual de ava-
dencialidade do paciente, no consentimento infor- liação única e colaborativa dos marcos de compe-
mado, na retirada de cuidados, na prática de pro- tências dos médicos residentes utilizando simu-
cedimentos sobre os recém-falecidos e no uso de lação. Para a construção dos cenários simulados e
ordens de não reanimação. Com a observação di- checklists, o grupo de estudo dos programas de re-
reta, identificaram-se possíveis fraquezas e áreas sidência médica criou ferramentas de avaliação. O
de melhoria, além de demonstrar um profissiona- consenso para as versões finais de cada ferramenta
lismo aprimorado à medida que progrediam durante de avaliação foi alcançado por meio de uma técnica
o treinamento (GISONDI et al., 2004). Delphi modificada (SALZMAN et al., 2018).
Cuidar de vários pacientes simultaneamente Atualmente, na medicina de emergência, a ava-
também é uma habilidade importante na medicina liação baseada em simulação é usada com mais fre-
de emergência e representa um aspecto de alto risco quência e com maior eficácia na avaliação formativa.
de sua prática. Cenários de simulação com dois ou A simulação ajuda a fornecer um meio de identi-
mais pacientes simultâneos estão sendo usados p ​​ ara ficar objetivamente áreas nas quais um estudante
desenvolver multitarefa, gerenciamento de recur- precisa ser aprimorado. Quando adotada para fee-
sos da tripulação e habilidades de tomada de de- dback formativo, o objetivo é melhorar o desempe-
cisão sem risco para os pacientes reais (GORDON nho por meio da prática.
et al., 2003). O termo “remediação” pode ser utilizado para
As avaliações baseadas em simulação também descrever o status de um residente em um programa
devem discriminar de maneira confiável entre mé- que necessita de um esforço despendido para me-
dicos iniciantes e médicos experientes. As ferra- lhorar o conhecimento, as habilidades ou as atitu-
mentas de avaliação desenvolvidas anteriormente des. A remediação é definida como o fornecimento
para exames orais de medicina de emergência pa- de qualquer treinamento, instrução ou prática adi-
recem ser eficazes quando usadas em um ambiente cional aos residentes com deficiência na avaliação
de teste baseado em simulador (KIM et al., 2006). de suas competências essenciais. Pode ser reali-
O gerenciamento de recursos de crise em pacien- zada por meio de anotação formal no arquivo aca-
tes críticos foi avaliado em residentes usando uma dêmico de um residente ou de maneira informal
nova escala de classificação e encontrou diferenças (MCLAUGHLIN et al., 2013).

O estado da arte da simulação clínica em Emergências 205


4. SIMULAÇÃO NA CAPACITAÇÃO E RECERTIFICAÇÃO o conhecimento e as atitudes em relação ao traba-
DE MÉDICOS EMERGENCISTAS JÁ FORMADOS
lho em equipe e identifiquem as habilidades efeti-
vas dela (ROBERTSON et al., 2010). A simulação in
Na educação médica permanente, existem vários situ leva essa técnica diretamente aos locais onde
cursos para a prática de médicos de emergência ocorre a atuação médica. Em vez de realizar esse
que usam TBS para ensinar habilidades específi- treinamento no centro de simulação, com equipes
cas, como gerenciamento de vias aéreas, sedação que nem sempre atuam juntas, a própria equipe de
de procedimentos ou ultrassom. A maioria desses saúde atua em seu ambiente de trabalho em cená-
cursos é independente e não organizada em um pro- rio simulado. Isso permite também avaliar a com-
grama abrangente focado na qualidade (GREINER; petência do sistema e as condições latentes que po-
KNEBEL, 2003). dem favorecer o erro (KANEKO et al., 2015.
Algumas empresas de educação médica ofere- A integração dos princípios da educação in-
cem cursos para a conclusão do treinamento on- terprofissional com os métodos de simulação per-
-line de simulação em tela. Essa aplicação limitada mite que os pontos fortes de cada indivíduo afe-
de simulação em medicina de emergência está co- tem de forma significativa o ambiente clínico
meçando a mudar, pois é cada vez mais vista como (ROBERTSON; BANDALI, 2008).
uma ferramenta para abordar a identificação e o fe- A assistência médica de alta qualidade em pra-
chamento de muitas lacunas de desempenho para ticamente todas as especialidades clínicas requer
o médico de emergência, podendo ser utilizada na um alto nível de desempenho da equipe multipro-
manutenção dos processos de certificação e pelos re- fisssional. Em nenhuma outra área, isso é mais apa-
quisitos de credenciamento hospitalar (GREINER; rente do que na medicina de emergência, em que a
KNEBEL, 2003). tomada de decisão e a comunicação rápidas e pre-
A educação baseada em simulação de alta qua- cisas devem operar de maneira eficiente e eficaz
lidade exige professores preparados, currículo in- para fornecer o melhor atendimento (GREINER;
tegrado, ferramentas de avaliação da qualidade e KNEBEL, 2003).
forte alinhamento com outros esforços de segu- Erros na comunicação e ineficiências na dinâ-
rança e qualidade do paciente com reconhecimento, mica da equipe podem levar a atrasos, tratamento
e a atenção às barreiras culturais dentro da profis- incorreto e resultados adversos (THE JOINT
são médica. COMMISSION, 2021). Ao criar uma estrutura para
praticar as habilidades críticas da equipe de forma
sistemática, dissecando e analisando todos os ele-
5. EDUCAÇÃO INTERPROFISSIONAL E TREINAMENTO mentos de sua dinâmica complexa, o treinamento
DAS EQUIPES
em simulação oferece uma oportunidade que não
pode ser realizada facilmente em um cenário do
O Instituto Norte-Americano de Medicina reco- mundo real.
menda que “todos os profissionais de saúde sejam Os princípios da dinâmica de equipe evoluíram
educados para prestar assistência centrada no pa- amplamente em outros campos, principalmente no
ciente como membros de uma equipe interdisci- setor de aviação. Os princípios de gerenciamento
plinar, enfatizando a prática baseada em evidên- de recursos em crises (crisis resource management
cias, com abordagens de melhoria da qualidade” – CRM) são amplamente utilizados em exercícios
(ROBERTSON et al., 2010). baseados em simuladores para pilotos e tripulações
Todos os cenários de prática do atendimento de voo (SEAMSTER et al., 1998). O CRM formou a
de urgência são ricos em oportunidades para im- base para o desenvolvimento do TeamSTEPPS, um
plementar educação interprofissional baseada em programa amplamente utilizado no treinamento
simulação para equipes de médicos, enfermeiros, de equipes de saúde (TEAM STEPPS TRAINING
fisioterapeutas, assistentes sociais, farmacêuticos, PROGRAM, 2020). Os elementos do treinamento
técnicos de radiologia, outros profissionais de saúde efetivo da equipe incluem estrutura, liderança, mo-
e pessoal de apoio administrativo. nitoramento da situação, suporte mútuo e comuni-
A simulação fornece uma modalidade eficaz para cação. Cada um desses elementos é subdividido para
permitir que as equipes interprofissionais, no labo- incluir os principais componentes que podem ser
ratório ou utilizando a simulação in situ, melhorem facilmente incorporados nos cenários de simulação.

206 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
É importante reconhecer que o treinamento nais de saúde. No ambiente clínico real, os membros
da equipe deve formar os objetivos do caso de da equipe mudam regularmente nos turnos de tra-
simulação, levando a um delineamento das ações balho e nos plantões. Uma única equipe com mem-
críticas e ao desenvolvimento de ferramentas bros individuais consistentes e familiarizados entre
de avaliação. Frequentemente, os estudantes si é ilusória. Incorporar treinamento padronizado
se concentram naturalmente nos elementos de da equipe regularmente a todos os membros de
gerenciamento médico de um caso, mas, quando o um setor de urgência leva a expectativas mais cla-
treinamento da equipe é o objetivo, o autor e dire- ramente definidas e a uma maior consistência no
tor do cenário devem definir claramente os propósi- atendimento (MCLAUGHLIN et al., 2013).
tos, projetar o cenário para incorporar os elementos Em um ambiente cirúrgico, o treinamento da
críticos e se concentrar nestes durante a realização equipe demonstrou que é capaz de diminuir a mor-
do debriefing (MCLAUGHLIN et al., 2013). talidade dos pacientes (NEILY et al., 2010). No se-
Ferramentas robustas de observação e ava- tor de urgência dos vários cenários de prática, o
liação, como a ferramenta de observação de de- treinamento da equipe pode ser aplicado a uma
sempenho TeamSTEPPS, a Behaviorally Anchored variedade de cenários clínicos multidisciplinares.
Rating Scale (BARS) e a Ferramenta de Avaliação Os eventos de alta intensidade e baixa frequência,
Comportamental (Behavioral Assessment Tool – como situações de acidentes em massa, parada car-
BAT), podem ser úteis auxiliares no design de ce- díaca pediátrica, parto obstétrico emergente e re-
nários, na avaliação do estudante e no debriefing animação neonatal, oferecem uma oportunidade
(ANDERSON et al., 2009). O uso de tais ferramen- de reunir profissionais de várias especialidades e
tas concentra os objetivos nos elementos críticos da disciplinas de saúde para treinamento em equipe.
função da equipe. Além dos eventos de baixa frequência, o uso de si-
A montagem da equipe para executar o treina- mulação para detalhar os cenários complexos mais
mento em simulação pode apresentar alguns de- rotineiros pode melhorar a dinâmica da equipe. O
safios. Convencer os administradores a investir no infarto agudo do miocárdio (IAM) com suprades-
treinamento requer a identificação dos responsá- nivelamento do segmento ST, o acidente vascular
veis em cada área e categoria profissional. Os ad- cerebral (AVC), a insuficiência respiratória, o sta-
ministradores reconhecerão facilmente o valor do tus asmático, o status epilético e as emergências
treinamento em simulação tão logo estejam fami- toxicológicas são apenas alguns dos contextos nos
liarizados com as maneiras como ele pode ajudá- quais esse treinamento em equipe pode ocorrer
-los a treinar e avaliar a equipe, coletar dados para (MCLAUGHLIN et al., 2013).
os requisitos de certificação, abordar as metas de A simulação pode ser usada para desenvolver
segurança do paciente e contribuir para a redução e treinar novos protocolos e sistemas que exigem
de erros médicos (COOK et al., 2011). Construir a uma função de equipe altamente eficiente. Os pro-
dinâmica e o espírito de equipe no ambiente clínico tocolos de IAM, AVC e sepse, por exemplo, incor-
real tem um grande valor intrínseco. Nesse con- poram uma variedade de decisões sobre transporte
texto, o lema “Se praticamos como jogamos, joga- de pacientes, pessoal e equipamento que devem
mos como praticamos” reverbera nos fornecedo- funcionar perfeitamente. Uma mudança em uma
res e nos demais líderes da instituição. ou duas variáveis pode afetar o tempo de resposta
A medicina de emergência está posicionada de para intervenções essenciais – tempo porta-balão,
maneira única para tirar proveito das oportunida- tempo porta-drogas ou tempo para início dos an-
des de treinamento em equipe multidisciplinar e tibióticos. Em vez de alterar as variáveis no cená-
multi-especialista, interagindo com praticamente rio clínico real, alterá-las em um cenário simulado
todas as especialidades clínicas e, com frequência, pode permitir a avaliação de seu impacto, ajudar a
cruzando no ponto em que habilidades em equipe solucionar problemas de sistemas e fornecer uma
bem desenvolvidas podem afetar o resultado da as- via eficiente e segura para explorar a melhoria da
sistência ao paciente. O atendimento ao trauma e à qualidade (MCLAUGHLIN et al., 2013).
ressuscitação, por exemplo, é um nexo de atendi- O treinamento da equipe é uma parte essencial
mento interdisciplinar que exige o funcionamento da prestação de serviços de saúde de qualidade e
integrado, eficiente e habilidoso de médicos, enfer- segurança ao paciente, e os programas de simula-
meiros, técnicos de enfermagem e demais profissio- ção podem impactar claramente as muitas facetas

O estado da arte da simulação clínica em Emergências 207


da dinâmica da equipe de saúde para otimizar os aquisição de habilidades do que a fidelidade física
resultados do paciente. (FERNANDEZ et al., 2008). Isso é especialmente
verdade para estudantes iniciantes e para tarefas
menos complexas.
6. TREINAMENTO DOS PROCEDIMENTOS O treinamento em procedimentos deve enfati-
zar os elementos cognitivos e motores envolvidos
O uso da simulação para treinar os profissionais a em uma determinada habilidade da realização dos
realizar procedimentos rotineiros e raros ou de alto procedimentos e deve buscar um alto grau de fide-
risco ganhou força em praticamente todas as espe- lidade física apenas para tarefas complexas ou exe-
cialidades baseadas em procedimentos. Essa abor- cutadas por usuários experientes.
dagem do treinamento baseia-se não apenas em con- Os treinamentos para cricotireoidostomia, dis-
siderações da segurança do paciente, mas também secção venosa e colocação de tubo torácico, entre
no conceito de aquisição de habilidades psicomoto- outros, podem ser realizados usando uma combi-
ras por meio de práticas deliberadas (HOCHMITZ; nação de equipamento médico convencional e te-
YUVILER-GAVISH, 2011). cido simulado ou real (animal ou cadáver). Dado
Simuladores cirúrgicos avançados foram desen- o alto custo de muitos produtos comerciais, es-
volvidos para treinamento em endoscopia e lapa- sas soluções criativas oferecem uma opção atra-
roscopia, e demonstraram um alto grau de transfe- ente para o treinamento em procedimentos bási-
rência de treinamento do ambiente simulado para cos (MCLAUGHLIN et al., 2013).
o clínico (VAN SICKLE et al., 2007).
Da mesma forma, os simuladores obstétricos fo-
ram vinculados à melhoria da proficiência técnica, 7. DESENVOLVIMENTO DE CASO SIMULADO E
da autoconfiança e do trabalho em equipe, e à dimi- DESIGN DE CENÁRIO
nuição da incidência de complicações, como disto-
cia do ombro (OKUDA et al., 2009). Os cenários de simulação podem e devem ser pro-
Os produtos que oferecem um alto grau de fi- jetados com cada uma das várias áreas de urgência
delidade física parecem ser de maior utilidade para envolvidas, usando cenários clínicos típicos e inco-
procedimentos (por exemplo, intubação) que reque- muns. As ideias sobre os cenários simulados a serem
rem movimentos motores complexos e navegação elaborados são geradas a partir das experiências re-
precisa nas estruturas anatômicas. Os estudantes ais de todas as áreas de urgência. Vários cenários
de Medicina treinados em simuladores podem ob- simulados podem ser vinculados para simular um
ter proficiência com intubação descomplicada em “dia de trabalho regular”, tanto para identificar pro-
menos de 75 a 90 minutos (OWEN; PLUMMER, blemas do sistema quanto para desenvolver proce-
2002), e os médicos treinados em simuladores se dimentos e resposta a desastres (MCLAUGHLIN
desempenham igualmente bem em cadáveres fres- et al., 2013).
cos e pacientes vivos (WANG et al., 2008). No início de um programa, os representantes
Procedimentos como cricotireoidostomia e co- das áreas de urgência e categorias profissionais
locação de tubo torácico são frequentemente ensi- devem colaborar para desenvolver os objetivos de
nados com produtos comercialmente disponíveis aprendizado desejados. Os cenários simulados, bem
ou treinadores de tarefas sintéticos ou baseados como as ferramentas e métricas de avaliação, de-
em tecidos improvisados. Embora essas técnicas se- vem incluir elementos específicos para cada área
jam amplamente empregadas, as evidências de sua de urgência e, ao mesmo tempo, incorporar obje-
eficácia na transferência do conhecimento para o tivos compartilhados que preencham as questões
cenário clínico são limitadas. Além disso, existem interprofissionais. A incorporação de facilitadores
dados esparsos e conflitantes sobre a eficácia com- de cada grupo profissional servirá para envolver to-
parativa de treinadores de tarefas comerciais versus dos os indivíduos como aprendizes ativos. Um pro-
simulação baseada em tecidos para treinamento de cesso longitudinal de avaliação colaborativa que
procedimentos invasivos (HALL, 2011). aborde os objetivos em evolução e as melhorias do
A fidelidade psicológica, ou o grau que uma si- programa ajudará a garantir sua sustentabilidade.
mulação incorpora os elementos constituintes de As nove etapas do design de cenário são
uma tarefa direcionada, é mais importância para a (MCLAUGHLIN et al., 2013):

208 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
tidiana de professores e estudantes, o que foi faci-
1) Objetivos: Criar objetivos de aprendizagem/ litado pela convergência tecnológica dos diversos
avaliação. recursos disponibilizados.
2) Nível de formação do aprendiz: Incorporar an- Em substituição às atividades presenciais, di-
tecedentes/necessidades dos estudantes. versas outras estratégias foram utilizadas: gravação
3) Tipo de simulação a ser utilizada: Cênica ou com de aulas teóricas, gravação de aulas práticas com
simuladores de diferentes complexidades. professores nos laboratórios de simulação, simu-
4) Paciente a ser atendido: Criar um histórico do lação virtual e simulação on-line utilizando vídeos.
paciente para atender aos objetivos que tam- O curso de formação de multiplicadores em si-
bém devem obter o desempenho desejado. mulação clínica de 18 polos da rede da Empresa
5) Desenvolvimento do cenário: Criar o fluxo do ce- Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH),
nário de simulação, incluindo parâmetros ini- promovido em parceria com a Organização Pan-
ciais, eventos/transições planejados e a resposta Americana da Saúde (OPAS) e a ABEM, com dura-
às intervenções previstas. ção de 180 horas (cinco módulos), teve que ser fi-
6) Ambiente: Projetar sala, objetos e script, e de- nalizado com a realização do Objective Structured
terminar os requisitos do simulador. Clinical Examination (OSCE) on-line por meio da
7) Avaliação: Desenvolver ferramentas e métodos aplicação de 24 estações simuladas pré-gravadas,
de avaliação. nas quais os estudantes gravaram o áudio de seus
8) Debriefing: Determinar problemas que ocorre- desempenhos, que foram avaliados pelos cursistas
ram para providenciar a discussão e as oportuni- utilizando checklists informatizados.
dades de correção das lacunas de aprendizagem.
9) Depuração: Por meio de testes-piloto, testar o
cenário simulado produzido, os equipamentos, 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
as respostas dos aprendizes, o tempo e as ferra-
mentas de avaliação. O desenvolvimento dos cenários é de grande rele-
vância para o treinamento com simulação clínica,
A simulação tem sido usada efetivamente na a fim de garantir a qualidade e validade do conte-
aquisição de novas habilidades (HALL et al., 2005), údo, e apoiar os objetivos e resultados esperados.
na identificação de lacunas no conhecimento ou nas Assim, devem ser estruturados a partir de caso ba-
habilidades (LAMMERS et al., 2009) e na avalia- seado em situações da vida real e com uma história
ção (REGENER, 2005). A simulação também de- principal, incluindo uma sequência de atividades
monstrou ser uma ferramenta eficaz para o ensino de aprendizagem e envolvendo tomadas de deci-
de habilidades avançadas de gerenciamento de de- são estratégias para resolução de problemas, ra-
sastres e resposta a armas de destruição em massa ciocínio inteligente e outras habilidades cogniti-
(SUBBARAO et al., 2006). Também permite abor- vas. Seu design direciona a abordagem de aspectos
dar efetivamente muitas das barreiras, incluindo a essenciais da estrutura, do processo e dos resulta-
exposição a eventos sérios, mas incomuns, manu- dos da atividade.
tenção de habilidades e recertificação. A simulação serve como atividade de ensino e
também como avaliação. Para tanto, existem dife-
renças no processo de elaboração e desenvolvimento
8. IMPACTO DA PANDEMIA DA COVID-19 E DA das estações simuladas que precisam ser conheci-
CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA
das. A inserção de simulação nos currículos médi-
cos é mais bem-sucedida quando se torna parte da
Com o súbito início e a manutenção da pandemia matriz curricular e não apenas quando utilizada de
da coronavirus disease 2019 (Covid-19) ao longo de forma esporádica.
2020 e 2021, os cursos de graduação, a residência Deve-se determinar que componentes de um cur-
médica e a educação continuada e permanente ti- rículo são aprimorados por meio da educação base-
veram que interromper os encontros presenciais ada em simulação e com a incorporação das estações
e foram forçados a realizar uma rápida adaptação simuladas de forma mais direcionada e sustentada.
ao formato on-line, com a necessidade obrigatória Essa abordagem tem o benefício adicional de auxiliar
de incorporação de tecnologia digital na rotina co- a determinar os recursos humanos e materiais e o es-

O estado da arte da simulação clínica em Emergências 209


paço físico que serão necessários para realizar os trei- dizado por meio de simulação, já que abrange toda
namentos. Em um currículo já estruturado, permite a amplitude de condições agudas de uma série de
uma revisão crítica de como o currículo está sendo ad- especialidades médicas, com todo seu espectro de
ministrado e como os objetivos de aprendizagem são pacientes e patologias. Além disso, a medicina de
mais bem alcançados por meio das diferentes moda- emergência possui uma vasta gama de procedimen-
lidades de ensino disponíveis. tos, o que torna o treinamento simulado uma forma
Como especialidade médica, a medicina de natural de proporcionar a aquisição das diferentes
emergência é especialmente adequada ao apren- habilidades necessárias.

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212 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 7.3

Tipos de simuladores
utilizados em Emergências

213
Sara Fiterman Lima
Enfermeira
Professora do Curso de
Medicina de Pinheiro/MA
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Gerson Alves Pereira Júnior


Docente de Cirurgia de
Urgência e do Trauma
Universidade de São Paulo (USP)
Especialista em Medicina de
Emergência (ABRAMEDE)

1. INTRODUÇÃO Na área da saúde, a simulação possui diferen-


tes registros sobre o início de sua utilização. Para
A simulação consiste em uma situação em que um Bradley (2006), a simulação já vem sendo utilizada
determinado conjunto de condições é (re)criado há alguns séculos, quando modelos foram empre-
artificialmente para possibilitar a aprendizagem gados para ajudar os alunos a aprender sobre es-
experimental de casos que acontecem no mundo truturas anatômicas.
real (GABA, 2004; AL-ELQ, 2010). Owen (2016) registra que, no início do século
A simulação é historicamente tão antiga quanto XVIII, a demanda por conhecimento de novos pro-
o próprio homem. Há registros da utilização dessa cedimentos médicos e a sobrecarga do sistema tra-
ferramenta desde os tempos antigos, inclusive em dicional de treinamento baseado em aprendizes
passagens bíblicas (AL-ELQ, 2010). deram origem a cursos nos quais a simulação foi in-
Como ferramenta de ensino aprendizagem, a si- troduzida para ajudar os alunos a aprender as ha-
mulação foi inicialmente empregada nas indústrias bilidades práticas e quando usá-las. Os pioneiros
de aviação e aeroespacial. Progressivamente, os si- do treinamento baseado em simulação, segundo
muladores passaram a ser usados também na ​​ edu- esse autor, precisaram explicar essa inovação aos
cação e no treinamento de uma variedade de áreas, futuros alunos. Owen (2016) cita ainda o anúncio
como Exército, companhias aéreas comerciais, usi- de Manningham para um curso de obstetrícia pu-
nas nucleares, negócios e medicina (ISSENBERG blicado no London Evening Post, em 1740, que in-
et al., 2005). cluía uma explicação de que os alunos que fizessem

214 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
o curso aprenderiam “um artifício feito nos ossos Nesse contexto, para melhorar a educação em
ou no esqueleto de uma mulher, com uma matriz diferentes níveis e, em última instância, aumentar
artificial [útero]”. Posteriormente, esse simulador a segurança do paciente, diversos simuladores têm
foi referido no anúncio como “a máquina”. sido utilizados em diferentes ambientes aprendiza-
A simulação clínica, em alguns estudos, tam- gem, com especial destaque para urgência e emer-
bém é apontada como inicialmente desenvolvida gência (AGGARWAL et al., 2010).
em trabalho com anestesistas, por meio de um si-
mulador de tarefas parciais, desenvolvido em par- 2. SIMULAÇÃO E O ENSINO DE URGÊNCIA E
ceria com uma empresa norueguesa, que se desta- EMERGÊNCIA
cou no treinamento de ressuscitação (BRADLEY,
2006; ORLEDGE et al., 2012). A simulação é uma técnica (não uma tec-
Independentemente de quando teve início o nologia) utilizada para substituir ou ampliar
uso de simuladores na educação em saúde, sabe- situações reais, por meio de experiências guia-
-se que a simulação tem evoluído constantemente das que evocam ou replicam aspectos substan-
e é cada vez mais usada na área para fins de trei- ciais do mundo real de maneira totalmente in-
namento, pesquisa e avaliação em resposta aos de- terativa (GABA, 2004).
safios da educação moderna em saúde e segurança
do paciente (ALINIER; PLATT, 2014; KNEEBONE; Nessa perspectiva, a fidelidade é considerada
AGGARWAL, 2009; ZIV et al., 2003). um fator crucial em termos de eficácia educacio-
Para a segurança do paciente, em especial, os si- nal para uma simulação (ADVISORY GROUP FOR
muladores representam um grande avanço, pois a AEROSPACE RESEARCH AND DEVELOPMENT,
aquisição de habilidades práticas, quando em sua au- 1980; BEAUBIEN; BAKER, 2004).
sência, era realizada essencialmente pela utilização Vale registrar que alguns equívocos termino-
de seres humanos, adultos ou crianças, saudáveis ou lógicos parecem existir, o que leva a uma associa-
doentes, por meio da observação de suas estrutu- ção de fidelidade com sofisticação tecnológica.
ras anatômicas e respostas fisiológicas (AMARAL, Comumente observarmos na literatura que, para
2010). Os simuladores, nesse contexto, emergem os simuladores atingirem níveis mais altos de fide-
lidade, eles precisam de uma tecnologia mais avan-
como instrumentos que contribuem para a forma-
çada e, portanto, mais cara (ISSENBERG et al., 2005;
ção de profissionais de saúde no treino de habilida- MARAN; GLAVIN, 2003). Entretanto, a fidelidade,
des sem que o paciente seja exposto a erros evitáveis definida como o realismo da experiência, é uma ca-
pela falta de conhecimento adequado (REZNICK, racterística intrínseca à simulação e um elemento
MACRAE; 2006). de apresentação que pode afetar a aprendizagem
(ISSENBERG et al., 2005; GABA, 2004). Como tal,
A simulação tem o potencial de recriar ce- é importante ser capaz de definir e medir.
nários que raramente são experimentados e Em 1999, o Fidelity Implementation Study Group
testar profissionais em situações desafiadoras, formado pela Simulation Interoperability Standards
Organization (Siso) destacou as dificuldades em es-
e de repetir ou examinar cuidadosamente suas
tabelecer padrões de fidelidade na simulação e ar-
ações, o que permite a aquisição ou o aperfei- gumentou o seguinte: “‘se quisermos fazer da fide-
çoamento de determinadas habilidades para o lidade um conceito útil, então deveremos torná-la
atendimento (AGENCY FOR HEALTHCARE mensurável”. Simplesmente usar descritores amplos
RESEARCH AND QUALITY, 2009). como “alta fidelidade” ou “baixa fidelidade” não é
suficiente e é enganoso, uma vez que a fidelidade
No ensino de urgência e emergência, a simula- é uma construção multidimensional (REHMANN;
ção vem sendo utilizada como ferramenta de en- MITMAN; REYNOLDS, 1995; MARAN; GLAVIN,
sino há décadas e está se tornando cada vez mais 2003; BEAUBIEN; BAKER, 2004).
relevante. Modelos de simulação, como cabeças de Isso tem particular importância porque os si-
intubação e manequins de ressuscitação cardiopul- muladores, ferramentas que permitem aos usuários
realizar simulações, são comumente classificados
monar, têm sido uma parte essencial dos principais
como sendo de alta, média e baixa fidelidades, sem
programas de treinamento, incluindo suporte bá-
que haja uma adequada compreensão desse termo
sico de vida, suporte avançado de vida e suporte
(TUN et al., 2015).
avançado de vida pediátrico (TEN EYCK, 2011).

Tipos de simuladores
utilizados em Emergências 215
Ao discutirem o conceito de fidelidade, Tun et novas habilidades e melhoria da performance de
al. (2015) pontuam que se trata de uma propriedade profissionais e gestão da assistência, demonstrando
intrínseca à simulação e pode ser definida como o grande potencial para apoiar o enfrentamento de
grau de precisão com que uma simulação, seja ela desafios diversos nesses cenários.
física, mental ou ambas, representa um determi-
nado quadro de realidade em termos de pistas, es-
tímulos e interações possíveis. 3. OS SIMULADORES E O ENSINO DE URGÊNCIA E
Para o ensino de urgência e emergência, a simu- EMERGÊNCIA
lação tem sido reconhecida e utilizada em escala
crescente, seja em espaços de formação ou ambien- O termo simulador se refere ao aparelho – ou à
tes ambientes in situ, para graduação, pós-gradu- ferramenta – que será usado para recriar a simu-
ação, educação continuada e/ou permanente. Os lação. Na saúde, trata-se de dispositivos utilizados
treinamentos práticos vêm se utilizando de cená- quando se tem a intenção de reproduzir, em um am-
rios simulados para resolução de casos, investindo biente controlado e seguro, uma situação para fins
recursos para garantir fidelidade e propiciar vivên- de educação (RUBIO-MARTÍNEZ, 2012; SILVA-
cias realistas, para que sejam trabalhadas habilida- BATALHA; MELLEIRO, 2015).
des fundamentais para o desempenho profissional Na literatura, não encontramos uma classifica-
de competências técnicas e não técnicas, específi- ção padrão para os simuladores, entretanto é pos-
cas e colaborativas no atendimento das urgências sível observar sua classificação associada a diver-
(SCHAUMBERG; SCHRÖDER; SANDER, 2017). sos aspectos relacionados à simulação.
Sabidamente as situações de urgência e emer- Exemplos de simuladores incluem treinadores
gência implicam cuidados de saúde sob condições de tarefas parciais, manequins ou simuladores de
com potenciais ameaças à vida, nas quais impera a pacientes, pacientes simulados, ambientes basea-
necessidade de segurança e agilidade entre os pro- dos em tela e equipamentos simulados e ambientes
fissionais durante o atendimento. O conhecimento de saúde. Os simuladores não precisam ser neces-
de diferentes protocolos assistenciais, o domínio de sariamente físicos – eles podem assumir a forma de
procedimentos técnicos rotineiros ou não para as- software ou mesmo a mente de alunos envolvidos
sistência, a capacidade para respostas adequadas em atividades imaginárias, como simulações men-
e rápidas, a segurança na tomada de decisões e a tais facilitadas (ALINIER, 2007; TUN et al., 2015).
integração entre diferentes profissões para o ade- Chiniara et al. (2012) classificam os simulado-
quado trabalho em equipe são alguns dos maiores res de acordo com o material de que é constituído,
desafios para educação em urgência. Na simulação, categorizando-os em simuladores orgânicos, como
tais quesitos vêm encontrando espaço significativo animais, tecidos ou cadáveres e pacientes simula-
para o exercício seguro e o treinamento prático. dos/atores, ou simuladores sintéticos, que incluem
Os cenários de simulação podem ser projetados os chamados treinadores de tarefas parciais e si-
para as várias áreas de urgência (clínicas, traumá- muladores de paciente quando usados ​​para essa
ticas, obstétricas, pediátricas, psiquiátricas) con- finalidade.
siderando situações rotineiras (suporte básico de Flato e Guimarães (2011) elencaram os simu-
vida, suporte avançado de vida, crise hipertensiva ladores classificados em simuladores de baixa tec-
etc.) ou menos comuns (edema agudo de pulmão, nologia, alta tecnologia, Part Task Trainers, reali-
intoxicação, hemorragia digestiva etc.), permi- dade virtual, simuladores baseados em programas
tindo aos estudantes o aprendizado ou aprimora- de computadores (Screen Based Simulator), simu-
mento de suas habilidades para condução dos ca- lações com pessoas (atores e/ou pacientes), Game
sos (MCLAUGHLIN et al., 2013). Based Simulation (Second Life) e/ou simulação hí-
Dessa forma, a simulação tem sido utilizada no brida, esta associa simuladores entre si para um de-
ensino de urgência e emergência para aquisição de terminado objetivo, conforme Quadro 1.

216 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 1. Modelos de simuladores

Tipo de
Definição Exemplo Vantagens Desvantagens
Simulador
Facilidade de Estático;
Simuladores com
transporte; Limitações para
Simuladores de recursos limitados Resusci-Anne
Objetivos aplicação em outras
baixa tecnologia e não controlados (Laerdal)
determinados áreas de
por computadores
para RCP. conhecimento.
Simuladores operados
por computador
Simulações com
Simuladores de capazes de recriar SimMan (Laerdal) Custo (são
reações mais
alta tecnologia qualquer doença Apollo (Civiam) muito caros).
próximas do real.
e reposta frente
às intervenções
Simuladores Tutorial de
Fácil
baseados em Programa de eletrocardiograma
implementação
programas de computador interativo Simulador de Avaliação baseada
Utilização
computadores associado com cateter de artéria em acertos
individual ou
(Screen based resolução de problemas pulmonar (PAC
em grupo
simulators) Simulator)
Simulador de vias
Dispositivos para trei- aéreas Praticar e aprimo-
Part-task-trai- Simulação frag-
namento de habilidades Simulador de partes rar novas habilida-
ners mentada
específicas do corpo para inser- des técnicas
ção de cateteres
Utilização de computa- Diminuição no
MIST-VR(Minimally
Realidade ção gráfica tridimensio- tempo e erros nos Custo (são muito
Invasive Surgery
Virtual nal acoplada à disposi- procedimentos caros).
Trainer)
tivos comandáveis cirúrgicos
Treinamento de
Gerenciamento de Disponibilidade de
Utilização de mane- habilidades não
crises com familia- atores treinados, e
Atores reais quins vivos em cenários técnicas e ava-
res e pacientes ter- uso de alunos no
virtuais liação comporta-
minais Role Play
mental
Simulação de
Game based Jogos de computadores Variabilidadee de
Second Life hospital ações em um hos-
simulation com vida virtuais costumes locais
pital virtual
Avaliação simul- Tempo de realiza-
Ator + Part Task
Simulação Uso de dois tipos de tânea de dois ção elevado depen-
Trainer (anamneses
hibrida simuladores objetivos comple- dendo do número
+ ausculta cardíaca)
mentares de alunos

Fonte: Flato e Guimarães (2011).

Seropian et al. (2004) apresentaram a classificação de referência a capacidade de interação, o uso de tecnolo-
simuladores em três categorias distintas, tomando como gia e o mecanismo de controle, descritos no Quadro 2.

Tipos de simuladores
utilizados em Emergências 217
Quadro 2. Diferentes modelos de simuladores.

• Part-task Treiner*
• Treinadores não dinâmicos básicos de plástico
• Treinadores dinâmicos básicos de plástico
• Treinador de realidade virtual de baixa fidelidade com haptics**
• Treinador de realidade virtual de alta fidelidade com haptics

• Sistema baseado em computador


• Pacientes simulados
• Ambiente simulado

• Simulador integrado
• Simulador dirigido por instrutor
• Simulador dirigido por modelo

• *Parte do corpo ou de algum órgão interno para treinamento de técnicas,


• procedimentos ou tarefas.
• ** Haptics é uma tecnologia que reproduz fielmente o sentimento de toque e força em ambiente virtual.
Fonte: Seropian et al. (2004).

Para Issenberg e Scalese (2008), os tipos de simu- Com base nisso, os autores apontam uma classificação
ladores podem ser definidos por suas características. em quatro diferentes tipos, apresentados no Quadro 3.

Quadro 3. Tipos de simuladores segundo as características deles.

Tipo de simulador Características Exemplo


Parte do corpo ou de algum órgão interno para
Simuladores de punção
treinamento de técnicas, procedimentos ou
Part-task venosa, para intubação,
tarefas. Pouco feedback com o usuário, baixo
trainers (PTT) episiotomia. ResusciAnne
custo e facilidade de transporte. Para treinamento
(RCP-1960).
individual ou em pequenos/grandes grupos.

Réplica de uma parte do corpo humano que responde


aos comandos do instrutor causando mudanças no
Harvey
Instructor-driven manequim. Varia no desempenho ao responder a
(cardíaco 1968).
simulators (IDS) alguma tarefa específica. Para treinamento individual
ou em pequenos/grandes grupos, introdução ou
aprofundamento de competências complexas.

Manequim semelhante a um humano, de tamanho


Sim One (primeiro
real, que responde fisiologicamente como um ser
protótipo – 1960).
humano às intervenções clínicas. Movimentos
Model-driven Gaba (1980): software
respiratórios, da mandíbula, piscar de olhos e variação
simulator (MDS) de respostas fisiológicas
pupilar. É feito de plástico ou borracha e ainda
realistas.
tem limitações de movimentos. Para treinamento
METI e Noelle.
individual ou em pequenos/grandes grupos.

Combina dois tipos de simuladores. Por exemplo, Ator utiliza o manequim


um simulador PTT com um ator para simulação próximo ao corpo como se
Simulador híbrido
realística do paciente. Apresenta baixo ou fosse uma continuação da
nenhum custo e aumenta o realismo. sua superfície corporal.

Fonte: Issenberg e Scalese (2008).

218 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Autores diversos apontam ainda para outros cri-
térios classificatórios:
• Classificação de acordo com os recursos para re-
produção do cenário com características equi-
valentes à realidade (anatômicas, fisiológicas e
emocionais).
• Classificação por fidelidade com base na utiliza-
ção de equipamentos tecnológicos para repro-
dução dos cenários e das reações (anatômicas Modelo para treinamento de drenagem
e fisiológicas). Embora muitas vezes seja rela- e descompressão torácica.
cionada à fidelidade, essa classificação é feita
de acordo com a tecnologia (moderada e alta).
• Classificação por complexidade, considerando
o nível de dificuldade e a multiplicidade de fa-
tores para a realização da simulação, que pode
ser de baixa, média e alta complexidades.
• Classificação por meio de produção (naturais,
industriais e artesanais).
Modelo para treino de habilidades no
Diante dessa diversidade de classificações e ta- manejo das vias aéreas em adultos.
xonomias, o ideal é que a escolha se dê de forma que
represente as características do manequim e os ob-
jetivos da simulação, e que ajude a determinar os
requisitos a que o produto deve atender de acordo
com sua classificação.
Observa-se, no entanto, que a classificação mais
utilizada na literatura está relacionada com a fideli-
dade, variando de modelos de baixa fidelidade até mo-
delos de alta fidelidade (PERKINS, 2007). Ressalva-se
Modelo para treinamento
aqui a necessidade de considerar os aspectos já men- de punção intraóssea.
cionados sobre a interpretação de fidelidade.
Os simuladores utilizados para simulação de baixa
fidelidade geralmente são aqueles que não interagem
com o cenário, devido à ausência de respostas ana-
tômicas, fisiológicas e sensoriais. Podem ser encon-
trados em corpo completo ou parcial, na forma de
membros, órgãos ou suas partes (Part-task Trainer)
e normalmente são utilizados para o desenvolvi-
mento de habilidades específicas, como realização
de suturas, acessos para administração de medica- Modelo para treinamento de acesso
mentos, drenagem torácica, manejo das vias aéreas, intravenoso e intra-arterial.
entre outras, conforme mostra a Figura 1. Figura 1. Exemplos de simuladores utilizados em simulação
Regularmente, os simuladores de baixa fideli- de baixa fidelidade.
dade não necessitam de contextualização do cená- Fonte: Elaborada pelos autores.
rio, visto que, na maioria das vezes, sua utilização
consiste em treinamento para realização adequada
de determinados procedimentos e demonstração
de competências para tal.

Tipos de simuladores
utilizados em Emergências 219
Os simuladores utilizados para simulações de mé- Trata-se de simuladores que apresentam a
dia fidelidade permitem maior aproximação com si- possibilidade de ausculta de sons respiratórios,
tuações reais, apresentam limitadas respostas anatô- cardíacos e abdominais, permitem a monitori-
micas, fisiológicas e sensoriais, e permitem alguma zação de traçados eletrocardiográficos e a iden-
interação com o aprendiz. São utilizados para treino tificação de alguns pulsos e sons vocais, além de
individual ou em grupo de habilidades, protocolos possibilitarem todos os recursos que o simula-
e guidelines (TUN et al., 2015) – ver Figura 2. dor de baixa fidelidade possui para a realização
de habilidades especificas (AL-ELQ et al., 2015;
DECKER et al., 2008).
Os simuladores utilizados para simulações
de alta fidelidade são aqueles capazes de criar
uma situação com um alto grau de realismo,
sentido e vivenciado pelos alunos, de modo que
se transmitam, da melhor forma possível, as
intervenções na vida real. Permitem treinar a
atenção a patologias em doentes que se encontrem
em situação clínica estável, instável e crítica ou
em situação anestésica, assim como a liderança
de uma equipe que tem que resolver uma situ-
Modelo para treinamento ação concreta, em que a tomada de decisões e
de suporte avançado de vida.
o trabalho em equipe sejam cruciais (Figura 3)
(ORLEDGE et al., 2012).
Alguns são conduzidos por um software e se
apresentam como manequins de corpo inteiro
que possuem grande semelhança anatômica e
fisiológica ao ser humano, chegam a apresentar
movimentos respiratórios, pulsos venosos e ar-
teriais, piscam os olhos, alteram a coloração de
mucosas e possibilitam ainda a avaliação de da-
dos da pele, ausculta intestinal, cardíaca, respi-
ratória, entre muitos outros recursos. Esses si-
Modelo para treinamento
muladores podem, por exemplo, ser programados
de parto. para responder a falhas na administração de me-
dicamentos, com ênfase na performance de ha-
bilidades na decisão, preparação e administra-
ção terapêutica, e possibilitam a criação de um
ambiente amparado pelo ensino reflexivo e por
experiências, baseado em cenários clínicos, nos
quais o estudante tem a oportunidade de desen-
volver de maneira integrada capacidades cogni-
tivas, emocionais e psicomotoras, resultando em
mudança de comportamento.

Modelo para treinamento


de ausculta.

Figura 2. Exemplos de simuladores utilizados em simulação


de média fidelidade.
Fonte: Elaborada pelos autores.

220 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Modelo controlado por computador para treinamento Sala de controle de simuladores
de atendimento a diferentes situações clínicas. de alta tecnologia.

Painel de configuração
do simulador.

Figura 3. Exemplos de simuladores utilizados em simulação de alta fidelidade.


Fonte: Elaborada pelos autores.

Os simuladores que imitam partes do corpo hu- traqueostomia, intubação), drenagem de tórax e outros.
mano são largamente utilizados para treinamento de No ensino de urgência e emergência, observa-se
procedimentos invasivos, como punções para medica- a utilização de todos esses diferentes tipos de simu-
ções parenterais (intramuscular e endovenosa), passa- ladores, seja para o ensino de habilidades técnicas
gem de sondas (vesicais e nasogástricas), suturas, ma- específicas ou para manejo de casos, por meio de ce-
nejo de vias aéreas (aspiração, cricotireoidostomia, nários com contextos diversos.

Tipos de simuladores
utilizados em Emergências 221
Figura 4. Part Task Trainers utilizados para treinamento de procedimentos da assistência em urgência.
Fonte: Elaborada pelos autores.

Um uso que tem se ampliado bastante é o de simu- para garantir mais fidelidade ao ambiente simulado da
ladores de lesões e moulage (ferimentos, queimadu- urgência. A construção artesanal se utiliza de diversos
ras, fraturas, amputações), sejam industrializados ou materiais como algodão, tinta, maquiagem, gelatina,
de construção artesanal, que ajudam na composição produtos alimentares, entre outros, que não possuem
de cenários, sendo aplicados em atores ou manequins limites a depender da criatividade de seus produtores.

Figura 5. Uso peças simuladores de lesões e moulage para treinamento de procedimentos da assistência em urgência.
Fonte: Elaborada pelos autores.

222 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Podemos considerar, ainda que em menor escala uma via aérea cirúrgica, ou inteiros, como porcos que
de uso na atualidade, simuladores orgânicos animais, por vezes são usados vivos, seguindo o protocolo apre-
sejam partes deles, como pés de galinha e porco para sentado pelo Comitê de Ética do Bem-Estar Animal
a prática de acesso intraósseo, língua bovina para trei- (Ceba), para treinamento de algumas técnicas inva-
namento de sutura, laringe de cordeiro para ensino sivas, como etapa prévia à sua prática em humanos.

Figura 6. Uso de animais para treinamento de procedimentos da assistência em urgência. Fonte: Elaborada pelos
autores.
Fonte: Elaborada pelos autores.

Os pacientes simulados e os simuladores de pa- lizados, mas não são os únicos. Trabalhos de parto,
cientes também são muito utilizados em diversos ce- acidentes de trânsito, trauma em idoso, tentativa de
nários do ensino de urgência e permitem a criação suicídio, agressão física, queimaduras, edema agudo
de ambientes ricos em detalhes para incremento de de pulmão, acidente vascular encefálico, entre ou-
sintomas, reações e demandas para os participantes. tros tantos atendimentos, são realizados com apoio
Possibilitam o atendimento conjunto de distintos desses simuladores. Os incidentes com múltiplas ví-
profissionais para as situações de urgência das dife- timas, por exemplo, têm sido explorados para que os
rentes áreas. Os cenários de suporte básico de vida e diferentes serviços de saúde possam se preparar para
suporte avançado de vida são muito comumente uti- respostas integradas, rápidas e adequadas.

Tipos de simuladores
utilizados em Emergências 223
Figura 7. Uso de pacientes simuladores e de simuladores de pacientes para treinamento de procedimentos da as-
sistência em urgência.
Fonte: Elaborada pelos autores.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ameaças a vida e em que impera a necessidade


de segurança e agilidade entre os profissionais
Como pode ser observado, existem diversos tipos de durante o atendimento, a simulação é uma im-
simuladores disponíveis para a realização de prá- portante ferramenta para o ensino de diferentes
ticas simuladas. A escolha deve ser realizada com protocolos assistenciais. O domínio de proce-
base no objetivo de aprendizagem proposto. Além dimentos técnicos rotineiros ou não para assis-
disso, a simulação não depende da presença de si- tência, a capacidade para respostas adequadas e
muladores com alta tecnologia. Os simuladores não rápidas, a segurança na tomada de decisões e a
precisam ser necessariamente físicos, eles podem integração entre diferentes profissões para o ade-
assumir a forma de software ou mesmo a mente de quado trabalho em equipe são alguns dos maio-
alunos envolvidos em atividades imaginárias, como res desafios para educação em urgência. Na si-
simulações mentais facilitadas. mulação, tais quesitos vêm encontrando espaço
Na urgência e emergência em que os cuida- significativo para o exercício seguro e o treina-
dos de saúde se dão em condições com potenciais mento prático dessas questões.

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Tipos de simuladores
utilizados em Emergências 225
CA P Í T U L O 7.4

O ensino de graduação, treino de


habilidades e uso de simulação em
enfermagem nas Emergências

226
Sara Fiterman Lima
Enfermeira
Professora do Curso de Medicina
de Pinheiro/MA
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Lidiane Andréia Assunção Barros


Enfermeira
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Gerson Alves Pereira Júnior


Docente de Cirurgia de Urgência e do Trauma
Universidade de São Paulo
Especialista em Medicina de
Emergência (ABRAMEDE)

1. INTRODUÇÃO Na educação e prática da enfermagem, a simu-


lação, em suas várias formas, está presente há mui-
A simulação clínica como estratégia de ensino con- tos anos. Existem registros sobre o uso de laran-
siste na representação artificial de um processo jas e almofadas para treinar a administração de
do mundo real para atingir um objetivo específico medicamentos por via intramuscular e de toalhas
de promover a aprendizagem, de modo a retratar ou lençóis enrolados em tubos de látex (garrote)
tanto quanto possível um procedimento ou cenário para treinar procedimentos de punção venosa. Da
clínico mais ou menos complexo e permitir ainda mesma forma, registram-se treinos de administra-
avaliar a formação em relação a uma determinada ção de medicamentos parenterais com colegas de
ação (SÁNCHEZ et al., 2013). turma (NEHRING; LASHLEY, 2009; MARTINS et
As atividades simuladas permitem, portanto, que al., 2012; BIAS et al., 2016).
o estudante desenvolva ou aprimore seus conheci- Com o tempo, pelo afirmar de pensamentos bio-
mentos, suas habilidades e atitudes em um ambiente éticos e legais, muitas dessas técnicas passaram a ser
artificial, onde possa analisar situações semelhan- repensadas e questionadas, sobretudo as que envol-
tes às condições autênticas da vida real e respon- viam outra pessoa (paciente ou colega estudante)
der a elas, para que seja capaz de ter uma resposta como objeto da aprendizagem prática, sendo a si-
adequada quando vivenciar experiências semelhan- mulação indicada como alternativa para minimizar
tes (PILCHER et al., 2012; MEAKIM et al., 2013; essas tensões éticas e dilemas práticos (MARTINS
ASSOCIATION FOR SIMULATED PRACTICE IN et al., 2012; ZIV et al., 2003).
HEALTHCARE, 2016; JEFFRIES, 2007; NEHRING, O uso da simulação na enfermagem, assim como
2010; SÁNCHEZ et al., 2013). em outras áreas da saúde, foi crescendo de forma

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso de


simulação em enfermagem nas Emergências 227
não sistemática, entretanto, dado o reconhecimento humanista, crítica e reflexiva, e capaz de conhecer
de suas potencialidades para o treino de competên- os problemas/as situações de saúde-doença mais
cias técnicas, progressivamente foram incorpora- prevalentes no perfil epidemiológico nacional e in-
dos ao ensino de enfermagem diferentes modelos tervir neles (BRASIL, 2001, 2019. Afinal, de acordo
anatômicos com vistas a contribuir para as neces- com dados epidemiológicos disponibilizados pela
sidades da formação (MARTINS et al., 2012; ZIV Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da
et al., 2003). Saúde (SVS/MS), as urgências se constituem um
Num mundo em constante evolução, caracteri- dos principais problemas de saúde pública, como
zado pelo acelerado desenvolvimento tecnológico resultado da alta morbimortalidade relacionada a
e pela complexidade dos contextos específicos do causas externas, às doenças crônicas não transmis-
cuidar, as transformações ocorridas nos paradigmas síveis, com destaque para as doenças cardiovascu-
de ensino/formação contribuíram para destacar a lares como o infarto agudo do miocárdio (IAM) e
simulação como uma estratégia de ensino e aprendi- o acidente vascular cerebral (AVC), e, ainda, pela
zagem relevante para os currículos de enfermagem elevada carga de doenças infecciosas, que acarre-
(ALEIXO; ALMEIDA, 2014; BERRAGAN, 2011). tam grande demanda de urgência e emergência nos
Na área da urgência, devido à complexidade serviços de saúde (BRASIL, 2013.
e aos riscos que envolvem essa assistência, a exi- Diante dessa realidade, foi instituída a Rede de
gência em relação aos profissionais atuantes nes- Atenção às Urgências e Emergências, por meio da
ses cenários é ainda maior, pois, além da habilidade Portaria MS/GM nº 1.600/2011, destacando a neces-
para o desempenho adequado de inúmeras técni- sidade de profissionais de enfermagem com capaci-
cas, os atendimentos demandam que sejam reali- dade técnica para compor o quadro de todos esses
zadas em tempo hábil, acompanhadas de um bom serviços, que incluem a vigilância à saúde, a aten-
raciocínio crítico, trabalho em equipe e adequadas ção básica à saúde, os serviços pré-hospitalares mó-
tomadas de decisões. A simulação mostra-se como veis (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência –
oportunidade para que estudantes possam mane- Samu 192), fixos (unidades de pronto atendimento
jar situações de emergência e crise, em ambiente – UPA) e serviços hospitalares, e os componentes
controlado e com possibilidades de repetição para pós-hospitalares (atenção domiciliar), sendo a pre-
aquisição e/ou aperfeiçoamento de habilidades sença do enfermeiro nesses serviços exigida legal-
(LÓPEZ; SPIRKO, 2007; SANTOS; LEITE, 2010; mente (BRASIL, 2011; MORAIS FILHO et al., 2016).
WATERKEMPER; PRADO, 2011). A atuação do enfermeiro nas urgências demanda,
Nesse sentido, iremos discorrer ao longo deste por sua vez, variados conhecimentos indispensá-
capítulo sobre o treinamento de habilidades e o uso veis à assistência de pacientes com necessidades
de simulação para o ensino de enfermagem em ur- complexas, a partir da formação que pode se dar
gência e emergência. tanto na graduação, quanto na pós-graduação ou
na educação em serviço, numa lógica de diferen-
tes complexidades (MORAIS FILHO et al., 2018).
2. O ENSINO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA PARA O profissional de enfermagem, ao atuar em uni-
ENFERMAGEM dade de urgência, deve demonstrar destreza, agili-
dade, habilidade, bem como capacidade para esta-
A enfermagem vivencia atualmente o processo belecer prioridades e intervir de forma consciente
de atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais e segura no atendimento ao ser humano (BAGGIO;
do Curso de Graduação em Enfermagem. As diretri- CALLEGARO; ERDMANN, 2008).
zes vigentes, que datam de 2001, e o Parecer Técnico A Associação Americana de Enfermagem
nº 28/2018 com recomendações do Conselho (American Nurses Association – ANA) estabeleceu
Nacional de Saúde (CNS) para a proposta de no- em 1983 os padrões da prática de enfermagem em
vas diretrizes para o bacharelado em Enfermagem, emergência e classificou os enfermeiros em três ní-
aprovado pela Resolução CNS nº 573/2018, não fa- veis de competência: 1. requer competência mínima
zem nenhuma exigência clara para que os conteú- para o enfermeiro prestar atendimento ao paciente
dos de urgência e emergência sejam integralizados traumatizado; 2. esse profissional necessita de for-
aos currículos. Entretanto, de forma indireta apon- mação específica em enfermagem de emergência;
tam para essa necessidade em alguns tópicos, com 3. o enfermeiro deve ser especialista em área bem
destaque para o perfil do formando egresso/profis- delimitada e atuar no âmbito pré e intra-hospita-
sional: um enfermeiro com formação generalista, lar. Além disso, recomenda-se que a formação de

228 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
enfermeiros para o cuidado de pacientes em situa- flitos de valores escapam à racionalidade técnica. É
ções críticas de saúde incorpore estratégias facili- necessário ensinar os estudantes para tomadas de de-
tadoras do desenvolvimento de competências para cisões sob condições de incerteza e expor a fratura
a prática (MORAIS FILHO et al., 2017). existente entre o mundo real e as práticas acadêmi-
Em 2002, ao publicar a Portaria GM nº 2.048, o cas estruturadas, repensando a dialógica necessá-
Ministério da Saúde declarou que a atenção dada à ria entre teoria e práxis (AGUIAR; RIBEIRO, 2010).
área de urgência era insuficiente nos cursos de gra- O processo de ensino baseado na construção de
duação da saúde e destacou uma prática comum en- competências reconhece que as relações no mundo
tre os profissionais da saúde que, ao se depararem estão mudadas, e que, sendo assim, a formação edu-
com uma urgência de maior gravidade, tinham o im- cacional do profissional também precisa passar por
pulso de encaminhá-la rapidamente para unidade de transformações. A reestruturação da educação é ur-
maior complexidade, sem sequer realizar avaliação gente, na medida em que a transmissão de conheci-
prévia e a necessária estabilização do quadro, por mentos não garante a formação de indivíduos capa-
insegurança e desconhecimento de como proceder zes de modificar uma prática e de apresentar novos
(BRASIL, 2006). Desde então, registram-se algumas resultados. É preciso que eles sejam competentes
transformações. Os currículos de Enfermagem vêm (DOMENICO; IDE, 2005).
sofrendo reformulações para formar profissionais Observa-se na literatura uma grande confusão re-
preparados para atuação no mundo do trabalho, e lacionada à definição de competência, em que se regis-
observa-se a ampliação na oferta dos conteúdos de tram várias definições e compreensões sobre o tema,
urgência na graduação, entretanto essa oferta se- embora não exista uma definição consensual de com-
gue deficiente, principalmente no que diz respeito petência que englobe todos os domínios importantes
ao exercício prático desse atendimento (MASSON, da prática profissional da enfermagem (EPSTEIN;
2014; MORAIS FILHO et al., 2017; VIEIRA, 2017). HUNDERT, 2002). A despeito disso, reconhecem-
A capacitação, habilitação e educação conti- -se como grandes eixos para formação de compe-
nuada dos enfermeiros para urgência e emergên- tências: 1. os conhecimentos (saber); 2. as habilida-
cia ainda se dá de maneira fragmentada, e há baixo des (saber-fazer); 3. as atitudes/os valores (saber ser/
aproveitamento do processo educativo tradicional e agir) (DURAND, 1998; FURUKAWA; CUNHA, 2010).
insuficiência dos conteúdos curriculares. Também Vale destacar ainda que as competências se
se constata a proliferação de cursos de capacitação constroem pelas práticas sociais concretas. São
de recursos humanos para a área na iniciativa pri- produto da relação entre a habilidade (na pessoa),
vada, com grande diversidade de programas e con- a tarefa (no mundo) e os contextos em que se inse-
teúdos e cargas horárias, sem a adequada integra- rem essas tarefas (ecologia dos sistemas de saúde e
ção à realidade e às diretrizes do Sistema Único de condições clínicas). Não são, portanto, permanen-
Saúde – SUS (MARIA; QUADROS; GRASSI, 2012). tes nem estáticas, pelo contrário, seu desenvolvi-
Precisamos avançar tanto na oferta dos conte- mento deve se dar em um processo contínuo, vivo
údos de urgência e emergência quanto na maneira e contexto-dependente. Assim, as competências
como tais conhecimentos são trabalhados em nível devem acompanhar as constantes mudanças que
de graduação, especialização e educação continu- ocorrem na prática profissional, consolidando-se a
ada e/ou permanente, sendo necessário o desen- partir da mobilização de recursos para a obtenção
volvimento de um ensino organizado por compe- de um resultado, de forma que ela possa ser cons-
tências (conhecimentos, habilidades e atitudes), truída, aperfeiçoada e corrigida (FERNANDES et
de forma transversal, com marcos conceituais de- al., 2012; FURUKAWA; CUNHA, 2010).
finidos para esses diferentes níveis de formação Além disso, a concepção construtivista defende
(PEREIRA JÚNIOR et al., 2015). que, para ser competente, é necessário integrar o
aprendizado que se adquiriu ao longo da vida com
as novas situações e conseguir mobilizar assim os di-
3. ENSINO ORGANIZADO POR COMPETÊNCIAS EM versos saberes (AGUIAR; RIBEIRO, 2010; PEREIRA
URGÊNCIA E EMERGÊNCIA PARA ENFERMAGEM JÚNIOR et al., 2015).
Diante da ausência de uma única definição su-
No mundo real, os problemas não se apresentam com ficientemente abrangente, alguns conceitos se des-
recortes bem delineados, ao contrário, são cada vez tacam na literatura, como o de Epstein e Hundert
mais complexos e indeterminados. Essa complexi- (2002, p. 226) que, a partir de ampla revisão da li-
dade e a imprevisibilidade, a singularidade e os con- teratura, afirmaram:

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso de


simulação em enfermagem nas Emergências 229
[...] a competência profissional é o uso uso dele em um caráter mais holístico (EPSTEIN;
habitual e criterioso da comunicação, HUNDERT, 2002; FLEURY; FLEURY, 2004).
do conhecimento, das habilidades Relativamente às habilidades, elas não se resu-
técnicas, do raciocínio clínico, das mem à realização de atos cognitivos e/ou práticos
emoções, dos valores e da reflexão de técnicas sensório-motoras, necessários dentro
na prática diária, em benefício do de uma disciplina específica. Englobam também um
indivíduo e da comunidade atendida. conjunto de atos relacionais e não técnicos, transver-
sais a diferentes empregos e profissões que são de ex-
trema importância. Assim, segundo alguns autores,
Nesse contexto, defende-se aqui uma concep- as habilidades se dividem em técnicas e não técnicas
ção de competência que se dá pela mobilização in- (SHERER; EADIE, 1987; BRENNAN et al., 2002).
tegradora dos recursos cognitivos (conhecimento), Na enfermagem, assim como em outras profis-
afetivos (atitudes, motivações), sociais (interação, sões da saúde, as competências são por vezes dis-
negociação) e sensório-motores (coordenação ges- cutidas separadamente entre os planos da educa-
tual) para realização de diferentes tarefas. Assim, ção e do trabalho, o que consiste em equívoco, pois
a competência é alcançada pela integração dos di- elas estão intimamente relacionadas. Trata-se de
versos saberes e das diferentes combinações para um saber necessariamente contextualizado, deter-
atuar de maneira significativa e compor padrões minado por atributos associados ao próprio apren-
de excelência, permitindo que os sujeitos possam dizado (competências básicas), à capacidade do
desenvolver estilos próprios, adequados e efica- estudante perante situações inespecíficas (compe-
zes perante as diferentes e complexas situações tências pessoais) e às demandas dos espaços de tra-
(PEREIRA JÚNIOR et al., 2015). balho (competências profissionais) (PERRENOUD,
Um equívoco por vezes presente na compreen- 1999; FRANCO et al., 2014). As competências ne-
são de competência é sua associação com o conceito cessárias à formação do enfermeiro surgem e se
de habilidade, em que a noção de ensino baseado em transformam em consequência das necessidades
competência é frequentemente associada à avaliação do mercado de trabalho e das expectativas da po-
de objetivos comportamentais, de acordo com o de- pulação no que tange a profissionais competentes
sempenho manifesto pelo estudante (RAMOS, 2001). e conscientes de seu papel social (FERNANDES et
Nesse sentido, Perrenoud (1999) alerta sobre o al., 2012; AGUIAR; RIBEIRO, 2010).
fato de que frequentemente se utiliza o termo “com- Nesse contexto, o enfermeiro deve se adaptar a
petências” para expressar objetivos de ensino em essas exigências de maneira crítica e reflexiva, em
termos de condutas e práticas observáveis, acres- especial na urgência e emergência, em que os cui-
centando-se a ele um “ser capaz de”, expressão que, dados de saúde se dão em condições com potenciais
por sua vez, caracteriza uma ação, sem maior preo- ameaças à vida, imperando a necessidade de segu-
cupação com a necessidade de transferência de co- rança e agilidade durante a assistência.
nhecimentos para aplicação em contextos diversos Slepski (2005), ao referir-se à definição de atri-
ou com sua mobilização em situações complexas. butos na emergência, destacou as habilidades téc-
Portanto, a associação de uma competência a ha- nicas específicas de cada função e os atributos pes-
bilidades ou a um simples objetivo de aprendizado soais. Em seu estudo, Slepski (2005) apresenta o
confunde as coisas e sugere, erradamente, que cada depoimento de uma enfermeira-chefe da Cruz
aquisição de conhecimento verificável seria uma Vermelha norte-americana, para quem os enfer-
competência (PERRENOUD, 1999). meiros precisam de habilidades de avaliação para
Como já fora apresentado, o termo competência examinar o indivíduo, o grupo e o ambiente, e de
tem caráter mais amplo, sendo as habilidades um de adaptabilidade. Precisam ser flexíveis, criativos e
seus constituintes mais importantes, entretanto não capazes de trabalhar em ambientes que mudam fre-
exclusivo. Seus constituintes englobam ainda o co- quentemente. Riba e Reches (2002), que realizaram
nhecimento, que corresponde a uma série de infor- grupos focais com enfermeiras israelenses, acres-
mações assimiladas e estruturadas pelo indivíduo, centaram: responsabilização; tomada de decisão e
a atitude, que se refere aos aspectos sociais e afeti- resolução de problemas de forma ativa, criativa e
vos relacionados ao trabalho que explicam o com- eficaz; assertividade; ação autônoma; dedicação;
portamento do indivíduo, entre outros. A habilidade desejo de fazer a coisa certa; comunicação efetiva;
nesse caso geralmente é usada para designar a capa- saber onde e como acessar informações e recursos
cidade de aplicar o conhecimento adquirido e fazer adicionais; mente aberta; reconhecer pontos for-

230 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
tes e limitações pessoais; e capacidade de funcio- presso pelos enfermeiros que atuam em serviços de
nar como membro de uma equipe. emergência vem sendo um desafio vivenciado por au-
Não existem padrões definidos para preparação tores, profissionais e especialistas. Entre alguns tra-
técnica de enfermeiros para emergência, e alguns balhos apresentados na literatura, indicamos como
pesquisadores chegaram a definir competências es- exemplo uma “Matriz de Competência Profissional
senciais, mas não existe consenso sobre o conjunto do Enfermeiro em Emergências” (Quadro 1), cons-
de competências necessárias. truída por autores brasileiros e validada por especia-
Estabelecer o perfil de competência a ser ex- listas (HOLANDA; MARRA; CUNHA, 2015).

Quadro 1. Matriz de Competência Profissional do Enfermeiro em Emergências.

Capacidade de o enfermeiro prestar assistência individualizada


1. Competência Básica
atendendo às necessidades e expectativas dos pacientes de forma a
DESEMPENHO
assegurar um cuidado calcado em saberes científicos próprios e em
ASSISTENCIAL
procedimentos técnicos essenciais para um resultado de qualidade.
Competência Associada Questões Identificadoras do Desempenho Assistencial
• Está atento aos estímulos vindos de pessoas/equipamentos/ambiente presen-
Atenção
tes nos cuidados dos pacientes, propondo adequações aos desvios constatados.

• Identifica agentes causadores de danos nas ações de atendimentos dos pacientes,


Controle de Risco
bem como analisa probabilidade da sua existência e determina como reduzi-los.
• Escolhe soluções apropriadas para resolver os problemas/situações detecta-
Resolutividade dos nos cuidados dos pacientes, visando colocá-las em prática no menor tempo
possível.
• Responde por suas ações e da equipe no atendimento das necessidades dos pa-
Responsabilidade
cientes, tendo consciência do seu papel social e profissional nas ações laborais.

• Age com desenvoltura e rapidez diante de atividades necessárias para o cui-


Senso de Prontidão
dado dos pacientes, com acerto e segurança na sua execução.

• Realiza ações no momento exato frente aos agravos à saúde dos pacientes, clas-
Senso de Urgência
sifica o grau de sofrimento, define tratamento e minimiza riscos no cuidar.
• Realiza procedimento de Enfermagem dos básicos aos avançados no atendi-
Técnica de Execução mento dos pacientes que necessitam de cuidados clínicos, cirúrgicos e trau-
matológicos com técnica segura e recursos qualificados.

2. Competência Capacidade de desenvolver ações articuladas no grupo de


Básica TRABALHO trabalho na execução de atividades laborais para alcance de
EM EQUIPE objetivos comuns com evidente espírito cooperativo.

Competência Associada Questões Identificadoras do Trabalho em Equipe


• Presta ajuda espontaneamente a uma a ou mais pessoas no cotidiano, para al-
Cooperação
cance de objetivos comuns na realização das atividades com a equipe.

• Orienta, treina, esclarece, compartilha informações entre membros da equipe com


Comunicação
o melhor meio de transmiti-las, garantindo que sejam recebidas sem distorção

• Reconhece e diferencia potencialidades e limites das pessoas na execução do


Discernimento
trabalho pela equipe, em prol de fazer ações direcionadas ao mesmo objetivo.

• Atinge o resultado esperado com a equipe frente ao que foi planejado no aten-
Eficácia
dimento das necessidades geradas pelo trabalho diário.

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso de


simulação em enfermagem nas Emergências 231
• Obtém melhor rendimento possível nas ações do trabalho da equipe com os re-
Eficiência
cursos disponíveis para realizá-lo, atingindo os objetivos constantes em planos.

• Tem atitudes e comportamentos empáticos com controle das emoções nas ad-
Equilíbrio Emocional versidades e mudanças diante das relações com a equipe, mantendo energias e
esforços direcionadas ao mesmo objetivo.

• Permite aos membros da equipe o direito de expressar suas opiniões e vontades


Respeito na execução do trabalho em respeito às diferenças individuais, obtendo ações
articuladas no alcance dos objetivos.

Capacidade de influenciar pessoas nas atitudes e nos comportamentos para


3. Competência Básica
execução das tarefas laborais em determinado plano de ação, com o uso da
LIDERANÇA
melhor estratégia proposta para atingir os objetivos do negócio.

Competência Associada Questões Identificadoras da Liderança

• Usa a liberdade de ação em respeito às leis vigentes e sem prejuízo de outrem


Autonomia ao fazer escolhas racionais nas estratégias de realização do trabalho, visando
alcance dos resultados constantes nos planos.

• Tem comportamentos transparentes, honestos e responsáveis nas relações


Confiabilidade com a equipe, oferecendo credibilidade nas decisões e coordenação das ativi-
dades laborais.
• Transmite mensagens com uso dos meios disponíveis para sua recepção fide-
Comunicação
digna, agindo dentro dos limites da ética exigida pelo mundo informatizado
• Lidera equipe com firme propósito e exemplo de atitudes e comportamentos
Equilíbrio Emocional com controle das emoções frente às adversidades e mudanças cotidianas, ga-
rantindo ambiente saudável no trabalho.
• Adapta-se rapidamente às situações inesperadas com soluções dos problemas
Flexibilidade
presentes no dia a dia, sem ultrapassar seus limites físicos, mentais e emocionais

• Usa argumentos coerentes ou condutas baseadas no conjunto razão e emoção


Persuasão para obter a concordância da equipe as ideias/atitudes/ações, buscando vali-
dar as estratégias necessárias à realização do trabalho.

• Obtém acordos pelo diálogo entre as partes para que haja equilíbrio no atendi-
Potencial Negociador mento dos interesses legítimos dos envolvidos, criando credibilidade de quem
dele participa com melhora do relacionamento pessoal e profissional.

Capacidade de dar atenção digna às pessoas de acordo com sua cultura,


4. Competência Básica
valores e crenças, em ambiente com condições mínimas de atendimento e
HUMANIZAÇÃO
de trabalho.

Competência Associada Questões Identificadoras da Humanização


• Supera obstáculos existentes no trabalho ao dar atenção digna aos pacientes e
Acolhimento equipe, demonstrando que pode buscar soluções adequadas para situações que
os aflijam no ambiente ao seu redor.
• Mantém postura comunicativa sustentada pela clareza da mensagem e por es-
Comunicação tar aberta à percepção das vulnerabilidades do cliente e da equipe, individua-
lizando o contato.

232 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Troca ideias e compartilha significados com os pacientes e equipe de trabalho
Diálogo em ambiente favorável a essa relação, contribuindo para um contato harmô-
nico entre ambos.
• Encontra soluções adequadas para problemas dos pacientes e da equipe de
Resolutividade
trabalho, fazendo com que a ação resolutiva diminua o tempo para obtê-las.
• Aceita a cultura, os valores e as crenças dos pacientes e da equipe de trabalho
Respeito com atitudes e comportamentos que manifestam essa aceitação, garantindo a
expressão da vontade de cada um.

• Sabe escutar os pacientes e a equipe de trabalho sem prejulgamento das suas


Saber Ouvir ideias e posições, estando atento ao que se fala para compreendê-los e evitando
interrupções com frases que acredita completar o que está sendo dito.

5. Competência Básica Capacidade de interagir com pessoas no cotidiano, considerando


RELACIONAMENTO suas necessidades e expectativas e agregando valor a esta
INTERPESSOAL relação. Envolve contato cordial, empático e profissional.

Competência Associada Questões Identificadoras do Relacionamento Interpessoal


• Demonstra credibilidade pela transparência dos seus comportamentos, pro-
Confiabilidade piciando interação com os pacientes e equipe de trabalho em que prevaleça a
cordialidade.
• Reconhece o papel da troca de ideias para que haja comunicação efetiva no re-
Diálogo
lacionamento com pacientes e equipe de trabalho.

Equilíbrio • Reage às adversidades na interação com pacientes e equipe de trabalho, admi-


Emocional nistrando emoções para o alcance de relacionamento empático e profissional.
• Percebe clara e rapidamente a realidade que o cerca ao interagir com pacien-
Perspicácia tes e equipes de trabalho, separando a verdade do erro como condição mini-
mizadora de conflitos.
• Interage cordialmente com os pacientes e equipe de trabalho, estando aberto
Respeito às suas necessidades e expectativas de acordo com sua individualidade e con-
solidando os laços que unem a relação cotidiana.
• Tem consciência que aprender a ouvir e entender os pacientes e equipe de tra-
Saber Ouvir balho representa fator essencial para um contato saudável, agregando valor ao
relacionamento.
Capacidade de escolher um curso de ação diante de diversas alternativas
6. Competência Básica
cabíveis para agir nas situações/condições cotidianas, considerando
TOMADA DE DECISÃO
conhecimentos, práticas, limites e riscos envolvidos no processo decisório.

Competência Associada Questões Identificadoras da Tomada de Decisão

• Parte da melhor alternativa possível na escolha de um curso de ação para os


Senso de Urgência planos, corrigindo prontamente desvios e levando a equipe a fazer atividades
no tempo certo.
7. Competência Básica Capacidade de realizar o trabalho focado nos seus resultados e apoiado em
DIRECIONAMENTO planos de ação em que os objetivos, tarefas e responsabilidades estejam
PARA RESULTADOS previamente definidos e alinhados à disponibilização de recursos suficientes.
Competência Associada Questões Identificadoras do Direcionamento para Resultados
• Supera obstáculos existentes no trabalho com clareza de objetivos e equilíbrio
Aceitação de Desafios das emoções, dando à equipe soluções facilitadoras para o alcance dos resul-
tados previstos nos planos.

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso de


simulação em enfermagem nas Emergências 233
• Define prioridades nas ações da equipe com controle do uso do tempo mínimo
Administração
necessário na execução dos planos, evitando desperdício e facilitando atingir
do Tempo
resultados com qualidade.
• Alcança os resultados planejados com cumprimento de metas pela equipe, di-
Eficácia
namizando ações e conferindo qualidade e valor ao trabalho.

• Tem maior produtividade nas ações laborais da equipe em determinado es-


Eficiência
paço de tempo, definindo objetivos e tarefas direcionadas para os resultados.

• Assume e cumpre obrigações e responsabilidades na realização dos planos de


Comprometimento
trabalho, para que a equipe obtenha resultados de excelência nas suas ações.

• Responde com rapidez aos problemas e às adversidades surgidos no trabalho,


Flexibilidade
ajustando-se e efetuando mudanças, sem transgredir limites físicos e emocionais.

• Oferece soluções para os problemas para que sejam resolvidos em menor tempo,
Resolutividade
obtendo maior satisfação da equipe nas ações focadas em resultados.
• Consegue acordos no trabalho com o uso do diálogo, conferindo equilíbrio de
Potencial Negociador ideias, pensamentos e ações em atendimento de interesses legítimos da equipe
e da instituição.
• Capacidade de manter seu foco nas situações/condições ligadas às atividades
diárias de trabalho que podem realmente ser resolvidas pela sua interferência,
8. Competência Básica
direcionando seus esforços para antecipar ações antes que surjam problemas.
PROATIVIDADE
Engloba consciência e responsabilidade nas decisões e considera possíveis con-
sequências das suas escolhas. Visa atingir o melhor resultado possível pelo agir
com prontidão em um tempo certo para obtê-lo.
COMPETÊNCIA
QUESTÕES IDENTIFICADORAS DE PROATIVIDADE
ASSOCIADA
• Tem a mente aberta ao absorver ideias e efetuar mudanças na superação de obs-
Aceitação de Desafios táculos surgidos no trabalho, assumindo responsabilidades e controlando ris-
cos nas ações que se antecipam ao surgimento de problemas.
• Utiliza oportunidades de ousar, transformar e descobrir ideias aplicáveis àquilo
Espírito Empreendedor
que existe e ao mesmo tempo evita que surjam problemas nessa realidade.
• Age com desenvoltura em situações inesperadas do trabalho que podem real-
Flexibilidade mente ser resolvidas pela sua interferência, mantendo foco no que deve ser re-
solvido e tendo adaptação rápida a elas.
• Toma decisões conscientes e responsáveis ao conceber e espontaneamente pôr
Iniciativa em prática uma ou mais ideias úteis, destinadas a evitar aparecimento de pro-
blemas no trabalho.
• Cria novas ideias, bem como implementa, processos e atividades com valor in-
Inovação/Criatividade trínseco em seu bojo, direcionando esforços para antecipar ações antes que
surjam problemas.
• Separa a verdade do erro ao perceber a realidade com clareza, compreendendo
Perspicácia
o que está ao redor e agindo com antecipação e acerto ao reduzir problemas.
• É responsável por suas ações e corresponsável pelo fazer da equipe, tendo cons-
Responsabilidade ciência das decisões que toma para evitar problemas e considerando as conse-
quências de seu agir com prontidão.
• Assume riscos calculados ao direcionar ações que se antecipem ao aparecimento
Senso de Urgência de problemas no trabalho, para que se realizem no tempo certo e na hora exata
com pronta correção dos desvios constatados.

Fonte: Holanda, Marra e Cunha (2015).

234 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
De acordo com o Quadro 1, para o exercício com- et al., 2013; ASSOCIATION FOR SIMULATED
petente nos serviços de emergência, o enfermeiro PRACTICE IN HEALTHCARE, 2016).
necessita manter um adequado desempenho assis-
tencial, interagir com diferentes profissionais com 4. SIMULAÇÃO PARA O ENSINO DE URGÊNCIA E
bom relacionamento interpessoal, favorecer um efe- EMERGÊNCIA NA ENFERMAGEM
tivo trabalho em equipe, exercer liderança colabo-
rativa, tomar decisões assertivas, trabalhar proa- Entre os diversos profissionais de saúde que atuam
tivamente, com foco em resultados, e promover a nas áreas de urgência e emergência, o enfermeiro é
humanização das ações nos serviços (HOLANDA; um dos que frequentemente enfrentam novos desa-
MARRA; CUNHA, 2015). Nessa perspectiva, para o fios e precisam estar devidamente preparados para
ensino das habilidades relevantes para enfermagem atuar com os pacientes, os familiares e as institui-
em urgência e emergência, faz-se indiscutível a ne-
ções, entregando o que precisam e esperam rece-
cessidade de investir na formação tanto de habili-
ber a tempo e na hora, garantindo a qualidade no
dades técnicas quanto de habilidades não técnicas.
Observando a matriz apresentada, se pensarmos atendimento de maneira competente (HOLANDA;
em uma formação que estimule o estudante ao de- MARRA; CUNHA, 2015).
senvolvimento de tais competências, pode-se inferir A complexidade envolvida nas situações de
que existe uma incompatibilidade com a formação emergência – e tudo que concerne a elas – exige
em enfermagem que adota sequências curriculares desses profissionais competências que devem ser
lineares tradicionais e que perpetua a organização devidamente desenvolvidas desde a graduação e que
do ensino por conteúdos, muitas vezes de acordo precisam ser continuamente trabalhadas na educa-
com os índices de livros-texto das áreas específi- ção continuada (BIAS et al., 2016). Assim, diante de
cas (AGUIAR; RIBEIRO, 2010; FERNANDES et agravos de urgência e emergência, os estudantes de
al., 2012). Enfermagem, quando possuem pouco contato prá-
Vale destacar que o ensino por competência, se- tico com tais situações, estão expostos a reações
gundo Perrenoud (1999), é uma questão de conti- de ansiedade e sofrimento devido à fraca correla-
nuidade e de ruptura. De continuidade, porque faz ção entre teoria e prática que possuem e ao conse-
parte do processo de evolução do mundo, das fron- quente déficit de raciocínio crítico (ZIV et al., 2003).
teiras, das tecnologias, dos estilos de vida. De rup-
Um estudo de revisão sistemática com metaná-
tura, porque demanda uma quebra como a peda-
lise demonstrou que o ensino baseado em simulação
gogia que não prepara o indivíduo para enfrentar
(EBS), em comparação com estratégias tradicionais
situações reais. Um distanciamento das rotinas pe-
dagógicas e didáticas, das compartimentações dis- de ensino em enfermagem, contribui para melhorar
ciplinares, da segmentação do currículo, do peso o desempenho e os resultados desejados durante a
da avaliação e da seleção, das imposições da orga- formação do estudante, sendo este um dos moti-
nização escolar, que nada contribui para construir vos pelo qual o Conselho Nacional de Enfermagem
competências. dos Estados Unidos sugeriu que a simulação pode
Estratégias com implementação de metodologias ser efetivamente adotada para substituir até 50%
ativas no processo de ensino-aprendizagem mos- das práticas clínicas tradicionais (JEFFRIES, 2016;
tram melhor efetividade no alcance da formação HEYDEN, MEISSNER, 2015).
por competência, exatamente por promover essa Além disso, observam-se uma redução nas tradi-
quebra com o ensino tradicional e colocar o aluno cionais oportunidades da prática de cuidados dentro
na centralidade do desenvolvimento das ações, com do ambiente clínico sobre a supervisão docente, em
um papel ativo visando desenvolver o pensamento que um dos motivos refere-se ao aumento de cur-
crítico e reflexivo (ALVES et al., 2018). Entre essas sos de graduação que competem o mesmo campo
estratégias, destaca-se a simulação, que consiste na de prática, e ainda as iniciativas de algumas insti-
tentativa criar ou replicar as características de uma
tuições em reduzir o número de discentes permi-
determinada situação clínica, de maneira mais pró-
tidos em uma unidade, o que reforça a necessidade
xima possível do ambiente real, para permitir ao es-
do EBS para garantia de que os estudantes da saúde
tudante praticar, aprender e aprimorar sua expe-
riência, integrando teoria e prática em ambiente sejam capacitados sobre como avaliar, priorizar e
seguro e artificial (PILCHER et al., 2012; MEAKIM agir cientificamente para um atendimento de qua-
lidade (HEYDEN; MEISSNER, 2015).

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso de


simulação em enfermagem nas Emergências 235
Ademais, nesse percurso em que estudantes, 4.1. SIMULAÇÃO E O ENSINO DE HABILIDADES
TÉCNICAS PARA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM
em algum momento, utilizam-se de pacientes reais EM URGÊNCIA E EMERGÊNCIA
para aprimorar suas competências, a falta de con-
tato ou de oportunidades para aprendizagem prá- Entende-se por habilidades técnicas (ou hard
tica em casos de emergências durante a formação skill) a capacidade de realizar movimentos sensó-
dificulta o desenvolvimento de algumas habilida- rio-motores com eficiência e eficácia, com veloci-
des de que eles necessitam para atuar de forma ob- dade e precisão. São aquelas habilidades específi-
jetiva, com intervenções eficazes, rápidas e impe- cas de cada profissão, exigidas para o exercício de
rativas nesse contexto (BAPTISTA et al., 2014). É sua prática (BAKER; DAY; SALAS, 2006).
exatamente nessa lacuna que a simulação como es- Na urgência, são comportamentos e condutas
tratégia de ensino-aprendizagem demonstra grande elementares, que os enfermeiros devem demons-
potencialidade para o ensino de emergência em en- trar e que estão associados ao conhecimento dessa
formação, como as técnicas invasivas e não invasi-
fermagem, pois permite substituir ou amplificar
vas usadas durante o atendimento ao paciente grave
uma experiência real em um ambiente artificial,
(VARGAS, 2005).
onde os cenários podem ser projetados tanto para
Essa capacidade psicomotora, no entanto, su-
treinamento de situações frequentes quanto para
pera a simples capacidade de desempenho, pois in-
eventos menos comuns na rotina desses profissio-
clui a capacidade de executar bem, sem problemas
nais (MCLAUGHLIN et al., 2013).
e interferências, em condições variáveis e dentro de
Destaca-se ainda que, na assistência em situ-
prazos adequados (ÂNGULO, 2016).
ações de urgência, dada a gravidade dos casos e
Existem várias habilidades técnicas necessárias
a necessidade de atendimento ágil e adequado, o
para atuação do enfermeiro em serviços de urgên-
aprendizado baseado em simulação tem um valor
cia, sendo relevante a inserção do ensino prático
significativamente aumentado. Os treinamentos
delas na formação em enfermagem nos diferentes
simulados podem ajudar o estudante no desenvol-
contextos, da graduação à pós-graduação e na edu-
vimento prévio de experiências para condução do
cação continuada e permanente.
atendimento, minimizando assim possíveis erros
Entre tais habilidades, algumas são elementares
do profissional e protegendo os pacientes de riscos para a formação básica em enfermagem, devendo
desnecessários (ZIV et al., 2003; BIAS et al., 2016). ser trabalhadas na graduação para instrumentali-
Acrescentam-se ainda a autoconfiança para in- zar o estudante no exercício da prática assisten-
tervenção em emergências (atitude extremamente cial em qualquer nível de complexidade, tais como
relevante) e sua associação com o conhecimento e a aferição de sinais vitais e a administração de me-
desempenho. Martins et al. (2017) desenvolveram dicamentos curativos. Outras são mais particula-
um estudo quase experimental com o objetivo de res e necessárias à prática assistencial de enferma-
avaliar o impacto da simulação sobre a construção gem em contextos específicos, como a urgência e
de autoconfiança e, entre os resultados, constataram emergência, e nem sempre são abordadas na gradu-
ação, tais como a aspiração traqueal e a punção de
que a autoconfiança dos estudantes de Enfermagem
jugular. Muitas acabam sendo adquiridas no exer-
aumentou significativamente com associação posi-
cício da profissão, sem que tenham sido ensinadas
tiva com a avaliação prática. anteriormente, e vão sendo aprimoradas na rotina
Assim, a Organização Mundial da Saúde (OMS) assistencial, pela demanda e repetição do procedi-
considera fundamental que os estudantes da saúde mento (muitas vezes expondo o paciente e o pro-
sejam capacitados sobre como avaliar, priorizar e fissional aos riscos de erros na execução). Além
agir cientificamente para um atendimento de qua- disso, na prática de enfermagem, alguns procedi-
lidade, e recomenda o EBS para que eles tenham mentos são de execução privativa do enfermeiro,
um aprendizado imersivo e sejam capacitados para como o cateterismo vesical e a coleta de gasome-
o pensamento crítico e a resolução de problemas, tria, enquanto outros podem ser executados pelos
e posteriormente apliquem na prática real o co- técnicos de enfermagem sob supervisão, a exemplo
da realização de curativo simples e punção venosa
nhecimento adquirido em sua atuação (WORLD
periférica, para os quais é necessário o domínio de
HEALTH ORGANIZATION, 2011).

236 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
tais habilidades para acompanhar a realização e ga- capacidades de raciocínio crítico e tomada de de-
rantir efetiva execução. cisão (JEFFRIES; RODGERS; ADAMSON, 2015).
Considerando a gama de procedimentos indi- Para o treinamento dessas habilidades técnicas,
cados no contexto da urgência e emergência, que geralmente realizadas em laboratórios de habilida-
são competência de outras profissões, nos quais o des, são utilizados como recursos educacionais al-
enfermeiro responde por parte da sua execução ou guns modelos de plástico simples para treinamento
por auxiliar na execução desses procedimentos, de tarefas parciais, simuladores do tipo manequim
como ocorre na intubação traqueal, na drenagem com ou sem tecnologia para interação e resposta,
torácica e no acesso venoso central, torna-se neces- simuladores de realidade virtual baseados em tela,
sário que o enfermeiro tenha habilidade para de- animais vivos ou inertes, incluindo órgãos isolados
sempenhar adequadamente as ações que lhe com- e cadáveres humanos, e simuladores artesanais, en-
petem. Destaca-se que muitas vezes esse ensino tre outros, a depender da capacidade do laborató-
é negligenciado, uma vez que tais procedimentos rio e da decisão dos facilitadores (ver capítulo 8.3
não são de responsabilidade direta da enfermagem. sobre tipos de simuladores em emergência). Ainda
Entretanto, a equipe de enfermagem está envolvida em tempos atuais, a despeito das possibilidades e
em ações específicas antes, durante e após o pro- questões éticas, existem registros de aulas práticas
cedimento, podendo gerar riscos e complicações de enfermagem que simulam procedimentos inva-
quando não utiliza as técnicas adequadas. sivos, como acesso venoso entre os próprios estu-
O treinamento simulado dessas habilidades téc- dantes (AKAIKE et al., 2012).
nicas, das mais simples às mais complexas, permite Ademais, o treinamento de procedimentos téc-
ao estudante oportunidades para integração teórico- nicos pode ser implementado a partir da utilização
-prática, em experiências orientadas, realizadas em dos Part-task Treiners (treinadores de tarefas par-
ambiente artificial, que busca replicar e reproduzir ciais), pois, por meio destes, podem ser simulados
vivências bem próximas às reais. Destaca-se que procedimentos, incluindo aqueles invasivos e os
nesse exercício é possível experimentar detalhes que envolvem partes intimas dos pacientes (BIAS
práticos da atuação profissional que surgem durante et al., 2016). Esses simuladores, como braços para
a execução, pois a teoria costuma ocultar alguns de- administração de medicamentos endovenosa, cabe-
talhes e particularidades que a prática faz emergir. ças para intubação traqueal, pelves para sondagem
Além disso, durante o ensino simulado dessas vesical, com ou sem haptics (tecnologia que repro-
habilidades, é importante que sejam exploradas as duz o sentimento de toque e força), são projetados
competências específicas de cada profissão, para para focar a atenção do participante em uma tarefa
que o estudante perceba claramente qual o seu pa- específica (SEROPIAN, 2003).
pel diante de cada procedimento. Ao exercitar e No Quadro 2, exemplificamos algumas habili-
aperfeiçoar seu desempenho, ele estará mais apto dades técnicas que compõem as competências dos
para realizar a assistência, pois o domínio de habi- enfermeiros que atuam em urgência e emergência
lidades específicas é fundamental, mas isso, na re- e que podem ser ensinadas por meio da simulação
solução de cenários completos e complexos, res- na graduação, mas também após a graduação (na
ponde apenas por parte do que é demandado dele. educação continuada e permanente), permitindo
Nesses cenários, os estudantes aplicam seus sabe- que os enfermeiros residentes e os atuantes na área
res, demonstram e aperfeiçoam suas competências (em ambientes pré e intra-hospitalar) possam apri-
técnicas, relacionais e éticas, e ainda exercitam as morar seu desempenho (Quadro 2).

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso de


simulação em enfermagem nas Emergências 237
Quadro 2. Habilidades técnicas que compõem as competências dos enfermeiros que atuam em urgência e emergência.

HABILIDADES TÉCNICAS EXERCIDAS POR ENFERMEIROS DE URGÊNCIA


• Aferição e interpretação de sinais vitais
• Coleta e interpretação de glicemia capilar
• Coleta e interpretação de gasometria
• Instalação e manuseio do monitor cardíaco
• Instalação e manuseio do oxímetro de pulso
• Manuseio do capnógrafo
• Manuseio de bomba de infusão
• Realização de cateterismo vesical de alívio e de demora
• Realização de cateterismo nasogástrico
• Administração de medicamentos por via oral, sublingual, intramuscular e subcutânea
• Realização de acesso intraósseo
• Realização de acesso venoso periférico em membros
• Realização de acesso venoso periférico em jugular externa
• Realização de acesso venoso periférico por ultrassom
• Auxílio em acesso venoso central
• Realização de curativo simples
• Realização de curativo compressivo
• Realização de torniquete
• Imobilização de coluna cervical (manual e com colar)
• Imobilização temporária de lesões osteoarticulares
• Auxílio em sutura
• Auxílio na manutenção de via aérea por procedimentos invasivos (traqueostomia, cricotireoidostomia, in-
tubação traqueal, dispositivos supraglóticos)
• Realização de colocação de cânula de Guedel
• Realização de aspiração traqueal (tubo e cânula)
• Realização de suporte ventilatório por meio de sistema bolsa válvula máscara
• Realização de suporte ventilatório avançado por meio de dispositivos supraglóticos e cricotireoideosto-
mia por punção
• Realização de procedimentos de oxigenoterapia (cateter, máscara de Venturi, máscara com reservatório,
nebulização, macronebulização)
• Auxílio em drenagem torácica
• Realização de curativo de três pontas
• Auxílio na colocação de vítima em prancha longa, inflável ou scoop
• Auxílio em toracocentese de alívio
• Realização de lavagem gástrica
• Avaliação do estado neurológico (Escala de Coma de Glasgow e dilatação pupilar)
• Realização de manobras de suporte básico de vida

238 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Realização e auxílio em manobras de suporte avançado de vida
• Realização de manobras de desobstrução de vias aéreas (obstrução das vias aéreas por corpo estranho – OVACE)
• Auxílio em paracentese de alívio
• Realização de eletrocardiograma

Fonte: Elaborado pelos autores.

Para o exercício simulado dessas habilidades tos que a execução dessa técnica produz e os cuidados
ou procedimentos, devem ser definidos os objeti- que ela requer (GALINDO; VISBAL, 2007).
vos do treinamento desenvolvido e o dispositivo de
treinamento apropriado. Inicialmente a atividade 4.2. SIMULAÇÃO E O ENSINO DE HABILIDADES
pode ser simplificada e desprovida de distrações. NÃO TÉCNICAS PARA ASSISTÊNCIA DE
Sugere-se que a nova habilidade seja demonstrada ENFERMAGEM EM URGÊNCIA E EMERGÊNCIA
corretamente pelo instrutor, para que, após a de- As habilidades não técnicas (HNT), também co-
monstração, o estudante possa iniciar seu treino, nhecidas como soft skills, referem-se às habilidades
ocasião em que deve ser realizado o feedback in- cognitivas, pessoais, socioemocionais, comporta-
formativo específico. As habilidades apreendidas
mentais e interpessoais do indivíduo que comple-
devem ser transferidas positivamente para o am-
mentam as habilidades técnicas e contribuem para o
biente clínico, e quaisquer diferenças entre sua exe-
desempenho de uma tarefa segura e eficiente (FLIN;
cução no simulador e no ambiente clínico devem
O’CONNOR; CRICHTON, 2008).
ser esclarecidas para evitar transferência negativa
Assim, as HNT correspondem a um grupo de
(MARAN; GLAVIN, 2003).
Temos que considerar que, durante o aprendizado habilidades complexas e diversas, que devem ser
de habilidades técnicas por meio de simulação, acres- valorizadas no processo de ensino e aprendizagem
centamos uma parte importante e não é só a conquista da área da saúde (CARVALHO, 2016).
dela, mas também o pensamento crítico, ou seja, en- Existem diferentes HNT apontadas na litera-
sinar ao aluno quando fazê-lo, em que condições e de tura, entretanto, na área da saúde, destacam-se al-
que material necessita, bem como saber quais os efei- gumas como as indicadas no Quadro 3.

Quadro 3. Principais habilidades não técnicas.

HABILIDADES NÃO TÉCNICAS


Trabalho em equipe
Liderança e habilidades de comunicação
Tomada de decisão
Consciência situacional
Gerenciamento da fadiga e do estresse
Raciocínio clínico

Fonte: Adaptado de Higham et al. (2019) e Flin, O’Connor e Crichton (2008).

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso de


simulação em enfermagem nas Emergências 239
Como se pode observar, as HNT consistem em a simulação está relacionada a oportunidades de
atributos pessoais que vão permitir ao indivíduo desenvolvimento nos campos atitudinal, compor-
desempenhar uma boa interação com o mundo ao tamental, ético e moral (CARVALHO, 2016).
seu redor, incluindo colegas de trabalho e o pró- Grief et al. (2015) destacaram que HNT como co-
prio trabalho (PEREIRA, 2012). Tais habilidades municação, liderança e distribuição de papéis entre
são, portanto, necessárias na enfermagem, uma os membros da equipe são essenciais para a forma-
vez que podem abordar as responsabilidades in- ção de habilidades técnicas no campo de atividades
terpessoais e relacionais, o discernimento e as de- de emergência, como a reanimação cardiopulmonar.
mais exigências para cuidar de pessoas (BENNER; Acrescentaram também que, quando incorporadas em
TANNER; CHESLA, 2009). cursos de suporte de vida, verificou-se uma significa-
Além disso, consiste em tema de crescente im- tiva melhora nos resultados por meio do debriefing.
portância devido às evidências de que falhas nes- A grande questão é que, por trás do sucesso
sas habilidades são frequentes e estão relacionadas de uma ressuscitação ou qualquer outro proce-
a incidentes adversos na área de saúde, impac- dimento de urgência, há sempre um bom traba-
tando decisivamente os resultados do cuidado ao lho em equipe, que depende do estabelecimento
paciente (HIGHAM et al., 2019). de uma relação harmoniosa e de múltipla coope-
Na urgência, as HNT possuem especial rele- ração entre os diversos profissionais de saúde.
vância porque os profissionais constantemente Nesse sentido, um adequado treinamento deter-
vivenciam situações que são demandadas ante o mina mais eficácia para o atendimento dos profis-
trabalho sob pressão e em grupo, como a capaci- sionais (GRIEF et al., 2015).
dade de comunicar-se, ter empatia, ser criativo, Em relação ao treinamento, destaca-se que a
resiliente e focado, e adaptar-se às diferentes si- National Aeronautics and Space Administration
tuações (MORAES, 2020). (NASA) concluiu que a principal causa dos aciden-
Destaca-se que as HNT não são inatas. Na ver- tes de aviação se deviam a erros humanos. Assim,
dade, elas podem ser aprendidas por meio de en- em 1979, desenvolveu um treinamento conhecido
sino e treinamento, da mesma forma que as habili- como Crew Resource Management (CRM), defi-
dades técnicas, o que é encorajador para a formação nido como um sistema de gestão que otimiza o
(BAKER; DAY; SALAS, 2006). uso de todos os recursos humanos, equipamen-
Nesse sentido, a simulação tem sido reconhe- tos e procedimentos disponíveis, com aplicações
cida como importante técnica de ensino-aprendi- para treinamento de comunicação, trabalho em
zagem. Exemplos exitosos de ensino em situações equipe e tomada de decisão, sendo capaz de pro-
críticas ou de urgências reforçam o emprego de si- mover a segurança, aumentar a eficiência, me-
mulações nos mais variados cenários de atuação, lhorar desempenho e evitar erros desnecessários
como no desenvolvimento da comunicação enfer- (MCCONAUGHEY, 2008).
meiro-paciente, nas relações interprofissionais, O CRM passou a ser utilizado posteriormente
no trabalho em equipe, na comunicação em alça em uma variedade de ambientes de saúde que en-
fechada, na comunicação de más notícias, nos di- volvem paciente graves, com destaque para salas
lemas éticos, no manejo de situações estressoras, de cirurgia, unidades de terapia intensiva e servi-
no exercício de liderança, entre outros. Portanto, ços de emergência (Figura 1).

240 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Planejar e preparar
Gestão • Priorizar
de tarefas • Fornecer e manter padrões
• Identificar e utilizar recursos
• Comunicar de forma clara e eficaz
• Usar comunicação verbal e não verbal direcionada
Comunicação
• Escuta ativa para com a equipe
• Comunicação interdisciplinar e interprofissional
• Coordenar atividades junto aos membros da equipe
• Trocar informações
Liderança e
• Avaliar as capacidades dos membros da equipe
trabalho em equipe
• Reconhecer estresse e fadiga entre os membros da equipe
• Apoiar os membros da equipe sempre que necessário
• Coletar informações
• Avaliar e reavaliar as situações constantemente
Consciência
• Triar
situacional
• Antecipar eventos prováveis
• Gerenciar erros
• Identificar as melhores opções
Tomada de • Manter a perspectiva global (big Picture)
Decisão • Equilibrar os riscos e os benefícios
• Reavaliar a situação
• Permanecer calma e controlado durantes as crises
• Enfrentar de forma organizada e eficiente os problemas
Solução de
• Tomar decisões rápidas e firmes
Problemas
• Usar de assertividade e proatividade
• Considera alternativas durante a crise
Figura 1. Elementos do CRM que podem ser utilizados nas emergências.
Fonte: Adaptada de Hicks et al. (2012) e Flin et al. (2010).

O treinamento de CRM com simulação inclui fee- emergência; afinal, elas não são um fim em si mes-
dback formal e análises de desempenho, de modo mas. As HNT são complexas e diversas, e atraves-
a demonstrar as vantagens sobre a instrução didá- sam toda essa assistência, devendo, portanto, ser va-
tica, aumentar o envolvimento dos participantes lorizadas nos cenários de simulação, tanto quanto o
no processo de aprendizagem e permitir mudan- trabalho em equipe e as tomadas de decisão.
ças de atitude que reflitam a melhoria do trabalho
em equipe (HICKS; BANDIERA; DENNY, 2008).
4.3. SIMULAÇÃO E O ENSINO DE ENFERMAGEM
Observa-se, portanto, que as HNT envolvem EM URGÊNCIA E EMERGÊNCIA POR
recursos cognitivos, sociais e pessoais que susten- MEIO DE CENÁRIOS SIMULADOS
tam a base sobre a qual a interação e a dinâmica da
equipe são construídas. Dessa forma, ao contrário As estações simuladas são estratégias para en-
das habilidades técnicas, que podem ser trabalha- sino-aprendizagem, em que um conjunto de condi-
das em simulações de tarefas isoladas, para susten- ções são criadas ou replicadas para reproduzir si-
tar as ações dos participantes nos cenários simula- tuações da realidade por meio de cenários práticos,
dos de situações clínicas, as HNT são geralmente controlados e protegidos, com diferentes níveis de
trabalhadas durante esses cenários (PAIGE, 2010; complexidade, fidelidade, autenticidade e compe-
CAVALCANTI; GONNELLI; CARMO, 2020). tências. Possuem como principal objetivo amplifi-
Além disso, estratégias de treinamento visando car ou substituir experiências reais por experiências
apenas às habilidades procedimentais são insufi- dirigidas, com o papel de evocar ou replicar aspec-
cientes para habilitar os estudantes a realizar ade- tos substanciais do mundo real de maneira intera-
quada assistência durante eventos de urgência e tiva (DOMINGUES; NOGUEIRA; MIÚRA, 2020).

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso de


simulação em enfermagem nas Emergências 241
O EBS para enfermagem em emergência pode perceptíveis para o participante ou pode ser um
ser conduzido para fins de aprendizagem (habili- agrupamento de elementos que são reunidos para
dades técnicas pontuais ou manejo de situações dar apenas uma aparência parcial da realidade. O
clínicas complexas) ou de avaliação (JEFFRIES; importante nos cenários para manejo de situações
RODGERS; ADAMSON, 2015). O treino de habi- críticas, ou de urgência, é perceber o que utilizar
lidades específicas é fundamental, mas é na reso- para um treinamento que permita aos participan-
lução de cenários completos e complexos, em am- tes um senso aproximado da realidade. Destaca-se
biente de simulação, que os estudantes consolidam que, segundo Jeffries, Rodgers e Adamson (2015),
seus saberes e desenvolvem as capacidades de ra- uma simulação completamente realista é rara, e, de
ciocínio crítico e tomada de decisão. A construção acordo com Tun et al. (2015), as simulações traba-
dos cenários deve, portanto, integrar conteúdos te- lham com uma fidelidade subabsoluta, pois exis-
óricos e habilidades técnicas e não técnicas, permi- tem elementos irreais que são utilizados para au-
tindo a organização das competências e do raciocí- mentar o nível de realismo dos cenários. Afinal, os
nio clínico para adequada assistência (PAIGE, 2010). simuladores, por exemplo, são claramente cons-
A simulação no treinamento dos enfermeiros de truídos com materiais diferentes da real compo-
emergência já é um fato, entretanto aspectos como sição dos seres humanos, os sons respiratórios em
tipo de simulação, quando, como e para qual propó- um manequim são tipicamente distinguíveis quali-
sito precisam ser objeto de atenção. Além disso, as tativamente dos sons respiratórios reais, entre ou-
funções da equipe de enfermagem no cuidado em tras situações (LAUCKEN, 2003; DIECKMANN;
saúde dentro da Rede de Atenção às Urgências são GABA; RALL, 2007).
independentes, interdependentes e de colaboração, Os cenários de simulação podem ser projetados
pois trata-se de assistência que demanda trabalho para as várias áreas de urgência (clínicas, traumá-
em equipe. Diante disso, é importante considerar ticas, obstétricas, pediátricas, psiquiátricas), con-
a articulação com outras áreas de conhecimento, siderando situações rotineiras (suporte básico de
como medicina, farmácia, serviço social, fisiotera- vida, suporte avançado de vida, crise hipertensiva,
pia, psicologia, entre outras, por meio de simulações
por exemplo) ou menos comuns (edema agudo de
interprofissionais (SOBRAL et al., 2013).
pulmão, intoxicação, hemorragia digestiva etc.),
Na montagem das estações simuladas para o en-
permitindo aos estudantes o aprendizado ou apri-
sino de urgência e emergência para enfermagem,
moramento de suas habilidades para condução dos
existem diversas estratégias que podem ser esco-
casos (MCLAUGHLIN et al., 2013).
lhidas, entre as quais se destacam: 1. simulação clí-
É importante saber como preparar o cenário simu-
nica para treinamento de habilidades; 2. simula-
lado, pois este consiste no plano detalhado para condu-
ção clínica com uso de simuladores de diferentes
ção da simulação, cujo design direciona a abordagem
tipos; 3. simulação clínica com paciente simulado
de aspectos essenciais da estrutura, do processo e dos
(simulação cênica); 4. simulação híbrida; 5. Prática
resultados da atividade (DOMINGUES; NOGUEIRA;
Deliberada em Ciclos Rápidos (PDCR); 6. simula-
ção virtual; 7. simulação in situ; 8. telessimulação. MIÚRA, 2020). Existem na literatura diferentes pro-
Um cenário simulado pode ser tão detalhado postas para estruturação de um cenário simulado, en-
que se aproxime das experiências reais, tentando tretanto os componentes essenciais costumam ser os
recriar todos os elementos de uma situação que são mesmos, sendo alguns detalhados no Quadro 4.

242 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 4 . Itens para estruturação de roteiros dos cenários simulados.

1. Tema/conteúdo a ser abordado (utilizar a matriz de conteúdos): escolher um título que represente o pro-
blema a ser trabalhado.

2. Objetivos de aprendizagem/avaliação: o objetivo geral é o resultado que se espera com o aprendizado. Os


objetivos específicos são as medidas de desempenho do participante, que geralmente são disponibilizados
apenas para os facilitadores. O número de objetivos específicos depende da complexidade e do tempo esta-
belecido para o cenário. Podem-se utilizar os marcos de competências, que devem ser mobilizados no de-
senvolvimento da estação.

3. Competências gerais a serem desenvolvidas: conhecimentos, habilidades e atitudes esperados do partici-


pante ao final da atividade, definindo as habilidades específicas a serem demonstradas.

4. Tipo de simulação: definir entre simulação clínica com uso de simulador (manequim), simulação clínica
com o uso de paciente simulado (se padronizado), role play, simulação híbrida, prática deliberada de ciclos
rápidos, simulação in situ, simulação interprofissional, simulação virtual ou telessimulação.

5. Caso/situação clínica: informações do caso clínico a ser desenvolvido e das tarefas a serem cumpridas, des-
crevendo-o de maneira sucinta e clara, com informações essenciais para o alcance dos objetivos propostos.

6. Lesões/patologias: definir os achados do exame físico e exames complementares a serem explorados, bem
como as decisões críticas de diagnóstico e tratamento.

7. Procedimentos médicos a serem realizados (se houver): definir os materiais e equipamentos que deve-
rão estar presentes no cenário simulado.

8. Distratores: devem ser pensados com o propósito de auxiliar na aprendizagem e aproximar o cenário de con-
dições reais, entretanto não devem desviar a atenção do participante, afastando-o dos objetivos propostos.

9. Cenário de prática: local/referência de local em que será realizado o atendimento/procedimento.

10. Problemas de comunicação: com pacientes, familiares e membros da equipe interprofissional, utilizando
as situações mais frequentes de conflitos.

11. Conflitos éticos e jurídicos: caso se apliquem aos objetivos da simulação, realizar a inclusão.

12. Situação interprofissional envolvida: nos casos de utilização, definir as competências comuns e colaborativas.

13. Nível estimado de dificuldade: fácil, médio ou difícil.

14. Informações complementares: inserir outras informações que possam ser úteis na construção da estação.

15. Protocolo/consenso: de orientação para a construção e ponderação do checklist.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Em relação ao desenvolvimento dos cenários, eles • Estação simulada: momento da ação de simula-
devem acontecer de acordo com as seguintes etapas: ção em que a tarefa é realizada de forma prática,
• Pré-briefing: deve ser conduzido de forma estru- sendo observada pelo facilitador e pelos demais
turada antes do desenvolvimento do cenário, em participantes, com ou sem gravação audiovisual.
que o facilitador realiza orientações aos partici- • Debriefing e sessão de feedback: momento em
pantes sobre o espaço, equipamento e simulador. que o debriefing é uma fase planejada e voltada
• Briefing: no qual devem ser repassadas todas as para a promoção do pensamento reflexivo e o
orientações específicas quanto ao cenário si- aperfeiçoamento do desempenho futuro do par-
mulado que será desenvolvido, com a apresen- ticipante com feedback formativo, para enrique-
tação do problema e dos passos relativos à ta- cer o aprendizado e contribuir para a consistên-
refa a ser realizada.

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso de


simulação em enfermagem nas Emergências 243
cia da experiência tanto para os participantes pares, com reflexões sobre condutas e conquis-
quanto para os facilitadores. tas e possíveis melhorias (INTERNATIONAL
• Reflexão pós-prática: refere-se às reflexões NURSING ASSOCIATION FOR CLINICAL
decorrentes da vivência de participantes, fa- SIMULATION AND LEARNING, 2016;
cilitadores e suas interações, levando a um NOGUEIRA; DOMINGUES; BERGAMASCO,
processo de autoavaliação e avaliação entre 2020).

Quadro 5. Temas indicados para o treinamento de enfermeiros para atuação nos atendimentos de urgência e
emergência.

TIPO DE URGÊNCIA TEMA PARA TREINAMENTO

• Sofrimento respiratório agudo (crise asmática, doença pulmonar obstrutiva crô-


nica, infecções respiratórias, quadros de obstrução por corpo estranho e edema
agudo de pulmão)

Urgências clínicas • Doenças circulatórias (infarto agudo do miocárdio, angina instável, arritmias, aci-
no paciente adulto dente vascular encefálico, quadros isquêmicos e edema agudo de pulmão)
• Doenças metabólicas (diabetes descompensado, coma hipoglicêmico e coma
hiperosmolar)
• Intoxicações exógenas
Urgências clínicas • Sofrimento respiratório agudo (mal asmático, obstrução por corpo estranho, fa-
na criança ringites e epiglotites)
• Atendimento inicial do paciente politraumatizado
• Traumatismo raquimedular
• Traumatismo cranioencefálico
• Trauma torácico
• Trauma abdominal
• Trauma de extremidades
Urgências traumáticas • Choque e hemorragias
no adulto e na criança • Trauma de face
• Queimaduras
• Quase afogamento
• Trauma na gestante
• Lesões por eletricidade
• Acidentes com múltiplas vítimas
• Acidentes com produtos perigosos
• Psicoses
Urgências • Tentativa de suicídio
psiquiátricas • Depressões
• Síndromes cerebrais orgânicas
• Trabalho de parto normal
• Apresentações distócicas
• Hipertensão na gestante e suas complicações
Urgências obstétricas
• Hemorragias
• Abortamento
• Cesárea post mortem

Fonte: Adaptado de Brasil (2003).

O Quadro 5 traz em seu escopo alguns dos pos- magem, considerando os itens do Quadro 2 e ainda
síveis cenários a serem trabalhados na educação algumas questões relativas aos cenários apresenta-
baseada em simulação para estudantes de enfer- das no Quadro 6.

244 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 6. Itens para estruturação e organização prévia da estação simulada completa.

DEFINIÇÕES PRÉVIAS:
• Gravação do cenário: definir se será realizada a gravação, bem como os equipamentos e o responsável.
• Tipo de comunicação entre estudante/candidato e avaliadores: forma verbal, escrita, visual.
1. Instruções para o participante/estudante/candidato: informações essenciais para o caso clínico e defini-
ção das tarefas e de sua duração (estabelecer um limite de duração da atividade com tempo suficiente para
que os participantes atinjam os objetivos).

2. Instruções sobre o cenário simulado: realizar a listagem dos recursos de acordo com as necessidades e pos-
sibilidades do cenário: 1. espaço para a simulação; 2. simuladores (manequins), se forem utilizados; 3. mo-
biliários (cama, cadeira, armários, suporte de soro e biombo); 4. equipamentos (monitor, aspirador e foco);
5. materiais (seringas, sondas e termômetro); 6. documentação de apoio (cartas de encaminhamento, fi-
cha de atendimento e exames complementares); 7. utilização de recursos diagnósticos e terapêuticos, de
medicações e de equipamentos; e 8. adereços (roupas, documentos de identificação, embalagens de remé-
dios, exames prévios, dispositivos invasivos, maquiagem, sangue e secreções).

3. Checklist de montagem da estação: incluindo a disposição do mobiliário e das pessoas envolvidas em cena,
para sua padronização e reprodutibilidade.

4. Recursos humanos para condução do cenário: definir os diferentes papéis a serem desempenhados no ce-
nário para estabelecer o número de participantes e seus pré-requisitos. Em relação ao levantamento dos
recursos humanos, devem ser incluídos facilitadores, pacientes simulados ou padronizados, operadores
de equipamentos tecnológicos e outros que venham a se fazer necessários.

5. Orientações ao paciente simulado: script e, caso haja necessidade, descrição das observações para mou-
lage, vestimenta e adereços.

6. Orientações e informações ao examinador/avaliador: descrição sequencial e cronológica das condutas a se-


rem tomadas pelo estudante/candidato.

7. Informações sobre o caso e condutas a serem tomadas: descrição das possibilidades de condutas que o es-
tudante/candidato pode adotar, definindo como agir.

8. Fluxograma de decisões possíveis das estações: para auxílio no desenvolvimento do cenário de acordo com
a evolução e as ações do participante.

9. Checklist do examinador/avaliador: contendo as ações/atividades adequadas que os participantes devem


desenvolver durante a prática simulada.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Ressalta-se que esse treinamento deve ser con- O treino de habilidades específicas é fundamen-
tinuado após a graduação, de modo a permitir que tal para a enfermagem que atua em urgência, mas é
enfermeiros residentes e aqueles já atuantes na na resolução de cenários completos e complexos, em
profissão possam aprimorar conhecimentos e com- ambiente de simulação, que os estudantes consolidam
petências já adquiridos e revisá-los por meio de seus saberes, seus recursos sociais e pessoais, e desen-
retreinamentos. volvem as capacidades de raciocínio crítico, tomada de
decisão e competências técnicas, relacionais e éticas.

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Ensino de graduação, treino de habilidades e uso de


simulação em enfermagem nas Emergências 249
8. GINECOLOGIA E
OBSTETRÍCIA
CA P Í TUL O 8.1

O ensino da Ginecologia e
Obstetrícia na graduação
e residência médica

251
Edison Luiz Almeida Tizzot
Médico ginecologista
Doutor em Ginecologia pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR)
Professor de Tocoginecologia - UFPR

Roxana Knobel
Médico ginecologista
Doutora em Obstetrícia - UNICAMP
Professor de Tocoginecologia - UFSC

1. INTRODUÇÃO dado pré-natal, a assistência ao abortamento, a as-


sistência ao trabalho de parto e ao parto, indicações
A saúde da mulher constitui um dos grandes blo- e assistência ao parto instrumental e à cesariana e
cos de aprendizado teórico e prático do curso de cuidado puerperal, incluindo estímulo ao aleita-
Medicina. A sua importância denota-se no desdo- mento materno.
bramento de várias subdivisões de temas relacio- O desenvolvimento do modelo de ensino tem
nados ao aprendizado em ginecologia e obstetrícia. apresentado transformações. As escolas mais no-
Para a ginecologia, destacam-se os aspectos gerais vas já nasceram com a identidade das metodologias
do desenvolvimento e da saúde, da mulher da in- ativas de ensino, em especial com o Problem Based
fância à senectude, aspectos relacionados às infec- Learning (PBL) e Team Based Learning (TBL), téc-
ções de transmissão sexual, a promoção da saúde e nicas já bem difundidas e aplicadas mundialmente
prevenção do câncer, a oncologia ginecológica, tópi- (DENT; HARDEN, 2013). As escolas tradicionais
cos relacionados ao planejamento familiar e à anti- vêm se empenhando para de forma gradativa trans-
concepção, assim como o tratamento cirúrgico das formar os seus currículos, baseados em disciplinas
afecções que envolvem o aparelho genital feminino. e aulas magistrais, em metodologias ativas de en-
A área de obstetrícia é voltada ao cuidado do ciclo sino. Trata-se da evolução para o ensino-aprendi-
gravídico-puerperal fisiológico, e, para mulheres zagem direcionado para além da esfera cognitiva,
com patologias e/ou possíveis complicações, des- abrangendo a transmissão e avaliação de habilida-
tacam-se o planejamento pré-concepcional, o cui- des e competências clínicas.

252 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
A Associação Americana de Professores e obstetrícia venha a ser direcionado de maneira
de Ginecologia e Obstetrícia (ASSOCIATION abrangente à saúde da mulher, tanto nas esferas fí-
OF PROFESSORS OF GYNECOLOGY AND sica e emocional, como nas diversas relações socio-
OBSTETRICS, 2019) apresenta métodos de ensino e culturais que as permeiam. Além disso, no cuidado
avaliação relacionando-os às suas aplicabilidades em do ciclo gravídico-puerperal, devem-se considerar
temas específicos da saúde da mulher. Um dos pontos algumas particularidades, como a crescente medi-
de destaque é o ensino com simulação. Os tempos de calização do parto com altas taxas de cesariana, a
“tentativa e erro”, ou “veja uma vez, faça uma vez e saúde da prole e os cuidados para facilitar a forma-
ensine uma vez”, estão deixando de ser as principais ção do vínculo entre mãe e bebês. O processo de
fontes de aprendizado (GARDNER; RAEMER, 2008). saúde-fisiologia e adoecimento-patologia da mu-
A simulação permite a aquisição de competências e lher durante todo o ciclo de vida é complexo. Os
habilidades orientadas de forma prática e adequada contextos relativos ao envolvimento da mulher na
para o posterior atendimento das pacientes com se- sociedade e nas diferentes constituições familiares,
gurança e qualidade. Em ginecologia e obstetrícia, as os determinantes sociais de saúde e adoecimento, e
práticas de simulação podem envolver reconstituição a medicalização dos processos fisiológicos são, por
de procedimentos de rotina, avaliações clínicas, situa- exemplo, importantes variáveis de comportamento e
ções de emergências, eventos cirúrgicos e habilidades exposição a adaptações e alterações da saúde. Esses
direcionadas à comunicação, tanto de relação médico conteúdos devem ser reconhecidos e contemplados
e paciente quanto entre equipe e profissionais. Nesse em sua integralidade e individualidade. Também
aspecto, pode-se recorrer a atores, equipamentos ou é importante que o estudante de graduação tenha
manequins, usados isoladamente ou em conjunto, a contato com as melhores evidências científicas dis-
depender do objetivo educacional que se queira atingir. poníveis e aprenda a buscá-las, conhecê-las e in-
terpretá-las. A oferta desses conhecimentos deve
iniciar-se no primeiro ano do curso, com destaque
2. GRADUAÇÃO para a atuação na promoção da saúde e prevenção
de doenças, constituindo-se em um importante elo
As orientações gerais para a formação dos currículos na saúde da mulher seja qual for a etapa de vida em
nas diversas áreas de conhecimento devem consi- que ela se encontre (TIZZOT, 2014).
derar que, de acordo com as Diretrizes Curriculares Com base nas premissas já citadas e consolida-
Nacionais (DCN) dos cursos de Medicina (BRASIL, das nas DCN, o modelo de ensino que seguia a he-
2014), o egresso completará uma formação gene- rança supostamente deixada pelo relatório Flexner
ralista, de modo a estar apto a atuar em unidades (ALMEIDA FILHO, 2010) teve que ser integral-
básicas de saúde (UBS) e serviços de pronto aten- mente revisto. As características marcantes do mo-
dimento logo após finalizado o seu curso. A insti- delo tradicional – ter como principal local de atua-
tuição de ensino deve propiciar a formação de um ção grandes centros hospitalares; foco no modelo
profissional capacitado a atuar nos diferentes níveis biomédico, sem ênfase nos determinantes sociais;
de atenção no processo saúde-doença, com ações promoção da especialização com aprofundamento
de promoção e recuperação da saúde, e prevenção de conhecimentos específicos; fragmentação do
de doenças, promovendo a saúde integral da mu- conhecimento; e pouco enfoque na compreensão
lher. Nesse aspecto, o ensino de ginecologia e obs- holística dos processos de saúde e doença – não se
tetrícia se enquadra como uma especialidade apta adaptam mais ao perfil do profissional que as es-
a abranger os vários aspectos previstos nas DCN, colas médicas almejam formar.
pois a meta é desenvolver no aluno a assistência in- Essa transformação do modo de ensino-apren-
tegral à mulher, desde a infância, estendendo-se à dizagem intensificou-se a partir de 2020 com as
adolescência, ao ciclo gravídico-puerperal, à ma- restrições impostas pela pandemia da coronavirus
turidade reprodutiva, ao climatério e à senectude. disease 2019 (Covid-19), tornando essencial a adap-
Todo o ciclo de vida da mulher é contemplado, mos- tação para um modelo híbrido, alternando ativida-
trando a riqueza da especialidade. des on-line e práticas presenciais.
As expectativas, os desejos, as necessidades e A orientação dos currículos por competência
as exigências da mulher transcendem o motivo da na área da saúde implica a inserção dos estudan-
consulta. Isso faz com que o ensino de ginecologia tes em cenários da prática profissional com a rea-

O ensino da Ginecologia e Obstetrícia


na graduação e residência médica 253
lização de atividades educacionais que promovam recorrer à rede de serviços de saúde como um todo,
o desenvolvimento dos desempenhos (capacidades envolvendo atenção básica e especializada, ambu-
em ação). A diversificação dos cenários de prática e latorial, hospitalar e domiciliar. Nesse sentido, do
de aprendizagem tornou-se, ao longo dos anos, uma ponto de vista institucional, os laboratórios de si-
construção fundamental, primordialmente pelo re- mulação cresceram em importância. Na gradua-
conhecimento de que há diferentes tipos de com- ção, o uso de simuladores permite uma aproxima-
plexidades envolvidas nos problemas de saúde, que ção gradual a diversos temas, sem colocar em risco
exigem a mobilização de diferentes áreas do saber a segurança do paciente e estimulando os alunos
e diferentes arranjos tecnológicos. em atividades práticas. Por exemplo, habilidades
A atuação na comunidade, com o objetivo de co- básicas de sutura podem ser treinadas em simula-
nhecer a realidade das mulheres no dia a dia, tor- dores simples com tecidos tipo “courvin” ou pele
nou-se o passo inicial para o futuro entendimento falsa. A construção de simuladores pelos próprios
das doenças que possam ser adquiridas e desen- estudantes pode ser uma oportunidade de traba-
volvidas. No cenário real, a aplicação do Arco de lhar várias esferas cognitivas. O processo de cria-
Maguerez reflete-se como uma envolvente me- ção exige planejamento, trabalho em equipe, boa
todologia de ensino, desenvolvida a partir da ob- comunicação, além de aprofundar o conhecimento
servação da realidade, da definição do problema, sobre anatomia, fisiologia e fisiopatologia de uma
da investigação dos pontos-chave, da teorização e forma lúdica e criativa.
elaboração de hipótese de solução, e da aplicação Essa transformação apresenta inúmeros obstá-
à realidade de uma ou mais hipóteses de solução culos, em especial a dificuldade de os docentes que
(COLOMBO; BERBEL, 2007). Com a problemati- habitualmente exercem área específica da especia-
zação, os alunos ultrapassam a simples retenção de lidade abandonarem as particularidades de suas
informações na memória e desenvolvem habilida- áreas de atuação para converterem-se em profes-
des reflexivas, criativas e críticas, que os instigam sores dos aspectos básicos, por exemplo, que en-
a transformar o simples conhecimento teórico em volvem o acompanhamento do pré-natal normal
elaborados planos de atenção à saúde da mulher. e as patologias ginecológicas prevalentes nas co-
Essas novas concepções promoveram mudanças munidades. Observamos um clima de insegurança
fundamentais na antiga estrutura de ensino tradi- quando se veem diante dos atendimentos básicos,
cionalmente hospitalocêntrica. Os cenários tradicio- dos quais as suas especializações os tornaram dis-
nais de ensino na área da ginecologia e obstetrícia tantes. O que se observa é que as escolas médicas
– os hospitais de ensino –, em função da produ- mais tradicionais ainda estão num processo lento
ção do conhecimento especializado e das moda- mas progressivo de adaptação a essas demandas.
lidades de financiamento, converteram-se em lo- Nos Estados Unidos, Association of Professors
cais de atenção terciária e quaternária. A atenção of Gynecology and Obstetrics (APGO) delineou os
hospitalar ambulatorial tornou-se centro de espe- tópicos mais importantes relativos à saúde da mu-
cialidades. Os ambulatórios de ginecologia e obs- lher para o desenvolvimento do conhecimento, das
tetrícia geral passaram a ser ambulatórios de áreas habilidades e das atitudes fundamentais para o es-
específicas, como de pré-natal de alto risco, medi- tudante de Medicina, sintetizando-as nas seguintes
cina fetal, patologia do trato genital inferior e col- unidades de ensino: atendimento da paciente, obste-
poscopia, endocrinologia ginecológica, climatério, trícia normal, obstetrícia patológica, temas de gine-
entre outros. As consultas de pré-natal e puerpério cologia geral, procedimentos, unidade de neoplasia,
unidade de sexualidade humana e cuidados da saúde
de risco habitual, as primeiras consultas ginecoló-
da mulher. Para cada um dos tópicos, são individua-
gicas e as consultas de atendimento de alterações
lizados os níveis de competência esperados, do iní-
ou patologias de menor complexidade hoje são rea-
cio do internato até a sua finalização. Destacam-se
lizadas em outros equipamentos de saúde, como as
ainda os métodos de ensino e avaliação sugeridos
UBS. O hospital considerado como a principal sede para cada etapa, as competências necessárias, os as-
de vários cursos de Medicina tornou-se limitado na pectos relacionados à qualidade, à resolutividade e
oferta de aprendizado para a graduação e o início aos custos dos atendimentos, os tópicos emergen-
da residência médica. Para assegurar os espaços de tes, os recursos on-line disponíveis e os marcos de
prática necessários para uma graduação de quali- competência (ASSOCIATION OF PROFESSORS
dade, as instituições de ensino superior passaram a OF GYNECOLOGY AND OBSTETRICS, 2019).

254 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
3. EXPERIÊNCIA DE UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO dimentos simulados, de modo a minimizar a ainda
NA GRADUAÇÃO
existente divisão por disciplinas, fazendo com que
ginecologia passe a ser parte integrante do ensino-
No curso de Medicina da Universidade Federal do -aprendizado de forma horizontal.
Paraná (UFPR), após várias reuniões entre professo- Nesse caminho, sentimos igualmente a neces-
res sensibilizados pelas novas exigências das DCN e sidade de compartilhar aspectos do ensino com si-
com as metodologias ativas de ensino, vivenciamos mulação em ginecologia-obstetrícia em ambientes
tempos de mudanças gradativas. Inicialmente sen- protegidos ou em simulações da realidade. O apren-
timos a necessidade de orientar o nosso aluno so- der com o erro e a repetição de procedimentos sob a
bre o novo perfil do médico a ser formado e, dessa assistência de professores e outros profissionais da
forma, introduzi-lo nas metodologias ativas de en- área da saúde foram incorporados na evolução do
sino, ferramenta indispensável para a quebra dos aluno de graduação. Professores de áreas diversas
paradigmas do ensino tradicional. “Dividimos” o dedicados ao laboratório de simulação passaram a
ensino de ginecologia inicialmente com a equipe incorporar em seus currículos a realização de ca-
de saúde coletiva, que, por meio do módulo de sos clínicos e exames ginecológicos simulados em
“Território e Saúde”, passou a ofertar o contato manequins. Dessa forma, aspectos referentes à pro-
do aluno com a comunidade já no primeiro ano pedêutica ginecológica e aos exames de prevenção
de curso. Simultaneamente introduzimos a disci- do câncer do colo uterino e da mama desde cedo
plina “Saúde e Sexualidade na Adolescência”, em são apresentados e praticados.
que elementos básicos de fisiologia, como com- Atentos à necessidade de desenvolvimento de
preensão das transformações hormonais da mu- competências e habilidades voltadas às reais neces-
lher na adolescência e anticoncepção, mostraram- sidades da comunidade, promovemos em nossa es-
-se essenciais para o aprendizado inicial e pessoal cola a quebra de paradigmas, afastando-se do en-
de cada estudante, tornando-se um conteúdo pre- sino focado em doenças e excepcionalidades. Uma
paratório para o entendimento dos diversos temas nova e radical abordagem envolveu em especial o
de ginecologia e obstetrícia. Essa disciplina traba- conteúdo da disciplina de ginecologia, com mudan-
lha com conteúdo essencialmente prático, sendo ças essenciais nos tópicos e na maneira de serem
constituída por sessões de TBL que contemplam abordados pelo nosso grupo de professores, ante-
temas da realidade da mulher, de vivência própria riormente dedicados apenas às subespecialidades.
do aluno, como aspectos de sexualidade, anticon- Os tratados dedicam mais de mil páginas a te-
cepção e prevenção de infecções de transmissão se- mas de ginecologia, divididos em inúmeros capítu-
xual, assim como temas de observação nos conta- los, o que evidentemente é impossível de ser estu-
tos iniciais com a comunidade. dado durante o curso de Medicina. Por exemplo, o
A participação no Programa de Educação pelo renomado Bereck & Novak: tratado de ginecologia,
Trabalho para a Saúde (PET-Saúde)1, em parceria de Jonathan S. Berek (2014), contém 40 capítulos
com secretárias municipais de saúde, tem igual- distribuídos em 1.184 páginas. Portanto, no período
mente facilitado a interação do aluno nos proble- em que é ministrada a disciplina de ginecologia, em
mas comunitários relacionados à mulher. Com a um semestre ou 20 semanas, o aluno teria de percor-
constituição de equipes multidisciplinares, abor- rer aproximadamente 60 páginas por semana ou es-
dagens específicas como anticoncepção na ado- tudar de oito a nove páginas por dia, além de ter de
lescência, pré-natal e prevenção do câncer gine- encaixar esse tempo entre os ensinamentos de obs-
cológico integram o escopo dessas atividades. A tetrícia e as demais disciplinas do mesmo período.
interação com estudantes de outras áreas da saúde, Concluímos ser essencial a construção de um novo
como enfermagem, farmácia, odontologia, nutri- modelo de ensino-aprendizado direcionado para o
ção e terapia ocupacional, desenvolve no aluno a conhecimento dos tópicos que espelham a maio-
compreensão da saúde da mulher na sua integrali- ria dos eventos ginecológicos abordados nas UBS.
dade. Essas atividades contam com rodas de con- Baseados nas estatísticas das queixas ginecológicas
versa em reuniões conjuntas entre professores de mais frequentes, selecionamos 12 temas: consulta
saúde coletiva e ginecologia e obstetrícia, e aten-

1
Mais informações estão disponíveis em: https://www.ufpr.br/portalufpr/?s=Pet+saude&post_type=noticias

O ensino da Ginecologia e Obstetrícia


na graduação e residência médica 255
ginecológica, desenvolvimento infanto-puberal, an- A simulação dos procedimentos torna-se impe-
ticoncepção, leucorreia e infecções de transmissão riosa, criando momentos que permitam o feedback
sexual, tensão pré-menstrual e dismenorreia, dor imediato e a oportunidade de realizá-los repetida-
pélvica e endometriose, climatério, sangramentos mente até que se alcance a habilidade necessária
uterinos anormais, pólipos e miomas, massas ane- para desenvolvê-los de forma segura e resolutiva.
xiais, prevenção de câncer de colo do útero e pre- Durante o internato, torna-se essencial a avalia-
venção de câncer de mama. Esses temas são ini- ção progressiva das habilidades e competências dos
cialmente apresentados em aulas magistrais pelos alunos. A atividade prática do estudante em muitas
especialistas das áreas relacionadas – ou com envio situações resume-se a observar o atendimento dos
prévio de material para estudo individual – e pos- estagiários mais graduados ou de médicos residen-
teriormente trabalhados dentro da metodologia de tes. Como nessa atividade o acadêmico deve ado-
TBL (BOLLELA et al., 2014; KRUG et al. 2016), o tar uma atitude passiva, muitos alunos abrem mão
que é realizado na semana seguinte ao tema abor- dela para que possam se concentrar nas aulas teó-
dado em aula teórica. Em grupos de dez a 15 inte- ricas que lhes permitem um maior desempenho nas
grantes, os alunos são orientados por um mesmo provas para a residência médica, o que criando um
professor durante todo o semestre, independente- descompasso entre o que se ensina e a vida real. Na
mente do tema. Nesse formato, cria-se uma avalia- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP),
ção formativa que traz à tona, de forma imediata, observou-se que, por meio da criação de estações
os erros e acertos, e permite o acompanhamento do simuladas direcionadas a variados temas de gineco-
desenvolvimento individual dos alunos. logia e obstetrícia, os estudantes passaram a partici-
par assiduamente das atividades práticas.Da mesma
forma, os professores identificaram o desempenho
4. INTERNATO dos estudantes nessas práticas como parâmetro de
qualidade do ensino (REIS, 2012).
O internato em ginecologia e obstetrícia representa, Durante o internato, torna-se essencial a avalia-
de forma geral, o complemento didático para que ção progressiva das habilidades e competências dos
o egresso do curso de Medicina termine a sua for- alunos. Sobre as avaliações práticas do estudante de
mação generalista e seja capacitado para prestar Medicina, ressalta-se a necessidade de que as avalia-
atendimento futuramente como médico em UBS ções tradicionalmente realizadas no cenário hospi-
e unidades de pronto atendimento, como prevê o talar sejam padronizadas, com a criação de ambien-
Programa Mais Médicos (BRASIL, 2013). A carga tes simulados em que cada habilidade específica seja
horária prática é prioritária, com aulas teóricas não testada (TIBÉRIO et al. 2012). A avaliação com esta-
podendo exceder mais de 20% da carga horária total. ções de ginecologia e obstetrícia, conforme a meto-
Nesse momento, aos hospitais universitários cabe dologia do Objective Structure Clinical Examination
permitir o trânsito do estudante nos ambulatórios (OSCE) preconizada por Ronald Harden et al. em
especializados de ginecologia e de obstetrícia, nesse 1975, é hoje mundialmente difundida e reconhecida
caso com enfoque sobre o diagnóstico de intercor- como um dos melhores métodos para avaliação de
rências e agravos da gestação. Na área de obste- habilidades clínicas, sendo considerada fidedigna,
trícia, o internato deve ser focado nas maternida- acurada, flexível e de alto impacto educacional.
des (ou nos setores) de atendimento de gestantes Utilizando-se de simuladores, atores ou mesmo pa-
de baixo risco, de modo que o estudante possa ter cientes reais, essa metodologia deve ser proposta
contato com a área e realizar procedimentos bási- para avaliar os conhecimentos, as habilidades e
cos de obstetrícia, inclusive a assistência ao traba- as atitudes dos alunos, fornecendo-lhes feedback
lho de parto e ao parto normal, assim como reco- para que atinjam o marco de competência desejado.
nhecer as intercorrências da evolução fisiológica A criação de um laboratório de simulação pode
do processo de parturição e as suas principais con- contar com manequins modernos de alta fidelidade
dutas. Os procedimentos cirúrgicos ginecológicos ou mesmo adaptações criativas de baixo custo.
deverão ser motivo de observação dos estudantes, Diversos simuladores de baixo custo podem ser
que sempre que possível deverão se paramentar e confeccionados para treinamento de situações obs-
estar presentes no teatro operatório. tétricas, como parto fisiológico e resolução de dis-

256 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
tocias, sutura de períneo e condutas na hemorragia marcos de competência são essenciais para que
pós-parto (KNOBEL et al., 2020). Manequins gine- se estabeleçam as competências e habilidades a
cológicos podem ser construídos com argila esco- serem desenvolvidas em complexidade crescente.
lar, gesso, látex, anilina de várias cores, borracha A experiência a ser adquirida nos hospitais
de silicone e espuma de polietileno (RODRIGUES universitários também é fundamental para que
et al., 2012). Os manequins permitem a realização o aprendizado das condutas especializadas, dos
de procedimentos como exame especular, coleta de principais procedimentos ginecológicas e obs-
material para citologia oncótica de Papanicolaou, tétricos, e os atendimentos de urgência sejam de
toque vaginal, entre outros. Procedimentos cirúr- domínio do médico residente. Habilidades espe-
gicos podem ser replicados em variados simula- cíficas como a realização de ultrassonografia gi-
dores (DEERING; AUGUSTE, 2013). necológica e obstétrica integram esse conteúdo.
Na UFPR, uma experiência gratificante acon- Ao residente do terceiro ano caberão o entendi-
teceu no treinamento para a realização de cirurgia mento e a resolução dos processos mais comple-
de alta frequência, utilizando-se material biológico xos envolvendo a ginecologia (também mastologia
de língua de boi que apresenta textura semelhante e oncologia) e obstetrícia. Uma parte de sua par-
ao colo uterino. Comprimindo-se entre duas fo- ticipação poderá ser direcionada, no último ano
lhas de material rígido, simula-se o colo uterino,
da residência, às subespecialidades para as quais
e manchas pintadas em sua superfície mimetizam
demonstre maior interesse e habilidade.
as neoplasias intraepiteliais cervicais, permitindo-
A Comissão Nacional de Residência Médica
-se a prática desde biópsias simples até conizações.
(CNRM), em trabalho conjunto com a Federação
Manipulação de pinças e suturas cirúrgicas lapa-
Brasileira das Associações de Ginecologia e
roscópicas podem ser treinadas em “caixa preta”
Obstetrícia (Febrasgo), enumera objetivos espe-
de construção relativamente simples.
cíficos relacionados em competências por ano de
Na Universidade Federal de Santa Catarina
treinamento. Destacam-se como eixos de apren-
(UFSC), elaborou-se um simulador de baixo custo
com uma bermuda de tecido maleável com um dizado: atenção à saúde e cuidados no período
“furo” no local do períneo, que o estudante ou uma pré-natal, atenção à saúde e cuidados no período
atriz veste por cima da roupa habitual, um boneco intraparto, atenção à saúde e cuidados no perí-
adquirido em lojas comerciais e uma placenta com odo puerperal, habilidades técnicas em procedi-
cordão confeccionados com crochê. O simulador mentos em obstetrícia, habilidades técnicas em
permite o treinamento da assistência ao parto fi- procedimentos em ginecologia, atenção à saúde e
siológico e com distocias ou outras complicações. cuidados nas desordens do assoalho pélvico (in-
Além desse treinamento, ao vivenciarem os diver- continência urinária e fecal, prolapsos genitais),
sos papéis no cenário de simulação (parturiente, abordagem das massas pélvicas e dos tumores de
médico assistente, acompanhante), os estudan- ovários, dor pélvica aguda e crônica, contracep-
tes podem experienciar aspectos relacionados à ção e planejamento familiar, sangramento uterino
assistência, à comunicação verbal e não verbal, à anormal, cuidados referentes a infecções, condi-
relação médico-paciente e a outros temas, e re- ções e patologias relacionadas à ginecologia endó-
fletir sobre eles. crina, controle do câncer de colo nos níveis primá-
rio e secundário, patologias mamárias em níveis
primário e secundário, urgências e emergências, e
5. RESIDÊNCIA MÉDICA desordens não originárias do aparelho reprodutor.
Complementa-se o programa de residência em gi-
A residência médica em ginecologia e obstetrí- necologia e obstetrícia com abordagem referente
cia no seu primeiro ano visa sedimentar os conhe- à segurança do paciente e ao profissionalismo, e
cimentos gerais da especialidade e deveria manter cada item é detalhadamente descrito com níveis
intensa programação de atendimento na comuni- crescentes de complexidade, constituindo os mar-
dade e nos hospitais de baixa complexidade. Os cos de competência (BRASIL, 2019).

O ensino da Ginecologia e Obstetrícia


na graduação e residência médica 257
6. MAPEAMENTO DE CONTEÚDOS urgências e dos procedimentos a eles integrantes.
O Quadro 1 apresenta exemplos de temas, com os
O mapeamento de conteúdos deve ser desenvolvido procedimentos a eles relacionados, que devem in-
a partir do reconhecimento dos temas eletivos, das tegrar o aprendizado em obstetrícia e ginecologia.

Quadro 1. Mapeamento de conteúdos (exemplos).

TEMAS
PROCEDIMENTOS
ELETIVOS URGÊNCIAS
Relação
• Consulta humanizada e ambiente protegido
médico- paciente
Atendimento
Exame
à vítima de • História clínica e evidências periciais
ginecológico
violência sexual
Desenvolvimento
• Diagnóstico de amenorreia primária e secundária
puberal
Anticoncepção • Inserção de dispositivo intrauterino (DIU)
Anticoncepção
de emergência • Anticoncepção adolescente
Investigação
inicial de • Anamnese e exames
infertilidade
Leucorreias • Exame a fresco/diagnóstico etiológico
Infecções de Doença inflamatória • Manual do Ministério da Saúde
transmissão sexual pélvica • Coleta de material
Dismenorreia
• Diferenciação da dismenorreia primária e secundária
e tensão pré-
• Síndrome disfórica pré-menstrual
menstrual (TPM)
Dor pélvica Abdômen agudo • Fluxograma Dor Pélvica
• Diagnóstico clínico e ecográfico
Endometriose
• Videolaparoscopia
Climatério • Terapia de reposição hormonal (TRH)
Sangramento Hemorragias • Sistema PALM-COEIN
uterino anormal uterinas • Ultrassonografia
Pólipos e mioma Sangramento • Diagnóstico/ecografia
• Drenagem
• Consentimento informado
• Bases técnicas das cirurgias ginecológicas
Cirurgia
Abcessos • Cuidados pré e pós-operatórios
ginecológica
• Correção de incontinência urinária
• Conização
• Histerectomias e anexectomias
Massas anexiais Torção de cistos • Exames de imagem/tratamento cirúrgico
Prevenção do
• Interpretação citologia Papanicolaou
câncer
• Interpretação de mamografia
ginecológico

258 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Conização
Câncer
• Estadiamento
do colo uterino
• Referência e contrarreferência
• Biópsias
Câncer
• Estadiamento
de mama
• Referência e contrarreferência
Exame obstétrico • Ausculta fetal, manobras de Leopold e toque vaginal
• Preenchimento adequado do cartão de pré-natal, so-
licitação e interpretação de exames de rotina, acom-
Pré-natal de panhamento de peso e estado nutricional, acom-
risco habitual panhamento de pressão arterial, mensuração de
altura uterina (curva de crescimento uterino), discus-
são de plano de parto e preparação para o parto
• Solicitação de exames, comunicação, re-
ferência e contrarreferência
Amniorrexe • Avaliação de vitalidade fetal – ultrassonografia e
pré-termo cardiotocografia
Pré-natal de Pré-eclâmpsia/ • Solicitação de exames, diagnóstico diferencial e uso do sul-
alto risco eclêmpsia fato de magnésio
Restrição de
• Avaliação de vitalidade fetal – ultrassonografia
crescimento
e cardiotocografia
intrauterino
Óbito fetal • Diagnóstico, comunicação de más notícias e indução de parto
Intercorrências
Diabetes gestacional • Diagnóstico e seguimento do diabetes gestacional, e trabalho
clínicas na
descompensado em equipe multiprofissional
gestação
• Diagnóstico de trabalho de parto, acompanhamento do tra-
balho de parto, dinâmica uterina, indução de parto e condu-
ção de parto, métodos de alívio da dor e uso do partograma
Parto distócico • Uso do partograma, condutas para correção e registro
Trabalho de parto • Fatores de risco, inibição do trabalho de parto prematuro e
prematuro assistência ao parto prematuro
Situação fetal não • Avaliação de vitalidade fetal, cardiotocografia, ausculta inter-
tranquilizadora mitente e condutas para melhorar oxigenação fetal
Atendimento
Parto • Comunicação em situações de emergência, indicações, con-
ao parto
instrumentalizado traindicações, critérios de aplicabilidade, técnica e registro
• Indicações absolutas e relativas, riscos, técnica cirúrgica e cui-
Cesariana
dados pós-operatórios
Parto pélvico • Comunicação, assistência, manobras e registro
Distócia de ombros • Comunicação, assistência, manobras e registro
Lacerações de
• Diagnóstico, comunicação, técnica cirúrgica, cuidados
trajeto e lacerações
pós-operatórios e registro
perineais graves

O ensino da Ginecologia e Obstetrícia


na graduação e residência médica 259
• Cuidados puerperais, estímulo ao vínculo e ao aleita-
mento materno, cuidados familiares e trabalho em equipe
interprofissional
Puerpério
Sepse puerperal • Diagnóstico, tratamento e seguimento
Hemorragia • Diagnóstico, condutas, indicações e técnica cirúrgica quando
pós-parto necessária, trabalho interprofissional, comunicação e registro
Aleitamento • Incentivo ao aleitamento, diagnóstico, condutas nas princi-
Mastite
materno pais alterações e trabalho interprofissional
Abortamento
• Comunicação de más notícias, ultrassonografia, aspiração e
Sangramento e abortamento
curetagem, e tratamento clínico
de primeiro infectado
trimestre • Comunicação de más notícias, ultrassonografia, tratamento
Gestação ectópica
cirúrgico e tratamento clínico
Descolamento
Sangramento prematuro de • Diagnóstico, diagnóstico diferencial, indução de parto e cesárea
de segundo e placenta
terceiro trimestres • Fatores de risco, diagnóstico, diagnóstico diferencial, técni-
Placenta prévia
cas de cesárea.

7. MARCOS DE COMPETÊNCIA nato (nível 2); residente de primeiro ano (nível 3); re-
sidente de segundo ano (nível 4); residente de terceiro
Prosseguindo a construção de um ensino-aprendi- ano (nível 5) (ACCREDITATION COUNCIL FOR
zado que possa se estruturar na construção de si- GRADUATE MEDICAL EDUCATION; AMERICAN
mulações clínicas e cirúrgicas, devem-se desenhar BOARD OF OBSTETRICS AND GYNECOLOGY;
os marcos de competência que conduzam para as AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICS AND
Entrustable Professional Activities (EPA), as ativida- GYNECOLOGY , 2015).
des profissionais confiáveis. Cada EPA deve integrar A “Matriz de competências em ginecologia e
diversas competências e marcos de desempenhos, obstetrícia” da Febrasgo destaca a aplicação do
descritos na literatura médica com a denominação OSCE em ambientes simulados para a avaliação
de milestones. Esses pilares de referência permiti- das habilidades clínicas nas diversas competências
rão a identificação das variadas velocidades de se médicas esperadas do médico residente, escalona-
adquirir o aprendizado, de modo que este se ajuste damente do R1 ao R3 (FEDERAÇÃO BRASILEIRA
às necessidades individuais, assim como a identi- DAS ASSOCIAÇÕES DE GINECOLOGIA E
ficação precoce daqueles aprendizes que necessi- OBSTETRÍCIA, 2019).
tarão de dedicada orientação em temas específicos Outra contribuição para a definição das priori-
(GAROFALO; AGGARWALL, 2018). dades e dos eixos de matriz de competências en-
Com base num aprendizado gradativo, as EPA contramos na revisão intitulada “‘EPAS’ em gine-
devem ser relacionadas uma a uma, ressaltando os cologia e obstetrícia: conceitos atuais” (COELHO;
marcos de competências a elas relacionados nos cinco ROMÃO; SÁ, 2019). A seguir, transcrevemos os te-
níveis de aprendizado: pré-internato (nível 1); inter- mas relacionados à ginecologia e obstetrícia.

260 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 2. EPA e eixos da matriz de competências.

EPA

Cuidados pré-natais não complicados


Cuidados pré-natais complicados
Cuidados intraparto
Parto
Parto de alto risco
Cuidados pós-parto e de recém-nascidos
Ginecologia benigna
Habilidades e procedimentos técnicos ginecológicos
Cuidados pré-operatórios
Cuidados pós-operatórios
Saúde da mulher madura
Oncologia ginecológica
Uroginecologia e problemas no assoalho pélvico
Ginecologia pediátrica e adolescente
Saúde sexual reprodutiva

EIXOS DA MATRIZ DE COMPETÊNCIAS

Atenção à saúde e cuidados no período pré-natal


Atenção à saúde e cuidados no período intraparto
Atenção à saúde e cuidados no período puerperal
Habilidades técnicas em procedimentos em obstetrícia
Habilidades técnicas em procedimentos em ginecologia
Atenção à saúde e cuidados nas desordens do assoalho pélvico
Atenção à saúde e cuidados em oncologia ginecológica
Atenção à saúde e cuidados na contracepção e no planejamento familiar
Atenção à saúde e cuidados no sangramento uterino anormal
Atenção à saúde e cuidados em ginecologia endócrina
Atenção à saúde e cuidados nas infecções
Atenção à saúde e cuidados nas urgências
Atenção à saúde e cuidados nas afecções da mama
Segurança da paciente
Profissionalismo

O ensino da Ginecologia e Obstetrícia


na graduação e residência médica 261
8. ESTAÇÕES SIMULADAS níveis de complexidade, com a realização de pro-
cedimentos predeterminados e com a possibili-
A partir do reconhecimento dos marcos de compe- dade de feedback imediato. Analisando-se os dados
tência e EPA, somado ao desenvolvimento de pro-
até aqui apresentados, citamos, a seguir as princi-
cedimentos de simulação clínica, podem-se cons-
pais situações clínicas e os procedimentos em gi-
truir estações de aprendizado ou avaliação dentro
dos conceitos de OSCE. Dessa forma, atingimos o necologia que podem ser contemplados com esta-
objetivo de propiciar treinamentos em diferentes ções simuladas.

Quadro 3. Temas de estações simuladas.

GINECOLOGIA OBSTETRÍCIA

• Exame ginecológico
• Coleta de citologia oncótica cervical
• Exame de mamas
• Relação médico-paciente
• Comunicação de más notícias
• Abordagem das infecções sexualmente transmissíveis (IST)

• Leucorreia – exame a fresco • Exame obstétrico


• Implante de dispositivo intrauterino • Consulta de pré-natal habitual
• Implante hormonal subdérmico • Orientações de pré-natal para incentivo ao parto
• Sangramento uterino anormal vaginal e ao aleitamento materno
• Sutura laparoscópica • Orientações de pré-natal para hábitos de vida saudável
• Orientação e prescrição de pílula • Pré-natal de alto risco – diagnóstico e conduta (hi-
• Biópsia e conização pertensão, diabetes, IST, infecções congênitas, al-
• Resultado de Papanicolaou com NIC e encaminhamento terações fetais etc.)
• Dor pélvica aguda • Dilatação de colo e curetagem/ aspiração
• Dor pélvica crônica • Assistência ao trabalho de parto e ao parto
• Queixas relacionadas ao climatério • Parto instrumental
• Síndrome dos ovários policísticos • Assistência ao parto pélvico
• Cisto de ovário • Distócia de ombros
• Nódulo de mama • Sutura de lacerações perineais
• Câncer de mama • Hemorragia pós-parto – condutas clínicas e
• Atendimento à vítima de violência sexual cirúrgicas
• Incontinência urinária de esforço • Cesariana
• Punção de nódulo de mama • Extração fetal difícil na cesariana
• Prolapso genital • Dificuldades de aleitamento
• Detecção precoce do câncer de endométrio

A abordagem desses temas por meio de criativas alunos e residentes como para os professores e tu-
estações simuladas ensejará a realização de ensino- tores. Dessa forma, coroa-se o ensino, permitindo-
-aprendizagem de alto impacto positivo, tanto para -se uma prática médica técnica e segura.

262 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
9. REFERÊNCIAS FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES
DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA. Matriz de
ACCREDITATION COUNCIL FOR GRADUATE Competências em Ginecologia e Obstetrícia, versão 2.
MEDICAL EDUCATION; AMERICAN BOARD OF Febrasgo, 2019. Disponível em: https://www.febrasgo.
OBSTETRICS AND GYNECOLOGY; AMERICAN org.br/images/Matriz-de-competencias---2a-edicao-
COLLEGE OF OBSTETRICS AND GYNECOLOGY. --web.pdf. Acesso em: 05 fevereiro de 2022
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de outubro de 2013. em equipe. Revista Brasileira de Educação Médica,
v. 40, n. 4, p. 602-610, 2016.
BRASIL. Parecer CNE/CES nº 116/2014, de 3 de abril
de 2014. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso REIS, F. J. C. Experiências com Exame Objetivo
de Graduação em Medicina. Estruturado de Habilidades Clinicas (OSCE) em
ginecologia e obstetrícia na Faculdade de Medicina
BRASIL. Resolução CNRM nº 3, de 8 de abril de 2019. de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Dispõe sobre a Matriz de Competências dos Programas In: TIBÉRIO, I. F. L. C. et al. Avaliação prática de
de Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia. habilidades clínicas em medicina. São Paulo: Atheneu,
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de 2012. p. 275-283.
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RODRIGUES, M. A. V. et al. Exemplos de estações e
COELHO, R. A.; ROMÃO, G. S.; SÁ, M. F. S. “EPAS” em soluções de baixo custo para a realização de avaliação
ginecologia e obstetrícia: conceitos atuais. FEMINA, prática estruturada de habilidades e atitudes do tipo
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COLOMBO, A. A.; BERBEL, N. A. N. A Metodologia da habilidades clínicas em medicina. São Paulo: Atheneu,
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com os saberes de professores. Semina: Ciências Sociais TIBÉRIO, I. F. L. C. et al. Avaliação prática de
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DEERING, S.; AUGUSTE, T. C. Simulation in obstetrics 2012.
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DENT, J. A.; HARDEN, R. M. A practical guide for 2014.
medical teachers. 4. ed. London, Elsevier, 2013.

O ensino da Ginecologia e Obstetrícia


na graduação e residência médica 263
CA P Í T U L O 8.2

O estado da arte da simulação


clínica em Ginecologia e Obstetrícia

264
Brena Melo, MD, OBGYN, PhD
Coordenadora do Centro de Simulação da
Faculdade Pernambucana de Saúde
Coordenadora da Enfermaria de Gestação
de Alto Risco do Instituto de Medicina
Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP

1. INTRODUÇÃO faremos uma breve reflexão sobre o estado da arte


para um treinamento eficiente por meio da simu-
O treinamento por meio da simulação já é rotina lação em GO (EVERETT et al., 2019; NORMAN,
nos centros de formação para profissionais da área 2014; ROYAL COLLEGE OF OBSTETRICIANS&
da saúde, principalmente em países desenvolvidos. GYNAECOLOGISTS, 2019; WORLD HEALTH
Na área de ginecologia e obstetrícia (GO), ele tem ORGANIZATION, 2012).
sido rotineiramente recomendado por protocolos A prática da GO tem características particula-
de diferentes conteúdos das várias instituições li- res, como exposição constante a situações de risco,
gadas à especialidade: Organização Mundial da além de ser a única especialidade com potencial
Saúde (OMS), American College of Obstetricians para 200% mortalidade, uma vez que, na obstetrí-
and Gynecologists (ACOG) e Royal College of cia, tanto mãe quanto concepto estão expostos aos
Obstetricians & Gynaecologists (RCOG). Uma das riscos de um desfecho desfavorável (DANIELS et
principais motivações para essa recomendação é a al., 2008). Além disso, a maior parte desses desfe-
exposição constante dos profissionais de GO a situ- chos desfavoráveis é evitável e secundária a erros
ações de risco e a expectativa de uma consequente humanos relacionados principalmente a: atrasos no
melhoria da assistência às pacientes. Uma melho- diagnóstico por comprometimento da consciência
ria da assistência, ou seja, uma melhora dos resul- da situação/situational awareness (capacidade de
tados, está diretamente ligada a uma boa eficiên- antecipar, reconhecer e interceptar uma cadeia de
cia dessa estratégia de treinamento. Neste capítulo, erros em andamento), falhas na comunicação, tra-

O estado da arte da simulação clínica


em Ginecologia e Obstetrícia 265
balho em equipe ineficiente, falta de protocolos ficar satisfeito com o treinamento, 2. aprendizado –
locais acessíveis, falta de educação e treinamento o aprendiz deve aprender durante o treinamento, 3.
adequados, e sobrecarga de trabalho de uma equipe transferência do conhecimento – o aprendiz deve
frequentemente subdimensionada (BOHLMANN; conseguir aplicar o conhecimento aprendido em
RATH, 2014; DRIESSEN et al., 2011; EDOZIEN, sua área de trabalho e 4. resultados – melhoria da
2015; KOHN; CORRIGAN; DONALDSON, 2000). assistência aos pacientes. Algumas estratégias ins-
Um outro elemento que reforça a necessidade trucionais devem ser adotadas a fim de maximizar
de treinamento das equipes de GO por meio da si- a eficiência dos treinamentos em simulação, como
mulação é a imprevisibilidade das potenciais situ- o uso das diretrizes de desenho instrucional (DDI).
ações de risco, uma vez que, por exemplo, mesmo As DDI sumarizam recomendações instrucio-
mulheres consideradas como de risco habitual po- nais derivadas das principais teorias da psicologia
derão evoluir para hemorragia pós-parto (HPP) ou cognitiva. Dois exemplos de modelos que suma-
distocia de ombro. Essa imprevisibilidade pode fa- rizam essas principais recomendações são os pri-
zer com que alguns residentes de GO não sejam ex- meiros princípios instrucionais de Merrill (2013) e
postos a um número suficiente de casos para garan- o modelo 4C/ID (os quatro componentes do dese-
tir seu aprendizado durante a residência. Tal fato nho instrucional) (MERRIËNBOER, 2018).
tem levado alguns desses residentes a concluir a De acordo com Merrill (2013), os cinco primei-
residência ainda não confortáveis ​​com os proce- ros princípios instrucionais são: 1. autenticidade,
dimentos complexos necessários para o manejo 2. ativação do conhecimento prévio, 3. demonstra-
ideal das diferentes situações de risco comuns na ção, 4. aplicação e 5. integração. A autenticidade
GO (DOTTERS-KATZ et al., 2019). significa quão real, ou semelhante à realidade, é o
O treinamento por meio da simulação na GO “problema” apresentado pelo treinamento. A ati-
traz a oportunidade de expor os profissionais dos vação do conhecimento prévio refere-se à neces-
mais diferentes níveis de formação (estudantes, re- sidade de o conhecimento prévio dos aprendizes
sidentes ou especialistas) à aprendizagem complexa ser utilizado como base para a construção de novo
das mais diversas situações clínicas, em uma condi- conhecimento. Já a demonstração, a aplicação e a
ção controlada e segura. A aprendizagem complexa integração estão relacionadas à oportunidade de o
consiste na integração de vários elementos de dife- aprendiz ter acesso ao conteúdo do treinamento,
rentes dimensões: conhecimento, habilidades e ati- aplicar o que foi aprendido e integrar o conheci-
tudes. Essa integração é fundamental para uma prá- mento adquirido a outros elementos da sua reali-
tica competente da GO. Para uma maior eficiência dade (MERRILL, 2013).
dessa estratégia de treinamento, algumas caracte- Já o modelo 4C/ID apresenta quatro componen-
rísticas instrucionais devem ser consideradas e in- tes: 1. tarefa a ser aprendida, 2. informação de apoio,
cluídas no desenho do treinamento (KIRSCHNER; 3. informação de procedimento e 4. prática parcial.
MERRIËNBOER, 2008). De forma semelhante, esse modelo defende que a
A necessidade de treinamento da equipe de GO tarefa (ou problema, ou conteúdo) a ser aprendida
por meio da simulação fica evidente diante desse deve integrar o conhecimento, as práticas e as ati-
contexto de exposição constante a situações de risco, tudes, e promover tarefas completas, não só par-
imprevisibilidades dessas situações e erros poten- ciais. Além disso, elas devem ser autênticas e base-
cialmente evitáveis. A implantação rotineira dessa adas em problemas do dia a dia, e organizadas em
estratégia de treinamento exige um desenho de si- tipos de tarefas com ordem crescente de complexi-
mulação eficiente por conta de sua grande demanda dade, com suporte diminuído de maneira progres-
de recursos financeiros, operacionais, logísticos e siva, com grande variabilidade nas práticas. A infor-
alocação de tempo de pessoal (AMEH; BROEK, mação de apoio deve ser utilizada como base para
2015; NORMAN, 2014). a aprendizagem e performance dos aspectos mais
Alguns elementos devem ser considerados complexos da tarefa, e pode ser representada pe-
para o desenho de um treinamento eficiente. De los inúmeros protocolos e diretrizes da área de GO
acordo com o modelo de avaliação de treinamento (por exemplo, protocolo de HPP, diretrizes de as-
de Kirkpatrick (1976, 1996), um treinamento efi- sistência ao parto normal). Ela deve também expli-
ciente é aquele que apresenta impacto nos quatro ní- car tanto como resolver os problemas quanto como
veis a seguir: 1. reação do aprendiz – o aprendiz deve organizar o conhecimento. Por sua vez, a informa-

266 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
ção de procedimento deve ser pré-requisito para a um maior aprendizado, com um manejo melhor e
aprendizagem e performance dos aspectos rotinei- mais rápido dos casos simulados por parte dos re-
ros da tarefa, além de detalhar o passo a passo de sidentes que foram submetidos ao treinamento si-
como realizá-la. Finalmente, a prática parcial ofe- mulado com o uso das DDI (MELO et al., 2017).
rece a oportunidade de praticar alguns aspectos ro- A seguir, num trabalho qualitativo, a série de es-
tineiros da tarefa até que se atinja um grau elevado tudos analisou a percepção da transferência do co-
de automação (MERRIËNBOER, 2018). nhecimento residentes médicos de GO após o trei-
Revisões sistemáticas sobre o uso de elemen- namento simulado para HPP. O grupo de residentes
tos das DDI nos treinamentos simulados apresen- submetidos ao treinamento simulado com o uso das
tam resultados preocupantes ao apontarem a utili- DDI relatou uma maior percepção da transferên-
zação insuficiente desses elementos nos diferentes cia do conhecimento, pontuando em maiores de-
desenhos de treinamentos simulados publicados talhes os benefícios dos elementos instrucionais
na literatura. Vale destacar, por exemplo, o uso in- adotados, como oportunidade de repetição e apre-
suficiente dos seguintes elementos fundamentais sentação de um protocolo disponível de fácil utili-
das DDI: oportunidade de repetição e aplicação zação (MELO et al., 2018).
da prática (tarefa), variabilidade de situações clí- Para concluir essa série de estudos, foi avaliado
nicas, complexidade crescente dos casos apresen- o impacto na prática clínica do treinamento simu-
tados e poucas oportunidades de feedback (debrie- lado para HPP com uso de DDI, numa compara-
fing) e autoavaliação. Esse uso insuficiente leva a ção da assistência às pacientes antes e depois do
um importante comprometimento do aprendizado treinamento. Os achados evidenciaram uma me-
e da transferência de conhecimento do treinamento lhora da assistência, com o uso de doses maiores
por meio da simulação para as mais diversas áreas de ocitocina em um número menor de pacientes,
de conteúdo (COOK et al., 2012; MCGAGHIE et o que indica uma maior consciência da situação de
al.et al., 2010). risco por parte dos residentes médicos de GO, após
Na GO, a necessidade do uso das DDI para o o treinamento (MELO, 2021). Os achados da série
desenho de treinamentos por meio da simulação de estudos anteriormente descrita reforçam as evi-
foi reconhecida e levou a uma série de estudos so- dências favoráveis ao uso das DDI nos desenhos de
bre o tema. Nessa série de estudos, o conteúdo (ou treinamentos por meio da simulação para a área da
problema, ou tarefa) adotado foi a HPP por conta GO. Ou seja, os achados positivos quanto ao apren-
de sua prevalência e semelhança de seu manejo dizado, à transferência de conhecimento e aos re-
com inúmeras situações de alto risco. No manejo sultados (melhoria da assistência às pacientes) de-
ideal da HPP, há, por exemplo, necessidade de uma monstram uma maior eficiência dessa estratégia de
boa consciência da situação/situational awareness, treinamento com o uso das DDI (MELO et al., 2018).
de uma comunicação eficiente entre membros da Além dos elementos relativos ao desenho ins-
equipe e de um trabalho em equipe adequado. Por trucional, outras características do treinamento
esse motivo, os achados dessa série têm grande vali- por meio da simulação devem ser consideradas
dade externa e podem ser facilmente aplicados aos por terem impacto na sua eficiência. São elas: lo-
demais conteúdos da GO (Melo, 2018). cal do treinamento, tipo de simulador a ser adotado
Inicialmente, foi realizado um levantamento (alta ou baixa fidelidade), integração de elementos
quanto ao uso e/ou descrição do uso adequados de comunicação, trabalho em equipe, consciência
das DDIs nos treinamentos simulados para HPP da situação (situational awareness), multidiscipli-
publicados na literatura. Os resultados apontaram naridade, aprendizagem autodirigida e conteúdos
para uma escassez de descrição do uso de elemen- específicos da GO (SORENSEN, 2018; NORMAN;
tos das DDIs na literatura analisada, o que pode DORE; GRIERSON, 2012; EDOZIEN, 2015; BRUIN;
refletir uma preocupante negligência quanto à in- MERRIËNBOER, 2017).
fluência de um bom desenho instrucional na efici- Quanto ao o local do treinamento, ele pode ser:
ência do treinamento simulado (MELO et al., 2018). 1. in situ, intra-hospitalar e no local da prática dos
O estudo seguinte explorou o impacto no apren- profissionais, 2. intra-hospitalar, mas em local di-
dizado de residentes médicos de GO após um trei- ferente da prática habitual dos profissionais, e 3. off
namento simulado para HPP com uso de DDI. Os site, em centros de simulação. Evidências recentes
achados desse estudo comparativo apontaram para apontam para uma vantagem do treinamento para

O estado da arte da simulação clínica


em Ginecologia e Obstetrícia 267
assistência obstétrica in situ por conta de uma per- tências nas diferentes dimensões da aprendizagem
cepção de maior autenticidade por parte dos apren- complexa (conhecimento, habilidade e atitude). A
dizes. No entanto, algumas limitações operacionais, partir dessa análise, em um ambiente de aprendi-
como dificuldade de reservar o local da prática (por zado seguro, os profissionais podem elaborar uma
exemplo, uma sala de parto real), podem ser um estratégia eficiente de treinamento ajustada às suas
fator limitante para o treinamento nesses locais necessidades (BRUIN; MERRIËNBOER, 2017).
(SORENSEN et al., 2017). Em relação ao treinamento por meio da simula-
Em relação ao tipo de simulador, os manequins ção para alguns conteúdos específicos da GO, como
de alta fidelidade impressionam pela grande capa- na área da ginecologia, tem sido frequente a utili-
cidade de reprodução do visual, das sensações tá- zação de simuladores para o treinamento de habi-
teis e dos sons (fidelidade de engenharia) (MARAN; lidades em videolaparoscopia, cirurgias minima-
GLAVIN, 2003). Entretanto, achados de uma re- mente invasivas e cirurgias robóticas. Em algumas
visão recente sobre a influência da fidelidade dos revisões sobre o tema, destaca-se a importância
simuladores no aprendizado após o treinamento dessa estratégia para uma maior segurança da pa-
não apontaram diferenças significativas entre si- ciente e maior oportunidade de prática segura para
muladores de alta ou baixa fidelidade (NORMAN; os profissionais. O uso de simuladores virtuais tam-
DORE; GRIERSON, 2012). Tais achados reforçam a bém tem sido cada vez mais comum, alguns de-
relevância das demais características de um treina- les com o uso de feedback háptico (sensores de to-
mento por meio da simulação para a sua eficiência. que) para auxiliar o aprendizado (GAMBADAURO;
A recomendação para o treinamento por meio MILENKOVIC; HADLACZKY, 2018; MANNELLA
da simulação para a melhoria do trabalho em equipe et al., 2019; MOULDER et al., 2017; NEIS et al., 2016;
tem sido uma constante na GO. O trabalho em equipe TORRES-DE LA ROCHE et al., 2019; AZADI et
pode ser definido por um conjunto de comporta- al., 2020).
mentos que facilitam a interação eficaz entre os Além dos conteúdos relacionados a procedimen-
membros e depende de boa comunicação, lide- tos cirúrgicos, o treinamento por meio da simulação
rança, consciência situacional e tomada de deci- tem sido adotado para inúmeros outros conteúdos
são (BEAUBIEN; BAKER, 2004). Na assistência da GO, como ultrassom, assistência ao parto vagi-
em GO, as equipes são multiprofissionais e com- nal e versão cefálica externa. Uma revisão sistemá-
postas por equipes médicas de diferentes níveis tica recente sobre o treinamento simulado para ul-
de experiência (estudantes, residentes e especia- trassom identificou uma melhora do aprendizado
listas) e especialidade médica (obstetrícia, aneste- e da prática clínica por parte dos aprendizes, além
sia e neonatologia), enfermeiras, enfermeiras obs- de uma percepção de boa assistência por parte dos
tetras e maqueiros. pacientes (TAKSØE-VESTER et al., 2021). Para
Diante dos achados de associação entre des- os conteúdos de assistência ao parto vaginal e de
fechos desfavoráveis evitáveis e um trabalho em versão cefálica externa, os resultados observados
equipe ineficiente, com falhas na comunicação após o treinamento simulado também foram posti-
(BOHLMANN; RATH, 2014), reforça-se a neces- vios (BAAKLINI et al., 2020; BLIGARD; LIPSEY;
sidade desse tipo de treinamento. O treinamento YOUNG, 2019).
por meio da simulação para um trabalho em equipe Além da aplicação em treinamentos, a simula-
eficiente promove a melhoria de elementos cogniti- ção tem também papel fundamental como instru-
vos, de habilidade, atitudinais, de processo e de de- mento de avaliação, certificação e acreditação. Ela
sempenho para uma melhor assistência às mulhe- pode também ser bastante útil na discussão da de-
res (DANIELS, 2007; FRANSEN et al., 2015, 2017; finição dos marcos de competências e atividades
SALAS et al., 2015; HERNÁNDEZ et al., 2021). profissionais confiáveis, as entrustable professional
A aprendizagem autodirigida, ou seja, o automo- activities (EPA) para a área de GO, em seus mais di-
nitoramento e controle do aprendizado, é um ou- ferentes níveis de formação: do curso superior à es-
tro elemento de fundamental importância na atua- pecialização em subespecialidades (SATIN, 2018;
lidade para a prática competente das profissões em GAROFALO; AGGARWAL, 2018).
saúde, em particular da GO. O treinamento por meio Em um contexto ainda mais recente, a pande-
da simulação oferece uma oportunidade ideal para mia da coronavirus disease 2019 (Covid-19) trouxe
os profissionais refletirem e analisarem suas compe- um impacto significativo na diminuição de oportu-

268 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
nidade de treinamento, particularmente pela restri- plo pode incluir estudos quanto a vantagens e des-
ção a cirurgias eletivas e pelas mudanças nos fluxos vantagens dos diferentes ambientes (in situ ou em
de atendimentos para aqueles em formação na área centro de simulação) para o treinamento por meio
de GO. Mais uma vez, a simulação, com a sua carac- da simulação na área da GO.
terística de possibilidade de repetição ambiente se- Além desses exemplos, pesquisas sobre o me-
guro para o aprendiz e sem riscos para os pacientes, lhor uso dos diferentes tipos de simuladores (alta
oferece a chance de compensar essa lacuna de opor- ou baixa fidelidade, parciais ou totais) ou sobre as
tunidade para treinamentos (HOOPES et al., 2020). diferentes situações clínicas têm infinitas possibi-
Perspectivas futuras apontam para uma imple- lidades no treinamento por meio da simulação. A
mentação rotineira de treinamentos por meio da si- exploração dessas características dos diferentes
mulação na área da GO, nos mais diversos centros formatos de treinamento para as mais diferentes si-
de formação, com priorização de sua eficiência por tuações clínicas da GO é fundamental e deve, pre-
meio de bons desenhos instrucionais. Para isso, o ferencialmente, ser iniciada por um levantamento
primeiro passo consiste na elaboração de um cur- de necessidades para cada uma delas. Finalmente,
rículo específico para esses treinamentos (CRAIG; a pesquisa na área de simulação em GO deve bus-
POSNER, 2017). As possibilidades são inúmeras e car explorar as oportunidades de treinamento e
devem priorizar a aprendizagem complexa dos mais avaliação para integração e aplicação do conteúdo
diversos conteúdos da GO por meio da integração identificado como essencial para um trabalho em
das diferentes características do treinamento por equipe eficiente, com boa comunicação e resulta-
meio da simulação. O público-alvo a ser conside- dos eficientes em longo prazo.
rado inclui todo o espectro de profissionais da área Em conclusão, a simulação em GO é um impera-
em seus diferentes níveis de formação: estudan- tivo para os centros de formação na especialidade,
tes, residentes e profissionais em rotinas de edu- tanto para treinamento quanto para as práticas de
cação continuada. avaliação e pesquisa. O estado da arte sobre essa es-
Quanto às possibilidades de propostas de pesqui- tratégia de treinamento consiste em maximizar a
sas sobre o tema, elas são inúmeras e devem incluir sua eficiência para um melhor aprendizado, trans-
cada uma das características anteriormente discu- ferência de conhecimento e consequente melhoria
tidas. Por exemplo, o uso dos elementos específicos dos resultados por meio de um bom desenho ins-
das DDI nos desenhos instrucionais dos treinamen- trucional. A pesquisa dos diferentes elementos en-
tos pode ser explorado em detalhes: quanto ao nú- volvidos no planejamento e na execução do trei-
mero ideal de cenários a serem repetidos para uma namento, da avaliação e da pesquisa da simulação
maior eficiência do treinamento ou quanto ao me- em GO é o caminho para a excelência da simulação
lhor formato de sessões de debriefing. Outro exem- e, consequentemente, da assistência às mulheres.

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O estado da arte da simulação clínica


em Ginecologia e Obstetrícia 271
CA P Í T U L O 8.3

Tipos de simuladores utilizados em


Ginecologia e Obstetrícia
Júnia Aparecida Laia da Mata
Doutora em Ciências da
Saúde (FEnf/Unicamp)
Mestre em Educação e Saúde na
Infância e Adolescência (Unifesp)
Pós-graduada em Enfermagem
Obstétrica e em Saúde da Família.
Professora do Departamento de Enfermagem
Materno-infantil (EENF/UFRGS)

1. INTRODUÇÃO gem segura para a aquisição e manutenção de ati-


vidades orientadas e habilidades comportamentais
Ao final da leitura deste capítulo, espera-se que o nas diferentes especialidades, incluindo a obstetrí-
leitor seja capaz de conhecer os principais simula- cia e a ginecologia (GARDNER; RAEMER, 2008).
dores em obstetrícia e ginecologia, por categoria e A simulação passou a ser mais valorizada e in-
nível de fidelidade, disponíveis no mercado; reco- corporada aos programas de treinamento, avaliação
nhecer as potencialidades da aplicação da simula- e de credenciamento em obstetrícia e ginecologia a
ção clínica no desenvolvimento de habilidades na partir da década de 1990 (GARDNER; RAEMER,
atenção obstétrica e ginecológica; e discutir sobre 2008). Atualmente, ela está bem estabelecida no en-
o uso de simuladores em treinamentos das áreas de sino para profissionais de saúde (MCGAGHIE et al.,
obstetrícia e ginecologia. 2011; MOTOLA et al., 2013; ELLINAS; DENSON;
A ideia de praticar em objetos inanimados antes SIMPSON, 2015) e o seu desenvolvimento tem sido
de cuidar de humanos não é nova. Entretanto, a in- crescente, surgindo simuladores cada vez mais avan-
corporação sistemática da simulação como parte da çados. Pode ser classificada de acordo com o propó-
formação de profissionais da saúde é relativamente sito, o qual compreende os objetivos do seu uso, que
recente (GARDNER; RAEMER, 2008). Ela pro- podem ser educativos, de avaliação e de investigação,
vém da experiência de treinamentos das profissões por exemplo (PALAGANAS et al., 2015); a modali-
das áreas da aviação, militar e exploração espacial dade (PALAGANAS et al., 2015), que se refere aos ti-
(MOTOLA et al., 2013) e representa uma aborda- pos de simuladores, equipamentos, tecnologias e es-

Tipos de simuladores utilizados


em Ginecologia e Obstetrícia 273
paços físicos, incluindo realidade virtual, manequins quins como realidade física (THOMPSON; NEAL;
em tamanho real, atrizes/atores, animais ou partes CLARK, 2004); realidade virtual; e simulação em
deles, peças anatômicas humanas, dispositivos ele- monitores (GABA, 2004).
trônicos e softwares (SØRENSEN et al., 2017); e os
métodos, que incluem o ensino, a aprendizagem, a
avaliação e investigação, podendo ser implementa- 2. SIMULAÇÃO E SIMULADORES: BREVE HISTÓRICO
dos de forma associada (PALAGANAS et al., 2015).
A eficácia da simulação depende de como ela é A era moderna da simulação iniciou na segunda
aplicada e sofre influência do seu nível de fidelidade. metade do século XX, e três movimentos distintos
Este envolve dimensões inter-relacionadas, a saber: estimularam o seu desenvolvimento:
física (em termos de engenharia), que diz respeito 1) O trabalho de Asmund Laerdal, um norueguês
aos tipos de simuladores e materiais usados e ao con- fabricante de brinquedos, que desenvolveu em
texto/ambiente do treinamento; e psicológica, que se 1960 o manequim “Resusci-Anne” (Figura 1), um
relaciona ao grau de realismo que os/as participan- simulador que revolucionou o treinamento de
tes percepcionam do evento simulado (NORMAN; reanimação cardiopulmonar (BRADLEY, 2006).
DORE; GRIERSON, 2012; COSTA, 2017).
Simulações clínicas contribuem para a redução
de tempo na aquisição de competências, melho-
ram o desempenho em nível individual, da equipe
e aumentam a retenção de habilidades técnicas,
quando comparadas a métodos didáticos instruti-
vos (COOPER; TAQUETI, 2004). Elas têm como
vantagem a possibilidade de desenvolvimento da
capacidade de julgamento, permitindo que os/as
participantes cometam erros sem repercussões para
os seres vivos (FONSECA, 2009). É importante
que elas sejam aplicadas como complemento
para as experiências assistenciais, com rigor no
planejamento e orientadas para resultados.
A aplicação da simulação pode ser contextuali-
zada a partir de 11 dimensões: 1) os objetivos da si-
mulação; 2) o número de participantes; 3) o nível de
experiência dos/das participantes da simulação; 4) Figura 1. Asmund Laerdal com o primeiro Resusci-Anne, 1960.
o domínio da assistência em saúde no qual a simu-
Fonte: Disponível em www.laerdal.es.
lação é aplicada; 5) o campo disciplinar ao qual as
pessoas que participam da simulação pertencem;
6) o tipo de conhecimento, habilidade, atitudes ou
O simulador é o objeto físico, o dispositivo, o
comportamentos esperados na simulação; 7) a idade
ambiente ou a situação em que uma tarefa ou
do paciente simulado; 8) a tecnologia aplicável ou
uma série de tarefas pode ser representada
requerida para a simulação; 9) o local de participa-
de forma realista e dinâmica (GABA, 2004;
ção na simulação; 10) o tipo de participação direta
COOPER; TAQUETI, 2004; GARDNER, 2007;
na simulação; 11) o método de feedback que acom-
GOOD; GRAVENSTEIN, 1989).
panha a simulação (GABA, 2004).
O presente texto foca a dimensão oito, a qual
envolve as tecnologias/estratégias relevantes para 2) A criação, no final da década de 1960, de simu-
o processo da simulação (GABA, 2004), a saber: si- ladores sofisticados que produziam aspectos do
mulações verbais (discussões “e se”) e atores/atri- sistema orgânico e funcional do ser humano, ori-
zes, que não requerem alta tecnologia, mas evo- ginando a simulação moderna, sendo o primeiro
cam ou recriam situações clínicas desafiadoras deles o “Sim One” (Figura 2), de Abrahamson
(STILLMAN; SWANSON, 1987; BARROWS, 1993; (engenheiro) e Denson (médico) (SINZ, 2007).
BEULLENS et al., 1997; GABA, 2004); uso de mane- Nos anos 1980, duas universidades norte-ame-

274 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
ricanas retomaram pesquisas sobre simula- 1988) e, a segunda, University of Florida, de-
dores de alta fidelidade, a primeira, Stanford senvolveu o Gainesville Anaesthesia Simulator
University, desenvolveu o “Comprehensive (GAS), em projeto liderado por Michael Good e
Anaesthesia Simulation Environment” (CASE) Gravenstein (1989). O CASE foi, posteriormente,
(em tradução livre para o português, ambiente comercializado pela Medsim© e o GAS pela
de simulação compreensiva para anestesia), Medical Education Technologies©, Inc (MET)
coordenado por David Gaba (GABA; DE ANDA, (BRADLEY, 2006).

Figura 2. Pedido de patente para o Sim One: representação esquemática.


Fonte: Elsevier Inc, 2007.

A Stanford University focou no trabalho em ver de uma criança, para simular com parteiras pro-
equipe em ambientes de simulação realística e in- cessos normais e anormais do parto. Sir William
corporou o modelo de gerenciamento de recursos Smellie, pai da obstetrícia britânica, refinou este
da tripulação (crew resource management), pro- modelo usando uma pelve feita com ossos cobertos
veniente da aviação comercial, no currículo de por couro, um manequim bebê com membros arti-
gerenciamento de recursos de crise em aneste- culados, produzido em madeira e borracha, e uma
sia (ACRM - anaesthesia crisis resource manage- placenta feita de couro (WILSON, 1995).
ment), causando impacto positivo no desenvolvi- No mesmo período, Sir Richard Manningham,
mento de treinamentos clínicos baseados em time grande defensor da prática de manobras obstétri-
(GABA et al., 2001). cas com manequins, na ocasião denominados de
3) A reforma da educação médica, motivada em “Phantoms”, fabricou uma máquina de vidro para
parte pelo reconhecimento mundial da ne- simular o manejo do parto às parteiras de Londres
cessidade de formação de médicos mais efica- (CODY, 2005; GARDNER; RAEMER, 2008).
zes, perdurando até os dias atuais (GENERAL Madame Du Coudray, parteira da corte de
MEDICAL COUNCIL, 2003; ASSOCIATION Luís XV, usou simuladores para ensinar parteiras
OF AMERICAN MEDICAL COLLEGES, 1999; a partejar em todo o território francês (GELBART,
BRADLEY, 2006). 1998). Era conhecida pela criação do simulador
No que se refere à história da simulação em “The Machine”, uma pelve anatômica em tama-
obstetrícia e ginecologia, destaca-se o ano de 1700, nho real, feita de vime, forrada em linho e couro,
quando dois cirurgiões europeus criaram um simu- simulando a pele humana, e preenchida por algo-
lador obstétrico feito de vime, incluindo um cadá- dão (Figura 3).

Tipos de simuladores utilizados


em Ginecologia e Obstetrícia 275
No início de 1900, Dougal (1933), de Manchester,
na Inglaterra, foi o grande defensor da combinação
de palestras com experiências práticas em mane-
quins para o ensino em obstetrícia. Com o intuito
de reduzir os custos com a produção dos simulado-
res obstétricos da época, encomendou a criação de
pelves obstétricas simples e baratas, feitas de argila
vitrificada (GARDNER; RAEMER, 2008).
Houve avanço importante nos simuladores obs-
tétricos e ginecológicos em 1947, quando Eloesser,
cirurgião torácico de São Francisco, na Califórnia,
utilizou plástico e borracha para adaptar um simu-
lador obstétrico, tornando-o mais leve e fácil para o
Figura 3. Simulador obstétrico “The Machine”, desen-
instrutor transportar (GARDNER; RAEMER, 2008).
volvido por Madame Du Coudray.
Desde então, emergiu uma gama de simuladores gi-
Fonte: Musée Flaubert et d’Histoire de la Médecine, Rouen,
necológicos e obstétricos para treinamento de ta-
France.
refas parciais (ver seção 3 do texto).
Nos anos 1970, aconteceu a transição da uti-
Madame Du Coudray atuou durante o período
da guerra na França, momento em que as morta- lização da pelve obstétrica para simular o traba-
lidades materna e infantil apresentavam-se eleva- lho de parto e nascimento para simuladores in-
das. Atravessou o país e ensinou obstetrícia a mais terativos realistas em tamanho real (GARDNER;
de dez mil pessoas em 30 anos (GARDNER, 2007; RAEMER, 2008). Entre eles, salienta-se o atual
GELBART, 1998). Ela produziu centenas de mane- NoelleTM (Figura 5), um manequim de parto em ta-
quins, os quais estão expostos no Musée Flaubert et manho real capaz de empurrar o bebê para fora da
d’Histoire de la Medicine, em Rouen, na França. A pelve, simulando com alta fidelidade o parto vaginal.
aparência natural dos seus simuladores chamava a
atenção e tornou o seu trabalho muito respeitado.
Os simuladores (“Phantoms” e “Machines”) da
década de 1700 podem ser considerados treinado-
res de tarefas parciais (mais informações na seção
3 do texto). O uso deles em obstetrícia e ginecolo-
gia continuou durante os anos 1800 e 1900.
Na década de 1890, o diretor da University
Women’s Clinic, em Jena, na Alemanha, professor
B. S. Schultze, modificou tais simuladores criando
pisos pélvicos intercambiáveis e estrutura sacral
para simular de forma mais fidedigna a anatomia
pélvica no ensino da pelvimetria clínica (Figura 4)
(GARDNER; RAEMER, 2008).

Figura 5. NoelleTM, simulador materno-neonatal avan-


çado.
Fonte: Disponível em: https://www.gaumard.com.

Também foram criados vários simuladores para


ensinar técnicas cirúrgicas em ginecologia e exami-
nar as mamas e a pelve feminina. Um exemplo é o
Pelvic ExamSIMTM (Figura 6), da Medical Education
Technologies, indicado para o treinamento de tare-
Figura 4. Simulador obstétrico (Phantom).
fas parciais, equipado com sensores e software de
Fonte: Elsevier Inc, 2007. computador que oferece feedback ao/à usuário (a).

276 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
3. TIPOS DE SIMULADORES

Existe um vasto número de simuladores, de com-


plexidades distintas e que se utiliza de uma varie-
dade de recursos tecnológicos, com alcance e pos-
sibilidades diversas (FONSECA, 2009).

Tipos de Simuladores (GABA, 2004; MARAN;


GLAVIN, 2003; KNEEBONE, 2003):
1) Treinadores de tarefas parciais (Part-
Task Trainers - PTT ou Task Specific
Models- TSM);
2) Simulador guiado por instrutor (Instructor
Figura 6. Pelvic ExamSIMTM. Driven Simulators - IDS);
Fonte: Disponível em: http://baes.com.ar/catalogos/
3) Simulador guiado por modelo (Model-
PelvicExamSim.pdf. Driven Simulator - MDS);
4) Simulador baseado em computador
Na atualidade, há disponíveis no mercado vários (Computer-Based Simulators);
simuladores em tamanho real, fisiologicamente 5) Simulador em realidade virtual com ou
interativos e de alta fidelidade, para simular cená- sem dispositivo háptico.
rios da assistência obstétrica e ginecológica. Na se-
ção 4 alguns deles estão descritos. No Quadro 1, é possível verificar a taxonomia
dos simuladores e suas características.

Quadro 1. Taxonomia dos simuladores e seus atributos*.

CATEGORIA DO SIMULADOR
Simuladores Simulador Simulador baseado Simulador
Atributo Simulador
treinadores de guiado por em computador em realidade
guiado por
tarefas parciais modelo (Computer-Based virtual/
instrutor (IDS)
(PTT e TSM) (MDS) Simulators) com tato
De
Fidelidade Baixa Intermediária Alta Baixa intermediária
a alta
De média De baixa De baixa
Portabilidade Alta Alta
a alta a média a alta
Feedback para Comumente Sim, em Sim, Sim, em
Sim, algum
o usuário nenhum grande parte em grande parte grande parte
Individual Individual
Individual,
Dimensão do ou pequena; ou pequena; Individual, Individual
pequena ou
grupo- alvo grande para grande para pequena ou grande ou pequena
grande
demonstração demonstração
Custo Tipicamente Tipicamente de Tipicamente Tipicamente de Tipicamente
baixo baixo a médio de médio a alto baixo a médio alto

*Tradução livre da autora.


Fonte: Adaptado de Gardner (2007, p.13).

Tipos de simuladores utilizados


em Ginecologia e Obstetrícia 277
O que significa fidelidade em simulação?
Fidelidade é um termo comum para quem
atua em simulação clínica, significando a pre-
cisão ou o grau em que o simulador repre-
senta a realidade (GARDNER, 2007). Ela é
componente fundamental na categorização
dos simuladores.

Os treinadores de tarefas parciais, comumente


conhecidos como simuladores de baixa fidelidade,
replicam parte do corpo ou órgão sobre o qual é pra-
ticada uma tarefa, técnica ou procedimento (GABA,
2004; BRADLEY, 2006). Tipicamente são de baixo
custo e adotados em simulações que buscam desen- Figura 9. Fundus Skills and Assessment TrainerTM.
volver habilidades técnicas específicas e psicomoto-
Fonte: Disponível em: https://www.laerdal.com.br
ras (BRADLEY, 2006). São exemplos desses simu-
ladores em obstetrícia e ginecologia: instrutor para
o treinamento da assistência ao trabalho de parto e
nascimento (Figura 7); para a realização dos tempos
da manobra de Leopold Zweifel (Figura 8); para ava-
liação uterina pós-parto (Figura 9); para o desenvol-
vimento de habilidades ginecológicas (Figura 10).

Figura 10. Simulador de habilidades ginecológicas P91.


Fonte: Disponível em: https://www.3bscientific.com.br.

Figura 7. MamaBirthieTM.
Fonte: Disponível em: https://www.laerdal.com.br.
Os simuladores guiados por instrutor, também
conhecidos como de fidelidade intermediária, re-
plicam integralmente o corpo humano ou uma área
dele (MARAN; GLAVIN, 2003). Eles respondem
ao comando de instrutores, refletindo resposta em
tempo real na condição do manequim. Variam em
sofisticação, tendo uma interação limitada com o
usuário, embora a saída (output) dos sinais vitais
nos visores seja consistente (figuras 11 e 12). A fi-
delidade excede os treinadores de tarefas parciais
e é menor do que os guiados por modelos. Alguns
Figura 8. Módulo de palpação para a manobra de Leop- fornecem feedback sobre o desempenho das tare-
old Zweifel fas específicas (GABA, 2004; GARDNER, 2007).
Fonte: Disponível em: https://www.3bscientific.com.br/.

278 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Figura 13. Sequência de imagens do simulador de alta
fidelidade VictoriaTM S2200.
Figura 11. Simulador de parto PROMPT FlexTM.
Fonte: Disponível em: https://www.gaumard.com.
Fonte: Disponível em: https://limbsandthings.com.

Um simulador baseado em computador é carac-


terizado por um modelo de paciente interativo, sem
manequim, no qual os sinais vitais e as respostas às
ações dos participantes são gerados por programa-
ção. Comumente, possuem custo mais baixo do que
outros tipos de simuladores. Módulos para desen-
volver habilidades em ultrassonografia (Figura 14)
são exemplos desse tipo de tecnologia.
O software UMedicTM (Figura 15), um sistema
centrado no paciente utilizado para incremen-
tar habilidades no exame cardiológico à beira do
Figura 12. NoelleTM birthing torso. leito, também é exemplo de simulador baseado em
computador.
Fonte: Disponível em: https://www.gaumard.com.

O simulador guiado por modelo, também de-


nominado simulador de alta fidelidade, é um ma-
nequim em tamanho real que se assemelha fisica-
mente e responde fisiologicamente como um ser
humano (COOPER; TAQUETI, 2004). Ele facilita
o realismo, apesar de ter uma aparência relativa-
mente grosseira. Destina-se ao uso individual ou
de pequenos times (GARDNER, 2007).
O VictoriaTM S2200 (Figura 13), utilizado para si-
mular uma gama de eventos obstétricos, é um exem-
plo moderno dessa categoria. Ele possui olhos in-
terativos que rastreiam automaticamente objetos
visuais e realizam movimentos oculares realistas,
parâmetros fisiológicos das vias aéreas e circulação
totalmente programáveis, matriz integrada de sen-
sores que rastreia o desempenho dos/das partici-
pantes em tempo real, é capaz de parir um bebê a
termo com sinais vitais programáveis para a pon- Figura 14. Módulo de ultrassom durante o primeiro
tuação do APGAR, suporta equipamentos de mo- trimestre gestacional, SIMTICSTM.
nitoramento real como eletrocardiograma, oxíme- Fonte: Disponível em: https://www.simtics.com.
tro e cardiotocógrafo, entre outras funcionalidades.

Tipos de simuladores utilizados


em Ginecologia e Obstetrícia 279
Figura 16. MediseusTM Epidural.
Disponível em: Fonte: http://www.flashking.com
Figura 15. Demonstração da interface do UMedicTM.

Fonte: Disponível em: http://www.gcrme.miami.edu/umedic_


cardiology_demo.php.

Quando se trata de tecnologia de computador,


os simuladores em realidade virtual (RV) são os
mais sofisticados. A RV utiliza programas comple-
xos e recria ambientes ou objetos por meio de ima-
gens geradas por computador (BRADLEY, 2006).
Sua associação com um sistema háptico, o qual re-
plica a percepção cinestésica e tátil, e um treina-
dor de tarefas parciais pode aumentar a fidelidade.

Quando a simulação com realidade virtual Figura 17. LapSimTM.


associa os sentidos da visão (imagem), au-
dição (som) e tato pode ser compreendida Fonte: Disponível em: https://surgicalscience.com/systems/
como uma experiência imersiva. lapsim/

Dentre as categorias apresentadas anterior-


mente, os treinadores de tarefas parciais repre-
sentam mais de 70% dos simuladores disponíveis
O simulador em RV pode envolver recursos em comercialmente (GABA, 2004; FONSECA, 2009).
imagem em três dimensões (3D) para tornar o am- Entre os seus atributos a fidelidade é um dos mais
biente mais realista e intuitivo. Ele possui vanta- relevantes, pois reflete no grau em que o simula-
gem sobre os simuladores que não utilizam recursos dor representa um sistema orgânico ou ambiente
computacionais, já que é capaz de gerar uma curva e pode repercutir na profundidade da experiência
de aprendizagem individual que pode ser compa- dos participantes da simulação.
rada à do próprio usuário ou de outros participan-
tes, em uma linha do tempo (FONSECA, 2009). 4. SIMULADORES EM OBSTETRÍCIA E GINECOLOGIA
São alguns exemplos de simuladores em RV na DISPONÍVEIS COMERCIALMENTE
obstetrícia e ginecologia: o MediseusTM Epidural
(Figura 16), um simulador para o treinamento de No Quadro 1, estão dispostos alguns simuladores que
anestesiologistas, que apresenta a resistência típica se encontravam disponíveis comercialmente, até o
da colocação do cateter peridural via feedback háp- momento da elaboração deste capítulo, para treina-
mentos em obstetrícia e ginecologia, bem como sua
tico (Lee et al., 2012); e o LapSimTM (Figura 17), para categoria, breve descrição, o nível de fidelidade e a
exercícios laparoscópicos, que oferece uma experi- marca. Salienta-se que aqueles já citados no texto
ência multissensorial e imersiva ao usuário. não foram incluídos no quadro.

280 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 1. Levantamento dos simuladores disponíveis no mercado para simulação em obstetrícia e ginecologia real-
izado em fevereiro de 2020.

Simulador
Categoria Breve descrição Fidelidade Marca
(Nome comercial)
Torso para treinamento da
Super OB SusieTM Treinador de Tipicamente
assistência ao trabalho de GaumardTM
S500.300 tarefas parciais baixa
parto e nascimento.
Simulador para atendimento
Articulating Treinador de materno-neonatal. Pode Tipicamente
GaumardTM
Newborn S500 tarefas parciais ser utilizado isoladamente baixa
ou com o OB SusieTM.
RITA™
Reproductive Treinador de Simulador compacto para inserir e Tipicamente
GaumardTM
Implant Training tarefas parciais remover implantes contraceptivos. baixa
Arm (S519)
Hysteroscopy Treinador de Simulador para a prática Tipicamente
GaumardTM
Simulator (S607) tarefas parciais de histeroscopia. baixa

Simulador para prática


ginecológica, incluindo exame
SIMA GYN/ especular vaginal, avaliação pélvica
Treinador de Tipicamente
AIDTM Gynecologic bimanual, inserção de dispositivo GaumardTM
tarefas parciais baixa
Simulator (S503) intrauterino - DIU, com sonoridade
uterina e visualização do colo
uterino normal e anormal.

ZOETM S504.200
Treinador de Simulador para o desenvolvimento Tipicamente
- Gynecological GaumardTM
tarefas parciais de habilidades em ginecologia. baixa
Skills Trainer

Tronco para exame clínico


Breast Phantom das mamas e ultrassonografia.
Simulator A mama esquerda permite a
S230.52 - Treinador de identificação ultrassonográfica Tipicamente
GaumardTM
Ultrasound Breast tarefas parciais de cistos e massas densas; e a baixa
Examination mama direita o reconhecimento
Skills Trainer de cistos de diferentes
tamanhos e profundidades.
Maternity Simulador que oportuniza
Treinador de Tipicamente Koken
Simulator Jacket experimentar as atividades
tarefas parciais baixa Co., Ltd
(LM-054) de uma gestante.
Simulador para Simulador com textura
Exame Vaginal Treinador de similar à pele humana, para Tipicamente Koken
e Obstétrico II tarefas parciais a prática de técnicas em baixa Co., Ltd
(LM-101J) obstetrícia e sutura perineal.
Modelo materno para a prática
Modelo Materno Treinador de dos quatro tempos da manobra Tipicamente Koken
II (LM- 043N) tarefas parciais de Leopold Zweifel e ausculta baixa Co., Ltd
dos batimentos cardíacos fetais.
Puerperal Uterus
Treinador de Modelo ideal para o treinamento Tipicamente Koken
Palpation Training
tarefas parciais de palpação obstétrica. baixa Co., Ltd
Model (LM-055)

Tipos de simuladores utilizados


em Ginecologia e Obstetrícia 281
Simulador que representa um útero
após o nascimento. Oferece suporte
no treinamento de colocação de
DIU e tamponamento uterino
Treinador de com balão e outras intervenções Tipicamente Laerdal
Mama-UTM
tarefas parciais pós-parto. É ultraportátil, baixa MedicalTM
podendo ser usado em uma mesa
para treinamento ou dentro
da MamaNatalieTM, para uma
simulação de parto completa.
Treinador de É um acessório que permite a Tipicamente Laerdal
MamaBreastTM
tarefas parciais simulação de aleitamento materno. baixa MedicalTM
Simulador de parto com um
Treinador de bebê recém-nascido que Tipicamente Laerdal
MamaNatalieTM
tarefas parciais fornece a prática de assistência baixa MedicalTM
materna e neonatal.
Simulador inflável projetado
Treinador de Tipicamente Laerdal
NeoNatalieTM para ensinar habilidades básicas
tarefas parciais baixa MedicalTM
de reanimação neonatal.
Simulador com representação
Clinical Female anatômica precisa da pelve Limbs &
Treinador de feminina. Ideal para exames Tipicamente
Pelvic Trainer Things,
tarefas parciais práticos em ginecologia e baixa
Mk 3 (CFPT) diagnóstico de condições Ltd
patológicas femininas.
Simulador Limbs &
para reparo de Treinador de Simulador para reparo de Tipicamente
Things,
lacerações perineais tarefas parciais lacerações ocorridas no parto. baixa
(NO. 60225) Ltd

Examination
Mama em tamanho real para Limbs &
& Diagnostic Treinador de Tipicamente
exame clínico das mamas, Things,
Breast Trainer tarefas parciais baixa
autoexame e diagnóstico. Ltd
(NO. 40044)
Simulador
NoelleTM maternal, guiado por
Simulador para treinamento de Tipicamente
neonatal birthing instrutor com GaumardTM
cuidados obstétricos e neonatais. intermediária
simulator capacidade de
automatização
Simulador Simulador de parto com
guiado por níveis básicos e avançados,
Tipicamente Laerdal
SimMomTM instrutor com para treinamentos pré e pós-
intermediária MedicalTM
capacidade de natal. Pode ser utilizado com o
automatização módulo de parto automático.
Simulador para parto vaginal e
Simulador
emergências obstétricas, pode Tipicamente Operative
RealMom TM
2.0 guiado por
ser utilizado junto ao abdome intermediária ExperienceTM
instrutor
simulador de cesariana.
Code Blue® Simulador Simulador para o treinamento
Tipicamente
III Newborn guiado por de suporte avançado de GaumardTM
alta
with OMNI® modelo vida ao recém-nascido.

282 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Simulador sem fio para o
treinamento de competências em
seis áreas; entre elas, a ginecologia.
Surgical Chloe™
Simulador Pode ser utilizado em cenários
S2101 - Wireless Tipicamente
guiado por de gestação ectópica rompida; GaumardTM
Surgical Patient alta
modelo massa pélvica na gestação; aborto
Simulator
séptico e sepse; hemorragias
pós-operatórias; conização do
colo uterino; entre outros.
Simulador de recém-nascido,
Simulador sem fio, criado em parceria com a
Tipicamente Laerdal
SimNewBTM guiado por American Academy of Pediatrics,
alta MedicalTM
modelo projetado para ajudar a melhorar
a reanimação neonatal.
Simulador para eventos críticos
Simulador relacionados a bebês, que
Tipicamente
BabySIMTM guiado por gera respostas automáticas a METITM
alta
modelo intervenções realizadas pelos
participantes da simulação.
Módulo para Simulador (módulo) para o
Simulador
avaliação desenvolvimento de habilidades Tipicamente
baseado em SIMTICSTM
ultrassonográfica em avaliação de ultrassonográfica baixa
computador
de anomalias fetais de anomalia fetal.
Módulo para Simulador (módulo) para
avaliação Simulador desenvolvimento de habilidades
Tipicamente
ultrassonográfica baseado em para avaliação ultrassonográfica SIMTICSTM
baixa
do crescimento computador do crescimento fetal durante
fetal o ciclo gravídico.
Simulador para o Tipicamente
Simulador em
LAPSIM® Essence desenvolvimento psicomotor intermediária SurgicalscienceTM
realidade virtual
em cirurgia laparoscópica. a alta

Fonte: elaborado pela autora em fevereiro de 2020.

5. SIMULADORES DE BAIXO CUSTO


Simulações verbais
Utilizam discussões condicionais, podendo
De fato, a simulação se tornou uma metodologia va-
ser desenvolvidas com o apoio de atores/
liosa para qualificar com maior eficácia e efetivi-
atrizes que podem protagonizar o paciente.
dade estudantes e profissionais a fim de garantir a
Comumente, são de baixo custo e ótimas para
segurança dos usuários dos serviços de saúde e di-
trabalhar atitudes profissionais.
minuir gastos com ações judiciais decorrentes de
más práticas (FONSECA, 2009).
Para incorporá-la ao ensino e à educação per-
manente não é sempre necessária alta tecnologia.
Atualmente, a maioria dos simuladores utilizados Pesquisadores e professores têm investido
é de baixa fidelidade e oportuniza desenvolver na criação e experimentação de simuladores de
habilidades básicas (MARAN; GLAVIN, 2003; baixo custo. Um exemplo exitoso é o projeto de
KNEEBONE, 2003; BRADLEY, 2006). simuladores acessíveis da Universidade Federal

Tipos de simuladores utilizados


em Ginecologia e Obstetrícia 283
de Santa Catarina – UFSC (2020), que disponi- (Figura 19); e para o treinamento de sutura de
biliza on-line, na modalidade open source, op- lacerações perineais (Figura 20), com compro-
ções que podem ser replicadas facilmente como: vada melhora nos conhecimentos e nas habilida-
o simulador para versão cefálica externa (Figura des cirúrgicas para suturar lacerações (KNOBEL
18); para cirurgia cesariana- camadas anatômicas et al., 2018).

Figura 18. Sequência de fotos do simulador de baixo custo para treinamento de versão cefálica externa.

Fonte: Disponível em: https://saudesimuladores.paginas.ufsc.br/treinamento-de-versao-cefalica-externa/

Figura 19. Sequência de fotos do simulador para cirurgia cesariana- camadas anatômicas.
Fonte: Disponível em: https://saudesimuladores.paginas.ufsc.br/treinamento-de-versao-cefalica-externa/.

Figura 20. Sequência de fotos do simulador de baixo custo para o treinamento de sutura de lacerações perineais.
Fonte: Disponível em: https://saudesimuladores.paginas.ufsc.br/treinamento-de-versao-cefalica-externa/.

Em estudo brasileiro (KNOBEL et al., 2020), Uma investigação científica realizada na África,
que apresentou o processo de desenvolvimento de a qual buscou projetar e avaliar um simulador portá-
três simuladores de baixo custo, incluindo uma ber- til e de baixo custo (Figura 21) para treinar parteiras
muda simuladora de parto, um útero de Neoprene tradicionais e enfermeiras na aplicação da compres-
para tratamento de hemorragias e um simulador são bimanual e para gerenciar a hemorragia pós-parto
de sutura de lacerações perineais (supracitado), (HPP), constatou que ele possui potencial para redu-
concluiu-se que o uso de simuladores artesanais é zir a mortalidade materna por HPP em países em de-
factível e efetivo. senvolvimento (PEROSKY et al., 2011).

284 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Simuladores dessa natureza são uma excelente
opção para aplicar em locais com recursos escassos,
qualificando o treinamento de profissionais para a
melhoria na assistência à saúde materno-infantil.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A adoção da simulação em obstetrícia e ginecologia


no ensino é uma excelente opção para minimizar
o risco de erros humanos no cuidado com a saúde
e qualificar a assistência.
Os simuladores são tecnologias fundamentais na
aplicação dessa metodologia. Entretanto, não são
somente eles que conferem eficácia ao processo,
mas também o desenho criterioso dos cenários e
a facilitação dos professores/treinadores. Por isso,
Figura 21. Simulador de baixo custo para o treinamento
de hemorragia pós-parto. é significativo considerar tais aspectos ao adotar a
simulação clínica na educação, seja ela formativa
Fonte: Perosky et al. (2011). Cortesia Wolters Kluwer. ou permanente.

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286 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 8.4

O ensino de graduação, treino de


habilidades e uso de simulação em
enfermagem na Ginecologia
e Obstetrícia

287
Júnia Aparecida Laia da Mata
Doutora em Ciências da Saúde (FEnf/Unicamp)
Mestre em Educação e Saúde na Infância e Adolescência (Unifesp)
Pós-graduada em Enfermagem Obstétrica e em Saúde da Família.
Professora do Departamento de Enfermagem
Materno-infantil (EENF/UFRGS)

Clara Fróes de Oliveira Sanfelice


Doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Enfermagem da
Universidade Estadual de Campinas (FEnf/Unicamp). Mestre em Ciências
da Saúde pela Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual de
Campinas (FEnf/Unicamp). Especialista em Enfermagem Obstétrica
pela Universidade de São Paulo (USP). Professora da Faculdade de
Enfermagem da Universidade Estadual de Campinas (FEnf/UNICAMP).

1. INTRODUÇÃO 2. ASPECTOS DA FORMAÇÃO E DO ENSINO EM


ENFERMAGEM NAS ÁREAS DE OBSTETRÍCIA E
GINECOLOGIA
Ao final da leitura deste capítulo, espera-se que o
(a) leitor(a) seja capaz de discutir sobre a forma- A formação superior em enfermagem tem como
ção em enfermagem, nas áreas de obstetrícia e gi- foco o desenvolvimento das seguintes competên-
necologia, considerando as competências elenca- cias (conhecimentos, habilidades e atitudes) gerais:
das nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e atenção à saúde, por meio de ações de prevenção,
as atribuições da profissão definidas pelo Conselho promoção, proteção e reabilitação, nos níveis indi-
Federal de Enfermagem (Cofen); conhecer aspec- vidual e coletivo, de forma integrada ao sistema de
tos sobre o treinamento de habilidades e o uso de saúde; tomada de decisões; comunicação; liderança;
cenários simulados no ensino da enfermagem nas administração e gerenciamento da força de traba-
áreas de obstetrícia e ginecologia; e reconhecer as lho, de recursos físicos, materiais e de informações;
potencialidades da aplicação da simulação clínica e educação permanente, por meio da capacidade de
no desenvolvimento de habilidades técnicas e não aprender a aprender de forma contínua durante a
técnicas para a atenção obstétrica e ginecológica. formação e a prática profissional (BRASIL, 2001).

288 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quanto às competências específicas, elencadas de enfermagem, envolve conteúdos relacionados ao
nas DCN do curso de graduação em Enfermagem cuidado de enfermagem, nos níveis individual e co-
(BRASIL, 2001), destacamos: atuar nos programas letivo, ofertado à criança, ao adolescente, ao adulto,
de assistência integral à saúde da criança, do ado- à mulher e ao idoso (BRASIL, 2001).
lescente, da mulher, do adulto e do idoso; ter a ca- Tais conteúdos curriculares precisam ser com-
pacidade de diagnosticar e solucionar problemas partilhados e assimilados ao longo da graduação,
de saúde, de comunicar-se, de tomar decisões, de sendo desenvolvidos por meio de atividades teóri-
intervir no processo de trabalho, de trabalhar em cas, práticas, de estágio curricular supervisionado
equipe e de enfrentar situações em constante mu- e complementares, com aplicação de metodolo-
dança; responder às especificidades regionais de gias de ensino-aprendizagem que articulem o sa-
saúde por meio de ações planejadas estrategica- ber, o saber fazer e o saber conviver, promovendo
mente, em níveis de promoção da saúde, prevenção o aprender a aprender, o aprender a ser, o aprender
de doenças e reabilitação à saúde, oferecendo aten- a fazer, o aprender a conviver e aprender a conhe-
ção integral à saúde dos indivíduos, das famílias e cer. Durante a graduação devem ser implementa-
das comunidades; liderar o trabalho da equipe de das avaliações discentes, baseadas nos conteúdos
enfermagem; utilizar de maneira adequada tecno-
curriculares e nas competências dispostas nas DCN
logias, tanto de informação e comunicação, quanto
(BRASIL, 2001).
aquelas relacionadas ao cuidado de enfermagem;
A formação em enfermagem para assistir as mu-
prestar cuidados de enfermagem compatíveis com
lheres e os recém-nascidos (RN) inicia-se no con-
as diversas necessidades apresentadas pelo indiví-
texto já descrito, considerando que é atribuição da
duo, pela família e pelos distintos grupos da comuni-
(o) enfermeira (o) prestar assistência a esse público.
dade; planejar e implementar programas de educa-
Para as (os) profissionais que desejam seguir
ção e promoção relacionados à saúde, considerando
nas especialidades de ginecologia e/ou obstetrí-
a especificidade dos variados grupos sociais e dos
diferentes processos de vida, saúde, trabalho e adoe- cia, as residências multiprofissionais e especializa-
cimento; integrar as ações de enfermagem às mul- ções são caminhos possíveis, instrumentalizando-
tiprofissionais; e adotar os instrumentos que ga- -os para exercer as atribuições contempladas no
rantam a qualidade do cuidado de enfermagem e art. 11, inciso II, da Lei do Exercício Profissional da
da assistência à saúde. Enfermagem nº 7.498, de 1986, do Conselho Federal
O perfil da (o) enfermeira (o) envolve uma for- de Enfermagem (1986): prestar assistência à par-
mação generalista, humanista, crítica e reflexiva, turiente e ao parto eutócico; realizar a identifica-
com qualificação para o exercício da enfermagem, ção de distócias e a tomada de condutas até a che-
respeitando o rigor científico e intelectual, pautado gada do médico; e aplicar anestesia local e rafia no
em princípios éticos. A (o) profissional, ao final da períneo e nas suas estruturas adjacentes, quando
formação, deve ser capaz de conhecer os problemas indicadas. A consulta de enfermagem (seja em gi-
ou as situações de saúde-doença prevalentes nos necologia ou obstetrícia) e a prescrição da assistên-
níveis nacional e regional e intervir neles, identifi- cia de enfermagem são competências específicas
cando as dimensões biopsicossociais dos seus de- da (o) enfermeira (o), respaldadas nessa legislação.
terminantes, bem como promover a saúde integral Além disso, as (os) especialistas em enferma-
do ser humano (BRASIL, 2001). gem obstétrica, segundo a Resolução Cofen nº 516
Para desenvolver as competências supracitadas, de 23 de junho de 2016 (CONSELHO FEDERAL
são definidos conteúdos essenciais para o curso de DE ENFERMAGEM, 2016), possuem atribuições
graduação em Enfermagem, os quais contemplam: específicas relacionadas à assistência às gestantes,
ciências biológicas e da saúde; ciências humanas e parturientes, puérperas e aos recém-nascidos em
sociais; e as ciências da enfermagem, que abran- serviços de obstetrícia, centros de parto normal,
gem os fundamentos de enfermagem; a assistência casas de parto e em outros locais onde ocorra a as-
de enfermagem; administração de enfermagem; e sistência, a saber:
o ensino de enfermagem. • Avaliar todas as condições de saúde materna, clíni-
Os fundamentos de enfermagem tratam de con- cas e obstétricas, assim como as do feto;
teúdos teóricos, práticos e metodológicos ineren- • Garantir o atendimento no pré-natal, parto e puer-
tes ao trabalho da (o) enfermeira (o) e, a assistência pério por meio da consulta de enfermagem;

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso de simulação


em enfermagem na Ginecologia e Obstetrícia 289
• Promover modelo de cuidado, centrado na mu- estágio curricular supervisionado e complementa-
lher, no parto e nascimento, ambiência favorável res, não contemplando no texto os cenários de prá-
à parturição de evolução fisiológica e garantir a tica simulada.
presença do acompanhante de escolha da mulher, Apesar disso, as instituições de saúde e educa-
conforme previsto em lei; ção brasileiras, têm se preocupado e se aperfeiçoado
• Oferecer informações, escritas e verbais, comple-
em aplicar metodologias de ensino-aprendizagem
tas e fidedignas, necessárias ao acompanhamento
e à avaliação do processo de cuidado;
que ofereçam maior segurança para todos os envol-
• Utilizar práticas baseadas em evidências científicas; vidos na assistência à saúde. Uma das propostas é
• Prestar assistência ao parto normal sem distócia o treinamento e a formação com uso de simulação
e ao RN; clínica, que possibilita a aquisição de habilidades
• Registrar no prontuário da mulher e do RN as infor- técnicas e não técnicas nos (as) participantes
mações inerentes ao processo de cuidar, de forma (DOMINGUES, NOGUEIRA, MIÚRA, 2020).
clara, objetiva e completa; Na atualidade (2021), o Conselho Nacional de
• Emitir a Declaração de Nascido Vivo (DNV); Educação (CNE) brasileiro, por meio de grupos de
• Realizar a emissão de laudos de autorização de in- trabalho (GT), está revisando as DCN do Curso de
ternação hospitalar (AIH) para o procedimento Graduação em Enfermagem, o que representa um
de parto normal sem distócia, realizado pela (o)
momento oportuno para problematizar e incluir a
enfermeira (o) obstetra, da tabela do Sistema de
simulação clínica como estratégia de ensino-apren-
Informação Hospitalar do Sistema Único de Saúde
(SIH/SUS); dizagem para o desenvolvimento de habilidades téc-
• Encaminhar a mulher e/ou o recém-nascido ao ní- nicas e não técnicas durante a formação.
vel de maior complexidade, caso sejam detectados Geralmente, no Brasil, a abordagem sobre obste-
fatores de risco e/ou complicações; trícia e ginecologia na graduação em Enfermagem
• Promover a educação em saúde, fundamentada inicia-se no quinto semestre do curso, comumente
nos direitos sexuais, reprodutivos e de cidadania. em disciplina específica relacionada à saúde das
mulheres e dos recém-nascidos.
O ensino da obstetrícia e ginecologia em enfer- Nessa etapa, a (o) estudante costuma vivenciar
magem se dá nos diferentes âmbitos da formação, práticas clínicas na atenção primária à saúde (APS)
desde a graduação, levando em conta as DCN e as e hospitalares sob supervisão direta do (a) docente
competências esperadas para cada etapa. Um dos e, nela, é esperado um nível de competência para ini-
desafios nesse processo formativo é promover um ciante. Por exemplo, o (a) discente deverá, minima-
aprendizado alinhado e aplicável aos cenários da mente, saber desempenhar, em ginecologia, os exa-
prática profissional. mes físico e ginecológico, incluindo o exame clínico
Autores apontam que uma lacuna observada das mamas (ECM), a coleta de exame colpocitopa-
por professores na formação dos profissionais da tológico, a detecção de infecções sexualmente trans-
saúde é a falta de conexão entre o que é aprendido missíveis (IST) e educação em saúde sexual e repro-
em sala de aula pelos discentes e aquilo que eles po- dutiva. Em obstetrícia, é esperado que o aluno saiba
dem aplicar na prática no local de trabalho ou no realizar o exame físico e obstétrico, abrangendo a
contato com os usuários dos serviços (TEN CATE manobra de Leopold Zweifel, aferição da altura ute-
et al., 2015). rina, ausculta dos batimentos cardíacos fetais (BCF),
As atuais DCN do curso de graduação em avaliação da dinâmica uterina no trabalho de parto
Enfermagem propõem a adoção de metodologias e parto, realizar educação em saúde materna e neo-
no processo de ensino-aprendizagem que estimu- natal e prestar cuidados de enfermagem.
lem o (a) aluno (a) a refletir sobre a realidade so- No nono semestre da graduação, o (a) acadê-
cial e aprenda a aprender, a partir de um projeto mico (a) inicia o estágio curricular supervisionado,
pedagógico que tenha o estudante como sujeito da podendo desempenhá-lo também em serviços de
aprendizagem e o professor como facilitador e me- saúde, normalmente do SUS, que atendem à gine-
diador, com foco na formação integral, articulando cologia e obstetrícia, avançando na aprendizagem,
ensino, pesquisa, extensão e assistência (BRASIL, demonstrando níveis de progressão em suas com-
2001). O desenvolvimento das competências atinen- petências nessas áreas, com capacidade para de-
tes à profissão, dispostas nas DCN, deve ser alcan- senvolver atividades específicas, mas necessitando
çado por meio das atividades teóricas, práticas, de ainda de supervisão de preceptor (a).

290 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Na última etapa do curso, décimo semestre, o (a) de enfermagem especializado e atuação em time/
aluno (a) segue em estágio curricular supervisio- equipe; busque as melhores evidências científicas
nado, podendo participar de atividades em gineco- para sustentar a prática profissional; preste a as-
logia e obstetrícia, sendo esperado que demonstre sistência à saúde da mulher e do RN em situações
nesse momento níveis de progressão em suas com- de risco habitual/sadias e alto risco/emergências
petências, com capacidade de desenvolver ativida- e reconheça os paradigmas humanista e holístico.
des com maior autonomia. Ao concluir a residência ou especialização, a(o)
Além das práticas em disciplinas e do estágio enfermeira(o) precisa atuar de forma consistente e
curricular supervisionado, a simulação clínica pode autônoma, com capacidade para a tomada de deci-
ser uma metodologia de ensino-aprendizagem ado- sões, identificação e encaminhamento/referência
tada ao longo da graduação, para o treino de habi- de casos a outros profissionais, em perspectiva in-
lidades e o desenvolvimento das competências ne- tegral, humanizada e/ou holística, além de ter as
cessárias à enfermagem. competências supracitadas.
A simulação clínica é reconhecida como uma Diante do exposto, defendemos a implementa-
estratégia que oportuniza transformar a prática na ção da simulação clínica no ensino, no treinamento
área da saúde, melhorando a segurança da assistên- de habilidades e no desenvolvimento de compe-
cia. A International Nursing Association for Clinical tências em enfermagem, nas áreas de obstetrícia
Simulation and Learning – INACSL (2016) propõe e ginecologia, e apresentamos, neste capítulo, in-
diretrizes bem definidas para as melhores práticas formações que podem subsidiar a sua aplicação na
em simulação clínica de alta complexidade, tanto prática docente.
para aplicação no ensino quanto para pesquisa e ofe-
rece recomendações para treinos de habilidades, ou
seja, simulação de baixa complexidade. 3. TREINAMENTO DE HABILIDADES E USO
A INACSL (2016) defende que projetos de si- DE CENÁRIOS SIMULADOS NO ENSINO DA
mulações de cuidados em saúde eficazes facilitam ENFERMAGEM EM OBSTETRÍCIA E GINECOLOGIA
o alcance de resultados consistentes e fortalecem
a experiência baseada em simulação em todos os A implementação de boas práticas obstétricas
ambientes. As simulações clínicas podem redu- e a prevenção da morbimortalidade materna e ne-
zir o tempo no desenvolvimento de competências onatal são os principais focos da assistência obs-
e incrementar a retenção de habilidades técnicas, tétrica, portanto, os profissionais de enfermagem
quando comparada com outras estratégias didáti- que assistem gestantes, puérperas e RN precisam
cas instrutivas (COOPER; TAQUETI, 2004). estar adequadamente instrumentalizados para exer-
Como apresentado no início desta seção, outros cer com excelência todos os cuidados necessários.
caminhos para a aprendizagem sobre obstetrícia e A capacitação de futuros profissionais para a
ginecologia são a residência uniprofissional ou mul- adequada assistência ao trabalho de parto e nasci-
tiprofissional e as especializações, as quais possuem mento e eficaz resolução de quadros de urgência e
uma duração média de dois anos. emergência é considerada ponto central para a me-
No primeiro ano da residência ou especializa- lhoria do cuidado no âmbito da saúde materno-in-
ção em enfermagem obstétrica (podendo incluir gi- fantil. Nesse sentido, o treino de habilidades com
necologia ou saúde da mulher na nomenclatura do o uso de cenários simulados, como estratégia para
curso), a(o) enfermeira(o) continua a avançar e de- qualificação do processo de ensino-aprendizagem,
monstra marcos adicionais de competência, apre- tem sido cada vez mais utilizado em ambientes de
sentando de maneira consistente o domínio dos ensino, assim como em serviços de saúde.
conhecimentos propostos no programa (residên- Uma pesquisa brasileira avaliou o uso da simula-
cia ou especialização), a saber: atenção no plane- ção na área de obstetrícia como metodologia de en-
jamento reprodutivo/periconcepcional e métodos sino para estudantes do sétimo semestre do curso de
contraceptivos; pré-natal; assistência ao trabalho de graduação em Enfermagem. Os alunos foram sub-
parto e nascimento; e cuidado contínuo às mulhe- metidos à simulação clínica com os seguintes te-
res e aos recém-nascidos. Deve desempenhar prá- mas: pré-eclâmpsia (Figura 1), reanimação do RN
ticas clínicas sob supervisão de preceptor. (Figura 2), descolamento prematuro de placenta por
Já no segundo ano, é desejado que a(o) trauma (figuras 3 e 4) e consulta de planejamento
enfermeira(o) baseie sua prática em evidências familiar (Figura 5) (BRASIL, 2017).
científicas robustas, com capacidade para registro

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso de simulação


em enfermagem na Ginecologia e Obstetrícia 291
Figura 1. Preparação para o parto em situação de pré- Figura 2. Estudantes aplicando reanimação neonatal em
eclâmpsia. sala de parto.
Fonte: Brasil (2017). Fonte: Brasil (2017).

Figura 3. Mulher sendo transportada para o pronto-socorro e estudante aguardando para admissão.
Fonte: Brasil (2017).

Figura 4. Iniciando o atendimento à mulher pós-trauma. Figura 5. Planejamento familiar.

Fonte: Brasil (2017). Fonte: Brasil (2017).

292 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Os participantes (N=47 alunos) foram randomi- cada aluno foi orientado pelo corpo docente com su-
zados em seis grupos, e, enquanto um grupo reali- porte técnico de simulação utilizando o SimMomTM
zava a atividade, os demais ficavam confinados em da Laerdal. Os alunos também tiveram um workshop
uma sala juntamente com um discente monitor. interativo sobre traçados de frequência cardíaca fetal
Os grupos eram chamados para realizar a simu- e dilatação cervical usando modelos cervicais “cegos”
lação de acordo com a ordem de sorteio e, após a e “abertos” (OGUNYEMI et al., 2020).
atividade simulada, não havia contato entre os aca- Ao final, ocorreu uma sessão de debriefing para
dêmicos que já haviam participado e os que esta- responder a perguntas e obter feedback constru-
vam aguardando. tivo. Os alunos responderam a pesquisas sobre ati-
Os estudantes foram avaliados por meio de um tudes e conhecimentos relacionados a conceitos da
checklist que continha a descrição de itens que de- obstetrícia antes, imediatamente após a atividade
veriam ser atendidos pelos alunos durante a simu- e quatro meses depois (OGUNYEMI et al., 2020).
lação. Para cada item havia as opções: não realizado, Na segunda etapa, foi incluída a simulação
inadequado e adequado. Eles foram construídos obstétrica interprofissional com estudantes da
tendo como base cada cenário, trazendo o papel do Enfermagem e da Medicina. Os princípios educa-
(a) enfermeiro (a) diante de cada situação apresen- cionais adicionais dessa etapa incluíram a intro-
tada (BRASIL, 2017). dução da interação interprofissional e a verifica-
Após a execução do cenário simulado e o debrie- ção de avaliações clínicas objetivas. Nessa fase, o
fing, os alunos responderam a dois instrumentos: tempo de cada estação foi aumentado para 30 mi-
Escala de Satisfação dos Estudantes e Autoconfiança nutos (OGUNYEMI et al., 2020).
na Aprendizagem e Escala de Design da Simulação. Na terceira fase, o currículo de simulação obs-
A análise dos dados mostrou que a aprendizagem tétrica interprofissional foi expandido e adicionou
por meio da simulação de cenários da área materno- a simulação ginecológica, envolvendo igualmente
infantil foi eficaz e obteve uma elevada satisfa- os estudantes de Enfermagem e Medicina. Além da
ção e autoconfiança por parte dos estudantes de interação interprofissional e dos temas já aborda-
Enfermagem (BRASIL, 2017). dos nas outras etapas, essa fase incluiu uma nova
Um projeto de educação mais amplo, estação de contracepção e inserção de dispositivo
baseado em simulação interprofissional, foi de- intrauterino (OGUNYEMI et al., 2020).
senvolvido no período de 2014 a 2017 com alu- Na última etapa, os princípios educacionais adi-
nos de graduação em Medicina e Enfermagem na cionais incluíram foco no ensino interprofissional
Escola de Medicina William Beaumont da Oakland do aluno, segurança do paciente e do trabalho em
University nos Estados Unidos. O seu conteúdo in- equipe e a introdução da autoavaliação, tanto por
cluía workshop baseado em casos de frequência car- acadêmicos de Enfermagem quanto de Medicina
díaca fetal; parto vaginal simulado; exame e avalia- (OGUNYEMI et al., 2020).
ção cervical; estação de contracepção, incluindo Os resultados dessa inciativa revelaram aumento
prática de inserção de dispositivo intrauterino e do conhecimento, conforto e percepção dos alu-
procedimentos obstétricos, abrangendo prática de nos em curto prazo, com alguma persistência de
sutura. (OGUNYEMI et al., 2020). longo prazo observada em quatro a oito meses.  A
O foco principal desse projeto foi o ensino de comunicação e o profissionalismo dos alunos de
competências essenciais de profissionalismo, apren- Medicina na interação com os da Enfermagem fo-
dizagem e melhoria baseada na prática, habilidades ram enfatizados e avaliados (OGUNYEMI et al.,
interpessoais e de comunicação, assim como a cola- 2020). Consideramos que tal experiência na aca-
boração interprofissional (OGUNYEMI et al., 2020). demia se torna bastante positiva para o processo
Ele foi desenvolvido em quatro etapas. Na pri- formativo em ambas as áreas, favorecendo o de-
meira, utilizou-se a metodologia de sala de aula in- senvolvimento de competências para atuação in-
vertida, na qual os alunos vivenciaram uma palestra terprofissional e colaborativa.
sobre obstetrícia intraparto e traçados de frequência À medida que a educação e o treinamento por
cardíaca fetal, e assistiram a um breve vídeo sobre simulação se tornam cada vez mais prevalentes na
o parto. A simulação foi aplicada em grupos de três enfermagem, os custos de equipamentos e supri-
a quatro alunos, alternando em três estações de 20 mentos de capital aumentam. Isso pode representar
minutos cada. Na estação de parto vaginal simulado, um obstáculo ao processo, uma vez que sobrecar-

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso de simulação


em enfermagem na Ginecologia e Obstetrícia 293
rega os recursos dos cursos de Enfermagem (SHEA; uma necessidade educacional observada em con-
ROVERA, 2015). Diante disso, destacamos o traba- texto real de treinamento (oficinas de treinamento
lho de uma equipe multiprofissional pertencente prático) (KNOBEL et al., 2020).
a quatro universidades públicas do Brasil, que de- Foram concebidos os seguintes simuladores: 1.
senvolveu simuladores artesanais e de baixo custo bermuda simuladora de parto com boneco (Figura
para o aprimoramento do ensino e a aprendizagem 6); 2. útero de Neoprene para simulação do manejo
em obstetrícia. de hemorragia pós-parto (Figura 7); 3. simulador de
Os simuladores desse time foram criados/adap- sutura de laceração perineal e laceração perineal
tados e confeccionados a partir da identificação de grave (Figura 8). (KNOBEL et al., 2020).

Figura 6. Bermuda simuladora de parto com boneco.


Fonte: Knobel et al. (2020).

Figura 7. Simulador de útero confeccionado com o Figura 8. Simulador de sutura de laceração perineal e
tecido Neoprene (elastômero sintético policloropreno). laceração perineal grave. Fonte: KNOBEL et al., 2020.
Fonte: Knobel et al. (2020). Fonte: Knobel et al. (2020).

A bermuda simuladora (Figura 6) de parto per- Esse simulador também pode ser utilizado para
mite o treinamento de habilidades e atitudes refe- a discussão de modelos de assistência e habilidades
rentes à assistência ao parto normal e à resolução de comunicação, já que permite que os aprendizes
de distócias e complicações obstétricas (particular- se coloquem no papel de parturiente. Representa
mente útil para distócias que requerem mudança de uma solução de baixo custo e permite a apresenta-
posição), uma vez que os simuladores de parto de ção e simulação em ambientes diversos - escolas,
plástico ou borracha rígidos (pelve materna e feto) grupos de gestantes, além de ambientes de treina-
não permitem realizar essas manobras de forma ade- mento profissional (KNOBEL et al., 2020).
quada, e dificultam o treinamento da interação as- O simulador de útero de Neoprene (Figura 7) foi
sistente/parturiente, incluindo os efeitos dinâmi- confeccionado para o treinamento de habilidades
cos da movimentação da parturiente no manejo de e atitudes para o tratamento da hemorragia pós-
distócias (KNOBEL et al., 2020). -parto (KNOBEL et al., 2020), que representa um

294 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
quadro de alta prevalência e uma das principais cau- bovina, utilizado para o treino das suturas graves
sas de morte materna no Brasil (PAN AMERICAN (KNOBEL et al., 2020).
HEALTH ORGANIZATION, 2018). Esses simuladores não permitem praticar a si-
Esse simulador é útil para o treino de uma sé- tuação clínica, mas possibilitam treinar conheci-
rie de atividades, incluindo o diagnóstico da hi- mentos e habilidades específicos das técnicas de su-
potonia uterina, realização da massagem uterina tura (KNOBEL et al., 2020), incluindo a técnica de
abdominal e compressão bi-manual (pressão va- sutura contínua dos planos com um único fio, a qual
ginal e abdominal concomitante e inserção de um é considerada, atualmente, a melhor para a sutura
balão de tamponamento uterino). Também pode das lacerações de 2º grau (KETTLE; DOWSWELL;
ser acoplado a uma bermuda similar à de parto - ISMAIL, 2012).
adaptado com velcro - para a simulação de uma si- Outro procedimento comum na assistência obs-
tuação clínica de hemorragia pós-parto com atriz tétrica é o exame vaginal (popularmente conhecido
como parturiente. Essa situação permite o treina- como exame de toque), realizado para identificação
mento dos diversos passos do tratamento, a comu- das características do colo cervical, tais como dila-
nicação com a usuária do serviço e o trabalho em tação, apagamento, altura e variedade da apresenta-
equipe (KNOBEL et al., 2020). ção fetal. Os livros didáticos normalmente descre-
Além disso, tal simulação, quando realizada em vem a técnica para realização do exame vaginal, mas
ambiente real (centro obstétrico), oportuniza reco- poucos(as) alunos(as) têm a oportunidade de apli-
nhecer dificuldades (de acesso de material, de co- car esse procedimento durante o estágio de enfer-
municação e de divisão de tarefas) e busca de so- magem. Por causa dessa falta de experiência no en-
luções (KNOBEL et al., 2020). sino de enfermagem, pesquisadores da Universidade
O simulador de sutura (Figura 8) foi elaborado de São Francisco, na Califórnia criaram um modelo
diante da necessidade de treinamento de profissio- cervical de baixo custo para melhorar a compreen-
nais e acadêmicos nas técnicas de sutura de lace- são do discente de Enfermagem sobre o exame va-
rações perineais de segundo grau e daquelas mais ginal intraparto (SHEA; ROVERA, 2015).
graves. No parto vaginal podem acontecer lacera- Para a criação do modelo de um colo uterino,
ções, que, usualmente são espontâneas e possuem com possibilidade de treinamento da dilatação e
diversos graus de gravidade. Como a maioria de- do apagamento cervical, cientistas esculpiram um
las é superficial, não necessita de nenhum manejo pequeno círculo na casca de uma laranja, de apro-
(KNOBEL et al., 2020). ximadamente 5 cm de diâmetro (Figura 9), envol-
Enquanto lacerações menores podem cicatrizar vendo-o com uma meia.
rapidamente sem necessidade de intervenção, la-
cerações maiores, envolvendo músculos do corpo
perineal e, por vezes, o esfíncter anal, necessitam
de sutura e podem causar diversas complicações
(JIANG et al., 2017).
A reparação das lacerações graves (de terceiro e
quarto graus) é da competência do médico obstetra,
enquanto as lacerações de segundo grau podem ser
realizadas pela(o) enfermeira(o) obstetra. No en-
tanto, muitos(as) residentes e profissionais forma-
dos(as) sentem-se inseguros e não aptos a realizar
a sutura, dada sua raridade e a pouca exposição Figura 9. Criando um diâmetro cervical na fruta.
ao procedimento durante a formação (KNOBEL
Fonte: Shea e Rovera (2015).
et al., 2018).
A primeira imagem (lado esquerdo) da Figura
8 se refere ao simulador confeccionado de espuma,
Esse simulador pode ser mostrado aos alunos,
indicado para o treinamento das suturas de segundo
para que tenham a oportunidade de sentir as bor-
grau. Já a imagem à direita é um modelo confeccio-
das (Figura 10).
nado com preservativo masculino, tecido e carne

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso de simulação


em enfermagem na Ginecologia e Obstetrícia 295
Figura 10. Posicionar o modelo cervical de forma que Figura 12. Exame vaginal simulado sendo realizado por
possa ser acessado pela abertura da meia.
uma aluna de enfermagem.
Fonte: Shea e Rovera (2015).
Fonte: Shea e Rovera (2015).

O círculo pode ser ampliado e a borda apa- Os autores concluíram que o método de simu-
rada para simular o apagamento. Novamente, esse lação de dilatação e apagamento cervical forneceu
modelo pode ser mostrado aos discentes, para um modelo razoavelmente preciso que ofereceu
que percebam as diferenças da borda, agora mais aos discentes a oportunidade de praticar habilida-
plana. Professores com experiência em trabalho de des táteis, que não estão rotineiramente disponíveis
parto testaram esse método e determinaram que para estudantes de Enfermagem durante o curso de
a laranja representava as qualidades táteis que os graduação (SHEA; ROVERA, 2015).
autores buscavam (SHEA; ROVERA, 2015). No entanto, foram notadas duas limitações: 1. a
Para simular a cúpula vaginal, os cientistas esco- espessura da casca não é muito fidedigna à porcen-
lheram as meias tubulares, já que elas fornecem um tagem de esvaecimento cervical; e 2. o modelo não
material flexível que pode ser moldado dobrando a forneceu um método para simular a altura e a apre-
meia para trás enquanto cobria o colo simulado o sentação do feto, que são componentes-chave em
suficiente para exigir que o(a) acadêmico(a) sen- um exame vaginal completo e na avaliação da pro-
tisse a dilatação e o apagamento (Figura 11) (SHEA; gressão do parto (SHEA; ROVERA, 2015).
ROVERA, 2015). No que se refere à assistência ao parto, uma pes-
quisa multicêntrica desenvolveu e validou um cená-
rio de simulação na área materno-infantil relacio-
nado ao parto e nascimento humanizado. O cenário,
validado por 31 enfermeiros especialistas, foi deno-
minado “parto e nascimento humanizados” e teve
como objetivos de aprendizagem oferecer assistên-
cia humanizada durante o parto e nascimento e ava-
liar clinicamente a mulher e o RN, no intuito de esti-
mular o contato pele a pele e o aleitamento materno
na primeira hora de vida (FONSECA et al., 2020).
A cena simulada, com duração de dez minu-
tos, apresentou uma parturiente primigesta, ado-
lescente, acompanhada pela irmã na sala de parto,
em período expulsivo do trabalho de parto. A par-
Figura 11. Modelos prontos para serem usados.
turiente encontrava-se em posição ginecológica,
Fonte: Shea e Rovera (2015). sendo atendida por um profissional de saúde es-
pecialista em obstetrícia com conduta desrespei-
Com os modelos prontos, o treinamento do tosa e desalinhada às boas práticas. O RN nasceu
exame vaginal pode ser implementado (Figura 12). corado, chorando e espirrando, com Apgar 10/10

296 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
e foi recepcionado pelo profissional de saúde, re- Há alguns anos, vários jogos têm sido utiliza-
presentado por um ator que recomendava colo- dos para propósitos que transpassam o puro entre-
car o bebê no berço aquecido e chamar o pediatra. tenimento, sendo denominados serious games (SG).
Nesse momento, a simulação tinha duas possibili- Estes podem ter por objetivo o ensino dos conte-
dades de desfecho previstas: 1. o participante em údos específicos ou o treinamento de habilidades,
cena sugeria que pelas boas condições o RN fosse associando os aspectos lúdicos e de entretenimento
colocado junto à mãe para o contato pele a pele e (ARNAB et al., 2013).
a promoção da amamentação; e 2. o voluntário em Cientistas da Faculdade de Enfermagem
cena colocaria o RN no berço aquecido e chamaria da Universidade Estadual de Campinas – FEnf
o pediatra (FONSECA et al., 2020). -UNICAMP (2021) desenvolveram um jogo ele-
Quanto aos recursos necessários para a imple- trônico, na modalidade SG, que aborda a consulta
mentação dessa simulação, os autores recomendam de enfermagem para coleta do exame citopatoló-
um simulador obstétrico de alta fidelidade com RN, gico, para ser aplicado no contexto de ensino de uma
um ator ou uma atriz para representar o profissio- disciplina (Assistência de Enfermagem à Saúde da
nal de saúde que conduz o parto, outro/outra para Mulher), cursada no quarto semestre da graduação.
atuar como o/a pediatra que pode ser chamado (a) O jogo tem como objetivo o treino de habili-
para a cena e uma atriz para encenar a irmã da par- dades técnicas e não-técnicas relacionadas à con-
turiente (FONSECA et al., 2020). sulta de enfermagem destinada à coleta do exame
Segundo a pesquisa, a decisão de mudar o acom- de colpocitopatologia (abordagem com a usuária,
panhante (cônjuge, mãe, irmã, amiga, entre outros) requisitos para o exame, materiais necessários, téc-
nica de coleta, entre outros aspectos), estimulando
é livre e não interfere nos desfechos do cenário.
o raciocínio clínico e a tomada de atitudes dos aca-
Também é importante que haja no ambiente simu-
dêmicos (FACULDADE DE ENFERMAGEM DA
lado um berço aquecido e uma mesa auxiliar com
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS,
materiais como fluidos para infusão endovenosa
2021). O sítio em que o jogo está disponível é de
e dispositivos para o acesso venoso, glicosímetro
domínio público e pode ser acessado por meio di-
com fitas, oxímetro, estetoscópio, esfigmomanô-
gital (ver link nas referências).
metro, campos estéreis e filtro de água com copos.
Uma experiência desenvolvida em estudo cien-
Visando a perspectiva de suporte ambiental, os au-
tífico que pode ser transposta para a formação em
tores ressaltam a importância de um prontuário fí-
enfermagem e/ou na obstetrícia é a do Practical
sico com dados da parturiente, partograma e uma
Obstetric Team–Training (PROBE), um programa
ficha com as variáveis da avaliação de Apgar, para de treinamento de time baseado em simulação, feito
registro dos dados do parto, que deverão ser pre- na enfermaria de parto de um hospital universitário
parados pelos(as) professores(as)/facilitadores(as) localizado em Linköping, na Suécia (DAHLBERG
previamente à cena (FONSECA et al., 2020). et al., 2018).
O cenário de simulação desenvolvido e validado Os objetivos do PROBE eram melhorar as ha-
nesse estudo pode contribuir para a interface entre bilidades obstétricas em emergência e desenvolver
disciplinas do curso de Enfermagem, como Saúde da o trabalho em time interprofissional, promovendo
Mulher e Neonatologia, fomentando a articulação melhores resultados para os usuários do serviço. As
entre os saberes e reduzindo a fragmentação curri- sessões do programa ocorreram no centro de forma-
cular. Além disso, ele tem o potencial para ser uti- ção clínica do hospital, equipado com um laborató-
lizado com a perspectiva interprofissional, fortale- rio de obstetrícia. Cada sessão foi agendada para três
cendo o trabalho em equipe (FONSECA et al., 2020). horas, incluindo dois cenários de simulação (sendo
Os avanços tecnológicos, aplicados ao campo da um deles sobre distócia de ombros, com duração de
educação, têm possibilitado o surgimento de siste- 40 minutos) e uma estação de treinamento de ha-
mas e equipamentos que tendem a beneficiar o pro- bilidades práticas.  As emergências obstétricas fo-
cesso de ensino-aprendizagem. Nesse contexto, des- ram simuladas com atores, geralmente instrutores,
taca-se a utilização de jogos digitais em busca de e/ou manequins, dependendo do cenário proposto
meios de vincular recursos atrativos e característi- (DAHLBERG et al., 2018).
cas lúdicas ao aprendizado (COSTA; MACHADO; Com o treinamento, foi constatada a diminuição
MORAES et al., 2014). significativa de bebês nascidos com lesão do plexo

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso de simulação


em enfermagem na Ginecologia e Obstetrícia 297
braquial, ou fratura da clavícula ou do úmero; a me- e RN, episiotomia restritiva, entre outras); simula-
lhora na documentação nos prontuários médicos so- ção no gerenciamento de emergência e estações de
bre as manobras usadas após o diagnóstico de distó- habilidades com foco em hemorragia obstétrica e
cia de ombros; maior frequência na interrupção da reanimação neonatal. No módulo 2, os profissio-
infusão de ocitocina ao ser diagnosticada a distócia nais realizavam o treinamento para o manejo em
(o que é uma prática correta no seu manejo) e o au- situações de distócia de ombros e pré-eclâmpsia/
mento da sensação de confiança da equipe na con- eclâmpsia (FRITZ et al., 2017).
dução e resolução da distócia após o treinamento O PRONTO apresentou um impacto positivo
baseado em simulação (DAHLBERG et al., 2018). nas práticas de rotina relacionadas ao parto/nas-
A distócia de ombros é uma emergência obs- cimento, contribuindo para a qualidade do atendi-
tétrica que ocorre quando a extração dos ombros mento ofertado (FRITZ et al., 2017).
não se realiza durante o desprendimento fetal no No Reino Unido, cientistas desenvolveram um
parto, sendo necessárias manobras/condutas para programa de treinamento multidisciplinar baseado
que ele se complete. em simulação, projetado para lidar com emergên-
Na maioria dos casos, essa distócia ocorre no cia em obstetrícia. Ele apresentou impacto para a
ombro anterior impactado na sínfise materna. prática clínica dos participantes e melhorou signi-
Embora seja uma complicação relativamente rara, ficativamente a gestão nas complicações durante a
com incidência de 0,2% a 3% dos partos, a distó- gestação, além de melhorar as habilidades relacio-
cia de ombros está associada a elevadas taxas de nadas a fatores humanos, particularmente nas áreas
morbidade e mortalidade perinatal, assim como de de liderança, comunicação e trabalho em equipe
morbidade materna (AMERICAN COLLEGE OF (LAVELLE et al., 2018).
OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS, 2017). A oferta de treinamento de equipe multidisci-
Apesar de existirem alguns fatores de risco plinar, direcionado para todos os profissionais de
(como o peso fetal), a ocorrência da distócia de saúde envolvidos no gerenciamento de condições
ombros é considerada um evento imprevisível durante o ciclo gestacional, pode ajudar a desenvol-
(AMORIM et al., 2013), e exige uma atuação rápida ver uma maior compreensão das funções profissio-
por parte do (a) profissional que assiste o parto, com nais de outras pessoas e demonstrar a importância
realização de manobras imediatas para solucioná- do trabalho em equipe interprofissional (LAVELLE
-la. A adoção de metodologias de ensino-aprendi- et al., 2018).
zagem que promovam o desenvolvimento de habili- Isso também pode ser considerado quando se
dades no atendimento a essa complicação no parto, proporcionam atividades de simulação interdisci-
como a simulação, deve ser incentivada na forma- plinares ao longo da formação em enfermagem, bem
ção de enfermeiras e na obstetrícia. Ela é conside- como nas residências e especializações.
rada uma das situações de grande estresse na assis-
tência ao processo parturitivo, especialmente para
os alunos de enfermagem, dos quais se exige habili- 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
dades técnicas e não técnicas para a sua resolução.
Um programa, intitulado Programa de Resgate A simulação clínica é uma estratégia de ensino-
Obstétrico e Neonatal: Tratamento Ótimo e -aprendizagem que possui suas bases na aprendi-
Oportuno (PRONTO) utilizou um simulador de zagem ativa e sua aplicação na educação em en-
parto híbrido, PartoPantsTM, com uma atriz para si- fermagem nas áreas de obstetrícia e ginecologia,
mular o momento do nascimento e da reanimação bem como no treino de habilidades, deve ocorrer
neonatal, sendo aplicado em dois módulos (FRITZ de forma planejada, organizada e sistemática, para
et al., 2017). que suas potencialidades sejam alcançadas.
O módulo 1 incluía o treino das seguintes ha- O(a) professor(a) que deseja adotar essa meto-
bilidades: diálogo facilitado sobre parto humani- dologia precisa considerar as etapas para o design
zado; trabalho em equipe e comunicação; comuni- da simulação e atuar em perspectiva construtivista,
cação com a usuária do serviço e práticas baseadas estando familiarizado com a técnica, proporcio-
em evidências (manejo ativo do terceiro estágio do nando aos(às) estudantes/participantes uma expe-
trabalho de parto, clampeamento tardio do cordão riência livre de constrangimentos, reflexiva e base-
umbilical, contato pele-a-pele precoce entre mãe ada em conhecimentos técnico-científicos robustos.

298 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
O treinamento de habilidades e uso de cenários habilidades técnicas e não técnicas e o trabalho em
simulados no ensino da enfermagem em obstetrí- equipe/time, e desenvolvendo o pensamento crí-
cia e ginecologia tem a potencialidade de agregar
tico e reflexivo, em um ambiente controlado e se-
valores tanto para os(as) docentes/facilitadores(as)
guro, o que pode colaborar para a segurança e qua-
quanto para os(as) acadêmicos(as) (ou participan-
tes da atividade), já que oportuniza a aplicação de lidade da assistência ofertada pelos(as) futuros(as)
conhecimentos à prática clínica, incrementando (ou atuais) profissionais.

5. REFERÊNCIAS no âmbito do sistema Cofen/Conselhos Regionais de


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Ensino de graduação, treino de habilidades e uso de simulação


em enfermagem na Ginecologia e Obstetrícia 299
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300 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
9. PEDIATRIA
CA P Í T U L O 9.1

O Ensino da Pediatria na
graduação e residência médica

302
Profa. Dra. Alessandra Carla de Almeida Ribeiro Prof. Dr. Josielson Costa da Silva
Graduação em Medicina - Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Enfermeiro. Doutor em Enfermagem e Saúde e
Residência Médica em Pediatra e Terapia Intensiva Pediátrica - UFU Mestre em Enfermagem - UFBA. Intensivista neonatal
Doutorado em Imunologia e Alergia Aplicadas - UFU e Pediátrico. Professor da escola de Enfermagem
Professora da Faculdade de Medicina da UFU da universidade Federal da Bahia – UFBA.
Especialista em Educação para as Profissões da
Saúde pela Universidade Federal do Ceará
Facilitadora no Programa de Desenvolvimento
Docente para Educadores das Profissões da Saúde
do Instituto Regional Faimer Brasil
Membro do NDE do Projeto Preceptoria e tutora
no curso de Simulação da Abem

Profa. Dra. Rosana Alves


Graduação em Medicina - UFRJ
Residência Médica em Pediatra – IPPMG/UFRJ
Mestrado em Pediatria – IPPMG/UFRJ
Doutorado em Pesquisa Clínica - UFRJ
Especialização em Pneumologia Pediátrica (IPPMG/
UFRJ e SBP); Pneumologia Sanitária (ENSP) e em
Educação para as Profissões da Saúde (UFC/Faimer)
Facilitadora no Programa de Desenvolvimento
Docente para Educadores das Profissões da Saúde
do Instituto Regional Faimer Brasil
Membro do NDE do Projeto Preceptoria, do Projeto de Avaliação
das Escolas da Área da Saúde (CAES) e tutora no curso de
Simulação - Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM)

1. INTRODUÇÃO nhecimentos, habilidades e atitudes que favoreçam


sua atuação no Sistema Único de Saúde (SUS). Em
Durante muitos anos, a educação médica se apoiou 2014, publicaram-se as novas DCN para o curso de
exclusivamente em modelos de ensino-aprendiza- Medicina. No novo documento, destacou-se a preo-
gem tradicionais, centrados na autoridade do pro- cupação em formar médicos generalistas capacita-
fessor, com reforço à atitude passiva do estudante dos para atuar na abordagem ao paciente na aten-
diante da aquisição do conhecimento. A fragmenta- ção básica e na urgência/emergência. Definiram-se
ção do conhecimento adquirido durante a gradua- ainda três grandes áreas – atenção integral à saúde,
ção e pós-graduação e as limitações na aquisição de educação em saúde e gestão em saúde – com pro-
outras competências, envolvendo domínios de ha- posta de competências específicas a serem adqui-
bilidades e atitudes, resultaram na necessidade de ridas em cada uma dessas áreas (BRASIL, 2014).
reflexão crítica da formação médica. Dessa forma, Faz parte dos desafios da educação médica o en-
o Ministério da Educação (MEC) publicou em 2001 tendimento da importância da formação integral do
as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para estudante inserido na comunidade desde o início da
o curso de graduação em Medicina, valorizando a sua graduação. Portanto, a escola médica deve estar
formação generalista, humanista, crítica e reflexiva comprometida com a construção da saúde no país,
do médico (BRASIL, 2001). Por meio das DCN, foi contextualizando seu ensino à realidade de saúde
proposta a construção de perfil acadêmico e pro- local. A integração escola/serviço/comunidade é
fissional para os estudantes de Medicina com co- elemento essencial para a melhor formação profis-

O Ensino da Pediatria na Graduação


e Residência Médica 303
sional na área da saúde. Para atender a esses desa- Latina, cujo enfoque era a implantação da estraté-
fios, deve-se compreender também a necessidade gia de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes
de uma formação médica integrada – graduação na Infância (Aidpi). O estudo sugeriu algumas re-
médica, residência médica e educação permanente. comendações para futuros estudos sobre o processo
A pediatria é a área da medicina em que a promo- de ensino-aprendizagem em pediatria. Entre elas,
ção da saúde integral tem maior importância, pois foi proposto o ensino em diferentes níveis de aten-
a criança é o futuro adulto, um ser humano em seu ção à saúde – destaque para atenção básica, ambu-
período de desenvolvimento – da fecundação à pu- latório geral e de pediatria, unidade de internação,
berdade. Dessa forma, “a Pediatria seria um domí- urgência e emergência, e neonatologia (alojamento
nio peculiar da Medicina que assiste o ser humano conjunto e sala de parto). Aponta-se para a neces-
como um todo durante determinado momento do sidade de obtenção de competências na atenção e
ciclo de sua vida” (MOREIRA et al., 2015). na educação em saúde, com ênfase para o SUS. Na
Segundo Veiga e Batista (2006), dois impor- avaliação, sugere-se considerar os níveis de com-
tantes documentos foram divulgados sobre o en- petências e os diferentes tipos de avaliação para ve-
sino da pediatria na graduação: um realizado pela rificação de habilidades cognitivas, clínicas e com-
Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) em portamentais com diversos instrumentos.
parceria com a Associação Latino-Americana de A estratégia de Aidpi, implantada no Brasil em
Pediatria (Alape) – (PUGA; BENGUIGUI, 2003) 1996, teve como objetivo promover uma rápida
– e outro elaborado pela Academia Americana de queda na mortalidade em crianças menores de 5
Pediatria, intitulado O futuro da educação pediátrica anos. Ela é direcionada para o atendimento em ní-
(THE FUTURE OF PEDIATRIC EDUCATION II – vel primário e apresentada em uma série de qua-
Fope II, 2000). No primeiro, foram investigadas as dros que mostram a sequência e a forma dos pro-
características desse ensino na América Latina em cedimentos a serem adotados pelos profissionais
253 programas (70% do total), sendo 56 cursos de de saúde. A estratégia orienta iniciar a avaliação
Medicina do Brasil. No segundo, avaliou-se a for- da criança com um mínimo de sinais clínicos que
mação pediátrica da graduação à educação conti- rapidamente determinam os sinais de gravidade
nuada, incluindo a residência médica. – sinais gerais de perigo, com direcionamento de
O estudo desenvolvido pela Alape aponta para perguntas, com o intuito de buscar sintomas e, pa-
o número grande de alunos nos cursos, ausência ralelamente, realizar a abordagem semiológica. A
de conteúdos de promoção e prevenção em alguns estratégia permite classificar o estado diagnóstico
cursos, necessidade de atualização de recursos di- da criança e direcionar a conduta (ALVES, 2003).
dáticos com a incorporação de novas tecnologias, É estimado que a pediatria concentre 40% de
concentração das atividades do ensino prático nos sua atividade clínica cotidiana nos chamados servi-
hospitais e necessidade de aprimoramento das ati- ços preventivos, desde consultas pré-natais e esten-
vidades avaliativas (PUGA; BENGUIGUI, 2003). dendo-se ao longo da infância até o final da adoles-
O Fope II descreve a importância, em seus dife- cência. Esse enfoque é tão forte e presente em seu
rentes níveis, de o ensino pediátrico se basear nas caráter formativo que sem o qual não se é pedia-
necessidades de saúde das crianças no contexto da tra, médica(o) especializada(o) no ser humano em
família e da comunidade. O estudo destaca a neces- fase de desenvolvimento, da concepção até o fim da
sidade de o pediatra participar ativamente das dis- adolescência (MARCONDES, 1993; BLANK, 2003;
cussões sobre o currículo, os métodos de ensino e COSTA; SOUZA, 2005).
a avaliação na graduação. Ainda sugere que “todo Em 2012, a Associação Brasileira de Educação
estudante deveria ter um tempo de experiência Médica (Abem), com o apoio do Ministério da
aproximadamente igual em pediatria e medicina Saúde, desenvolveu o projeto “Abem 50 anos – 10
interna” (VEIGA; BATISTA, 2006; THE FUTURE anos de DCN”, contendo um subprojeto do inter-
OF PEDIATRIC EDUCATION II, 2000). nato que objetivou: estabelecer diretrizes nacionais
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) tem para o internato, em consonância com as DCN para
procurado promover discussões para se construir o curso médico; e conhecer o perfil do internato de-
um modelo de currículo global para o ensino da senvolvido atualmente nas escolas médicas brasi-
pediatria. Em 2002, a SBP participou do estudo leiras e a pactuação e validação das atividades, por
da Opas Ensino de pediatria em escolas da América área e por cenário de prática, que devem ser reali-

304 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
zadas pelo interno para atingir as competências es- • Orientar a gestante sobre:
pecíficas do internato. Na área de pediatria, foram • Cuidados gerais com o RN (cuidados de higiene,
sugeridas as seguintes competências gerais e espe- cuidados com acidentes, cuidados com o coto
cíficas (LAMPERT; BICUDO, 2014): umbilical, vacinação) e riscos com drogas, do-
enças infecciosas e medicamentos.
• Avaliação das diversas etapas de desenvolvi- • Aleitamento materno.
mento: recém-nascido (RN), lactente, pré-es-
colar, escolar e adolescente, inclusive orienta- • Cuidados com o RN:
ções no pré-natal. • Assistência ao RN na sala de parto.
• Ações de promoção de saúde e prevenção de • Treinamento da prática da técnica de reanima-
doenças nas diferentes etapas do crescimento: ção neonatal, estabilização e transporte.
aleitamento e alimentação; cuidados socioam- • Realização de atendimento de puericultura.
bientais e de higiene. • Diagnóstico e tratamento da icterícia neona-
• Prevenção de acidentes, vacinação, prática de tal, distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos.
exercícios físicos, conhecimento do Estatuto
da Criança e do Adolescente e respeito a ele. Cabe ressaltar que existem aspectos detalhados
• Anamnese e exame físico considerando as pe- de como a criança e o jovem se desenvolvem, com
culiaridades de cada faixa etária e a comunica- ênfase no ambiente e nas interações familiares, e,
ção com o cuidador: dados antropométricos e dessa forma, a abordagem deverá seguir o cuidado
desenvolvimento neuropsicomotor. de acordo com a idade. Há alguns aspectos do de-
• Identificação dos sinais, dos sintomas e das al- senvolvimento da criança e estratégias que promo-
terações do exame físico das principais doen- vem a comunicação, conexão e cooperação entre
ças por faixa etária. profissional e criança, que incluem brincadeiras, his-
• Indicação e técnica dos seguintes procedimen- tórias, metáforas, música e humor, e, paralelamente,
tos: cricotireodostomia, punção intraóssea, to- seguir a comunicação conjunta com os pais ou res-
racocentese, drenagem torácica, sondagem en- ponsáveis, segundo as fases da consulta centrada
teral, paracentese, punção lombar e redução de nas relações (GROSSEMAN; ALVES; FUNK, 2021).
parafimose. Ainda no foco preventivo, realizar as ações de
• Procedimentos: acesso venoso periférico, intu- acompanhamento do crescimento, imunização, nu-
bação orotraqueal, sondagem gástrica, sonda- trição, saúde bucal, atividade física e injúrias físicas
gem vesical, anestesia local, sutura, drenagem por causas externas, estas orientadas seguindo aqui-
de abscessos superficiais, administração de me- sição e ampliação de competências psicomotoras
dicamentos, tratamento de feridas e curativos. e sociais pelo desenvolvimento. Da mesma forma,
• Identificação dos recursos diagnósticos e tera- há etapas relacionadas ao acompanhamento físico,
pêuticos em seu local de atuação, reconhecendo com aspectos semiológicos diferenciados, medidas
a necessidade de encaminhar, utilizando o sis- antropométricas para o acompanhamento de peso,
tema de referência e contrarreferência. altura e perímetro cefálico, ausculta cardíaca e pal-
• Diagnóstico e tratamento básico das doenças pação de pulsos, medida da pressão arterial, triagem
prevalentes da infância nas respectivas regiões da displasia evolutiva do quadril, comportamento,
do país, nas diferentes faixas etárias, referen- audição, visão e realização de alguns exames labo-
ciando quando necessário. ratoriais (COSTA; SOUZA, 2005).
• Indicação e interpretação dos exames comple- Segundo a SBP, o Programa de Residência
mentares essenciais para cada caso. Médica em Pediatria deve prever 60 horas de jor-
• Promoção da saúde mental com ênfase na ava- nada de trabalho semanal. A duração total do pro-
liação da estrutura e dinâmica familiar. grama é de três anos (36 meses). Esse programa de-
• Utilização racional de medicamentos. verá formar pediatra capaz de: prestar assistência
• Atendimento inicial das urgências e emergên- integral ao ser humano em crescimento e desen-
cias traumáticas e não traumáticas em pediatria. volvimento; atuar no contexto de um ambiente em
constantes transformações sociais, culturais e cien-

O Ensino da Pediatria na Graduação


e Residência Médica 305
tíficas, com capacidade de realizar a busca ativa de A Resolução da Comissão Nacional de Residência
novos conhecimentos; participar dos processos edu- Médica (CNRM) nº 1, de 29 de dezembro de 2016,
cativos dos pacientes e de seus familiares em relação dispõe sobre os requisitos mínimos do Programa de
às questões de saúde mais prevalentes; e atuar em Residência Médica em Pediatria e dá outras provi-
equipe interdisciplinar. O programa deverá ser de- dências. No anexo I dessa resolução, foram estabe-
senvolvido com o grau de complexidade crescente, lecidos os requisitos mínimos para o primeiro, se-
priorizando as metodologias ativas e estimulantes gundo e terceiro anos do Programa de Residência
de forma a incentivar a responsabilidade pela pró- Médica em Pediatria, com descrição de conheci-
pria educação médica permanente e a prática den- mentos, habilidades e atitudes relacionados ao pro-
tro de contexto ético, legal e técnico de alto nível. grama para cada um dos anos (BRASIL, 2016).

2. REFERÊNCIAS GROSSEMAN, S.; ALVES, R.; FUNK, T. B. Comunicação


com crianças e suas famílias antes da adolescência. In:
ALVES, R. Integralidade na assistência à criança: a DOHMS, M.; GUSSO, G. (org.) Comunicação clínica.
estratégia de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes Porto Alegre: Artmed, 2021.
da Infância no Programa de Saúde da Família. Revista
de Pediatria SOPERJ, v. 4, n. 2p. 18-24, 2003. LAMPERT, J. B.; BICUDO, A. M. 10 anos das
Disponível em: Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos
de graduação em Medicina. Rio de Janeiro:
http://revistadepediatriasoperj.org.br/detalhe_artigo.
Associação Brasileira de Educação Médica, 2014.
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MARCONDES, E. Diretrizes para o ensino da pediatria.
BLANK, D. A puericultura hoje: um enfoque apoiado
Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 69, p. 349-
em evidências. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro,
v. 79, p. S13-S22, 2003. Supl. 1. 352, 1993.

BRASIL. Resolução CNE/CES nº 4, de 7 de novembro MOREIRA, A. S. S. et al. Reflexões acerca do ensino de


de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do pediatria no século XXI: o cenário brasileiro. Revista
curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da Brasileira de Educação Médica, v. 39, n. 3, p. 339-
União, Brasília, 2001. 343, 2015.
BRASIL. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui PUGA, T. F.; BENGUIGUI, Y. Ensino de pediatria
Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em escolas de medicina da América Latina.
em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial Washington: Opas, 2003. 60 p.
da União, Brasília, 2014.
THE FUTURE of pediatric education II. Organizing
BRASIL. Resolução CNRM no 1, de 29 de dezembro
pediatric education to meet the needs of infants,
de 2016. Dispõe sobre os requisitos mínimos do
children, adolescents, and young adults in the 21st
Programa de Residência Médica em Pediatria e dá
outras providências. Diário Oficial da União, century. Pediatrics, v.105, p. 163-212, 2000. 1 Pt 2.
Brasília, 2016. VEIGA, E. Q. O.; BATISTA, N. A. O ensino de pediatria
COSTA, M. C. O.; SOUZA, R. P. (ed.). Semiologia e no nível de graduação nas escolas de medicina do estado
atenção primária à criança e ao adolescente. do Rio de Janeiro. Jornal de Pediatria, v. 82, n. 2,
2. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2005. 534 p. p. 115-120, 2006.

306 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 9.2

O estado da arte da simulação


clínica em Pediatria

307
Profa. Dra. Rosana Alves Prof. Dr. Josielson Costa da Silva
Graduação em Medicina - UFRJ Enfermeiro. Doutor em Enfermagem e Saúde e
Residência Médica em Pediatra – IPPMG/UFRJ Mestre em Enfermagem - UFBA. Intensivista neonatal
Mestrado em Pediatria – IPPMG/UFRJ e Pediátrico. Professor da escola de Enfermagem
Doutorado em Pesquisa Clínica - UFRJ da universidade Federal da Bahia – UFBA.
Especialização em Pneumologia Pediátrica (IPPMG/
UFRJ e SBP); Pneumologia Sanitária (ENSP) e em Prof. Alexandre Rodrigues Ferreira
Educação para as Profissões da Saúde (UFC/Faimer) Professor Associado da Faculdade de Medicina da UFMG
Facilitadora no Programa de Desenvolvimento Preceptor da Residência Médica de Pediatria
Docente para Educadores das Profissões da Saúde do Hospital das Clínicas da UFMG
do Instituto Regional Faimer Brasil Coordenador do PALS - Reanimação Pediátrica
Membro do NDE do Projeto Preceptoria, do Projeto de Avaliação da Sociedade Brasileira de Pediatria
das Escolas da Área da Saúde (CAES) e tutora no curso de
Simulação - Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM)

Profa. Dra. Alessandra Carla de Almeida Ribeiro


Graduação em Medicina - Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Residência Médica em Pediatra e Terapia Intensiva Pediátrica - UFU
Doutorado em Imunologia e Alergia Aplicadas - UFU
Professora da Faculdade de Medicina da UFU
Especialista em Educação para as Profissões da
Saúde pela Universidade Federal do Ceará
Facilitadora no Programa de Desenvolvimento
Docente para Educadores das Profissões da Saúde
do Instituto Regional Faimer Brasil
Membro do NDE do Projeto Preceptoria e tutora
no curso de Simulação da Abem

1. PANORAMA PASSADO E ATUAL SOBRE nação de curta permanência, com resoluções rápi-
ATENDIMENTOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA
das dos problemas e melhorias nos cuidados pre-
ATENÇÃO PRIMÁRIA E NA URGÊNCIA E EMERGÊNCIA
ventivos da atenção básica de saúde, e o número
crescente de estudantes nas faculdades de Medicina
No modelo tradicional de ensino médico, os estu-
levaram à diminuição da exposição prática deles a
dantes observam médicos experientes (docentes
doenças menos comuns e situações de emergência.
e preceptores) executarem uma ação (habilidade)
Isso também se aplica aos programas de residência
em um paciente e, somente após o estudo teórico
médica, com diminuição da exposição clínica de-
e essa observação, poderão executar essa mesma
vido à alteração na carga horária, especificamente
habilidade; e, às vezes, essa oportunidade só acon-
nos turnos de plantões (NADEL, 2000; GAIES Et
tece uma vez em toda a formação deles na gradua-
al., 2007; ISSENBERG; SCALESE, 2008).
ção. Não raramente, o estudante passa todo o curso
A pediatria apresenta, adicionalmente, algumas
sem presenciar ou realizar um atendimento de uma
particularidades – o acompanhamento do cresci-
criança gravemente doente, com, por exemplo, disp-
mento e desenvolvimento, as mudanças e especi-
neia importante ou choque. Estudos têm demons-
ficidades observadas do recém-nascido à adoles-
trado deficiências no conhecimento, no desenvolvi-
cência, a relação médico-paciente que inclui quase
mento e na retenção de habilidades entre médicos
sempre a mediação do adulto (em geral, a mãe) e
treinados por esse método. A mudança nos padrões
as diferentes linguagens que compõem a comuni-
da prestação de cuidados de saúde, tais como inter-
cação (PUCCINI, 2009).

308 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Paralelamente, a preocupação com a segurança A simulação passa a ser uma ferramenta potente
do paciente aumentou, e, no paciente pediátrico, na educação em saúde, pois permite treinamento
o maior risco está associado a erros de medica- de habilidades, sem pôr em risco o paciente. A si-
ção. Erros na prescrição, dispensação e administra- mulação também alcança excelentes resultados no
ção de medicamentos representam um importante trabalho em equipe nos momentos de realização de
parte de erros de medicamentos evitáveis em crian- procedimentos e, especialmente, na ressuscitação
ças, apesar de sistemas de prescrições eletrônicas. de pacientes (LATEEF, 2010; ELLIOT et al., 2011)
Outro incidente envolve problemas de comunica- Em relação à pós-graduação, a residência médica
ção (BIGHAM et al., 2012). em pediatria deverá seguir critérios de avaliação, a
Dessa forma, as mudanças para os novos currí- fim de assegurar que o especialista tenha competên-
culos médicos, chamados inovadores, incluíram o cias para o atendimento de emergência, incluindo res-
desenvolvimento de habilidades clínicas baseadas suscitação cardiopulmonar (RCP) e trauma, além de
em simulação. Apesar de relatos datados do início habilidade em realizar procedimentos. Nos Estados
do século XX, a simulação clínica pode ainda ser Unidos, essa aquisição ampla das competências é re-
considerada uma inovação, pois muitas escolas mé- comendada pelo Accreditation Council for Graduate
dicas encontram-se implantando novos currículos, Medical Education – ACGME (2019).
muitos deles baseados em competências. Da mesma O ensino da pediatria tem aplicado a simulação
forma, vários hospitais iniciaram o treinamento de em todos esses momentos, principalmente a partir do
equipes por meio da simulação (WELLER et al., crescente desenvolvimento de manequins para trei-
2012; SHETTY; THYAGARAJAN, 2016). namento de habilidades específicas nesses últimos
A simulação tem sido usada como ferramenta de dez anos. A aprendizagem baseada em simulação en-
ensino e treinamento seguros, há décadas, em cam- volve amplamente os princípios de aprendizagem de
pos diferentes da saúde, como a aviação. adultos e de aprendizagem significativa (SHETTY,
Houve um grande aumento no uso da simu- THYAGARAJAN, 2016; AGRA et al., 2019).
lação nos últimos 20 anos, o que levou a melho- A teoria da aprendizagem significativa de David
res resultados em aprendizagem na saúde, tanto Ausubel, psicólogo norte-americano, propõe valo-
na teoria como na prática, além do incremento na rizar o conhecimento relevante previamente tra-
segurança do paciente (AGGARWAL et al., 2010; zido pelo estudante e, a partir dele, ancorar novas
BIGHAM et al., 2012). informações e estruturar conceitos. Para tal, são
Na atualidade, são exigidas do profissional necessárias duas condições para uma aprendiza-
de saúde que cuida da criança e do adolescente gem significativa: o estudante precisa ter uma dis-
diversas habilidades que devem ser trabalhadas posição para aprender e o conteúdo a ser apren-
durante o processo de formação. Entre as exigências, dido tem que ser potencialmente significativo, ou
destacam-se: a capacidade de relacionamento e seja, tem que ser lógica e psicologicamente signifi-
comunicação efetiva, o olhar clínico acurado, a ha- cativo. Isso varia de estudante para estudante, pois
bilidade de desenvolver práticas acolhedoras e se- cada um filtra os conteúdos que têm significado ou
guras, tangenciadas pelos pilares da humanização, não para si próprio (AGRA et al., 2019).
o raciocínio clínico objetivo e articulado com as ne- Dessa forma, novas abordagens e novos métodos
cessidades básicas do paciente, o aprimoramento surgiram com o objetivo de aumentar as oportuni-
das técnicas e o racionamento de custos sem com- dades de aprendizado.
prometer uma assistência integral.
Entende-se que o processo de formação é algo
dinâmico e constante, no qual a prática vivencial 2. NECESSIDADES DE TREINAMENTO IN VITRO:
associada aos avanços no campo das ciências po- SIMULAÇÃO
tencializa as aquisições de conhecimentos e habili-
dades para o crescimento do estudante com reper- A implementação da Estratégia Saúde da Família
cussões positivas na sua vida profissional. Partindo (ESF), ocorrida nos últimos anos, como modelo pre-
dessa afirmativa, as escolas de formação em saúde ferencial na atenção básica, a qual não prevê o pe-
passaram a criar centros de treinamentos e labora- diatra na equipe, trouxe questões e desafios adi-
tórios de habilidades utilizando metodologias ati- cionais para o ensino de pediatria na graduação do
vas como recurso educativo. curso médico e na residência médica. O que estava

O estado da arte da simulação clínica em Pediatria 309


bem estabelecido como parte das competências desenvolvidos em pequenos grupos, com a prática
para sua formação (residência médica e gradua- em cenários de casos em manequins e a utilização
ção) não encontra, hoje, espaço para operacionali- de apresentações em vídeos curtos com interação
zação – a vigilância do crescimento e desenvolvi- entre instrutor e estudante. Estimulam-se, durante
mento, o acompanhamento da criança normal e de os cursos, o trabalho em equipe e a comunicação efi-
constatação para encaminhamento da criança de caz (AMERICAN HEART ASSOCIATION, 2020).
risco (baixo peso e prematura), a qualificação para A simulação de casos na urgência e emergência
o exercício de uma puericultura cada vez mais com- oferece a oportunidade de aprender a praticar habi-
plexa que requer experiência para abordagem de lidades cognitivas e psicomotoras antes de aplicá-las
questões próprias da contemporaneidade, o desen- a pacientes pediátricos reais, e o uso de simuladores
volvimento de vínculo, o acompanhamento/a pre- de alta fidelidade, que vêm sendo desenvolvidos ao
venção de doenças crônicas frequentes (obesidade, longo dos anos, proporciona um nível de realismo
problemas de comportamento, asma e outras) e ati- no tocante aos objetivos de aprendizado específi-
vidades de promoção da saúde (PUCCINI, 2009) cos (AMERICAN HEART ASSOCIATION, 2020).
A aquisição de conhecimentos e a prática de res- Como forma de aprendizado durante o curso,
suscitação pediátrica ocorrem no decorrer do in- após a simulação de casos, é realizado o debriefing
ternato médico, principalmente na residência mé- estruturado como técnica para facilitar o aprendi-
dica em pediatria, quando há o estágio nos setores zado, em que os instrutores fazem perguntas e in-
de emergência, na unidade de terapia intensiva e centivam o estudante a refletir sobre seu próprio de-
nas enfermarias (BEZERRA SILVA; MIRALHA; sempenho. Essa abordagem se concentra no que o
FERREIRA, 2019). Mas é sabido que as situações estudante pensa e faz, em vez de somente abordar o
de RCP em crianças são menos frequentes que em ponto de vista do instrutor. Dessa forma, os estudan-
adultos, e o tempo de estágio não é suficiente para a tes são mais propensos a lembrar e aplicar as lições na
aquisição dessa competência. Além disso, em adultos, prática (AMERICAN HEART ASSOCIATION, 2020).
a parada cardiorrespiratória (PCR) com frequência Contudo, apenas esses cursos de treinamento são
é súbita e tem causa cardíaca. Já em crianças, a PCR insuficientes para manutenção desses domínios, pois
geralmente é secundária à insuficiência respiratória há estudos que demonstram queda na habilidade de
e ao choque. ressuscitação no decorrer de semanas e meses. Há me-
Dessa forma, foram desenvolvidos programas lhora nos resultados de sobrevida pós-RCP quando o
de treinamento específicos de situações emergen- treinamento ocorre no ambiente de trabalho e em mais
ciais em pediatria, incluindo a reanimação: Advance de um ciclo anual (GRANT; MARCZINSKI; MENON,
Pediatric Life Support (APLS), Pediatric Advanced 2007; ANDREATTA et al., 2011)
Life Support (PALS) e Neonatal Resuscitation Da mesma forma, o atendimento ao trauma pe-
Program (NRP). Esses programas se tornaram re- diátrico é um evento pouco comum, mas infeliz-
ferência para o treinamento de RCP em crianças e mente são detectadas deficiências na estabilização
são obrigatórios para pediatras dos setores de emer- da criança atendida no setor de emergência com
gência e das unidades de terapia intensiva pediátri- trauma. A simulação melhora significativamente o
cas, com necessidade de recertificação a cada dois atendimento a essas crianças, seja de forma indivi-
anos (JEWKES; PHILLIPS, 2003). dualizada pelo médico ou pela equipe multiprofis-
Os programas de treinamento, na forma de cur- sional (KRUG; TUGGLE, 2008).
sos de imersão, utilizam uma variedade de métodos O ensino/treinamento baseado em simulação
de ensino e princípios de aprendizado para adul- recria um cenário real, com o objetivo de promover
tos em um ambiente que simula um cenário real de uma experiência da vida real em um ambiente con-
cuidados em saúde. Do ponto de vista educacional, trolado, tal como emergência, unidades de terapia
quanto mais próximo de um caso pediátrico aten- intensiva pediátrica ou neonatal e sala de parto. Para
dido da vida real for simulado na emergência, me- tal, cenários são planejados com pacientes padroni-
lhor será a transferência de habilidades. Os domí- zados ou simulados e/ou simuladores de baixa e de
nios cognitivos, psicomotores e alguns afetivos são alta fidelidade (SHETTY; THYAGARAJAN, 2016).

310 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
3. SIMULAÇÃO CLÍNICA EM PEDIATRIA: O QUE ideal e necessário para a manutenção da aquisição
FAZEMOS, ONDE E COMO AVANÇAR?
e qualidade para realização dessas habilidades em
longo prazo?
Em se tratando do público pediátrico, todo pro- Outra rica área de pesquisa é o uso da simula-
cesso assistencial requer habilidades por parte do ção clínica em avaliação, com grandes amostras
profissional, garantindo uma comunicação efetiva para análise de validade, confiabilidade, checklist e
entre a criança, seus familiares e profissionais da pontuação confiáveis, reprodução e número de ce-
saúde. Nesse contexto, ampliar as discussões sobre nários. Há ainda o uso da simulação como apren-
os melhores métodos de ensino e/ou intervenção dizado corretivo para os estudantes que encontra-
para atuar nesses cenários contribui diretamente ram dificuldades nos ambientes de prática, como
para um cuidado com qualidade. após uma avaliação individual pelo Mini-Clinical
Desfechos resultantes desses fatores incluem a Evaluation Exercise – Mini-CEX (pontual) ou na
melhor compreensão do diagnóstico, maior adesão prática do cotidiano. Também é possível organi-
ao tratamento, maior taxa de comparecimento às zar oportunidades de aprendizado nas competên-
consultas e melhora da saúde emocional da criança cias de qualidade e segurança do paciente.
(ALVES; GROSSEMAN, 2020) Uma questão que permanece sem resposta é:
O ensino baseado em simulação é, geralmente, “Qual é a significância clínica do desempenho ava-
realizado em Laboratório de Habilidades, desde liado em um cenário simulado?”. Apesar de muitos
pequenos procedimentos até recriações de cená- estudos demonstrarem que a simulação promove
rios clínicos com tarefas mais complexas, mas ide- melhorias na segurança do paciente e dos resulta-
almente, em um futuro próximo, a simulação para dos em procedimentos, ainda são necessários estu-
a graduação deverá se aproximar do ambiente real dos maiores para demonstrar impacto positivo na
de trabalho, em que rotineiramente as equipes mul- segurança do paciente e no desempenho de profis-
tiprofissionais são treinadas (simulação in situ). sionais de saúde em cenários clínicos reais (ELLIOT
A simulação em pediatria é um campo fértil et al., 2011; OJHA et al., 2015).
para pesquisas (OJHA et al., 2015). Como a litera- No futuro, espera-se que a simulação seja usada
tura apresenta melhores resultados quando o trei- como treinamento em todos os cenários possíveis que
namento nos mesmos cenários é repetido em um envolvam o manejo de casos em pediatria, em especial
intervalo de até três meses, qual seria o intervalo na emergência (SHETTY; THYAGARAJAN, 2016).

4. REFERÊNCIAS
arttext&pid=S0034-71672019000100248&lng=pt.
Acesso em: 10 out 2021
ACCREDITATION COUNCIL FOR GRADUATE
ALVES, R.; GROSSEMAN, S. Aspectos éticos em
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2019. (PROPED ). v. 6, n. 4, p. 09- 40. 2020.
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AGRA, G. et al. Análise do conceito de aprendizagem
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da criança vítima de parada cardíaca. Documento
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O estado da arte da simulação clínica em Pediatria 311


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Paulo: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2019. trauma. Paediatrics, v.121, n. 4, p. 849-854, 2008.
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medical services: a systematic review of the literature. thing. Journal of Emergencies, Trauma and Shock,
Prehosp Emerg Care. v. 16, n. 1, p. 20-35, 2012. v. 3, p. 348-352, 2010.
ELLIOTT, S. et al. A comprehensive systematic review NADEL, F. M. Assessing paediatric senior residents’
of the use of simulation in the continuing education and training in resuscitation: fund of knowledge, technical
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K. Using paediatric advanced life support in paediatric pediatria no Brasil. In: SILVA, L. R. Diagnóstico em
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n. 5, p. 433-439, 2007
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ISSENBERG, S. B.; SCALESE, R. J. Simulation in pediatrics: is it about time? Annals of Cardiac
health care education. Perspectives in Biology and Anaesthesia, v. 19, n. 3, p. 505-510, 2016.
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10 out 2021

312 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 9.3

Tipos de simuladores
utilizados em Pediatria

313
Prof. Dr. Josielson Costa da Silva Profa. Dra. Rosana Alves
Enfermeiro. Doutor em Enfermagem e Saúde e Graduação em Medicina - UFRJ
Mestre em Enfermagem - UFBA. Intensivista neonatal Residência Médica em Pediatra – IPPMG/UFRJ
e Pediátrico. Professor da escola de Enfermagem Mestrado em Pediatria – IPPMG/UFRJ
da universidade Federal da Bahia – UFBA. Doutorado em Pesquisa Clínica - UFRJ
Especialização em Pneumologia Pediátrica (IPPMG/
UFRJ e SBP); Pneumologia Sanitária (ENSP) e em
Camila Tahis dos Santos Silva Educação para as Profissões da Saúde (UFC/Faimer)
Enfermeira. Doutoranda em Enfermagem e Facilitadora no Programa de Desenvolvimento
Saúde - UFBA. Mestre em Enfermagem – UEFS. Docente para Educadores das Profissões da
Intensivista e emergencista - UNEB. Saúde do Instituto Regional Faimer Brasil
Membro do NDE do Projeto Preceptoria, do Projeto de Avaliação
das Escolas da Área da Saúde (CAES) e tutora no curso de
Profa. Dra. Alessandra Carla de Almeida Ribeiro Simulação - Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM)
Graduação em Medicina - Universidade
Federal de Uberlândia (UFU)
Residência Médica em Pediatra e Terapia
Intensiva Pediátrica - UFU
Doutorado em Imunologia e Alergia Aplicadas - UFU
Professora da Faculdade de Medicina da UFU
Especialista em Educação para as Profissões da
Saúde pela Universidade Federal do Ceará
Facilitadora no Programa de Desenvolvimento
Docente para Educadores das Profissões da
Saúde do Instituto Regional Faimer Brasil
Membro do NDE do Projeto Preceptoria e
tutora no curso de Simulação da Abem

1. INTRODUÇÃO sões clínicas e contribuir com o desenvolvimento


de habilidades psicomotoras, entre outras poten-
cialidades a serem exploradas pelo profissional no
No campo da pediatria, é crescente o quantitativo
uso do simulador.
de simuladores destinados ao processo de ensino-
No que tange aos simuladores de média fideli-
-aprendizagem voltado para a saúde. Esses simu-
dade, enquadram-se como peças anatômicas e/ou
ladores variam de tamanho, faixa etária, aplicabi-
dispositivos mais realísticos, capazes de oferecer
lidade prática, sofisticação tecnológica, preços de
feedback sonoro, como ausculta pulmonar e cardí-
mercado, entre outras características que proporcio-
aca, pulsação e até mesmo possibilidades de iden-
nam aos seus usuários melhor usufruto do produto.
tificação de possíveis diagnósticos (SEROPIAN et
Conforme o grau de complexidade e sofisti-
al., 2004). Nas áreas de urgência e emergência pe-
cação de um simulador, ele pode ser classificado
diátricas, diversos desses manequins são utilizados
como baixa, média e alta fidelidade. Para Seropian
em treinamentos e formação de profissionais atu-
et al. (2004), os simuladores de baixa fidelidade se
antes nesses cenários.
apresentam muitas vezes como estáticos, menos
A utilização de simuladores de média fidelidade
realísticos e utilizados na sua grande maioria para
colabora no processo de formação para a tomada
a realização de procedimentos. Ainda sobre os si-
de decisão rápida e objetiva, e possibilita ao aluno e
muladores, podem favorecer a execução e avalia-
profissional de saúde explorar aspectos clínicos com
ção de práticas invasivas, potencializar as discus-
relação direta às práticas propedêuticas nos âmbi-

314 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
tos da semiologia e semiotécnica. Nesse contexto, Conforme Morillo et al. (2016), tais simuladores
o investimento em tais simuladores agrega valores fazem parte de um cenário planejado, seguro e re-
práticos, clínicos e operacionais na formação e/ou alístico capaz de promover o desenvolvimento de
capacitação das ações assistenciais na pediatria. raciocínio clínico, a interação de ações articuladas
entre equipes e a comunicação efetiva, além de fa-
Para Seropian et al. (2004), o uso de tecnologias
vorecer a certificação de alguns procedimentos e a
avançadas pode potencializar o processo de ensino- avaliação de sua eficácia em tempo real.
-aprendizagem. Nesse contexto, destaca-se o simulador A seguir, apresentam-se diversos tipos de simu-
de alta fidelidade, caracterizado como um manequim ladores utilizados na área da pediatria, incluindo a
de alto padrão de interação por apresentar movimen- neonatologia. Eles estão estratificados por faixa etá-
tos corporais que respondem aos comandos, podendo ria do desenvolvimento humano, descrição do simu-
inclusive reagir às intervenções efetuadas. lador, indicações de uso, entre outras informações.

• Categoria: Recém-nascido
• Nome do Simulador: Simulador de tratamentos/de bebê
• Classificação: Baixa fidelidade
• Fabricante: Medical Expo
• Descrição básica: Recém-nascido com articulações mó-
veis que permite todos os exercícios principais no cui-
dado infantil. Tamanho: 50 cm. Peso: 1,2 kg.
• Indicação de uso: Troca de fraldas e Banho.

Fonte: Disponível em: https://www.medicalexpo.com/pt/prod/


erler-zimmer/product-68400-915875.html. Acesso em:
30 mar. 2021.

• Categoria: Recém-nascido
• Nome do Simulador: Simulador neonatal de sinais vitais
• Classificação: Média fidelidade
• Fabricante: Medical Expo
• Descrição básica: Recém-nascido com a capacidade de
demonstrar a frequência cardíaca (FC), frequência res-
piratória (FR) e temperatura corporal.
• Indicação de uso: Aferição de dados vitais e Realização
de exame físico.

Fonte: Disponível em: https://www.medicalexpo.com/pt/prod/


sakamoto-model-corporation/product-90015-599431.
html. Acesso em: 30 mar. 2021.

Tipos de simuladores
utilizados em Pediatria 315
• Categoria: Recém-nascido
• Nome do Simulador: Simulador neonatal para ECG e ca-
teterismo umbilical
• Classificação: Baixa fidelidade
• Fabricante: Medical Expo
• Descrição básica: Pele toracoabdominal pediátrica com
umbigo, perfeita para a prática e demonstração de pin-
çamento umbilical, corte e cateterização. Também apre-
senta quatro locais para monitoramento de eletrocardio-
grama (ECG). Vem com um litro de sangue Life/form®,
um saco para simulação da infusão intravenosa (IV) com
pinça, uma seringa de 3 cc, seis pinças de umbigo e cinco
Fonte: Disponível em: https://www.medicalexpo. cordões umbilicais de substituição.
com/pt/prod/nasco/product-79136-844635. • Indicação de uso: Monitorização ECG, Cateterismo umbi-
html. Acesso em: 30 mar. 2021.
lical e Curativo de couto umbilical.

• Categoria: Lactente
• Nome do Simulador: Simulador infantil para punção
intraóssea
• Classificação: Baixa fidelidade
• Fabricante: Medical Expo
• Descrição básica: Simulador especial projetado para trei-
namento de punção intraóssea na criança. Apresenta
pontos palpáveis, incluindo patela, tíbia e tuberosidade
tibial, associados a um sistema de drenagem com aspi-
ração de líquido.
• Indicação de uso: Punção intraóssea, Punção tradicional
e Medidas de atropometria.

Fonte: Disponível em: https://www.medicalexpo.com/pt/prod/


adam-rouilly/product-67494-521465.html. Acesso em:
30 mar. 2021.

• Categoria: Lactente
• Nome do Simulador: Simulador avançado pediátrico para
punção lombar
• Classificação: Média fidelidade
• Fabricante: Biotecmed
• Descrição básica: O simulador avançado pediátrico para
punção lombar Sdorf é um manequim indicado para o
exame da região lombar de um bebê. O simulador repro-
duz o corpo humano na idade de 9 a 12 meses de um bebê.
• Indicação de uso: Punção lombar, Manejo do recém-nas-
cido e Realização do exame físico.

Fonte: Disponível em: https://www.biotecmed.com.br/simulador-


avancado-pediatrico-para-puncao-lombar-sdorf/p.
Acesso em: 30 mar. 2021

316 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Categoria: Lactente
• Nome do Simulador: Simulador infantil para cirurgia de
fissura labial
• Classificação: Baixa fidelidade
• Fabricante: Medical Expo
• Descrição básica: Simulador de fenda labial Simulare é a
mais avançada ferramenta de treinamento em cirurgia la-
bial de fenda disponível hoje para aprender esse procedi-
mento complexo. A potência e a eficácia do simulador vêm
de sua arquitetura tátil notavelmente realística, anatomia
completa e cavidade oral realista. A sua anatomia muscu-
lar, óssea e dos tecidos moles altamente detalhadas permite
que os estudantes, residentes médicos e profissionais de
saúde pratiquem incisões, dissecções e suturas fiéis à vida
fora da sala de cirurgia.
• Indicação de uso: Procedimento completo de rinoplas-
Fonte: Disponível em: https://www.medicalexpo.
tia primária, Sondagens orais e nasais e Estimulação de
com/pt/prod/simulare-medical-corp/
product-119684-828194.html. Acesso em: 30 sucção.
mar. 2021.

• Categoria: Lactente
• Nome do Simulador: Simulador SimNewB
• Classificação: Alta fidelidade
• Fabricante: Laerdal
• Descrição básica: Trata-se de simulador neonatal de alta
complexidade para simulações de emergência envolvendo
o recém-nascido.
• Indicação de uso: Realização da intubação, ventilação pul-
monar e Avaliação clínica de emergência.
Fonte: Disponível em: https://www.laerdal.com/br/doc/88/
SimNewB. Acesso em: 30 mar. 2021.

• Categoria: Lactente
• Nome do Simulador: Perna infantil para punção venosa
em pediatria
• Classificação: Média fidelidade
• Fabricante: Dumont Simuladores Médicos
• Descrição básica: Simulador de uma perna infantil para pun-
ção venosa. Delimita a rede venosa de membro inferior em
pacientes pediátricos. Apresenta retorno de sangue artifi-
cial nas punções.
• Indicação de uso: Punção venosa.
Fonte: Disponível em: https://www.magazineluiza.com.br/perna-
infantil-puncao-venosa-pediatrica-simulador-anatomic/p/
bk98bge80h/rc/rcnm/?&utm_source=google&utm_
medium=pla&utm_campaing=pla_marketplace&partner_
id=38660&seller_id=dumontsimuladoresmedicos&product_
group_id=835334228821&ad_group_id=87062514851&g
clid=EAIaIQobChMIrv7olo3t5wIVBQiRCh2E6AVjEAYYByAB
EgJ_RPD_BwE. Acesso em: 30 mar. 2021.

Tipos de simuladores
utilizados em Pediatria 317
• Categoria: Primeira infância
• Nome do Simulador: Simulador infantil de auscultação
• Classificação: Média fidelidade
• Fabricante: Medical Expo
• Descrição básica: Simulador pediátrico, apresenta sons es-
pecíficos de um paciente de 4 anos de idade emitidos por
meio de dez alto-falantes de pulmão e um de coração loca-
lizados nos locais habituais de ausculta cardíaca e pulmo-
nar. É possível utilizar qualquer estetoscópio para a ava-
liação cardiopulmonar no manequim proposto.
• Indicação de uso: Ausculta pulmonar e Ausculta cardíaca.
Fonte: Disponível em: https://www.medicalexpo.com/pt/prod/
erler-zimmer/product-68400-429901.html. Acesso em:
30 mar. 2021.

• Categoria: Segunda infância


• Nome do Simulador: Simulador infantil interativo
avançado
• Classificação: Alta fidelidade
• Fabricante: Laerdal
• Marca: Laerdal
• Descrição básica: O SimJunior é um simulador pediátrico
interativo, representado por manequim de uma criança
de 6 anos de idade. Trata-se de um simulador realístico,
de corpo inteiro voltado para treinamentos que envol-
vam situações de emergências pediátricas. O SimJunior
pode simular desde uma criança saudável a um paciente
em estado crítico sem sinais vitais.
• Indicação de uso: Realização de exame físico completo,
Fonte: Disponível em: https://www.medicalexpo. Avaliação de emergência, Procedimentos de ressuscitação
com/pt/prod/laerdal-medical/ cardiopulmonar e Procedimento de desfibrilação e/ou car-
product-74988-476225.html. Acesso em:
30 mar. 2021. dioversão elétrica.

• Categoria: Segunda infância


• Nome do Simulador: Simulador infantil avançado para
intubação
• Classificação: Média fidelidade
• Fabricante: Biotecmed
• Descrição básica: O simulador de intubação avançado in-
fantil é fabricado em polímero flexível que confere alto
grau de detalhe anatômico, ideal para o estudo e a vi-
sualização da expansão do pulmão ou do estômago e da
posição do tubo endotraqueal de crianças acima dos 8
anos de idade. Está indicado para as práticas de intuba-
ção naso e orotraqueal, sondagem naso e oroesofágica, e
Fonte: Disponível em: https://www.biotecmed. aspiração de secreção.
com.br/simulador-de-intubacao-avancado- • Indicação de uso: Realização da intubação, ventilação pulmo-
infantil-sdorf/p. Acesso em: 30 mar. 2021. nar, introdução de máscara laríngea e sondagem nasal e oral.

318 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
2. REFERÊNCIAS

MORILLO, L. N. et al. Simulador de bajo costo para el SEROPIAN, M. A. et al. Simulation: not just a manikin.
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perifericos (AVP) en pediatria. Medicina Infantil, v. 2004.
XXIII, p. 213-216, 2016.

Tipos de simuladores
utilizados em Pediatria 319
CA P Í T U L O 9.4

O ensino de graduação, treino de


habilidades e uso da simulação em
enfermagem na Pediatria

320
Prof. Dr. Josielson Costa da Silva Profa. Dra. Rosana Alves
Enfermeiro. Doutor em Enfermagem e Saúde e Graduação em Medicina - UFRJ
Mestre em Enfermagem - UFBA. Intensivista neonatal Residência Médica em Pediatra – IPPMG/UFRJ
e Pediátrico. Professor da escola de Enfermagem Mestrado em Pediatria – IPPMG/UFRJ
da universidade Federal da Bahia – UFBA. Doutorado em Pesquisa Clínica - UFRJ
Especialização em Pneumologia Pediátrica (IPPMG/
UFRJ e SBP); Pneumologia Sanitária (ENSP) e em
Camila Tahis dos Santos Silva Educação para as Profissões da Saúde (UFC/Faimer)
Enfermeira. Doutoranda em Enfermagem Facilitadora no Programa de Desenvolvimento
e Saúde - UFBA. Mestre em Enfermagem – UEFS. Docente para Educadores das Profissões da
Intensivista e emergencista - UNEB. Saúde do Instituto Regional Faimer Brasil
Membro do NDE do Projeto Preceptoria, do Projeto de Avaliação
das Escolas da Área da Saúde (CAES) e tutora no curso de
Profa. Dra. Alessandra Carla de Almeida Ribeiro Simulação - Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM)
Graduação em Medicina - Universidade
Federal de Uberlândia (UFU)
Residência Médica em Pediatra e Terapia Profa. Dra. Climene Laura de Camargo
Intensiva Pediátrica - UFU Enfermeira. Pós - doutora em Enfermagem. Professora
Doutorado em Imunologia e Alergia Aplicadas - UFU Titular da escola de Enfermagem da UFBA
Professora da Faculdade de Medicina da UFU
Especialista em Educação para as Profissões da
Saúde pela Universidade Federal do Ceará
Facilitadora no Programa de Desenvolvimento
Docente para Educadores das Profissões da
Saúde do Instituto Regional Faimer Brasil
Membro do NDE do Projeto Preceptoria e
tutora no curso de Simulação da Abem

1. INTRODUÇÃO tiva metodológica com impactos positivos no pro-


cesso de formação. Tal ferramenta pode propor-
Ao longo dos últimos anos, observou-se o au- cionar aos estudantes e/ou profissionais de saúde,
mento da preocupação em evitar falhas no treina- dentro de um eixo formativo, processos de con-
mento e na formação de profissionais da área da solidação de competências técnicas e científicas,
saúde. Esse aumento foi motivado por erros du- bem como aquisição de habilidades que aumen-
rante o processo assistencial que podem compro- tem a segurança em procedimentos minimizando
meter a segurança do paciente pela execução de as iatrogenias e promovendo melhorias no contexto
tarefas que culminam em danos à vida. Nessa pers- ensino-aprendizagem.
pectiva, a Organização Pan-Americana da Saúde Assim, nos últimos cinco anos, houve cresci-
(Opas) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) mento na produção de estudos com base no uso da
têm buscado estimular a implementação de refor- simulação para processos formativos, possibilitando
mas na formação dos profissionais de saúde, em caracterizar o uso da simulação no que tange à for-
especial na América Latina (WORLD HEALTH mação de profissionais de enfermagem para atuação
ORGANIZATION, 2017). nos serviços de saúde públicos e privados de todo o
No contexto de repensar esses aspectos formati- país (JORGE; ALMEIRA; SOUZA JÚNIOR, 2014).
vos, bem como o currículo, os conteúdos e as abor- Além disso, é válido destacar os avanços e desafios
dagens metodológicas adotados no ensino dos pro- para essa implementação.
fissionais de saúde, em especial no que concerne à Nesse contexto, a simulação é entendida como
enfermagem, a simulação surge como uma alterna- o uso de modelos em situações em que a experiên-

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso da


simulação clínica em enfermagem na Pediatria 321
cia é impraticável com o objetivo de determinar os pediatria ultrapassa os muros de meros cenários
efeitos produzidos em algum resultado, dependendo construídos (FERNANDES et al., 2016). É preciso
das condições (fatores, variáveis, parâmetros). Na si- estimular docentes e discentes a construir espa-
mulação, há a oferta aos estudantes da oportunidade ços formativos que retratem a realidade vivenciada
de praticar habilidades clínicas associadas à tomada por crianças e suas demandas específicas conforme
de decisão por meio de situações da vida real, sem faixa etária e contexto mórbido. Para Paulo Freire
comprometer o bem-estar do paciente. De acordo (2016), a concepção pedagógica e sociocultural tem
com a capacidade de reproduzir sons ou imagens, a como base o materialismo histórico-dialético e visa
simulação pode ser classificada como baixa, média propor uma ação pedagógica que se fundamenta
e alta fidelidade (REIME et al., 2017; KIM; PARK; na articulação teoria-prática e auxilia os indiví-
SHIN, 2016). duos a ampliar sua visão imediata dos fenômenos
Portanto, torna-se necessário pontuar as carac- para compreender um projeto comprometido com
terísticas educacionais e as premissas de utilização a transformação social a partir dessa prática edu-
desse método de ensino-aprendizagem com base na cativa problematizadora, crítica e emancipatória.
dialógica de Paulo Freire que prepara os discentes Segundo Vigotsky, a educação histórico-cultu-
a partir de situações do cotidiano dos serviços de ral se baseia na capacidade de construção de com-
saúde para uma atuação prática e refletida ante- petências que se dá de acordo com as funções psi-
riormente. Essa preparação reflete nos processos cológicas que permitem ao homem compreender
formativos e representa avanços para uma consoli- os fenômenos do mundo por meio do desenvolvi-
dação das habilidades e competências necessárias mento cultural. Esse processo está relacionado com
ao perfil de profissional de enfermagem egresso a colaboração de outros indivíduos que, por meio da
das instituições. relação social, reconstroem a experiência e os sig-
No que tange ao perfil profissional do enfer- nificados pessoais (OLIVEIRA, 2010). Tal contri-
meiro ou da enfermeira pediatra, a simulação se buição, associada ao método da simulação realís-
torna importante, uma vez que tal método propor- tica, pode direcionar ações potencializadoras para
ciona a criação de cenários simples e complexos que o desenvolvimento do raciocínio clínico, a interação
envolvem as necessidades de uma clientela especí- entre equipes e o aprimoramento de práticas volta-
fica, como a população infantil, incluindo a famí- das para o atendimento integral da criança, valori-
lia, os recursos tecnológicos que contribuem para zando o espaço cultural ao qual pertence.
o cuidado de excelência e as amplas possibilida- A partir da percepção e do entendimento
des de vivenciar situações cotidianas presentes no das competências necessárias ao fazer do enfer-
dia a dia das crianças e dos profissionais que tra- meiro ou da enfermeira, elas são traduzidas pelo
balham com elas. desenvolvimento e pela reestruturação das funções
As bases teóricas da educação, no âmbito da for- psicológicas complexas como inerentes aos proces-
mação, subsidiam o uso da simulação com foco na sos de aprendizagem; e, nessa condição, a simulação
problematização e vivência de situações encontra- no ensino constitui-se em um instrumento capaz
das no cotidiano profissional. Nesse contexto, par- de ampliar esse processo, dada sua possibilidade de
tindo da necessidade de que o cuidado com crianças utilização e implementação. Nesse contexto, des-
requer habilidades de natureza lúdica, interativa e tacam-se a metodologia de ensino-aprendizagem
resolutiva, simular é antecipar-se aos fatos que pos- aplicada no atendimento a crianças hospitalizadas
sam comprometer a assistência pediátrica. Assim, em unidades de tratamentos intensivos e a valori-
considerando que a simulação é entendida como zação da atuação nesse cenário complexo.
método de ensino inovador e participativo, ela será Outra característica reside na versatilidade das
capaz de despertar o interesse dos alunos e profis- áreas de utilização da simulação que pode ser am-
sionais envolvidos, bem como ativar o senso crítico plamente implementada em diversas áreas da pedia-
da realidade e a capacidade de agir de forma mais tria, desde o treinamento de uma emergência pediá-
adequada a cada situação que envolve a criança, a trica até processos cirúrgicos envolvendo a criança,
família, os profissionais e a instituição (FERREIRA; inclusive com uso de recursos tecnológicos sofistica-
GUEDES; OLIVEIRA, 2018; FRANZON et al., 2020). dos tanto em serviço nos processos de educação per-
Diante da formação de enfermeiros e enfermei- manente (FRANZON et al., 2020) quanto na forma-
ras influenciados por correntes humanísticas e pau- ção profissional na graduação envolvendo cuidados
tados no cuidado holístico, simular no âmbito da com a população infantil (FERNANDES et al., 2016).

322 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
2. DESENVOLVIMENTO derança, tomada de decisão, prática e interatividade
2.1. CARACTERIZAÇÃO DOS USOS com a equipe. A associação de itens com a maneira
E TIPOS: DISCIPLINAS de o facilitador conduzir a simulação, de acordo com
a interação entre o aluno e o cenário, além do modo
Com base nas publicações de estudos acerca da uti-
que o cenário foi estruturado, ajuda a compor o kit
lização da simulação na formação de enfermeiros
de realismo necessário à experiência. Esses itens des-
e enfermeiras, podemos caracterizar as principais pertam a sensação de realidade, elevam os níveis de
formas de implementação que vão desde a vivên- adrenalina e estresse, aspecto similar ao que ocorre
cia da prática clínica com práticas simples, coleta na prática clínica, e criam um ambiente promotor de
de sangue arterial, administração de imunizantes altas taxas de realismo (SCHLAIRET, 2011.
até situações mais complexas como treinamento Há várias alternativas de utilização da simula-
de cuidados intensivos e procedimentos de média ção: treinamento de medidas de higiene e conforto
a alta complexidade (KIM; PARK, SHIN , 2016. Na aos pacientes (FRANZON et al., 2020), treinamento
pediatria, o leque de ações, tanto de cunho clínico- em ressuscitação cardiopulmonar e suporte básico
-reflexivo como procedimentais, possibilita explorar de vida (REIS; MELO; COSTA, 2020), imunização
a formação e/ou capacitação com práticas simula- em enfermagem (COSTA et al., 2020), cuidado des-
das, minimizando não só as iatrogenias do processo tinado aos queimados, terapia intensiva (GOMES
de cuidado, como também potencializando as as- et al, 2020), entre outras. Todas as ações descritas
sertivas perante a tomada de decisão. pelos autores já mencionados se aplicam à área da
Em sua implementação, a simulação pode abran- pediatria, possibilitando, ainda nesse contexto, a
ger um rol de conteúdos e formas de abordagem a inserção do cuidado de genitores e/ou cuidadores
partir de diferentes tecnologias, desde o uso de ca- de crianças institucionalizadas ou não. Portanto, os
racterização e de simulação de cenários físicos até docentes precisam ter noção da estruturação da ex-
a utilização de realidades virtuais. Dessa forma, o periência, das competências pretendidas e dos ob-
aprendizado das disciplinas pode ser intensificado jetivos da aprendizagem.
por semiologia e semiotécnica, reconstituição de Além disso, para Franzon et al. (2020), os prin-
cenários físicos e estruturas dos serviços de saúde,
cipais usos de tecnologias inovadoras podem cor-
uso de manequins ou caracterização de personagens
roborar o ensino da segurança ao paciente de forma
reais com lesões realísticas (SOUZA et al, 2020)
eficaz e permitir a reprodução da realidade de modo
No uso da simulação com realidade virtual (RV),
a levar ao treinamento do pensamento crítico e do
há uma interface avançada gerada por aplicações
raciocínio clínico necessários à formação de enfer-
executadas no computador, por meio da qual o usu-
meiros e enfermeiras e dos demais profissionais de
ário interage em tempo real pela estimulação dos
sentidos com os elementos do ambiente tridimen- saúde. No que tange aos cuidados com crianças, os
sional, podendo ser pela visualização, movimenta- cenários podem ser construídos com recursos de
ção, audição e/ou tato. Esse tipo de tecnologia, ape- tecnologias leves, leve-duras e duras.
sar de tímido na área de saúde, possui possibilidade
de crescimento e exploração como ferramenta para 2.2. VISÃO DE DOCENTES E DISCENTES QUANTO AO
a enfermagem, constituindo um campo fértil para USO DA SIMULAÇÃO: CENÁRIOS PEDIÁTRICOS
ser explorado (SOUZA et al., 2020). No geral, a percepção de docentes e discentes a res-
Embora a sofisticação encha os olhos dos profis- peito do uso da simulação no ensino apresenta ca-
sionais pela inserção de tecnologias digitais, mas seja
ráter positivo para sua implementação. Quando se
de difícil o acesso pelo seu custo oneroso (SOUZA et
analisaram e se compararam a satisfação e a auto-
al., 2020) existem também alternativas simples e fá-
ceis de ser implementadas no ambiente acadêmico, confiança dos estudantes que possuíam experiên-
como a simulação para ambientes de aprendizagem cias prévias na troca de fraldas em campo clínico
com estruturas já existentes, como a prática assis- com a satisfação e a autoconfiança daqueles sem
tencial simulada em laboratório, a maquiagem rea- experiência prévia na troca de fraldas, foram ob-
lística, a encenação e o uso de manequins anatômi- servadas elevadas médias atribuídas à satisfação
cos (GOMES et al., 2020). pelos que não possuíam experiência anterior, com
Independentemente do tipo utilizado, o princi- significativo aumento da satisfação no item realismo
pal objetivo da simulação é despertar a noção de re- mensurado por esses estudantes e na autoconfiança
alidade, extraindo do discente capacidades como li- (FRANZON et al., 2020).

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso da


simulação clínica em enfermagem na Pediatria 323
Souza et al. (2020) apontaram para uma maior enfermeiros e enfermeiras no âmbito da pediatria,
satisfação e autoconfiança entre graduandos de esse método de ensino-aprendizagem contempla a
Enfermagem que participaram de experiências clí- dialógica de Paulo Freire (2016) ao possibilitar ao
nicas simuladas para realizar procedimentos, comu- aluno uma experiência assistida com autoavalia-
nicar-se e tomar decisões, o que leva à execução de ção e feedback mediados pelo docente quanto à va-
tarefas com sucesso. Contudo, a falta de autocon- lorização dos cenários múltiplos percorridos pela
fiança gera estresse e dificuldade pra que os estu- criança, seja esta saudável ou mórbida. Essa dialó-
dantes possam realizarem suas atividades, princi- gica reflete-se nos processos formativos e na con-
palmente quando o processo assistencial envolve solidação da capacidade crítica necessária ao per-
cenários pediátricos e todas as suas especificidades. fil de profissional da enfermagem no que se refere
Assim, essas iniciativas podem favorecer o êxito aca- ao fato de ele cuidar de crianças.
dêmico e os índices de problemas em saúde men- O cuidado com crianças envolve uma série de
tal e/ou estresse desses estudantes. processos interligados entre si que requer habilida-
Segundo Souza et al. (2020), os alunos se sen- des de comunicação por parte da enfermeira e do
tem confiantes e concordam que devem ser respon- enfermeiro, práticas humanizadas do atendimento
sáveis por autoavaliar-se e saber o que precisa ser que favoreçam acolher de forma segura a criança e
aprendido por meio da atividade de simulação. Isso seus familiares, bem como o domínio das práticas
os torna agentes ativos do seu próprio processo de procedimentais que compõem o universo assistên-
aprendizagem. Além disso, é preciso pontuar que há cia da pediatria. Dessa forma, a simulação realística
aumento da satisfação dos alunos como a forma que pode ser vista como um método de ensino inova-
o professor utiliza a metodologia ativa com o uso da dor e participativo capaz de ativar a criticidade em
simulação como no processo de ensino-aprendiza- torno da realidade, interagindo com a premissa pe-
gem. Os autores apontam ainda que quanto maior o dagógica e sociocultural baseada no materialismo
nível de autoconfiança, maior a satisfação do aluno. histórico-dialético. Por fim, tal estratégia propõe
É possível ainda aumentar a satisfação dos alunos a articulação teoria-prática que auxilia na amplia-
na forma como as atividades simuladas possibilitam ção e compreensão da visão imediata dos fenôme-
vincular cognitivamente os cenários à teoria por meio nos pelos indivíduos que se tornam mais capazes
de maior realismo na qualidade dos simuladores e de agir numa transformação social e de forma mais
permitir a interação com os professores de modo adequada a cada situação.
mais satisfatório na dimensão prática (SOUZA et al., A simulação como uma representação autêntica
2020). No que tange ao cuidado pediátrico, quando da realidade oferece a oportunidade de treinamento
se pensa na construção do cenário, os simuladores de habilidades para os discentes em formação, como
e/ou ações simuladas devem ser características da a comunicação verbal e não verbal, bem como as
faixa etária em atendimento, do contexto de desen- competências necessárias para a prática clínica real.
volvimento em que se encontra o infante e dos ato- Isso pode facilitar o engajamento do estudante e ar-
res sociais presentes na ação, como a presença da ticular as complexidades da teoria e das práticas clí-
mãe e do pai, além do recurso tecnológico a ser ex- nicas de forma assistida por docentes com feedback
plorado no processo educativo. imediato e a possibilidade de repetição sem colo-
Da mesma forma, docentes também avaliam po- car em risco os pacientes submetidos aos cuidados
sitivamente o uso dessas tecnologias, uma vez que (CRUESS; CRUESS e STEINERT, 2016; FRANZON
há maior despertamento e engajamento dos alunos et al., 2020; REIS; MELO; COSTA, 2020).
que promovem um feedback positivo para esses edu- Com foco no desenvolvimento de competên-
cadores. Além disso, promovem uma facilitação no
cias e habilidades técnicas, capacidade de decisão,
processo de trabalho desses docentes que se sentem
treinamento do pensamento clínico e resposta ade-
mais motivados em preparar situações que envolvam
quada às contribuições da simulação para os pro-
a simulação nas práticas de espaços educacionais.
cessos formativos, a exposição à situação anterior-
mente à prática real engaja os processos da educação
2.3. CONTRIBUIÇÕES NA FORMAÇÃO DE histórico-cultural e a capacidade de construir com-
ENFERMEIROS E ENFERMEIRAS PEDIATRAS
petências que são, de acordo com a funções psico-
No que concerne às características educacionais lógicas, mobilizadas para a compreensão dos fe-
e às premissas que fundamentam o uso da simulação nômenos por meio do desenvolvimento cultural
e dão sustentação a essa técnica para a formação de (OLIVEIRA, 2010).

324 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Essa experiência anterior possibilita uma vi- informação e dialética de uma experiência vivida no
vência de cenários que movimenta os sentimen- contexto pediátrico. Obviamente que quanto mais
tos, as expectativas e os anseios muitas vezes ne- recursos puderem ser implementados a fim de pro-
gativos e que poderiam interferir na produção das piciar uma vivência com exploração de diferentes
práticas em saúde envolvendo a população infan- ferramentas que despertem diferentes estímulos,
til. Assim, antecipa essa ocorrência e permite uma mais condições se complementarão para os arran-
reconstrução e ressignificação de uma realidade vi- jos de fidedignidade, tornando a experiência mais
vida mesmo que de modo simulado por profissio- próxima do real. Essas características devem pri-
nais, crianças e seus familiares num cenário passivo mar pela aproximação de situações reais a fim de
de ser controlado. Para Gomes et al. (2020), “Esta despertar o interesse dos indivíduos.
concepção influenciou os participantes que, ao vi- Nesse momento, a translação do conhecimento
venciarem pela primeira vez o Centro de Terapia (FRANZON et al., 2020), entendida como aplica-
Intensiva, tanto no cenário simulado como em ati- ção das descobertas geradas por pesquisa de labo-
vidades de estágio curricular, compartilharam es- ratório e em estudos pré-clínicos para o desenvolvi-
ses significados e colocaram em movimento as emo- mento, o aprimoramento da adoção de boas práticas
ções, por vezes negativas”. ocorre tendo em vista a capacidade gerada pela ex-
No entanto, o modo como os discentes enca- periência. Ainda possibilita a ênfase em situações
ram os elementos culturais e as condições de pers- e habilidades que precisam ser mais bem treinadas
pectivas pode apresentar sentidos diferentes em e desenvolvidas. Desse modo, é fundamental que o
sua trajetória de construção da competência para aluno seja um agente ativo no processo de ensino-
avaliação clínica. Nesse sentido, a simulação pode -aprendizagem para o alcance dos resultados espe-
contribuir para que os acadêmicos tenham mais rados e que seja corresponsável por sua aprendiza-
exposição a cenários críticos e desenvolvam com- gem por meio da autocrítica (SOUZA et al., 2020).
petências técnicas e não técnicas interligando os Tendo em vista a fixação de informações por
conceitos teórico-práticos. Além disso, quando se mais tempo, estudantes mais bem preparados para
compara a simulação aos métodos tradicionais, essa atuação profissional (COSTA et al., 2020) e a ênfase
técnica pode auxiliar os alunos a aprender mais no na segurança do paciente pediátrico, o treinamento
curto prazo e reter informações por mais tempo, baseado em simulação com crianças constitui uma
segundo demonstrado por Costa et al. (2020) que importante estratégia para aumentar a experiência
avaliaram o desempenho cognitivo de estudantes clínica, maximizar o aprendizado e limitar a frequ-
de Enfermagem com o uso da simulação. ência e o impacto dos erros no cuidado em saúde
Ainda, pelas próprias dificuldades ligadas à simu- nessa população (COSTA et al., 2020). Assim, é
lação e à prática real, o desenvolvimento psicológico imprescindível que as instituições de ensino invis-
pode ser potencializado, como demonstrado pelas tam nessa técnica e a intensifiquem a fim de maxi-
pesquisas de Gomes et al. (2020) e Costa et al. (2020), mizar a satisfação e autoconfiança dos estudantes de
já que provocam no sujeito a mobilização de funções graduação em Saúde e em Enfermagem Pediátrica.
a fim de que possa dar conta de solucionar a tarefa A importância reside na preparação adequada de
apresentada. Vale salientar que no contexto de tra- futuros profissionais para as situações de cuidado
balho envolvendo crianças, principalmente em situa- do outro em diferentes graus de vulnerabilidade e
ções de morbimortalidade, poderão surgir sensações de forma segura (FRANZON et al., 2020).
de impotência, desespero e ansiedade importantes
a serem trabalhadas nos processos formativos. Por 2.4. LIMITES E DESAFIOS NO USO DA SIMULAÇÃO
conseguinte, o discente poderá enfrentar situações NA FORMAÇÃO DE ENFERMEIROS
E ENFERMEIRAS NA PEDIATRIA
que não lhe são comuns, e, a partir delas, ele será
capaz de construir um caminho por meio da articu- As principais limitações do uso da simulação re-
lação de novas funções com reorganização do pen- sidem na forma como ela deve ser implementada.
samento com sinais que lhe são aparentes, afastar- Como estratégia de aprendizado, a simulação não
-se e reconstruir as novas experiências vivenciadas. pode ser consolidada de forma isolada nem desar-
As características pedagógicas e metodológicas ticulada dos fatores que se inter-relacionam e im-
têm um fim em si mesmas que é promover a repro- plicam as trajetórias do desenvolvimento humano
dução de cenários encontrados no ambiente assis- sociocultural (GOMES et al., 2020). Dessa forma,
tencial real da criança, mas que tenha as condições a simulação clínica de alta fidelidade, embora favo-
de segurança e aprendizado necessárias de gerar a reça a construção de competências, não consegue

Ensino de graduação, treino de habilidades e uso da


simulação clínica em enfermagem na Pediatria 325
sozinha possibilitar as interações sociais necessárias dizagem. Assim, os melhores resultados avaliados
ao desenvolvimento integral do aluno. no ensino de emergência estavam entre os aspec-
Apesar de ser enriquecedora para o aprendi- tos práticos treinados previamente no laboratório
zado, bem como para aumento da satisfação e au- (REIS; MELO; COSTA, 2020).
toconfiança do aluno no atendimento a crianças
e seus familiares, a simulação não substitui nem
dispensa a prática clínica real (FRANZON et al., 3. CONCLUSÃO
2020). Logo, temos que ela deve se constituir ele-
mento complementar e até preliminar da prática clí- É evidente a contribuição da simulação realística
nica real, já que irá possibilitar a correção e o trei- para a formação de profissionais de enfermagem no
namento de habilidades que se consolidarão ainda
campo da pediatria. As contribuições e os avanços
num ambiente simulado para depois serem efeti-
tecnológicos inspiram nessa temática uma infini-
vamente praticadas.
dade de possibilidades a serem exploradas a fim de
Da mesma forma, Souza et al. (2020), em seu es-
tudo sobre o uso da simulação para coleta de san- atingir os objetivos da educação e formação profis-
gue a vácuo no adulto, concluíram que o simulador sional capaz de produzir enfermeiros e enfermei-
é um instrumento promissor e inovador no ensino, ras mais preparados para enfrentar a realidade dos
embora precise ser combinado com outros recursos. serviços de saúde nos diferentes contextos envol-
Essa combinação visa propiciar a aquisição de dife- vendo a infância.
rentes competências a serem construídas na educa- Assim, ansiamos por práticas e espaços forma-
ção de graduandos de Enfermagem que estão ini- dores enriquecedores da experiência educacional e
ciando o estudo da temática e da técnica (SOUZA formativa que sejam capazes de despertar as com-
et al., 2020). O exemplo propositalmente apresen- petências e capacidades psicológicas e cognitivas
tado na população adulta reafirma os desafios de necessárias ao perfil de egresso e de profissionais
ampliarmos as discussões e pesquisas sobre a simu- capazes de agir no cuidado dos indivíduos e da co-
lação realística no campo da pediatria. letividade, em especial das crianças. A simulação se
Reis, Melo e Costa (2020) também apontam que constitui como rica ferramenta a ser explorada ca-
pode ocorrer a existência de lacunas entre os as- paz de gerar construções de aprendizado teórico-
pectos teórico-práticos e que o conhecimento teó- -prático consolidado em ambientes seguros que se
rico acerca da temática da simulação precisa estar reflitam nas melhores atuações primando pela se-
mais consolidado a fim de propiciar uma articula- gurança do paciente e em ambientes de serviços de
ção adequada para atingir os objetivos de apren- saúde com maior credibilidade e mais acolhedores.

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Ensino de graduação, treino de habilidades e uso da


simulação clínica em enfermagem na Pediatria 327
10. SAÚDE COLETIVA
CA P Í T UL O 10 .1

O ensino da Saúde Coletiva


na graduação e
residência médica

329
Hermila Tavares Vilar Guedes
Médica Pediatra
Professora da Universidade do
Estado da Bahia - UNEB
Diretora técnica do Curso de
Simulação ABEM-EBSERH

1. SAÚDE COLETIVA E SAÚDE PÚBLICA peito ao diagnóstico e tratamento de doenças, e à


tentativa de assegurar que o indivíduo tenha, den-
Quando buscamos a literatura que aborda a saúde tro da comunidade, um padrão de vida que lhe as-
coletiva (SC), facilmente verificamos que a diferen- segure a manutenção da saúde; enquanto que saúde
ciação de conceitos entre “saúde coletiva” e “saúde coletiva se refere a “novos conteúdos e projeções
pública” (SP) é encontrada quase que exclusiva- da disciplina que resultou do movimento sanita-
rista latino-americano e da corrente da Reforma
mente em textos brasileiros. Artigos sobre collec-
Sanitária no Brasil” (LENHARO, 2005).
tive health são quase sempre de autoria nacional,
O movimento da Saúde Pública tem bases em
e, embora os artigos de autores estrangeiros utili-
discussões que datam do século XVIII, a partir de
zem correntemente a expressão public health, pou-
reflexões acerca de questões sociais com impacto
cos são os trabalhos nacionais que a traduzem como na saúde, abrangendo a atuação do Estado, inclusive
“saúde coletiva” (OLIVEIRA, 2011). com ações regulatórias, fiscalizatórias e punitivas.
A revisão de textos diversos sobre a saúde co- Em meados do século XIX, como consequência da
letiva e a saúde pública mostra que a maioria dos Revolução Industrial, a percepção dos direitos dos
autores brasileiros acredita, como Lenharo (2005), trabalhadores, relativos a condições de trabalho e
que “esses dois termos são facilmente confundidos saúde, contribuiu para o avanço das discussões na
pelo público leigo, que não consegue distinguir as Europa Ocidental (Inglaterra, França e Alemanha),
diferenças sutis, porém determinantes, existentes originando o movimento conhecido como Medicina
entre eles”. Consideram que saúde pública diz res- Social (ROSEN, 1980; OSMO, 2015).

330 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da medicina e enfermagem
Na década de 1970, o Brasil estava em pleno re- Com relação aos campos de prática, os mesmos
gime de ditadura militar. O movimento da Saúde autores consideram que a saúde coletiva envolve
Coletiva surgiu ligado à luta pela democracia e ao quatro objetos de intervenção: políticas, práticas,
movimento da Reforma Sanitária, questionando tecnologias e instrumentos (PAIM & ALMEIDA
os paradigmas de saúde da América Latina, à FILHO, 1998, 1999).
época. Era diretamente influenciado pelo chamado Osmo e Schraiber (2015) consideram que a de-
“Preventivismo” e pela Medicina Social – expressão finição de saúde coletiva abrange uma multiplici-
que, à época, englobava os focos de trabalho da SP dade representativa de “uma identidade de difícil
e da SC e que hoje é considerada como integrante elaboração e ainda em desenvolvimento”.
da saúde coletiva. A definição de Saúde Pública proposta por
Assim, o termo/expressão “Saúde Coletiva” sur- Charles-Edward Winslow, da Faculdade de Saúde
giu no Brasil, no final dos anos 1970, apresentando Pública do Colégio Real de Médicos, na Inglaterra,
ideias sobre a importância das abordagens sociais no em 1920, foi referendada no “Relatório sobre ética
conhecimento sobre saúde e o processo de adoecer. da saúde pública” do Conselho Nuffield de Bioética,
A criação da Associação Brasileira de Pós-Graduação em 2007 (LECHOPIER, 2015). Segundo Winslow,
em Saúde Coletiva (Abrasco), em 1979, como enti- a saúde pública é “a arte e a ciência de prevenir a
dade representativa dessa área, foi um importante doença e a incapacidade, prolongar a vida e promover
marco histórico. (VIEIRA-DA-SILVA, 2014) a saúde física e mental, mediante os esforços organi-
Desde o seu surgimento, existe uma preocu- zados da comunidade” (TERRIS apud PAIM, 1998);
pação em tornar claro o escopo da saúde coletiva, diferindo, então, do conceito de saúde coletiva apre-
no intuito de agregar em um conceito as diferen- sentado por Paim e Almeida Filho (1998), que tem
tes vertentes envolvidas em seu contexto (NUNES, sido o mais amplamente utilizado.
2005). Em artigo de 1999, Paim e Almeida Filho as- Os autores em saúde coletiva, com formações
sumiram uma “definição provisória” que considera diversas, abordam diferentes temas, em sua maio-
o movimento da saúde coletiva como campo cien- ria de modo amplo, mas também com focos espe-
tífico, de domínio do conhecimento e de práticas. cíficos, alvos da visão de suas categorias profissio-
Enfim, “um movimento complexo, definível apenas nais. A multiplicidade de áreas (epidemiologia,
em sua configuração mais ampla, pois há várias for- sociologia, antropologia, filosofia, administração),
mas de visualização e nenhuma delas isoladamente bem como de profissões da saúde envolvidas, certa-
define a complexidade teórica desse novo conceito” mente contribui para a complexidade da definição.
(PAIM & ALMEIDA FILHO, 1999). De acordo com Souza (2015), que descreve a
A Saúde Coletiva, como área reconhecidamente visão da Abrasco, o foco de trabalho da saúde co-
multidisciplinar, envolve tanto aspectos biomédi- letiva reside nas necessidades de saúde das comu-
cos quanto sociais, em busca de estudar os deter- nidades, o que significa que abrange “todas as con-
minantes – sejam biológicos e/ou sociais – das do- dições requeridas não apenas para evitar a doença
enças que afetam as populações, a fim de proceder e prolongar a vida, mas também para melhorar a
ao planejamento e à organização de serviços de qualidade de vida”.
saúde. Resumindo, o campo do conhecimento da Na saúde pública, por sua vez, o foco de trabalho
SC abrange as ciências sociais, a epidemiologia e está nos problemas de saúde da comunidade, no nível
a administração em saúde. Paim e Almeida Filho da coletividade, envolvendo, então, aspectos qualita-
(1999) afirmam que tivos e quantitativos relacionados a riscos, agravos,
doenças, mortes, complicações, sequelas e as diversas
consequências. Assim, de acordo com Souza (2015),
[...] a SC contribui para o estudo dos a saúde pública engloba a epidemiologia e a admi-
fenômenos saúde-doença-cuidado nistração na saúde, enquanto a saúde coletiva se en-
nas populações como processos carrega da determinação social e das desigualdades
sociais, investigando a produção e em saúde, envolvendo a epidemiologia social, o pla-
distribuição da doença na sociedade nejamento estratégico e comunicativo, e a gestão de-
e analisando as práticas de saúde mocrática, mantendo espaço para “contribuições de
como processo de trabalho. todos os saberes – científicos e populares – que po-
dem orientar a elevação da consciência sanitária e
a realização de intervenções intersetoriais sobre os
determinantes estruturais da saúde”.

O ensino da Saúde Coletiva na


graduação e residência médica 331
2. A ATUAÇÃO DOS DIFERENTES PROFISSIONAIS anamnese, do exame físico, do diagnóstico e do trata-
mento, permeados pela relação médico-paciente e, no
Como exemplo de campos de trabalho de profis- caso, também pela relação médico-família. A MFC é,
sionais da saúde pública, podemos citar a vigilân- assim, atividade exclusiva do médico, diferindo tam-
cia epidemiológica, a vigilância sanitária e os di- bém da chamada “Saúde da Família e Comunidade”,
versos programas especiais. Aqueles que atuam na tendo em vista que esta última, embora envolva a
saúde coletiva exercem suas atribuições em diver- prática clínica, é área multiprofissional.
sas frentes de promoção da saúde, de elaboração de
políticas e estratégias, além da gestão nessas áreas.
São funções dos profissionais que atuam no 3. O ENSINO DA SAÚDE COLETIVA NA ATUALIDADE
campo da saúde pública:
• Atividades das vigilâncias epidemiológica e A partir do entendimento de que a saúde coletiva
sanitária; deveria compor uma nova profissão, com formação
• Controle de riscos, através da aplicação dos mo- direcionada para seus campos de atuação, foram
delos de transmissão de doenças; criados, em algumas instituições de ensino supe-
• Ações de educação sanitária; rior (IES), cursos de graduação em saúde coletiva,
• Fiscalização da produção e distribuição de bens qualificando o concluinte como sanitarista; título
de interesse da saúde, na perspectiva do risco até então atribuído apenas por meio de cursos de
sanitário;
pós-graduação de profissionais de saúde.
• Planejamento normativo, definindo objetivos e
Contudo, conteúdos fundamentais de saúde co-
metas, considerando apenas os pontos de vista
letiva continuam a integrar componentes curricu-
do Estado.
lares dos diversos cursos da área de saúde, a fim
de qualificar a ampla formação desses profissio-
Para os profissionais que atuam na saúde cole-
nais. A abordagem específica para cada categoria,
tiva, Souza (2015) descreve um papel “mais abran-
mediante adequação do papel de cada uma no sis-
gente e estratégico”, que envolve a organização e o
tema de saúde, faz-se necessária para que as equi-
gerenciamento de processos coletivos de trabalho,
pes de saúde sejam complementares e eficientes.
ações na área epidemiológica, na análise e na com-
As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para
preensão das necessidades de saúde, bem como a
os cursos de Medicina vigentes, datadas de 2014, va-
escolha e a aplicação de tecnologias e ferramentas
lorizam a formação baseada nas necessidades da po-
para contemplá-las.
pulação, com foco principal na Atenção Primária,
A saúde coletiva é, de forma basilar, multi e in-
priorizando esse campo de prática (FERREIRA,
terprofissional. As equipes multidisciplinares e mul-
2019; BURSZTYN, 2015). Na descrição do perfil
tiprofissionais de saúde formam células vitais na
desejado para o egresso, apresentado no artigo 3º,
qualidade do trabalho desenvolvido, pautado, de
as DCN determinam o seguinte:
acordo com Nunes (1994), na “interdisciplinari-
dade como possibilitadora da construção de um
conhecimento ampliado da saúde e na multipro-
fissionalidade como forma de enfrentar a diversi- O graduado em Medicina terá
dade interna ao saber fazer das práticas sanitárias”. formação geral, humanista, crítica,
Textos que descrevem a formação de alunos de reflexiva e ética, com capacidade para
cursos de Medicina na área de saúde coletiva citam atuar nos diferentes níveis de atenção
diferentes disciplinas como integrantes dessa área, à saúde, com ações de promoção,
como Ciências Sociais e Humanas; Educação em prevenção, recuperação e reabilitação
Saúde; Epidemiologia; Políticas Públicas de Saúde; da saúde, nos âmbitos individual
Planejamento, Gestão e Avaliação dos Serviços e e coletivo, com responsabilidade
Programas de Saúde; e alguns incluem Medicina de social e compromisso com a defesa
Família e Comunidade –MFC (OLIVEIRA, 2011). da cidadania, da dignidade humana,
Porém, de fato há particularidades da MFC que jus- da saúde integral do ser humano e
tificam a sua individualização diante da saúde cole- tendo como transversalidade em
tiva: a MFC lida diretamente com a clínica médica, sua prática, sempre, a determinação
com a técnica essencial da medicina, que consiste social do processo de saúde e
no cuidado direto à pessoa, através da realização da doença (BRASIL, 2014).

332 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da medicina e enfermagem
O texto citado acima destaca o campo da saúde matriz que introduziu a noção de “matriz de com-
coletiva em toda a sua amplitude. Além disso, a in- petências” em nosso país e que foi originalmente
clusão da gestão em saúde e da educação em saúde criada para servir como base para o Exame Nacional
como áreas de competência para a formação do mé- de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos
dico, especificando as ações-chave, também ressalta por Instituição de Educação Superior Estrangeira
a importância da saúde coletiva. A inclusão de me- (Revalida). Tal documento que, desde então, por
dicina de família e comunidade (com carga horária sua completude, tem orientado as matrizes curri-
privilegiada) e de saúde coletiva, como componentes culares dos cursos de Medicina no Brasil, consta do
curriculares distintos no período do internato curri- Anexo da Portaria nº 278/2011 e, por sua vez, ba-
cular, é também indício do reconhecimento da impor- seou-se na Matriz de Correspondência Curricular
tância da formação do médico em Atenção Primária
elaborada pela então Subcomissão Temática de
(BRASlL, 2014, capítulo III, artigo VIII, §§ 5º e 6º).
Revalidação de Diplomas, publicada pela Portaria
No Quadro 1, é apresentada uma compilação dos
Interministerial do Ministério da Educação e do
temas que compõem o conteúdo programático de
Ministério da Saúde (MEC/MS) nº 865, de 15 de
saúde coletiva em cursos de Medicina. A elabora-
ção desse quadro tem como principal referência a setembro de 2009 (BRASIL, 2011).

Quadro 1. Conteúdo programático de Saúde Coletiva em cursos de graduação em Medicina

EPIDEMIOLOGIA
Modelos de causalidade para o processo de adoecimento – as diferentes
1
teorias (unicausal, ecológica, multicausal e social)
2 Filosofia, Antropologia e Sociologia – sua importância na área de saúde
3 Epidemiologia e Demografia
4 O perfil epidemiológico do Brasil
Variáveis de distribuição das doenças – clima, fauna, relevo, condições de habitação, ambiente
5
de trabalho, espaço urbano, poluentes urbanos e rurais, contaminação de alimentos etc.
6 Perfil de doenças infecciosas e parasitárias mais prevalentes no país
7 Endemias e epidemias
8 Metodologia da pesquisa epidemiológica
9 Medidas de associação de risco
Diagnóstico: sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo,
10
valor preditivo negativo. Sistemas de informação em saúde
Indicadores demográficos: de mortalidade, morbidade e fatores
11
de risco, socioeconômicos, de recursos e cobertura
12 Vigilância epidemiológica – notificação compulsória, investigação e medidas de controle
13 Epidemiologia aplicada ao Sistema Local de Saúde (Silos)
POLÍTICAS DE SAÚDE
Políticas de saúde. História das políticas de saúde no Brasil.
14
Leis Orgânicas da Saúde (Loas) nºs. 8.080 e 8.142
Políticas públicas em saúde – saúde mental. Proteção e prevenção da saúde. Dermatologia sanitária.
15 Saúde ambiental para grupos populacionais específicos: Programa de Saúde da Família, Promoção
da Saúde, Saúde Indígena. Atenção à Criança e ao Adolescente. Atenção à Mulher. Atenção ao Idoso
Políticas públicas em saúde para grupos populacionais específicos: Política Nacional de Atenção
16 Integral à Saúde da Criança; Saúde do Adolescente; Saúde da Mulher; Saúde do Homem; Saúde
do Idoso; Saúde Indígena; Saúde do Trabalhador; Saúde de Grupos Populacionais Vulneráveis

O ensino da Saúde Coletiva na


graduação e residência médica 333
17 O sistema de atendimento à urgência e emergência no Brasil
18 Políticas de saúde suplementar
19 Educação popular em saúde
20 Bioética e legislação
PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO EM SAÚDE
21 Modelos de atenção à saúde
22 Regionalização e municipalização
23 Planejamento e gerenciamento em saúde
24 Níveis de complexidade e organização/hierarquização do sistema de saúde brasileiro
25 Distritos sanitários de saúde
26 Atenção primária à saúde. atenção primária e seu papel pedagógico para o médico
27 Sistema de referência e contrarreferência
28 Sistema de regulação do Sistema Único de Saúde (SUS)
29 Territorialização de riscos em espaços geográficos e sociais específicos
Métodos para a realização do diagnóstico de saúde da comunidade e para intervenção em saúde: na
30
prática de saúde pública, na prática clínica e na prática da pesquisa médica em nível populacional
31 A promoção da saúde e a responsabilidade do poder público
32 Identificação de grupos vulneráveis em todas as faixas etárias
33 Principais elementos da legislação sanitária
Saúde e meio ambiente: vigilância ambiental: ar, água, dejetos líquidos
34
e sólidos; medidas de controle. Farmacovigilância
35 Vigilância sanitária: infecção hospitalar e saúde do trabalhador
36 Programa Nacional de Imunização (PNI)
37 Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs)
38 Desenvolvimento sustentável e qualidade de vida
39 Conceito e relações entre saúde, trabalho e ambiente
O contexto atual da globalização. Problemas ambientais globais.
40
Saúde, trabalho e ambiente no Brasil e no mundo
41 Principais agravos à saúde de importância em saúde pública e sua distribuição no Brasil e no mundo
Determinantes biológicos e sociais envolvidos na gênese de doenças
42
e as respectivas medidas de prevenção e controle
43 Integração com o SUS nos programas de controle desenvolvidos pelos serviços oficiais de saúde
44 O SUS e o controle social
45 Organização e gestão de Silos
46 A gestão do trabalho na saúde

Fonte: BRASIL (2011), MEC-MS – Portaria 278/201, adaptado

334 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da medicina e enfermagem
4. MÉTODOS ATIVOS DE ENSINO E SIMULAÇÃO NA uma diretriz para o planejamento de casos e de es-
EDUCAÇÃO MÉDICA E NA SAÚDE COLETIVA
tações de ensino. Assim, o conhecimento acerca
de uma área e/ou um conteúdo favorece a apren-
As DCNM de 2014 trouxeram a recomendação para dizagem de outra área e/ou conteúdo, integrando
que os cursos médicos utilizassem métodos ativos o arsenal de conhecimentos dos estudantes e con-
de ensino-aprendizagem. A princípio, a utilização tribuindo para o desenvolvimento de habilidades
da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), e atitudes diversas.
que já era realidade no Brasil desde 1997, quando Também se faz necessário perceber o que Souza
foi adotada pela Faculdade de Medicina de Marília (2019) chama de “crescimento helicoidal” – quando
(Famema), foi a forma quase unânime de “cum- descreve que as competências dos estudantes au-
prir” a determinação. Outras maneiras de inserção mentam à medida que temas são repetidos e acres-
ativa dos estudantes não eram muito frequentes, e cidos de novas abordagens e aprofundamento, e no-
mesmo a ABP seguia, quase sempre, uma fórmula vas habilidades e atitudes são adquiridas a partir de
predeterminada. treinamento – diante de situações as mais variadas.
Alguns movimentos no sentido de analisar o Desse modo, é fácil compreender quão adequada
formato do modelo padrão da ABP foram surgindo, é a adoção do ensino através de simulação, tanto em
complementando e qualificando essa técnica, e componente curricular específico quanto em ati-
acrescentando outras à formatação dos cursos, de vidades integradas com outras disciplinas. Como
forma a torná-los mais estimulantes para discentes exemplos de possíveis estações de ensino, podem
e docentes. Assim, novas formas de ensino-apren- ser citados: situações epidemiológicas de um muni-
dizagem foram cada vez mais sendo introduzidas cípio ou uma região e suas necessidades; problemas
em novos e antigos cursos médicos, de modo que de gestão inerentes a diferentes unidades de saúde;
os alunos pudessem assumir um papel ativo no pro- casos clínicos de abrangência coletiva (como a si-
cesso de aprender, atuando não apenas nas discus- tuação, para uma escola, ao tomar conhecimento
sões sobre o conteúdo, mas também na preparação de que há uma criança com sarampo, ou a necessi-
e apresentação das atividades, que já não se resu- dade de criar uma política pública para assistir pes-
mem a aulas expositivas, que oferecem conteúdo soas na fase pós-Covid19); problemas inerentes a
resumido e sintetizado (SOUZA, 2019). Centrais de Regulação do SUS, etc. A gama de si-
Além da utilização de métodos ativos de ensino- tuações ou estudos de caso é tão ampla quanto os
-aprendizagem, os cursos médicos passaram a per- casos clínicos individuais, de agravos inerentes às
ceber a necessidade de integrar os conhecimentos áreas clínicas da medicina.
fundamentais (ditos básicos) com os conhecimen- É importante ressaltar a responsabilidade dos
tos técnicos específicos (ditos profissionalizantes), docentes no planejamento pedagógico de seus com-
no sentido de potencializar a aprendizagem. ponentes curriculares, estruturando cada atividade
Nesse sentido, Souza (2019) afirma que, no tra- de simulação de acordo com os objetivos pedagó-
dicional modelo de curso médico, dividido em duas gicos e as competências a serem desenvolvidas. A
etapas bem distintas – básica e profissionalizante –, utilização de simulação requer o detalhamento ne-
os alunos não dispõem do tempo necessário cessário do script, assim como o preparo do mate-
rial que, em saúde coletiva, muitas vezes consiste
em documentos, formulários, gráficos e mapas. A
[...] para vivenciar profundamente elaboração de um checklist (lista de checagem de
a profissionalização e, além disso, itens) para a avaliação é essencial, assim como a
não conseguem na fase final previsão do momento de debriefing (ação devolu-
do curso resgatar e utilizar os tiva sobre o desempenho), cuja formatação deve
conhecimentos das ciências básicas ser pactuada com a equipe de ensino e informada,
adquiridos no início do curso, que previamente, aos discentes.
são, em sua maioria, esquecidos ou No planejamento, é imprescindível reservar es-
(erroneamente) considerados inúteis. paço para que os discentes avaliem a atividade e pos-
sam propor e discutir modificações com a equipe
docente. O cuidado no planejamento assegura o su-
A promoção da aprendizagem de conteúdos cesso da execução de cada estação. Sobre planeja-
e/ou áreas diferentes, simultaneamente, deve ser mento estrutural, é interessante lembrar o estudo
de Dolmans e cols. (1996), o qual avaliou fatores

O ensino da Saúde Coletiva na


graduação e residência médica 335
que influenciam a aprendizagem de alunos de me- Para contribuir com o planejamento de estações
dicina, demonstrando a importância da estrutura- de simulação em saúde coletiva, o Quadro 2 apre-
ção curricular, incluindo o planejamento dos com- senta recomendações para a elaboração de estações
ponentes curriculares, no nível de aprendizagem de ensino através de simulação, tendo como base os
dos estudantes. O estudo concluiu que tutores hi- sete princípios para construção de casos para a ABP,
perespecializados não compensam a falta de estru-
publicados em 1997 por Dolmans e cols.
tura curricular (DOLMANS, 1996).

Quadro 2.Recomendações para a construção de estações de simulação na área de Saúde Coletiva.

CARACTERÍSTICA QUESTÕES A VERIFICAR


Intencionalidade • A situação contempla os objetivos pedagógicos?
1
pedagógica • A situação direciona os estudantes para as competências a serem desenvolvidas?
Definição de • Qual(is) o(s) objetivo(s) que deverá(ão) ser atingido(s)?
2
competências • Qual(is) a(s) competência(s) que deverá(ão) ser desenvolvida(s)?
• A situação é adequada ao período do curso no
Adequação ao momento
qual os estudantes se encontram?
3 de inserção do
• A compreensão da situação é possível aos conheci-
estudante no curso
mentos dos estudantes nesse momento?
• A descrição da situação envolve informações relevantes para o enfrenta-
mento do problema apresentado?
Relevância do
4 • A descrição contém distratores adequados?
conteúdo abordado
• Os distratores estão em número adequado?
• Se há confundidores, verificar se são plausíveis de ocorrer na realidade
Plausibilidade de
• A situação envolvida é plausível?
5 ocorrência – relação
• Corresponde a uma possibilidade real?
com a realidade
Viabilidade de • A situação tem resolução ou caminho a seguir?
6
resolução
Disponibilidade de • Há disponibilidade do material necessário para o de-
7
material necessário senvolvimento da estação de ensino?
• A situação promove a integração de conhecimentos em saúde coletiva?
Integração
8 • A situação promove a integração de conhecimentos de saúde coletiva com
de conhecimentos
outras áreas?
Possibilidade de
9 autoevolução na • A situação estimula a reflexão, a pesquisa e a busca por mais soluções?
aprendizagem
• O checklist deve conter os itens adequados aos objetivos e às competên-
Adequação cias listados.
10
do checklist • Deve haver opções de grau de suficiência de cada item (não realizado, ina-
dequado e adequado).
Adequação dos
• O roteiro do debriefing deve prever abordagem acerca de segurança
11 itens sugeridos para
demonstrada, correção de habilidades e adequação de atitudes.
abordagem no debriefing
Fonte: Dolmans (1967); Carvalho Júnior (2016).

336 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da medicina e enfermagem
Os cenários de aprendizagem não devem res- Assim como a simulação como técnica de en-
tringir-se a espaços físicos de trabalho real, uma sino-aprendizagem na área de saúde preserva a
vez que é possível representar espaços e situações segurança do paciente, quando se trata de treinar
em que habilidades e atitudes sejam treinadas de procedimentos, também confere segurança aos es-
forma eficaz e segura. A variedade de situações tudantes em seu treinamento em situações diversas
inseridas na formação profissional do estudante na área de saúde coletiva, envolvendo habilidades
pode ser ampliada se ocorre a utilização de cená- e atitudes fundamentais, antes que sejam pratica-
rios elaborados com foco em problemas diversos, das diretamente na atuação real com as pessoas e
aos quais dificilmente seria submetido em espa- a comunidade. Como exemplo, podem ser citadas
ços de trabalho real, seja por implicar responsabi- situações envolvendo a vigilância sanitária, a vigi-
lização incompatível com a segurança do paciente lância epidemiológica, a Central de Regulação do
e/ou com o conhecimento e a experiência do estu- SUS, uma gerência da Secretaria Estadual de Saúde,
dante, seja por não ser situação frequente e, assim, a Comissão Intergestores Bipartite e todos os cam-
não ocorrer durante um curto período de estágio. pos de atuação dessa importante área.

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338 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da medicina e enfermagem
CA P Í T UL O 10 .2

O estado da arte da simulação


clínica em Saúde Coletiva

339
Rachel Esteves Soeiro
Médica
Departamento de Saúde Coletiva
Faculdade de Ciências Médicas
UNICAMP

1. INTRODUÇÃO recursos, visando à melhoria da qualidade de atendi-


mento e à segurança do paciente (KANEKO; LOPES,
A educação e o processo de formação profissional na 2019; AUGUSTO; SALVADOR; TONIOSSO, 2019).
área de saúde vêm passando por constantes transfor- Estudos evidenciam que os cenários de simula-
mações, tanto em nível nacional como internacional, ção possibilitam o aprimoramento das habilidades
a fim de aprimorar as técnicas de ensino e também dos estudantes e a aquisição de confiança, uma vez
garantir a segurança do paciente (KANEKO; LOPES, que podem repetir as situações clínicas em casos
2019; AUGUSTO; SALVADOR; TONIOSSO, 2019). de erro ou insucesso, sem exposição de pacientes
Cada vez mais, empregam-se metodologias ativas (AUGUSTO; SALVADOR; TONIOSSO, 2019; ILVA;
de aprendizagem em saúde, superando os modelos tra- TALEB; COSTA, 2015).
dicionais de ensino. Nesse processo, busca-se reprodu- Segundo Araújo e Quilici (2012), para garantir
zir cenários similares à realidade de forma interativa, a eficiência da simulação realística, esta deve ser
na qual o aluno passa a exercer um papel participa- sistematizada nas seguintes fases:
tivo e o professor tem a função de facilitar esse apren-
dizado, buscando transmitir aspectos éticos, críticos e 1) Sessão informativa: antecede a prática da simu-
reflexivos (AUGUSTO; SALVADOR; TONIOSSO, 2019). lação, na qual os estudantes são orientados so-
A simulação permite avaliar e observar o de- bre o estudo, e não necessita ser presencial.
sempenho individual e entre equipes (atuação mul- 2) Introdução aos ambientes: nesse momento,
tiprofissional), com adequação de ambientes e de os alunos expõem as expectativas geradas du-

340 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
rante a sessão informativa e recebem outras ins- Com base na matriz de competências, para os
truções sobre a temática da simulação; ocorre cenários de simulação realística, há os seguintes ei-
presencialmente. xos: saúde pública no Brasil/Sistema Único de Saúde
3) Entrada da teoria: por meio de metodologia ativa (SUS), processo saúde e doença, epidemiologia e
de ensino, explora-se a temática da simulação. ética médica (LOIOLA; CYRINO; ALEXANDRE,
4) Reunião informativa sobre o cenário (briefing): 2017; GONTIJO et al., 2013; DANKNER et al., 2018).
expõem-se o caso clínico e as orientações para o Dentro de tais eixos, apresentam-se os seguin-
desenvolvimento da simulação (indicações so- tes temas para a simulação realística de acordo com
bre o uso de equipamentos, bonecos/manequins cada nível supracitado:
e atores, e a situação clínica dos pacientes).
5) Sessão de simulação: momento em que ocorre A) NÍVEL 1 (DO PRIMEIRO AO QUARTO ANO DE
o desenvolvimento da cena. Prepara-se o am- GRADUAÇÃO)
biente previamente para a reprodução da rea-
1. Saúde pública no Brasil/SUS
lidade clínica da forma mais fidedigna possível.
• Discussão da história da saúde pública no Brasil.
6) Feedback ou debriefing: revisão da simulação
• Reconhecimento dos princípios do SUS.
mediada pelos “facilitadores” (docentes e de-
• Reconhecimento dos princípios da atenção pri-
mais presentes) com o objetivo de analisar e
mária à saúde (APS).
sintetizar as ações desenvolvidas para um me-
• Demonstração de capacidade de trabalhar em
lhor desempenho. É importante a devolutiva
equipe multidisciplinar na APS.
imediata aos erros cometidos para que as con-
• Demonstração de conhecimento da rede de assistên-
dutas sejam aprimoradas em um contexto real
cia à saúde (níveis primário, secundário e terciário).
(AUGUSTO; SALVADOR; TONIOSSO, 2019;
• Realização de diagnóstico em saúde de um
ARAÚJO; QUILICI, 2012; RAFAEL et al.,2018.
território.
A literatura aponta como benefício da simulação
2. Processo saúde e doença
realística a construção das competências e do pensa-
• Realização de anamnese e exame físico direciona-
mento crítico por meio da participação ativa do estu-
dos para a epidemiologia da patologia em questão.
dante (RAFAEL et al., 2018; MOTOLA et al., 2013).
• Determinação do processo saúde e doença.
• Diagnóstico de doenças ocupacionais.
• Realização de anamnese e exame físico utili-
2. O USO DA SIMULAÇÃO NA SAÚDE COLETIVA
zando-se de competências culturais.
• Identificação de situação de vulnerabilidade.
A saúde coletiva representa a área do conhecimento
• Diagnóstico de doenças infectocontagiosas.
em saúde que mais apresenta relações de interface
com o serviço público de assistência e incorpora
3. Epidemiologia
saberes de outros profissionais de saúde (NEILE;
• Identificação dos dados epidemiológicos e das
ARAÚJO, 2011. Até o momento é bastante difícil
medidas de frequência em saúde coletiva (me-
encontrar cenários de simulação realística para a
didas de morbidade e mortalidade).
saúde coletiva, no entanto os marcos de competên-
• Identificação da história natural e prevenção
cia em saúde coletiva para a graduação em Medicina
de doenças.
já foram estabelecidos tanto nacional como inter-
• Diferenciação de endemia e epidemia.
nacionalmente (ZANOLLI et al., 2013; CALHOUN;
SPENCER; BUEKENS, 2011).
4. Ética médica
De acordo com a matriz de competências, di-
• Reconhecimento dos princípios da bioética (auto-
videm-se os estudantes em nível 1 (do primeiro ao
nomia, beneficência, justiça e não maleficência).
quarto ano de graduação), nível 2 (internato), nível
• Demonstração de conhecimento dos princípios
3 (R1), nível 4 (R2), nível 5 (R3 ou profissional mé-
éticos de uma pesquisa científica.
dico que necessita de revalidação de diploma) e ní-
• Demonstração de postura ética como estudante
vel 6 (profissional médico experiente) (ZANOLLI et
de Medicina.
al., 2013; CALHOUN; SPENCER; BUEKENS, 2011).

O estado da arte da simulação clínica em Saúde Coletiva 341


• Reconhecimento dos princípios da deontolo- intervenção (situação de violência, surto em
gia médica. escolas etc.).
• Reconhecimento do código de ética médica. • Planejamento de ação de promoção da saúde
• Demonstração de respeito aos princípios da ética para determinado perfil populacional (crian-
médica em relação aos familiares de paciente. ças e adolescentes, mulheres, homens, traba-
lhadores, idosos) em um território específico
B) NÍVEL 2 (INTERNATO) (unidade básica de saúde – UBS).

1. Saúde pública no Brasil/SUS 3. Epidemiologia


• Discussão da história da saúde pública mundial. • Identificação dos tipos de estudos epidemiológicos.
• Reconhecimento das políticas públicas do SUS: • Análise de dados epidemiológicos (incidência, pre-
Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), re- valência, riscos, razões de chances e prevalência).
des de atenção à saúde (RAS) etc. • Análise de variáveis, índices e indicadores (ti-
• Reconhecimento das ações e programas em pos, níveis de mensuração, acurácia validade e
saúde do SUS: Rede Cegonha, Estratégia Saúde reprodutibilidade).
da Família (ESF), Melhor em Casa, Programa • Reconhecimento dos sistemas de informação à
Nacional de Controle do Tabagismo, Consultório saúde e sua aplicabilidade prática.
na Rua etc. • Aplicação dos diferentes níveis de evidência
• Reconhecimento e aplicação dos protocolos científica em uma situação prática.
e das diretrizes do Ministério da Saúde para • Reconhecimento dos programas de rastrea-
as patologias mais prevalentes em território mento e seus níveis de evidência e sua aplica-
brasileiro. ção em situações do cotidiano médico.
• Demonstração de conhecimento dos órgãos de • Reconhecimento dos quatro níveis de prevenção
controle social (conselhos locais e municipais (primária, secundária, terciária e quaternária).
em saúde).
• Planejamento de ação em educação e saúde. 4. Ética médica
• Demonstração de capacidade de trabalhar em • Reconhecimento dos princípios dos cuidados
rede de assistência à saúde (níveis primário, se- paliativos e da ortotanásia.
cundário e terciário). • Demonstração dos princípios de uma prescrição
• Realização de diagnóstico em saúde de um ter- médica apropriada à situação clínica.
ritório e elaboração de um plano de ação. • Reconhecimento da legislação e demonstração
• Reconhecimento das diferentes áreas de vigi- de compromisso ético em situações profissionais
lância em saúde e seus campos de ação. vivenciadas (redes sociais e atestado médico).
• Demonstração de conhecimento da indicação de • Demonstração dos princípios da ética mé-
visita domiciliar e sobre como realizá-la. dica na relação médico-paciente com pessoas
• Reconhecimento do sistema de regulação de vagas. vulneráveis.
• Reconhecimento das doenças de notificação • Reconhecimento das normas de biossegurança
compulsória e notificação de forma correta. no trabalho cotidiano.
• Reconhecimento dos próprios limites de atuação
2. Processo saúde e doença e do limite terapêutico em uma situação clínica.
• Realização de anamnese e exame físico consi- • Demonstração do respeito à confidencialidade
derando os contextos social, familiar e ocupa- do paciente em uma situação clínica.
cional do paciente. • Demonstração de domínio de estratégias de
• Estabelecimento de projeto terapêutico singular aconselhamento e de comunicação de más
(PTS). notícias.
• Diagnóstico e tratamento de doenças ocupacionais. • Demonstração de capacidade de elaboração do
• Identificação de situação de vulnerabilidade, consentimento informado e esclarecido.
grupos vulneráveis e linha de cuidado. • Demonstração de conhecimento sobre o preen-
• Reconhecimento da lista de doenças de notifi- chimento correto dos registros médicos (pron-
cação compulsória e planejamento de ação de tuário, formulários de pedidos de exames, en-
caminhamentos e contrarreferência).

342 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Demonstração de conhecimento sobre o preen- • Demonstração de capacidade em avaliar a alo-
chimento correto do atestado de óbito. cação de recursos em saúde.
• Demonstração de capacidade em avaliar a aten-
C) NÍVEL 3 (R1) ção à saúde considerando a relação custo-efeti-
vidade e a disponibilidade de recursos.
1. Saúde pública no Brasil/SUS • Demonstração de capacidade em argumentar
• Discussão dos sistemas de saúde em ou- sobre implementação dos programas de rastre-
tros países, comparando-os em estrutura e amento e seus níveis de evidência.
funcionamento. • Demonstração de capacidade de discutir pre-
• Criação de protocolos internos (UBS) para uma venção quaternária com sua equipe de saúde.
situação clínica do território.
• Planejamento de ações de vigilância para uma 4. Ética médica
determinada situação do território. • Demonstração de capacidade em atuar consi-
• Demonstração de conhecimento sobre os tipos derando a diversidade e singularidade de seus
de financiamento no âmbito do SUS. pacientes, tomando decisões compartilhadas.
• Demonstração de capacidade de gestão de uma • Demonstração de capacidade de trabalho em
equipe multidisciplinar na atenção primária. equipe e liderança.
• Demonstração de capacidade em coordenar dis- • Demonstração de capacidade de comunicar-se
cussões com profissionais de outros equipamen- de forma ética, efetiva e profissional com os pa-
tos da rede de saúde e interdisciplinar. cientes, os familiares e a equipe de saúde nas
• Demonstração de capacidade em avaliar os pla- mais diversas situações clínicas.
nos de intervenção no território (local e muni- • Demonstração de capacidade de comunicar-
cipal) considerando o perfil epidemiológico. -se de forma ética e profissional com a mídia.
• Organização da linha de cuidado na atenção pri- • Demonstração de capacidade em emitir atesta-
mária em uma UBS. dos de acordo com a legislação vigente.
• Demonstração de utilização do indicador de in- • Demonstração de capacidade em organizar ca-
ternação por condições sensíveis à APS na ava- sos clínicos para discussões éticas.
liação das condições de saúde.
• Articulação do cuidado com os diferentes ní-
veis de atenção à saúde.
D) NÍVEL 4 (R2)

2. Processo saúde e doença 1. Saúde pública no Brasil/SUS


• Demonstração de recomendação de ações de • Demonstração de capacidade de gestão de uma
saúde específicas para um paciente ou para uma UBS.
população, estabelecendo a linha de cuidado. • Reconhecimento dos âmbitos de gestões muni-
• Planejamento de ações de saúde específicas para cipal e estadual do sistema de saúde.
cada grupo vulnerável. • Demonstração de capacidade de desenvolver
• Planejamento de ações para prevenção ou con- protocolos no âmbito municipal.
tenção de doenças infectocontagiosas. • Demonstração de capacidade em propor ações
• Demonstração de capacidade em diagnosticar de vigilância em níveis municipal e regional para
as necessidades em saúde de uma população, diversos agravos em saúde.
em um determinado território. • Demonstração de capacidade em propor ações
de educação em saúde de forma intersetorial.
3. Epidemiologia • Demonstração de capacidade de gestão de uma
• Demonstração de capacidade de construção e equipe multidisciplinar em qualquer nível de
interpretação do índice endêmico. atenção.
• Identificação da distribuição de danos e agra- • Demonstração de capacidade em propor pla-
vos em função do tempo, da pessoa e do lugar. nos de intervenção adequados ao território re-
• Demonstração de capacidade em analisar epi- gional, inclusive em áreas de pouco recursos.
demiologicamente os sistemas de saúde. • Demonstração de capacidade em organizar a li-
nha de cuidado na atenção primária de um dis-

O estado da arte da simulação clínica em Saúde Coletiva 343


trito de saúde ou do município, utilizando com- • Demonstração de capacidade de desenvolver
petências culturais. protocolos no âmbito nacional.
• Demonstração de capacidade em organizar o • Demonstração de capacidade em propor ações
fluxo de atendimento da atenção primária no de vigilância em níveis estadual/nacional para
município. diversos agravos em saúde.
• Demonstração de capacidade em realizar apoio • Demonstração de capacidade em propor ações
matricial. para estimular o controle social.
• Demonstração de capacidade em planejar e co- • Demonstração de capacidade em propor políti-
ordenar ações de vigilância em saúde. cas públicas que promovam ações de educação
em saúde, valorizando as competências cultu-
2. Processo saúde e doença rais de cada território.
• Demonstração de capacidade em utilizar os da- • Demonstração de capacidade em planejar e es-
dos do território e as pesquisas existentes para truturar o trabalho multidisciplinar, reconhe-
realizar planejamento de saúde. cendo as peculiaridades dos diversos serviços
• Demonstração de capacidade em planejar polí- de saúde e dos diversos níveis de atenção.
ticas e programas de saúde para intervir em si- • Demonstração de capacidade em desenvolver
tuações específicas de saúde pública (situações políticas públicas de intervenção.
de violências, surto em escolas, entre outras). • Demonstração de capacidade em desenvolver
protocolos para a linha de cuidado na atenção
3. Epidemiologia primária.
• Demonstração de conhecimento das estratégias • Demonstração de capacidade em implementar
metodológicas para investigação de processo de a APS nos diferentes settings.
saúde e doença. • Demonstração de capacidade de organizar o
• Demonstração de capacidade em propor im- fluxo de atendimento nos diferentes níveis de
plementação dos programas de rastreamento atenção à saúde.
de acordo com níveis de evidência atualizados. • Demonstração de capacidade em desenvolver
• Demonstração de capacidade em propor pro- protocolos para implementação de ações de vi-
tocolos de acordo com níveis de evidência em gilância em saúde.
prevenção quaternária.
• Demonstração de conhecimento em amostra- 2. Processo saúde e doença
gem para inquéritos populacionais. • Demonstração de capacidade em preparar ações de
saúde em casos de emergências em saúde pública
4. Ética médica (epidemias e catástrofes naturais).
• Demonstração de capacidade em realizar deli-
berações éticas em uma equipe de saúde. 3. Epidemiologia
• Demonstração de capacidade em realizar pes- • Demonstração de conhecimento em planejar ações
em saúde.
quisas populacionais respeitando os princípios
• Demonstração de capacidade em elaborar/aprimo-
da ética.
rar sistemas de informação de saúde.
• Demonstração de capacidade em promover dis- • Demonstração de capacidade de resposta rápida a
cussões sobre ortotanásia com a equipe de saúde grandes eventos de agravo à saúde.
e a comunidade. • Demonstração de capacidade em propor e planejar
programas de rastreamento de acordo com níveis
E) NÍVEL 5 (R3 OU REVALIDAÇÃO) de evidência atualizados.
• Demonstração de conhecimento em elaborar pro-
1. Saúde pública no Brasil/SUS tocolos de acordo com níveis de evidência em pre-
• Demonstração de capacidade de coordenação da venção quaternária.
gestão municipal de saúde de forma independente.
• Demonstração de capacidade em implementar 4. Ética médica
ações nas gestões estadual e nacional. • Demonstração de capacidade em coordenar
• Reconhecimento dos âmbitos de gestões muni- pesquisas populacionais respeitando os prin-
cipal e estadual do sistema de saúde. cípios da ética.

344 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Demonstração de capacidade em coordenar pro- 4. Ética médica
cessos deliberativos (nos casos de conflitos éticos). • Demonstração de capacidade em coordenar pes-
• Demonstração de capacidade em elaborar car- quisas populacionais nacionais, multicêntricas
tilha para os pacientes e familiares sobre seus ou globais respeitando os princípios da ética.
direitos como cidadãos.

F) NÍVEL 6 (ESPECIALISTA)

1. Saúde pública no Brasil/SUS 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS


• Demonstração de capacidade em participar de
discussões e decisões em saúde em nível global. A formação em medicina vem passando por trans-
• Demonstração de capacidade de desenvolver formações nos últimos anos, visando a um melhor
protocolos no âmbito global. treinamento dos alunos a fim de garantir a segu-
• Demonstração de capacidade de desenvolver políti- rança do paciente. A simulação em saúde coletiva
cas e protocolos em consonância com os movimen- vem sendo utilizada na graduação, nas provas de
tos de deslocamento e o contexto global de saúde. residência e no Exame Nacional de Revalidação
• Demonstração de capacidade em desenvolver de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição
protocolos para estabelecer o fluxo de atendi- de Educação Superior Estrangeira (Revalida). A
mento nos diferentes níveis de atenção à saúde. pandemia da coronavirus disease 2019 (Covid-19)
levou-nos a reavaliar os modelos existentes e pen-
2. Processo saúde e doença sar em outros modelos de simulação.
• Demonstração de conhecimento atualizado em
Com todas as mudanças que vimos enfrentando
relação aos protocolos, às mudanças climáticas
e aos determinantes sociais em saúde. nos âmbitos local e mundial, é necessário garantir
que a simulação em saúde coletiva continue abran-
3. Epidemiologia gendo não apenas elementos da epidemiologia, dos
• Demonstração de capacidade em coordenar determinantes sociais, das políticas de saúde, mas
ações em saúde em alcances local e global. também elementos de saúde global e planetária.

4. REFERÊNCIAS virtual de avaliação de competências no manejo de


diabetes mellitus. Revista Brasileira de Educação
Médica, v. 39, n. 3, p. 470-478, 2015.
ARAÚJO, A. L. L. S.; QUILICI, A. P. O que é simulação e
por que simular. In: Simulação clínica: do conceito à KANEKO, R. M. U; LOPES, M. H. B. de M. Realistic
aplicabilidade. Quilici A.P.. São Paulo: Atheneu, 2012. p. 1-16. health care simulation scenario: what is relevant for
its design? Revista da Escola de Enfermagem da
AUGUSTO, C.; SALVADOR, D. B., TONIOSSO, J. P.
USP, v. 53, p. 1-8, 2019.
Simulação realística, estratégia metodológica para a
formação de profissionais na área da saúde: uma revisão LOIOLA, A. A.; CYRINO, E. G.; ALEXANDRE, F. L. F.
integrativa. p. 58-64, 2019. AUGUSTO, C.; SALVADOR, Competências e habilidades nos currículos da graduação
D. B., TONIOSSO, J. P. Revista Brasileira de Educação em saúde coletiva no Brasil. Revista Baiana de Saúde
e Saúde; Vol 9, No 4. Pública, v. 41, n. 1, p. 81-97, 2017.
CALHOUN, J. G.; SPENCER, H. C.; BUEKENS, P. MOTOLA, I. et al. Simulation in healthcare education:
Competencies for global heath graduate education. A best evidence practical guide. AMEE Guide No. 82.
Infect Dis Clin North Am. v. 25, p. 575-592, 2011 doi: Med Teach n. 82, p. 142-159, 2013.
10.1016/j.idc.2011.02.015. PMID: 21896359.
NEILE, M.; ARAÚJO, T. de. Definição do perfil de
DANKNER, R et al. Implementation of a competency- competências em saúde coletiva a partir da experiência
based medical education approach in public health de cirurgiões-dentistas atuantes no serviço público.
and epidemiology training of medical students. Israel Ciênc. saúde coletiva ; 16(supl.1): 1181-1189, 2011
Journal Health Policy Research, v. 7, n. 1, p. 7-13, 2018.
RAFAEL, H. et al. Aprender com a simulação de alta
GONTIJO, E. D. et al. Matriz de competências essenciais fidelidade. Ciênc. saúde colet. 23 (1),p 51-60 Jan 2018
para a formação e avaliação de desempenho de
estudantes de medicina. Revista Brasileira de ZANOLLI, M. B. et al. “Internato médico”: Diretrizes
Educação Médica, v. 37, n. 4, p. 526-539, 2013. Nacionais da Abem para o internato no curso de
graduação em medicina, de acordo com as Diretrizes
ILVA, E. C.; TALEB, A. C.; COSTA, N. M. S. C. Ambiente Curriculares Nacionais. p. 57-85, 2013.

O estado da arte da simulação clínica em Saúde Coletiva 345


CA P Í T U L O 10 .3

NOTA: protótipos, manequins e


simuladores não são necessários
quando se prática simulação em
saúde coletiva

346
Hermila Tavares Vilar Guedes
Médica Pediatra
Professora da Universidade do
Estado da Bahia - UEBA
Diretora técnica do Curso de
Simulação ABEM-EBSERH

Ressaltamos que é importante não confundir as ção, regulação, e resolução de problemas de saúde
competências elencadas na área de Saúde Coletiva nas comunidades.
com aquelas próprias da Medicina de Família e Então, para treinamento e avaliação de habi-
Comunidade (no caso de cursos médicos) ou com lidades e atitudes, o material necessário resume-
a área de Saúde da Família (quando se trata dos de- -se a documentos, formulários (físicos ou eletrô-
mais cursos da área de saúde). nicos), além do material inespecífico que o cenário
Em Saúde Coletiva, o treinamento prático (e escolhido solicita; sempre lembrando que o obje-
consequentemente a avaliação de habilidades), di- tivo não é o exame físico ou o procedimento téc-
ferentemente das áreas clínicas, não envolve a rea- nico no paciente.
lização de exames ou procedimentos no paciente. Praticar ensino de SC através de simulação apre-
Assim, a simulação em SC deve concentrar esfor- senta um importante aspecto positivo, representado
ços nas diversas e importantes situações em que pela possibilidade de simular cenários variados e
as competências próprias da área são necessárias abre um enorme leque de situações que jamais se-
para a condução de necessidades, como normatiza- riam treinadas de forma efetiva, em cenário real.

NOTA: protótipos, manequins e simuladores não são


necessários quando se prática simulação em saúde coletiva 347
CA P Í T U L O 10 .4

O ensino de graduação, treino de


habilidades e uso da simulação
em enfermagem na
Saúde Coletiva

348
Raphael Raniere de Oliveira Costa Diego Bonfada
Enfermeiro Enfermeiro
Mestre e Doutor em Enfermagem Doutor em Saúde Coletiva
Docente - Escola Multicampi de Ciências Docente da Escola Multicampi de
Médicas do Rio Grande do Norte Ciências Médicas do Rio Grande do
Universidade Federal do Rio Norte – EMCM Universidade Federal
Grande do Norte – UFRN do Rio Grande do Norte – UFRN

Soraya Maria de Medeiros


Enfermeira
Doutora em Enfermagem
Docente do Departamento de
Enfermagem – UFRN

1. INTRODUÇÃO valores intrínsecos à profissão em um mundo pós-


-moderno (FROTA et al., 2020).
As escolas de Enfermagem têm buscado, cada Sabe-se que a enfermagem em saúde coletiva
vez mais, diversificar estratégias de ensino e apren- (SC) contribui, de forma significativa, para a for-
dizagem que atendam às necessidades de forma- mação de profissionais habilitados a trabalhar no
ção requeridas pela sociedade, acompanhando um Sistema Único de Saúde (SUS), em diferentes cam-
contexto de mudanças que marcam a formação pos e níveis de atuação profissional. Em razão disso,
em saúde no início do século XXI (COSTA et al., o profissional enfermeiro é o principal agente ca-
2015, 2016). talisador de políticas públicas relacionadas à SC
Com isso, é importante destacar que há notáveis (SOUZA et al., 2017).
avanços na formação do enfermeiro, sobretudo nas O trabalho em SC, sobretudo no contexto da
últimas décadas. Esses avanços caminham na pers- Estratégia Saúde da Família (ESF), contribuiu para
pectiva da construção de uma visão integrada, com- a redefinição da identidade e valorização do profis-
plexa e inovadora sobre o saber e o fazer em saúde. sional enfermeiro. Entretanto, é indispensável que
Esse processo é permeado por um movimento de a prática da enfermagem seja apoiada no marco te-
reformulações curriculares que buscam a forma- órico da SC, em especial no contexto da atenção
ção de um profissional generalista, por meio de primária à saúde (APS), em que ainda se observa a
uma prática pedagógica articulada com o ensino hegemonia do modelo biomédico e tecnicista du-
baseado em competência, compreendida como a rante a prestação e o gerenciamento do cuidado em
articulação entre saberes, habilidades atitudes e saúde (REGIS; BATISTA, 2015).

O ensino de graduação, treino de habilidades e uso da simulação


em enfermagem na Saúde Coletiva 349
Portanto, é indispensável que o ensino de SC, apontam para a existência de atividades desenvol-
durante a graduação, seja instrumentalizado pelo vidas em estágios de SC no ensino de enfermagem
entendimento de conceitos-chave desse campo de calcadas em conteúdo de ciências biológicas com
saberes e práticas. Isso implica o desenvolvimento forte influência na assistência de enfermagem, a
de competências, com destaque para as habilidades reprodução de técnicas biomédicas, a inexistên-
necessárias ao processo de trabalho no âmbito da cia de articulação entre teoria e prática, e fragili-
SC, sem que isso promova um privilégio ao ensino dades nas parceria entre os serviços e os docentes
de procedimentos, o que reforçaria o modelo de nas atividades de ensino nos campos de práticas
atuação vigente (REGIS; BATISTA, 2015). (DAMIANCE et al., 2016).
Entende-se por competência a capacidade de- Para que se possam adquirir competências e ha-
corrente de profundo conhecimento que alguém bilidades, é importante que se faça uso de diferen-
tem sobre um assunto. É um conjunto de habilida- tes estratégias de ensino e aprendizagem. Nesse
des, saberes, conhecimentos e atitudes. Já o conceito contexto, destaca-se o uso das metodologias ati-
de habilidade está relacionado à demonstração de vas (MA). Porém, sabe-se que no ensino de enfer-
destrezas e capacidades (DICIONÁRIO ONLINE magem em SC ainda há uma predominância do uso
DE PORTUGUÊS, 2021). de estratégias mais tradicionais (JEFFRIES, 2015;
Esperam-se dos profissionais de saúde competên- MEDEIROS et al., 2017; COSTA et al., 2020a). Nesse
cias em três domínios, a saber: conhecimento, habili- sentido, destacamos a importância e necessidade de
dades e atitudes, além de competências clínicas e não compartilhamento de outras perspectivas e novos
clínicas (SAUPE et al., 2007; SILVA, FELIX; 2007; horizonte nas concepções e práticas de ensinar e
SILVA; TANAKA, 1999). Como sabemos, as Diretrizes aprender que podem contribuir para uma mudança
Curriculares Nacionais (DCN) para o Ensino de positiva dessa realidade.
Graduação em Enfermagem definem os princípios, Nessa perspectiva, este capítulo tem por obje-
os fundamentos, as condições e os procedimentos da tivo compartilhar expertises para o treino de habi-
formação de enfermeiros. Nesse documento, definem- lidades e o uso da simulação clínica no ensino de
-se ainda competências e habilidades gerais, a saber: enfermagem em SC. Para tanto, os autores apresen-
atenção à saúde, tomada de decisões, comunicação, tam conceitos, esquemas representativos, experi-
liderança, administração e gerenciamento, e educa- ências e recomendações para boas práticas nessa
ção permanente (BRASIL, 2001). área de conhecimento.
Para o trabalho de enfermagem em SC, são ne-
cessárias múltiplas competências. Entretanto, é
importante considerar que elas nem sempre estão
claras. As DCN também não definem o rol de com- 2. DESENVOLVIMENTO
petências na área. Logo, há uma dificuldade em ali-
2.1. AS METODOLOGIAS ATIVAS E O ENSINO
nhar essa demanda aos projetos pedagógicos dos DE ENFERMAGEM EM SAÚDE COLETIVA
cursos. Entretanto, há esforços de pesquisadores
para a definição dessas competências (REGIS;
BATISTA, 2015). De modo mais geral, as MA de ensino e aprendiza-
Diversas competências circundam as práticas gem são classificadas em: Aprendizagem Baseada
desenvolvidas nos serviços, desde competências em Problemas (ABP) e problematização. Ambas
gerais, relacionadas ao conceito de saúde, continui- possuem como característica principal o processo
dade e integralidade do cuidado, ao uso de sistema educativo centrado no estudante. Têm como pres-
supostos a aprendizagem significativa, a indissocia-
de informações e às práticas em equipe, até as práti-
bilidade entre teoria e prática, o respeito à autono-
cas e os saberes orientados para a atenção à família.
mia do estudante, o trabalho em pequenos grupos,
É importante destacar que o preparo pedagógico a educação permanente e a avaliação contínua e
do docente tem influência direta na formação de formativa (MITRE et al., 2008). Na Figura 1, apre-
profissionais de saúde. Embora se tenha avançado sentamos exemplos de métodos e estratégias de en-
em alguns aspectos, como a ampliação de práticas sino e aprendizagem que fazem uso da problema-
pedagógicas e melhoria dos currículos, pesquisas tização e da ABP.

350 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Visitas técnicas
aos cenários de
prática

Sala de situação

Problematização Júri simulado

O Arco de
Charles e
Maguerez

Teatro de
improviso

Simulação
clínica

Estudo de caso

Aprendizagem
Aprendizagem
Baseada em
Baseada em Times
Problemas (ABP)

Aprendizagem
Baseda em
Projetos

PBL

Figura 1. Métodos e estratégias de ensino e aprendizagem baseados na problematização e na ABP.


Fonte: Elaborada pelos autores.

No contexto do ensino de enfermagem em SC, os que o estudante de Enfermagem, durante a sua for-
métodos e as estratégias da Figura 1 podem e de- mação, precisa adquirir para que possa trabalhar
vem ser utilizados. A escolha depende dos objeti- com a SC no contexto da APS.
vos de aprendizagem, das competências previstas Não há um consenso sobre essas competências.
nas ementas e dos currículos. Cabe ao docente es- Entretanto, alguns estudos apontam para compe-
colher, planejar, executar e avaliar a pertinência e tências gerais e competências específicas. Um es-
os desfechos de suas escolhas. Nesse processo, os tudo de doutorado identificou um conjunto des-
estudantes e colaboradores, como sujeitos ativos, sas competências para a prática da enfermagem
podem contribuir nas discussões sobre o plano de na APS (WITT, 2005). Essas competências estão
ensino e sugerir modificações de acordo com as ancoradas em domínios, a saber: valores profissio-
aspirações e expectativas individuais e coletivas. nais, comunicação, trabalho em equipe, gerência,
orientação à comunidade, promoção da saúde, re-
solução de problemas, atenção à saúde, educacio-
3. COMPETÊNCIAS DE ENFERMAGEM EM SAÚDE nal e ciências básicas da saúde pública. O Quadro 1
COLETIVA apresenta uma síntese dos resultados de alguns es-
tudos e iniciativas, bem como da expertise dos au-
Como sabemos, a formação por competências tores, nesse contexto de competências gerais e es-
é orientada pelas DCN. Há diversas competências pecíficas da enfermagem em SC.

O ensino de graduação, treino de habilidades e uso da simulação


em enfermagem na Saúde Coletiva 351
Quadro 1 – Competências gerais e específicas de enfermagem em saúde coletiva – Caicó, 2021.

352
COMPETÊNCIAS GERAIS

• Buscar na ética os valores e princípios para sua atuação. • Atuar no SUS e compreender e fo- • Reconhecer os três níveis de atenção à saúde, os equi-
• Promover o comprometimento com a saúde, como di- mentar políticas públicas de saúde. pamentos sociais e as especificidades da rede interse-
reito individual e coletivo. • Gerenciar serviços de saúde e traba- torial local.
• Responsabilizar-se pela atenção à saúde e contribuir lhar numa perspectiva interdiscipli- • Reconhecer as interfaces, os limites e as possibilidades
para a sua organização. nar, intersetorial e multiprofissional. da atuação específica da profissão em cada cenário de
• Identificar-se com o trabalho. • Contribuir com a consolidação da prática e nível de atenção à saúde.
• Utilizar instrumentos de comunicação. ESF. Compreender o processo saúde- • Agir com base na ética e na legislação pertinente à profissão.
• Saber ouvir o usuário. -doença e seus determinantes. • Buscar atualização constante em matérias de conheci-
• Adotar uma perspectiva interdisciplinar. • Desenvolver ações visando ao cui- mentos específicos da profissão.
• Organizar. dado integral. • Atuar com base nas melhores evidências científicas e le-
• Organizar seu processo de trabalho de forma articulada • Realizar atividades de educação em var em consideração a ética das relações humanas e os
com a equipe de saúde. saúde. princípios da bioética.
• Integrar a equipe na constituição do planejamento e na • • Aplicar os princípios constitucionais e organizativos do
avaliação das ações de saúde. SUS durante o exercício da profissão, em diferentes equi-
• Ser capaz de assumir a gerência e a gestão do serviço pamentos sociais, espaços e serviços públicos de saúde.
de saúde. • Fazer uso das orientações e dos protocolos desenvolvi-
• Trabalhar com a perspectiva da vigilância da saúde. dos pelas vigilâncias em saúde.
• Conhecer a comunidade e com ela estabelecer e man- • Reconhecer o papel do controle social e a relevância da
ter vínculos. participação social no SUS.
• Desenvolver ações de prevenção de doenças e prote- • Promover ações de vigilância.
ção da saúde.
• Compreender a dimensão coletiva dos problemas de
saúde.

Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


• Identificar os problemas de saúde.
• Compreender a dimensão coletiva dos problemas de
saúde.
• Priorizar casos urgentes.
• Buscar a resolubilidade.
• Trabalhar com grupos, respeitar e interagir com dife-
renças culturais.
• Demonstrar iniciativa.
• Prestar atendimento integral dentro dos princípios do
SUS.
• Demonstrar conhecimento dos problemas e das neces-
sidades de saúde da população, bem como dos seus con-
dicionante e determinantes sociais.
COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS

• Atuar com autonomia. • Desenvolver pesquisas e sistemati- • Conhecer o SUS.


• Coordenar a equipe de enfermagem. zação da assistência da enfermagem. • Reconhecer e aplicas, em diferentes contextos de práti-
• Planejar e sistematizar a assistência de enfermagem. • Desenvolver habilidades específicas cas, os princípios constitucionais e organizativos do SUS.
• Supervisionar e apoiar a equipe de enfermagem. como visão crítica e reflexiva, lide- • Participar de atividades em diferentes equipamentos so-
• Articular a educação em saúde à sua prática cotidiana. rança, capacidade organizativa, ca- ciais e de saúde vinculados ao SUS.
• Promover a saúde de indivíduos, família e comunidade. pacidade de educação permanente, • Desenvolver as habilidades técnicas da enfermagem com
• Coordenar ações educativas na comunidade e na uni- envolvimento político e comprome- base nos protocolos de vigilância.
dade de saúde. timento social. • Representar, como profissional de saúde, os interesses da
• Realizar consulta de enfermagem. área nos conselhos e nas conferências de saúde.
• Promover educação continuada/permanente em • Conhecer conceitos e princípios da ética e da bioética.
enfermagem. • Conhecer o código de ética da profissional.
• Demonstrar capacidade de acolhimento e sensibilidade. • Identificar limites e possibilidades da profissão (enferma-
• Prestar cuidado domiciliar de enfermagem. gem) e das demais profissões da saúde.
• Agir com respeito à vida, à dignidade e aos direitos da pes-
soa humana, em todo o seu ciclo vital, sem discriminação
de qualquer natureza.
• Exercer suas atribuições/atividades com justiça, compe-
tência, responsabilidade e honestidade.
• Participar de capacitações (e promovê-las) – para a equipe
de saúde e enfermagem – relacionadas às necessidades
educacionais identificadas e aos problemas de saúde mais
prevalentes e/ou urgentes.
• Analisar as melhores evidências científicas referentes às
intervenções em saúde, refletir sobre elas, compartilhá-las
com a equipe de saúde e aplicá-las em diferentes ciclos de
vida e condições de saúde individual e coletiva.
• Conhecer e diferenciar os três níveis de atenção à saúde.
• Identificar as atribuições específicas do enfermeiro e re-
lacioná-las ao exercício da profissão nos três níveis de
atenção à saúde.
• Conhecer a rede intersetorial local.
• Exercer a profissão e realizar os cuidados de enfermagem
– privativamente ou como integrante da equipe de saúde
– em diferentes serviços e níveis de complexidade, dentro
da rede intersetorial, de acordo com as necessidades de

em enfermagem na Saúde Coletiva


O ensino de graduação, treino de habilidades e uso da simulação
saúde da população.
Fonte: Witt (2005). Fonte: Regis e Batista (2015). • Fonte: Elaborado pelos autores.

353
Embora haja um leque de competências, estudos processo de trabalho em saúde, quais sejam: com-
apontam para uma maior frequência de abordagens petências comuns e colaborativas. É importante
de algumas competências no contexto do ensino de destacar que, na enfermagem, esse conhecimento
enfermagem, as quais são as relativas à prestação de é bastante recente e requer um aprofundamento
assistência com base na ética, no compromisso e na teórico mais cuidadoso. Poucos são os estudos que
responsabilização para com a saúde dos cidadãos e
têm se debruçado sobre marcos de competências e
com os serviços, bem como aquelas voltadas para a
Entrustable Professional Activities (EPA).
identificação de problemas e necessidades de saúde
(FRACOLLI; CASTRO, 2012). Nessa perspectiva, com o objetivo de norteá-los
na construção dos marcos de competências e das
EPA, iniciamos um exercício do pensar sobre essas
competências no contexto da saúde da SC. É impor-
4. COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS, COMUNS E
COLABORATIVAS DE ENFERMAGEM EM SAÚDE tante destacar também que as competências traça-
COLETIVA: UM EXERCÍCIO DE APROXIMAÇÃO das são exemplos que podem servir de norte para
a organização do processo ensino-aprendizagem.
Pensar em competências é um exercício que requer Entretanto, a partir da vivência no serviço, da ex-
um esforço intelectual e uma compressão global so- periência profissional e da realização de pesquisas
bre cada profissão da área da saúde, em específico, posteriores, essas competências podem ser amplia-
sobre as interfaces entre elas e sobre as dimensões das e validadas cientificamente. O Quadro 2 apre-
do que se considera responsabilidade coletiva do senta os marcos de competências e EPA.

354 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 2. Competências comuns, colaborativas e específicas da enfermagem no contexto da saúde coletiva – Caicó, 2021.

MARCO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA COMUM COMPETÊNCIA ESPECÍFICA
COMPETÊNCIA COLABORATIVA
Compreende os fundamentos Exerce as atribuições que Estudantes e profissionais se Nível 1 – Anos iniciais da formação
da atenção primária lhe são conferidas pela envolvem ativamente com Conhece a Pnab.
reconhecendo a Política Pnab e por outras políticas os demais colegas de outras Conhece políticas e programas relacionadas à SC.
Nacional de Atenção Básica relacionadas à SC. profissões para planejar e
(Pnab) e seus dispositivos. Participa do processo de executar ações de saúde Nível 2 – Estágio supervisionado
educação permanente com base nos objetivos, nos Desenvolve, sob supervisão, ações de saúde específicas
em saúde. princípios e nas diretrizes relacionadas a políticas e programas estratégicos e da SC
de políticas e programas de (acompanhamento do crescimento e desenvolvimento
Realiza visitas domiciliares saúde da atenção básica. da criança, consulta pré-natal, entre outros.).
e participa de grupos Participa das atividades de supervisão, do planejamento,
educativos e de promoção Age de forma planejada e dentro da execução e da avaliação de ações/intervenções
da saúde, como forma de da perspectiva do trabalho relacionadas à SC com outros profissionais e estudantes.
complementar as atividades colaborativo, para atingir
clínicas para populações mais objetivos e metas nacionais, Deficiências críticas
vulneráveis a determinadas estaduais e locais relacionadas Não conhece a Pnab, outras políticas e
situações priorizadas aos indicadores de saúde e programas relacionados à SC.
pela equipe de saúde. melhoria da saúde da qualidade Não identifica as atribuições específicas do profissional
de vida/saúde da população. enfermeiro no contexto dos programas de saúde.
Apresenta fragilidades, do ponto de vista de
competências e habilidades (técnicas e não
técnicas) específicas do enfermeiro, para
desenvolver o cuidado destinado a diferentes
grupos populacionais e ciclos de vida.

Nível 3 – Profissional
Aplica o processo de enfermagem, nas diferentes
ações de saúde previstas nos programas e nas políticas,
como instrumento metodológico para planejar,
implementar, avaliar e documentar o cuidado em
diferentes grupos populacionais e ciclos de vida.

em enfermagem na Saúde Coletiva


O ensino de graduação, treino de habilidades e uso da simulação
Garante o pleno desenvolvimento dos programas de
atenção, a partir da realização de ações, individuais
e com a equipe de saúde, na atenção básica.

355
Continuação quadro 2...

356
Identifica os determinantes Reconhece a relação saúde/ Estudantes e profissionais se Nível 1 – Anos iniciais da formação
sociais, considera os doença e a influência envolvem ativamente com
contextos político, cultural, dos condicionantes e os demais colegas de outras Conhece os conceitos e a relação saúde/doença.
econômico e climático que determinantes sociais, profissões para planejar Identifica os condicionantes e determinantes
influenciam o processo bem como dos contextos ações de saúde com base sociais da saúde e suas implicações/
saúde e doença, estabelece político, cultural, econômico no conhecimento sobre os influências na relação saúde/doença.
linha de cuidado e identifica e climático na saúde de determinantes sociais da saúde, Conhece programas e polícias públicas relacionadas à SC.
as doenças ocupacionais grupos vulneráveis. os contextos político, social, Conhece conceitos da epidemiologia.
e os grupos vulneráveis. econômico, climático e do
Desenvolve ações de processo saúde e doença, para Nível 2 – Estágio supervisionado
Participa na construção do saúde com base no sujeitos, família e comunidade.
perfil epidemiológico da diagnóstico situacional do Identifica as necessidades de saúde de diferentes
área de atuação, assim como território, apoiando-se em Age de forma planejada e grupos populacionais em distintos ciclos de vida.
na atualização periódica dados epidemiológicos, dentro do espírito do trabalho Desenvolve ações de saúde específicas relacionadas
da sala de situação. para diferentes grupos em equipe, de acordo com o a políticas e programas estratégicos e da SC.
populacionais e em que está disposto nas políticas Aplica fórmulas e métodos epidemiológicos de
distintos ciclos de vida. de saúde e nos programas observação/planejamento e execução de ações em SC.
de saúde, para intervir em Participa, sob supervisão, do planejamento, da execução
Aplica políticas e programas situações de saúde pública. e da avaliação de ações/intervenções relacionadas
de saúde para intervir em à SC com outros profissionais e estudantes.
situações específicas de saúde Deficiências críticas
pública para os diferentes Não reconhece as relações entre os determinantes sociais
grupos populacionais da saúde, os contextos político, social, econômico e
e ciclos de vida. climático, e suas influências no processo saúde e doença.

Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem


Não conhece programas e políticas relacionados à SC.
Faz uso de tecnologias e
da epidemiologia para o Nível 3 – Profissional
registro, o acompanhamento, Desenvolve ações específicas para diferentes grupos
a avaliação de dados e o populacionais e ciclos de vida, que pontuam os
planejamento de ações e objetivos de programas e políticas relacionados à SC.
estratégias que contribuam Identifica, analisa, planeja, executa e avalia,
para a resolução de tendo como base a realidade do território e os
problemas individuais e indicadores de saúde, as ações de saúde – com
coletivos em saúde. diferentes contextos – com a equipe de saúde.

Fonte: Elaborado pelos autores.


5. O TREINO DE HABILIDADES NO ENSINO DE As habilidades afetivas envolvem sentimentos e emo-
ENFERMAGEM EM SAÚDE COLETIVA: COMO FAZER?
ções. Elas podem ser trabalhadas, por exemplo, em
estações práticas de comunicação, gerenciamento de
Na enfermagem, a preparação de profissionais para crise e conflitos (BLOOM; KRATHWOHL; MASIA,
o desempenho de habilidades – técnicas e não técni- 1973; BORDENAVE; PEREIRA, 1985). As habilida-
cas – é cada vez mais desafiadora. Nessa perspectiva, des de gestão envolvem principalmente liderança e
a simulação clínica tem sido apontada como aliada tomada de decisão (OUVERNEY; NORONHA, 2013;
nesse processo de qualificação. Estudos relatam o FREITAS; ODELIUS, 2018). As habilidades técnicas
uso desse método para o desenvolvimento de co- também são referenciadas como habilidades moto-
municação, relações interprofissionais, trabalho em ras e envolvem o treino e a prática de procedimentos
equipe, liderança, entre outros (CARVALHO, 2016). (CLARK, 2007; COTRIM et al., 2011). No Quadro 3,
As habilidades não técnicas também são conheci- apresentamos algumas recomendações para o treino
das como habilidades afetivas e habilidades de gestão. de habilidades de enfermagem em SC.
Quadro 3. Recomendações para o treino de habilidades de enfermagem em saúde coletiva – Caicó, 2021.

RECOMENDAÇÕES COMENTÁRIOS
A identificação dessa necessidade perpassa, necessariamente, pela
Identifique a real necessidade do
escolha dos objetivos de aprendizagem, dos recursos e de todas as
treino da habilidade naquele momento
variáveis relacionadas ao seu planejamento, à sua execução e à sua
do curso e/ou da formação.
avaliação.
É importante identificar se a habilidade atingiu os objetivos propostos.
Construa objetivos mensuráveis.
Para tanto, é importante pensar em formas de mensurar o que foi proposto.
Disponibilize o material de
A depender da complexidade do conteúdo, o docente pode disponibilizar
estudo prévio relacionado ao
materiais para estudo prévio semanas antes da habilidade.
objetivo de aprendizagem.
Guias e checklists podem facilitar a compreensão das etapas da
Disponibilize previamente
atividade objeto da habilidade. Além disso, servem como material de
checklist do procedimento e/
apoio para o estudo individual e retorno a espaços como laboratórios
ou roteiro da habilidade.
de habilidades e cenários de prática.
Proceda ao envio dos materiais
com informações referentes à A organização e o envio prévios do desenho da prática de habilidade
organização das estações práticas podem ser bastante úteis para evitar atrasos, faltas de recursos e o
para a equipe do laboratório e/ comprometimento das atividades planejadas.
ou cenário de aprendizagem.
O trabalho em pequenos grupos pode auxiliar o docente na
Trabalhe com pequenos identificação de necessidades individuais de aprendizagem e no
grupos de estudantes. fornecimento de feedback individual e em tempo oportuno. Em uma
turma com 40 estudantes, o docente por fazer opção de trabalhar com
quatro grupos de dez estudantes, em diferentes horários.
Em uma sessão de habilidades, pode ser interessante que o
docente planeje e monte estações práticas com diferentes níveis de
Aposte em múltiplas estações com
complexidade. É importante iniciar com habilidades menos complexas
diferentes graus de complexidade.
e, ao passo que o estudante domina a tarefa, apresentar outras estações
de maior grau de complexidade.
O feedback é um elemento indispensável no processo de ensino e
aprendizagem. Ao passo que o estudante vai progredindo nas atividades/
Forneça feedback.
treino de habilidades, o docente deve fornecer pistas para a melhoria
do desempenho e auxiliá-lo a atingir os objetivos propostos.
Valorize e priorize as avaliações formativas em detrimento das
Realize avaliações. somativas. Também podem ser realizadas as avaliações dos cenários/
estações e a avaliação de retroalimentação.
Fonte: Elaborado pelos autores.

O ensino de graduação, treino de habilidades e uso da simulação


em enfermagem na Saúde Coletiva 357
A Figura 2 apresenta um esquema de organiza- (COSTA, 2018). O objetivo da figura é apresentar, es-
ção de uma sequência de ensino e aprendizagem quematicamente, uma sequência de ensino e apren-
desenvolvida por pesquisadores da Universidade dizagem relacionados a um tópico de enfermagem
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) durante em SC. Além disso, auxilia o leitor na compreen-
a coleta de dados de uma pesquisa de doutorado são do que foi discutido até aqui.

Figura 2. Sequência de ensino e aprendizagem.


Fonte: Elaborada pelos autores.

Chamamos a atenção também para o treino convocação dos participantes de grupos específi-
de habilidades não técnicas. Seguindo a lógica da cos. Por fim, planejar sessões de simulação clínica
Figura 2, também poderia ser ofertada uma sessão para consolidar as habilidades trabalhadas.
de habilidades não técnicas relacionadas à temá-
6. O USO DA SIMULAÇÃO CLÍNICA NO CONTEXTO
tica da vacinação, como uma estação para mapear DO ENSINO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE COLETIVA
grupos prioritários e cobertura vacinal; uma outra
estação prática com o objetivo de transformar es-
Como você já sabe, a simulação clínica é um
ses dados em indicadores; e uma estação para tra-
método que pode ser utilizado nas diversas ciên-
balhar comunicação, apresentar as necessidades
cias (da saúde e de outras áreas), nas diversas es-
identificadas para a equipe de saúde e planejar eta-
pecialidades (no âmbito das ciências da saúde e da
pas para educação em saúde para esclarecer a im-
medicina) e em diferentes contextos e cenários de
portância da vacinação. Também poderia planejar
práticas. Portanto, é importante situar como anda
e executar uma busca ativa de pessoas com calen-
a produção do conhecimento e conhecer as expe-
dário vacinal incompleto, em escolas e/ou com a

358 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
riências a partir do uso da simulação no contexto do ensino de enfermagem em SC, com melhora
da SC. Neste capítulo, entende-se por estado da no desempenho cognitivo, no desenvolvimento
arte um mapeamento das informações, dos co- de satisfação e autoconfiança e na aprendizagem
nhecimentos e das evidências referentes ao fenô- (COSTA, 2018).
meno em discussão. Corroborando esse fato, um estudo envolvendo
De modo geral, no contexto latino-americano, 25 países da América Latina e do Caribe, realizado
a simulação clínica vem crescendo significativa- em 246 escolas (93 de enfermagem), recomenda o
mente – com destaque para os últimos dez anos. desenvolvimento e a implementação de experiências
Em diversos países, há associações com o objetivo clínicas de simulação centrada na APS e a identifi-
de fortalecer as discussões e qualificar os profis- cação de líderes nessa área (CASSIANI et al., 2017).
sionais que realizam investigações sobre esse fe- Na literatura brasileira, há experiências do uso da
nômeno. Essa iniciativa é importante porque essa simulação no contexto da SC, no ensino de imuni-
cooperação contribui para a qualificação dos tra- zação de adultos, no manejo de doenças crônicas e
balhos, o aperfeiçoamento das práticas simuladas na assistência ao idoso institucionalizado (COSTA,
e a pesquisa. Técnicos, docentes e pesquisadores 2014, 2018; COSTA et al., 2019, 2020b).
do mundo todo podem compartilhar ideias, cená- Recentemente, a Associação Brasileira de
rios e informações. Entretanto, pouco se tem pro- Educação Médica (Abem), em parceria com a
duzido do ponto de vista da pesquisa. Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
Há mais de 22 anos se faz simulação na América (Ebserh), ofertou um curso de formação em si-
Latina (CORVETO; RUBIO, 2019). No Brasil, a in- mulação clínica. Durante a formação, foi possível
vestigação sobre simulação clínica ainda é recente, construir diversos cenários na área da SC. Os ce-
porém em crescimento. Não restam dúvidas de que nários poderão ser validados por especialistas e
há muitas experiências exitosas, e cenários realis- publicados posteriormente.
tas e bem estruturados fazem parte do contexto Por se tratar de um método e por ter uma es-
das escolas de Enfermagem em seus programas trutura de formatação e execução bem definidas,
de graduação e residências. Entretanto, as publi- não há recomendações específicas para o ensino
cações referentes a essas experiências ainda são de enfermagem em SC. Docentes e curiosos da
incipientes. área estão convidados a compartilhar suas expe-
De modo geral, no contexto brasileiro, as pu- riências. Porém, apostar em cenários interprofis-
blicações na área da simulação clínica em ciências sionais, quando isso for possível, parece ser pro-
da saúde, em grande maioria, referem-se a estu- missor. Pesquisadores brasileiros têm trabalhado
dos do tipo relato de experiência e nas áreas clí- na validação de escalas específicas para experiên-
nicas e de urgências e emergências. Nas áreas clí- cias clínicas simuladas interprofissionais.
nicas, há grupos de pesquisadores se empenhando Considerando-se o processo de trabalho em
na construção e validação de escalas, na mensura- enfermagem no âmbito da SC, sugerimos a im-
ção de variáveis como satisfação, autoconfiança, portância da introdução da simulação em várias
percepções e desempenho cognitivo e psicomo- práticas específicas da enfermagem, como visita
tor, na construção de simuladores de baixo custo, domiciliar, vacinação, consulta de enfermagem
entre outros. Entretanto, em um contexto mais coletiva e individual e atuação com grupos (ges-
recente, experiências com simulação em SC têm tantes, idosos, entre outros). Também considera-
sido divulgadas na literatura brasileira. mos a possibilidade de inserção nos processos de
Um estudo realizado em 2018 e publicado em educação interprofissional.
2019 investigou as teses e dissertações brasileiras É importante ressaltar que o docente deve se-
que tiveram como objeto de estudo a simulação clí- guir corretamente as orientações das diretrizes
nica. A partir da análise dos documentos, identifi- nacionais e internacionais quanto às etapas e aos
cou-se um total de 43 teses e dissertações. Os estu- processos de planejamento, execução e avaliação
dos analisados foram publicados entre 2010 e 2017, de uma experiência clínica simulada. Além disso,
sendo 28 dissertações de mestrado e apenas 15 te- é importante ter clareza de que, para chegar a uma
ses de doutorado. Quando se trata de simulação em sessão de simulação, o aprendiz precisa passar por
SC, esse número ainda é mais reduzido (OLIVEIRA; etapas anteriores. Isso inclui uma sessão para tra-
MARTINI; CARAVACA-MOREIRA, 2019). balhar os aspectos teóricos/cognitivos (represen-
Entretanto, estudos brasileiros já evidenciam tada pela primeira esfera da Figura 3 e uma ou mais
contribuições importantes do método, no contexto sessões para o treino de habilidades.

O ensino de graduação, treino de habilidades e uso da simulação


em enfermagem na Saúde Coletiva 359
A depender das avaliações realizadas em cada sessão de habilidades –, pode ser importante reforçar
etapa representada na Figura 3, pode ser importante essa dificuldade com estratégias adicionais para que
voltar às etapas já concluídas e/ou revisitá-las. Por ele possa prosseguir e concluir, com êxito, as demais
exemplo: se o docente identifica que o aprendiz possui etapas. Com isso, compartilhamos um esquema, não
dificuldades de compreensão/associação de concei- cíclico, que representa “caminhos” sugeridos e ado-
tos já trabalhados na sessão cognitiva – durante uma tados pelos autores em suas instituições de trabalho.

Experimentação
Exposição Treino de Simulação real/vivência nos
dialogada habilidades clínica cenários de
práticas

Figura 3. Caminhos para a aprendizagem: sequência de estratégias de ensino e aprendizagem para o ensino de enfer-
magem em saúde Coletiva, na perspectiva do uso da simulação clínica.
Fonte: Elaborada pelos autores.

Não há um consenso em relação ao número Quanto à organização da proposta apresentada,


de experiências clínicas simuladas no currículo sugerimos que a subdivisão de semanas seja reali-
de enfermagem. Quando se faz a opção pela si- zada de acordo com a carga horária do módulo/dis-
mulação e por sua inserção no currículo, deve- ciplina. A divisão em blocos de conhecimentos deve
-se atentar para algumas variáveis, a saber: a seguir a aproximação/sequência de conteúdo. Para
capacitação docente para o método, a infraes- cada conteúdo, sessões para contemplar domínios
trutura, os objetivos de aprendizagem, as com- teóricos/cognitivos e o treino de habilidades são
petências e habilidades, o perfil dos estudan- indispensáveis. Para as sessões de simulação, é im-
tes, os componentes curriculares em que serão portante criar cenários referentes aos conteúdos e
incluídas essas práticas e o apoio institucional. às habilidades trabalhados nas semanas anteriores.
Entretanto, especificamente no contexto do en- No que se refere à avaliação a partir da simula-
sino de enfermagem em SC, pode-se fazer muito ção, é importante que esta seja realizada em todas
com pouco recursos. as experiências clínicas simuladas (formativa e so-
É importante destacar também que, sozinha, a mativa). Entretanto, quanto ao emprego de exames,
simulação clínica não consegue dar conta dos ob- o Exame Clínico Objetivo Estruturado (Objective
jetivos, das competências e das habilidades neces- Structured Clinical Examination – OSCE) e o Clinical
sários para a formação dos alunos em cada com- Skills Assessment (CSA) são os mais amplamente
ponente curricular. A diversificação de métodos utilizados.
e estratégias de ensino e aprendizagem é bastante Há que se considerar ainda que as sessões de si-
importante, sobretudo para contemplar diferen- mulação deverão ser avaliadas, e, posteriormente,
tes perfis de estudantes e seus sistemas represen- quando os alunos vivenciarem as práticas em ce-
tacionais preferenciais, que condicionam as suas nários concretos em serviços de saúde, deverão
singularidades na forma de aprender. ser viabilizados encontros entre docentes, estu-
Entretanto, apresentamos uma proposta de or- dantes e colaboradores com o objetivo de identifi-
ganização de um módulo de duas semanas, dois car possíveis adaptações e melhorias do processo
blocos de conhecimento e seis conteúdos, quanto à ensino-aprendizagem, abrindo precedentes para a
inserção da simulação clínica e às avaliações a par- ampliar da inserção desse método em outros pro-
tir da simulação. cessos educativos.

360 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Figura 4. Proposta de organização de um módulo para a inserção de experiências clínicas simuladas.
Fonte: Elaborada pelos autores.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS O uso de MA e da simulação clínica aparece


nesse cenário como uma possibilidade de romper
As transformações curriculares para a graduação com essas limitações e avançar no sentido da reo-
em Saúde/Enfermagem em curso nessas duas dé- rientação do ensino e das práticas de SC, de modo
cadas iniciais do século XXI respondem a dois in- a garantir uma saúde integral, equânime, social-
tensos movimentos de transformação. O primeiro mente responsável e politicamente engajada em
deles trata de mudanças paradigmáticas no modo prol de melhores condições de saúde e de um pro-
de pensar e fazer saúde, em um movimento de reo- jeto de sociedade menos desigual.
rientação de saberes e práticas no sentido da valori- Para tanto, a capacitação docente sobre o uso da
zação e importância do trabalho em equipe, da SC simulação como ferramenta pedagógica valorosa
e do usuário em suas necessidades de saúde como para a SC é uma premissa indispensável. Afinal, as
focos centrais para a organização do cuidado, as- transformações não acontecem somente pela força
sim como da priorização de processos de ensino na das leis, dos decretos ou mesmo das DCN. Eles nor-
teiam todo o processo, mas a transformação de fato
modalidade de educação interprofissional.
acontece no nível micro, ou seja, no dia a dia da sala
O segundo diz respeito ao reconhecimento de
de aula. E, por conta disso, professores e estudan-
todos os limites do ensino tradicional, que superva-
tes devem se engajar na proposta e buscar qualifi-
loriza o conteúdo teórico repassado por um docente,
cação e recursos para estruturação física dos ce-
que, na maioria das vezes, não valoriza o protago-
nários para a concretização do método simulação.
nismo do estudante sobre o seu próprio processo
Ao longo do capítulo, trouxemos discussões e
ensino-aprendizagem.
exemplo que podem ser pertinentes para esse des-
Essas mudanças, ainda em curso, afetam inclu-
pertar. Contudo, cada realidade precisa ser pensada
sive a área da SC, que, mesmo sendo uma área de
em particular no que tange ao que é necessário para
saberes e práticas historicamente alinhadas com
promover a mudança almejada para o ensino das
movimentos contra-hegemônicos, de alguma ma-
competências necessários ao enfermeiro inserido
neira continua perpetuando práticas de ensino e de
em um mercado de trabalho dinâmico e em uma
trabalho em saúde pautadas em um modelo tecni-
sociedade com desafios peculiares.
cista e médico-centrado.

O ensino de graduação, treino de habilidades e uso da simulação


em enfermagem na Saúde Coletiva 361
Destaca-se também a necessidade urgente de cimento das pesquisas que tenham como foco vali-
mudança nas concepções e práticas sobre ensinar e dar, conceituar, refletir, propor e avaliar cenários de
aprender no âmbito da SC, contemplando as dimen- simulação clínica ancorados em bases científicas,
sões epidemiológicas, os condicionantes e determi- teorias educacionais inovadoras e, acima de tudo,
nantes sociais, e as dimensões culturais e climáticas. em um projeto de sociedade e de sistema de saúde
É importante destacar a necessidade do fortale- bem mais sustentável e inclusivo.

8. REFERÊNCIAS da literatura. Revista Baiana de Enfermagem, v.


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O ensino de graduação, treino de habilidades e uso da simulação


em enfermagem na Saúde Coletiva 363
11. SAÚDE DA FAMÍLIA E
COMUNIDADE
CA P Í TUL O 11.1

O ensino da medicina de família


e comunidade na graduação e
residência médica

365
Andrea Taborda Ribas da Cunha
Médica de família e comunidade
Mestra em Saúde da Família pela
Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN)/RENASF
Professora da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN) e da Universidade
Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA)

Fernanda Lazzari Freitas


Médica de família e comunidade
Mestra em Saúde Coletiva pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC)
Coordenadora da residência de medicina
de família e comunidade da Secretaria
Municipal de Saúde (SMS) de Florianópolis

1. INTRODUÇÃO E UM BREVE HISTÓRICO Saúde Comunitária”, mas não havia respaldo nor-
mativo ou legal (FALK, 2004).
A medicina de família e comunidade (MFC), em No ano de 1979, foi criada a primeira residência
comparação às outras especialidades médicas, tem multiprofissional em saúde comunitária, no Centro
uma história recente e, gradativamente, vem ocu- de Saúde Murialdo, derivada da residência em saúde
pando espaço no currículo das escolas médicas bra- comunitária dessa unidade de saúde. Em 1981,
sileiras, concomitante à ampliação e consolidação criou-se a Sociedade Brasileira de Medicina Geral
dos programas de residência nessa área (PRMFC). e Comunitária (SBMGC), a qual permaneceu desati-
A história da especialidade se inicia em 1974 vada até 1985, uma vez que membros da diretoria ha-
com a criação do projeto de um sistema de saúde viam declinado para formar a Associação Brasileira
comunitária no Centro de Saúde-Escola Murialdo, de Medicina de Família (ABRAMEF). A SBMGC foi
em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Em 1976, os reativada por ocasião da VIII Conferência Nacional
dois primeiros programas de residência com foco na de Saúde, em 1986, tendo como um dos objetivos
comunidade originaram-se respectivamente no refe- conseguir o reconhecimento da especialidade pelo
rido projeto gaúcho e no chamado “Subprograma de Conselho Federal de Medicina (CFM).
Internato e Residência em Hospital Regional Rural”, A Comissão Nacional de Residência Médica
projeto da Universidade Federal de Pernambuco, (CNRM) apresentou consulta ao CFM em 1986
em Vitória de Santo Antão (BORDIN; SILVA, 1988). (Processo Consulta n o 29/86), originando a
Nessa fase, tanto a especialidade como a residência Resolução CFM no 1.232/86, a qual reconheceu a
médica tinham a denominação de “Residência em medicina geral comunitária como especialidade

366 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
médica, sendo atualizada pela Resolução CFM no atual da especialidade em 2002, por conta da publi-
1.634/2002, já com o novo nome da especialidade: cação da lista de especialidades médicas elaborada
“medicina de família e comunidade”. Os progra- pela Comissão Mista de Especialidades do CFM, da
mas de residência médica (PRM) em medicina ge- CNRM e da Associação Médica Brasileira (AMB).
ral e comunitária (MGC) foram formalizados pela O Quadro 1 sintetiza o histórico do surgimento
CNRM em 1981 (FALK, 2004) e adotaram o nome da especialidade no Brasil.

Quadro 1. Evolução da especialidade medicina de família e comunidade no Brasil.

ANO ACONTECIMENTOS

A especialidade e a residência médica ainda não tinham denominação definida,


1974-1980
e não havia respaldo normativo ou legal como especialidade médica.

1981-1985 Resolução nº 07/81 da CNRM formaliza os PRM em MGC.

1986 Oficialização pelo CFM da MGC como uma especialidade no Brasil.

Em 1986, é reativada a SBMGC. Em 1994, é criado o Programa de


1986-1994 Saúde da Família (PSF), e o então presidente da SBMGC é o primeiro
a assinar o documento técnico que estabelece o que seria o PSF.

A partir do PSF, há franca expansão das áreas voltadas à atenção primária,


1995-2000 incluindo a MGC. O mercado de trabalho para MGC começa a crescer, e são
criados estímulos para mudanças no ensino de graduação nas áreas de saúde.

Em 2001, após amplos debates, em votação em dois turnos, decide-se mudar


o nome dessa especialidade médica para “medicina de família e comunidade”.
2001-2004
Inclusão da MFC na lista de especialidades elaborada pela Comissão Mista CFM-
AMB-CNRM. Há grande expansão e consolidação da especialidade nesse período.

Portaria nº 1.143 do Ministério da Saúde, que vem apoiar programas


De 2004 até os
de residência em MFC. Sexto concurso para título de especialista
dias atuais
em MFC em 2007, aplicado em dez cidades do país.

Fonte: Elaborado com base em Falk (2004) e Simas et al. (2018).

Como já mencionado, a MFC iniciou-se no Brasil mundo e no Brasil, assim compreendermos quais
com experiências diversas na década de 1970, tendo as questões relacionadas à formação médica que
sido denominada de formas diferentes, como me- permeiam a especialidade.
dicina comunitária e medicina geral, até que, em A Organização Mundial de Médicos de
1981, tornou-se “medicina geral comunitária” e, por Família (WORLD ORGANIZATION OF FAMILY
fim, recebeu a denominação, em 2002, de medicina DOCTORS – WONCA), a Sociedade Brasileira de
de família e comunidade (VALLADÃO JÚNIOR; Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) e
GUSSO; OLMOS, 2017). o Tratado de Medicina de Família e Comunidade
A MFC pode ser definida como uma prática (2019) concordam com a definição do médico de
permeada por relações políticas e sociais, com família como sendo um clínico, cuja prática está
distintas histórias e condições, relacionadas a seu relacionada à promoção da saúde e à prevenção
aparecimento nos diferentes países e realidades de agravos, contemplando os atributos da aten-
(ANDRADE et al., 2018). Isso se torna importante ção primária à saúde (APS), com uma abordagem
para entendermos as diferentes concepções sobre familiar e comunitária.
a especialidade, bem como a atuação do médico Na literatura de meados do século XVIII, existe
de família, a partir das construções históricas no uma contraposição ao entendimento de que conhe-

O ensino da medicina de família e


comunidade na graduação e residência médica 367
cer as doenças seria mais importante do que tratá- cuidado”, enquanto as “tecnologias duras” são re-
-las e que o tratamento das pessoas não deveria ser presentadas por instrumentos e equipamentos es-
focado somente na doença (PORTER, 2001 apud truturados para executar determinados produtos
ANDRADE et al., 2018). Essa assertiva está pre- do trabalho em saúde.
sente em distintas formulações discursivas sobre O principal cenário de atuação do MFC é a APS.
a MFC no Brasil e no mundo. Esse é o nível que oferece a entrada ao sistema de
É importante conhecer a construção histórica saúde para todas as necessidades e problemas, for-
da especialidade no Brasil, incluindo as divergên- nece atenção sobre a pessoa (não direcionada à
cias entre as denominações e sobre o papel do mé- doença) no decorrer do tempo, para todas as con-
dico de família, para que sejam compreendidas as dições, exceto as muito raras, e coordena ou inte-
relações e interfaces entre a medicina preventiva, gra a atenção fornecida em outros pontos da rede
a saúde coletiva e o conceito de médico generalista, de saúde (STARFIELD, 2002).
bem como o papel de cada área e especialidade na Portanto, a atuação do médico de família e comu-
formação médica (DEMARZO et al., 2012). Cabe nidade se diferencia dos outros especialistas na me-
também a discussão, no campo da educação mé- dida em que a MFC, como principal nível de acesso
dica, acerca da formação de um médico “genera- ao sistema de atenção à saúde, envolve muitos pro-
lista”. Afinal, há diferentes entendimentos sobre blemas que, possivelmente, não contemplam uma
terminologia, conceituação e mesmo práticas de nomenclatura padrão de diagnósticos (STARFIELD,
especialidades/áreas que devem atuar em prol da 2002). Trata-se de um especialista em problemas co-
melhor formação na APS como preconizada hoje muns que muitas vezes se apresentam, inicialmente,
pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de indiferenciados. Esse profissional deve sentir-se
Medicina (VIEIRA et al., 2018). confortável em estabelecer e manter um relaciona-
O conceito de “médico generalista” pelo CFM mento com os pacientes, pois o foco de seu trabalho
ancora-se na não obrigatoriedade da existência de é a pessoa em seu contexto social e familiar; e não
registro de especialidade (Registro de Qualificação uma doença, exames, procedimentos, protocolos,
de Especialista – RQE), consequente à formação técnicas ou ação programática. Além disso, uma
por residência médica ou à obtenção de título de es- atuação característica do especialista em MFC é
pecialista por meio de prova aplicada por uma so- a coordenação do cuidado, ou seja, ele mantém o
ciedade de especialistas, com o aval da ABM. Já no acompanhamento do paciente de forma longitudi-
contexto mundial, países que têm a MFC como es- nal. Mesmo que haja encaminhamentos para outros
pecialidade ordenadora da rede de atenção à saúde setores ou especialidades da rede de saúde, esse en-
entendem general practitioners ou médicos genera- caminhamento pressupõe vínculo, responsabiliza-
listas como os médicos que atuam na base dos siste- ção e manutenção do cuidado.
mas de saúde, avaliando e coordenando o cuidado aos As DCN para os cursos de graduação em
pacientes na rede básica de saúde, referenciando-os Medicina determinam que a formação do médico
a serviços secundários e/ou terciários, quando ne- deve visar a que o egresso seja um profissional ge-
cessário (WORLD ORGANIZATION OF FAMILY neralista, com competências que lhe possibilitem
DOCTORS, 2002). atuar como profissional, desde a sua colação de
grau. No Brasil, a formação em um programa de
residência médica não é requisito obrigatório para
2. A ESPECIALIDADE DE MEDICINA DE FAMÍLIA E SUA o exercício da medicina. Faz-se necessário, então,
HETEROGENEIDADE apresentar alguns pontos específicos, como o fato
de que, em países onde a formação básica em me-
A figura do “médico familiar” muitas vezes é re- dicina é mais extensa e inclui a residência médica,
presentada no imaginário, ocupando um lugar de os estudantes não têm acesso direto aos pacientes
proximidade às pessoas, e a MFC é frequentemente para examiná-los e assisti-los, como no Brasil, até
vista como “menos tecnológica” (BONET, 2014). que estejam no período equivalente à residência.
Quando falamos de tecnologias relacionais, essa Outro ponto a considerar é que o número de vagas
conceituação acerca do trabalho do médico de fa- anuais nesses programas, em nosso país, é inferior
mília e comunidade corresponde às “tecnologias ao número de egressos de cursos de graduação em
leves” que, segundo Merhy e Franco (2003), são Medicina. Então, diante da autorização e do reco-
representadas pelo “modo singular como cada pro- nhecimento dos cursos de graduação pelo sistema
fissional aplica seu conhecimento para produzir o oficial do país, todo médico que conclui sua gradu-

368 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
ação é generalista. Daí, a denominação de médico Além do currículo baseado em competências
de família e comunidade estar sendo, atualmente, da SBMFC de 2015, em 2020 a CNRM aprovou a
considerado pela população como equivalente a um Resolução nº 9, de 30 de dezembro de 2020, que
“especialista em medicina geral”. versa sobre a matriz de competências dos PRM em
No Brasil, com o marco histórico da transfor- MFC no Brasil.
mação do Programa de Saúde da Família (PSF) em Por tratar-se da modalidade de residência con-
Estratégia Saúde da Família (ESF) em 2005, a APS, siderada o padrão-ouro para formação do médico
como principal porta de entrada para o Sistema Único de família e comunidade (BERGER et al, 2017),
de Saúde (SUS), passou a ser a articuladora do acesso com a expansão dos programas e da APS no Brasil,
às redes de atenção à saúde (RAS) nos diferentes ní- o mercado de trabalho para o MFC vem crescendo
veis de assistência e cuidado. A partir dessa estru- e se diversificando. Hoje, além da ESF, a MFC vem
tura, fez-se necessário modificar o perfil do profis- ocupando espaço também na rede de saúde suple-
sional de saúde para atuar no sistema, valorizando a mentar e nas universidades, e é uma das especiali-
formação na e para a APS como ordenadora da rede. dades protagonistas na assistência das populações
Nesse contexto, a formação dos profissionais, cujo invisibilizadas.
campo de trabalho com maior oferta de vagas está A estruturação da APS no país propiciou a con-
na APS, precisa incluir atividades de treinamento, solidação da especialidade nas últimas décadas e,
majoritariamente nos próprios serviços de APS, em com isso, o estímulo e crescimento do ensino da
vez de priorizar centros médicos de maior comple- MFC na graduação e a expansão e qualificação dos
xidade (STARFIELD, 2002). Um exemplo desse re- programas de residência. Nos próximos tópicos, va-
conhecimento oficial reside o fato de que, nas DCN mos detalhar como vem se dando esse ensino tanto
publicadas em 2014 e ainda vigentes, há atribuição na graduação como na residência.
de carga horária específica no internato para ativida-
des a serem cumpridas na APS, priorizando a MFC 3. O ENSINO DA MEDICINA DE FAMÍLIA E
e diferenciando-a da saúde coletiva. COMUNIDADE NA GRADUAÇÃO
Outro marco importante para a formação em
MFC e para a atenção primária ou atenção básica (ex- A mudança proposta pelas DCN de 2014 para um
pressão utilizada no Brasil) corresponde às melhorias perfil de egresso formado por competências e que
na estruturação de unidades básicas de saúde (UBS) atue para além de um modelo biomédico de aten-
que passaram a ocorrer em todo país, a partir de 2013, dimento traz a ideia de profissionais que utilizem
quando a Lei nº 12.871, a chamada “Lei do Programa uma abordagem centrada na pessoa e que tenham
Mais Médicos” (PMM), instituiu novas perspec- desenvolvidas também as competências colabora-
tivas para formação médica (da graduação à resi- tivas e de tomada de decisão associadas a um bom
dência) e programas de provimento, articulando o raciocínio clínico. Existe a necessidade de formar
PMM com o já existente Programa de Valorização um profissional com perfil humanístico e reflexivo
do Profissional da Atenção Básica (Provab) em 2012 e que responda às necessidades do SUS.
(MOURÃO et al., 2018). Permeado por apoios e crí- O ensino da MFC na graduação possibilita a in-
ticas, o PMM foi alvo de estudos que concluíram tegração do currículo como um todo. A prática coti-
que houve uma valorização da APS como campo de diana da MFC, além da prática com foco na pessoa,
trabalho médico, bem como melhoria na estrutura- na família e na comunidade, exercita a integração
ção das UBS em todo país (MOURÃO et al., 2018). entre componentes curriculares básicos (como fi-
As vagas em PRM na área duplicaram entre 2009 siologia, farmacologia, parasitologia, microbiologia)
e 2014, fato auxiliado pelo Programa Nacional de e clínicos (fisiopatologia, propedêutica e terapêu-
Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas tica). Também propicia ao estudante a vivência e a
Estratégicas (Pró-Residência), articulado entre o compreensão acerca do pertencimento da popula-
Ministério da Educação e o Ministério da Saúde, para ção assistida a realidades específicas e da relevân-
interiorização de residências em saúde, com foco em cia do SUS como rede pública, por meio da qual
áreas prioritárias, entre elas a MFC (MOURÃO et al., grande parte da população é cuidada pelos servi-
2018). No entanto, é de conhecimento geral que, atu- ços públicos de saúde, reforçando a importância
almente, há vagas ociosas nesses PRM, sendo neces- de que o processo de ensino-aprendizagem seja
sário que haja diagnóstico situacional e reflexão para baseado nas necessidades da comunidade e arti-
readequação e possível redistribuição dessas vagas. culado com as redes locais de saúde.

O ensino da medicina de família e


comunidade na graduação e residência médica 369
Outro aspecto importante é a variedade de ce- dagem, como já citado, centrada na pessoa e não
nários preconizados a partir da valorização da APS na doença. Esses atributos a tornam uma área es-
como espaço de prática essencial na formação do tratégica para ressignificar a prática médica, tendo
médico. A mudança de foco principal tem trans- em vista os novos paradigmas do trabalho/da pro-
formado o modelo de práticas na graduação, que dução em saúde e da formação ordenada pelo SUS
era principalmente hospitalocêntrico, para um mo- (ANDERSON; DEMARZO; RODRIGUES, 2007).
delo que oportuniza a inserção em cenários diver- A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a
sos, com a priorização de espaços da APS, como WONCA já se posicionavam sobre o potencial da
já exposto. Tal fato pode ser embasado pelo es- inclusão da MFC nos currículos de graduação, em
tudo de White, de 1961, posteriormente revisado, um relatório produzido em 1994. Em um artigo de
sobre ecologia do cuidado médico (GREEN et al., 1977, Byrne et al. (apud ANDERSON; DEMARZO;
2001). Esse estudo se inspirou em um relatório de RODRIGUES, 2007) apontaram sete razões para a
atendimento de médicos generalistas britânicos inclusão da MFC no currículo de graduação mé-
(general practitioners) o qual informava que, em dica. Entre elas, destacam-se: a necessidade de
cada mil adultos atendidos em um mês, 750 re- vivenciar o cenário em que a maioria da popula-
portavam alguma doença, dos quais 250 consulta- ção é atendida, a abordagem centrada na pessoa, a
ram um médico, nove eram hospitalizados, cinco abertura do estudante para considerar a especia-
eram encaminhados a um especialista e um era lidade como uma opção de atuação, além do fato
referenciado a um serviço hospitalar universitá- de que a atuação docente de médicos de família e
rio de alta complexidade. Esse estudo propicia a comunidade na graduação oferece à escola médica
discussão acerca do perfil necessário do médico, novas possibilidades de ensino, pesquisa e exten-
cuja formação visa responder às demandas e ne- são, ampliando o envolvimento da instituição de
cessidades de saúde da população, atuando nos ensino superior com as necessidades e demandas
diferentes cenários de atuação. de saúde da população, sobretudo de pessoas e das
As DCN de 2001 já preconizavam a flexibiliza- comunidade em que estão inseridas.
ção curricular e a ampliação do ensino na APS. A Em 2015, a SBMFC lançou o currículo baseado
Associação Brasileira de Educação Médica (Abem) em competências para medicina de família e comu-
e a SBMFC traçaram, então, as recomendações para nidade, com o intuito de auxiliar e guiar a forma-
o ensino da APS na graduação médica (DEMARZO ção da especialidade no Brasil. O currículo agrupa
et al., 2012). As DCN publicadas traziam a razão as competências em quatro categorias: pré-requi-
e a importância de ensinar na APS, o que ensinar, sitos, essenciais, desejáveis e avançadas, como ve-
como, quando, onde e quem deveria ensinar. O ar- remos mais adiante. As competências “pré-requi-
tigo de Demarzo et al. (2012) considerava que os sitos” podem ser entendidas como competências
núcleos do saber e do agir médico se encontram no desenvolvidas na graduação médica. O currículo
aprendizado da clínica, principalmente nos racio- por competências da SBMFC promove então, de
cínios clínico e semiológico; que o ensino na APS, forma indireta, a discussão sobre quais competên-
de acordo com estudos já desenvolvidos, seria im- cias a área/especialidade de MFC poderia trazer
portante cenário de treinamento longitudinal no como contribuição para a formação do médico.
decorrer curso, representando um núcleo de en- Apesar de já haver alguns anos desde as DCN
sino semiológico e de prática clínica, com base na de 2014, ainda existem dificuldades nos cenários de
aprendizagem a partir do trabalho; e que o espe- prática de APS para que seja alcançada a incorpo-
cialista em MFC era considerado o principal ator ração do ensino com maior adequação. As dificul-
na docência e preceptoria do ensino na APS. Um dades ocorrem também quanto ao entendimento
artigo anterior, de 2010, sobre a satisfação de estu- das diferenças entre os atributos da área de saúde
dantes de Medicina quanto ao ensino da APS, mos- coletiva e da MFC como especialidade médica. Há
trou que a integração com as equipes de saúde e o grande heterogeneidade no cenário nacional quanto
perfil do docente e sua atuação no cenário eram à organização das escolas no que se refere ao en-
importantes (NEUMANN; MIRANDA, 2012). sino na APS, o que também ocorre na definição do
A MFC é uma especialidade que trabalha inte- perfil de docentes que nela atuam, assim como em
grando a clínica com a prevenção de agravos, a pro- que períodos a APS e a MFC devem estar inseri-
moção e a recuperação da saúde de indivíduos, suas das no currículo médico e que formato(s) de ativi-
famílias e comunidades, preconizando uma abor- dades deve(m) ser ofertado(s) (SILVA et al., 2017).

370 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
A maioria das escolas aborda, nos períodos tos e habilidades diferenciados, tais como o traba-
iniciais do curso médico, situações que envolvem lho colaborativo e as habilidades relacionadas às
temas de saúde coletiva e de MFC, tais como ca- narrativas. A utilização de diferentes modelos de
racterização do território, indicadores de saúde, anamnese e semiologia possibilita a prática de en-
atributos da APS e trabalho em equipe (DEMARZO trevistas clínicas centradas na pessoa, na família e
et al., 2012). A partir do terceiro e quarto período, mesmo na comunidade, valoriza sintomas inespe-
os aspectos clínicos da MFC, na prática da APS, cíficos e amplia a capacidade de tomada de deci-
começam a estar mais evidentes, por abrangerem são baseada em observação cuidadosa e em evidên-
abordagens familiar e comunitária, entrevista clí- cias científicas. A MFC tem, afinal, um importante
nica centrada na pessoa, tomada de decisão e ra- espaço na semiologia e na prática clínica, nos cur-
ciocínio clínico, evoluindo nos períodos seguintes sos de graduação médica.
para a prática clínica visando aos diferentes ci-
clos de vida e conjugando condições prevalentes 4. O ENSINO DA MEDICINA DE FAMÍLIA E
na APS com os instrumentos e ferramentas utili- COMUNIDADE NA RESIDÊNCIA
zados na MFC (SILVA et al., 2017).
4.1. BREVE HISTÓRICO DA RESIDÊNCIA EM MFC
A integração ensino-serviço nos cenários de
práticas na APS configura um importante ponto de A residência médica, modalidade de pós-graduação
discussão, representando uma dificuldade em di- lato sensu, cujos primeiros programas datam do fi-
versos territórios. Isso ocorre devido aos próprios nal do século XIX, tem por finalidade precípua ca-
problemas de estruturação da APS no país, e, diante pacitar profissionais médicos para exercer uma es-
da necessidade de que os serviços tenham condi- pecialidade, entre aquelas listadas pela Comissão
ções para que possam ser campos de prática ade- Mista de Especialidades, reconhecida pelo CFM. No
quados e efetivos, como prevê a Lei nº 8.080/90,
Brasil, os primeiros PRM tiveram início na década
que criou o SUS, todo profissional de saúde pre-
de 1940. Contudo, apenas em 1977 foi criada, por de-
cisa ser treinado dentro do sistema para que nele
creto presidencial, a CNRM com a função de regu-
possa atuar com competência.
lamentar os PRM no país (GUSSO; LOPES, 2019).
Ante as dificuldades, o uso da simulação pode
Como citado anteriormente, os primeiros pro-
ser uma ferramenta importante para o treinamento
gramas de MFC no país datam da década de 1970 e
dessas competências a serem desenvolvidas, bem
estavam localizados em diferentes estados do país,
como na avaliação de aprendizagem de estudantes
com diferentes denominações: em 1976, no Centro
no escopo da MFC. A literatura demonstra que os
de Saúde-Escola Murialdo, no Rio Grande do Sul,
estudantes que têm contato mais precoce com a
e em Vitória de Santo Antão, em Pernambuco. No
prática simulada adquirem com facilidade as ha-
mesmo ano, também foram iniciadas as atividades
bilidades fundamentais em semiotécnica e comu-
do Programa de Residência em Medicina Integral
nicação, por tratar-se de uma aprendizagem mais
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
realista e significativa (VIEIRA et al., 2018).
Em 1980, criaram-se, em Porto Alegre, o Programa
Outra questão discutida na atualidade se re-
de Residência em Medicina Geral e Comunitária
fere à definição das ferramentas e competências
e o Serviço de Saúde Comunitária do Hospital
da MFC que estão diretamente ligadas ao ensino
Conceição (FALK, 2004). É importante ressaltar a
da semiologia. Uma discussão interessante tem
vanguarda desses programas, pois foram seus egres-
versado sobre o ensino de semiologia praticado
sos que desempenharam a importante tarefa de de-
apenas por especialistas focais nos cursos de gra-
senvolver a especialidade no país.
duação em Medicina. A MFC, que também é uma
especialidade médica, mas, como já abordado, está
intimamente ligada às competências relaciona- 4.2. EXPANSÃO DOS PRMFC
das ao atual perfil de médico generalista, preco- Durante as décadas de 1980 e 1990, o número de va-
nizado nas DCN para o egresso e que atua prin- gas ofertadas em PRMFC foi pouco expressivo e de
cipalmente na APS, utilizando a prática clínica crescimento lento. A partir de 2002, houve aumento
centrada na pessoa, certamente pode ter o de- no número de vagas nesses programas, passando a
senvolvimento de habilidades propedêuticas en- ser bastante significativo desde 2014.
tre suas atividades. A caracterização da especia- O Gráfico 1 demonstra a evolução, no Brasil, do
lidade, com base nas competências definidas pela número de vagas ofertadas para residência em MFC
SBMFC e CNRM, traz uma gama de conhecimen- entre 2014 e 2018.

O ensino da medicina de família e


comunidade na graduação e residência médica 371
Gráfico 1. Evolução do número de vagas de residência médica autorizadas no Brasil de 2014 a 2018 (medicina de
família e comunidade R1).

3587
3214

2751

1535
1289

2014 2015 2016 2017 2018

Fonte: Comissão Nacional de Residência Médica.

Segundo o relatório Demografia médica no Brasil de profissionais” e “mudança de formação/univer-


2020 (SCHEFFER et al., 2020), em dez anos a es- salização da residência médica” do PMM, estabe-
pecialidade que mais ampliou o número de médi- leceram uma proporção do quantitativo de novas
cos residentes foi a MFC, que passou de 181 vagas vagas em PRM das áreas básicas para cálculo de
de residente de primeiro ano (R1) ocupadas, em vagas de graduação em novos cursos. A criação de
2010, para 1.031 vagas de R1 ocupadas, em 2019, três novos PRM de áreas básicas, com quantitativo
representando um aumento de 469,6%. A MFC, definido e bolsas mantidas pela instituição de en-
que contabilizou 5,3% dos R1 de todos os PRM em sino superior proponente da abertura de novo curso
2019, cresceu quase cinco vezes mais do que a taxa médico, foi estabelecida como requisito essencial
de crescimento global das vagas de R1 (81,4%) no para autorização de funcionamento de novos cur-
período analisado. sos (Lei nº 12.871/2013). Entre as áreas reconheci-
Esse aumento expressivo nas vagas e a respec- das como básicas, destaca-se a MFC, considerada
tiva ocupação têm explicação na implementação fundamental por integrar a APS e ser a mais requi-
de políticas diversas, como: sitada pelos municípios, sendo contemplada pelo
• Pró-Residência: programa instituído pelo go- Provab e, muitas vezes, contando com remunera-
verno federal em 2009, com o objetivo de apoiar ção adicional à bolsa de médico residente. A MFC
a formação de especialistas em regiões e espe- passou a ser uma opção de muitos concluintes de
cialidades prioritárias para o SUS, como a MFC. cursos médicos.
• Provab: com objetivo de prover profissionais Contudo, mesmo com a expansão de PRM, a
para áreas remotas, mediante supervisão e ca- proporção de médicos sem especialização, consi-
pacitação especializada. derados “generalistas”, chega a 40%. Dentre os es-
• PMM de 2013: com intervenções em três dimen- pecialistas, grande parte concentra-se em quatro
sões: provimento emergencial de profissionais áreas: clínica médica, pediatria, cirurgia geral e gi-
para municípios com áreas de vulnerabilidade, necologia e obstetrícia. Juntas, essas quatro espe-
melhoria da infraestrutura da UBS e mudanças cialidades concentram 38% do total de especialis-
na formação de médicos, como a reordenação tas. O número de especialistas em MFC foi de 1,7%
da oferta de cursos de Medicina e das vagas de (SCHEFFER et al., 2020).
residência médica, além da adoção de novos pa- Como já mencionado, além das políticas federais
râmetros curriculares para a graduação. listadas, alguns municípios vêm realizando comple-
As normativas para a criação de novos cursos de mentação de bolsa-residente, além de incentivo ao pre-
Medicina, dentro dos movimentos de “provimento ceptor, o que também torna o PRMFC mais atrativo.

372 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
4.3. ESTRUTURA DO PRMFC lista, ao concluir os dois anos do PRM. Conforme
A residência médica é considerada padrão-ouro na estabelece a WONCA (WORLD ORGANIZATION
formação de médicos especialistas (GUSSO; LOPES, OF FAMILY DOCTORS, 2002), as competências
2019). No Brasil, a residência em MFC tem dura- centrais esperadas dos médicos de família e co-
ção de dois anos, conforme a Resolução nº 1, de 25 munidade são representadas pelas capacidades de:
de maio de 2015, da CNRM. • Atuar no cotidiano de serviços de atenção primária;
O que diferencia a residência médica de outros • Desenvolver uma abordagem centrada na pessoa;
processos de formação do profissional médico é o • Demonstrar habilidades clínicas consistentes e
foco na prática e a supervisão (preceptoria) reali- suficientes para a resolução das situações mais
zada por profissionais médicos de elevada qualifi- comuns em sua prática;
cação. Esse treinamento centrado na prática, além • Pautar-se por uma prática que valorize uma vi-
da aquisição de novos conhecimentos, propicia o são integral das pessoas;
desenvolvimento de habilidades e atitudes que de- • Agregar uma orientação comunitária às práticas
terminam o desempenho profissional. cotidianas;
Com a expansão dos PRMFC na última década, a • Priorizar um modelo holístico em sua concep-
SBMFC e CNRM têm elaborado vários documentos ção das circunstâncias do serviço.
que norteiam a estruturação e a qualificação dos
PRM em MFC. São eles: As questões principais que envolvem o ensino nos
programas de residência são: o conteúdo da formação,
• Resolução CNRM no 1, de 25 de maio de 2015, como deve ser esse processo, como os residentes apren-
que, entre outras determinações, regulamenta dem e o que aprendem. Além disso, é imprescindível
os requisitos mínimos de cada um dos dois anos/ estar consciente de que, durante a residência, objetiva-
períodos dos PRMFC. -se o desenvolvimento de competências técnicas e não
• Currículo baseado em competências para me- técnicas (comportamentos e atitudes) em busca do pro-
dicina de família e comunidade, publicado em fissionalismo (BOTTI; REGO, 2010).
2015 pela SBMFC. Um ponto importante para o sucesso da aprendiza-
• Recomendações para a qualidade dos PRMFC, gem durante a residência é a ênfase na metacognição.
publicadas em fevereiro de 2020 pela SBMFC. O residente deve desenvolver essa capacidade com
• Resolução CNRM no 9, de 30 de dezembro de base em suas atividades práticas, refletindo sobre elas
2020, que aprova a Matriz de Competências dos e buscando novas competências que julgue necessá-
PRMFC no Brasil. rias para melhorar seu desempenho com médico, pro-
gressivamente, até que a ajuda do preceptor já não seja
Esses documentos têm em comum o interesse necessária (BOTTI; REGO, 2010).
em apontar caminhos para qualificar e fortalecer a Com relação ao conteúdo da formação nos
formação do especialista em MFC por meio da re- PRMFC, como já referido, houve importante avanço
sidência médica, respeitando as diversidades lo- a partir da publicação do currículo baseado em com-
corregionais do país e buscando parâmetros míni- petências pela SBMFC e, mais recentemente, da ma-
mos de qualidade para os programas com diferentes triz de competências dos PRMFC no Brasil.
configurações. O currículo baseado em competências para MFC
tem como objetivo a qualificação do processo for-
mativo dos profissionais atuantes na APS e foi di-
4.4. O ENSINO NAS RESIDÊNCIAS DE MFC
vulgado em um momento de expansão dos PRMFC.
Na organização do ensino nos PRMFC, é impor- Agrupa competências em campos subdivididos em
tante a definição do perfil do profissional especia- grupos, áreas e níveis, conforme mostra o Quadro 2.

O ensino da medicina de família e


comunidade na graduação e residência médica 373
Quadro 2. Estrutura do currículo baseado em competências MFC.
Estrutura do currículo
Campo Grupo Área de competência
1.1.1 Princípios da Medicina de Família e Comunidade
1.1 Fundamentos
1.1.2 Princípios da Atenção Primária à Saúde
teóricos
1.3 Gestão e Organização de Serviços de Saúde
1.2.1 Abordagem Individual
1.2.2 Abordagem Familiar
1.2.3 Abordagem Comunitária
1.2 1.2.4 Raciocínio Clínico
Fundamentos 1.2.5 Habilidades de Comunicação
1. Fundamentos
da prática 1.2.6 Ética Médica e Bioética
1.2.7 Educação Permanente
1.2.8 Habilidades frente a pesquisa médica, gestão em saúde,
comunicação e docência
1.3 Gestão e 1.3.1 Gestão e organização do processo de trabalho
Organização 1.3.2 Trabalho em equipe multiprofissional
de Serviços 1.3.3 Avaliação da qualidade e auditoria
de Saúde 1.3.4 Vigilância em Saúde
2.1.1 Abordagem a problemas gerais e inespecíficos
2.1.2 Abordagem a problemas respiratórios
2.1.3 Abordagem a problemas digestivos
2.1.4 Abordagem a problemas infecciosos
CURRÍCULO 2.1.5 Abordagem a problemas relacionados aos olhos e visão
BASEADO EM 2.1.6 Abordagem a problemas de saúde mental
COMPETÊNCIAS 2.1.7 Abordagem a problemas do sistema nervoso
PARA RESIDÊNCIA
2.1.8 Abordagem a problemas cardiovasculares
EM MEDICINA
DE FAMÍLIA E 2.1.9 Abordagem a problemas dermatológicos
2.1 Atenção
COMUNIDADE 2.1.10 Abordagem a problemas hematológicos
Individual
2.1.11 Abordagem a problemas relacionados aos ouvidos, nariz e garganta
2.1.12 Abordagem a problemas metabólicos
2.1.13 Abordagem a problemas relacionados aos rins e vias urinárias
2. Atenção
2.1.14 Abordagem a problemas musculoesqueléticos
à Saúde
2.1.15 Cuidados paliativos
2.1.16 Cuidado domiciliar
2.1.17 Rastreamento
2.1.18 Urgência e emergência
2.1.19 Realização de procedimentos ambulatoriais
2.2.1 Atenção à saúde da criança e adolescente
2.2.2 Atenção à saúde do idoso
2.2 Atenção
a grupos 2.2.3 Atenção à saúde da mulher
populacionais 2.2.4 Atenção à saúde do homem
específicos ou 2.2.5 Atenção à sexualidade
situações 2.2.6 Atenção ao ciclo gravídico-puerperal
específicas
2.2.7 Atenção às situações de violência e de vulnerabilidade
2.2.8 Atenção à saúde do trabalhador
3.1.1 Fundamentos da Medicina Rural e de áreas isoladas
3.1 Medicina (Estágio Optativo)
3. Formação Rural
optativa 3.1.2 Aprofundamento em Medicina Rural e de áreas isoladas (R3)
ou 3.2 Práticas
complementar 3.2.1 Introdução às Práticas Integrativas e Complementares
Integrativas e
(Estágio Optativo)
Complementares
Fonte: Currículo baseado em competências para medicina de família e comunidade. Organização: Nulvio Lermen Junior. Rio de Janeiro: SBMFC, 2015.

374 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Cada área de competência apresentada no fissionais do educando); e tais práticas devem ser
Quadro 2 é categorizada por níveis: objeto de devolutiva (feedback) e discussão conduzi-
das pelo supervisor/preceptor (FRANCISCHETTI;
• Pré-requisito: competências esperadas de um HOLZHAUSEN; PETERS, 2020).
profissional ao ingressar no PRMFC. Os objetivos das EPA seguem os mesmos do
• Essenciais: competências mínimas esperadas de projeto Canadian Medical Education Directions for
todo profissional ao concluir o seu processo de Specialists (CanMEDS), que visa aprimorar o trei-
formação como especialista em MFC. namento médico no Canadá; e a primeira versão
• Desejáveis: competências esperadas de um resi- do CanMEDS-Family Medicine (CanMEDS-FM)
dente diferenciado – aquele que consegue avan- foi publicada em 2009, com o intuito de os progra-
çar para além das competências essenciais. mas de pós-graduação em Medicina de Família res-
• Avançadas: competências esperadas de um profis- ponderem às necessidades da sociedade. Em 2015,
sional que tenha adquirido proficiência em uma área o CanMEDS-FM incorporou os conceitos de EPA e
de atuação específica, dentro do campo de atuação os marcos de competências (milestones) no seu con-
da MFC. São competências a serem alcançadas, teúdo, e a versão mais atual data de 2017 (SHAW;
usualmente, após a conclusão do PRMFC e, mui- OANDASAN; FOWLER, 2017; COSTA et al., 2018).
tas vezes, demandam outras formações específicas. Outro ponto importante nos PRMFC reside na
definição de como deve ocorrer esse processo de
O foco dos PRMFC está nas competências es- ensino-aprendizagem. A residência médica tem
senciais que reúnem o que se espera do residente duas características que a diferenciam de outros
ao final do seu processo de formação. processos formativos: ser uma modalidade de en-
O currículo baseado em competências deve ser sino eminentemente prática e ter a supervisão re-
contemplado em vários momentos. Os processos alizada por profissionais médicos de elevada qua-
seletivos dos PRMFC podem ser estruturados com lificação – o preceptor.
base nas competências pré-requisitos, que podem A CNRM estabelece que, em um PRM, 80%-90%
ser identificadas quando do ingresso do residente da carga horária total deve corresponder a ativida-
no programa. Conhecer as competências definidas des práticas, e 10%-20%, a atividades teóricas, de
para a especialidade, desde aquelas consideradas modo que os PRM são eminentemente pautados
pré-requisitos, é uma estratégia importante para o no treinamento em serviço. Assim, o processo de
residente acompanhar sua evolução, estimulando ensino-aprendizagem nos PRMFC tem como ce-
a capacidade de metacognição. Para os gestores e nário os campos de prática da APS, e o preceptor
preceptores, tal conhecimento representa um guia é responsável pelo aprendiz no local de trabalho.
nas tarefas de estruturação dos campos de prática, O preceptor deve ensinar o aprendiz a clinicar, in-
nas aulas teóricas, nos estágios e no processo ava- tegrar valores à prática clínica, observar o exercí-
liativo dos PRMFC. cio dessa prática, discutir e corrigir os erros, e re-
Um próximo passo é incorporar a definição das visar a própria prática. O preceptor pode realizar
atividades profissionais confiáveis (entrustable pro- essas funções nos ambientes de trabalho da espe-
fessional activities – EPA) ao currículo baseado em cialidade ou fora dele, como em situações simula-
competências dos PRMFC. O conceito de EPA sur- das (RIBEIRO, 2019). Dessa forma, ser preceptor
giu em 2005, concebidas como responsabilidades ou em MFC significa ocupar um duplo papel no am-
tarefas simples ou complexas que devem ser con- bulatório: ser gestor e apoiador do cuidado dos pa-
templadas durante as ações de atenção ao paciente cientes e apoiador de aprendizagem dos residen-
(TEM CATE, 2019). Uma EPA integra múltiplas tes sob sua supervisão. O preceptor deve pautar a
competências de vários domínios que são mensu- sua atuação pela segurança do paciente, buscando
ráveis e observáveis (COSTA et al., 2018). As EPA evitar danos decorrentes do cuidado (IZECKSOHN
representam as ações confiabilizadoras de uma ati- et al., 2017).
vidade profissional, e, no caso das EPA que devem Em uma analogia à maleta do médico, a “ma-
ser associadas às competências de médicos em for- leta do preceptor” deve conter ferramentas de en-
mação como especialistas, duas características são sino que propiciem esse aprendizado centrado no
primordiais: a realização de tarefas correspondentes residente e na prática, e algumas das ferramen-
às EPAs deve ser mediada pela atribuição de con- tas de ensino que podem estar nessa maleta são: a
fiança do supervisor/preceptor (que, enfim, com- chamada “técnica de Preceptoria em um Minuto”
partilha a responsabilidade técnica pelas ações pro- (CHEMELLO, 2009), habilidades de ensino por

O ensino da medicina de família e


comunidade na graduação e residência médica 375
meio de simulação, capacidade de utilizar video- realizou entrevista com coordenadores de cursos
gravação de consultas para posterior análise com de Medicina, os autores apresentam a diversidade
o aprendiz, com observação direta e reversa, role de cenários utilizados e de competências esperadas
play, dentre outras. do concluinte da graduação. A maior parte dos en-
Esse caminhar evolutivo da formação do resi- trevistados concordou que procedimentos e condi-
dente deve ser acompanhado de um processo ava- ções ligados à APS são muito importantes e devem
liativo que procure incluir (GUSSO; LOPES, 2019): ser focos da formação médica durante a graduação.
Um problema frequente é a disputa das esco-
• Acompanhamento cotidiano das atividades do las médicas e das profissões de saúde pela inser-
médico-residente pelo preceptor; ção em unidades de prática da APS. Some-se a isso,
• Avaliação pelo residente – autoavaliação e de a diferença de realidades dos cenários da APS no
seus preceptores; Brasil, o que pode levar a dificuldades para expo-
• Feedbacks específicos e oportunos, além dos já sição a certas situações e condições, prejudicando
estabelecidos pelos PRMFC; o desenvolvimento de determinadas habilidades e
• Avaliações estruturadas de consultas e proce- competências. A exposição precoce à prática clí-
dimentos a partir de observação; nica por meio da simulação pode ser uma alterna-
• Avaliação feita pela equipe na qual o residente tiva para o aprendizado no início do curso e repre-
está inserido; sentar uma atividade de avaliação, que tem sido
• Avaliação dos preceptores e dos locais de considerada muito importante, também no inter-
estágios. nato e na residência médica.
A simulação tem sido utilizada há mais de 40
4.5. DESAFIOS PARA ENSINO NA RESIDÊNCIA DE MFC anos na educação médica, tendo evoluído em suas
técnicas e materiais. Universidades utilizam a simu-
O panorama de formação do médico de família e co-
lação, principalmente por configurar um ambiente
munidade avançou muito na última década com a
protegido de ensino da prática clínica e de compe-
expansão e qualificação dos PRMFC. Contudo, há tências em comunicação, bem como forma de ava-
alguns desafios a serem superados, como: tornar liação, tais como o Exame Clínico Estruturado e
a residência médica universal e obrigatória para Objetivo (Objective Structured Clinical Examination
o exercício da profissão/especialidade – o que so- – OSCE) e provas de suficiência/acreditação
mente pode ocorrer a partir do momento em que (VARGA, 2009). Varga (2009) discute a importân-
a universalização das vagas seja uma realidade; a cia do planejamento da estação de simulação, com
implementação pelos PRMFC de currículos locais adequação da situação-problema criada, bem como
(específicos) baseados em competências; avançar dos itens de avaliação do desempenho do avaliando,
na determinação das EPA e dos marcos de compe- e o parâmetro considerado para avaliação.
tências, na definição de condições e infraestrutura Assim, é muito importante, no planejamento
mínimas a serem exigidas dos serviços de saúde, das atividades do residente, definir as competên-
para que sediem um PRMFC, além da ampliação cias esperadas para cada estágio nos diferentes es-
da formação de preceptores para MFC. paços da APS e para cada período de prática, bem
como a escolha da metodologia utilizada para trei-
namento, estabelecendo em quais atividades a si-
5. MÉTODOS ATIVOS DE ENSINO E SIMULAÇÃO NA mulação pode ser praticada. Idealmente, nos pri-
EDUCAÇÃO MÉDICA NA MEDICINA DE FAMÍLIA E meiros períodos de curso, a prática relacionada à
COMUNIDADE MFC traduz-se principalmente por assuntos liga-
dos aos fundamentos da especialidade, que são in-
Vieira et al., em 2018, baseando-se na discussão trinsecamente ligados à saúde coletiva. Técnicas
acerca das competências e do perfil esperado do de simulação que traduzem situações-problemas
egresso, de acordo com as DCN de 2014 e o currí- ligadas ao trabalho em território podem ser utiliza-
culo de competências da SBMFC, concluíram que das, como: abordagens familiar e comunitária, ges-
ainda há muita heterogeneidade no processo de en- tão de saúde e trabalho em equipe (FUZARO et al.,
2019). Há relatos da utilização de role play e técnicas
sino-aprendizagem nos espaços de prática da APS
similares para treinamento de visitas domiciliares.
e nos cursos de graduação em Medicina do Brasil.
Por vezes, relatos de simulação têm sido descritos
Nesse estudo, que analisou projetos pedagógicos e
sob a denominação de técnicas de dramatização,

376 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
utilização de paciente simulado ou paciente pa- tes continuaram considerando o treinamento por
dronizado, como métodos de ensino e/ou avalia- meio da simulação excelente, quando comparada
ção (NEGRI et al., 2017). ao treinamento em pacientes reais, o que demons-
A simulação para treinamento de residentes tem tra que, apesar das vantagens dos simuladores, eles
sido referida como uma possibilidade para alcançar não substituem o ensino à beira do leito.
a uniformização de certas habilidades relacionadas a A simulação pode ser utilizada para treinamento
procedimentos e à melhora de competências espera- de diversas competências específicas da MFC. Há
das do residente de medicina de família. Na prática relatos da utilização dessa técnica há mais de 40
clínica, a simulação tem sido utilizada para treino de anos para treinamento em terapia familiar (BEHR,
habilidades relacionadas à semiologia médica, ao ra- 1977), e existem vários exemplos da utilização de si-
ciocínio clínico, à tomada de decisão e à comunica- mulação para ensino-aprendizagem de médicos re-
ção. Nesse contexto, é importante considerar as es- sidentes no contexto atual, como no atendimento de
pecificidades citadas anteriormente, relacionadas ao pacientes com coronavirus disease 2019 – Covid-19
modo de fazer e pensar na APS, e as ferramentas uti- (SHI et al., 2020) e no treinamento de habilidades
lizadas em MFC, como as abordagens familiar e co- de comunicação para teleatendimento.
munitária, a entrevista clínica centrada no paciente A estruturação das competências relacionadas
e a organização de registros médicos por problemas. à MFC é, na verdade, o grande determinante para a
Florea, Talu e Talu (2009) relataram uma ex- escolha de técnicas pedagógicas adequadas que tor-
periência de residentes de MFC que utilizaram si- nem a aprendizagem mais efetiva. Entre essas téc-
muladores para treinamento no atendimento a pa- nicas, a simulação, que apresenta diferentes possi-
cientes com comorbidades. A grande maioria (88%) bilidades, a depender do contexto, do cenário e da
dos residentes considerou o treinamento excelente, criatividade no planejamento, mostra-se uma op-
e a experiência melhorou o desempenho do traba- ção importante tanto na graduação quanto na re-
lho em equipe. Contudo, apenas 65% dos residen- sidência de MFC.

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O ensino da medicina de família e


comunidade na graduação e residência médica 379
CA P Í T U L O 11.2

O estado da arte do uso da


simulação clínica em Medicina de
Família e Comunidade

380
Gustavo Valadares Labanca Reis
Médico de Família e Comunidade (MFC)
Professor da Universidade Federal
de Ouro Preto - UFOP
Preceptor da Residência Médica em MFC
da Universidade Federal de Ouro Preto

1. INTRODUÇÃO dos indivíduos e de seus entornos, uma troca com


outros saberes e profissionais, ao longo do tempo.
A atenção primária à saúde (APS) é o primeiro Além disso, a APS é um ponto da rede de saúde, re-
nível de atenção de um sistema de saúde que se orga- forçando a função de primeiro contato/acesso, em
niza por esse modelo de atenção. Ela tem como atri- que vários problemas de saúde são abordados, que
butos essenciais o acesso de um sistema de saúde, ou também são pouco definidos na sua apresentação.
a porta de entrada, a longitudinalidade, a integrali- Essa particularidade traz um choque com o mo-
dade da atenção e a coordenação do cuidado den- delo de formação hospitalocêntrico, que reforça
tro do próprio sistema de saúde. Além disso, pode um ambiente bastante controlado e artificial, com
contar ainda com atributos derivados como a orien- uma aproximação maior para doença. Esse conflito
tação familiar e comunitária e a competência cul- aponta a necessidade de uma capacitação mais espe-
tural, que, quando estão presentes, potencializam cífica para atuação na APS (DEMARZO et al., 2012;
os outros já citados (STARFIELD, 2002). Por essas GOMES et al., 2012; REIS; PASSOS; HIGA, 2019)
características, na APS se vivencia a interação dos na elaboração de projetos político-pedagógicos no
indivíduos, sua comunidade em um dado território contexto da Atenção Primária à Saúde. Um marco
buscando garantir esses princípios. Para uma atua- reconhecido na política educacional brasileira é a
ção nesse nível de atenção à saúde, torna-se neces- publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais,
sário um aumento do escopo da clínica para uma clí- as quais flexibilizam as organizações curriculares,
nica mais ampliada tentando um olhar mais integral possibilitando a construção de projetos político-

O estado da arte do uso da simulação clínica


em Medicina de Família e Comunidade 381
-pedagógicos contemporâneos e consonantes com competências, lançou, em 2014, um currículo baseado
o Sistema Único de Saúde brasileiro. A Atenção em competências bem completo para guiar ações de
Primária à Saúde é o ponto de convergência entre formação nos programas de residência médica e pro-
estas duas políticas, descentralizando o ensino da cessos de proficiência na especialidade. Ele é com-
Medicina dos hospitais para toda a rede de saúde posto de 45 áreas de competência que descrevem
no Brasil. Destaca-se a imperiosidade de que o en- pontos de atuação em atenção à saúde individual e
sino na Atenção Primária à Saúde esteja presente coletiva, e aspectos de formação científica, gestão e
longitudinalmente, ao longo de todo o curso, de pre- educação médica (SOCIEDADE BRASILEIRA DE
ferência com inserções significativas (de aprendi- MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE, 2014).
zado real e a partir do trabalho. Tal reestruturação expôs desafios para sua efe-
O Brasil, desde a introdução das Diretrizes tiva operacionalização. Destacam-se as carências pe-
Curriculares Nacionais (DCN) de 2014, orienta dagógicas (pouca formação em metodologias ativas,
sua formação na graduação de Medicina para uma como simulação), a falta de pessoas com formação
visão generalista, com competências para aten- em MFC no corpo docente das instituições formado-
ção à saúde, gestão em saúde e educação em saúde ras de MFC e a infraestrutura deficiente de campos
(DEMARZO et al., 2012). A formação tem reforçada de prática para receber alunos e no modo de trabalho
a atuação em APS e privilegia o Sistema Único de das equipes de saúde da APS (VIEIRA et al., 2018).
Saúde (SUS). Apesar de um investimento em um A simulação traz várias características compa-
perfil de médico com tais competências, existem tíveis com a formação na MFC, tanto na graduação
lacunas que não conseguem ser preenchidas para quanto na pós-graduação, e na lógica de aprender
a prática satisfatória na APS, que reforça a necessi- fazendo. A simulação clínica pode ser definida como
dade de oferta de aprimoramento/educação perma- um uso de ambientes simulados com o objetivo de
nente e pós-graduação (CHEHUEN NETO, 2014; representar uma situação ou tarefa, e isso implica
CAVALLI; RIZZOTTO, 2018). Essas ações são lide- necessariamente o conceito de ensino baseado em
radas por universidades federais, que ofertam gra- tarefas – EBT (MENNIN et al., 2003). O EBT faz
tuitamente processos de educação permanente a com que o estudante seja exposto a situações de si-
distância, nos formatos de aperfeiçoamento, capa- mulação de contextos reais a fim de resolver pro-
citação ou especialização, proporcionando opor- blemas, treinar técnicas e refletir sobre tomada de
tunidades de educação permanente, que podem se decisão em ambientes controlados. Dessa maneira,
enquadrar nas necessidades de aprendizagem iden- o estudante é estimulado a trazer para seu espaço
tificadas por profissionais de saúde. Já o processo de aprendizagem suas experiências e seus conhe-
de pós-graduação dá-se pela oferta de vagas de re- cimentos prévios, e aplicá-los nas simulações pro-
sidências médicas em medicina de família e comu- postas, rompendo assim com o modelo tradicional
nidade (MFC), ofertadas por instituições de ensino de ensino e aprendizagem passiva (PAZIN FILHO,
superior, hospitais, prefeituras e alguns serviços pri- 2007). Os principais benefícios apontados por di-
vados. A estratégia do aprendizado é voltada para versas comunidades de ensino são: a diminuição do
o saber-fazer nas ações cotidianas e adquirido na risco para os pacientes, a redução de gastos, a pos-
prática, de maneira mais ativa (FIGUEIREDO et al., sibilidade de colaboração multiprofissional, a subs-
2018; OLIVEIRA et al., 2016; SAVASSI et al., 2017). tituição do uso de animais e a possibilidade de trei-
A MFC é uma especialidade médica com en- namento de competências, habilidades e técnicas
foque principalmente clínico, com abordagem in- em ambiente controlado (ZIV et al., 2003).
tegral incorporando práticas de promoção, prote-
ção e recuperação da saúde. Tem ações dirigidas a 2. O QUE HÁ NA LITERATURA SOBRE A MFC E A
pessoas, famílias e comunidade. A MFC apresenta, SIMULAÇÃO
portanto, capacidades para atuação na APS. E tem
como padrão-ouro de formação a residência mé- Realizou-se uma busca na literatura com o intuito
dica (ANDERSON; DEMARZO; RODRIGUES, 2007; de obter as seguintes informações: o que se publi-
ARIAS-CASTILLO et al., 2010) cou até o momento sobre o uso da simulação no
A Sociedade Brasileira de Medicina de Família ensino de MFC, quem produziu mais sobre o as-
e Comunidade (SBMFC), seguindo o caminho de sunto, os tipos de simulação e a utilização dela no
orientação de uma formação baseada na aquisição de ensino de MFC.

382 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Foi realizada uma busca na base de dados 1.1. TREINAMENTO DE HABILIDADES
DE COMUNICAÇÃO
MEDLINE da Biblioteca Nacional de Medicina
dos Estados Unidos, no dia 10 de maio de 2020. A MFC, conforme os princípios apresentados an-
Utilizou-se a combinação dos descritores Medical teriormente, é uma especialidade que busca apro-
Subject Headings (MeSH) para medicina de fa- fundar e entender as relações do indivíduo, de sua
mília e comunidade (“Family Practice”, “Family família, sua comunidade e seu meio. Nesse sentido,
Physician”, “General Practioner”) e simulação o relacionamento é uma das principais bases do tra-
(“Computer Simulation”, “Patient Simulation”, balho na MFC. Como competência nuclear, as ha-
“High Fidelity Simulation Training”, “Simulation bilidades de comunicação são trabalhadas usando
Training”). Encontraram-se 256 artigos. Após a lei- a referencial teórico da medicina centrada na pes-
tura de títulos e resumos, excluíram-se 83 artigos, e soa (ANDERSON; DEMARZO; RODRIGUES, 2007).
selecionaram-se 173. O estudo mais antigo encon- Para o ensino de habilidades de comunicação, des-
trado foi de 1987. Cerca de 30% dos estudos eram taca-se o uso de simulações com pacientes padro-
de antes do ano 2000, dado que reforça que o uso nizados (COSTANZA et al., 1999; HALKETT et al.,
de simulação no ensino de MFC já acontece há pelo 2012; SHARP et al., 1996), de pacientes padroniza-
menos 30 anos. Além disso, os outros 70% dos es- dos interpretados por pares (estudantes de Medicina
tudos foram publicados após o ano 2000, fato que ou médicos residentes, por exemplo) (GILLIGAN
acompanha temporalmente a popularização dos et al., 2021) e de pacientes virtuais (BEDIANG et
computadores, o surgimento de smartphones, en- al., 2013; PAN et al., 2016). Os pacientes padroni-
tre outras tecnologias como tablets, câmeras digitais zados são pacientes simulados ou pacientes reais
de alta definição (GARRITTY; EL EMAM, 2006) que são treinados e/ou preparados para apresentar
Destaca-se a contribuição importante dos Estados suas doenças, seus sentimentos, suas expectativas e
Unidos e da Inglaterra nessas publicações com mais ideias de uma forma padronizada (BEIGZADEH et
da metade das publicações avaliadas. De maneira al., 2015; BEULLENS et al., 1997). Chama a atenção
mais discreta, houve poucas publicações em países que o uso de pacientes padronizados interpretados
em desenvolvimento. Isso pode demonstrar que a si- por pares parece potencializar a empatia nos apren-
mulação também tem sido utilizada em localidades dizes, uma vez que eles se colocam como pacientes
com menos recursos financeiros disponíveis, como e compartilham, de alguma forma, sensações e sen-
é o caso de Camarões (BEDIANG et al., 2013). timentos parecidos (GILLIGAN et al., 2021). Alguns
Os estudos abordaram como populações os gra- estudos apontaram a utilização desses pacientes
duandos em Medicina, com destaque para os de últi- de forma anônima para processos de avaliação da
mos anos do curso nos chamados internatos de MFC qualidade de comunicação na prática de médicos.
(DEMARCO et al., 2014; EVERARD; SCHIEL, 2021; Essa prática parece interessante na medida em que
LEONG, 2009; STUMBAR; MINOR; SAMUELS, traz verossimilhança à simulação ao colocar dados
2018), os médicos residentes em MFC (HARTOG em prontuário com histórico padronizado, agenda-
et al., 2015; LEVRI, 2004) e os médicos em educa- mento em processo real e junto de outros pacien-
ção permanente atuantes em APS (FRASER et al., tes reais (EPSTEIN et al., 2001; HALPERIN, 2005;
2009; SAEBU; RETHANS, 1997; SIELK et al., 2006). THISTLETHWAITE; RIDGEWAY, 2005).
Os resultados foram categorizados e divididos Os temas importantes estudados foram de to-
nos seguintes tópicos: mada de decisão compartilhada (COSTANZA et al.,
1) Treinamento de habilidades de comunicação. 1999; EDWARDS et al., 2004; FAIRFIELD et al.,
2) Habilidades psicomotoras da consulta médica 2014), como dar más notícias (AMIEL et al., 2006;
(exame clínico, por exemplo). HULSMAN et al., 2004), medidas de promoção
3) Procedimentos realizados na APS. de saúde e prevenção de agravos como alimenta-
4) Tomada de decisão e raciocínio clínico. ção saudável (PHILLIPS et al., 2012), amamenta-

O estado da arte do uso da simulação clínica


em Medicina de Família e Comunidade 383
ção (HAUGHWOUT, 1999; HAUGHWOUT et al., ram-se em habilidades cirúrgicas, como circuncisão
2000), cessação de tabagismo (DICLEMENTE et em neonatos (ROCA et al., 2012), abordagem de pa-
al., 2015), uso nocivo de álcool (DICLEMENTE ciente na urgência e emergência como abordagem
et al., 2015), violência doméstica (YUDKOWSKY; de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva,
DOWNING; OMMERT, 2006), comportamento infarto agudo do miocárdio, parada cardiorrespira-
sexual e aconselhamento (RUSSELL et al., 1992; tória, pneumotórax hipertensivo, arritmias e ana-
ZABAR et al., 2010). filaxia e trauma (ESPEY et al., 2017; MUGFORD;
MARTIN; OWEN, 2004; WELLER et al., 2005). Em
saúde da mulher, destacam-se o treinamento na in-
2.2. HABILIDADES PSICOMOTORAS DA CONSULTA serção de dispositivo intrauterino – DIU (NIPPITA
MÉDICA (EXAME CLÍNICO, POR EXEMPLO) et al., 2018) e as emergências obstétricas (MAGEE;
SHIELDS; NOTHNAGLE, 2013)
Em habilidades psicomotoras, é comum a utiliza- É sabido que, em diferentes países, a disponibi-
ção de simuladores que variam de baixa a alta fi- lidade de tecnologias e de serviços ofertados pela
delidade, como manequins e modelos. Isso torna MFC varia. Chama a atenção uma experiência norte-
possível envolver alunos no processo de aprendi- -americana em que o treinamento da realização de
zagem com mais engajamento e com altos níveis retossigmoidoscopia utilizando a simulação ocorre
de satisfação dos estudantes (ZABAR et al., 2010). com resultados animadores de impactar o tempo
Conforme citado anteriormente, também garante de duração do exame e com a visualização de área
mais segurança para o desenvolvimento de com- intestinal. Com o treinamento, o tempo fica mais
petências sem a exposição dos pacientes a riscos curto, e uma maior área intestinal é visualizada.
desnecessários.
AAlguns treinamentos com simulação utiliza- 2.4. TOMADA DE DECISÃO E RACIOCÍNIO CLÍNICO
dos e descritos nas evidências levantadas pela re- A simulação na tomada de decisão e no raciocínio
visão foram a otoscopia (OYEWUMI et al., 2016), clínico tem uma composição de estratégias que usa
a fundoscopia para rastreamento retinopatia dia- desde pacientes padronizados, pacientes virtuais até
bética (BUKHARI, 2014), a palpação de mama simuladores de baixa, média e alta fidelidades (KIM
(COSTANZA et al., 1999; LAUFER et al., 2015), et al., 2018). Em muitos casos, tenta-se reproduzir
o exame de dilatação de colo uterino no trabalho o processo real que envolve o atendimento médico
de parto (NITSCHE et al., 2017), a coleta de pa- e suas etapas de coleta de informações na história,
panicolau e a realização de colposcopia (FELIX; no exame clínico, na avaliação do quadro e na pro-
LANNEN, 2018; PLIEGO et al., 2008), a realiza- posta de manejo. Experiências diversas discutem o
ção de exame de aparelhos cardíaco e respirató- raciocínio clínico e a tomada de decisão na diabe-
rio (FROST; CAVALCANTI; TOUBASSI, 2011) e o tes, dislipidemia, doença cardíaca coronariana, de-
exame de rotina da criança (LANE; ZIV; BOULET, pressão, cefaleia e síndrome do intestino irritável
1999). (DE CRUPPÉ et al., 2011; KAUFMAN et al., 1999;
Foi interessante encontrar habilidades treinadas TERRY; HIESTER; JAMES, 2007).
e estudadas usando a simulação que influenciam o A promoção da saúde e a prevenção de agravos
processo de trabalho e de interação com os pacien- são tarefas importantes no cotidiano da MFC. A
tes que é o uso de tecnologias nas consultas, como o avaliação individualizada de riscos contribui para
uso do computador (MOULENE et al., 2007) e tam- medidas oportunas e oportunísticas. Assim, na re-
bém a acurácia das informações coletadas na con- visão foram encontradas evidências da tomada de
sulta médica e que depois são registradas no pron- decisão quanto ao rastreamento de câncer de pul-
tuário eletrônico dos pacientes (REIS et al., 2013). mão (SHERINGHAM et al., 2017) e de câncer de
mama (EMERY et al., 2000).
2.3. PROCEDIMENTOS REALIZADOS NA APS
2.5. CENÁRIOS DE ATUAÇÃO DA MFC
Na revisão realizada, os procedimentos feitos
na APS, que se assemelham às habilidades psico- O profissional da MFC apresenta diversas possibi-
motoras, também utilizaram simuladores de baixa, lidades de atuação, e o objetivo deste tópico é re-
média ou alta fidelidade. As simulações concentra- forçar a diferença da experiência em ambientes

384 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
urbanos e rurais. É notório que no ambiente rural 3. DESAFIOS
os tipos de problemas de saúde se diferem tendo 3.1 DESAFIOS NA MFC
menos aspectos relacionados à violência, mas per-
O currículo baseado em competências da SBMFC
fis de doenças infectoparasitárias diferentes, por
trouxe um norte do perfil de médico de família e
exemplo. Quanto ao sistema de saúde, as localida-
comunidade que deve ser formado. Já as DCN de
des contam com menos recursos de saúde como
2014 definiram as competências a serem apreendi-
propedêutica e tratamento, além de menos recur-
das pelos graduandos em Medicina. Porém, esses
sos profissionais hiperespecializados. Quanto ao
documentos apontam apenas princípios e diretri-
profissional de MFC, são necessárias habilidades zes gerais da construção desse processo educacio-
de procedimentos terapêuticas e propedêuticas di- nal. A transposição para a prática ainda é desafia-
ferentes, competências específicas para lidar com dora. Uma possibilidade é a construção e utilização
os problemas mais comuns em ambientes rurais e das atividades profissionais confiáveis (APC) que
também um grau maior de isolamento. Não menos permitem avaliar as ações como medidas de com-
importante, a competência cultural para lidar com petências adquiridas.
as características da comunidade e os indivíduos, Na mesma linha de uma construção de um pro-
desde hábitos, comunicação até formas como lidam fissional com competências esperadas, ainda cabe
com o processo saúde-doença (ANDO et al., 2011). uma discussão de qualidade na formação em MFC,
Dessa forma, é importante a construção de si- tanto na graduação quanto na pós-graduação, e mais
tuações simuladas que levem em conta as questões especificamente na residência médica. Nas insti-
apresentadas, e, na revisão realizada da literatura, tuições de ensino superior, a adequação às DCN é
foi possível identificar experiências de urgência e percebida, mas sem uma garantia de que as esco-
emergência (WILLETT et al., 2011). lhas curriculares e corpo docente consigam traçar
estratégias educacionais efetivas. Na residência em
2.6. LIMITAÇÕES DA REVISÃO REALIZADA MFC, apesar do aumento no número de vagas, os
programas ainda apresentam dificuldades na ho-
A revisão consistiu em uma busca de evidências com mogeneidade da formação e na sustentabilidade
importantes limitações que devem ser apontadas. dos programas.
A primeira é que não se trata de uma revisão siste-
mática com busca estruturada com descritores com 3.2. DESAFIOS DA SIMULAÇÃO NA MFC
uma estratégia de busca robusta e sensível levando
em conta critérios de inclusão e exclusão definidos Por tratar-se de uma especialidade médica que não
previamente. Além disso, a avaliação das evidên- se restringe a um sistema ou a uma doença e que se
cias para inclusão na análise de artigos não ocor- vincula às pessoas, independentemente de idade,
sexo ou pessoa com ou sem problemas de saúde, al-
reu com dois revisores independentes, o que pode
gumas possibilidades de simulação ficam mais res-
aumentar a intencionalidade nas escolhas. A utili-
tritas. Uma restrição relevante é a simulação mais
zação de apenas uma base de dados também pode
verossímil de atenção à criança, usando estraté-
ter deixado evidências importantes que se encon-
gias como de pacientes padronizados (LANE; ZIV;
tram em diferentes fontes. Aponta-se, portanto, a
BOULET, 1999; RUSSELL et al., 2015)using chil-
necessidade de uma revisão de escopo com crité- dren as standardized patients (SPs.
rios metodológicos mais rigorosos. Não foram en-
contrados estudos brasileiros com a descrição do
uso da simulação em MFC, o que limita a análise da 4. PERSPECTIVAS
nossa realidade. Também se sabe que muitas expe-
riências educacionais que envolvam a simulação e O uso cada vez mais maior de tecnologias (com-
MFC podem não terem sido encontradas, porque putador e smartphone) na consulta médica per-
não tenham sido publicadas. mite formatos de simulações mais disponíveis e
Vale ressaltar que, apesar das limitações, as evi- difundidos por meio de recursos como pacientes
dências encontradas ajudam a discutir o estado da virtuais, com interação de maior fidelidade com a
arte no ensino da MFC. utilização de realidade aumentada e inteligência

O estado da arte do uso da simulação clínica


em Medicina de Família e Comunidade 385
artificial para maior interação com avatares de pa- restas, entre outros (BROWN et al., 2010; COMBS;
cientes com características determinadas (COMBS; COMBS, 2019).
COMBS, 2019; KOBOLDT, 2017; NERMINATHAN
et al., 2017; OZDALGA; OZDALGA; AHUJA,
2012)”ISSN”:”1553-2712”,”abstract”:”Background: 5. CONCLUSÃO
One area of emergency medicine education that
takes advantage of rapidly advancing technologies O ensino médico vem buscando uma aprendizagem
is simulation education. Just setting foot in a mo- mais acolhedora para o aluno, que pode, por meio
dern simulation center is often like stepping into do erro e acerto, construir conhecimento e crítica.
the future. Two areas in particular that show pro- Além disso, há a percepção da grande importân-
mise are ever-improving video capture including cia do se aprender fazendo para melhor retenção
seamless 360 degree recording, and the emergence e para o desenvolvimento de autonomia. Contudo,
of lower cost virtual reality technology. These te- há o paciente que necessita de cuidado, mas que
chnologies can be joined to provide immersive vi- pode sofrer repercussões negativas se algo for mal
deo feedback to learners following a simulated pa- conduzido, o que é provável para alguém que es-
tient encounter. In particular, it can help the learner teja aprendendo a fazer algo. Nesse contexto, a si-
see things from the patient perspective. Objective: mulação mostra-se eficiente em aumentar compe-
Provide immersive, meaningful feedback to emer- tências e diminuir riscos para paciente e aprendiz.
gency medicine residents using 360 video review. Para a MFC, o efeito de intervenções inadequadas,
Utilize patient perspective virtual reality view to im- desde a comunicação, passando por um raciocínio
prove the simulation debriefing process. Methods: clínico não bayesiano e até procedimentos incor-
Emergency medicine residents were asked to eva- retos, mesmo que sutis podem ter consequências
luate and treat a critically ill patient in a hybrid si- catastróficas. Por isso, faz-se importante o desen-
mulation case. The patient had respiratory distress volvimento de metodologias de simulação no en-
and required BiPAP, intubation, and chest tube. A sino da MFC para o estabelecimento de vínculos
360Fly camera ($399. A simulação permite o treina- mais duradouros, virtuosos e o menos iatrogênico
mento em MFC em situações de pouca incidência possível. É importante lembrar-se sempre da teo-
nos serviços reais, aumentando a equidade do cui- ria do médico húngaro Michael Balint: o médico é
dado para populações mais vulneráveis, como de- como uma droga que tem efeitos não apenas tera-
ficientes, pessoas LGBTQIA+, negros, povos de flo- pêuticos, mas também adversos.

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390 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 11.3

Tipos de simuladores
utilizados em Saúde
da Família e Comunidade

391
Raphael Raniere de Oliveira Costa
Enfermeiro.
Doutor em Enfermagem.
Docente do Curso de Medicina da Escola Multicampi
de Ciências Médicas (EMCM) Universidade
Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

Miguel Arcangelo Serpa


Doutor em Ciências Farmacêuticas – UFOP
Enfermeiro de Família e Comunidade da
Prefeitura Municipal de Ouro Preto/MG
Professor e Coordenador da Unidade Curricular
de Habilidades Médicas – UniBH

1. INTRODUÇÃO em consideração os objetivos específicos do cenário,


a forma de mensurar se os objetivos foram alcança-
Quando se fala em simuladores de baixa, média e dos, se o cenário é passível de execução, o realismo
alta fidelidades, temos em mente as características e o tempo para execução do cenário (COMMITTEE
e possibilidades que esses recursos podem oferecer. IS, 2016; COSTA et al., 2019).
Com o objetivo de organizar essas informações, o
conteúdo deste capítulo será abordado a partir de 2. SIMULADORES DE BAIXA FIDELIDADE
quatro perspectivas, a saber: simuladores de baixa
fidelidade, simuladores de média fidelidade, simu-
Os simuladores de baixa fidelidade são muito
ladores de alta fidelidade e dramatização.
úteis para o treinamento de habilidades na medi-
Os recursos/simuladores escolhidos para a com-
cina de família e comunidade (MFC). Esses simu-
posição do cenário devem atender aos objetivos de
ladores apoiam o treinamento de exame físico e
aprendizagem estabelecidos na fase inicial. É vá-
procedimentos com muita precisão. São exemplos
lido ressaltar que a escolha do recurso/simulador é
os manequins para treino de palpação, exame
apenas um dos elementos do planejamento de uma
ginecológico, coleta de material cervical, inserção
sessão de simulação.
de dispositivo intrauterino (DIU), toque retal, son-
Na literatura, há uma orientação para a cria-
dagens, entre outros.
ção de cenários de simulação. Chama-se estrutura
Esses simuladores geralmente são menos onero-
S.M.A.R.T. Nessa estrutura, o instrutor deve levar
sos e podem ser utilizados para o desenvolvimento

392 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
de várias habilidades. Os simuladores de baixa fi- Na Figura 1, apresenta-se um conjunto de possi-
delidade podem oferecer suporte para o treino de bilidades (simuladores de baixa fidelidade) que po-
habilidades médicas relacionadas aos diferentes ci- dem ser utilizadas no contexto das práticas de MFC.
clos de vida e às necessidades básicas de saúde en- As imagens foram retiradas do catálogo de simula-
contradas no contexto da comunidade. Atualmente, dores da Escola Multicampi de Ciências Médicas
há no mercado diversas empresas especializadas do Rio Grande do Norte da Universidade Federal
no desenvolvimento de tecnologias e simuladores do Rio Grande do Norte (EMCM/UFRN).
para a área da saúde.

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tamanhos e características. cardiopulmonar e técnicas de exame físico.

Simulador adulto para manobras de Simulador para administração de


reanimação cardiopulmonar. medicamentos e suturas.

Simulador de ausculta Simulador para aferir


cardíaca e pulmonar. a pressão arterial.

Tipos de simuladores utilizados em Saúde


da Família e Comunidade 393
Simulador de exame Simulador para
de ouvido. exame de mamas.

Simulador de Simulador de mamas


cateterismo vesical. com nódulos.

Simulador pediátrico Simulador para exame


de ausculta. ginecológico.

Simulador para Simulador para exame


toque retal. de fundo de olho.

394 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Simulador de Simulador de
pelve feminina. pelve masculina.

Figura 1. Simuladores de baixa fidelidade.

3. SIMULADORES DE MÉDIA FIDELIDADE até mesmo a possibilidade de fala. Um instrutor,


conectado ao fone e microfone, pode facilmente
Ao passo que se encaminha para o desenvolvimento representar a fala de um paciente. Esse recurso
de habilidades mais complexas, o uso de simulado- pode ser interessante em diferentes cenários,
res de média fidelidade pode ser um recurso bas- principalmente em situações em que não há a pos-
tante útil. Quando se objetiva “agrupar” um con- sibilidade de utilizar modelos mistos – por limita-
junto de técnicas e ou procedimentos, por exemplo, ção de recursos – e/ou contar com a participação
o uso de simuladores de corpo inteiro pode facili- da figura do paciente padrão.
tar a execução dessas tarefas. Como você já sabe, É válido ressaltar que também há a possibilidade
por possibilitar respostas fisiológicas – ainda que de realizar uma caracterização desses simuladores
mais simplórias em relação aos simuladores de alta conforme as características do paciente planejado
fidelidade –, esses simuladores são mais onerosos. para o cenário. Perucas, roupas, maquiagem e acessó-
No contexto da MFC, alguns simuladores de rios podem compor e aumentar o realismo do cenário.
média fidelidade podem ser úteis no treinamento A Figura 2 apresenta alguns modelos de si-
de exames como inspeção, palpação, percussão e muladores de média fidelidade. As imagens tam-
auscultas. Ainda, alguns modelos podem simular de bém foram retiradas do catálogo de simuladores
forma muito satisfatória a anamnese. Há modelos da EMCM/UFRN.
que permitem a mudança de parâmetros vitais e

Simulador de corpo inteiro, Simulador de corpo inteiro, Simulador avançado de


adulto masculino. adulto feminino. ausculta cardiopulmonar.

Figura 2. Simuladores de média fidelidade.

Tipos de simuladores utilizados em Saúde


da Família e Comunidade 395
4. SIMULADORES DE ALTA FIDELIDADE 5. SIMULAÇÃO CÊNICA: DRAMATIZAÇÃO

Como o nome sugere, trata-se dos simuladores mais Quando se fala em simulação no contexto da
complexos do ponto de vista tecnológico. São os MFC, outros recursos, além dos simuladores ante-
mais onerosos e exigem manipulação e manuten- riormente mencionados, destacam-se, como a fer-
ção técnica especializada. No contexto do ensino da ramenta da dramatização. A dramatização pode
MFC, esses simuladores podem ser úteis quando se ser definida como a interpretação de um tema que
pensa em cenários mais complexos e pacientes com possibilita uma experiência de cuidado muito se-
particularidades que não podem ser representadas melhante à vivenciada na realidade (BONAMIGO;
em simuladores mais simples (como uma sudorese
DESTEFANI, 2010). Ela permite que o estudante
intensa, a representação de fala e outros sons vo-
treine habilidade de comunicação clínica e exames
cais, ausculta cardíaca e pulmonar com diferentes
intensidade e localização, gestação, pupilas com ta- específicos em um ambiente seguro e flexível, que
manhos diferentes, uma convulsão, entre outros). pode ser moldado de acordo com a necessidade de
Esses simuladores também podem ser caracteriza- aprendizado específica (ARVEKLEV et al., 2015).
dos de acordo com o cenário pretendido. A Figura As metodologias mais utilizadas na dramatiza-
3 apresenta alguns desses modelos. ção são o role play, o paciente padrão e o paciente
simulado, este é o mais comum, em que uma pes-
soa ou um ator treinado assume um papel dentro
de um cenário simulado com a finalidade de treina-
mento de habilidades e avaliação (CHURCHOSE;
MCCAFFERTY, 2012).
Diversos estudos têm mostrado a relevância do
uso de atores em cenários de alta fidelidade. Esse re-
curso contribui para o aumento do realismo e tam-
bém da satisfação e autoconfiança na aprendizagem
em diversos cenários simulados (ARVEKLEV et al.,
Simulador pediátrico. 2015; NEGRI et al., 2017; COSTA, 2018).
É importante destacar alguns procedimentos
que são indispensáveis para a execução e o sucesso
dos cenários: o compartilhamento prévio do script
para o ator, o treinamento prévio, a execução do ce-
nário e o debriefing.
Compartilhar previamente o script possibilita o
conhecimento do papel e das características do per-
sonagem a ser interpretado. É importante compar-
tilhar as decisões com o ator sobre todas as inter-
venções e principalmente sobre o exame físico que
Simulador obstétrico. serão abordados.
Após o contato inicial com o script/as orienta-
ções para o ator, é importante que se execute pre-
viamente o cenário. Nesse momento, o instrutor que
criou o cenário precisa observar se as falas são com-
patíveis com o que foi escrito, se o comportamento é
o mesmo das orientações sinalizadas no script, e aten-
tar para possíveis ajustes do cenário. Ao realizar essa
tarefa, é possível dar novas orientações que influen-
ciem no desfecho e nos objetivos de aprendizagem.
Passadas as etapas anteriores, executam-se os ce-
Simulador adulto. nários. Nesse momento, o paciente padrão precisa
estar seguro do papel que desempenhará e não dar
margem a interpretações que possam influenciar no
Figura 3. Simuladores de alta fidelidade. desfecho do cenário. Além disso, os atores podem
participar, ao final, na etapa inicial do debriefing. É

396 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
recomendado que o ator ainda no personagem ini- 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
cie o feedback, trazendo os sentimentos e as percep-
ções do atendimento simulado. Existem diferentes tipos de simuladores que po-
Com figura do paciente padrão, pode-se utilizar dem ser usados para diversos treinamentos de
o modelo misto ou híbrido. Em situações em que os habilidades na MFC. Os simuladores de baixa,
simuladores de baixa fidelidade, média e alta não média e alta fidelidades podem apoiar o apren-
possam ser utilizados de forma isolada – por limi- dizado e a avaliação mais focados nas habilida-
tações de recursos e/ou questões referentes ao rea- des psicomotoras, aprimorando o exame físico e
lismo –, podem-se utilizar simuladores de baixa fi- os procedimentos.
delidade com figura do ator; por exemplo, em um Uma outra ferramenta muito relevante na si-
cenário que objetive a realização de um exame gine- mulação é a dramatização, em especial o paciente
cológico. Por questões éticas, esse procedimento não padrão. Essa ferramenta possibilita o aprendizado
deve ser realizado no ator. Porém, um simulador de e desenvolvimento do exame físico e da habilidade
pelve feminina pode ser acoplado à cintura de uma
de comunicação clínica em ambiente seguro e com
atriz, oportunizando o diálogo, a interação e a reali-
cenário que recria com alto nível de fidelidade um
zação do procedimento ginecológico.
contexto real.

7. REFERÊNCIAS COMMITTEE IS. INACSL Standards of Best Practice:


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Simulation in Nursing, v. 12, p. 13-15, 2016. doi:
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Tipos de simuladores utilizados em Saúde


da Família e Comunidade 397
CA P Í T U L O 11.4

O ensino de graduação, treino de


habilidades e uso de simulação em
enfermagem na Saúde da Família e
Comunidade

398
Miguel Arcangelo Serpa
Enfermeiro de Família e Comunidade da
Prefeitura Municipal de Ouro preto-MG
Doutor em Ciências Farmacêuticas – UFOP
Coordenador da Unidade Curricular de Habilidades Médicas – UniBH
Professor da UC Habilidades Médicas/Estações Clínicas – UniBH

1. INTRODUÇÃO: A ENFERMAGEM E A ATENÇÃO gralidade, a responsabilização, a humanização e a


PRIMÁRIA À SAÚDE
equidade. Um dos principais atributos da APS é ser
a porta de entrada, ou seja, ser preferencialmente o
A atenção primária à saúde (APS) é o centro do mo- primeiro contato das pessoas com o serviço de saúde.
delo de saúde pública adotado no Brasil. Ela se ca- A APS no Brasil é descentralizada e tem como
racteriza por um conjunto de ações de promoção principal modelo de organização a Estratégia Saúde
de saúde, prevenção de doenças, diagnóstico, trata- da Família (ESF). Esta tem como fundamento ser
mento, reabilitação e manutenção da saúde da po- multidisciplinar e leva o cuidado para o contexto
pulação. No Sistema Único de Saúde (SUS), a APS das comunidades.
comunica-se com toda a rede de modo a integrar Assim, com base nos referenciais de Starfield e
todos os níveis e fazer a coordenação de todo esse nos documentos da Organização Mundial da Saúde
cuidado (BRASIL, 2012). (OMS) e da Organização Pan-Americana da Saúde
A APS tem como princípios a universalidade, a (Opas), a Carteira de Serviços da Atenção Primária
acessibilidade, a continuidade do cuidado, a inte- à Saúde (CaSAPS) afirma o seguinte:

O ensino de graduação, treino de habilidades e uso de simulação em


enfermagem na Saúde da Família e Comunidade 399
É consenso mundial que os cias e habilidades para os egressos dos cursos de
Sistemas Nacionais de Saúde devem Enfermagem no Brasil. As novas DCN-ENF orien-
ser baseados numa APS forte e tam as escolas para uma formação generalista, hu-
resolutiva; A APS é estruturante para manizada e reflexiva. Nesse sentido, as DCN-ENF
a organização e sustentabilidade orientam para competências específicas para atu-
do sistema de saúde ao alcançar ação na APS, fomentando uma atuação multipro-
resultados com equidade; A APS fissional com competências, habilidades e atitudes
deve garantir o acesso universal para promover um cuidado integrado com ênfase
e em tempo oportuno às pessoas, na promoção da saúde. Ainda, as DCN-ENF suge-
ofertando o mais amplo e possível rem uma inserção dos alunos na comunidade para
escopo de ações visando à atenção que possam criar vínculo e vivenciar os atributos
integral, com responsabilização por da APS (BRASIL, 2018).
coordenar o cuidado dos pacientes
em sua trajetória clínica por meio de
uma relação contínua e de confiança. 2. A SIMULAÇÃO NA FORMAÇÃO NA ENFERMAGEM
Evidências mostram que sistemas DE FAMÍLIA E COMUNIDADE
de saúde com forte base na APS
conseguem melhores resultados de A simulação pode ser definida como o uso de am-
saúde para a população, com mais bientes simulados com o objetivo de representar
equidade e melhor sustentabilidade uma situação ou tarefa, e isso implica necessaria-
mente o conceito de ensino baseado em tarefas –
(BRASIL, 2020).
EBT (MENNIN et al., 2003). O EBT faz com que o
estudante seja exposto a situações de simulação de
contextos reais a fim de resolver problemas, trei-
nar técnicas e refletir sobre tomada de decisão em
A ESF tornou-se então um lugar de forte atu- ambientes controlados.
ação da enfermagem, em que o profissional pode Dessa maneira, o estudante é estimulado a le-
contribuir com sua competência de liderança de var para seu espaço de aprendizagem suas experi-
equipe, gestão e assistência à saúde individual e co- ências e seus conhecimentos prévios, e aplicá-los
letiva na comunidade. Assim, o enfermeiro na APS nas simulações propostas, rompendo assim com o
deve ser um agente de transformação social ao pla- modelo tradicional de ensino e aprendizagem pas-
nejar e executar políticas de saúde que garantam siva (PAZIN FILHO, 2007).
um cuidado integral. Desde os anos 2000, muitas sociedades têm re-
O papel da enfermagem na ESF foi destaque na comendado o uso de simulações na formação de
concepção e evolução dessa estratégia. Desde a cria- profissionais de saúde, em especial da medicina e
ção do antigo Programa da Saúde de Família (PSF), enfermagem, no mundo todo (LEIGHTON, 2013).
a enfermagem assumiu um papel de liderança, tanto Os principais benefícios apontados por diversas
administrativa quanto técnica e de assistência, pro- comunidades de ensino são: diminuição do risco
movendo com autonomia o cuidado primário na co- para os pacientes, redução de gastos, possibilidade
munidade (MACINKO; HARRIS, 2015). de colaboração multiprofissional, substituição do
Nessa perspectiva, a ESF é um terreno fértil uso de animais e possibilidade de treinamento de
para o desenvolvimento das conhecimentos, habi- competências, habilidades e técnicas em ambiente
lidades e atitudes do profissional de enfermagem. controlado (ZIV et al., 2003).
Isso gera a demanda de uma formação diferenciada, No ensino da enfermagem, essa estratégia vem
voltada para as necessidades de saúde da popula- sendo utilizada como uma metodologia ativa de en-
ção. Nesse sentido, torna-se fundamental a orga- sino inovadora que busca a formação de profissio-
nização de um currículo destinado ao desenvolvi- nais mais críticos e reflexivos que sejam capazes de
mento dessas habilidades. atuar em diferentes contextos sociais (TEIXEIRA et
Nesse contexto, as Diretrizes Curriculares al., 2011; MARMOL et al., 2012; NEGRI et al., 2017).
Nacionais do curso de graduação em Enfermagem No entanto, essa estratégia é recente, e a maioria
(DCN-ENF) de 2018 atualizaram as competên- dos estudantes e principalmente dos profissionais de

400 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
enfermagem não é exposta às técnicas de simulação ladores de realidade virtual com modelos automa-
clínica (LEIGHTON, 2013). Alguns fatores podem tizados e paciente ator ou paciente padronizado.
dificultar a implantação da simulação clínica no en- O uso dessas ferramentas possibilita o treina-
sino da enfermagem, como o custo elevado e o não mento dos estudantes e profissionais da APS em
acesso a modelos realísticos e softwares de alta tec- ambiente seguro e controlado. O professor/tutor
nologia. Historicamente, o ensino no Brasil se uti- pode construir um cenário específico para o treino
liza de poucas tecnologias como suporte. de procedimentos comuns que em geral são realiza-
Em uma busca realizada na base de dados dos em pacientes, muitas vezes em ambiente hos-
MEDLINE/PubMed, no dia 8 de junho de 2021, pitalar, bem diferente do contexto da APS.
com os descritores do Medical Subject Headings O uso da simulação permite uma aprendizagem
(MeSH) – “Family Nurse Practitioners” OR “Family ativa e segura, uma vez que a técnica possibilita o
Nursing” OR “Primary Nursing” OR “Community treino de habilidades e competências que benefi-
Health Nursing” OR “Primary Care Nursing” AND ciarão os pacientes sem que eles sejam expostos
“Computer Simulation” OR “Patient Simulation” OR a riscos desnecessários (OLIVEIRA et al., 2018;
“High Fidelity Simulation Training” OR “Simulation JENSEN; KUSHNIRUK; NOHR, 2015).
Training” –, foram observados apenas 47 artigos
publicados entre 1992 e 2020. Nenhum artigo foi de
revisão ou revisão sistemática. Em relação ao perí- 3. A SIMULAÇÃO E O TREINO DAS HABILIDADES DE
odo, 33 desses artigos foram publicados de 2009 a COMUNICAÇÃO PARA ENFERMAGEM NA APS
2020, reforçando o avanço somente recente no uso
dessa ferramenta. A enfermagem tem como princípio o cuidado hu-
Os temas abordados nesses estudos podem ser manizado e centrado na pessoa. Além disso, o en-
sumarizados em duas competências assistenciais: fermeiro de APS especialmente precisa entender
1. procedimentos e 2. habilidade de comunicação a pessoa em um contexto familiar e comunitário.
clínica. Nesse sentido, a habilidade de comunicação é uma
Segundo a Política Nacional de Atenção Primária competência fundamental para um bom cuidado
(Pnab) de 2012, o enfermeiro da ESF tem as seguin- com a população.
tes atribuições: Existem alguns conceitos importantes que tra-
zer à discussão sobre o cuidado centrado na pessoa
• Realizar atenção à saúde de todos os indivíduos no processo de trabalho da enfermagem. A aten-
sob sua responsabilidade, em todas as fases do ção centrada no paciente (ACP) tem como funda-
desenvolvimento. mentos: 1. a perspectiva ampliada do cuidado, reco-
• Realizar consultas de enfermagem, procedimen- nhecendo um cuidado integral com foco na família
tos, atividades em grupo e conforme protoco- e comunidade; 2. a participação da pessoa no cui-
los específicos, observando disposições legais dado relacionado ao autocuidado e à autonomia; e
da profissão, prescrever medicamentos e en- 3. a relação entre profissional e paciente (AGRELI;
caminhar quando necessário a outros serviços. PEDUZZI; SILVA, 2016).
• Realizar atividades programadas e atenção à de- Além da APC, o método clínico centrado na pessoa
manda espontânea. (MCCP) é um potente referencial teórico para traba-
• Coordenar as ações desenvolvidas pelo agente lhar a habilidade de comunicação clínica (STEWART
comunitário de saúde (ACS). et al., 2017). O MCCP tem como componentes:
• Contribuir nas ações de educação permanente
da equipe e participar delas. 1) A exploração da experiência com o adoecimento.
• Participar do gerenciamento de insumos da uni- 2) O entendimento da pessoa como um todo.
dade de saúde. 3) A construção de um plano conjunto.
4) O fortalecimento da relação entre o profissional e
Existem vários tipos de simuladores disponí- o paciente.
veis para o ensino em saúde, que são classificados
de acordo com seu nível de complexidade: desde O tipo de simulador mais adequado para o en-
manequins de baixa fidelidade, usados para trei- sino de habilidades de comunicação é o paciente
namento de manobras e procedimentos, até simu- padronizado. Em geral, essa ferramenta se utiliza

O ensino de graduação, treino de habilidades e uso de simulação em


enfermagem na Saúde da Família e Comunidade 401
de atores com treinamento especializado para si- uma ferramenta que pode facilitar a atuação mul-
mular sintomas, sentimentos e contextos reais que tiprofissional, percebe-se um maior uso na gradu-
envolvem comunicação ativa. Alguns estudos tra- ação em Medicina (CACHO et al., 2016).
zem a importância do uso de atores em canários si- Além disso, alguns estudos relatam dificuldade
mulados, mostrando que a metodologia aumenta o no uso dessa atividade em algumas atividades muito
aprendizado e realismo (COSTA, 2015; OLIVEIRA, específicas, sobretudo no que concerne à aplicação
2018). Uma opção para interpretação do paciente de cenários simulados (SILVA et al., 2015). Ademais,
padronizado é a simulação por pares, em que ou- os custos para montagem das simulações clínicas
tro estudante faz o papel de paciente. com todo equipamento, a contratação de profissio-
Ainda, vale destacar o uso cada vez mais fre- nais especializados na metodologia e a educação
quente da simulação de realidade virtual. Esses si- permanente na área são fatores muito importan-
muladores são controladas por softwares de alta tes para a efetivação dessa atividade na maioria das
tecnologia capazes de recriar situações bem fiéis escolas de saúde do país (MACIEIRA et al., 2017;
à realidade, com a vantagem de serem pré-progra- COSTA, 2015).
mados para que possam agir da melhor forma de
acordo com a intencionalidade do treinamento.
Um bom exemplo atualmente é o Body Interact da 5. CONCLUSÃO
empresa Civiam.
Uma prática interessante adotada em algumas A ampliação do papel da enfermagem de família e
instituições é o uso de diferentes simuladores em comunidade é discutida e incentivada no mundo
um mesmo cenário. Por exemplo, em uma consulta todo. Para isso, faz-se necessário um trabalho co-
podem-se utilizar o paciente-ator para fazer todo letivo que envolva discussões sobre políticas de
treino de habilidade de comunicação clínica e um saúde, gestão e formação profissional. A simula-
manequim para realizar o exame físico. Dessa forma, ção é uma ferramenta muito potente para o de-
é possível treinar diferentes técnicas de exame fí- senvolvimento de competências, habilidade e ati-
sico ou procedimentos, com diferentes configura- tudes para o ensino na enfermagem de família e
ções de turma, sem expor o ator a nenhum tipo de comunidade. Mesmo com pouca produção cien-
risco durante o exame. tífica sobre o uso da simulação no ensino da en-
fermagem, estudos apontam os benefícios dessa
ferramenta para ensino de procedimentos e ha-
4. AS LIMITAÇÕES DA SIMULAÇÃO CLÍNICA bilidade de comunicação na APS. Para isso, o pa-
ciente padronizado é a principal ferramenta para
Devemos considerar alguns fatores que limitam a se trabalhar com essas competências, assegurando
aplicação das simulações no ensino da enfermagem. qualidade, contexto realista e segurança para o
Salvador et al. (2019) ressaltam fatores importantes paciente. Dessa maneira, tornam-se importan-
que dificultam, no Brasil, o uso de simulação clínica tes a reflexão das práticas de ensino e o fomento
no ensino em saúde. Um desses pontos é a aplica- de uso dessas novas tecnologias para uma for-
ção dessa atividade pedagógica muito maior na for- mação mais adequada às necessidades de saúde
mação médica (44,8%). Mesmo a simulação sendo da população.

6. REFERÊNCIAS BRASIL. Resolução nº 573, de 31 de janeiro de 2018.


Dispões sobre as recomendações do Conselho Nacional
AGRELI; H. F.; PEDUZZI, M.; SILVA, M. C. Patient de Educação (CNE) sobre Diretrizes Curriculares
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Brasil. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: BRASIL. Carteira de Serviços da Atenção Primária
Ministério da Saúde, 2012. à Saúde (CaSAPS): versão profissionais de saúde e
gestores. Brasília: Ministério da Saúde, 2020.

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O ensino de graduação, treino de habilidades e uso de simulação em


enfermagem na Saúde da Família e Comunidade 403
12. SAÚDE MENTAL
CA P Í T UL O 12.1

O ensino de Saúde Mental na


graduação e residência médica

405
Karina Diniz Oliveira
Médica Psiquiatra
Docente do Departamento de
Psiquiatria - UNICAMP

Bianca Cristina Ciccone Giacon-Arruda


Enfermeira
Doutora em Enfermagem Psiquiátrica
Professora da Graduação e do Programa
de Pós-graduação em Enfermagem
Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul

Renato Soleiman Franco


Médico Psiquiatra
Coordenador da Residência de Psiquiatria
da Prefeitura Municipal de Curitiba
Professor Adjunto na Escola de Medicina
e Programa de Pós-Graduação – PUC/PR

1. INTRODUÇÃO aluno em saúde mental (ÖSTER; BÄCKSTRÖM;


LANTZ, 2015).
O campo do conhecimento em saúde mental é com- A psiquiatria no Brasil demonstrou ter um en-
plexo, caracterizado por pluralidade e transversa- foque predominantemente clínico e psicodinâmico.
lidade de saberes. Por isso, o ensino da área deve Esse achado parece sinalizar que não se aceita mais
ser composto por muitas dimensões e estar em um enfoque reducionista na psiquiatria: é preciso
constante processo de construção (CARNEIRO; ensinar não apenas a identificar um conflito psí-
PORTO, 2014). A convivência com outros cam- quico, mas também a medicar uma sintomatologia
pos do conhecimento torna necessária no ensino psiquiátrica (CATALDO et al., 2011). O contexto
da saúde mental a inclusão da concepção psicos- social em que o indivíduo está inserido e a baga-
social, da saúde coletiva, da integralidade e da in- gem cultural dele também devem ser considera-
terdisciplinaridade (AMARANTE, 2008). Além de dos e destacados aos estudantes.
aspectos clínicos, portanto, o ensino de saúde men- O estudante deve, desde cedo, compreender o
tal deve contemplar os contextos cultural e psico- significado da real dimensão do conhecimento te-
dinâmico do indivíduo, contando com a lógica do órico e prático da psiquiatria. Como futuro profis-
funcionamento multidisciplinar. Um estudo reali- sional de saúde, deve estar atento para os compo-
zado na Suécia mostrou que a troca interdiscipli- nentes pessoais e emocionais de qualquer problema
nar por meio da equipe multiprofissional é impor- que os pacientes apresentem, além de sua relação
tante para o processo de ensino e aprendizagem do com a família e a comunidade. É também impor-
tante que seja desenvolvida uma relação empática

406 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
com o paciente e que o aluno seja capaz de reali- método, apesar de ilustrativo, pode causar descon-
zar avaliação, diagnóstico e manejo dos transtornos forto e angústia, prejudicando o processo de apren-
mentais prevalentes (SOARES, 1996-1997). dizado e principalmente a imagem da especialidade
Considerando a relevância do tema e a preva- (CHADDA, 2000).
lência crescente de transtornos mentais na popu- Por exemplo, um paciente em episódio maní-
lação, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) aco pode apresentar desinibição social, com ati-
de 2014 reconhecem a importância da saúde men- tudes hipersexualizadas, heteroagressivas e ideias
tal na formação do generalista e a colocam como delirantes que, após a remissão da crise, geram ar-
uma grande área, determinando que 70% da carga rependimento e vergonha. A exposição dessas fra-
horária do internado deve contemplar saúde men- gilidades a aprendizes pode ser mal interpretada
tal, clínica médica, cirurgia, ginecologia-obstetrícia, pelos estudantes, reforçando o estigma que envolve
pediatria e saúde coletiva (BRASIL, 2014). os transtornos mentais. O docente deve estar pre-
Apesar disso, a maioria dos cursos médicos tem parado para lidar com essas situações com natura-
em seus currículos uma carga horária de psiquia- lidade e profissionalismo, minimizando esse efeito
tria/saúde mental insatisfatória. A abordagem na negativo no aprendizado. A imagem do paciente,
maioria das vezes é predominantemente teórica, porém, pode ser maculada e estigmatizada, e esse
com estágios práticos centrados ou no atendimento efeito é muito mais difícil de minimizar.
hospitalar, desconsiderando os aspectos psicosso- No que se refere à instituição de ensino, é im-
ciais e comunitários (PEREIRA; ANDRADE, 2018). portante que a equipe de docentes da área de saúde
O ensino de psiquiatria apresenta particulari- mental, além das atividades diretamente ligadas
dades em relação às outras especialidades. O es- às disciplinas de saúde mental, esteja engajada em
tigma que envolve a saúde mental muitas vezes diversos aspectos da vida acadêmica. A participa-
acaba sendo um fator importante para que os estu- ção dos psiquiatras em comissões administrativas,
dantes desconsiderem tanto o paciente com trans- como as relacionadas ao bem-estar do estudante, e
torno mental, que é encarado como “problemático”, em outras disciplinas não necessariamente atrela-
quanto o psiquiatra, cuja técnica é confundida com das à saúde mental mostra aos alunos a importân-
paciência ou tolerância (BERMAN et al., 1996). Um cia da área em diversos aspectos, o que contribui
estudo que entrevistou médicos de família sobre a para a diminuição do estigma que envolve a espe-
formação acadêmica deles em saúde mental mostrou cialidade. Essa participação pode envolver disci-
que a maioria se sentiu despreparada para o atendi- plinas ao longo do curso que tratem do funciona-
mento das demandas de saúde mental e identificou mento corporal como um todo, discussões éticas,
falhas importantes na formação durante a graduação desenvolvimento humano ou atividades na cole-
médica. Segundo eles, os temas de saúde mental fo- tividade que destaquem o papel do médico como
ram insuficientes e a formação ocorreu de maneira agente de melhora das condições de vida (GASK;
bastante negativa, reforçando preconceitos e tabus COSKUN; BARON, 2011).
em relação ao atendimento psiquiátrico e criando Dessa maneira, o ensino de saúde mental baseado
barreiras que dificultaram o interesse e a disponibi- em métodos tradicionais não é mais suficiente para
lidade desses médicos para atender pacientes com fornecer ao aluno as competências necessárias que
transtornos mentais (PEREIRA; ANDRADE, 2018). permitam atingir as habilidades e atitudes de ma-
A estrutura curricular e os métodos atuais de neira a exercer sua profissão de maneira confiável.
ensino de psiquiatria adotados pelas faculdades de Por isso, é necessária a estruturação do cur-
Medicina muitas vezes contribuem para essa ima- rículo em saúde mental a partir de competências
gem negativa da especialidade (GASK; COSKUN; construídas e distribuídas ao longo do curso, inte-
BARON, 2011). Tradicionalmente uma das manei- grando-as sempre que possível às outras áreas do
ras de se ensinar psiquiatria é por meio da entre- conhecimento. As metodologias ativas de ensino
vista pública com pacientes reais, o que muitas ve- são essenciais para a viabilização desse objetivo.
zes expõe os envolvidos, tanto pacientes quanto Assim, em saúde mental algumas competências
entrevistadores. Indivíduos com transtornos men- essenciais são: competência cultural (ser capaz de
tais internados, portanto em crise, muitas vezes não lidar com pacientes/familiares/profissionais com
têm crítica suficiente para perceberem o impacto diferentes concepções culturais e sociais), compe-
de suas respostas e atitudes, expondo-se desneces- tência de comunicação (clínica e interprofissional),
sariamente a situações que podem ser constran- competência técnica (conhecimento e história clí-
gedoras e até assustadoras. Para os discentes, esse nica, raciocínio, diagnóstico e tratamento), compe-

O ensino de saúde mental na graduação e residência médica 407


tência ligada à gestão (saúde pública e gestão de ser- a Antiguidade, a assimetria da relação médico-pa-
viços) e profissionalismo (valores da profissão, ética, ciente foi considerada, e os direitos do paciente, pre-
moral profissional e aprendizagem continuada). servados. O julgamento de Hipócrates, por exemplo,
De maneira geral, a educação médica tende a apresenta princípios éticos, como zelar pelo bem do
restringir as habilidades de comunicação ao ma- doente (“Aplicarei os regimes para o bem do doente
nejo de situações delicadas, como comunicação de segundo o meu poder e entendimento, nunca para
más notícias, aconselhamento genético e manejo de causar dano ou mal a alguém”) e preservar o sigilo
pacientes difíceis. Esses também são recursos im- médico (“Aquilo que, no exercício ou fora do exer-
portantes a serem ensinados, pois é essencial que cício da profissão e no convívio da sociedade, eu ti-
o estudante tenha ao longo do curso contato com ver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu
técnicas que lhe permitam lidar de maneira tran- conservarei inteiramente secreto”).
quila com diversas situações delicadas inerentes à Ética é um dos principais campos do ensino
prática médica. Porém, as habilidades de comuni- nas áreas de saúde. Conhecimentos e valores éti-
cação não devem ser restringidas a problemas, pelo cos fortalecem a relação médico-paciente, além de
contrário: lidar bem com situações difíceis será uma orientarem o profissional a tomar decisões corre-
consequência natural de um ensino adequado das tas, auxiliando o manejo de cada caso. O ensino de
habilidades de comunicação. É importante que o ética demanda a capacidade de o professor mos-
aprendiz desenvolva uma postura humanística que trar o caminho, de o estudante contribuir para o
permita entender e respeitar o sofrimento do pa- processo de ensino e aprendizagem, e de a insti-
ciente. Muito além de atividades teóricas ou de si- tuição se adaptar a um contexto mais ético (GASK;
mulação, as habilidades de comunicação devem ser COSKUN; BARON, 2011).
desenvolvidas ao longo do curso, durante atividades O exercício da psiquiatria em especial envolve
de supervisão e discussão de casos e de mentoring uma série de questões éticas. O psiquiatra tem o
com aprendizes (DEVEUGELE, 2015). poder de privar o paciente de um dos direitos es-
Além das habilidades de comunicação, necessá- senciais do ser humano, a liberdade. Por esse mo-
rias à boa prática médica geral e não apenas ao es- tivo, o cotidiano dos profissionais de saúde mental
pecialista em saúde mental, há uma série de outras é permeado por dilemas éticos trazidos pelas diver-
competências não menos importantes. O médico ge- sas situações que envolvem as pessoas com trans-
neralista deve saber realizar diagnósticos em saúde tornos mentais. Questões sobre autonomia, direitos
mental, manejar as principais síndromes e conhe- dos pacientes e familiares e conflitos que culminam
cer efeitos benéficos e colaterais de psicofármacos em problemas jurídicos devem ser resolvidas com
e os eventuais riscos que a prescrição dessa classe serenidade e segurança pela equipe multidiscipli-
de medicamentos pode causar nos pacientes (com- nar de saúde mental.
petências técnicas). Uma das maneiras de ensinar aos estudantes a
Além disso, há uma crescente prevalência de desigualdade na relação médico-paciente é realizar
comportamento suicida em nossa sociedade, com um paralelo com a relação entre professor e aluno.
alarmantes índices de tentativas e suicídios con- Nos conflitos éticos diários, uma das maneiras de
sumados (WORLD HEALTH ORGANIZATION; mostrar aos estudantes o caminho é transformar em
INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR SUICIDE parceria a relação vertical entre mestres e estudan-
PREVENTION, 2008). O formando deve estar pre- tes. É importante que a parceria respeite os limi-
parado para realizar a avaliação de risco e conhe- tes de cada parte, principalmente no que se refere
cer os recursos de rede de saúde mental e assistên- à vida privada dos professores, para que não ocor-
cia disponíveis para acompanhar o paciente. Dessa ram confusões entre público e privado, assim como
maneira, é necessário fornecer ao aluno competên- não deve acontecer entre o médico e o paciente.
cias que envolvam conhecimento técnico, manejo O ensino de ética pode ser realizado a partir da
de risco e recursos para a construção de uma linha leitura de textos e da discussão de casos que levan-
de cuidado em saúde mental. tem dilemas éticos. Essas discussões podem ser re-
alizadas entre os alunos também, e os professores
devem estar abertos a abordar questões que apare-
2. ASPECTOS ÉTICOS DO ENSINO DE PSIQUIATRIA çam não somente relacionadas a pacientes, mas tam-
bém aspectos que envolvam diretamente os alunos.
O conhecimento ético deve ser considerado um dos Especificamente em saúde mental, os pacien-
pilares do exercício das profissões de saúde. Desde tes se encontram em uma posição muito vulnerá-

408 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
vel. Por esse motivo, o ensino deve o tempo todo ser mentos, habilidades e atitudes em saúde mental é
permeado por aspectos éticos. O estudante deve ter importante não somente para médicos, enfermei-
acesso à história da psiquiatria no Brasil, sendo es- ros e psicólogos, mas também para assistentes so-
timulado a desenvolver senso crítico acerca da situ- ciais, fisioterapeutas e educadores físicos, entre ou-
ação dos manicômios e da perda da identidade dos tras áreas do conhecimento.
que sofriam de transtornos mentais. Noções de di-
reitos humanos devem ser enfatizadas, e a Lei Paulo
Delgado (BRASIL, 2001), que estabeleceu os direi- 4. ENSINO DE SAÚDE MENTAL EM ENFERMAGEM
tos dos pacientes psiquiátricos, deve ser conhecida.
O aluno deve ter acesso a noções como autono- Na área da enfermagem, o ensino de saúde men-
mia da vontade, internação compulsória e involun- tal também passou por mudanças estruturais. Até a
tária, e contenção mecânica (LIMA, 2007). Outro década de 1980, os currículos em enfermagem ado-
aspecto importante que não pode ser negligenciado tavam o modelo biomédico e hospitalar, que priori-
é o papel atual da eletroconvulsoterapia no trata- zava a internação de pessoas com transtornos men-
mento de transtornos mentais e o modo desvirtu- tais nos manicômios, instituições totais de longa
ado como foi utilizada no passado devido a políti-
permanência. Os estágios supervisionados dessa
cas públicas equivocadas (MANKAD et al., 2010;
época desconsideravam temas como reabilitação
MAFTUM et al., 2017).
e reinserção social, reforçando o entendimento de
que cuidado destinado à saúde mental deveria con-
centrar-se na medicação, alimentação e higiene
3. O ENSINO DE SAÚDE MENTAL BASEADO EM dos pacientes internados (MARTINS et al., 2018).
COMPETÊNCIAS
Com a promulgação da Lei Paulo Delgado
(BRASIL, 2001), assim como o ensino médico o
O movimento de competências foi um marco na ensino de enfermagem teve que ser reformulado, e
educação médica, ao apreciar que conhecimentos, a perspectiva da reabilitação psicossocial passou ser
habilidades e atitudes são adquiridos pelos médicos a pauta principal da estrutura do currículo. A reali-
no desenvolvimento por meio da aprendizagem ao zação dos estágios supervisionados nos dispositivos
longo da vida, colocando alunos e professores como de saúde mental substitutivos ao hospital psiquiá-
responsáveis pelos resultados do processo educacio- trico deve ser um dos alicerces do novo modelo de
nal (BERESIN; BALON; COVERDALE, 2014). ensino, baseado na lógica integradora e não mais
A estruturação do ensino baseado em competên- manicomial. Porém, alguns cursos ainda mostram
cias fornece uma estrutura sistêmica de conheci- dificuldade de atender a essa necessidade por se-
mento, habilidades e atitudes que permitem feed- rem localizados em municípios que carecem des-
back e avaliação por classificações globais e, mais ses dispositivos de cuidado (RODRIGUES, 2010).
importante, por observação direta. A partir de sub- Um estudo que analisou o ensino de saúde men-
sídios para o processo de avaliação, os educadores tal em 738 instituições de ensino de enfermagem
podem realizar avaliações formativas baseadas em brasileiras mostrou que, por não haver uma legis-
parâmetros de referência, que são determinados
lação específica para padronização das disciplinas
pelas competências que o aluno deve adquirir em
de saúde mental e psiquiátrica, há
cada etapa de sua formação (COWLEY; SWING;
ampla variação do ensino ao longo dos anos dos
BENTMAN, 2014).
cursos de Enfermagem. Embora a grande maioria
No Brasil, as competências em saúde mental
das instituições tivesse em sua grade curricular ao
ainda estão em fase de desenvolvimento, e a maio-
menos uma disciplina da especialidade, cerca de 3%
ria dos programas de graduação e residência não é
das estruturas analisadas não ofereciam nenhuma
estruturada em função desses parâmetros. O en-
disciplina relacionada à área durante toda a forma-
sino de saúde mental deve enfatizar a importância
ção do enfermeiro (VARGAS et al., 2018).
do trabalho multidisciplinar, pois o paciente com
transtornos mentais demanda um projeto terapêu-
tico que deve abranger diversos aspectos, necessi-
tando de muito além do saber médico para a me- 5. A RESIDÊNCIA EM PSIQUIATRIA NO BRASIL
lhora de sua qualidade de vida.
A alta prevalência de transtornos mentais na so- O ingresso nos programas de residência médica
ciedade atual mostra que a delimitação de conheci- em psiquiatria acontece por meio de processos sele-

O ensino de saúde mental na graduação e residência médica 409


tivos organizados pelas instituições de saúde. Após quiatria entrou nessa lista em razão da prevalên-
três anos de estudos e prática, os residentes estão cia de transtornos mentais na população mundial.
aptos a exercer a função de médico psiquiatra. Até Atualmente, o escopo da residência médica em
2017, o segmento reunia cerca de 10,3 mil profis- psiquiatria tem um caráter holístico e envolve as-
sionais, sendo 55,1% homens e 44,9% mulheres, de pectos da psicofarmacologia, da neuroimagem e da
acordo com a Demografia Médica. genética. Desde 2010, os três anos de residência mé-
Em 2009, o Ministério da Saúde começou a in- dica em psiquiatria abarcam, segundo o Ministério
centivar a formação de médicos psiquiatras por da Educação (MEC), uma carga horária mínima de
meio do Programa Nacional de Apoio à Formação 2.880 horas anuais. Essas horas são divididas em
de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas treinamento em serviço (de 80% a 90%) e em carga
para o Sistema Único de Saúde (SUS), conhecido didática (de 10% a 20%).
como Pró-Residência. O intuito era estimular a for- O programa mínimo da residência em psiquia-
mação de especialistas em áreas prioritárias. A psi- tria está organizado no Quadro 1.

Quadro 1. Programa mínimo de residência médica em psiquiatria segundo o MEC.

DIDÁTICA TREINAMENTO EM SERVIÇO

• Estágio em enfermaria
(mínimo de 30% da carga horária anual)
• Ciências básicas • Estágio em neurologia
• Avaliação diagnóstica (mínimo 5% da carga horária anual)
• Terapêuticas biológicas e psicossociais • Clínica médica
Primeiro
• Ética em psiquiatria (mínimo de 5% da carga horária anual)
ano
• Conhecimentos gerais • Estágio ambulatorial
• Políticas públicas em saúde mental (mínimo de 30% da carga horária anual)
• Psicopatologia geral • Emergência psiquiátrica
(mínimo de 10% da carga horária anual)
• Estágio optativo a critério da instituição

• Emergência em psiquiatria
(mínimo de 10% da carga horária anual)
• Interconsulta
(mínimo de 10% da carga horária anual)
• Estágio em ambulatório ou Centro de Atenção
• Ciências básicas Psicossocial (Caps) ou Núcleo de Atenção
• Psicopatologia especial Psicossocial (Naps) (mínimo de 40% de carga
Segundo
• Psicoterapia horária anual), com obrigação de desenvolver
ano
• Psiquiatria da infância e adolescência as seguintes áreas: dependência química, psi-
• Abuso e dependência de drogas quiatria geriátrica, psiquiatria da infância e ado-
lescência, e ambulatórios especializados
• Psiquiatria geral
• Treinamento em psicoterapia
(mínimo de 10% de carga horária anual)
• Estágio optativo a critério da instituição

• Estágio em ambulatório (mínimo de 50% da


• Ciências básicas
carga horária anual), sendo psiquiatria geral,
• Psiquiatria geriátrica
ambulatório especializado e área de atuação
• Psiquiatria forense
Terceiro • Treinamento em psicoterapia
• Epidemiologia psiquiátrica
ano (mínimo de 10% da carga horária anual)
• Psiquiatria comunitária
• Reabilitação (mínimo de 10% da carga horária anual)
• Conhecimentos gerais
• Estágio optativo a critério da instituição
• Metodologia científica
(mínimo de 10% da carga horária anual)

410 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS forçar a importância da reestruturação do ensino
de saúde mental nas diversas profissões da saúde.
Dessa maneira, as DCN marcam o posicionamento Essas mudanças envolvem não apenas o currículo
das instâncias governamentais quanto ao perfil do em si, mas também a superação de estigmas, os modos
profissional que se pretende formar: crítico, gene- de entendimento da área e a reformulação de postu-
ralista, reflexivo, que atenda às necessidades so- ras dos profissionais docentes, com o intuito de apri-
ciais de saúde e do SUS sob o eixo da integralidade morar a perspectiva de entendimento de indivíduos
e do trabalho em equipe. Há necessidade de se re- com transtornos mentais e de cuidado destinado a eles.

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412 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 12.2

O estado da arte do uso


da simulação clínica
em Saúde Mental

413
Renato Soleiman Franco
Médico Psiquiatra
Coordenador da Residência de Psiquiatria
da Prefeitura Municipal de Curitiba
Professor Adjunto na Escola de Medicina
e Programa de Pós-Graduação – PUC/PR

Karina Diniz Oliveira


Médica Psiquiatra
Docente do Departamento de
Psiquiatria - UNICAMP

Bianca Cristina Ciccone Giacon-Arruda


Enfermeira
Doutora em Enfermagem Psiquiátrica
Professora da Graduação e do Programa
de Pós-graduação em Enfermagem
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

1 INTRODUÇÃO comum ou ser voltada para o treino de habilidade


de situações mais cotidianas nas quais temos a ne-
A segurança e o bem-estar do paciente em um am- cessidade de aumentar o nível de competência. Há
biente de ensino são fundamentais e buscados por uma série de condições entre esses dois extremos
todos os envolvidos na aprendizagem (paciente, de possibilidades, e a simulação se aplica à grande
estudantes e professores). A simulação é um dos maioria delas.
recursos que devem ser utilizados para impulsionar Entre as modalidades de uso da simulação em
a aprendizagem na área da saúde mental. saúde mental, destacam-se casos clínicos com pa-
O treinamento em simulação é um recurso edu- cientes ou situações simuladas (atores e role play
cacional em rápido desenvolvimento, e os educa- com estudantes – pares e professores), realidade vir-
dores precisam estar cientes de seus possíveis usos tual (RV) e simuladores. O método de ensino mais
no ensino de psiquiatria (NEALE, 2019). No campo descrito na literatura é com o uso de pacientes es-
da saúde mental, há competências específicas a se- tandardizados (ABDOOLRAHEEM; ZEINA, 2018)
rem atingidas que diferem das outras especialida- No entanto, o uso de pacientes virtuais (RV) tem
des que envolvem a realização de procedimentos, aumentado nos últimos anos. Na RV, casos clínicos
como cirurgia e ginecologia. virtuais e algoritmos de decisão são apresentados a
Destarte, o uso da simulação pode ser direcio- partir de um cenário clínico e virtualmente viven-
nado para condições mais raras e pouco vistas na ciado pelos estudantes. Estudos têm demonstrado
prática, e, com isso, há a possibilidade de reconhe- o uso da RV como uma estratégia importante tanto
cer os sinais/sintomas de determinada condição in- para o desenvolvimento de competências, simples

414 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
e complexas, quanto de habilidades específicas e Além das habilidades de comunicação, há
de técnicas, como o uso da eletroconvulsoterapia. uma série de situações que envolvem o ensino da
Ademais, promove atitudes positivas, empatia e segu- saúde mental em que é possível usar o recurso da
rança (MARTIN et al., 2020; VERKUYL et al., 2018). simulação, com diferentes tipos de simuladores.
Além disso, há simuladores que proporcionam Considerando todos os riscos e benefícios, ainda
experiências próximas às alterações psicopatoló- parece ser consenso que o ensino da comunicação
gicas, como modelos que simulam delírios ou alu- em saúde mental se beneficia da simulação. No en-
cinações por meio de áudios ou RV, gerando no tanto, é necessária reflexão sobre como aumentar
estudante sensações semelhantes àquelas que os a fidelidade dos cenários, lidar com o imprevisível
pacientes sentem. Alguns autores utilizam sons de e promover um ambiente seguro de aprendizagem
vozes misturados ao ambiente, por exemplo, para e com um custo que se justifique.
simular a experiência de alucinações auditivas. A simulação tanto com pacientes simulados
Dessa maneira, essa estratégia possibilita uma quanto com simuladores é avaliada de forma posi-
aplicação ampla e promove uma experiência bem tiva por estudantes e residentes que percebem que
próxima do atendimento clínico real, sendo cada estão mais bem preparados para a prática com pa-
vez mais utilizado no ensino da saúde mental cientes. No entanto, apesar de vários serviços reali-
(ABDOOLRAHEEM; ZEINA, 2018). zarem simulações envolvendo situações relacionadas
Além dos benefícios, é importante conhecer al- à saúde mental, feedback ou debriefing que permi-
gumas possíveis desvantagens ou dificuldades para tam uma análise reflexiva de estudantes/residentes
tentar minimizá-las no uso da simulação. Entre essas nem sempre são realizados (ABDOOL et al., 2017).
dificuldades, estão o estresse e a ansiedade promo- O feedback e debriefing demandam tempo, mas
vida pela observação, pela previsão e exigência de é essencial que façam parte do processo de apren-
performance adequada ou pela própria dificuldade dizagem que utiliza a simulação. Muitas vezes, por
dos estudantes em conseguir realizar a simulação. dificuldades quanto ao número de professores ou
A veracidade da situação quanto às possíveis re- tempo no laboratório de simulação, a própria si-
ações inesperadas e pouco previsíveis na prática clí- mulação é priorizada em detrimento do processo
nica em detrimento das respostas planejadas e es- de feedback e debriefing (VERKUYL et al., 2018)
tandardizadas na simulação também é elemento a Uma saída é o treinamento dos atores para que,
ser questionado. No entanto, uma das maiores des- logo após a simulação, realizem o feedback daquilo
vantagens ainda é o custo que envolve simuladores, que era esperado. Estimular os estudantes a fazer
ambiente próprio, treinamento de staff, entre ou- perguntas e buscar o feedback também é importante.
tros (NEALE, 2019). Apesar de a falta do feedback e debriefing diminuir o
Algumas das principais competências para o potencial do recurso da simulação, estudantes ava-
médico generalista são as habilidades de comuni- liam de forma positiva a prática em ambiente simu-
cação. Saber se comunicar é essencial para a estru- lado (WINTER-TAYLOR; RICHARDSON, 2020).
turação de uma relação médico e paciente de qua- Entretanto, o feedback e o debriefing continuam
lidade. Habilidades de comunicação envolvem a sendo essenciais para uma aprendizagem de maior
estruturação de recursos psíquicos que possibilitem qualidade. Além disso, é importante que o apren-
ao profissional valorizar aspectos culturais, econô- diz tenha oportunidade de praticar o que foi simu-
micos e sociais de modo a desenvolver a empatia e lado em ambientes reais, assim como receber estí-
a capacidade de realizar uma anamnese adequada mulo para o desenvolvimento de competências na
(SOAR FILHO, 1998). área de saúde mental.
A aquisição de habilidades em comunicação visa A telemedicina tem evoluído bastante nas
a ensinar a importância da relação do médico com últimas décadas, integrando serviços de segunda
os pacientes e familiares. A interação médico-pa- opinião (interconsulta médico-médico, por exem-
ciente é entendida como uma construção mediada plo), diagnósticos (como comunicação entre radio-
pelos contextos nos quais ocorre e pelas reações logistas e profissionais clínicos) e a própria consulta
emocionais dos agentes envolvidos. Os atributos médica. Com o distanciamento social e o risco de
pessoais do médico e as atitudes terapêuticas de- contaminação por conta da coronavirus disease 2019
sejáveis para uma boa interação médico-paciente (Covid-19), percebeu-se a urgência em desenvolver
incluem aspectos como empatia, continência e ca- estratégias de cuidado a distância. Assim, houve um
pacidades de comunicação e de conotação positiva grande desenvolvimento da telemedicina, em espe-
(DEVEUGELE, 2015). cial da telepsiquiatria. A telepsiquiatria promoveu

O estado da arte do uso da simulação


clínica em saúde mental 415
maior acesso a diferentes populações, em cenários grande valia para a aprendizagem em psiquiatria,
com escassez de profissionais, podendo diminuir o tanto atendendo pacientes reais como simulados.
tempo de espera e facilitar o acesso para pessoas
com problemas de deslocamento. Além disso, pa-
rece ser um meio confiável, bem-aceito e com pouca 2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
diferença em termos de resultado quando compa-
rada à consulta presencial. O ensino voltado à saúde mental trabalha o de-
No entanto, há um maior distanciamento do cui- senvolvimento de competências relacionadas à co-
dado e uma mudança na relação médico-paciente municação terapêutica, ao gerenciamento de crises,
quando mediada por tecnologia, e o caráter tera- à colaboração interdisciplinar e às habilidades téc-
pêutico da interação entre profissionais e pacien- nicas. Nesse sentido, a utilização de estratégias de
tes pode ficar prejudicado. Assim, é possível iden- simulação torna-se bastante adequada, pois o de-
tificar algumas limitações e benefícios para o uso safio está no desenvolvimento de um arcabouço
da telepsiquiatria. Para além da utilidade clínica de habilidades complexas a serem aplicadas a uma
da telepsiquiatria, esse recurso como prática de população de natureza muito peculiar e com ne-
ensino também foi fomentado pelos desafios pe- cessidades subjetivas, em que as relações inter-
rante a Covid-19. Com ambulatórios fechados ou pessoais medeiam continuamente o desfecho do
com acesso restrito, a telepsiquiatria tem sido de atendimento/intervenção.

3. REFERÊNCIAS 10947 [Apenas uma página?], 2020. doi: 10.15766/


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416 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 12.3

Tipos de simuladores utilizados


em Saúde Mental

417
Karina Diniz Oliveira Jeferson Rodrigues
Médica Psiquiatra Enfermeiro
Docente do Departamento de Professor do departamento de enfermagem - UFSC
Psiquiatria - UNICAMP Membro da enfermagem psiquiátrica
e saúde mental da ABEn Nacional

Renato Soleiman Franco


Médico Psiquiatra Elen Ferraz Teston
Coordenador da Residência de Psiquiatria Enfermeira
da Prefeitura Municipal de Curitiba Doutora em Enfermagem
Professor Adjunto na Escola de Medicina e Professora de Graduação e Pós-
Programa de Pós-Graduação – PUC/PR graduação em Enfermagem
Saionara Nunes de Oliveira Universidade Federal de Mato Grosso do Sul


Bianca Cristina Ciccone Giacon-Arruda
Enfermeira
Doutora em Enfermagem Psiquiátrica
Professora da Graduação e do Programa
de Pós-graduação em Enfermagem
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

INTRODUÇÃO
cação de notícias difíceis, como um diagnóstico de
algum transtorno psiquiátrico, ou o ensino de téc-
A simulação clínica como estratégia de ensino e re-
nicas de contenção, também se torna importante
curso teórico prático é uma tendência que vem se
por meio dessa técnica, pois proporciona aos alu-
consolidando nos Cursos das Ciências da Saúde,
nos se revezam entre assumir o papel de paciente
pois promove a segurança no aprendizado e desen-
ou de equipe de saúde.
volvimento de competências para prestação de as- O ensino da avaliação clínica, exame do estado
sistência, sem o risco de exposição inerente ao pa- mental, avaliação do paciente, assistência prestada
ciente real. A simulação clínica no campo da saúde entre outras competências, bem como a articula-
mental aproxima a realidade pedagógica, dos ser- ção delas, pode ser potencializado pelo uso de pa-
viços psicossociais, das questões éticas e das situa- cientes simulados. Essa estratégia possibilita uma
ções que envolvem o cuidado de enfermagem a pes- melhor preparação dos estudantes para atende-
soa e/ou família em sofrimento psíquico. rem pacientes reais em situações como: esquizo-
É possível, por exemplo, desenvolver a empa- frenia, transtorno afetivo bipolar (episódio maní-
tia nos estudantes com recursos simulados como aco), transtorno depressivo maior e transtorno de
o role play ou jogo de papéis, em que o estudante personalidade limítrofe. Ele também permite que
assume um papel de paciente, familiar ou mesmo os educadores aumentem a exposição dos alunos a
outro profissional de saúde. Tal estratégia o faz re- uma série de diagnósticos com vários graus de gra-
fletir sobre como é estar nessa posição. A comuni- vidade (DAVE, 2012).

418 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Estudo realizado com alunos de graduação de O avanço tecnológico também tem permitido
enfermagem identificou o benefício no uso dessa ampliar as possibilidades de recursos virtuais que
estratégia para promover maior confiança nos es- podem ser utilizados no ensino em saúde e em Saúde
tudantes e garantia de alguma experiência caso não Mental. A simulação virtual envolve cenários clíni-
se depararem com essas situações no período do cos interativos da vida real que se desenrolam na
estágio (OLASOJI et al., 2020). Esse recurso tam- tela do computador. Pode ser usada como uma fer-
bém pode ser utilizado para a educação continu- ramenta de aprendizagem experiencial eficaz para
ada, como em estudo realizado no Canadá com ob- fomentar as crenças e atitudes positivas dos alunos
jetivo de avaliação do treinamento de farmacêuticos em relação à doença mental. Em tempos de pande-
que participavam de um programa de saúde men- mia, como a que vivenciamos agora da Covid-19,
tal para homens que vivem com doenças mentais pode ser uma alternativa viável para propiciar um
e vícios (MURPHY; GARDNER, 2018). aprendizado interativo (LIU, 2021).
O programa denominado “Headstrong” tinha A simulação auditiva também tem sido empre-
vários enfoques como suicídio, uso de álcool, uso gada para diminuir o estigma de pacientes que so-
de tabaco, problemas de sono, depressão e ansie- frem com alucinações auditivas nos casos de esqui-
dade. Nesta atividade, um paciente simulado ia até zofrenia. Os estudantes conseguem compreender
uma das farmácias participantes do programa e so- como os pacientes se sentem de forma empática
licitava medicação para insônia a um dos farma- com este recurso (ROSLEE; GOH, 2021).
cêuticos que participou do treinamento. O profis- A maior parte dos estudos utilizando simulação
sional sabia que em algum momento atenderia um na área de saúde mental acontecem com pacientes
paciente simulado, mas não sabia quando nem qual simulados e realidade virtual. Há poucos estudos
seria a queixa. O atendimento era avaliado pelo pa- utilizando simuladores. No entanto, o uso de simu-
ciente simulado com base em critérios pré-defini- ladores tem muito a contribuir, em especial, no en-
dos. Desta forma era possível avaliar se os princípios sino de emergências psiquiátricas.
do programa estavam sendo aplicados na prática O estudo de Fuehrlein e colaboradores (2020)
(MURPHY; GARDNER, 2018). utilizou simuladores para a aprendizagem de sinais
A percepção de professores e alunos sobre a es- de abstinência ao álcool em um cenário complexo de
tratégia de simulação clínica com pacientes simula- um paciente com uso de Carbonato de Lítio (rece-
dos é considerada satisfatória por contribuir na for- bendo Ibuprofeno – que pode aumentar o risco de
mação e avaliação do processo ensino-aprendizagem. intoxicação por Lítio). Um cenário como esse pode
Atrelar a atividade simulada ao cenário da prática envolver trabalho multidisciplinar, com médico clí-
profissional no currículo por competência possibi- nico, psiquiatra, equipe de enfermagem e demais
lita ao aluno desenvolver respeito, postura, superar membros da equipe. Desse modo, tanto competên-
inibições e melhorar a comunicação no atendimento cias ligadas a raciocínio clínico, tomada de decisão,
ao paciente (MORAES; ANGELI, 2016). trabalho em equipe, quanto reconhecimento de pa-
Alguns objetivos de aprendizagem exigem o uso drões fisiológicos, diagnóstico e plano de tratamento
de simuladores de pacientes, como por exemplo podem ser trabalhados com segurança. Além disso,
a reanimação cardíaca após uma intoxicação por a fidelidade dos simuladores às intervenções é es-
benzodiazepínico. Neste caso, o foco da simulação sencial para que possam ser desenvolvidas com-
estaria muito mais em procedimentos técnicos do petências de reconhecimento e tratamento vitais
que de comunicação terapêutica. O emprego de si- para a prática clínica (FUEHRLEIN et al., 2020).
mulador que permite executar todas as manobras Através de plataformas de vídeo conferência
de forma realista é essencial para o aprendizado. tem sido possível promover a simulação de varia-
O simulador de alta fidelidade permite a progra- das habilidades em saúde mental incluindo, com-
mação e alteração em tempo real dos parâmetros petências de comunicação, história clínica, racio-
vitais, comunicação com voz humana controlada cínio diagnóstico, planejamento de tratamento e
por microfones da sala de operações, sudorese, tre- até mesmo intervenções frente situações difíceis
mores, convulsões e uma gama variada de respos- como no caso de risco elevado de suicídio. Mesmo
tas fisiológicas simuladas. A associação do simula- para avaliação, o uso do TeleOSCE (Exame Clínico
dor de paciente com um paciente simulado em um Objetivo Estrutura por Telemedicina) tem apresen-
mesmo cenário proporciona maior realismo e pode tado bons resultados como evidência por um estudo
contribuir com a imersão do participante no caso. utilizando essa ferramenta para avaliação dos es-

Tipos de simuladores
utilizados em Saúde Mental 419
tudantes quanto competências necessárias para re- de participantes (a qual já tinha assistido a simu-
conhecer e tratar insônia (CANTONE et al., 2019). lação da sala de vídeo) realizava a mesma simula-
Na Escola de Medicina da Pontifícia ção – essa dupla já tinha assistido a simulação da
Universidade Católica do Paraná (PUCPR), utili- sala de vídeo. Assim, a segunda dupla poderia usar
zamos a telepsiquiatria para o ensino de habilida- o que acabara de observar para realizar a sua abor-
des de comunicação para estudantes do 4º. ano do dagem. Cada simulação durou aproximadamente
curso. Entre os benefícios, observamos uma maior 10 minutos e foi seguida por um debriefing estru-
disponibilidade de pacientes atores (maior como- turado de 20 minutos liderado pelos investigado-
didade por não terem que se deslocar), possibili- res (VESTAL et al., 2017).
dade de gravação quando desejado (não é necessá- O caso simulado foi de agitação psicomotora de
rio recursos avançados e a qualidade da gravação um homem com mania psicótica induzida por es-
nas plataformas é excelente) e a possibilidade de timulantes com características. O paciente simu-
maior participação dos professores que poderiam lado foi instruído a ficar cada vez mais agitado, a
de casa ou consultório participar, avaliar (nesse caso ponto de eventualmente necessitar de contenção
de maneira formativa) e promover feedback ao fi- física e administração involuntária de medicação
nal. É evidente a necessidade de promover um am- intramuscular. Os participantes tiveram a opor-
biente seguro e grupos de estudantes que se sintam tunidade de praticar uma série de habilidades, in-
à vontade e confortáveis para simular nesse am- cluindo obter informações clínicas importantes
biente e serem observados. No entanto, apesar das (incluindo como a troca de informações com a en-
dificuldades a telepsiquiatria aliada a simulação é fermeira que tinha chamado os médicos), cuidar da
uma estratégia que poderá ser utilizada para além segurança (da equipe e do paciente), realizar a en-
das limitações impostas pela Covid-19. trevista e, empregar técnicas verbais para tranqui-
O uso de cenários de simulação em que o es- lizar o paciente, decidir se e quando chamar a se-
tudante possa assumir o papel de profissional de gurança do hospital, oferecer medicamentos orais
saúde, avaliar a situação baseado em seus conheci- e, por fim, solicitar uma contenção física e medi-
mentos prévios e tomar uma atitude de forma asser- camentos intramusculares.
tiva é bastante utilizado. Os cenários são seguidos Para isso os autores partiram de protocolos e
do momento do debriefing em que auxiliado pelo guias que referenciaram a conduta e o que seria es-
facilitador os participantes conseguem refletir so- perado, delimitaram as competências que gostariam
bre a situação e aprender também com seus erros. de desenvolver, elaboraram o cenário e definiram os
A agitação psicomotora e o comportamento vio- objetivos de aprendizagem. Nesse estudo a simula-
lento são situações que envolvem a necessidade de ção seguiu os passos com o briefing (descrição de
atitudes rápidas para evitar prejuízos e ferimentos como seria o processo), a simulação e o debriefing
no paciente e na equipe. O ensino do manejo des- (incluindo o feedback após as duas simulações ini-
sas situações utilizando metodologias ativas, com ciais). Os participantes foram avaliados em outra
simulação, mostrou-se bastante eficaz entre alunos situação de simulação (agitação por abstinência a
de sexto ano médico e residentes de psiquiatria da benzodiazepínicos). O resultado de quem realizou
Universidade Estadual de Campinas. Após a ati- o treinamento foi mais do que 20% maior dos que
vidade de simulação, os aprendizes se mostraram não realizaram esse treinamento. Os participantes
mais seguros em relação ao manejo e a investigação foram avaliados em outra situação de simulação
de causas do quadro. As atividades são realizadas (agitação por abstinência a benzodiazepínicos).
em grupos de 5 ou 6 alunos que sob a orientação A simulação tem tido boa aplicabilidade quando
de um preceptor realizam diversos procedimentos voltada ao atendimento a pacientes com situações
de contenção entre pares. É importante o aprendiz ligadas a transtornos mentais por uso do álcool ou
passar pela experiência de ser contido para perce- demais substâncias psicoativas. A abordagem a es-
ber a eficácia do procedimento desde que realizado ses pacientes envolve estratégias bem definidas de
de maneira coesa entre os colegas. consulta como entrevista motivacional e psicoedu-
No artigo apresentado por Heather e seus cação, por exemplo.
colaboradores (2016), os participantes iniciavam a Na Universidade Estadual de Campinas foram
simulação a partir de uma dupla. Enquanto essa realizadas, entre alunos de Medicina e Enfermagem
dupla fazia o atendimento do paciente, os demais de primeiro ao quarto ano da graduação, atividades
observavam a filmagem da simulação transmitida que envolviam simulação de atendimento a usuários
ao vivo para outra sala. Depois disso, outra dupla de substâncias psicoativas em contexto de emergên-

420 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
cia. Os tutores inicialmente realizavam a inquirição vezes valores morais é necessário que seja feito o
sobre uso de substâncias e em seguida a entrevista feedback para este estudante/trainee de forma cui-
motivacional sendo eles os próprios pacientes si- dadosa e protegida. O professor precisa ter sensi-
mulados. Após a primeira entrevista simulada en- bilidade e avaliar se esse estudante/trainee está
tre os dois tutores, os alunos assumiram a posição preparado para receber determinado retorno so-
de entrevistadores e os tutores de pacientes simu- bre suas habilidades.
lados. Depois era realizado um feedback do qual Muitas vezes, é necessária a opção pelo feedback
todos os alunos participavam. individual, com bastante cuidado, para não criar
Após as atividades, os alunos relataram ter per- maior resistência ao tema e promover uma atenção
cebido a importância da inquirição de uso de subs- adequada ao estudante. Sugere-se, também, que es-
tâncias em qualquer contexto clínico, bem como sas práticas aconteçam em grupos pequenos e, em
consideraram-se mais seguros em relação à inqui- especial, no início do curso de Medicina que estu-
rição. Medos de “ofender” o paciente ao pergun- dantes se dividam por afinidade (JAWOROWSKI;
tar sobre o tema ou de não saber a conduta a ser GROPP; MALKA, 2020).
tomada a partir de uma resposta positiva se dissi-
param após a atividade simulada.
A simulação oferece, assim, um excelente campo 2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
para aprendizagem e avaliação desses elementos da
inquirição e conduta relacionada aos transtornos por É importante se atentar para o rigor no planeja-
uso de substâncias psicoativas, bem como na iden- mento, organização, execução e avaliação para que
tificação das fases para mudança na entrevista mo- o processo ensino aprendizagem entre estudan-
tivacional e o desenvolvimento de planos de cui- tes, docentes e profissionais de serviços tenha uma
dados específicos para cada uma dessas situações. função pedagógica. Desse modo, a escolha do tipo
Através da discussão com os estudantes/trainees de simulação ou simuladores é fundamental para
sobre a simulação, quer seja através de feedback ou a coerência entre o objetivo da aprendizagem e as
debriefing, é possível se aprofundar nesses elemen- competências e habilidades a serem desenvolvidas.
tos com atenção tanto a habilidades mais específi- Conclui-se que a reflexão sobre os tipos de si-
cas, que envolvem a identificação dos transtornos e muladores no campo pedagógico para o ensino da
dos componentes psicossociais ligados a dependên- saúde mental requer clareza do lugar e função que
cia quanto elementos gerais, como empatia, lingua- essa estratégia de ensino ocupa na formação do-
gem não verbal, dificuldades pessoais, entre outros. cente, no desenvolvimento de competências e ha-
Ao abordar elementos pessoais como a dificul- bilidades que se queira alcançar para o estudante e
dade de estudantes/trainees em lidar com situ- o quanto esse recurso dispõe para uma prática clí-
ações que envolvem forte carga afetiva e muitas nica mais segura.

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422 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 12.4

O ensino de graduação, treino de


habilidades e uso de simulação em
enfermagem na Saúde Mental

423
Bianca Cristina Ciccone Carmem Gress Veivenberg
Giacon-Arruda Enfermeira
Enfermeira Mestranda do Programa de Pós-
Doutora em Enfermagem Psiquiátrica graduação em Enfermagem
Professora da Graduação - UFMS Universidade Federal de
Programa de Pós-graduação Mato Grosso do Sul
em Enfermagem - UFMS
Renato Soleiman Franco
Saionara Nunes de Oliveira Médico Psiquiatra
Enfermeira do Hospital Coordenador da Residência de Psiquiatria
Universitário HU/UFSC da Prefeitura Municipal de Curitiba
Doutora em Enfermagem. Professor Adjunto na Escola de Medicina
e Programa de Pós-Graduação – PUC/PR
Jeferson Rodrigues
Enfermeiro
Professor do departamento Karina Diniz Oliveira
de enfermagem - UFSC Médica Psiquiatra
Membro da enfermagem psiquiátrica Docente do Departamento de
e saúde mental da ABEn Nacional Psiquiatria - UNICAMP

Elen Ferraz Teston


Enfermeira
Doutora em Enfermagem
Professora de Graduação e Pós-
graduação em Enfermagem
Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul

1. INTRODUÇÃO formação. Adverte-se que há condições e situação


macro e micropolíticas no contexto do ensino da
O ensino de enfermagem em saúde mental vem se enfermagem em saúde mental.
reestruturando ao longo dos anos. A reorganização No que se refere ao ensino do cuidado, é pos-
da prática de cuidado e assistência em saúde men- sível observar um aumento de indivíduos em so-
tal e psiquiatria, a instituição da Rede de Atenção frimento ou adoecimento mental nos diferentes
Psicossocial (Raps) como proposta da atenção à contextos de atenção, reforçando a importância
saúde mental no Sistema Único de Saúde (SUS), de um novo olhar para o ensino de saúde mental
o estabelecimento de diretrizes que subsidiem o e psiquiatria, sua inserção nos currículos de curso
ensino de enfermagem e as estratégias de ensino- de Enfermagem, bem como as estratégias de en-
-aprendizagem são fatores que interferem direta- sino utilizadas.
mente na prática da enfermagem e na formação
dos enfermeiros.
Nesse cenário, está em voga a formação docente 2. O ENSINO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE
tanto nos aspectos pedagógicos e clínicos, quanto MENTAL
em como ele realiza sua práxis no campo da saúde
mental. Além disso, devem-se considerar a condição No processo de formação do saber e cuidar em
do ensino a partir de evidências científicas e polí- enfermagem, a saúde mental deve ser considerada
ticas indutoras, e a ética que envolve o processo de como um conteúdo transversal em que se valori-

424 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
zam a subjetividade, o sofrimento psíquico e a psi- riação na maneira como são ofertadas ao longo dos
copatologia. Ademais, o cuidado em saúde mental anos nos diferentes currículos. Além disso, mais de
está cada vez mais emergente na prática de enfer- 3% dos currículos analisados não ofereciam ne-
magem, nos diferentes contextos do cuidado pro- nhuma disciplina relacionada à área durante o curso,
fissional. Estima-se que um bilhão de pessoas no a carga horária era menor quando comparada a
mundo vivenciem uma situação de necessidade de outras especialidades, além de 20% oferecerem
cuidados em saúde mental, as quais não são assisti- carga horária menor em relação a outros cursos
das da maneira adequada, e o enfermeiro deve es- de Enfermagem da América Latina (SIQUEIRA
tar atento para um cuidado em qualquer ponto ou JUNIOR; OTANI, 2011).
serviço em que esteja presente (KEYNEJAD et al., Uma discussão feita pelos autores do estudo é
2018; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2016). que tais resultados podem estar ligados à autono-
A falha de tratamento para pessoas de paí- mia, pelos cursos de graduação em Enfermagem,
ses de alta renda é de aproximadamente 50%, po- em relação à estrutura e composição de grade cur-
dendo chegar a até 90% em países de baixa renda ricular e à ausência de legislações específicas para
(KEYNEJAD et al. 2018; PATEL et al. 2010; WORLD a padronização das disciplinas de saúde mental e
HEALTH ORGANIZATION, 2018). E, de acordo psiquiátrica (SIQUEIRA JUNIOR; OTANI, 2011).
com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Tal realidade pode ser um dos fatores que fragili-
número de enfermeiros que promovem cuidados zam o cuidado em enfermagem em saúde mental
destinados à saúde mental ainda é baixo, variando não apenas no Brasil, mas também em vários paí-
de uma estimativa de 23,5 a cada 100 mil habitantes ses do mundo.
em países de alta renda a 0,3 a cada 100 mil habitan- Com o objetivo de analisar o ensino do cuidado
tes em países de baixa renda (PATEL et al., 2010). em enfermagem em saúde mental em diferentes lo-
Nesse sentido, a OMS desenvolveu o Mental calidades do Brasil, estudos têm indicado uma tran-
Health Gap Action Programme – sição do ensino pautado no paradigma biomédico
mhGAP (WORLD HEALTH ORGANIZATION, e hospitalocêntrico para o de atenção psicossocial,
2016) e o Mental Health Gap Action Programme proposta a partir da Reforma Psiquiátrica (SOUZA,
Intervention Guide – mhGAP-IG (ORGANIZAÇÃO 2016; RODRIGUES; SANTOS; SPRICCIGO, 2012;
PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2018), os quais TAVARES et al., 2016; OLMOS et al., 2020). Isso
propõem estratégias para minimizar a lacuna de se mostra uma adaptação dos currículos de enfer-
acesso aos cuidados voltados à saúde mental, prin- magem ao modelo de atenção psicossocial esta-
cipalmente nos países de média e baixa rendas. belecido pela Política Nacional de Saúde Mental.
O mhGAP-IG apresenta diretrizes e ferramentas Embora sejam contraditórios, para o ensino, esses
para o cuidado integrado em saúde mental em ser- modelos têm sido utilizados como complementares.
viços não especializados (ORGANIZAÇÃO PAN- Destarte, as referências e os conteúdos progra-
AMERICANA DA SAÚDE, 2018). máticos apontados estão centrados, em sua maio-
Ele tem sido usado principalmente no treina- ria, no paradigma biomédico e nos transtornos men-
mento de profissionais que estão inseridos nos ser- tais e nas psicopatologias descritivas (SOUZA, 2016;
viços de saúde e, em menor frequência, no processo RODRIGUES; SANTOS; SPRICCIGO, 2012; OLMOS
de formação. Sua importância na formação foi mos- et al., 2020). Entretanto, há indicação de que a transi-
trada por alguns estudos, visto que ele pode ser in- ção de paradigma tem estimulado a inclusão de con-
troduzido nos currículos e adaptado para atender a teúdos relacionados à atenção psicossocial, às políti-
diferentes realidades. Além disso, é de baixo custo e cas de saúde mental, à promoção de saúde mental, à
atualizado periodicamente pela OMS com base nas comunicação terapêutica, ao relacionamento inter-
evidências atuais. Tem o potencial de proporcionar pessoal, entre outros (SOUZA, 2016; RODRIGUES;
uma linguagem em comum entre as diferentes cate- SANTOS; SPRICCIGO, 2012; OLMOS et al., 2020).
gorias de profissionais de saúde, implicando um cui- Em relação às estratégias de ensino-aprendiza-
dado interdisciplinar e o fortalecimento dos servi- gem, há, ainda, a influência do ensino tradicional.
ços de saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, Porém, é possível identificar o uso de metodolo-
2018; CHAULAGAIN et al., 2020). gias ativas de ensino, que proporcionam a partici-
Um estudo realizado com o objetivo de anali- pação mais ativa dos alunos, o pensamento crítico
sar a inserção das disciplinas de enfermagem em e a aproximação teoria e prática (SOUZA, 2016;
saúde mental nas estruturas curriculares dos cur- RODRIGUES; SANTOS; SPRICCIGO, 2012; OLMOS
sos de Enfermagem brasileiros indicou ampla va- et al., 2020).

O ensino de graduação, treino de habilidades e uso


de simulação em enfermagem na Saúde Mental 425
Sobre os cenários das atividades teórico-práti- Nesse contexto, uma questão ainda pouco ex-
cas, os principais serviços que constituem a Raps plorada nos estudos é a discussão da maneira como
têm sido explorados, como os serviços de atenção esse saber tem sido inserido nos projetos pedagó-
básica, atenção psicossocial, hospitais psiquiátricos gicos dos cursos de Enfermagem, no sentido de
e gerais. Em menor quantidade, outros espaços sua articulação com os demais saberes em enfer-
como ambulatórios de saúde mental, escolas, ser- magem e em saúde, áreas e contextos de cuidado,
viços da comunidade de serviço de base territo- e níveis de complexidade. No cenário brasileiro, há
rial, residências terapêuticas, grupos de ajuda, uma complexidade que envolve ensinos público e
Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf ), hos- privado, regulamentação sobre abertura de cursos,
pital-dia e centro de reabilitação em dependência sistema de avaliações externas e internas, e tantas
química (RODRIGUES; SANTOS; SPRICCIGO, outras variáveis.
2012; OLMOS et al., 2020). Esses dados possibi- Essa informação é importante para situar a
litam a reflexão de que a saúde mental como con- prática em saúde mental como um saber trans-
ceito transversal e interdisciplinar é fundamental versal e interdisciplinar, refletir sobre isso e mar-
para a integralidade do cuidado voltado à saúde em car essa prática sob essa perspectiva. Para conso-
diferentes contextos e é ainda pouco explorada. lidar o paradigma da atenção psicossocial como
Uma realidade importante que os estudos eixo principal do ensino de saúde mental e desen-
têm demonstrado é a fragilidade na organização volver o ensino baseado em conhecimento, com-
do ensino de enfermagem em saúde mental por petências e habilidades, conforme preconizam as
meio de competências e habilidades (SOUZA, Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos Cursos
2016; RODRIGUES; SANTOS; SPRICCIGO, 2012; de Enfermagem, é imprescindível que haja inte-
TAVARES et al., 2016). Um estudo realizado em resse das instituições, dos docentes e das entida-
quatro instituições públicas de ensino superior do des organizadas.
estado do Rio de Janeiro descreveu competências
específicas do enfermeiro de saúde mental, na per-
cepção de docentes inseridos no ensino dessa área. 3. ESTRATÉGIAS DE ENSINO E O USO DA SIMULAÇÃO
As relacionadas com a clínica do sujeito e a escuta PARA APRENDIZAGEM EM SAÚDE MENTAL NO
CAMPO DA ENFERMAGEM
sensível foram enfatizadas (TAVARES et al., 2016),
assim como as da comunicação terapêutica e do re-
lacionamento interpessoal, também indicados em No contexto de transição do cuidado baseado no pa-
outros estudos (SOUZA, 2016; TAVARES et al., 2016; radigma hospitalocêntrico para o de atenção psicos-
OLMOS et al., 2020). social, ampliam-se as possibilidades de tratamento e
Outras competências também são indicadas, acompanhamento no território. Esse fato torna o en-
como: trabalho em equipe; autoconhecimento; co- sino um desafio principalmente para o desenvolvi-
nhecimentos sobre a Reforma Psiquiátrica; aten- mento de um arcabouço de habilidades e competên-
ção à família; sistematização da assistência de cias complexas, como a empatia e humanização no
enfermagem; inovação; saber lidar com a dife- atendimento, articulação interprofissional e conhe-
rença e estigmas; desenvolver a própria personali- cimento da rede de atenção à saúde (CONSELHO
dade (TAVARES et al., 2016; OLMOS et al., 2020). FEDERAL DE ENFERMAGEM, 2018).
Ressalta-se que, de acordo com os estudos, o desen- Há, na literatura, a descrição de algumas es-
volvimento de competências deve ser de maneira tratégias que têm sido utilizadas nos cursos de
transversal (OLMOS et al., 2020) possibilitando o Enfermagem, como: aula expositiva e dialogada;
olhar individualizado e integral ao sujeito, inclusão busca, leituras e discussão de textos sobre o tema;
do indivíduo e da família na gestão do cuidado, res- atividades em grupo; material audiovisual (filmes,
peito à sua decisão e autonomia, elaboração do pro- áudios, figuras, músicas etc.); uso de situações-pro-
jeto terapêutico singular e alinhamento à Política blema reais ou fictícias, discussão de casos clínicos
Nacional de Humanização (PNH) e à clínica am- e estudo dirigido; desenvolvimento de material ar-
pliada (TAVARES et al., 2016). Reforça-se também tístico-educativo; e atividades teórico-práticas em
a importância de o ensino proporcionar o desen- serviços de saúde e saúde mental/atenção psicos-
volvimento da criatividade e empatia com o indi- social (RODRIGUES; SANTOS; SPRICCIGO, 2012;
víduo, a equipe, a família e a comunidade (OLMOS OLMOS et al., 2020). No entanto, o uso da simula-
et al., 2020). ção ainda aparece de forma bastante inicial.

426 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Fotografias, vídeos e filmes também foram cita- do aluno e fazer preceptoria (JOHNSON; LING;
dos como recursos importantes no aprendizado crí- MELINO, 2021; TYSON; BRAMMER; MCINTOSH,
tico do estudante de Enfermagem em saúde mental 2019); diário reflexivo crítico para estimular a au-
(WRIGHT; CHARNOCK, 2018; STONE; LEVETT- torreflexão dos alunos sobre as questões levantadas
JONES, 2014; CLEMENT et al., 2012; ARANDA et durante sua prática clínica (HWANGA et al., 2018);
al., 2015; MCCANN; HUNTLEY-MOORE, 2016). e sala de aula invertida (WARDA; KNOWLTONB;
Com o objetivo de construir um vídeo sobre a prá- LANEYB, 2018). Essas estratégias também promo-
tica de contenção e outras intervenções coercivas vem um melhor aprendizado e o desenvolvimento
na prática de enfermagem em saúde mental e ava- de habilidades.
liar o seu uso na percepção dos estudantes sobre A simulação como estratégia de ensino e apren-
sua prática, um estudo indicou que o uso da fer- dizagem voltada para a saúde mental em enfer-
ramenta do vídeo permitiu que os estudantes de magem pode incluir diversos elementos já apre-
Enfermagem em Saúde Mental refletissem critica- sentados em outros métodos de ensino. O uso de
mente sobre suas práticas e de outros profissionais atividades simuladas permite a recriação de situ-
no contexto de intervenções coercivas, potenciali- ações reais em ambiente controlado que possibili-
zando uma melhor prática baseada em evidência tam o desenvolvimento de habilidades técnicas e
(WRIGHT; CHARNOCK, 2018). não técnicas, de modo a aprimorar competências
Um estudo realizado com 180 alunos, que teve cognitivas e sociais necessárias para o desempe-
como objetivo comparar o uso de diferentes estí- nho da prática profissional (KOHN; CORRIGAN;
mulos para a percepção e interpretação do aluno DONALDSON, 2000). Além disso, a simulação pro-
sobre o adoecimento mental, demonstrou que o uso porciona o aumento de experiências clínicas ade-
de livro com fotos estimulou a análise mais crítica e quadas, devido à escassez de locais e/ou precepto-
criativa do discente, quando comparado a um texto res clínicos para a realização da prática profissional,
biográfico ou um texto com ilustrações. Concluiu-se promovendo o desenvolvimento do conhecimento
que o livro de figuras permitiu um maior envolvi- teórico-prático (OLIVEIRA; PRADO; KEMPFER,
mento do aluno, estimulando sua imaginação e seu 2014; COSTA et al., 2015).
pensamento crítico, bem como a empatia (STONE; O uso da simulação no desenvolvimento de ha-
LEVETT-JONES, 2014). bilidades e competências no ensino de enfermagem
“Pacientes/familiares especialistas” também com ênfase na saúde mental é relativamente recente,
têm sido utilizados para estimular a empatia e a no entanto vem conquistando espaços relevantes
diminuição do estigma (BOCKING et al., 2019; sobretudo em universidades, sobretudo por conta de
HAPPELL et al., 2020). O aprendizado é copro- sua pluralidade da prática (DAVE, 2012; OLIVEIRA
duzido entre os estudantes de Enfermagem e os et al., 2018). O ensino por meio da simulação pode
“pacientes/familiares especialistas”, ou seja, pes- ser desenvolvido de diversas formas e com o uso de
soas que vivenciam o adoecimento mental e o uso diferentes simuladores ou estratégias, a depender
dos serviços de saúde. Como resultado, essa téc- dos objetivos de aprendizagem propostos.
nica permite a diminuição da barreira entre o pro- No contexto do ensino de enfermagem em saúde
fissional enfermeiro e o usuário com transtorno mental, a simulação pode ajudar no desenvolvi-
mental, desenvolvendo a empatia e a visão do indi- mento de competências relacionadas à comuni-
víduo em sua integralidade, e a diminuição do es- cação terapêutica, ao gerenciamento de crises, à
tigma (BOCKING et al., 2019). colaboração interdisciplinar e às habilidades téc-
A literatura indica outras estratégias para o en- nicas, (GOLFARB; GORRINDO, 2013), bem como
sino de enfermagem em saúde mental: ferramentas no treinamento de habilidades pontuais, como na
informatizadas, como e-learning courses, chats, fó- contenção mecânica de um paciente, na avaliação
runs e softwares, para ajudar no desenvolvimento de do estado mental, no preparo e na administração
raciocínio clínico e na sistematização da assistên- de uma medicação específica, na elaboração de um
cia de enfermagem (ROCHA et al., 2012; ARRUEA genograma e ecomapa, entre outras (CONSELHO
et al., 2017; SILVA; FUREGATO; GODOY 2008; FEDERAL DE ENFERMAGEM, 2012).
SIMPSO et al., 2008; KONTIO et al., 2011); apren- Também é possível trabalhar situações mais
dizagem baseada em problemas (ARRUEA et al., complexas em que é preciso aplicar, além de habi-
2017; GOULD et al., 2015); aprendizagem baseada lidades técnicas, o conhecimento e a atitude profis-
em equipe (HARMON; HILLS, 2015); ferramenta sional. Nesses casos, os cenários de simulação são
da telessaúde para potencializar o aprendizado os mais indicados e utilizados. Eles permitem que

O ensino de graduação, treino de habilidades e uso


de simulação em enfermagem na Saúde Mental 427
o aluno assuma uma situação complexa no papel údos ensinados sejam experimentados em contex-
de profissional e o estimulam a utilizar o próprio tos semelhantes aos vivenciados na prática real. Ela
conhecimento e tomar atitudes, bem como refletir se destaca por objetivos alcançados, satisfação, au-
sobre a situação e aprender também com os erros. toconfiança, conhecimento, empatia, realismo, di-
Um exemplo de situação importante de ser tra- minuição do nível de ansiedade, conforto, comu-
balhada com cenário simulado é a identificação e nicação, motivação, capacidade de reflexão e de
classificação da ideação suicida, que pode ocorrer pensamento crítico, e trabalho em equipe (NEGRI
em diferentes serviços e, muitas vezes, é uma com- et al., 2017).
petência determinante na preservação da vida de No entanto, diferente de um teatro em que todas
um paciente real. Ressalta-se, nesse sentido, que o as ações são previamente ensaiadas e previsíveis,
paciente com ideação suicida pode acessar o serviço na simulação o desfecho vai depender da condução
de saúde por meio da atenção primária à saúde, a dos participantes na cena, de seus conhecimentos
qual tem o enfermeiro como um dos primeiros pro- prévios, das habilidades e da tomada de decisão.
fissionais a acolher esse indivíduo. Fazem-se im- Pacientes simulados, por exemplo, são considera-
portantes o acolhimento baseado na identificação, dos de alta fidelidade, pela autenticidade replicada
avaliação de risco ou estratificação de risco e um nas situações clínicas, proporcionando interações
cuidado baseado na complexidade do caso. Também vívidas para os alunos (JEFFRIES, 2007).
é importante que o enfermeiro e a equipe utilizem Outra estratégia que pode ser utilizada em di-
instrumentos de estratificação de risco de suicídio ferentes contextos, como no ensino de enferma-
validados para o Brasil (RODRIGUES et al., 2020). gem em saúde mental, é o circuito simulado. Esse
Outra estratégia bastante utilizada no ensino de recurso é utilizado com cenas ou situações breves
enfermagem em saúde mental é o role play ou jogo que trabalham isoladamente o desenvolvimento de
de papéis. Nesse recurso, o estudante assume o pa- diferentes competências. A partir da delimitação
pel de diferentes atores, como de outros profissio- de objetivos específicos, as estações são estrutura-
nais da equipe, do paciente e de familiares. Há en- das, recebendo sempre o feedback de um facilita-
tão a vivência de situações, muitas vezes delicadas, dor após elas. Ele também pode ser usado no pro-
que o estudante deverá manejar como enfermeiro. cesso de avaliação do aluno. Um modelo de circuito
Essa ação promove o desenvolvimento de empatia, simulado que tem sido muito utilizado com o in-
a comunicação terapêutica, o autoconhecimento, a tuito de avaliações, de acordo com a literatura, é o
diminuição do estigma, entre outros aspectos. Objective Structured Clinical Examination – OSCE
O role play pode ser adotado na realização da (PIOT et al., 2018; SELIMA et al., 2012).
técnica de contenção física. Faz parte do aprendi- Cada uma dessas estratégias exige um tipo de
zado vivenciar a sensação de ser contido por uma simulador, de acordo com o objetivo de aprendiza-
equipe, verificando como a rapidez do procedi- gem proposto. Treinamentos que exigem tomada de
mento e a coesão da equipe são essenciais para que decisão sem necessariamente a interação humana
não haja prejuízos. Além disso, colocar-se no lugar podem fazer uso dos recursos virtuais que estão
do paciente é importante para que o aluno saiba in- cada vez mais disponíveis para o ensino de enfer-
dicar com precisão a necessidade do procedimento, magem em saúde mental.
evitando situações desnecessárias. Como o treinamento técnico procedimental
O uso dessa estratégia também demonstra re- pode causar algum dano a pessoas reais, ele deve
sultados positivos para o treinamento de comuni- ser realizado em simuladores de pacientes. O uso
cações interprofissionais e o desenvolvimento de de simuladores de pacientes de alta fidelidade para
outras habilidades de trabalho em equipe interpro- cenários de simulação em saúde mental como emer-
fissional, como definição de papéis, assistência, se- gências psiquiátricas foi avaliado por um estudo
gurança do paciente e pensamento crítico. Isso im- como uma estratégia valiosa no desenvolvimento de
plica a melhora na assistência prestada ao paciente, habilidades e competências para o manejo dessas si-
no compartilhamento de informações e no traba- tuações (DICKINSON; HOPTON; PILLING, 2016).
lho em equipe (RAURELL-TORREDA et al., 2020). A simulação virtual envolve cenários clínicos
A simulação clínica pode estar associada tam- interativos da vida real que se desenrolam na tela
bém ao recurso da dramatização ou paciente simu- do computador. Pode ser usada como uma ferra-
lado, que é uma representação determinada a partir menta de aprendizagem experiencial eficaz para
de um foco ou tema. É uma estratégia que confere fomentar as crenças e atitudes positivas dos alu-
sentidos e significados, e possibilita que os conte- nos de graduação em Enfermagem em relação à

428 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
doença mental, bem como aumentar o sucesso em É imprescindível que administradores e
práticas de enfermagem adequadas (VERKUYL et pesquisadores continuem promovendo o uso eficaz
al., 2018). A simulação virtual tem sido usada no de simulação e propostas para integração dessa
desenvolvimento de habilidades e competências metodologia nos currículos das ciências da saúde,
complexas, como a interação de pacientes simu- haja vista que essa estratégia permite que a simu-
lados (VERKUYL et al., 2018), e também no trei- lação clínica reproduza adequadamente as comple-
namento de habilidades específicas, como a reali- xidades das interações humanas e a representação
zação do exame do estado mental (MARTIN et al., dos sintomas (LEIGHTON, 2015).
2020a, 2020b).
Por sua vez, a simulação auditiva também tem
sido empregada no ensino de enfermagem em saúde 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
mental. Além de diminuir o estigma relacionado a
pacientes com alucinações auditivas e promover a É indiscutível a necessidade da definição de
empatia, oferece a possibilidade de o aluno com- competências e habilidades para a prática de en-
preender de maneira mais profunda o impacto da fermagem em saúde mental, do uso de estratégias
audição de voz, ajudando a desenvolver habilida- de ensino-aprendizagem que potencializem o seu
des de comunicação necessárias ao interagir com desenvolvimento e da formação de docentes para
os indivíduos que apresentam tal sintoma. Mesmo o desenvolvimento do ensino baseado em compe-
o paciente simulado consegue desenvolver melhor tências e no uso das diferentes metodologias ativas.
as habilidades de comunicação (BEAIRD; NYE; Embora a simulação seja uma estratégia promis-
THACKER, 2017), o que significa que a simulação sora que agrega muito ao aprendizado e possibilita
auditiva fornece um complemento de aprendizado uma experiência autêntica e segura, é preciso que
(ORRA et al., 2013). os educadores que pretendem utilizá-la em saúde
Destarte, existem muitos desafios para a amplia- mental tenham consciência de que essa temática,
ção na utilização de simuladores clínicos como es- trabalhada com tamanho realismo, pode ativar ga-
tratégia de ensino-aprendizagem em saúde mental, tilhos ou atualizar conflitos nos participantes e que
sendo o custo, os recursos humanos e a necessidade a equipe docente deve estar preparada para lidar
de treinamento os mais citados como impedimento. com a possível desestabilização ou desorganização
No entanto, os benefícios estão começando a su- de algum participante. Temas como violência, sui-
perar as barreiras econômicas e organizacionais cídio e luto estão muito presentes na sociedade e
(LEIGHTON, 2015). no cotidiano de muitos estudantes.

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