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Livro Completo Digital 1
Livro Completo Digital 1
1ª Edição
Todos os direitos desta edição reservados à Associação Brasileira de Educação Médica,
Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde e
Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares.
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-65-86406-04-7
22-124526 CDD-610.7
Índices para catálogo sistemático:
Conselho Diretor
Diretor Presidente Prof. Nildo Alves Batista
Diretor Vice-presidente Prof. Sandro Schreiber de Oliveira
Diretora Tesoureira Profa. Denise Herdy Afonso
Diretora de Inovação Profa Eliana Goldfarb Cyrino
Diretor Secretário Profa Eduardo Arquimino Postal
Diretor Discente Acad. Carlos Eduardo Merss
Diretor Médico Residente Prof. André Ferreira de Abreu Júnior
Coordenadores Regionais
Centro Oeste Profa Ana Maria de Oliveira
Minas Gerais Prof Gustavo Antonio Raimondi
Nordeste I Prof Jorge Carvalho Guedes
Nordeste II Profa Daniela Chiesa
Norte Profa Maira Tiyomi Sacata Tongu Nazima
RJ/ES Prof Paulo Roberto Alves de Pinho
São Paulo Prof Aristides Augusto Palhares Neto
Sul I Prof Leandro Tuzzin
Sul II Profa Lara Cristina Leite Guimaraes Machado
Equipe Administrativa
Caio de Azevedo da Fonseca
Cristiane Cavalcanti Pinto Ruiz
Érika Maria Lima Bandeira
Rozane Landskron Gonçalves
Yuri Barros Brandani
Assessoria Técnica editorial do livro
Eliana Goldfarb Cyrino
Nildo Alves Batista
Revisão Final
Eliana Goldfarb Cyrino
Conselho Editorial
Valéria Vernaschi Lima
Oscarina da Silva Ezequiel
Ruy Guilherme Silveira de Souza
Luiz Ernesto Almeida Troncon
Agradecemos aos nossos parceiros na realização e desenvolvimento
do presente projeto que possibilitou a construção deste livro, a
EBSERH, OPAS e SGTES.
Sumário
11 Prefácio
Prof. Dr. Nildo Alves Batista
13 Apresentação
Mayra Isabel Correia Pinheiro
14 Apresentação
Mónica Padilla
16 Apresentação
Oswaldo de Jesus Ferreira
18 Apresentação do Livro 2
Gerson Alves Pereira Júnior
Capítulos Gerais
21 Capitulo 1
A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para
definição dos cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção
das estações simuladas.
Gerson Alves Pereira Júnior, Sara Fiterman Lima e Armando de Negri Filho
45 Capítulo 2
As matrizes de conteúdo das áreas da medicina para a construção das estações simuladas
Gerson Alves Pereira Júnior e Carla Tiemi Minamihara
51 Capítulo 3
A evolução do conceito de competências para marcos de competências e “Entrustable Professio-
nal Activities” (EPAs)
Gerson Alves Pereira Júnior e Cintia Rocha Fortes de Sá
70 Capítulo 4
Engenharia da construção das estações simuladas - Passo a passo para a elaboração das estações
simuladas
Gerson Alves Pereira Júnior e Sara Fiterman Lima
Capítulos Específicos
5. Cirurgia Geral
87 Capítulo 5.1
O ensino da Cirurgia Geral na graduação e residência médica
Izabel C Meister M Coelho, Rosiane Guetter Mello, Henrique Alexandre Stachon e Gerson Alves
Pereira Júnior
6. Clínica Médica
144 Capítulo 6.1
O ensino de Clínica Médica na graduação e residência médica
Juliana Annete Damasceno e René Scalet dos Santos Neto
7. Emergências
186 Capítulo 7.1
O ensino de Emergências na graduação e residência médica
Gerson Alves Pereira Júnior e Fernanda Silveira Nunes
8. Ginecologia e Obstetrícia
251 Capítulo 8.1
O ensino da Ginecologia e Obstetrícia na graduação e residência médica
Edison Luiz Almeida Tizzot e Roxana Knobel
264 Capítulo 8.2
O estado da arte da simulação clínica em Ginecologia e Obstetrícia
Brena Melo, MD, OBGYN, PhD
9. Pediatria
302 Capítulo 9.1
O Ensino da Pediatria na graduação e residência médica
Alessandra Carla de Almeida Ribeiro, Rosana Alves e Josielson Costa da Silva
É
com muita alegria que, em nome do mento da Simulação em diferentes contextos for-
Conselho Diretor da Associação Brasileira mativos de médicos e enfermeiros.
de Educação Médica (ABEM), participo Aborda as diferentes dimensões da simulação, en-
do lançamento deste segundo livro, mais um dos tendida como uma metodologia ativa e participativa
produtos do projeto “Desenvolvimento da Rede de ensino, cada vez mais utilizada na formação em
de Centros de Simulação Clínica: Elaboração saúde, tanto na graduação como na Pós-graduação,
de curso para capacitação de multiplicadores” em cenários práticos controlados e protegidos.
desenvolvido pela ABEM, em parceria com a O livro inicia com 4 Capítulos Gerais, abor-
Organização Panamericana de Saúde (OPAS), a dando, desde uma revisão das redes de atenção à
Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-
Saúde (SGTES) e a Empresa Brasileira de Serviços -regional para definição dos cenários de prática
Hospitalares (EBSERH). e dos contextos clínicos para a diversificação da
Este livro – “Simulação Clínica: ensino e construção das estações simuladas, às matrizes de
avaliação nas diferentes áreas da Medicina e conteúdo das áreas da medicina para a construção
Enfermagem” aborda a temática nas áreas de das estações simuladas, a evolução do conceito
Cirurgia Geral, Clínica Médica, Emergência, de competências para marcos de competências e
Ginecologia e Obstetrícia, Pediatria, Saúde Coletiva, “Entrustable Professional Activities” (EPAs) e a
Saúde da Família e Comunidade e Saúde Mental. Engenharia da construção das estações simuladas.
Escrito por dezenas de estudiosos e pesquisado- Seguem 32 capítulos, explorando as diferentes
res sobre simulação, reflete experiências únicas e áreas de atuação em saúde, explorando conhecimen-
bastante consolidadas de elaboração e desenvolvi- tos básicos para estruturação do treinamento de ha-
Prefácio 11
bilidades, princípios instrucionais na Simulação, uso uma vez que “oportuniza aos estudantes de medi-
de pacientes simulados, confecção de moldagens e cina vivenciar situações de erros e acertos, relatar
uso de simuladores artesanais e de baixo custo, in- e discutir sistematicamente estes erros e os quase
dicando ruptura com uma “ideia (exclusiva) de si- acidentes, reconhecer condições inseguras, inves-
mulações com ambientes informatizados/ robo- tigar, repetir procedimentos até o acerto e melho-
tizados e com simuladores hiper-realistas (que) rar estes sistemas com uma compreensão completa
tornam o uso dessa estratégia inalcançável para a da falibilidade humana”
maioria dos campos de ensino”, e que “a simula- Entendemos que a comunidade da Educação
ção e o uso de ambientes simulados podem ser uti- Médica Brasileira recebe, sem dúvida, mais uma
lizados mesmo com recursos limitados”. grande obra! Sua leitura reveste-se de uma efetiva
A avaliação é também discutida enfatizando, oportunidade de aprofundar a compreensão de pres-
desde os cenários para habilidades não técnicas, supostos, teorias e práticas sobre simulação, com
como comunicação, liderança, trabalho em equipe, seus avanços e desafios na (re)construção de pro-
gerenciamento de tarefas, tomada de decisão, den- cessos formativos que tenham significado e repre-
tre outras, até a avaliação de habilidades, com desta- sentem possibilidades efetivas de transformação
que para a importância do Feedback e do Debriefing, das práticas profissionais.
bem como o uso de Checklists e Escalas de Avaliação
Global.
A Simulação como estratégia de preparo de Prof Dr Nildo Alves Batista
uma prática profissional comprometida com a Diretor Presidente da ABEM
SEGURANÇA do paciente é também enfatizada, Gestão 2018-2020 e 202O-2022
12 Prefácio
Apresentação
É
para mim motivo de honra e privilégio mais ético, com minimização de erros em saúde,
escrever o prefácio do livro que será uti- que possam comprometer a segurança do paciente.
lizado no Projeto “Desenvolvimento da O curso de capacitação de multiplicadores é
Rede de Centros de Simulação Clínica: elaboração assim uma excelente contribuição para o conheci-
de curso de capacitação de multiplicadores”. mento e formação em simulação realística no país,
A simulação clínica é um processo dinâmico já reconhecida como instrumento importante no
que envolve a criação de uma situação hipotética processo de ensino aprendizagem na saúde, essen-
que incorpora uma representação autêntica da re- cial para o aperfeiçoamento de profissionais dessa
alidade, facilitando a participação ativa do aluno área e para a oferta de melhor assistência aos pa-
e integrando o aprendizado prático e teórico com cientes. Os temas tratados nesse curso tais como,
oportunidades para a repetição, feedback, avaliação o uso de instrumentos para a avaliação do ensino
e reflexão, sem o risco de causar dano ao paciente. nos laboratórios simulados, a utilização da simula-
As evidencias mostram que as tecnologias de si- ção na capacitação da gestão de recursos em crise
mulação clínica são estratégias capazes de articular na área da saúde, a colaboração como fundamento
práticas de ensino e pesquisa, necessárias na quali- para ao trabalho Inter profissional em saúde en-
ficação dos profissionais da saúde, nos diversos ní- tre tantos outros, compõem assim um conjunto de
veis de atenção à saúde da população. ofertas que indiscutivelmente marcam um avanço
Há uma recomendação da OMS para a utiliza- na educação em saúde no Brasil.
ção dessa estratégia durante a formação em saúde.
Aprender e praticar técnicas e ou procedimentos em Mayra Isabel Correia Pinheiro
pacientes em situação de vulnerabilidade pode as- SGTES, MS, Brasília, 2021
sim ser substituída por um modelo de treinamento
Apresentação 13
Apresentação
N
os últimos vinte anos, a aplicação de me- simulações realísticas sempre terá como princípio
todologias de simulação, como ferramenta garantir a segurança e a prevenção de erros críti-
de ensino aprendizagem, foi desenvolvida cos, pois os modelos de simulação baseiam-se em
como uma das principais alternativas para se traba- sua capacidade de controlar as variáveis que pos-
lhar as competências educacionais (conhecimen- sam influenciar na aquisição e colocação em prá-
tos e habilidades) em um ambiente controlado, se- tica das competências definidas, bem como garan-
guro e que permite ser adaptado às necessidades tir um ambiente seguro, tanto para os profissionais
de cada momento. como para os usuários.
Os modelos de simulação realística, cada vez No campo da saúde, a aplicação dos modelos
com maior semelhança com a realidade, têm sido de aprendizagem por simulação permite trabalhar
adaptados a diferentes campos, onde os cenários competências profissionais em ambientes realistas
de simulação são os que causam impacto e os que diminuindo, de forma significativa, o tempo neces-
permitem uma maior aquisição de competências, sário para a aquisição de habilidades ao permitir a
com agilidade de transferência destas em relação repetição das ações de treinamento de forma ilimi-
à situação treinada. tada, utilizando ambientes com diferentes níveis
A simulação como estratégia de ensino aprendi- de dificuldade, do mais simples ao mais complexo.
zagem é de grande importância nos processos for- No movimento da mudança das Diretrizes
mativos, pois cada vez mais se faz necessário ga- Curriculares Nacionais (DCNs) do Curso de
rantir a segurança do paciente e que este, não seja Graduação em Medicina, em 2014, o Ministério
considerado um objeto de aprendizado. O uso das da Saúde e a Organização Pan Americana da
14 Apresentação
Saúde (OPAS) estabeleceu parceria com a Escuela lhar em equipe, fez com que este componente am-
Andaluza de Salud Publica (EASP), que entre ou- pliasse seu escopo possibilitando que profissio-
tras ações, dedicou um componente específico para nais dos serviços de saúde fossem contemplados
se trabalhar a área de aprendizagem por meio de si- na formação ofertada. Esta assessoria apresentou
mulação, um componente importante para ser es- ao final: a) “Guia de orientação para implantação
timulado e desenvolvido no país. e manutenção de centros de simulação no SUS” e,
Naquele momento, coube às autoridades sani- b) “Guia de desenvolvimento do programa de for-
tárias e educacionais do país promover e difundir mação de profissionais de saúde com uso da simu-
esta metodologia nos processos de aprendizagem lação realística em saúde.”
através da articulação e integração ensino serviço. A produção do livro “Simulação Clínica:
A parceria com a EBSERH foi de suma importância ensino e avaliação nas diferentes áreas da
visto que estavam dando inicio a estruturação dos Medicina e Enfermagem” como produto do projeto
centros de simulação em seus hospitais, como tam- “Desenvolvimento da Rede de Centros de Simulação
bém, a articulação com as faculdades de medicina, Clínica: Elaboração de curso para capacitação de
por meio da ABEM, possibilitou identificar profis- multiplicadores”, apresenta avanços nesta área. A
sionais que estavam se especializando nesta área. pandemia ocasionada pelo COVID-19, tem permi-
Seguindo a experiência de criação do Complexo tido identificar a importância de manter estes ce-
Multifuncional Avançado de Simulação e Inovação. nários de prática como centros de treinamento per-
Tecnologia (CMAT) de Granada na Andaluzia a as- manentes para desenvolver competências críticas
sessoria da EASP abrangeu diversos aspectos no no sistema e, neste sentido reforça ainda mais par-
processo de tomada de decisão para a estrutura- cerias como esta que devem ser impulsionadas no
ção e desenvolvimento de centros de aprendiza- país, de forma a proporcionar estruturas que visam
gem por simulação realística. A criação de cenários a qualificação de todos os trabalhadores da saúde
adequados que permitem reproduzir as situações
que os profissionais enfrentam e os momentos em
que devem integrar os seus conhecimentos, as suas Mónica Padilla
competências técnicas e relacionais para traba- OPAS, OMS, Brasília, 2021
Apresentação 15
Apresentação
A
parceria ABEM-Ebserh-Ministério da servada, nos termos do art. 207 da Constituição
Saúde/OPAS viabilizou a realização do Federal, a autonomia universitária.
projeto “Desenvolvimento da Rede de A Ebserh caracteriza-se como uma rede que in-
Centros de Simulação Clínica: Elaboração de Curso tegra 40 unidades hospitalares vinculadas a 37 ins-
para Capacitação de Multiplicadores” que teve como tituições federais de ensino superior (IFES), das
objetivo desenvolver e capacitar multiplicadores em cinco regiões do pais. Tem como propósito “Ensinar
simulação clínica, no intuito de qualificar a atua- para transformar o cuidar” e a missão de fornecer
ção em ensino, pesquisa e extensão dos centros de campo de prática de excelência para inovação em
treinamento referenciais por meio de simulação. saúde por meio do ensino e pesquisa, praticando
A Empresa Brasileira de Serviços assistência de qualidade e uma gestão sustentável
Hospitalares, Ebserh, empresa pública vinculada e transparente.
ao Ministério da Educação (MEC), criada pela Lei Atualmente, a Rede Ebserh conta com 17 polos
nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011 tem por fina- estruturados que trabalham com centros de simu-
lidade a prestação de serviços gratuitos de assis- lação ligados ao hospital e/ou à IFES. As demais
tência médico-hospitalar, ambulatorial e de apoio unidades hospitalares da Rede utilizam práticas de
diagnóstico e terapêutico à comunidade, em média simulação clínica, tais como simulação cênica, ro-
e alta complexidade, assim como a prestação de ser- bótica, de baixa, média e alta complexidades, como
viços de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão, estratégias de ensino-aprendizagem aplicadas aos
ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas cenários de práticas dos discentes e capacitação de
no campo da saúde pública às instituições públicas seus profissionais. Não por acaso a Rede reuniu as
federais de ensino ou instituições congêneres, ob- condições necessárias para essa diferenciada ação
16 Apresentação
de capacitação cujos resultados ainda incluem a va- O livro “Simulação Clínica: ensino e avaliação
liosa publicação desta obra. nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem”
A evolução científica e as discussões éticas sobre é mais uma iniciativa para qualificação de recur-
modelos de ensino-aprendizagem trouxeram gran- sos humanos que colabora para que o ensino base-
des restrições ao ensino em ciências da saúde, uma ado em simulação seja uma realidade e uma prática
vez que por muitos anos tal formação foi baseada corriqueira nos hospitais universitários federais.
em modelos animais. Como consequência, apesar A perspectiva pedagógica trazida nos capítulos
das diversas restrições impostas por controles éti- converge para atender à necessidade crescente de
cos, o ensino prático realizado diretamente no pa- profissionais envolvidos na compreensão da rela-
ciente ainda é o principal modelo utilizado o que ção entre as diretrizes estabelecidas para a forma-
traz questões tanto para a formação do profissio- ção e a implementação de práticas interdisciplinares
nal quanto para a qualificação do cuidado prestado. colaborativas, base para aquisição de novos conhe-
O uso de simuladores para aprendizado tem sido cimentos com vistas a uma atuação interpessoal e
aplicado há muitos anos em diversas áreas do co- técnica integradas, além do domínio da metodolo-
nhecimento. Notadamente, na área de aviação re- gia baseada em simulação em saúde.
percutiu de forma direta na diminuição do número Sem dúvida, o presente livro será referência para
de erros e aumento da segurança. Contudo, seu uso a comunidade acadêmica, profissionais de saúde,
como recurso de ensino-aprendizagem na área da estudantes, preceptores e docentes, do ensino téc-
saúde é relativamente recente. nico à pós-graduação, nos diversos hospitais uni-
O planejamento do ensino baseado em competên- versitários e nas diferentes unidades da rede de
cias e habilidades trouxe um grande incentivo à prá- ensino e saúde do País. Isso porque representa um
tica da simulação como meio de desenvolvimento do convite à reflexão, ao debate e à atenção aos desa-
processo de ensino- aprendizagem com várias van- fios para o futuro das atividades de simulação clí-
tagens relacionadas a aspectos éticos, reprodutibi- nica na formação e na capacitação dos profissionais
lidade, segurança, eficiência, efetividade, custo e re- para melhorar a qualidade da assistência e garantir
ceptividade por parte dos aprendizes. Nesse sentido, mais segurança para os pacientes. A Ebserh se orgu-
desde 2016, a Ebserh tem fomentado tanto a criação lha de ter participado de tão importante parceria!
de laboratórios de habilidades e simulação quanto
a formação de pessoal com competências e habili- Oswaldo de Jesus Ferreira
dades para a gestão de centros de simulação e orga- Presidente da Ebserh
nização de atividades para formação e capacitação. Brasília, 2021
Apresentação 17
Apresentação do Livro 2
C
om o sucesso do Curso de Multiplicadores atual livro “Simulação Clínica: ensino e avaliação
para Desenvolvimento da Rede de Centros nas diferentes áreas da medicina e enfermagem”.
de Simulação Clínica, realizado em par- Em cada semestre de 2021 foram montadas
ceria entre a Empresa Brasileira de Serviços e aplicadas as duas disciplinas de pós-gradua-
Hospitalares (EBSERH), Associação Brasileira ção stricto sensu, vinculadas ao Programa de Pós-
de Educação Médica (ABEM), Secretaria de Graduação da USP de Bauru:
gestão do trabalho e da Educação da Saúde do 1) Simulação Clínica: Conceitos e Aplicação na
Ministério da Saúde (SGTES, MS) e Organização Formação e Capacitação de Profissionais (4 cré-
Panamericana de Saúde (OPAS), que capacitou ditos, 60 horas e duração de 10 semanas) e
323 profissionais de 18 hospitais federais de todas 2) Simulação Clínica Multiprofissional em Saúde (6
as regiões do país, criou-se um segundo espaço de créditos, 90 horas com 10 semanas de duração).
formação profissional com a oferta de duas disci- O conteúdo de cada disciplina está explicitado
plinas de pós-graduação na Universidade de São nos dois livros citados e ambas têm o mesmo de-
Paulo (USP) acerca do tema. sign instrucional com acesso pelo e-disciplinas (am-
O material didático da parte geral do curso biente virtual de aprendizagem da USP): 1) sala de
(módulos 1, 2, 4 e 5) foi transformado no livro aula invertida com disponibilização de vídeos gra-
“Simulação Clínica no ensino e avaliação: concei- vados e os capítulos dos livros, 2) enquetes, pré-tes-
tos e aplicações”, já publicado no final de 2021. Já o tes e tarefas orientadas a serem postadas em cada
material didático da parte específica das oito áreas tema, 3) acesso aos fóruns para dúvidas e intera-
de saúde do curso (módulo 3) foi transformado no ções, 4) encontro online síncrono semanal (60 a 90
18 Apresentação do Livro
minutos de duração) para discussão do tema, cujos dir a metodologia em todo o país. Na ausência de
materiais didáticos foram disponibilizados previa- suas atividades, observa-se nas disciplinas a viabi-
mente, na presença do professor responsável. Este lidade de outras opções com uma estrutura já va-
encontro é gravado e disponibilizado. lidada e aprovada.
Mesmo com pouca divulgação, nos três semes-
tres de aplicação dessas disciplinas (duas aplica- Diferentemente do primeiro livro “Simulação
ções da disciplina geral e uma da específica), ti- Clínica no ensino e avaliação: conceitos e aplica-
vemos 361 alunos inscritos. Deste total, apenas 32 ções”, que em seus 17 capítulos, discute os concei-
eram alunos regulares de mestrado e doutorado, tos acerca da simulação como método de ensino e
sendo os demais 329 profissionais de saúde in- de avaliação, sua inserção curricular, temas de su-
teressados no tema da simulação clínica. Os da- porte à simulação (pacientes simulados, moulage,
dos gerais dos inscritos são os seguintes: 1) Área simuladores de baixo custo etc) e gestão do centro
profissional: 42% médicos e 48% enfermeiros, 2) de simulação, este novo livro “Simulação Clínica:
Pós-graduação concluída: 45,4% Mestrado, 21,5% ensino e avaliação nas diferentes áreas da medicina
Doutorado e 4% Pós-Doutorado, 3) Contratados e enfermagem”, conta com 36 capítulos. Os quatro
de Instituições de Ensino Superior: 66,3% - 52% primeiros capítulos gerais mostram as tarefas ini-
Públicas e 48% Privadas, em sua grande maioria ciais da elaboração das estações simuladas. Os qua-
de cursos da saúde, 4) Contratados de Hospitais: tro capítulos específicos dentro de cada uma das oito
52,8% - 84,9% Públicos e 15,1% Privados e 5) Regiões áreas (Cirurgia Geral, Clínica Médica, Emergência,
do país: 6,6% Centro-Oeste, 46,2% Nordeste, 6,6% Ginecologia e Obstetrícia, Pediatria, Saúde Coletiva,
Norte, 22,7% Sudeste e 17,9% Sul. Nos questioná- Saúde da Família e Comunidade e Saúde Mental) fo-
rios de avaliação e nas manifestações espontâneas ram escritos por tutores médicos (o ensino na gra-
dos inscritos a respeito dos aspectos metodológi- duação e residência médica e, o estado da arte da
cos, corpo docente e qualidade das discussões fo- simulação) e por enfermeiros (os tipos de simula-
ram somente elogios. dores disponíveis e o ensino de graduação, treino
Há uma grande necessidade da capacitação, de habilidades, uso da simulação na enfermagem).
principalmente docente, no uso da simulação clí- Esperamos que o conteúdo deste livro possa
nica, com muito interesse mesmo fora da academia. contribuir ainda mais com a difusão da utilização
A experiência de sucesso do curso de simulação clí- da simulação clínica com método de ensino e ava-
nica e das disciplinas na forma remota tornou-as liação nos cursos da área da saúde.
com maior número de inscritos dentre os progra-
mas de pós-graduação da universidade pública. Os
tutores do curso e das disciplinas têm sido convi-
dados para vários eventos e bancas de pós-gradu-
ação em todo o país. Prof. Gerson Alves Pereira Júnior
O Programa ABEM de Simulação Clínica foi Coordenador Pedagógico do Curso EBSERH
criado em 2016 para suprir esta finalidade e difun- Coordenador – Programa ABEM de Simulação
Apresentação do Livro 19
CAPÍTULOS GERAIS
CA P Í T UL O 1
21
21
Gerson Alves Pereira Júnior
Docente de Cirurgia de Urgência e do Trauma
Universidade de São Paulo
Coordenador do Programa
ABEM de Simulação
1. INTRODUÇÃO
A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 23
vem ser organizados em níveis crescentes de • Estados e Distrito Federal: os estados possuem
complexidade, circunscritos a uma determinada secretarias específicas para a gestão de saúde.
área geográfica, planejados a partir de crité- O gestor estadual deve aplicar recursos pró-
rios epidemiológicos e com definição e conheci- prios, inclusive nos municípios, e os repassados
mento da população a ser atendida. A regiona- pela União. Além de ser um dos parceiros para a
lização é um processo de articulação entre os aplicação de políticas nacionais de saúde, o es-
serviços que já existem, visando ao comando tado formula suas próprias políticas de saúde.
unificado deles. Já a hierarquização deve pro- Ele coordena e planeja o SUS em nível estadual,
ceder à divisão de níveis de atenção e garantir respeitando a normatização federal. Os gesto-
formas de acesso a serviços que façam parte da res estaduais são responsáveis pela organiza-
complexidade requerida pelo caso, nos limi- ção do atendimento à saúde em seu território.
tes dos recursos disponíveis numa dada região. • União: a gestão federal da saúde é realizada por
• Descentralização e comando único: descentra- meio do Ministério da Saúde. O governo fede-
lizar é redistribuir poder e responsabilidade ral é o principal financiador da rede pública de
entre os três níveis de governo. Com relação à
saúde. Historicamente, o Ministério da Saúde
saúde, a descentralização objetiva prestar ser-
aplica, em todo o Brasil, metade de todos os re-
viços com maior qualidade e garantir o controle
cursos gastos no país em saúde pública, e estados
e a fiscalização por parte dos cidadãos. No SUS,
e municípios, em geral, contribuem com a ou-
a responsabilidade pela saúde deve ser descen-
tra metade dos recursos. O Ministério da Saúde
tralizada até o município, ou seja, devem ser for-
formula políticas nacionais de saúde, mas não
necidas ao município condições gerenciais, téc-
nicas, administrativas e financeiras para exercer realiza as ações. Para a realização dos projetos,
essa função. Para que valha o princípio da des- depende de seus parceiros (estados, municípios,
centralização, existe a concepção constitucio- organizações não governamentais – ONGs, fun-
nal do mando único, em que cada esfera de go- dações, empresas etc.). Também tem a função
verno é autônoma e soberana nas suas decisões de planejar e elaborar normas, e avaliar e utili-
e atividades, respeitando os princípios gerais e zar instrumentos para o controle do SUS.
a participação da sociedade. Os conselhos de saúde, no âmbito de suas atua-
• Participação popular: a sociedade deve partici- ções (nacional, estadual ou municipal), em caráter
par no dia a dia do sistema. Para isso, devem ser permanente e deliberativo, são órgãos colegiados
criados os conselhos gestores locais das unida- compostos por representantes do governo, presta-
des de saúde que irão formar os conselhos mu-
dores de serviços, profissionais de saúde e usuários.
nicipais de saúde. Também existem conselhos
Atuam na formulação de estratégias e no controle
de saúde em níveis estadual e federal. A cada
da execução da política de saúde na instância cor-
quatro anos, são organizadas as conferências
respondente, inclusive nos aspectos econômicos e
de saúde, que visam formular estratégias, con-
financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo
trolar e avaliar a execução da política de saúde.
chefe do poder legalmente constituído em cada es-
• Estão bem definidas as responsabilidades dos
entes federativos que compõem o SUS: fera do governo (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020).
• Municípios: são responsáveis tanto pela execu- Cabe a cada conselho de saúde definir o número
ção das ações quanto pelos serviços de saúde de membros, que obedecerá à seguinte composição:
no âmbito do seu território. O gestor munici- 50% de entidades e movimentos representativos de
pal deve aplicar recursos próprios e os repassa- usuários, 25% de entidades representativas dos tra-
dos pela União e pelo estado. O município for- balhadores da área de saúde e 25% de representa-
mula suas próprias políticas de saúde e também ção de governo e prestadores de serviços privados
é um dos parceiros para a aplicação de políticas conveniados ou sem fins lucrativos.
nacionais e estaduais de saúde. Ele coordena e O processo de decisão das ações a partir dos
planeja o SUS em nível municipal, respeitando conselhos municipais de saúde também segue para
a normatização federal. Pode estabelecer par- outros foros:
cerias com outros municípios para garantir o • Comissão Intergestores Bipartite (CIB): foro de
atendimento pleno de sua população, para pro- negociação e pactuação entre gestores estadu-
cedimentos de complexidade que estejam acima ais e municipais, quanto aos aspectos operacio-
daqueles que pode oferecer. nais do SUS.
A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 25
atenção de forma oportuna e adequada à necessi- • Central de Regulação de Consultas e Exames: é
dade do usuário (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). responsável pela regulação do acesso dos pa-
A organização dos fluxos de referência especiali- cientes às consultas especializadas, aos SADTs,
zada e contrarreferência intermunicipal estabelece bem como aos demais procedimentos ambula-
exigências para a conformação de uma rede hierar- toriais especializados ou não.
quizada e regionalizada, fazendo demandas destina-
É importante frisar que as centrais de regula-
das ao processo de regionalização e da Programação
ção são estruturas básicas que compõem o com-
Pactuada e Integrada (PPI).
plexo regulador; contudo, é possível trabalhar com
Todos os municípios devem organizar a regu- centrais de regulação específicas que atuem em um
lação do acesso dentro das diretrizes da Regulação universo menor de procedimentos, como: terapia
da Atenção à Saúde, mas nem todos contarão com renal substitutiva, transplantes e procedimentos
complexos reguladores. Assim, no mínimo, todos contemplados na Central Nacional de Regulação
os municípios devem organizar uma atenção básica da Alta Complexidade (CNRAC) e outros.
resolutiva que faça solicitações padronizadas pelos
protocolos, encaminhamentos responsáveis e ade-
quados aos demais níveis de assistência, segundo os 3. EPIDEMIOLOGIA
fluxos de referência desenhados, ainda que os esta-
belecimentos não estejam localizados em seu terri-
A epidemiologia é um dos pilares da saúde pú-
tório (definições do PDR e da PPI). Nessa situação,
blica e, como tal, deve estar estreitamente incorpo-
o município desempenhará, ao mesmo tempo, o pa-
rada às políticas, aos programas e aos serviços pú-
pel de autorizador e de unidade solicitante dentro
blicos de saúde. No Brasil, a criação e o processo de
de um complexo regulador, localizado no municí-
fortalecimento e consolidação do SUS vêm permi-
pio que é seu polo de referência.
tindo a garantia da saúde como direito constitucional,
O complexo regulador é composto por uma ou
e a saúde pública vem ampliando consideravelmente
mais estruturas denominadas centrais de regula- o seu espaço dentro desse sistema (ASSOCIAÇÃO
ção, que compreendem toda a ação-meio do pro- BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA, 2005).
cesso regulatório, isto é, recebem as solicitações No Brasil e no mundo, vive-se um fenômeno de
de atendimento, processam-nas e agendam-nas transição epidemiológica, marcado pelo envelheci-
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). mento populacional, provocado pela elevação da
As centrais de regulação atuam em áreas as- expectativa de vida, pois temos mais qualidade de
sistenciais inter-relacionadas, como a assistências vida, avanços da medicina, novos tratamentos, as-
pré-hospitalar e inter-hospitalar de urgência, e as sim como a implementação e ampliação de políti-
internações, além das consultas e dos procedimen- cas públicas de saúde. Entretanto isso implica em
tos ambulatoriais de média e alta complexidade, e redução das condições agudas e aumento das con-
são classificadas em: dições crônicas (MENDES, 2011).
• Central de Regulação de Urgência: sua ação é Dessa forma, o Brasil encontra-se numa transição
executada conforme disposto na Portaria do epidemiológica, que refere-se às mudanças ocorri-
Ministério da Saúde nº 2.048, de 5 de novem- das, temporalmente, na frequência, na magnitude e
bro de 2002. Regula o atendimento pré-hospi- na distribuição das condições de saúde. Essas mu-
talar de urgência, que é realizado pelo Serviço danças se expressam nos padrões de morte, morbi-
de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). A dade e invalidez que caracterizam uma população
partir do momento em que o paciente necessita específica e que, em geral, acontecem, concomitan-
de uma internação, será acionada a Central de temente, com outras transformações demográficas,
Regulação de Internações. sociais e econômicas (MENDES, 2011).
• Central de Regulação de Internações: é respon- Há, contudo, padrões diferenciados de transição
sável pela regulação dos leitos hospitalares dos epidemiológica, especialmente verificáveis nos paí-
estabelecimentos de saúde vinculados ao SUS, ses desenvolvidos e em desenvolvimento. Essa situ-
próprios, contratados ou conveniados. O escopo ação epidemiológica singular dos países em desen-
da central de internações hospitalares deve ser volvimento – que se manifesta claramente no Brasil
configurado com os leitos das diversas clínicas, – define-se por alguns atributos fundamentais: a su-
de unidade de terapia intersiva (UTI) e de reta- perposição de etapas, com a persistência concomi-
guarda aos prontos-socorros. tante das doenças infecciosas e carenciais e das do-
ALTA
COMPLEXIDADE
ATENÇÃO BÁSICA
Figura 1. A mudança dos sistemas piramidais e hierárquicos para as redes de atenção à saúde. Fonte: Mendes (2011).
A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 27
Dessa forma, não é verdade que a APS seja me- Todos os pontos de atenção a saúde são igualmente
nos complexa que os cuidados ditos de média e alta importantes para que se cumpram os objetivos da
complexidades. É a APS que deve atender a mais rede de atenção à saúde e se diferenciam, apenas,
de 85% dos problemas de saúde; é aí que se situa a pelas distintas densidades tecnológicas que os ca-
clínica mais ampliada e onde se ofertam, preferen- racterizam (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014).
cialmente, tecnologias de alta complexidade, como A atenção básica é um conjunto de interven-
aquelas relativas a mudanças de comportamentos ções de saúde nos âmbitos individual e coletivo que
e estilos de vida em relação à saúde: cessação do envolve: promoção, prevenção, diagnóstico, trata-
hábito de fumar, adoção de comportamentos de mento e reabilitação. É desenvolvida por meio do
alimentação saudável e de atividade física etc. Os exercício de práticas gerenciais e sanitárias, demo-
níveis de atenção secundários e terciários consti- cráticas e participativas, sob a forma de trabalho em
tuem-se de tecnologias de maior densidade tecno- equipe, dirigidas a populações de territórios bem
lógica, mas não de maiores complexidades. Tal vi- delimitadas, sobre as quais assumem responsabili-
são distorcida de complexidade leva os políticos, os dade. Utiliza tecnologias de elevada complexidade
gestores, os profissionais de saúde e a população a e baixa densidade que devem resolver os problemas
uma sobrevalorização, seja material, seja simbólica, de saúde de maior frequência e relevância das po-
das práticas que são realizadas nos níveis secundá- pulações. É o contato preferencial dos usuários com
rios e terciários de atenção à saúde e, por consequ- o sistema de saúde. Orienta-se pelos princípios de
ência, a uma banalização da APS. universalidade, acessibilidade (ao sistema), conti-
Esse movimento universal em busca da constru- nuidade, integralidade, responsabilização, huma-
ção de RAS está sustentado por evidências de que nização, vínculo, equidade e participação social. A
essas redes constituem uma saída para a crise con- atenção primária deve considerar o sujeito em sua
temporânea dos sistemas de atenção à saúde. Há evi- singularidade, complexidade, integralidade e in-
dências, provindas de vários países, de que as RAS serção sociocultural, e buscar a promoção de sua
melhoram os resultados sanitários e econômicos saúde, a prevenção e tratamento das doenças, e a
dos sistemas de atenção à saúde (MENDES, 2011). redução dos danos ou sofrimentos que possam es-
As RAS são definidas como arranjos organiza- tar comprometendo suas possibilidades de viver
tivos de ações e serviços de saúde, de diferentes de modo saudável (CONSELHO NACIONAL DE
densidades tecnológicas, que, integradas por meio SECRETÁRIOS DE SAÚDE, 2004).
de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, É aquele nível de um sistema de serviços de saúde
buscam garantir a integralidade do cuidado. O ob- que oferece a entrada no sistema para todas as no-
jetivo das RAS é promover a integração sistêmica vas necessidades e problemas, fornece atenção so-
de ações e serviços de saúde com provisão de aten- bre a pessoa (não direcionada para a enfermidade)
ção contínua, integral, de qualidade, responsável no decorrer do tempo, proporciona atenção a todas
e humanizada, bem como incrementar o desem- as condições, exceto as muito incomuns e raras, e
penho do sistema em termos de acesso, equidade, coordena ou integra a atenção disponibilizada em
eficácia clínica e sanitária, e eficiência econômica outro lugar ou por terceiros (STARFIELD, 2002).
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014).
Outro conceito fundamental na construção das 5. LINHAS DE CUIDADOS
RAS é o de nível de atenção à saúde. Os níveis de
atenção à saúde estruturam-se por arranjos pro- A linha de cuidado é uma forma de articulação de
dutivos conformados, segundo as densidades tec- recursos e práticas de produção de saúde, orien-
nológicas singulares, variando do nível de menor tadas por diretrizes clínicas, entre as unidades de
densidade, a APS, ao de densidade tecnológica in- atenção de uma dada região de saúde. O objetivo é a
termediária, a atenção secundária à saúde, até o de condução oportuna, ágil e singular dos usuários pe-
maior densidade tecnológica, a atenção terciária à las possibilidades de diagnóstico e terapia, em res-
saúde. Os níveis de atenção à saúde são fundamen- posta às necessidades epidemiológicas de maior re-
tais para o uso racional dos recursos e para o esta- levância. Visa à coordenação ao longo do contínuo
belecimento do foco gerencial dos entes de gover- assistencial, por meio da conectividade de papéis e
nança das RAS (MENDES, 2011). tarefas dos diferentes pontos de atenção e profissio-
Os “pontos de atenção à saúde” são entendidos nais. Pressupõe uma resposta global dos profissio-
como espaços onde se ofertam determinados ser- nais envolvidos no cuidado, superando as respostas
viços de saúde por meio de uma produção singular. fragmentadas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014).
Figura 2. Modelo de atenção integral da linha de cuidado da população geral, em especial em portadores de hiper-
tensão arterial (HA) e diabetes melito (DM), e as possibilidades de evolução dessas patologias, desde sua promoção e
prevenção, passando pela assistência (diagnóstico e tratamento), até as complicações e sequelas, com eventual neces-
sidade de cuidados paliativos. Fonte: Adaptado de Ministério da Saúde (2014).
A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 29
O projeto terapêutico é o fio condutor para o o usuário a buscar na rede de serviços os recur-
fluxo da linha do cuidado. O projeto terapêutico sos necessários ao atendimento à sua necessidade.
aciona ou dispara a linha do cuidado. Importa pensar que, com a linha do cuidado in-
Dessa forma, o projeto terapêutico é concei- tegral organizada, o serviço de saúde opera cen-
tuado como o conjunto de atos assistenciais pen- trado nas necessidades dos usuários, e não mais
sados para resolver determinado problema de na oferta de serviços, o que geralmente limita o
saúde do usuário, com base em uma avaliação acesso (FRANCO; FRANCO, 2012).
de risco. O risco não é apenas clínico, é impor- Esses fluxos devem ser capazes de garantir o
tante enfatizar isso, ele é também social, econô- acesso seguro às tecnologias necessárias à assistên-
mico, ambiental e afetivo, ou seja, um olhar in- cia (FRANCO; FRANCO, 2012). Trabalha-se com a
tegral sobre o problema de saúde vai considerar imagem de uma linha de produção do cuidado que
todas essas variáveis na avaliação do risco. Com parte da rede básica ou de qualquer outro lugar de
base no risco, é definido o projeto terapêutico, e, entrada no sistema para os diversos níveis assis-
a partir dele, o trabalhador de saúde vai orientar tenciais (Figura 3).
Figura 3. Relação das redes de atenção a partir da atenção básica, mostrando o papel das linhas de cuidados. Fonte:
Adaptado de Ministério da Saúde (2014).
As linhas de cuidados, dentro de cada área de nos atendimentos e encaminhamentos não impli-
atenção à saúde, devem ser construídas perpas- que maior morbidade pelo risco de sequelas com
sando todos os níveis de atenção à saúde (Figura a não instituição da terapêutica nos tempos ade-
4), com a definição dos tempos de espera e perma- quados, o que também resulta em maior risco de
nência em cada ponto da rede para que a demora mortes evitáveis.
É muito importante que cada linha de cuidado amento das linhas de cuidado integral (FRANCO;
organizada tenha um gestor – ou um colegiado ges- FRANCO, 2012).
tor, como for melhor – que pense e operacionalize As diretrizes clínicas são entendidas como re-
seus fluxos, de modo a garantir que os caminhos de comendações que orientam decisões assistenciais,
acesso aos serviços permaneçam desobstruídos e fa- de prevenção e promoção, como de organização
zer uma “vigilância” pela não burocratização des- de serviços para condições de saúde de relevância
ses fluxos. Essa gestão das linhas de cuidado é fun- sanitária, elaboradas a partir da compreensão am-
damental. O gestor ou colegiado gestor da linha de pliada do processo saúde-doença, com foco na in-
cuidado pode ser composto por aquele que detém o tegralidade, incorporando as melhores evidências
conhecimento dos fluxos e tem trânsito entre todos da clínica, da saúde coletiva, da gestão em saúde
os serviços, ou, no caso do colegiado, por aqueles e da produção de autonomia (MINISTÉRIO DA
indicados por cada serviço para fazer essa gestão. SAÚDE, 2014).
A gestão das linhas de cuidado deve estar atenta à As diretrizes desdobram-se em guias de prá-
aderência aos novos processos, isto é, as mudanças tica clínica/protocolos assistenciais, orientam as li-
do processo de trabalho, os novos fluxos que sur- nhas de cuidado e viabilizam a comunicação entre
gem e as inovações no ato de cuidar. O grupo ges- as equipes e os serviços, a programação de ações e
tor deve procurar perceber essas inovações como a padronização de determinados recursos.
elementos que enriquecem o que foi anteriormente
definido para os fluxos assistenciais. Não é porque
algo não está previsto anteriormente nos fluxos que 6. FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO DE RECURSOS
pode ser prejudicial a ele. Muitas vezes, a novidade HUMANOS EM SAÚDE
que surge é um aperfeiçoamento do processo pen-
sado originalmente, e, portanto, ele deve ser con- O artigo 200 da Constituição Federal de 1988, em
templado. A liberdade anda com a criatividade, e seu inciso III, atribui ao SUS a competência de or-
esta é a maior fonte de enriquecimento e aperfeiço- denar a formação na área da saúde (BRASIL, 1988).
A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 31
Portanto, as questões da educação na saúde passam há a possibilidade de intercâmbio e incremento
a fazer parte do rol de atribuições finalísticas do do conhecimento teórico-prático aos profissio-
sistema. Para observá-lo e efetivá-lo, o Ministério nais da rede de saúde (ANDRADE; MEIRELLES;
da Saúde tem desenvolvido, ao longo do tempo, vá- LANZONI, 2011).
rias estratégias e políticas voltadas para a adequa- A educação permanente em saúde constitui-se
ção da formação e qualificação dos trabalhadores numa estratégia fundamental para as transforma-
de saúde às necessidades de saúde da população e ções do processo de trabalho no setor, direcionando-
ao desenvolvimento do SUS. -o a tornar-se locus de atuação crítica, reflexiva e
A necessidade de avanços na gestão de recur- propositiva (CECCIM, 2005). Dessa forma, a trans-
sos humanos dos serviços públicos de saúde é mo- formação e qualificação das práticas de saúde, da
tivo de debates há anos. As dificuldades presentes organização das ações e dos serviços, dos processos
nessa área geram desafios para gestores nas três es- formativos e de desenvolvimento dos trabalhado-
feras de governo. A produção dos serviços de saúde res dessa área, mais do que diretrizes de uma polí-
depende da estrutura física, material e tecnológica tica, são prerrogativas de um Estado democrático.
disponível, e da existência de profissionais quali- Um dos grandes desafios enfrentados pelo SUS
ficados e motivados para transformar insumos em é o de ter profissionais competentes e preparados
resultados. para a assistência, de forma a impactar favoravel-
A gestão de recursos humanos é composta por um mente o benefício das condições de saúde da popu-
conjunto de ações que envolvem a contratação dos lação brasileira. Esse desafio torna imperativo as-
trabalhadores, a capacitação, a avaliação, a remunera- sumir o desenvolvimento de novas tecnologias para
ção e o desenvolvimento de um ambiente de trabalho formar e avaliar profissionais com excelência, que
adequado. Tomar decisões nessa área implica modi- respondam às necessidades de atenção à saúde dos
ficar determinadas realidades, processos, estruturas cidadãos, da sociedade e do sistema de saúde. Isso
de trabalhos, direitos e deveres, afetando a vida dos exige o desenvolvimento de um modelo de forma-
trabalhadores (SCALCO; LACERDA; CALVO, 2010). ção dinâmico, contínuo e atualizado.
No setor da saúde, educação permanente é um As rápidas e crescentes transformações das so-
conceito pedagógico utilizado para expressar as re- ciedades contemporâneas, por sua vez, têm colocado
lações entre ensino e ações e serviços, articulando em debate, de modo muito expressivo, os aspectos
docência e atenção à saúde. A Política Nacional de relativos à necessidade de mudanças na formação e
Educação Permanente em Saúde (PNEPS) ampliou capacitação dos profissionais de saúde (SILVA et al.,
esse conceito, que passou a designar também as re- 2014). Os sistemas de saúde enfrentam, atualmente, o
lações entre formação e gestão setorial, desenvol- desafio de conseguir profissionais competentes, que
vimento institucional e controle social em saúde realizem uma assistência efetiva e de qualidade, in-
(BRASIL, 2007). corporando valores adequados e adaptados a locais
A produção da PNEPS representou o esforço de e contextos determinados.
cumprir uma das metas da saúde coletiva no Brasil: A dinâmica de ensino-aprendizagem das meto-
transformar a rede pública de saúde em uma rede dologias tradicionais de ensino, influenciadas pelas
de ensino-aprendizagem no trabalho e no exercício tendências cartesianas, sob uma perspectiva frag-
da prática profissional (CECCIM, 2005). mentada e reducionista, coloca o docente na pos-
Na perspectiva da educação, estão estabelecidas tura de transmissor de conteúdos e o discente no
diretrizes curriculares nacionais para a formação papel de mero espectador (COSTA et al., 2015). Por
de profissionais de saúde, com perfil e competên- sua vez, as metodologias de ensino-aprendizagem
cias orientados pelos princípios e pelas diretrizes inovadoras buscam ativar no aluno a construção de
do SUS, que podem ser realizadas a partir de ex- conhecimentos a partir de experiências significa-
periências de ensino e desenvolvidas em cenários tivas, por meio de uma prática pedagógica partici-
concretos de prática (ANDRADE; MEIRELLES; pativa, crítico-reflexiva e edificadora de conheci-
LANZONI, 2011). mentos (BOLLELA et al., 2014; SOUZA; IGLESIAS;
O exercício da prática profissional em situação PAZIN-FILHO, 2014).
de ensino, como os estágios supervisionados, agrega O foco do processo ensino-aprendizagem nos
benefícios a todos os envolvidos nesse processo. aprendizes reflete no engajamento destes, com me-
Observam-se oportunidades de aprimoramento em todologias ativas que os envolvam em atividades
via de mão dupla, ou seja, enquanto o estudante vi- práticas, nas quais eles são protagonistas da pró-
vencia seu tempo da formação no campo de prática, pria aprendizagem (BERBEL, 2011). As estraté-
A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 33
munidade) e anexo 4 (saúde mental). Para a saúde ções simuladas e, por fim, no modelo de constru-
coletiva, como não há uma rede de atenção, a tarefa ção completa da estação simulada. Todas as áreas
é descrever a rede de serviços que está implantada médicas devem elaborar uma matriz de conteúdos,
no município e na região, acerca dos dados de vi- que é uma lista com as diversas patologias que po-
gilância (epidemiológica, sanitária e ambiental), dem ocorrer, desde as mais frequentes e prevalen-
assim como os demais serviços que a compõem. tes até as mais raras.
Percebe-se que sua realização de forma completa, A terceira tarefa será estabelecer as competên-
principalmente envolvendo profissionais de saúde cias necessárias para o cumprimento das tarefas
de diferentes áreas, permite os seguintes resultados: definidas na avaliação do desempenho esperado,
• Avaliação da capacidade instalada da rede de podendo a atividade simulada ser utilizada como
atenção à saúde nos diversos níveis de atenção, forma de ensino ou de avaliação (prova prática).
identificando os pontos fortes e as fraquezas. É imprescindível lembrar que a competência
• Visualização integral das linhas de cuidados das não é algo que se observa diretamente, mas pode
várias áreas de assistência à saúde. Na medicina ser inferida pelo desempenho e pela articulação de
de emergência, por exemplo, podemos dividi-las tarefas e capacidades, que dão a noção de compe-
em cardiovascular, cerebral, trauma, gineco-obs- tência profissional com base em padrões ou crité-
tétrica, pediátrica, sepse, patologias cirúrgicas rios definidos.
agudas, respiratória etc. Podem-se estabelecer Utilizando-se o conceito de engenharia dos ce-
os tempos de espera e permanência em cada ní- nários simulados, durante o processo de capacitação
vel de atenção para uma melhor qualidade do docente, há o planejamento do processo de instru-
resultado do atendimento ao paciente. ção em três etapas, para transformar o caso clínico
• Definição das patologias mais frequentes e pre- selecionado em atividade simulada:
valentes que causam morbidade e mortalidade 1) Escolha e escrita do caso clínico selecionado
no município e na região. para a ser transformado em atividade simulada.
Com as análises e reflexões dessas tarefas, a pos- 2) Montagem dos 19 itens da encomenda da esta-
sibilidade de diversificação da elaboração de esta- ção simulada, que é o início da transformação
ções simuladas é muito grande. do caso clínico em estação simulada, já permi-
Dessa forma, dentro do contexto da educação tindo a visualização de como será construída a
baseada em simulação, o desenvolvimento do corpo estação simulada.
docente envolve mais do que apenas treinamento 3) Modelo de construção completa da estação si-
para elaborar e executar os cenários de simulação, mulada, que é o roteiro integral do cenário si-
e fornecer feedback de forma eficaz, envolve tam- mulado em que estão as instruções do cenário
bém uma compreensão básica de todos os aspec- e tarefas do estudante/candidato, as orienta-
tos da simulação, incluindo a manutenção de am- ções ao avaliador, a lista de materiais e equipa-
bientes de aprendizagem seguros, gerenciamento mentos, o mapa de disposição dos móveis e os
de fidelidade e engenharia de cenário. recursos humanos dentro do ambiente físico da
A segunda tarefa, que será discutida no Capítulo estação simulada, o script do paciente simulado
2, corrobora a escolha dos conteúdos e temas a se- (caso seja simulação cênica), o fluxograma de
rem desenvolvidos no formato, inicialmente, de decisão do avaliador e o instrumento padroni-
casos clínicos, depois nas encomendas das esta- zado de avaliação (checklist).
8. REFERÊNCIAS
ALINIER, G. Developing High-Fidelity Health Care ANDRADE S. R.; MEIRELLES, B. H. S.; LANZONI, G.
M. M. Educação permanente em saúde: atribuições e
Simulation Scenarios: A Guide for Educators and
deliberações à luz da Política Nacional e do Pacto de
Professionals. Simulation & Gaming, v42 n1 p9-26, 2011
Gestão. O Mundo da Saúde, São Paulo, v. 35, n. 4, p.
ALINIER, G.; PLATT, A. Visão geral internacional de 373-381, 2011.
iniciativas de educação de simulação de alto nível em
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA
relação a cuidados intensivos. Nursing in Critical
Epidemiologia nas políticas, programas e serviços de
Care, v. 19, n. 1, p. 42-49, 2013.
saúde. IV Plano Diretor para o Desenvolvimento da
FRENK, J. – Bridging the divide: comprehensive reform SOUZA, C. S.; IGLESIAS, A. G.; PAZIN-FILHO,
to improve health in Mexico. Nairobi, Comission on Social A. Estratégias inovadoras para métodos de ensino
Determinants of Health, 2006. tradicionais: aspectos gerais. Medicina, Ribeirão Preto,
v.47, n. 3 p. 284-292, 2014.
HOADLEY, T. A. Learning advanced cardiac life support:
a comparison study of the effects of low- and high-fidelity STARFIELD, B. Atenção primária: equilíbrio entre
simulation. Nursing Education Perspectives, v. 30, a necessidade de saúde, serviços e tecnologias. Brasília:
n. 2, p. 91-95, Mar./Apr. 2009. Unesco, Ministério da Saúde, 2002.
A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 35
ANEXO 1
MATRIZ GERAL PARA A DEFINIÇÃO DOS PONTOS DE ATENÇÃO À SAÚDE NAS ÁREAS DE ATUAÇÃO
ÁREA DE ATUAÇÃO - Pediatria, Clínica Médica, Cirurgia Geral e Ginecologia/Obstetrícia
ATENÇÃO
MACRORREGIÃO:
TERCIÁRIA
À SAÚDE
No de Habitantes:
No de leitos
MACRORREGIÃO:
ATENÇÃO
SECUNDÁRIA
À SAÚDE
No de Habitantes:
MUNICÍPIO:
No de Habitantes:
ATENÇÃO
PRIMÁRIA Unidades Básicas (Número)=
ÁREA DE ABRANGÊNCIA
À SAÚDE
NÍVEL DE
MORTALIDADE MORBIDADE
ATENÇÃO
ATENÇÃO
CAUSAS DE
TERCIÁRIA
INTERNAÇÃO:
À SAÚDE
MOTIVOS DE
ATENÇÃO
ATENDIMENTO:
SECUNDÁRIA
À SAÚDE
MOTIVOS DE
ATENÇÃO
ATENDIMENTO:
PRIMÁRIA
À SAÚDE
A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 37
ANEXO 2
HOSPITAIS MACRORREGIÃO:
SECUNDÁRIOS
No de leitos e se porta aberta
ou demanda regulada No de Habitantes:
UPAS (Número)=
MICRO-ÁREA
NÍVEL DE
MORTALIDADE MORBIDADE
ATENÇÃO
ATENÇÃO
CAUSAS DE
TERCIÁRIA
INTERNAÇÃO:
À SAÚDE
MOTIVOS DE
ATENÇÃO
ATENDIMENTO:
SECUNDÁRIA
À SAÚDE
MOTIVOS DE
ATENÇÃO
ATENDIMENTO:
PRIMÁRIA
À SAÚDE
A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 39
ANEXO 3
MATRIZ PARA A DEFINIÇÃO DOS PONTOS DE ATENÇÃO À SAÚDE NAS ÁREAS DE ATUAÇÃO
ÁREA DE ATUAÇÃO - Medicina de Família e Comunidade (MFC)
MACRORREGIÃO:
ATENÇÃO
SECUNDÁRIA
À SAÚDE
No de Habitantes:
No de Habitantes:
ATENÇÃO
PRIMÁRIA Unidades Básicas (Número)=
ÁREA DE ABRANGÊNCIA
À SAÚDE
NÍVEL DE
MORTALIDADE MORBIDADE
ATENÇÃO
ATENÇÃO
CAUSAS DE
TERCIÁRIA
INTERNAÇÃO:
À SAÚDE
MOTIVOS DE
ATENÇÃO
ATENDIMENTO:
SECUNDÁRIA
À SAÚDE
MOTIVOS DE
ATENÇÃO
ATENDIMENTO:
PRIMÁRIA
À SAÚDE
A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 41
ANEXO 4
NÍVEL DE TERRITÓRIO
PONTO DE ATENÇÃO À SAÚDE
ATENÇÃO SANITÁRIO
MUNICÍPIO, MICRO OU
Hospitais
MACRORREGIÃO:
Psiquiátricos
No de leitos
No de Habitantes
Leitos psiquiátricos MUNICÍPIO, MICRO OU
em Hospital Geral MACRORREGIÃO:
No de leitos No de Habitantes:
A revisão das redes de atenção à saúde, linhas de cuidado e a epidemiologia loco-regional para definição dos
cenários de prática e dos contextos clínicos para a diversificação da construção das estações simuladas 43
NÍVEL DE
MORBIDADE
ATENÇÃO
CAUSAS DE
Leitos em Hospital
INTERNAÇÃO:
Geral e Hospital Psiquiátrico
MOTIVOS DE
CAPS
ATENDIMENTO:
SUICÍDIO
Tentativa/ano Consumado/ano
45
Gerson Alves Pereira Júnior
Docente de Cirurgia de Urgência e do Trauma
Universidade de São Paulo
Coordenador do Programa ABEM de Simulação
1. MATRIZES DE CONTEÚDO
Para a elaboração das estações simuladas, como uma matriz de conteúdos, que é uma lista com as
apresentado no Capítulo 1, a primeira tarefa é uma diversas patologias que podem ocorrer, desde as
revisão da rede de atenção à saúde locorregional, mais frequentes e prevalentes até as mais raras. O
associada à epidemiologia das causas de morbi- ideal é que sejam separadas em dois grupos: as que
dade e mortalidade. O objetivo é que os profes- ocorrem em situações eletivas e aquelas que sur-
sores e preceptores das várias áreas da medicina, gem como emergência/urgência, e, em ambas, de-
dentro de suas linhas de cuidados, consigam visu- vem ser descritos os procedimentos que podem ser
alizar a organização de suas redes de atenção, de- realizados no atendimento a cada uma dessas pato-
finindo os cenários de prática em que as estações logias. A realização dessa tarefa facilita na visuali-
simuladas serão aplicadas e também as patologias zação das possibilidades de realização de estações
mais prevalentes e relevantes para a montagem das simuladas como um todo, principalmente quando
estações simuladas. já existe um pool de estações já realizadas e há o in-
Para que possam corroborar a escolha dos con- teresse de elaborar situações simuladas diferentes.
teúdos e temas a serem desenvolvidos no formato, Como podemos trabalhar com a simulação, tanto
inicialmente de casos clínicos, depois nas enco- para ensino como para avaliação, nos diversos mo-
mendas das estações simuladas e, por fim, no mo- mentos da formação dos aprendizes (graduação e
delo de construção completa da estação simulada, residência médica) ou mesmo no processo de edu-
todas as áreas médicas e de saúde devem elaborar cação permanente dos profissionais de saúde, as
A evolução do conceito de
competências para marcos de
competências e “Entrustable
Professional Activities” (EPAs)
51
Gerson Alves Pereira Júnior
Docente de Cirurgia de
Urgência e do Trauma
Universidade de São Paulo
Coordenador do Programa
ABEM de Simulação
1. INTRODUÇÃO
No processo de ensino e avaliação, deve ser possí- competente e autorizado para exercer a profissão
vel identificar o avanço dos estudantes na aquisi- (MONTIEL et al., 2012).
ção de conhecimentos, habilidades, atitudes, va- Diante das modificações do aprender clínico e
lores e aptidões que, em conjunto, estruturam as da diversificação dos cenários de aprendizagem, os
competências. É necessário identificar e reforçar métodos de avaliação de competências em saúde
os pontos fortes e as lacunas de aprendizagem de necessitaram se adaptar aos novos métodos de en-
cada estudante, estabelecer as estratégias correti- sino aprendizagem, como a simulação clínica. Uma
vas e de melhorias no processo de ensino aprendi- tendência e necessidade do ensino em saúde é a
zagem, estimular a capacidade de autoavaliação e utilização de estratégias que facilitem o processo
determinar a eficácia da ação do facilitador, assim de avaliação do estudante na observação durante o
como dos métodos de ensino empregados. O obje- desenvolvimento de habilidades técnicas e não téc-
tivo final deve ser a obtenção do mais alto nível de nicas nas práticas clínicas (NOGUEIRA; RABEH,
competência profissional dos aprendizes, de modo 2014).
a justificar os recursos materiais, financeiros, estru- Em um ambiente simulado, a avaliação por com-
turais e humanos investidos, e certificar com segu- petências vai muito além de um enfoque exclusivo
rança a qualidade do estudante, a fim de garantir em determinada ação. Engloba avaliar os conheci-
que a sociedade seja atendida por um profissional mentos, as habilidades e as atitudes dos aprendizes
Figura 1. A versão corrigida da pirâmide de Miller com a adição de “ser” e um esboço do que deve ser avaliado em
cada nível. Fonte: Adaptada de Cruess, Cruess e Steinert (2016).
A função de uma matriz de competências é ex- de modo que a formação do graduado em Medicina
pressar os consensos coletivos acerca do que é im- deve se desdobrar nas seguintes áreas: 1. atenção à
prescindível e as inter-relações entre os conteúdos saúde, 2. gestão em saúde e 3. educação em saúde
essenciais que nenhum estudante deverá deixar de (BRASIL, 2014).
saber ao se formar (ARAÚJO, 2007). Para tanto, Em todas as áreas de ensino dos profissionais da
as DCN preconizam que a formação médica deve área de saúde, é necessário que haja modificações
se basear em competências. O ensino por compe- do aprender clínico e diversificação dos cenários
tências implica desenvolver no estudante a capa- de aprendizagem. Os métodos para a avaliação de
cidade de mobilizar conhecimentos, habilidades e competências precisam se adaptar à nova realidade,
atitudes para lidar com situações, problemas e di- e isso inclui o uso de técnicas que facilitem o pro-
lemas da vida real, e sua certificação expressa le- cesso de avaliação do estudante durante o desenvol-
gitimação social de pessoas que passam a ser reco- vimento de suas funções (AMARAL; DOMINGUES;
nhecidas como capazes de atuar na carreira médica. ZEFERINO, 2012).
Cada vez mais, as competências profissionais de- Dessa forma, pode-se concluir que a educação
vem ser consideradas como aspectos essenciais no de- baseada em competências é definida por uma capa-
senvolvimento dos projetos pedagógicos e das matri- cidade tangível de atuar no local de trabalho como
zes curriculares dos cursos da area da saúde, de modo resultado da educação. É uma abordagem para pre-
a nortear o processo de formação. Assim, o modelo de parar futuros médicos para a prática orientada para
currículo baseado em competências é privilegiado para formar habilidades de resultados e organizada em
alavancar as transformações e necessidades que vêm torno de competências derivadas de uma análise das
ocorrendo no mundo do trabalho, preparando o pro- necessidades sociais e dos pacientes. Ao valorizar
fissional para melhor atender a população e aos servi- as competências, o método destaca o treinamento
ços dos diferentes níveis de atenção à saúde (PEREZ; com base no tempo e promete maior responsabi-
TOURINHO; CARVALHO JÚNIOR, 2016). lidade, flexibilidade e centralização no estudante
As DCN de 2014 trazem as competências e ha- (FRANK et al., 2010).
bilidades preconizadas para o egresso do curso de A educação baseada em competências tem
Medicina de maneira diferente em alguns aspectos, sido adotada por escolas médicas com o objetivo
Marco de
competência
*PC refere-se à primeira competência geral – “assistência ao paciente” –, e o número mostra que é a terceira subcompetência
relacionada à PC, estando o conjunto progressivo de marcos de competência definido para cada nível de proficiência:
graduação (nível 1), residência médica (níveis de 2 a 4) e prática profissional (nível 5).
Figura 2. Nomenclaturas dos marcos de competências utilizadas no modelo do Accreditation Council for Graduate
Medical Education (ACGME). Fonte: Adaptada de Beeson et al. (2013b).
O marco de competência corresponde ao com- cançado após anos de prática clínica (Quadro 1). O
portamento observável dentro de cinco níveis de nível 4 é o comportamento esperado para o médico
proficiência: desde o nível 1 de entrada (graduando residente para a certificação inicial (WANCATA et
da escola médica) até o nível 5, um nível a ser al- al., 2016).
NÍVEL DE
DEFINIÇÃO
PROFICIÊNCIA
O aluno de Medicina recém-formado ao entrar na residência
1
médica demonstra esses marcos esperados.
O médico residente está avançando e demonstra marcos adicionais, mas ainda
2
não atingiu o nível intermediário para o programa de residência.
O médico residente continua a avançar e demonstrar marcos adicionais;
3 e a maioria dos marcos de competência direcionados para a área específica
da residência médica está presentes nessa subcompetência.
O médico residente tem avançado de forma a demonstrar que atingiu
4 substancialmente os marcos de competência previstos para o programade
residência. Esse nível é concebido como o alvo final da residência médica.
O médico residente tem avançado além das metas de desempenho estabelecidaspara o
programa de residência médica. Demonstra metas atingidas para aspirações maiores,
5
no mesmo nível do profissional que esteja atuante na prática há vários anos. Espera-se
que apenas alguns médicos residentes de desempenho excepcional atinjam esse nível.
Fonte: Traduzido de Accreditation Council for Graduate Medical Education and American Board of Emergency Medicine
(BEENSON et al., 2013b).
Assim, a decisão de desenvolver marcos para ção e da prática médica. Dessa forma, na avaliação
descrever as expectativas progressivas para apren- individual dos aprendizes, é possível monitorar o
dizagem e desempenho é consistente com mode- progresso por meio desses marcos e determinar se
los mais atuais de desenvolvimento. Tais modelos houve progresso, estagnação ou regressão como
enfatizam a natureza progressiva da aquisição de uma indicação da necessidade específica de cor-
conhecimentos, proporcionando a base conceitual reções (PAGE et al., 2017).
para marcos de competência (LOMIS et al., 2017). Os marcos das competências avaliados também
A formação generalista é a base de atuação do serão utilizados para determinar se existem lacunas
futuro egresso e tem como objetivo o fortalecimento nos programas curriculares ou da residência mé-
do Sistema Único de Saúde (SUS) e, em especial, da dica que precisam ser adequadas. Isso também po-
atenção primária à saúde e das urgências. Nesse derá ser usado para garantia de segurança aos pa-
contexto, o profissional desenvolverá atividades cientes e à sociedade, aos prestadores de serviços
com usuários de todos os ciclos de vida. Além disso, e aos formuladores de políticas de atenção à saúde
é a base também para futuras especializações nas (BEESON et al., 2013b).
linhas de atenção e cuidados cujas prevalências de Muito embora esteja ocorrendo essa evolução
morbimortalidades sejam estatisticamente signi- na educação médica, na formação em enfermagem
ficativas para a organização em rede dos serviços é um tema ainda a ser explorado, pois ainda per-
e do trabalho. manece a visão de que o conteúdo ensinado de-
Para atingir essa formação desejada, é necessá- pende da concepção dos docentes e geralmente
ria a construção de autonomia e de práticas que se possui uma disciplina específica para essas aborda-
ancorem na integralidade. Somente num cenário gens (MEYER, 2017 MORAIS FILHO et al., 2017).
educacional em transformação poderemos cons- É muito importante que o ensino em enfermagem
truir uma prática médica também transformadora, a e outras áreas da saúde tenha essa evolução para
despeito de todos os desafios (FREITAS; RIBEIRO; que se possam permitir a educação e o trabalho
BARATA, 2018). interprofissional.
A expectativa é de que os marcos de competên- Conforme mostrado no Quadro 1, o nível 1 pos-
cia sejam indicadores de qualidade dos programas sui os marcos projetados para corresponder ao ní-
de aprendizado nos vários momentos da forma- vel de competência dos estudantes de Medicina
Uma vez determinadas as competências críti- guida, sintetizaram-se as metas combinadas do es-
cas para cada EPA, desenvolvem-se metas para cada tudante/médico residente pré-confiável para criar
competência. Assim, foram desenvolvidos dois pon- a narrativa e a descrição dos pontos (TEN CATE,
tos descritivos para cada competência: 1. o ponto 2013; ASSOCIATION OF AMERICAN MEDICAL
no qual o estudante/médico residente seria consi- COLLEGES, 2014). Isso também foi feito utilizando
derado “pré-confiável” (ou seja, ainda não é capaz os marcos de competência para o estudante/médico
de realizar a atividade sem supervisão direta) e 2. residente confiável. Uma vez criadas as descrições
o ponto no qual o estudante/médico residente po- comportamentais e traduzidas em competências clí-
deria ser considerado “confiável” (ou seja, capaz de nicas, estas podem ser usadas como base para ava-
realizar a atividade sem supervisão direta). Em se- liação pelo corpo docente (Figura 4).
M1 Descrição
Subcompetência 1 narrativa do
M2 estudante
Competência M1 pré-confiável
Geral 1 Subcompetência 5 M2
M1
Subcompetência 2 M2
Competência
EPA
Geral 2 M1
Subcompetência 4
M2
Competência M1
Subcompetência 3
Geral 3 M2 Descrição
M1 narrativa do
Subcompetência 6 estudante
M2 confiável
Figura 4. As EPA requerem a integração de subcompetências, geralmente a partir de dois ou mais domínios (com-
petências gerais). Para cada subcompetência, marcos podem ser estabelecidos e, em seguida, sintetizados em nar-
rativas descritivas de comportamentos esperados para os estudantes/médicos residentes em níveis pré-confiáveis e
confiáveis de desempenho; M1 e M2 são marcos de competências para cada subcompetência.
NÍVEIS DE
DEFINIÇÃO
SUPERVISÃO
1 Estar presente e observar.
Atuar com supervisão proativa direta, ou seja, com supervisor fisicamente
presente no local:
2 • realiza o ato, auxiliado pela supervisão,
• age sozinho, com o supervisor presente na sala, pronto para intervir se
necessário.
Agir com supervisão reativa indireta, ou seja, prontamente disponíveis a pedido
por meio de telefonia e/ou modalidades eletrônicas:
• age com supervisor imediatamente disponível, sendo todas as decisões
definidas em conjunto,
3
• age com supervisor imediatamente disponível, porém as principais decisões são
definidas em conjunto,
• age com supervisor disponível a distância (por exemplo, por telefone), devendo
revisar os achados e as decisões.
Agir com supervisão não imediatamente disponível no
4
local, mas com supervisão distante e vigilante.
5 Fornecer supervisão a aprendizes mais inexperientes.
Fonte: Traduzida de Ten Cate et al. (2015).
Existem várias características que pesam na de- tas vezes são baseadas em “intuição” e com informa-
cisão de confiar ao aprendiz, em qualquer nível de ções limitadas. Isso não significa, necessariamente,
sua formação, a responsabilidade assistencial de que a tomada de tais decisões seja imprecisa, pois
pacientes (TEN CATE et al., 2015): nem tudo que fundamenta uma decisão pode ser
traduzido em números, escalas ou mesmo palavras.
• Qualidades fundamentais, baseadas principal- Às vezes, a supervisão “sente” que pode confiar ou
mente na competência e no raciocínio clínico, não no aprendiz. Essa confiança presuntiva baseada
• Consciência e confiança nas ações, em credenciais anteriores, combinados à confiança
• veracidade e honestidade, inicial após breve observação, pode ser suficiente
• Discernimento de suas limitações e propensão para se assumir a decisão de deixar o aprendiz re-
a pedir ajuda, se isso for realmente necessário, alizar ações médicas sobre o paciente, que seriam
• Empatia, compreensão e receptividade para de responsabilidade profissional da própria super-
com os pacientes, visão. Em determinado momento da formação, as
• Habilidade na comunicação e colaboração decisões que demandam anuência para agir sem
interprofissional, supervisão devem ser fundamentadas em avalia-
• Sentimento de autoconfiança e segurança em agir, ções sistemáticas que considerem as qualidades do
• Hábitos de autoavaliação, reflexão e desenvolvi- aprendiz (TEN CATE et al., 2015). Alguns critérios
• mento, podem fundamentar tais decisões:
• Senso de responsabilidade e • Desempenho em exames cognitivos e de
• Capacidade adequada para lidar com erros pró- habilidades,
prios e alheios. • Observações diretas por parte dos supervisores,
relacionadas com o desempenho nas
Como tais decisões são normalmente tomadas • EPA específicas,
sem muito tempo para deliberação criteriosa, mui- • Observação e feedback por parte de pacientes e
colegas,
BEESON, M. S. et al. The development of the emergency CROFT, H. et al. Development and inclusion of an
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the emergency medicine milestones. Academic
70
Gerson Alves Pereira Júnior
Docente de Cirurgia de
Urgência e do Trauma
da Universidade de São Paulo (USP)
Coordenador do Programa
ABEM de Simulação
REFLEXÃO
PLANEJAMENTO DESENVOLVIMENTO
PÓS PRÁTICA
ANÁLISES DOS
PLANEJAMENTO RODÍZIO NAS ESTAÇÕES SIMULADAS
RESULTADOS
1) Tema/conteúdo a ser abordado (utilizar a matriz de conteúdos): Deve-se escolher um título que represente
o problema a ser trabalhado.
2) População alvo: Definir para quem se destina a simulação e considerar os conhecimentos prévios dos
estudantes.
3) Número de participantes (mínimo e máximo)
4) Duração do cenário: tempo total previsto para todas as etapas, estabelecendo um limite de duração da atividade
com tempo suficiente para que os participantes atinjam os objetivos.
5) Objetivos de aprendizagem/avaliação: O objetivo geral é o resultado que se espera com o aprendizado. Os
objetivos específicos são as medidas de desempenho do participante, que geralmente são disponibilizados apenas
para os facilitadores. O número de objetivos específicos depende da complexidade e do tempo estabelecido para o
cenário. Podem-se utilizar os marcos de competências que devem ser mobilizados no desenvolvimento da estação.
6) Competências gerais a serem desenvolvidas: Conhecimentos, habilidades e atitudes que são esperadas
do participante ao final da atividade. Devem-se definir as habilidades específicas a serem demonstradas,
considerando os conhecimentos prévios dos participantes.
7) Tipo de simulação: Deve-se escolher uma destas possibilidades: simulação clínica com uso de simulador
(manequim); simulação clínica com uso de paciente simulado (se padronizado); role play; simulação híbrida; prática
deliberada de ciclos rápidos; simulação in situ; simulação interprofissional; simulação virtual; telessimulação.
8) Caso/situação clínica: Refere-se às informações do caso clínico a ser desenvolvido e às tarefas a serem
cumpridas. Deve-se descrever o caso de maneira sucinta e clara, com informações essenciais para o alcance
dos objetivos propostos.
9) Lesões/patologias: Devem-se definir os achados do exame físico e os exames complementares a serem
explorados. Devem-se definir também as decisões críticas de diagnóstico e tratamento.
10) Procedimentos médicos a serem realizados (se houver): Definem-se os materiais e equipamentos que
deverão estar presentes no cenário simulado.
11) Distratores: Devem ser pensados com o propósito de auxiliar na aprendizagem e aproximar o cenário de
condições reais, entretanto não devem desviar a atenção do participante, afastando-o dos objetivos propostos.
12) Cenário de prática a ser simulado: Local/referência de local em que será realizado o atendimento/
procedimento (ex: se UBS, ambulatório, UTI ou outro).
13) Problemas de comunicação com pacientes, familiares e membros da equipe interprofissional:
Devem-se utilizar as situações mais frequentes de conflitos.
14) Conflitos éticos e jurídicos: Caso se apliquem aos objetivos do caso, deve-se realizar a inclusão.
15) Situação interprofissional envolvida: Nos casos de utilização, devem-se definir as competências comuns
e colaborativas.
16) Nível estimado de dificuldade: Fácil, médio ou difícil.
17) Informações complementares:
Devem-se inserir outras informações que possam ser úteis na construção da estação.
18) Protocolo/consenso de orientação para a construção e ponderação do checklist.
19) Resultados esperados: Determinar quais resultados esperados para o desenvolvimento do cenário.
Definições prévias:
• Gravação do cenário: Definir se será realizada a gravação, além do equipamento e responsável.
• Tipo de comunicação entre estudante/candidato e avaliadores: Verbal, escrita e visual.
1) Instruções para o participante/estudante/candidato: Informações essenciais para
o caso clínico e definição das tarefas e de sua duração (estabelecer um limite de duração
da atividade com tempo suficiente para que os participantes atinjam os objetivos).
2) Instruções sobre o cenário simulado: Realizar a listagem dos recursos de acordo com as necessidades
e possibilidades do cenário: 1. O espaço para a simulação; 2. Os simuladores (manequins), se forem
utilizados; 3. Mobiliários (cama, cadeira, armários, suporte de soro e biombo); 4. Equipamentos (monitor,
aspirador e foco); 5. Materiais (seringas, sondas e termômetro); 6. Documentação de apoio (cartas de
encaminhamento, ficha de atendimento e exames complementares); 7. Utilização de recursos diagnósticos
e terapêuticos, de medicações e de equipamentos; e 8. Adereços (roupas, documentos de identificação,
embalagens de remédios, exames prévios, dispositivos invasivos, maquiagem, sangue e secreções).
3) Checklist de montagem da estação: Incluindo a disposição do mobiliário e das
pessoas envolvidas em cena, para sua padronização e reprodutibilidade.
4) Recursos humanos para condução do cenário: Definir os diferentes papéis a serem desempenhados
no cenário para estabelecer o número de participantes e seus pré-requisitos. Em relação ao
levantamento dos recursos humanos, devem ser incluídos facilitadores, pacientes simulados ou
padronizados, operadores de equipamentos tecnológicos e outros que sejam necessários.
5) Recursos materiais: Realizar a listagem dos recursos de acordo com as necessidades e
possibilidades do cenário. Exemplo: 1) o espaço para a simulação (laboratório de simulação, serviço
de saúde, ou outro); 2) os simuladores (manequins), se forem utilizados; 3) mobiliários (cama,
cadeira, armários, suporte de soro, biombo); 4) equipamentos (monitor, aspirador, foco); 6) materiais
(seringas, sondas, termômetro); 7) documentação de apoio (cartas de encaminhamento, ficha de
atendimento, exames complementares); 8) utilização de recursos diagnósticos e terapêuticos, de
medicações, de equipamentos; e 9) adereços (roupas, documentos de identificação, embalagens
de remédios, exames prévios, dispositivos invasivos, maquiagem, sangue e secreções).
6) Orientações ao participante simulado (paciente, familiar, membro da equipe etc): Script
e, caso haja necessidade, descrição das observações para moulage, vestimenta e adereços.
7) Orientações e informações ao facilitador/examinador/avaliador: Descrição
sequencial e cronológica das condutas a serem tomadas pelo estudante/candidato.
8) Informações sobre o caso e as condutas a serem tomadas: Descrição das possibilidades de
condutas e comportamentos que o estudante/candidato pode adotar, de modo a definir a ação dele.
9) Fluxograma de decisões possíveis das estações: Para auxílio no desenvolvimento
do cenário de acordo com a evolução e as ações do participante.
10) Checklist do facilitador/examinador/avaliador: Deve conter as ações/atividades
adequadas a serem desenvolvidas pelos participantes durante a prática simulada.
Checklists ou listas de verificação represen- ticularmente verdadeiro para provas práticas de se-
tam listas de ações ou itens específicos que devem leção de concursos públicos, certificação de títulos
ser executados pelo aprendiz. Os checklists solici- de especialista e revalidação de diplomas de profis-
tam que os avaliadores atestem ações diretamente sionais de saúde formados no exterior.
observáveis. O Quadro 4 apresenta o modelo de checklist pro-
A priori, um bom instrumento de avaliação deve posto. Há uma estrutura de tópicos que envolvem vá-
idealmente (KUUSKNE, 2017): rios itens de avaliação. Há quatro opções de respos-
• possuir alta confiabilidade entre avaliadores, tas (não fez, inadequado, parcialmente adequado e
• ter alta validade de construção, adequado). No processo de elaboração do checklist,
• ser viável para aplicar e cada item do checklist deve ser analisado individu-
• ser capaz de discriminar entre diferentes níveis almente para se definir se serão mantidos apenas os
de aprendizagem. dois extremos de respostas (não fez ou adequado,
ou seja, sim ou não), inutilizando as opções inter-
Como já explicitado num dos itens da encomenda mediárias, ou se serão mantidas as opções de ina-
da estação simulada, é importante que a escolha dos dequado e parcialmente adequado. Nesta última
itens do checklist seja baseada em protocolos e con- situação com a utilização das quatro opções de res-
sensos para que não haja dúvidas sobre o que foi se- postas, na descrição dos itens avaliados devem ser
lecionado. Isso também facilitará a ponderação de discriminados por escrito os critérios que diferen-
cada tópico e de seus itens de avaliação. Isto é par- ciam essas duas opções.
A Tópico avaliado 1
1 Indicador a
2 Indicador b
3 Indicador c
4 Indicador d
5 Indicador e
B Tópico avaliado 2
6 Indicador f
7 Indicador g
8 Indicador h
9 Indicador i
C Tópico avaliado 3
10 Indicador j
11 Indicador k
12 Indicador l
13 Indicador m
Para finalizar, outra importante discussão diz res- dades presenciais. Este modelo transformou-se em
peito às estratégias de aplicação dos cenários no pla- referência a um modelo de aprendizagem que reor-
nejamento das diferentes programações que podem ganiza o tempo gasto dentro e fora da classe, trans-
ter simulação envolvida. O valioso tempo presencial ferindo o protagonismo no processo de aprendi-
dos estudantes em contato com os professores/fa- zado, dos educadores para os alunos. Assim, o valioso
cilitadores tornou-se ainda mais importante após a tempo presencial de aula é dedicado a uma aprendi-
pandemia do COVID-19 como acontece nas ativida- zagem mais ativa, com projetos baseados no apren-
des simuladas. Este tempo presencial não deve ser dizado e nos quais os alunos trabalham em conjunto
gasto com revisões teóricas para aplicação da simu- ou isoladamente para resolverem os casos simula-
lação. Os estudantes devem ter consciência da ne-
dos (PEREIRA JÚNIOR et al, 2017).
cessidade de estudo prévio dos conteúdos que se-
A Figura 4 mostra as possibilidades de aplicação
rão praticas nas atividades simuladas presenciais.
dos cenários simulados com a utilização do Blended
O blended learning é um derivado do e-learning,
Learning, tanto em ambientes internos dos cursos
onde há um momento online de estudo prévio e ou-
tro com a sessão presencial. Na Sala de Aula Invertida quanto externos e nos locais de trabalho. O estudo
(Flipped Classroom), esse primeiro contato dos es- prévio com o uso da sala de aula invertida é uma es-
tudantes com os temas a serem estudados acontece tratégia diferencial para melhor eficiência da prática
por meio da internet, incluindo vídeo-aulas, livros e simulada em qualquer situação. Geralmente nos am-
textos didáticos, podendo incluir formas de intera- bientes internos dos cursos, tanto em salas de aula e,
ção entre os estudantes e professores (Fóruns, chats principalmente nos laboratórios, as atividades de si-
etc) e avaliações, como preparo prévio para as ativi- mulação são realizadas para os estudantes de todos
os momentos da formação, particularmente pré-in-
5. REFERÊNCIAS
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INTERNATIONAL NURSING ASSOCIATION FOR
DE ENFERMAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO.
CLINICAL SIMULATION AND LEARNING. INACSL
Manual de simulação clínica para profissionais
standards of best practice: simulation design. Clinical
87
Izabel C. Meister M. Coelho Rosiane Guetter Mello
Doutora em Clínica Cirúrgica. Doutora em Ciências.
Prof.a Adjunta de Medicina Diretora de Pesquisa e Pós-Graduação
Coordenadora do Mestrado Acadêmico Faculdades Pequeno Príncipe/PR
em Ensino nas Ciências da Saúde
Faculdades Pequeno Príncipe/PR
Já no Brasil, a CNRM e a Associação Médica dos dados epidemiológicos dos sistemas de saúde,
Brasileira (AMB) têm buscado estabelecer a matriz dando início à educação baseada na comunidade.
de competências por especialidade e promovido a
3. ENSINO NA GRADUAÇÃO MÉDICA
publicação delas desde 2019.
A partir da compreensão de quais conteúdos e
habilidades devem ser ensinados em cirurgia, adota- No Brasil, a avaliação dos cursos de Medicina ini-
ram-se o refinamento dos tópicos e a busca da preva- ciou-se efetivamente com a criação em 1991 da
lência deles com base em análises locais e regionais Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação
Em 2015, foi publicado The General Surgery lidades médicas (COMITÊ DE CIRURGIA, 2018).
Milestone Project (BRASEL et al., 2019a), que hoje Como exemplo de subcompetência cirúrgica,
tem sido utilizado como suporte para a definição inserida na competência “cuidado do paciente”, a
de competências cirúrgicas no projeto encabeçado Figura 4 apresenta alguns procedimentos a serem
pela CNRM e que, atualmente, revê todas as especia- realizados e avaliados.
Funções
• Reconhecer os sinais e as variações vitais normais que podem ser esperadas com base em
fatores específicos do paciente e da doença;
• Reconhecer a gravidade da doença de um paciente e as indicações para encaminhar o atendimento;
• Identificar potenciais etiologias subjacentes da descompensação do paciente;
• Aplicar suporte de vida básico e avançado, conforme indicado;
• Iniciar o plano de cuidados iniciais para o paciente descompensado;
• Envolver os membros da equipe necessários para resposta imediata, tomada de decisão con-
tínua e acompanhamento necessário para otimizar os resultados dos pacientes;
• Entender como iniciar uma resposta de código e participar como membro da equipe.
• Comunicar a situação aos membros da equipe que são responsáveis.
• Documentar as avaliações dos pacientes e as intervenções necessárias no prontuário médico.
• Atualizar os membros da família para explicar o status do paciente e os planos de encaminhamento
de atendimento.
• Esclarecer metas de cuidado do paciente no reconhecimento da deterioração (por exemplo,
ordem de não ressuscitação ou/e não internação em UTI, cuidados de suporte para conforto).
• Cuidado com o Paciente (CP)
• Conhecimento para a Prática (CPP)
Domínios de
• Aprendizagem e aperfeiçoamento baseados na prática (AABP)
competência
• Habilidades de comunicação e relacionamento interpessoal (HCRI)
mais relevantes
• Colaboração Interprofissional (CI)
• Desenvolvimento pessoal e profissional (DPP)
Competências • CP1 CP5 AABP7
críticas para • CP2 CP6 AABP9
decisões de
confiabilização • CP3 AABP1 HCRI2
em cada domínio • CP4 AABP3 HCRI6
• No começo do internato, explicar cada uma das EPAs essenciais a serem avaliadas, as com-
petências esperadas, os critérios utilizados e o processo de avaliação.
• Durante a supervisão dos casos, fornecer feedback sobre os marcos de desenvolvimento de
Métodos de comportamentos do aluno com relação ao que se espera para que ele seja considerado digno
avaliação de confiança para executar a EPA 10 sem supervisão.
• Realizar simulação de situações de urgências e de emergências em manequins ou em outros
cenários padronizados, avaliando através de checklist de cada um dos procedimentos, pelo
menos um momento do estágio.
Figura 5. Exemplo de EPA a ser adaptada.
100 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 5.2
O estado da arte da
simulação clínica em
Cirurgia Geral
101
Gerson Alves Pereira Júnior
Docente de Cirurgia de
Urgência e do Trauma
Universidade de São Paulo
Membro da Comissão de Ensino - CBC
102 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Eis as perguntas que devem nortear o uso da 2) Alta complexidade: habilidades básicas de en-
simulação: doscopia e gerenciamento de reanimação; si-
• Podemos treinar melhor os cirurgiões usando muladores baseados em dados têm sido utiliza-
simulação? dos para ensinar o reconhecimento de arritmia
• Os pacientes estariam mais seguros com os ci- (KING et al., 2008). A simulação cênica ou hí-
rurgiões usando simulação? brida tem sido utilizada para encenar o papel
• É possível tornar o treinamento mais barato ou de pacientes, enfermeiros e outros membros
mais eficiente com o uso da simulação? da equipe de saúde com muita frequência (VAN
• Há a transferência do aprendizado do treinamento SICKLE et al., 2011; DULAN et al., 2012).
simulado para a prática com pacientes reais?
A tendência para a cirurgia minimamente inva-
O ensino de cirurgia tem sido realizado por siva levou à incorporação do TBS para melhorar a
meio do modelo halstediano de treinamento ci- curva de aprendizado dos estagiários, reduzindo o
rúrgico, cujas habilidades cirúrgicas foram trei- tempo necessário para a aprendizagem. O treina-
nadas sob o lema: “Veja um, faça um, ensine um” mento cirúrgico passou da sala de operações para
(MONTBRUN; MACRAE, 2012). Porém, após dé- os laboratórios de habilidades cirúrgicas. Assim,
cadas de tal prática, as preocupações com questões os estagiários são muito hábeis em vários graus de
éticas sobre o fato dos pacientes serem tratados pe- procedimentos complexos e complicados, além de
los estagiários e o custo de treinamento com as lon- técnicas minimamente invasivas em um período
gas horas de aprendizado fortaleceram o uso de si- mais curto, estando garantida a segurança dos pa-
mulação no ensino de cirurgia. Os programas de cientes (WEKSLER, 2018).
treinamento atuais estão agora, mais do que nunca, Os simuladores em cirurgia são classificados
empregando currículos baseados em objetivos/com- como orgânicos (alta fidelidade) ou inorgânicos
petências e orientados por proficiência/desempe- (baixa fidelidade). Simuladores orgânicos incluem
nho, com prática deliberada para acelerar a curva animais vivos e cadáveres humanos. Os simuladores
de aprendizado antes do “Faça um” da antiguidade, inorgânicos compreendem simuladores de realidade
inaugurando uma nova era do: “Veja um; pratique virtual, modelos sintéticos de pele, simuladores la-
muitos; faça um” (BROWN; PAIGE, 2015). paroscópicos de baixa fidelidade, simuladores para
O reconhecimento da simulação como uma fer- novas técnicas cirúrgicas, como cirurgia laparoscó-
ramenta altamente eficaz para ensinar uma varie- pica de incisão única (single-incision laparoscopic
dade de habilidades técnicas e não técnicas para surgery – Sils), cirurgia endoscópica transluminal
estudantes, médicos residentes e cirurgiões tem de orifício natural (natural orifice transluminal en-
sido fundamental nessa transformação. O valor da doscopic surgery – Notes) e simuladores de cirur-
simulação agora é amplamente aceito e integrado gia robótica (KING et al., 2008).
na formação em saúde, desde o ensino de gradu- Além desses, a simulação também é utilizada
ação até a educação médica continuada e perma- para o ensino de habilidades cirúrgicas não técni-
nente, entre profissões e dentro dos sistemas de cas, como profissionalismo, habilidades de comuni-
saúde (BROWN; PAIGE, 2015). cação, trabalho em equipe e liderança, coordenação
A simulação é descrita como uma técnica edu- interdisciplinar e interprofissional. Esses critérios
cacional na qual os conceitos do “mundo real” são são estabelecidos pelo Conselho de Credenciamento
integrados em cenários que utilizam ferramentas de para Educação na Residência Médica (Accreditation
baixa a alta fidelidades para reencenar as situações Council for Graduate Medical Education –ACGME)
do “mundo real” (MEAKIM et al., 2013). e pelo Instituto de Educação Médica Internacional
Inúmeros conteúdos de treinamento foram como componentes necessários da competência
relatados na literatura e incluem (WILLIS; VAN médica (ACGME, 2019).
SICKLE, 2015): A simulação tem sido utilizada, tanto no trei-
namento quanto na seleção e avaliação de estagiá-
1) Baixa complexidade: modelos de simulação para
rios e médicos residentes. Com base na destreza e
ensinar a amarrar nós e realizar suturas, a abor-
dagem das vias aéreas, cateterismo venoso cen- nas habilidades processuais, eles podem ser sele-
tral, drenos torácicos e habilidades básicas de cionados para várias especialidades cirúrgicas. As
laparoscopia. habilidades cirúrgicas não técnicas também podem
104 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
restrição de 60 horas de trabalho nas residências Os recursos dos módulos incluem: 1) objetivos,
médicas, o que foi seguido em muitas escolas de premissas e leituras sugeridas, 2) descrição do passo
medicina pela máxima carga horária de 40 horas a passo das técnicas, das tarefas e dos procedimen-
dos estudantes de graduação em estágio. Essa ação tos com fotografias, 3) discussão de erros comuns,
foi, em grande parte, uma resposta a uma tendên- 4) vídeos de desempenho de especialistas, 5) fer-
cia crescente de aumentar a conscientização pú- ramentas de avaliação para pontuar o desempe-
blica sobre a segurança e a qualidade do paciente, nho dos alunos e fornecer feedback e 6) descrição
com maiores expectativas da sociedade em relação do modelo de laboratório de simulação, incluindo
aos cuidados dispensados. O desafio foi ajustar os estações sugeridas, suprimentos e configuração
horários para a demanda de trabalho mantendo os (AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS, 2020a).
médicos residentes em conformidade com as limi- O objetivo do aprendizado é o domínio de uma
tações das horas de trabalho impostas, mesmo em variedade de habilidades cirúrgicas relevantes para
face do aumento concomitante nas obrigações do todos os médicos.
curso de graduação e dos programas de residência O esboço da programação dos módulos de en-
médica em estar cada vez mais presente em casos sino para os três primeiros anos é o seguinte:
cirúrgicos e nos atendimentos clínicos. Uma con- A) Módulos do ano 1
sequência maléfica da implementação dessas mu- • Módulo 1: Exame abdominal
danças foi uma piora dos conhecimentos dos estu- • Módulo 2: Exame vascular básico
dantes de Medicina (ACTON, 2015). • Módulo 3: Exame da mama
O Colégio Americano de Cirurgiões (American • Módulo 4: Exame retal digital
College of Surgeons – ACS) e a Association for Surgical • Módulo 5: Exame pélvico feminino
Education (ASE) desenvolveram um “Currículo de • Módulo 6: Região inguinal e exame genital
Habilidades Cirúrgicas Baseado em Simulação de masculino
Estudantes de Medicina”. Nesse currículo, são ofe- • Módulo 7: Precauções universais-biossegurança
recidas experiências estruturadas, uniformes e con- • Módulo 8: Punção venosa e periférica IV
sistentes de aprendizado, e fornecem-se materiais
que usam simulação e simuladores para ajudar os B) Módulos do ano 2
estudantes de Medicina (AMERICAN COLLEGE • Módulo 1: Abordagem básica das vias aéreas
OF SURGEONS, 2020a) em: • Módulo 2: Comunicação – história e exame
A) A adquirir as habilidades cirúrgicas essenciais físico, e apresentação dos casos clínicos
necessárias a todos os médicos e • Módulo 3: Cateterismo vesical
B) A construir uma base sólida para treinamento • Módulo 4: Exame vascular intermediário
adicional daqueles que querem seguir a cirur- • Módulo 5: Tubos nasogástricos
gia como carreira profissional. • Módulo 6: Técnica estéril – luvas, máscaras
e opas
Os módulos de ensino baseados em simulação • Módulo 7: Drenos cirúrgicos – cuidados e
podem ser usados para ensinar habilidades clíni- remoção
cas, desde a obtenção de anamnese e exame físico,
orientações de alta do paciente até a realização de C) Módulos do ano 3
procedimentos médicos, como a inserção de uma • Módulo 1: Punção arterial e gases sanguíneos
linha venosa central com orientação por ultrassom. • Módulo 2: Realização de nós cirúrgicos
Os tópicos são alinhados com base no momento da • Módulo 3: Sutura básica
formação (semestre ou ano) em que são ensinados • Módulo 4: Inserção da linha venosa central
com mais frequência (AMERICAN COLLEGE OF • Módulo 5: Comunicação – durante transfe-
SURGEONS, 2020a). rências seguras e eficazes
Os módulos são independentes e podem ser • Módulo 6: Via aérea intermediária
usados como atividades de aprendizado indepen- • Módulo 7: Punção intraóssea
dentes ou como parte de todo o currículo. Podem • Módulo 8: Anestésicos locais
ser implementados em uma configuração supervi- • Módulo 9: Paracentese
sionada individual, de pequeno ou grande grupo. • Módulo 10: Toracocentese
106 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Os objetivos desse currículo na transição dos • Pele e tecido mole
estudantes para serem médicos residentes de ci- • Sistema endócrino
rurgia são: • Transplante de órgãos sólidos
• Fortalecer as competências dos estudantes de • Cirurgia pediátrica
Medicina do sexto ano que farão cirurgia como • Cuidados de pacientes críticos cirúrgicos
especialidade médica. • Oncologia cirúrgica (incluindo cirurgia de ca-
• Tornar os estudantes mais bem preparados para beça e pescoço)
o treinamento cirúrgico. • Trauma e cirurgia de emergência
• Reduzir a variabilidade nas habilidades de in- • Cirurgia vascular
gresso dos médicos residentes.
• Apoiar um atendimento mais seguro ao paciente. O conhecimento e a experiência adicionais es-
perados nessas áreas incluem:
• Proficiência técnica na execução dos principais
Os objetivos de aprendizagem foram identifi-
procedimentos e cirurgias nessas áreas, além
cados para auxiliar o corpo docente na prioriza-
de conhecimento, familiaridade e, em alguns
ção das atividades necessárias para o início da re-
casos, proficiência técnica em operações mais
sidência médica. Os professores podem adaptar a
incomuns e complexas.
experiência com base nas necessidades exclusivas
• Conhecimento clínico, incluindo epidemiolo-
dos estudantes e nos recursos disponíveis em cada
gia, anatomia, fisiologia, apresentação clínica
local. A estrutura modular e flexível permite que o
e patologia (incluindo neoplasias) das condi-
corpo docente organize atividades como uma ex-
ções cirúrgicas.
periência de quatro semanas ou de outras manei-
• Conhecimento de anestesia; bioestatística e ava-
ras que atendam às suas programações específicas
liação de evidências; princípios da cirurgia mi-
(AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS, 2020b).
nimamente invasiva; hemotransfusão e distúr-
O conteúdo mais essencial deve se concentrar
bios da coagulação.
nas habilidades necessárias durante as primeiras
• Conhecimento de cicatrização de feridas; infec-
semanas de residência:
ção; manutenção de fluidos; choque e reposição
• Ser o primeiro a responder a pacientes críticos
volêmica; imunologia; uso de antibióticos; me-
ou instáveis.
tabolismo; manejo da dor pós-operatória; e uso
• Treinamento em procedimentos de emergên-
de nutrição enteral e parenteral.
cia (vias aéreas e ventilação).
• Experiência e habilidades nas seguintes áreas:
• Correção dos distúrbios eletrolíticos mais comuns,
avaliação e gerenciamento clínico, ou estabi-
• Gestão de condições perioperatórias comuns
lização e encaminhamento de pacientes com
e urgentes.
doenças cirúrgicas; gerenciamento de cuida-
• Interpretação de exames de imagens mais co-
dos pré-operatórios, operatórios e pós-operató-
muns, principalmente as radiografias simples.
rios; manejo de comorbidades e complicações;
• Estudo da anatomia operatória dos procedimen-
conhecimento do uso e interpretação adequa-
tos de que irá participar.
dos de imagens radiológicas e outros métodos
• Respostas às solicitações de enfermeiros.
de diagnóstico por imagens.
• Padronização das informações nas passagens de
plantão e de pacientes entre setores hospitalares.
O Comitê de Revisão de Residência Médica da
• Abordagem de pacientes difíceis.
Cirurgia obriga que todos os programas de residên-
• Habilidades de comunicação.
cia em cirurgia devem incluir laboratórios de simu-
• Consentimento informado.
lação e habilidades. Assim, foi lançado o Currículo
4. SIMULAÇÃO NA RESIDÊNCIA MÉDICA EM CIRURGIA de Habilidades para Residentes em Cirurgia em
2007. Os objetivos desse currículo foram sincro-
nizar os esforços de desenvolvimento curricular,
Nos Estados Unidos, o treinamento de residên-
compartilhar currículos com programas de trei-
cia em cirurgia geral requer experiência em to-
namento e padronizar os esforços de treinamento
das as seguintes áreas (AMERICAN COLLEGE OF
baseados em simulação entre os programas de re-
SURGEONS, 2020c):
• Trato digestório (incluindo cirurgia bariátrica) sidência (GLASS et al., 2014). O currículo de habili-
• Abdome e seu conteúdo dades para médicos residentes em cirurgia tem três
• Tórax e seu conteúdo fases: as fases 1 e 2 se concentram na aquisição de
108 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Os módulos da fase 2 são os seguintes: lismo abaixo do ideal e potencial de aprender maus
• Módulo 1: Reparo laparoscópico da hérnia ventral hábitos na ausência de um instrutor para dar feed-
• Módulo 2: Ressecção aberta de cólon direito back (KUHLS et al., 2013).
• Módulo 3: Ressecção laparoscópica do cólon O currículo de cirurgia robótica compreende
sigmoide sete exercícios de RV oferecidos no Simulador Da
• Módulo 4: Ressecção aberta do cólon esquerdo Vinci. Os participantes mostraram ganho significa-
• Módulo 5: Exploração aberta e laparoscópica tivo de habilidades, independentemente do nível
do ducto biliar anterior de treinamento cirúrgico, sugerindo que
• Módulo 6: Reparo laparoscópico da hérnia in- as habilidades robóticas são independentes da ex-
cisional/ventral (modelo porcino) periência cirúrgica anterior (DULAN et al., 2012;
• Módulo 7: Apendicectomia laparoscópica GOMEZ; WILLIS; VAN SICKLE, 2015).
• Módulo 8: Fundoplicatura laparoscópica de Nissen O Comitê de Trauma da Colégio Americano
• Módulo 9: Biópsia de linfonodo sentinela e dis- de Cirurgiões estabeleceu o curso de Habilidades
secção de linfonodo axilar Cirúrgicas Avançadas para Exposição em Trauma
• Módulo 10: Reparo aberto de hérnia inguinal/femoral (Advanced Surgical Skills for Exposure in Trauma –
• Módulo 11: Reparo laparoscópico de hérnia inguinal ASSET) em 2005, que inclui um curso padronizado
• Módulo 12: Esplenectomia laparoscópica/aberta baseado em habilidades, projetado para ensinar a
• Módulo 13: Colecistectomia laparoscópica/aberta exposição cirúrgica de estruturas vitais nas áreas
• Módulo 14: Ressecção gástrica e rafia de úlcera de pescoço, tórax, abdômen e pelve e nas extremi-
péptica dades superior e inferior, utilizando cadáveres hu-
• Módulo 15: Paratireoidectomia/tireoidectomia manos (KUHLS et al., 2013; BOWYER et al., 2013).
O curso de Manuseio Cirúrgico Avançado de
O curso Fundamentals of Endoscopic Surgery Traumas (Advanced Trauma Operative Management
(FES), que é um programa baseado em realidade – ATOM) foi desenvolvido para ajudar médicos re-
virtual (RV) semelhante ao curso FLS, visa ensinar sidentes a adquirir experiência no manuseio ope-
e avaliar as habilidades endoscópicas dos médicos ratório de 12 lesões traumáticas penetrantes no in-
residentes de cirurgia (STEFANIDIS; COLAVITA, testino delgado, na bexiga, no duodeno, no rim, no
2013). As habilidades básicas de endoscopia flexível baço, no diafragma, no estômago, no pâncreas, no
utilizam o simulador GI Mentor II. Há melhorias fígado, na veia cava inferior e no coração em mo-
significativas nas habilidades objetivas de endos- delo suíno (JACOBS et al., 2005).
copia flexível, mostrando que essas habilidades fo-
ram transferidas do ambiente simulado para o am- • Fase 3: Habilidades em equipe: foi projetada
biente clínico (VAN SICKLE et al., 2011). para ensinar aos médicos residentes o compor-
Comparados com simuladores realistas, os si- tamento ideal dentro da equipe por meio de si-
muladores de RV oferecem vantagens significati- mulação. Esse currículo modular abrange dez
vas para os aprendizes de diferentes momentos de cenários simulados, nos quais o cirurgião deve
formação. Esses sistemas são configuráveis para di- trabalhar com uma equipe para obter um resul-
ferentes níveis de dificuldades, possibilitam múlti- tado bem-sucedido do paciente. Esse currículo
plas variações anatômicas para simular patologias e inclui tópicos que variam de transferências de
anatomia aberrante, além de permitirem a prática pacientes a uma variedade de casos emergen-
repetitiva de procedimentos a um custo mínimo tes de pacientes. O currículo inclui ainda su-
(ou seja, a mesma tarefa/procedimento pode ser gestões para o desenvolvimento e a implemen-
executada um número infinito de vezes sem a ne- tação de casos simulados para ensinar e avaliar
cessidade de suprimentos ou descartáveis). Além as habilidades da equipe para o médico resi-
disso, os simuladores de RV não exigem a presença dente (AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS,
de um instrutor, pois geralmente fornecem tuto- 2020c).
riais integrados e várias métricas que podem ser
usadas para avaliação e feedback do desempenho Os módulos da fase 3 são os seguintes:
dos aprendizes. Suas desvantagens incluem: altos • Módulo 1: Trabalho em equipe no atendimento
custos de aquisição e manutenção, necessidade de ao trauma
atualizações periódicas de software e hardware, rea- • Módulo 2: Hipotensão arterial pós-operatória
110 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
A fase 3 do currículo de habilidades para médicos início por educadores cirúrgicos para uso em equi-
residentes em cirurgia foi projetada para fornecer mé- pes cirúrgicas (YULE et al., 2008). A taxonomia
todos de ensino ao trabalho em equipe e habilidades do NOTSS é dividida em quatro categorias princi-
de comunicação pré, intra e pós-operatória. A simu- pais, e cada uma delas possui elementos associa-
lação tem sido usada nas situações de crises para apri- dos (Quadro 6). A taxonomia foi obtida por meio
morar o trabalho em equipe, liderança e comunicação de análise de tarefas cognitivas com cirurgiões e es-
(AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS, 2020c). crita em linguagem cirúrgica de uma maneira que
O projeto de Non-Technical Skills For Surgeons cirurgiões treinados adequadamente pudessem ob-
(NOTSS) representa uma nova ferramenta de ava- servar, classificar e fornecer feedback sobre as ha-
liação do trabalho em equipe, projetada desde o bilidades não técnicas dos aprendizes.
Categorias Elementos
Reunir informações, entender informações e projetar e antecipar
Consciência da situação
o estado futuro.
Considerar opções, selecionar e comunicar opções, e implementar e
Tomada de decisões
revisar decisões.
Liderança Estabelecer e manter padrões, apoiar os outros e lidar com a pressão.
Troca de informações, estabelecimento de entendimento
Comunicação e trabalho em equipe
compartilhado e coordenação da equipe.
Tem ocorrido uma grande expansão de consór- ciente por meio de simulação (JONES; FOREWORD,
cios, tanto em nível regional quanto em âmbito nacio- 2012). Os objetivos do programa são:
nal, para o treinamento de diferentes competências dos 1) Promover a segurança do paciente por meio da
médicos residentes nos vários locais que dispõem de utilização da simulação.
laboratórios de simulação com diversos recursos e di- 2) Desenvolver novas tecnologias de educação.
ferentes complexidades. Dois exemplos de colabora- 3) Identificar as melhores práticas com transfe-
ções em nível estadual incluem a Oregon Simulation rência para desfechos clínicos.
Alliance (OSA) e a Texas Association of Surgical Skills 4) Promover pesquisa e colaboração entre insti-
Laboratories (TASSL). A OSA é uma organização in- tuições de ensino credenciadas.
terprofissional sem fins lucrativos que criou uma rede
estadual de profissionais de saúde e sistemas hospitala- Os requisitos de credenciamento incluem es-
res, com foco na melhoria da qualidade em uma abor- paço, pessoal, cursos disponíveis e avaliação. O ACS
dagem multidisciplinar (SEROPIAN et al., 2006). O já credenciou 70 institutos avançados e 12 foca-
consórcio TASSL foi estabelecido em 2007, do qual dos nos Estados Unidos e em nove outros países
participam predominantemente cirurgiões e educado- (JONES; FOREWORD, 2012).
res cirúrgicos, tem um foco principal no treinamento Muitos programas de certificação em cirurgia,
em residência cirúrgica, com reuniões anuais rotativas tal como o American Board of Surgery, continuam a
realizadas nas instituições acadêmicas patrocinadoras expandir a exigência de proficiência dos candida-
(VAN SICKLE et al., 2011). tos, tais como a aprovação nos exames de Suporte
À medida que o TBS ganha aceitação no ensino Avançado de Vida em Cardiologia (ACLS), Suporte
médico e os custos desses simuladores aumentam, vá- Avançado de Vida em Trauma (ATLS) e FLS, para
rios programas de treinamento em residência cirúrgica elegibilidade para fazer o exame de qualificação. O
criaram maneiras de compartilhar equipamentos e cur- curso sobre EEF foi projetado para fornecer aos pro-
sos. Em 2005, o ACS organizou um processo formal de gramas gerais de treinamento em cirurgia um cur-
acreditação para institutos educacionais básicos e avan- rículo gradual e baseado em marcos de competên-
çados, encarregados de promover a segurança do pa- cias que inclui treinamento didático e prático. Dessa
112 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
O processo de certificação não atende às neces- cirúrgicas, os centros acadêmicos e as indústrias
sidades de um cirurgião que deseja aprender a usar de equipamentos tentaram prestar esse importante
uma nova tecnologia ou técnica e introduzi-lo com serviço, as instalações para treinamento e reequilí-
segurança em sua prática. Até o momento, isso tem brio tecnológico permanecem inadequadas, inde-
sido abordado principalmente por cursos de pós- vidamente usadas e com recursos muito desiguais
-graduação custeados pelas sociedades ou pelos (DUNKIN, 2015).
programas de treinamento patrocinados pela in- Os laboratórios domiciliares (home labs) devem
dústria (DUNKIN, 2015). ser instalações criadas especificamente para a prá-
Os cursos práticos de pós-graduação tornaram- tica de cirurgiões com necessidades educacionais
-se uma oferta de muitas sociedades cirúrgicas. específicas que diferem de estudantes de Medicina
Esses programas geralmente consistem em uma sé- e dos médicos residentes. A estrutura física deve ser
rie de palestras de professores especializados, se- grande o suficiente para atender um número signifi-
guidas de uma experiência prática de treinamento cativo de cirurgiões e incluir ambientes para apoiar
em laboratório. Os modelos usados para esse trei- o treinamento cognitivo, processual e de equipe. Os
namento são inanimados, animados ou cadáveres. ambientes de aprendizagem cognitiva devem per-
Por causa do período de tempo compactado desses mitir a educação interativa usando a mais recente
programas e do acesso aberto a qualquer nível de teoria da aprendizagem de adultos e permitir a vi-
profissional, os cursos de pós-graduação são úteis sualização de casos ao vivo com interação bidirecio-
como introdução a novas técnicas ou tecnologias, nal. Os ambientes de treinamento da equipe devem
mas não para uma incorporação segura e bem-su- ser capazes de recriar qualquer parte do ambiente
cedida na prática (DUNKIN, 2015). de atendimento cirúrgico, incluindo a sala de ope-
Os programas de treinamento mais comuns dis- rações, a sala de recuperação, a unidade de terapia
poníveis para os cirurgiões são os cursos patrocina- intensiva e a enfermaria do paciente. À medida que
dos pela indústria. Os fabricantes de dispositivos mé- a cirurgia evoluiu para um “esporte de equipe”, es-
dicos são motivados a fornecer treinamento sobre o ses ambientes são críticos para o ensaio de todos
uso correto de seus produtos para garantir o uso se- os membros da equipe cirúrgica (DUNKIN, 2015).
guro na prática. Como os procedimentos cirúrgicos Além de uma estrutura física, os laboratórios
se tornaram mais dependentes desses dispositivos, domiciliares (home labs) devem ter acesso a pro-
a indústria investiu pesadamente no treinamento do fessores especializados, treinados para ensinar ou-
cirurgião. A maioria dos programas de treinamento tras pessoas, e especialistas em design de cursos,
patrocinados pelo setor são oportunidades do tipo capazes de criar experiências educacionais signifi-
“ganha-ganha”. Os cirurgiões têm a oportunidade de cativas. Esses cursos devem incluir medidas de de-
treinar o uso dos novos dispositivos e técnicas com sempenho processual que podem ser usadas para
o custo compensado pela indústria, e os fabricantes feedback formativo e somativo, tanto no laboratório
podem mostrar sua tecnologia e garantir que ela seja de treinamento prático quanto na sala de operações
usada corretamente. As limitações desse treinamento real. Finalmente, os laboratórios domiciliares (home
incluem o risco de viés para promover os produtos labs) devem poder apoiar os cirurgiões quando re-
de um fabricante, o foco potencialmente restrito a tornarem às suas próprias instituições e começarem
apenas uma técnica ou tecnologia e um período de a percorrer a parte inicial de sua curva de aprendi-
tempo compactado sem métricas de desempenho zado em busca de uma nova técnica ou tecnologia.
incorporadas ao curso. Esse suporte pode ser feito com orientação pessoal
A criação de oportunidades de treinamento para ou telementoria. No entanto, a logística moderna di-
cirurgiões necessita do desenvolvimento de uma ficulta a orientação no local. Não há um número su-
infraestrutura nacional para uma rede distribuída ficiente de mentores qualificados para treinar uma
de laboratórios domiciliares (home labs), com uma grande quantidade de cirurgiões em um país do ta-
nova infraestrutura para apoiar o treinamento ci- manho dos Estados Unidos, e a receita financeira
rúrgico e o reequipamento técnico. perdida para um mentor ficar longe de sua própria
A maioria dos cirurgiões, na prática, conta com sala de operações é significativa. Além disso, obstá-
um programa próprio de autoestudo, aquisição de culos legais e regulatórios se tornaram mais comple-
habilidades e revisão de seus resultados da prática xos, fazendo com que muitos mentores especializa-
cirúrgica. Embora se reconheça que as sociedades dos abandonassem essa prática.
114 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 7. Estrutura SEGUE para ensinar e avaliar habilidades de comunicação.
116 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
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118
Neide da Silva Knihs Debora Popov
Enfermeira Enfermeira
Membro da SOBECC1 Membro da SOBECC
Profa. Departamento de Enfermagem da Profa. Departamento de Enfermagem
Universidade Federal de Santa Catarina da Universidade Paulista
Tipos de simuladores
utilizados em Cirurgia Geral 119
Quadro 1. Classificação dos simuladores quanto à descrição, ao uso e ao custo.
A variedade de simuladores é tão diversificada lhetas de soda para instruções sobre procedimentos
que praticamente se aproximam dos numerosos de anastomose). É importante pontuar que o uso de
procedimentos cirúrgicos realizados (manequins, simuladores em cenários criados não substitui ex-
equipados com computador, dispositivos simples periência intraoperatória, contudo representa um
de caixa, pacotes de suturas descartados ou até pa- método importante na educação cirúrgica atual.
120 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Diante desse contexto, apresentam-se os dife- seguida, serão indicados os simuladores realistas e
rentes tipos de simuladores utilizados para treina- virtuais de baixa, média e alta fidelidades.
mentos no ambiente cirúrgico, que amparam as si-
mulações e ajudam a equipe no desenvolvimento de:
2. SIMULADORES DE BAIXA FIDELIDADE
• Habilidades básicas abertas: amarração de nós,
suturas, acesso intravenoso e inserção de linha
central e tubo torácico. No ambiente cirúrgico, os simuladores de baixa
• Habilidades laparoscópicas fundamentais: nave- fidelidade podem ser de grande ajuda, conside-
gação por câmera, corte controlado, exercícios rando que oportunizam aprendizagem de habilida-
de transferência e sutura laparoscópica. des específicas, caracterizados por equipamentos,
• Habilidades em cirurgias abertas: reparo da hér- peças ou manequins de corpo completo ou par-
nia inguinal, anastomose intestinal suturada e cial, ou, ainda, suprimentos desatualizados de sa-
grampeada, anastomose vascular, endarterecto- las de operações, frutas, papel, canudos, entre ou-
mia arterial, ponte de safena e reparo do aneu- tros (HOHMANN et al., 2019).
risma da aorta aberta. Esses simuladores permitem movimentos gros-
• Habilidades em simuladores de realidade virtual: seiros e são estáticos, ou seja, não apresentam qual-
habilidades avançadas laparoscópicas, colecis- quer resposta às intervenções efetuadas e, portanto,
tectomia laparoscópica, ressecção laparoscópica são menos realísticos. Esses tipos de simulador per-
do cólon, anatomia vascular angiográfica e am- mitem a prática de habilidades ou técnicas indivi-
pla variedade de habilidades endovasculares. duais, em vez de uma operação inteira, sendo mais
adequados para iniciantes que praticam habilidades
A escolha do simulador é apenas uma etapa para cirúrgicas básicas.
criação dos cenários. Para auxiliar na escolha do No Quadro 2, apresentam-se alguns estudos que
simulador, serão apresentados os diferentes tipos, utilizam manequins, peças e outros simuladores de
bem como as tecnologias e as respostas de ação. Em baixa fidelidade.
Tipo de simulador/
Autor/ano Resposta de ação
tecnologia
Coimbra Simulador sintético Permite o aperfeiçoamento de habilidades técnicas para
et al. (2020) de retalho cirúrgico manipulação dos instrumentais e prática do procedimento.
Ajuda a detectar e rastrear até duas ferramentas
Aeckersberg Simulador
endovasculares simultaneamente e permite treinamento
et al. (2019) SonesOne básico em habilidades endovasculares.
Bouaicha Aprimora a coordenação de olho e mão, e a triangulação e
Simulador ArthroBox
et al. (2019) manipulação indireta.
Moscarelli Simulador de válvula mitral Melhora habilidade cirúrgica, familiaridade
et al. (2019) minimamente invasiva e destreza processual do cirurgião.
Simulador que representa Treina o profissional para reconstrução laringotraqueal
Kavanagh e
enxerto de traqueia, e etapas envolvidas na medição, escultura e sutura dos
Murray (2019)
esôfago e cartilagem enxertos de cartilagem costal anterior e posterior.
Ramirez Simulador VELCRO Acelera a aquisição de habilidades gerais de cirurgia
et al. (2018) Brand Sticky Back torácica por meio de etapas distintas.
Lefor Simulador de plástico Treina habilidades de procedimentos e técnicas
(2018) e tecido ex vivo avançados e possibilita aprimorar a avaliação clínica.
Promove orientação de profissionais em todos os níveis de
Hossien Simulador portátil para
conhecimento, a fim de aprimorar suas habilidades cirúrgicas
(2016) circulação extracorpórea em conexão com o circuito de circulação extracorpórea (CEC).
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Tipos de simuladores
utilizados em Cirurgia Geral 121
A seguir, apresentam-se simuladores de baixa
fidelidade disponíveis no mercado que podem ser
utilizados para aprimorar habilidades que envol-
vem o ambiente cirúrgico.
Figura 1. Simulador de baixa fidelidade – circulação Figura 4. Simulador de baixa fidelidade – ArthroBox.
extracorpórea e cirurgia de válvula mitral.
Fonte: BOUAICHA et al. (2019).
Fonte: HOSSIEN (2016); MOSCARELLI Et al. (2019).
Habilidades em sutura
Figura 2. Simulador de baixa fidelidade – prática de sutura. Fonte: RAMIREZ et al. (2018).
122 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Simuladores de média complexidade foram e são pois permitem que os profissionais repitam quan-
utilizados com maior destaque em cirurgias de la- tas vezes desejarem o procedimento (RÖLFING
paroscopia, em razão de a equipe precisar aprimo- et al., 2019).
rar habilidades técnicas e atingir a curva de apren- É importante destacar que os simuladores de
dizagem para prática desse procedimento. Um dos média fidelidade possuem tecnologia intermediá-
simuladores de caixa laparoscópicos mais comuns ria e que o nível de fidelidade do ensino simulado
e simples é o Sistema Inanimado McGill, o qual deve ser estabelecido considerando os objetivos de
oportuniza o desenvolvimento de tarefas básicas aprendizagem. Ao planejar o desenvolvimento da
de habilidades laparoscópicas (transferência de simulação em ambiente perioperatório, você po-
derá usar exclusivamente um manequim de mé-
pinos, corte, colocação de alça de ligação e sutura)
dia fidelidade ou um ou mais tipos de simuladores
(PORTO et al., 2020).
na mesma experiência simulada.
Simuladores baseados em realidade virtual de
No Quadro 3, apresentam-se estudos que utiliza-
média fidelidade também são utilizados no trei- ram simuladores realísticos de média complexidade.
namento da técnica de cirurgias de laparoscopia,
Quadro 3. Estudos realizados com simuladores de média fidelidade.
Figura 6. Simulador de média fidelidade para ausculta Figura 7. Simuladores de média fidelidade – masculino
cardíaca e pulmonar e feminino.
Fonte: COSTA et al. (2020). Fonte: COSTA et al. (2020).
Tipos de simuladores
utilizados em Cirurgia Geral 123
Figura 8. Simulador de média fidelidade – EndoSuture
Training Box.
124 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
reas, injeção venosa de medicamentos, injeção in- Na criação de cenários reais, é preciso determi-
tramuscular, uso de bomba de infusão, práticas de nar objetivos de aprendizagem e associar materiais
auscultas cardíaca, respiratória e intestinal, desfibrila- e equipamentos reais, além de tecnologia de ma-
ção, aspiração gástrica e outras atividades. nequins realísticos ou realidade virtual. Somente
Já os simuladores em realidade virtual promo- assim, será possível criar um ambiente simulado
vem experiência imersiva, com visualização 360º do aproximando-se da prática. Vale destacar ainda
que esses simuladores são de alto custo e devem
cenário virtual. Eles permitem ao usuário desenvol-
ser mantidos em local adequado, além de manu-
ver coordenação dos olhos, habilidades motoras fi-
tenções frequentes em caso de manequins realís-
nas e familiaridade com um procedimento por meio
ticos. No caso de realidade virtual, há necessidade
do uso de ferramentas cirúrgicas que simulam um constante de atualização do sistema, além da ma-
ambiente real. Comparados com os simuladores rea- nutenção (KANEKO; LOPES, 2019). O Quadro 4
listas, eles disponibilizam inúmeras vantagens, em apresenta estudos que utilizaram esse equipamento
razão de serem configuráveis (diferentes níveis de em ambientes simulados. Na sequência, apontam-
dificuldade) e permitirem múltiplas variações anatô- -se os diversos modelos de simuladores de alta fi-
micas para simular diferentes realidades e a prática delidade que oferecem suporte para treinamentos
repetitiva de procedimentos (COSTA et al., 2020). da equipe cirúrgica.
Tipo de simuladores/
Autor/ano Resposta de ação
tecnologia
Nia Simulador de cirurgia Habilidades de maneira objetiva no reparo
et al. (2020) de válvula mitral da válvula mitral endoscópica.
Simulador SimMan (além
de carrinho de choque,
Koers medicamentos, máscaras Treinamento interdisciplinar para ressuscitação ou
et al. (2020) de oxigênio, materiais resposta rápida, radiografias e eletrocardiogramas.
de coleta de sangue e
fluidos intravenosos)
Tierney Habilidades em diminuir as horas de ventilação dos
Simulador SimMan
et al. (2019) pacientes em cirurgia cardíaca para enfermeiros.
Volbek Simulador de realidade Melhora a habilidade dos participantes em
et al. (2019) virtual no RobotiX Mentor realizar a anastomose uretrovesical simulada.
Tipos de simuladores
utilizados em Cirurgia Geral 125
Figura 12. Modelo de simulador de alta fidelidade
adulto – SimMan.
Figura 15. Simulador de alta fidelidade para habilidades
Fonte: Costa et al. (2020).
intraoperatória em emergências cirúrgicas torácicas.
Fonte: BIERER et al., 2019.
Figura 14. Simulador de alta fidelidade para habilidade Figura 17. Simulador de alta fidelidade para habilidades
em cirurgia robótica-realidade virtual. em cirurgias abertas – Simulador Sim
Fonte: KUN et al. (2019). Fonte: TERZIOĞLU et al. (2016).
126 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Esses simuladores, juntamente com outros equi- pós-operatório (alteração na frequência cardíaca
pamentos e materiais, são utilizados para criar am- e respiratória, arritmias, hipotensão e hipertensão,
bientes reais de alta fidelidade em diferentes mo- hipotermia e hipertermia, insuficiência respirató-
mentos cirúrgicos. Alguns deles são adaptados ria aguda, parada cardiorrespiratória, sinais de cho-
conforme a necessidade e o objetivo proposto no que hipovolêmico e outras atividades).
ambiente simulado. Além disso, oportunizam aos Considerando que há inúmeros tipos de si-
profissionais que atuam em ambiente cirúrgico apri- mulador, o Quadro 5 apresenta exemplos de si-
morar habilidades, conhecimento e atitudes re- muladores que podem ser usados no ambiente
lacionados com: eventos hemodinâmicos trans e cirúrgico.
É importante mencionar que existem outros ti- nhecer os diferentes tipos de simulador oferta-
pos de simulador que não foram explorados neste dos por meio de jogos já existentes no mercado.
capítulo, em razão de o foco ser apresentar simu- Vale destacar que muitos desses simuladores po-
ladores de baixa, média e alta fidelidades. Ainda dem ser baixados gratuitamente em tablets, smar-
assim, serão apresentados, brevemente, os mais tphones, entre outros.
comuns, como jogos de animação, denominados Uma tendência na área de simuladores com fá-
Touch Surgery, que podem ser baixados gratuita- cil e rápida aplicabilidade e acesso são os aplicati-
mente e apresentam conteúdos de realidade au- vos para smartphones usados em aprendizado para
mentada. O jogo Surgery Squad, gratuito, oportu- estudantes da área da saúde, como:
niza ao profissional navegar por uma variedade de
cirurgias, levando o jogador a vários estágios do • Touch Surgery – – IOS ou Android: trata-se de
procedimento cirúrgico. um simulador cirúrgico com qualidade gráfica.
Outro jogo gratuito que permite praticar ci- Esse aplicativo tem sido usado por estudantes
rurgias é o Operate Now, o qual possibilita ao jo- de graduação e residentes da área da saúde. É
gador criar obstáculos no cuidado destinado ao possível simular procedimentos cirúrgicos, in-
paciente e na relação com a equipe cirúrgica. clusive em módulo treinamento, com o passo
Enfim, você terá muito que explorar para co- a passo da execução da cirurgia (UFJF, 2017).
Tipos de simuladores
utilizados em Cirurgia Geral 127
• Outros aplicativos encontrados no sistma IOS dores que podem ser utilizados pela equipe cirúr-
são: Gastro Ex, Nurses Day, Nurse book, além de gica. A proposta neste capítulo foi despertar em
aplicativos voltados ao apoio e aprendizado para você o interesse em buscar simuladores que pos-
a área de fisioterapia (testes espaciais, Seufisio, sam atender à sua demanda para aprimorar habi-
entre outros) (COSTA et al., 2020). lidades, conhecimento e atitudes.
Talvez, ainda, seja interessante olhar para sua
Dessa forma, também destacamos a tendência realidade e identificar possibilidades de criar simu-
de educação simulada por Móvel ou M-learning, ou ladores de baixa fidelidade e/ou peças (cirúrgicas)
seja, a aprendizagem que ocorre por meio de auxí- com sua equipe que possam atender a uma neces-
lio de dispositivos móveis e aprendizagem em mo- sidade específica. É comum encontrarmos estudos
vimento, tema essencial a ser discutido nos dias de que mostram esse tipo de simulador sendo montado
hoje em que o smartphone e o ambiente de simula- para atender a uma demanda única de equipe, em
ção transcendem os muros das salas de aula e dos que os profissionais precisam pôr em prática uma
laboratórios (CHAVES et al., 2018). habilidade repetidas vezes, até que se sintam segu-
ros para desenvolver essa prática. Muitas vezes, es-
ses simuladores são simples e de baixo custo. Um
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS exemplo é o simulador de baixa fidelidade apre-
sentado na Figura 1, criado com papelão, tubos de
Neste capítulo, você teve uma breve introdução PVC e outros materiais, que permitiu à equipe de-
dos diferentes tipos de simulador. A busca rápida senvolver as primeiras habilidades ou aprimorar a
na literatura possibilitou apresentar a você alguns técnica nesse simulador.
modelos que estão sendo utilizados no ambiente Nessa perspectiva, compreende-se a importân-
cirúrgico. Contudo, vale destacar que se trata ape- cia de você usar este capítulo para despertar e agu-
nas de alguns modelos. Existem vários outros, ou çar seu interesse por novas buscas de simuladores,
talvez poderíamos dizer inúmeros outros simula- os quais atendam à sua realidade situacional.
128 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
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130 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 5.4
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Neide da Silva Knihs Debora Popov
Enfermeira Enfermeira
Membro da SOBECC Membro da SOBECC
Profa. Departamento de Enfermagem da Profa. Departamento de Enfermagem
Universidade Federal de Santa Catarina da Universidade Paulista
132 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
No decorrer deste capítulo, serão apresenta- volvimento de atividades organizacionais e assis-
das as necessidades de ensino na formação do en- tenciais (DALCÓL; GARANHANI, 2016).
fermeiro para atuar no centro cirúrgico, além das O enfermeiro é o profissional capacitado a ge-
competências a serem desenvolvidas pelo futuro renciar as funções administrativas do centro ci-
enfermeiro e profissional enfermeiro durante a sua rúrgico e prestar assistência às necessidades do
formação (graduação e progressivamente durante a paciente durante o período perioperatório. A de-
residência, pós-graduação e prática), no sentido de pender do porte do centro cirúrgico, podem exis-
que o leitor possa compreender os espaços de en- tir tanto o enfermeiro assistencial quanto o enfer-
sino em que a simulação poderá ser inserida. Na se- meiro coordenador, que desempenha as funções
quência, será feita uma discussão breve dos passos gerenciais e técnico-administrativas (ASSOCIAÇÃO
a serem seguidos para o desenvolvimento da simu- BRASILEIRA DE ENFERMEIROS DE CENTRO
lação em ambientes de ensino. Ainda, serão indica- CIRÚRGICO, RECUPERAÇÃO ANESTÉSICA E
dos estudos que apresentam atividades de simula- CENTRO DE MATERIAL E ESTERILIZAÇÃO,
ção desenvolvidas por estudantes de Enfermagem, 2017; SILVA et al., 2019).
enfermeiros e equipe multiprofissional no exercí-
cio de habilidades em cenários criados à luz do am-
biente cirúrgico. 3. TEMA 2: COMPETÊNCIAS A SEREM
DESENVOLVIDAS DURANTE A FORMAÇÃO E A
ATUALIZAÇÃO DE ENFERMEIROS
134 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Figura 2. Progressão de habilidades ao longo da formação do enfermeiro: habilidades de comunicação interpessoal.
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Quadro 1. Habilidades avançadas diante das novas tecnologias de cuidado no ambiente cirúrgico.
136 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
das atividades a serem desenvolvida por cada mem- tências a serem desenvolvidas na estação simulada,
bro da estação, além das falas principais que serão além de incentivar o aluno a olhar para a simulação
conduzidas pelos atores presentes na cena, em caso que foi realizada por ele, permitindo que o próprio
de simulação com paciente estandardizado. No caso discente possa identificar oportunidades de melho-
em que será utilizado um simulador de alta fideli- rias (KNIHS et.al., 2017; KALDHEIM et.al., 2019).
dade, cada ajuste a ser inserido no software do si- Em razão de o ambiente cirúrgico ser um es-
mulador deve estar muito bem pontuado. Apenas paço complexo, além de ser um local onde há circu-
assim o aluno poderá desenvolver as competências lação de vários profissionais, sugere-se que, ao des-
planejadas para cada estação. crever uma estação simulada, independentemente
Ainda sobre as recomendações, sugere-se que da fase de aprendizado em que o aluno se encon-
os docentes tenham muito cuidado quando do de- tre, o docente possa inserir objetivos de aprendiza-
senvolvimento do debriefing e da sessão de feed- gem direcionados à segurança do paciente. Dessa
back, haja vista que a simulação é educativa e não maneira, no debriefing o docente poderá resgatar
punitiva. A simulação traz a proposta de aprimo- essa discussão com os alunos que realizaram a es-
rar o conhecimento do aluno, propor o desenvol- tação simulada.
vimento de competências, além de incentivar o ra- Para maior compreensão do uso da simulação
ciocínio clínico e aproximar o aluno de situações no ambiente cirúrgico, o Quadro 2 apresenta alguns
quase reais da prática. Assim, o docente precisar estudos com o uso de simulações, bem como as ha-
estar apto para desenvolver o debriefing, conside- bilidades que foram desenvolvidas pelos estudan-
rando os objetivos de aprendizagem e as compe- tes no ambiente cirúrgico.
Quadro 2. Habilidades básicas e avançadas desenvolvidas pela equipe de enfermagem com o uso da simulação no
ambiente cirúrgico conforme estudos já desenvolvidos.
Habilidades básicas
• Habilidades gerais de comunicação, autoconsciência e pensamento
crítico.
Instrumentação:
• Abrir o avental e as luvas para a paramentação.
• Esfregar e secar as mãos após a antissepsia cirúrgica.
• Participar de uma contagem de compressas e materiais
perfurocortantes.
“Nursing Shortages in the OR: • Remover avental e luvas contaminados.
solutions for new models of Circulante de sala:
education” (BALL; DOYLE; • Abrir pacotes estéreis e suprimentos.
OOCUMMA, 2015) • Cumprimentar o paciente e apresentar-se a ele.
• Identificar o paciente corretamente.
• Mover o paciente para a mesa cirúrgica (com a ajuda de outros
profissionais).
• Posicionar o paciente para o procedimento.
• Remover a luva contaminada.
• Abrir outra luva esterilizada para o instrumentador.
• Participar da contagem e registrar a contagem no quadro.
• Desenvolver interações verbais e não verbais entre enfermeiros e
cirurgiões que muitas vezes ficam fora do treinamento explícito.
“Video-Supported Simulation
• Promover segurança na comunicação entre instrumentador e
for Interactions in the Operating
cirurgião.
Theatre (ViSIOT)”
• Desenvolver agilidade e efetividade da comunicação entre esses
(KORKIAKANGAS et.al., 2015)
profissionais.
• Melhorar a comunicação verbal e a não verbal.
Habilidades avançadas
• Desenvolver a movimentação dos três braços do robô antes e de-
pois do procedimento.
“Capacitação em cirurgia robótica
• Demonstrar como ligar o sistema robótico de forma adequada.
no programa de residência em
• Demonstrar as conexões do sistema robótico.
enfermagem perioperatória”
• Desligar o equipamento corretamente após o uso.
(SOUSA; BISPO; CUNHA, 2016)
• Realizar o correto ajuste de câmera e o alinhamento do sistema.
• Colocar as capas nos braços do robô, assegurando o perfeito en-
“A importância da constante
caixe nas roldanas de encaixe da pinça.
atualização científica em
• Identificar os instrumentos básicos para cirurgia robótica.
enfermagem perioperatória
• Desenvolver o posicionamento adequado e a retirada de instru-
para a qualidade e a segurança
mentos robóticos.
da assistência: o papel das
• Identificar a localização da chave de emergência.
associações e sociedades
• Verbalizar situação de emergência (perda de energia elétrica ou falha
de especialistas”
irrecuperável).
(PEREIRA; MORIYA, 2022)
• Verbalizar ações corretas para as faltas recuperáveis.
• Identificar o número de usos das pinças.
• Verbalizar como realizar o registro para controle.
• Realizar a retirada da capa e guardar os cabos ópticos.
• Atuar e desenvolver cuidados no pós-operatório imediato.
• Identificar as intercorrências e complicações apresentadas pelo pa-
ciente na sala de recuperação pós-anestésica (SRPA).
“Metodologias ativas no ensino • Priorizar os cuidados de enfermagem destinados ao paciente na
de enfermagem perioperatória” SRPA.
(NASCIMENTO et.al., 2017) • Prestar cuidados de enfermagem para prevenir o agravamento do
caso clínico do paciente.
• Tomar decisão quanto ao acionamento da equipe multiprofissio-
nal para avaliar o paciente.
“High-fidelity mannequin simulation • Reconhecer sinais de eventos críticos no intraoperatório, de forma a
versus virtual simulation for preveni-los.
recognition of critical events • Reconhecer e gerenciar eventos críticos intraoperatórios.
by student registered nurse
anesthetists” (ERLINGER;
BARTLETT; PEREZ, 2018)
138 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Praticar gestão do cuidado seguro por meio da visita pré-operató-
“Simulação realística como estratégia
ria de enfermagem ao paciente.
facilitadora no ensino-aprendizagem
• Praticar situação de risco inerente do ambiente que permeia o pro-
para identificação dos riscos no
cesso cirúrgico no período perioperatório.
paciente cirúrgico oncológico”
• Desenvolver a prática de ações que minimizem os riscos existentes.
• Oferecer oportunidade de crescimento, liderança, gerência e de-
(PEDRADA; BRUM, 2020)
senvolvimento de habilidades técnicas relacionadas ao cuidado de
pacientes com variados níveis de complexidade.
• Praticar higienização das mãos.
“Simulação realística no ensino • Identificar corretamente o paciente.
de segurança do paciente: • Atentar aos procedimentos de verificação de sinais vitais.
relato de experiência” • Praticar contagem do gotejamento da solução endovenosa em si-
tuações de emergência.
(MAGNAGO et.al., 2020) • Desenvolver o protocolo de cirurgia segura (estudantes atentam
para a aplicação da lista de verificação de cirurgia segura e obser-
vam o uso de dispositivos intravenosos, cateteres e sondas).
• Desenvolver habilidades técnicas para a prática perioperatória e
independência na prática de enfermagem.
“The effects of an empathy role-
• Adquirir habilidades técnicas e não técnicas valiosas no ambiente
playing program for operating
cirúrgico.
room nursing students in Iran”
• Aprimorar os processos e resultados de aprendizagem dos participantes.
(LARTI; ASHOURI; AARABI, 2018)
• Competência valiosa na forma de percepção de suas reações e
em termos de priorização de tarefas, comunicação e colaboração
interprofissional.
“A qualitative study of • Desenvolver habilidades técnicas para a prática perioperatória e
perioperative nursing students’ independência na prática de enfermagem.
experiences of interprofessional • Adquirir habilidades técnicas e não técnicas para atuar no am-
simulation-based learning” biente cirúrgico.
(KALDHEIM et.al., 2020) • Aprimorar os processos e resultados de aprendizagem dos participantes.
Habilidades multiprofissionais
“Towards a safer culture: • Desenvolver práticas avançadas por meio de simuladores de alta fi-
implementing multidisciplinary delidade com a equipe cirúrgica multiprofissional (enfermeiros, ci-
simulation-based team training in rurgiões e anestesiologistas) na chegada do paciente, gerenciando
New Zealand operating theatres complicações e intercorrências.
– a framework analysis” • Desenvolver habilidades direcionadas à segurança do paciente.
(JOWSEY et.al., 2019) • Promover a discussão sobre a cultura de segurança.
• Desenvolver habilidades no trabalho em equipe multiprofissional.
“Evaluation of the effect of • Melhorar a comunicação.
multidisciplinary simulation- • Aprimorar os processos de trabalho, com o objetivo de minimi-
based team training on patients, zar as reclamações dos usuários do serviço cirúrgico e da equipe
staff and organisations: protocol multiprofissional.
for a stepped-wedge cluster-mixed • Utilizar e aprimorar atividades como a aplicação da lista de verifi-
methods study of a national, insurer- cação de cirurgia segura e a cultura de segurança.
funded initiative for surgical teams
in New Zealand public hospitals”
(WELLER et.al., 2020)
140 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
de competências e habilidades, com aprendizagem fermeiro na avaliação cirúrgica de pacientes.
significativa e contínua. Ao término deste capítulo, é possível compreen-
A construção e a utilização de cenários de si- der o contexto complexo do cuidado de enferma-
mulação no ambiente cirúrgico colaboram com o gem no centro cirúrgico e como as simulações clí-
êxito no emprego da simulação como estratégia de nicas podem contribuir para o desenvolvimento de
ensino, trazendo assim maior estrutura para a inte- habilidades básicas e avançadas e sua interação com
gração de conhecimentos e habilidades para o en- a equipe multiprofissional.
142 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
6. CLÍNICA MÉDICA
CA P Í T U L O 6.1
O ensino de Clínica
Médica na graduação
e residência médica
144
Juliana Annete Damasceno
Médica Hematologista
Centro Universitário de Volta
Redonda (UniFOA)
146 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
e descrições de quatro estratégias possíveis para o Assim, o aprimoramento das técnicas de rea-
diagnóstico clínico: lizar uma boa história clínica e um exame físico
adequado deve ser incentivado constantemente. O
1) Reconhecimento de padrões: a experiência pré- ambulatório é um bom cenário para o exercício da
via e os sentidos, principalmente a visão, mas coleta da história clínica, pois apresenta pacientes
também a audição, ou mesmo o olfato, são usa- com problemas menos complexos, permitindo que
dos para a realização do diagnóstico. o raciocínio hipotético-dedutivo possa ser exerci-
2) Árvore de decisões: constitui-se em um conjunto tado pelos alunos, desde o início de sua formação.
de decisões que devem ser tomadas, dependendo A enfermaria, por sua vez, é um local privilegiado
da resposta a uma questão anterior. Essa estraté- para o ensino de técnicas de exame físico, reconhe-
gia tem grande utilidade em algumas situações, cimento de padrões e demonstração de situações
como triagem por não médicos ou protocolos em que o referido procedimento é alterado (KIRA;
de investigação. No entanto, habitualmente, os MARTINS, 1996).
médicos não fazem o seu raciocínio clínico por Em países como o Brasil, é possível o contato
meio dela. direto do estudante com o paciente. Esse fato é de
3) História e exame físico completos: trata-se da grande valia para o aprendizado clínico, no entanto
forma tradicional de ensino de semiologia clínica. pode ser complementado com equipamentos e dis-
O aluno de Medicina, independentemente da positivos que permitam simulações realísticas, bas-
queixa do paciente, faz a história clínica e o exame tante vantajosas em muitos casos, como nos sistemas
físico de forma mais completa possível, para de- de simulação de ausculta cardíaca, em que os sons
pois levantar as hipóteses diagnósticas e propor cardíacos podem ser ouvidos várias vezes pelos es-
investigação laboratorial e conduta. tudantes, até que haja memorização de todas as suas
4) Estratégia baseada no raciocínio hipotético- características e filigranas (KIRA; MARTINS, 1996).
dedutivo: trata-se de um processo dinâmico, em
que, mesmo inconscientemente, o médico, desde
o início, está formulando hipóteses. Desde o ins- 4. O INTERNATO MÉDICO
tante em que o paciente entra na sala, o médico
está formulando hipóteses diagnósticas e ten- O internato médico é um período obrigatório de
tando confirmá-las ou excluí-las, pelo aspecto ensino-aprendizagem, com atividades eminente-
do paciente, pela sua fala e, depois, por meio da mente práticas, em que o estudante deve receber
história clínica e do exame físico. treinamento intensivo e contínuo, sob supervisão
de preceptores, docentes ou não docentes, em
A adequada execução da história clínica, instituições de saúde vinculadas ou não à escola
do exame físico e dos exames laboratoriais no médica (ZANOLLI et al., 2014).
diagnóstico (inicialmente sindrômico) e a con- Os preceptores devem ter formação e/ou
duta recebem grande destaque no ensino da clínica experiência profissional na área de conhecimento
médica. A história clínica e o exame físico adequada- e receber um programa de educação permanente,
mente realizados são capazes de levar o médico ao incluindo metodologias de ensino-aprendizagem
diagnóstico etiológico, ou próximo dele, na grande e de avaliação. Em caso de utilização de residentes
maioria dos casos (KIRA; MARTINS, 1996). no processo de ensino-aprendizagem dos internos,
É evidente que, em pacientes mais graves, com eles deverão também ser capacitados e submetidos
múltiplas comorbidades, os exames complementa- à educação permanente (ZANOLLI et al., 2014).
res tornam-se cada vez mais necessários e decisivos. A carga horária mínima do internato médico
No entanto, mesmo nessas situações, a solicitação é de 35% da carga total do curso e deve, obriga-
e a interpretação dos exames devem ser baseadas toriamente, incluir aspectos essenciais nas cinco
nos dados clínicos. Dessa forma, não seria exa- grandes áreas da medicina: clínica médica, cirur-
gero afirmar que o reconhecimento de padrões, a gia geral, pediatria, saúde coletiva e ginecologia/
história clínica e o exame físico, em conjunto, são obstetrícia; na maioria das escolas médicas, os es-
uma arma poderosa de que o médico dispõe para tudantes fazem rodízios em cada uma dessas áreas.
o diagnóstico e, muitas vezes, para o tratamento De acordo com as DCN, até 25% da carga horária
(KIRA; MARTINS, 1996). do internato pode ser realizada fora da instituição
Fazer registros
Conhecer e utilizar de forma
(prontuários, receitas e Atuar de forma adequada em situações
adequada o sistema de referência
documentos) de modo de estresse no ambiente de trabalho.
e contrarreferência.
completo, ético e legível.
Orientar o paciente,
Interpretar os indicadores de Realizar prevenção primária,
seus familiares e a
saúde e dados epidemiológicos. secundária, terciária e quaternária.
equipe de saúde.
Desenvolver uma boa Conhecer os recursos físicos, Promover boa relação médico-
relação médico-paciente, humanos e tecnológicos paciente, respeitando e reconhecendo
respeitando e reconhecendo de seu local de atuação o ambiente sociocultural em que está
o ambiente sociocultural profissional, considerando a inserido em sua singularidade.
em que está inserido. inserção do serviço no SUS.
148 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Especificamente sobre o ensino da clínica mé- atual trata a educação permanente em saúde (EPS)
dica, espera-se que o interno desenvolva a capa- como educação ao longo da vida, por meio de res-
cidade de realizar procedimentos diagnósticos e significação do desenvolvimento pessoal e interpes-
terapêuticos de forma singular, o que inclui conhe- soal contínuo, concebendo o aprendizado no traba-
cimentos, habilidades e atitudes perante a situação lho, que vai além da dimensão técnica (TAROCO;
de emergência – capacitação em suporte básico e TSUJU; HIGA, 2017). Dessa forma, a EPS discute
avançado de vida, pacientes com doença crônica e o autoaprimoramento contínuo na busca de com-
cuidados paliativos. petência pessoal, profissional e pessoal (TAROCO;
TSUJU; HIGA, 2017).
Nas metodologias ativas, a estrutura física de
5. BUSCA DO CONHECIMENTO DE FORMA AUTÔNOMA salas de aula, laboratórios e espaços de convívio
devem atender à necessidade de integração que o
Uma das competências mais importantes a serem modelo pedagógico exige. Diante disso, fica claro
adquiridas pelo estudante de Medicina e pelo mé- que a implantação desse modelo curricular não
dico é a capacidade de buscar o conhecimento de se dá de forma abrupta e sem planejamento das
forma autônoma, sendo capaz de se atualizar con- instituições de ensino superior. Uma das principais
tinuamente e analisar, de forma crítica, a informa- características de um bom médico é a sua capaci-
ção obtida (KIRA; MARTINS, 1996). dade de atualização permanente. Formar médicos
Nos últimos anos, os currículos integrados e as com essa habilidade deve ser um dos objetivos cen-
metodologias ativas mostraram-se como alternativa trais do ensino médico, devendo as instituições de
aos currículos tradicionais, visando atender às ex- ensino desenvolverem estratégias específicas para
pectativas das políticas públicas de saúde nacionais esse fim (BERBEL, 2011).
e internacionais (GOMES; REGO, 2011). Passaram-se 20 anos desde o início da implantação
No intuito de mobilizar estudantes para a das mudanças curriculares e metodologias ativas nas
participação ativa no processo de ensino-aprendi- escolas médicas brasileiras, sendo necessário ava-
zagem, em que o professor é visto como mediador, liar os resultados destas nos profissionais formados.
os cursos de graduação passaram a adotar metodo- Gomes e Rego (2011) analisaram uma série de traba-
logias ativas. Há uma tendência, cada vez maior, de lhos científicos acerca da implantação do Problem-
diminuição das propostas curriculares disciplinares. Based Learning (PBL) nas escolas médicas brasi-
Em contrapartida, existe uma crescente implantação leiras, não demonstrando melhorias na formação
de currículos integrados com proposições de meto- clínica, nas habilidades de comunicação, no de-
dologias ativas. As metodologias ativas se baseiam sempenho e nas colocações de carreira dos médicos
em diferentes formas de desenvolvimento do pro- formados em instituições que adotam o PBL em
cesso de aprendizagem, fazendo com que os estu- comparação às metodologias de ensino convencio-
dantes participem utilizando experiências reais nais. No entanto, pode-se perceber um aumento da
ou simuladas, visando criar condições para solu- participação e dedicação destes na atenção básica
cionar os desafios advindos das atividades essen- à saúde (GOMES; REGO, 2011). Também foi notó-
ciais da prática médica em diferentes contextos ria a melhoria da relação médico-paciente, muito
(BERBEL, 2011). provavelmente decorrente da convivência precoce
São exemplos de modalidades compreendidas dos acadêmicos em ambientes de atenção primária.
nas metodologias ativas: No que se diz respeito à escolha da especialidade,
1) Estudo de caso clínico; não foi observado aumento de demanda em relação
2) Aprendizagem Baseada em Projetos; às carreiras generalistas ou de medicina da família,
3) Pesquisa científica; evidenciando que, apesar do estreitamento dos
4) Metodologia da Problematização com o Arco laços entre médico e paciente, as especialidades
de Maguerez; médicas continuam tendo a preferência dos for-
5) Aprendizagem Baseada em Problemas. mandos (COSTA et al., 2014; PEIXOTO; RIBEIRO;
AMARAL, 2011; TAROCO; TSUJU; HIGA, 2017).
O ensino na graduação em saúde, particular- No Brasil, a conclusão do curso de Medicina
mente na Medicina, vem sofrendo grandes trans- habilita o recém-graduado a exercer a profissão
formações nas últimas décadas. A concepção mais (STERN, 2006). No entanto, os recém-formados
150 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
atributos técnicos que lhe permitem se responsabi- Por fim, há que se buscar sedimentar a discus-
lizar progressivamente pelos atos profissionais, até são de políticas voltadas ao aumento do interesse
que possa construir a sua autonomia profissional, dos graduandos pelo aprimoramento de habilida-
sem depender da ajuda de um preceptor. des na clínica médica e propor ações nesse sentido.
lho, o que podemos fazer hoje pela clínica amanhã? Afinal, quando se trata do futuro da força de traba-
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152 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 6.2
O estado da arte da
simulação clínica em
Clínica Médica
153
Luisa Patrícia Fogarolli de Carvalho
Médica
Mestre e Doutora
Especialista em Clínica Médica
Especialista em Doenças
Infecciosas e Parasitárias
154 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
tores descrevem ainda que, quando o foco é a ava- ações. Além disso, a contextualização do conhe-
liação, as condições motivadoras são a alta confia- cimento científico em uma estrutura clínica com-
bilidade e a alta validade (Quadro 2). plexa aprimora o entendimento científico básico
e acelera o desenvolvimento dos conhecimentos
médicos (GORDON et al., 2010).
2. EXPERIÊNCIAS EXITOSAS COM USO DA Varga et al. (2009) trazem a experiência da
SIMULAÇÃO Universidade de São Carlos (UFSCar) com a
Unidade Educacional de Simulação da Prática
Dados sobre o uso da simulação remontam ao sé- Profissional (Uesp), em que se utilizam situação-
culo XVI, quando manequins eram utilizados para -problema e estações de simulação. A Uesp tem se
ensinar obstetrícia e diminuir a mortalidade ma- mostrado útil e efetiva para avaliar o desempenho
terno-infantil (OGDEN et al., 2013). No Brasil, há e as habilidades clínicas, permitindo o controle de
dificuldade em precisar onde e quando se iniciou fatores externos, a padronização dos problemas e o
a utilização de pacientes simulados. feedback positivo. Com isso, tem sido identificado
A Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto um aumento no autoconhecimento, na confiança
(FMRP), no final dos anos 1980, utilizava mane- e no relacionamento interpessoal dos estudantes.
quins para o ensino de habilidades ligadas à tu- Flores et al. (2014) relatam a experiência
bagem traqueal, à assistência ao traumatizado e da Universidade Federal de Ciências da Saúde
à reanimação cardiorrespiratória. Na década de de Porto Alegre (UFCSPA), na disciplina de
1990, foi criado o Programa de Avaliação Terminal Nefrologia, com a utilização de casos clíni-
do Graduando, em que eram avaliado o desempe- cos interativos a partir de casos clínicos reais.
nho dos graduandos quanto a habilidades cogni- Forneciam-se aos estudantes a história clínica e
tivas, psicomotoras e de atitudes. Utilizaram-se os exames físico, laboratoriais, de imagem e ana-
manequins para as habilidades de acesso venoso, tomopatológico. Também eram disponibiliza-
recepção ao recém-nascido, exame ginecológico, dos links para textos curtos e informações adi-
assistência ao parto normal, acesso às vias aéreas cionais. Para discussão dos casos, utilizou-se o
e reanimação cardiorrespiratória. A reforma cur- Moodle. A avaliação da utilização dos casos in-
ricular de 1993 levou à criação das disciplinas de terativos foi realizada por meio da aplicação de
“Iniciação à Saúde” e de “Primeiros Socorros e um questionário aos 18 estudantes participantes,
Atendimento Pré-Hospitalar”, possibilitando o dos quais 17 responderam a ele. Entre os tópicos
emprego, no primeiro e segundo anos do curso avaliados, 76% dos estudantes concordaram que o
de Medicina, de manequins de simulação para o exercício visava ao desenvolvimento do discente
aprendizado de técnicas de acesso venoso, admi- e que o exercício levou à autonomia da aprendi-
nistração de injeções intramusculares e manuseio zagem. A bibliografia foi considerada relevante
da pessoa acidentada. Em 1995, introduziram-se por 88% dos estudantes. Não houve consenso se
os pacientes padronizados para avaliação final o exercício levou à motivação e concentração na
da disciplina de Semiologia do Departamento de resolução do problema. Entre os discentes, 41%
Clínica Médica e da prova de Habilidades Clínicas consideram essa opção regular; 47%, boa; e 12%,
do Programa de Avaliação Terminal do Graduando muito boa. A interatividade com a ferramenta
(TRONCON, 2007) foi considerada boa somente por 47% dos estu-
Outras experiências exitosas podem ser vistas dantes, o que levou a equipe a questionar a atra-
a seguir. Em 2001, o Gilbert Program in Medical tividade da ferramenta. A grande maioria (82%)
Simulation foi instituído em Harvard com o obje- não se sentiu pressionada ou obrigada a avançar
tivo de dar vida a bons casos por meio da utiliza- nas tarefas. Duas ferramentas de pacientes vir-
ção da simulação de alta fidelidade, promovendo tuais foram desenvolvidas pela UFCSPA: Sistema
o ideal flexneriano de aprendizagem experiencial Interdisciplinar de Análise de Casos Clínicos
em um ambiente seguro ao paciente. Em 2006, na (SIACC) e Simulador Inteligente para a Tomada
reforma curricular, a simulação foi incluída for- de Decisão em Cuidados de Saúde (SimDeCs).
malmente desde o início da formação. A introdu- Um estudo realizado com professores e
ção em fases iniciais foi pensada para que o estu- estudantes de um curso de Ressuscitação
dante aprendesse a traduzir o conhecimento em Cardiopulmonar avançado em um hospital do
156 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 1. Condições motivadoras da utilização da simulação no ensino.
CONDIÇÕES COMENTÁRIOS
O treinamento médico pode pressupor ideais ambíguos que, apesar de
conhecidos, são muitas vezes insatisfatoriamente discutidos, como a
necessidade de treinamento em pacientes reais em oposição à obrigação
ética médica de oferecer tratamento seguro e adequado ao paciente.
Questões Desse modo, a simulação ganha espaço crescente, garantindo a
éticas segurança pessoal dos pacientes e, apesar de insuficientemente
discutida, também segurança jurídica para a instituição de ensino
em uma era de maior divulgação da ocorrência de erros médicos
e das limitações do ensino convencional, com forte pressão da
sociedade para a melhoria da educação médica e sua avaliação.
CONDIÇÃO COMENTÁRIOS
158 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
A ação é a execução da tarefa com observação tes. Um dos participantes relata o que experien-
do instrutor e dos demais participantes, com ou sem ciou. Na fase de discussão, identificam-se os pontos
gravação, permitindo que a competência desejada fortes e os pontos a serem melhorados pelo grupo.
seja observada e documentada. Caso a atividade tenha sido gravada, o vídeo pode
O feedback garante que os objetivos de apren- ser utilizado, restringindo-se a parte que mostra o
dizagem sejam alcançados e que os objetivos de ponto a ser discutido. No debriefing, o professor tem
aprendizagem decorrentes da experiência sejam uma postura de facilitador da discussão em grupo
discutidos. Quando utilizamos simulação de alta sobre os acertos e as oportunidades de melhoria.
fidelidade, chamamos de debriefing. O debriefing A principal tarefa do professor é impedir que os
permite a oportunidade de investigar o conheci- estudantes sejam desviados por imperfeições no
mento, as habilidades e as atitudes de um partici- ambiente simulado e orientá-los para o contexto
pante que levaram às ações observadas durante a clínico. A última fase da ação é sumarizar aos es-
simulação, ajudando a determinar a causa das va- tudantes as mensagens que levem ao seu aprimo-
riações entre a ação observada e a ação esperada ramento. Para os outros tipos de simulação, utiliza-
(MOTOLA et al., 2013). mos o feedback (PAZIN FILHO; ROMANO, 2007;
O debriefing deve ser planejado em como e TRONCON, 2007; GORDON et al., 2010; MOTOLA
quando será fornecido de maneira consistente com et al., 2013; BRANDÃO; COLLARES; MARIN, 2014;
o objetivo de aprendizagem e se divide em acolhi- IGLESIAS; PAZIN-FILHO, 2015).
mento, síntese, discussão e mensagens. No acolhi- Para que haja um programa de simulação, é
mento, o facilitador diminui o estresse do grupo e necessário um corpo docente treinado para de-
foca as tarefas realizadas, sempre voltado para o co- senvolver o currículo por meio dessa ferramenta.
letivo. Na síntese, faz-se a discussão a fim de buscar Além disso, são necessários espaço e equipamen-
a homogeneização do conteúdo entre os participan- tos adequados.
Como em toda metodologia adotada no ensino, a si- delineando os pontos fortes e fracos de sistemas e proces-
mulação pode ser utilizada como ferramenta gerencial, sos, incluindo questões de ética profissional (GABA, 2009).
160 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 4. Vantagens do uso de pacientes simulados.
VANTAGENS COMENTÁRIOS
Pessoas confiáveis recrutadas para atuar como pacientes simulados estão sempre
Disponibilidade
disponíveis; várias pessoas podem ser treinadas para desempenhar o mesmo papel.
Pacientes simulados bem treinados desempenham seus
Consistência
papéis com realismo, acurácia e de forma reprodutível.
O paciente simulado bem treinado desempenha o mesmo papel sempre da
Ppadronização
mesma maneira.
Multiplicação Várias pessoas podem ser treinadas para desempenhar o mesmo papel.
Fonte: Medicina (Ribeirão Preto) 2007;40 (2): 180-91. Link de acesso: https://www.revistas.usp.br/rmrp/article/view/315.
Acesso em 18 de fevereiro de 2022.
Quadro 5. Sinais físicos que podem ser simulados por pacientes normais adequadamente treinados.
SINAIS FÍSICOS
GERAIS NEUROLÓGICOS
Ferimento Afasia
Icterícia Ataxia
Obstrução de vias aéreas Atetose
Pneumotórax Coma
Respiração anormal Confusão
Rigidez abdominal Coreia
Rigidez articular Disartria
Sibilância Hemiparesia
Sopro cardíaco Hiper-reflexia
DESVANTAGENS COMENTÁRIOS
Adequação para A maioria dos sinais físicos é impossível de ser simulada; a simulação de muitos
exame físico sinais pode se associar à artificialidade, comprometendo a credibilidade.
Podemos então inferir que a simulação, em suas dos essenciais, com o menor custo possível. É im-
diferentes modalidades, tem sido cada vez mais uti- portante lembrar que temos de ter claros os objeti-
lizada para que a segurança do paciente seja alcan- vos educacionais de cada atividade proposta. Outro
çada. As repetições dos procedimentos, o treino das fator limitante ainda é a desconfiança de professo-
habilidades de comunicação e a oferta das mes- res que sempre conviveram com o método tradicio-
mas oportunidades de aprendizagem a todos os nal. O desenvolvimento docente entra como ferra-
estudantes são algumas das vantagens da simula- menta essencial para que a utilização correta da
ção. O maior desafio é utilizar a criatividade para ferramenta de simulação apresente os benefícios
que possamos criar cenários adequados, com com- esperados. Há muito a se aprimorar, mas é um ca-
plexidade esperada para determinado período do minho sem volta.
curso, de forma a cobrir os conteúdos considera-
162 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
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164
Fernanda Berchelli Girão Miranda
Doutora em Ciências da Saúde.
Profa. Departamento de Enfermagem.
Universidade Federal de São Carlos -UFSCar
166 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Foto 2. Simulador de baixa fidelidade Foto 2. Simulador de baixa de fidelidade para manuseio
para manejo de vias aéreas difícil. de acessos venosos de longa permanência; cateter
Fonte: Marketing da Unoeste. venoso totalmente implantado; cateter venosos
central e cateter central de inserção periférica.
Fonte: Marketing da Unoeste
Figura 3. Aplicativo QCPR instrutor (A), aplicativo QCPR aprendiz (B) e simulador Little Anne QCPR (C).
Fonte: Laerdal e Marketing da Unoeste.
168 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
cronizados com o ECG e que os sons respiratórios
sejam sincronizados com a subida e descida do tó-
rax durante cada ciclo respiratório (ALINIER, 2011).
Dentre os simuladores de alta fidelidade dis-
poníveis no mercado, o mais conhecido, constru-
ído pela empresa Laerdel, é o SimMan.
Esse simulador é recomendado para simula-
ção de média e alta complexidades, permitindo
simulações mais próximas à realidade. É compu-
tadorizado, com anatomia realista, braços total-
mente articulados e distribuição natural do peso
(LAERDAL, 2021b).
Exibe diversas funcionalidades: vias aéreas, res-
piração espontânea com incursões da caixa torá-
Foto 4. Simulador de média fidelidade para cuidados
e supervisão de uma ampla diversidade de paciente. cica, sons pulmonares com pontos de auscultas an-
Fonte: Marketing da Unoeste. terior e posterior, sons cardíacos, pulsos palpáveis
(carotídeos, femoral, radial, dorsal do pé, tibial pos-
A Resusci Anne é um simulador de média fide- terior e braquial), acessos vasculares, via intraóssea
lidade construído e vendido pela empresa Laerdel. em ambas as pernas, recursos sonoros permitindo
Foi projetado para treinamento específico referente sons vocais pré-programados ou gravados, pupilas
(normais, contraídas e dilatadas), olhos que piscam
ao cuidado de emergência em ambientes pré-hospi-
(velocidade: lento, normal, rápido), permitindo tam-
talares e hospitalares. Esse simulador possui uma
bém manter os olhos abertos, fechados ou parcial-
anatomia realista e oferece uma variedade de recur- mente abertos (LAERDAL, 2021b).
sos de acordo com os objetivos de aprendizagem, Possui conexões de rede totalmente sem fio,
permitindo que o estudante pratique habilidades além de simular vários parâmetros de ECG, SpO2,
de manejo de vias aéreas, como intubação endo- CO2, entre outros (LAERDAL, 2021b).
traqueal, manobra de Sellick, manobras de eleva-
ção e tração da mandíbula, além de apresentar res-
piração espontânea com elevação torácica visível.
Nos recursos cardiovasculares, é possível realizar
desfibrilação e monitoramento de ECG de forma
sincronizada, ausculta da pressão arterial e moni-
toramento do pulso e de sons pulmonares e cardí-
acos. Permite a inserção de cateteres endovenosos
e aplicação de injeções intramusculares bilaterais.
Fornece o feedback da qualidade da RCP (QRCP) no
SimPad PLUS para medir e aprimorar o desempe-
nho em tempo real das compressões, das ventilações
e do tempo sem compressão (LAERDAL, 2021a).
170 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
mentos respiratórios sofisticados, como sistemas de ram a se caracterizar como aliados às necessidades
ventilação mecânica, espirômetros, manômetros e educacionais. A realidade virtual, na qual o usuário
analisadores de gás de maneira realista e com me- está “imerso” e com possibilidade de agir e interagir,
dições realistas obtidas. Da mesma forma, os sen- oferece uma oportunidade atraente de experiências
sores eletromecânicos e eletro-ópticos permitem de aprendizagem simuladas de uma forma nova e
que eletrocardiógrafos padrão, monitores de pres- envolvente (BAILENSON et al., 2008; JOHNSON-
são arterial não invasivos e oxímetros de pulso se- GLENBERG, 2018).
jam conectados ao simulador, resultando em me- A simulação por software é controlada por um
dições realistas relatadas nas telas dos monitores computador e também pode oferecer aos partici-
pantes um ambiente de treinamento mais realista.
multiparamétricos (GOOD, 2003).
Podem ser instalados em um computador pessoal
É fato que os recursos clínicos e os aspectos de
ou institucional no qual está instalado o software
engenharia dos simuladores estão continuamente
de educação médica, o qual proporciona interação
em evolução. Como o hardware de controle do si-
e aprendizagem unilateral ou interativa (AKAIKE
mulador tem se tornado cada vez mais robusto e et al., 2012).
compacto, ele permite o desenvolvimento de si- Atualmente a empresa Civiam representa o Body
muladores portáteis que podem ser utilizados p ara Interact, um simulador virtual de paciente para edu-
treinar e avaliar o ensino e a capacitação em servi- cação clínica. Esse simulador apresenta um algo-
ços de saúde, comunidades rurais, vias públicas e ritmo fisiológico avançado, no qual cada paciente
áreas remotas, de modo a possibilitar que os bene- virtual reage imediatamente às ações dos usuários.
fícios da simulação se estendam além das paredes Com o propósito de acelerar o pensamento crítico
de um centro de simulação, fornecendo valores no e desenvolver habilidades de tomada de decisão,
campo educacional nas áreas dos domínios psico- ao mesmo tempo que se concentra na segurança
motores da aprendizagem, cognitivo (pensamento) do paciente com feedback abrangente para que os
e afetivo (sentimento) (GOOD, 2003). alunos identifiquem áreas de melhorias, o software
Esses simuladores dependem de um operador e apresenta uma extensa biblioteca de pacientes vir-
podem ser controlados de diferentes maneiras du- tuais com situações clínicas em cenários do básico
rante os cenários. Operar um simulador de paciente ao avançado. Por meio dessa ferramenta, os educa-
requer muita preparação e testagens para aprimo- dores podem utilizar metodologias avançadas de
rar os cenários e assegurar que eles funcionem sem ensino e avaliação nos âmbitos da avaliação clínica,
problemas e que os parâmetros fisiológicos mudem da comunicação, da interação, do planejamento e
de forma realista. É necessário que as ações dos es- da avaliação do estado de um paciente. Por sua vez,
os alunos tornam-se mais confiantes com foco em
tudantes sejam previstas, resultando em uma ca-
suas habilidades cognitivas, afetivas e psicomoto-
deia de eventos com diferentes caminhos, e que o
ras (CIVIAM, 2021a).
operador seja familiarizado e ágil com a interface
paciente-simulador e tenha um conhecimento su-
ficiente sobre o efeito das intervenções procedimen-
tais desenvolvidas pelos aprendizes em cena, como
os medicamentos administrados (ALINIER, 2011).
172 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
rácica e transesofágica – permite que os profissio- senta um novo módulo de aprendizado para treina-
nais de saúde adquiram as habilidades cognitivas e mento de ultrassom associado à Covid-19. Em to-
psicomotoras necessárias para realizar exames de das as opções, é possível solicitar o módulo FAST/
ultrassom. Com mais de 200 patologias e conteúdo TRAUMA, que permite o exame completo e rápido
instrucional autodirigido, o Vimedix fornece aos es- por meio da pesquisa de fluidos e de ar, especial-
tudantes exposição e prática realistas de casos que mente nas áreas do coração e dos pulmões em si-
eles podem não ver normalmente; além disso, apre- tuações de trauma.
As Mesas de Anatomia 3D são simuladores de os três eixos do corpo (ROSA et al., 2019).
realidade virtual que proporcionam visualização O equipamento permite uma interface de toque,
de imagens em três dimensões de órgãos, múscu- possibilitando mover a imagem, deslocá-la, girá-
los, ossos e tecidos do corpo humano, uma vez que -la e navegar dentro dela. Possui um portal edu-
os cortes axiais são devidamente registrados e seg- cacional, em que o usuário tem acesso a imagens
mentados na dissecção tradicional. Esses simulado- de anatomia, ultrassom e radiologia até imagens
res são usados na mesa para criar imagens finais de histológicas (PORTAL DE EDUCACIÓN Y MESA
qualquer sistema ou estrutura anatômica em todos SECTRA, 2021).
174 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
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176
Fernanda Berchelli Girão
Profa. Departamento de Enfermagem
Universidade Federal de São Carlos - UFSCar
178 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Em 2006, Melo e Damasceno, pesquisado- Em 2011, Alavarce e Pierin construíram um re-
res do curso de graduação em Enfermagem da curso semelhante para o ensino da técnica de me-
Universidade Federal do Ceará (UFC), desenvol- dida da pressão arterial pelo método indireto com
veram um software como recurso na aprendizagem técnica auscultatória. Pesquisas têm sido realiza-
dessa prática que compreende o método da aus- das com simuladores de baixa fidelidade para capa-
culta, as finalidades do procedimento, a classifica- citação e avaliação de desempenho, como o estudo
ção dos sons e as características auscultatórias. Os experimental de Marmol et al. (2012) que compa-
recursos tridimensionais incluíram a construção rou o desempenho de graduandos de Enfermagem
de avatares e ambientes virtuais, e a conclusão do na realização do curativo do cateter venoso central
trabalho foi que a simulação da ausculta respira- semi-implantado, com o auxílio do tutor ou de um
tória, proporcionada por esse software, contribuiu
guia autoinstrucional.
para o ensino e a aprendizagem técnica em enfer-
A revisão de literatura de Hara et al. (2016) so-
magem (MELO; DAMASCENO, 2006).
bre estudos de casos clínicos em tecnologias digitais
para educação em enfermagem revelou que 52% de
seus achados referem-se ao uso da simulação vir-
tual. Assim, esse levantamento revelou o seguinte:
Alvarez e Dal Sasso (2011) desenvolveram nos estu-
dantes conhecimento sobre a avaliação dos sinais e
sintomas sobre dor do paciente clínico, Cogo et al.
(2010) promoveram o desenvolvimento para funda-
mentos em enfermagem, Tanaka et al. (2010) foca-
ram a aprendizagem de enfermagem em sinais vi-
(A)
tais do paciente, e Heinrich, Pennington e Kuiper
(2012) concentraram-se no desenvolvimento da de-
cisão clínica em enfermagem para pacientes com
cetoacidose diabética ou embolismo pulmonar.
Um recente estudo metodológico desenvolveu e
avaliou um ambiente virtual imersivo 3D utilizando
o Oculus Rift®, denominado Comunica-Enf, um jogo
que consiste no desenvolvimento da competência
comunicativa na realização de procedimentos de
enfermagem (HARA et al., 2021).
(B) Outro recurso é o Virtual Hospital Healthcare
Experience, no qual o participante, estudante ou
profissional, exerce o papel de um profissional en-
fermeiro. O participante escolhe uma área do hos-
pital e se envolve em uma história em que usa as
competências e habilidades de enfermagem para
fazer escolhas, mudando a história clínica do pa-
ciente conforme avança nas fases do game virtual.
O produto tem como autoria colaborativa funcio-
nários e alunos do Centennial College, de Toronto,
no Canadá, em parceria com a Ryerson University e
o George Brown College (VERKUYL et al., 2020).
É reconhecido como um portal que oferece a
(C)
estudantes e profissionais de saúde uma oportuni-
dade de aprendizagem experiencial para praticar
o atendimento, com total envolvimento em tomada
Figura 1. Tela do Software para Exame Físico
de decisões clínicas, ao cliente em um ambiente
Fonte: Melo e Damasceno (2006).
virtual interativo totalmente seguro (VERKUYL
et al., 2020).
180 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Para Santos, Leite e Heck (2010), o desenvolvi- Um estudo sobre segurança clínica do paciente
mento de cenários de simulação clínica na semio- desenvolveu cenários e constatou que os estu-
logia e semiotécnica possibilita o ensino e o uso dantes frequentemente omitem práticas comuns,
de feedback visando à avaliação formativa. Outra como lavagem das mãos e identificação do pa-
revisão integrativa observou que existe um vasto ciente, o que levou à reflexão dos facilitadores
repertório de conteúdos clínicos trabalhados por sobre a necessidade de intensificar o treino de
meio da simulação, e a maioria dos estudos agrega habilidades e cenários clínicos simulados com
o desenvolvimento de atitudes (comportamentais esses objetivos primordiais para imersão clínica
e afetivas) ao desenvolvimento de procedimentos do estudante de Enfermagem (GANTT; WEBB-
técnicos (OLIVEIRA; PRADO; KEMPFER, 2014). CORBETT, 2009).
Um tema ultimamente muito abordado, talvez A simulação clínica viabiliza a realização de es-
pelas necessidades provenientes do envelhecimento tudos clínicos no âmbito das práticas seguras, na re-
populacional, das doenças crônicas e até mesmo do alização de procedimentos diagnósticos, terapêu-
perfil hospitalocêntrico dos sistemas de saúde, é a ticos invasivos e complexos de enfermagem, bem
utilização de cenários de simulação para ensino ou como na promoção de atitudes éticas e de respon-
avaliação de competências na temática de preven- sabilidade profissional e interdisciplinar na aten-
ção, tratamento e avaliação de Lesão por Pressão ção ao paciente, à família e à comunidade (QUIRÓS;
(LPP). Moura e Caliri, (2013) utilizaram um simu- VARGAS, 2014).
lador adulto de alta complexidade operado por sof- Inúmeros conteúdos disponíveis na literatura
tware para o desenvolvimento de competência clí- comungam com a colaboração da simulação clínica
nica para enfermeiros que avaliam o risco de LPP; como uma estratégia pedagógica intimamente li-
já o estudo de Mazzo et al. (2018) descreve a elabo- gada à aprendizagem experiencial para o desenvol-
ração de construção de cenário com paciente simu- vimento de competências clínicas necessárias para
lado e moulage, para possibilitar o desenvolvimento uma prática segura. Para o ensino e a avaliação do
de competências necessárias para a prevenção e o conteúdo clínico em enfermagem, bem como nas
tratamento de LPP. Baracho, Chaves e Lucas (2020) demais áreas da educação em enfermagem, são im-
realizaram um estudo com profissionais de enfer- prescindíveis o desenvolvimento e a capacitação do
magem previamente treinados e desenvolveram ce- corpo docente e a sensibilização dos estudantes, a
nário com simuladores e feridas artificiais reutilizá- fim de garantir sua operacionalização e o sucesso
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184 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
7. EMERGÊNCIAS
CA P Í T U L O 7.1
O ensino de Emergências
na graduação e
residência médica
186
Gerson Alves Pereira Júnior
Docente de Cirurgia de Urgência e do Trauma
Universidade de São Paulo
Especialista em Medicina de
Emergência (ABRAMEDE)
O ensino de Emergências na
graduação e residência médica 187
• A mobilização de capacidades cognitivas, atitu- ração, más condições de trabalho e excesso de res-
dinais e psicomotoras deve promover uma com- ponsabilidade (PEREIRA JÚNIOR, 1999).
binação de recursos que se expressa em ações Dessa forma, estabelece-se um paradoxo, pois,
perante um problema. numa área em que deveria haver os médicos mais
• As ações são traduzidas por desempenhos que experientes e bem preparados, acontece justamente
refletem os elementos da competência, as capa- o contrário!
cidades de intervenção dos valores e o padrão de Pela identificação de maior risco ético-profis-
qualidade num determinado contexto da prática. sional e jurídico, pelo excesso de carga profissio-
• Essas ações traduzem a excelência da prática nal, pela pouca valorização e pelo estresse pessoal/
médica nos cenários do SUS. profissional, os médicos mais experientes migram
para outros tipos de atividade e as vagas nessa área
Embora essa definição das DCN 2014 repre- acabam sendo preenchidas por médicos recém-for-
sente um avanço, seu cumprimento pelos cursos é mados, o que leva à alta rotatividade das escalas de
muito heterogêneo, tendo em vista a enorme falha trabalho e de plantão (PEREIRA JÚNIOR, 1999).
de regulamentação e monitoramento. Além disso, A formação limitada em urgência e emergên-
não informa nada sobre a necessidade de um eixo cia médica traumática e não traumática durante a
curricular de ensino de urgência, que deveria ser graduação e a residência médica ainda está asso-
iniciado precocemente na formação médica, evo- ciada a outros fatores que complicam sua atuação:
luindo com complexidade progressiva. 1) Falta de estruturação da central de regulação
Dessa forma, na formação do profissional de de urgência em diversas regiões do país.
saúde, particularmente dos médicos, tanto no curso 2) Excesso de demanda de atendimento por falta
de graduação quanto na residência médica, o en- de orientação da população.
sino das emergências médicas traumáticas e não 3) Inadequado acolhimento e inexistência da clas-
traumáticas não tem merecido destaque, visto que, sificação de risco para triagem dos casos.
na quase totalidade das vezes, não há programa es- 4) Falta de direitos trabalhistas.
truturado de ensino para emergências médicas na 5) Risco à segurança física.
matriz curricular das faculdades de Medicina em 6) Pouca experiência profissional para atuação em
nosso país (PEREIRA JÚNIOR et al., 2015). unidade de suporte avançado (USA) do atendi-
Tal deficiência na formação médica vai em di- mento móvel pré-hospitalar.
reção contrária às estatísticas, que mostram que 7) Escassez e má distribuição de recursos diagnós-
70% dos médicos trabalham, por um bom tempo ticos e terapêuticos nas unidades de saúde de
de sua vida profissional, principalmente nas fases atendimento pré-hospitalar fixo.
de iniciação e afirmação profissional, em plantões 8) Sobreposição concomitante e acúmulo de fun-
de pronto atendimento, estando na linha de frente ção do médico emergencista de pronto-socorro
do atendimento às emergências sem o devido pre- e de supervisão de pacientes de enfermarias.
paro técnico e emocional.
A maioria dos médicos recém-formados terão Tudo isso deixa o médico inexperiente bastante
como uma das principais oportunidades de emprego exposto a todo risco de problemas de ordem pes-
o trabalho em regime de plantões em unidades de soal, ético-profissional e jurídica. Por sua vez, a po-
pronto atendimento (UPA) ou de pronto-socorro, pulação fica exposta ao atendimento nas situações
além das unidades básicas de saúde (UBS) na aten- de urgência e emergência de um profissional mal
ção primária e na Estratégia Saúde da Família (ESF). preparado tanto no âmbito individual quanto para
Em todos esses cenários de atuação profissional, de- o trabalho em equipe multiprofissional de saúde, o
verão atender pacientes em situações de urgência que compromete completamente a segurança dos
e emergência. Como mostrado na pesquisa “Perfil pacientes (PEREIRA JÚNIOR, 1999).
dos médicos no Brasil”, coordenada pela Fundação As tentativas de discussão e aproximação inter-
Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelo Conselho Federal de profissional, tanto do aparelho formador quanto da
Medicina (CFM), esses profissionais estão expos- assistência, foram sempre infrutíferas, pois os de-
tos ao desgaste por excesso de trabalho, jornada de mais cursos da área da saúde e as associações de
trabalho prolongada, multiemprego, baixa remune- categoriais profissionais mal sabiam reconhecer
os problemas multiprofissionais da inserção de sua
188 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
área nas situações de urgência. Para tentar melho- de Segurança do Paciente (PNSP) contemplam as
rar essa situação e aumentar a possibilidade de in- demais políticas de saúde e objetivam contribuir
tegração na educação e no trabalho interprofissio- para a qualificação do cuidado nas RAS. Estabelece
nal nas urgências, a Rede Brasileira de Cooperação ainda que no Brasil, assim como em todo o mundo,
em Emergências (RBCE) contribuiu com a publi- há um aumento do número de casos de urgência e
cação da Resolução no 569, de 8 de dezembro de emergência que demandam atenção dos hospitais e
2017 (BRASIL, 2017), que inclui o Parecer Técnico serviços de saúde em geral, o que ocorre em virtude
no 300/2017, em que foram definidos os 12 princí- do maior número e da maior longevidade da popu-
pios gerais para as DCN dos cursos de graduação lação, da maior sobrevida de pacientes com diver-
da área da saúde: sas doenças crônicas e do expressivo quantitativo
1) Defesa da vida e defesa do SUS como preceitos de acidentes e casos de violência civil. Esse quadro
orientadores do perfil dos egressos da área da tem demandado adequações na formação e no de-
saúde. senvolvimento dos trabalhadores da área da saúde,
2) Atendimento às necessidades sociais em saúde. que devem contemplar: a assistência direta aos pa-
3) Integração ensino-serviço-gestão-comunidade. cientes nas situações de urgência e emergência; o co-
4) Integralidade e as redes de atenção à saúde (RAS). nhecimento e a discussão das políticas públicas de
5) Trabalho interprofissional. saúde; e a prevenção e a reabilitação dos agravos,
6) Projetos pedagógicos de cursos e componentes estimulando atividades que enfoquem a promoção
curriculares coerentes com as necessidades so- da saúde no sentido de evitar a agudização de doen-
ciais em saúde. ças crônicas e prevenir os diversos tipos de condi-
7) Utilização de metodologias de ensino que promo- ções clínicas agudas e traumas, temas prioritários de
vam a aprendizagem colaborativa e significativa. saúde pública em todo o território nacional. Nesse
8) Valorização da docência na graduação, do pro- sentido, é importante que as DCN definam as compe-
fissional da rede de serviços e do protagonismo tências requeridas na área de urgência e emergência,
estudantil. em consonância com a Política Nacional de Atenção
9) Educação e comunicação em saúde. às Urgências (BRASIL, 2017).
10) Avaliação com caráter processual e formativo. Todos os dias, em qualquer tipo de mídia, televi-
11) Pesquisas e tecnologias diversificadas em saúde. siva, rádio, jornais, internet, temos muitas notícias
12) Formação presencial e carga horária mínima de vários problemas relacionados ao caótico aten-
para cursos de graduação da área da saúde. dimento de urgência em todo o país, geralmente de
modo sensacionalista, continuado e sem a cobrança
O princípio geral 1 (“Defesa da vida e defesa efetiva das soluções necessárias às diversas e com-
do SUS como preceitos orientadores do perfil dos plexas dimensões do problema.
egressos da área da saúde”) estabelece que as ins- Conforme a síntese de evidências produzida
tituições de ensino, orientadas pelas DCN, devem pela RBCE (DE NEGRI FILHO et al., 2018), a con-
incorporar o arcabouço teórico do SUS nos proje- gestão ou saturação dos serviços hospitalares de
tos pedagógicos de seus cursos, objetivando a for- urgência (SHU) e, mais além, sua superlotação re-
mação de profissionais comprometidos com a de- fletem essencialmente a insuficiência quantitativa
mocracia e com o direito fundamental à saúde, que de serviços, notadamente leitos de internação efe-
compreendam os princípios, as diretrizes e as po- tivos, e uma gestão insuficiente dos processos assis-
líticas do sistema de saúde. O que se busca é a va- tenciais. Esse problema é observado internacional-
lorização da vida por meio de abordagens dos pro- mente e, no sistema de saúde brasileiro, afeta todos
blemas de saúde recorrentes na atenção básica, na os estados da Federação de forma sistêmica e ro-
urgência e na emergência, na promoção da saúde e tineira, tanto os serviços do SUS como muitos da
na prevenção de riscos e doenças, visando à melho- saúde suplementar (DE NEGRI FILHO et al., 2018).
ria dos indicadores de qualidade de vida, de morbi- Os serviços congestionados e superlotados apre-
dade e de mortalidade (BRASIL, 2017). sentam demora para avaliação inicial dos pacien-
O princípio geral (“Projetos pedagógicos de cur- tes agudos, para o diagnóstico, para a instituição
sos e componentes curriculares coerentes com as das terapêuticas e para a alta desse serviço, resul-
necessidades sociais em saúde”) estabelece que as tando em efeitos negativos para os pacientes que
ações previstas no âmbito do Programa Nacional ficam maior tempo nos SHU e nas UPA e que assim
O ensino de Emergências na
graduação e residência médica 189
sofrem mais complicações, comorbidades e morta- A saúde brasileira nas últimas décadas passou
lidade, bem como em efeitos negativos para o sis- por transformações políticas, econômicas, demo-
tema de saúde, pois o agravamento da condição dos gráficas e sociais, tais como o crescimento econô-
pacientes, além de comprometer o uso racional dos mico, a instabilidade econômica, a perda de convê-
recursos, provoca maior permanência nas interna- nio médico, a urbanização, a redução de fertilidade,
ções, o que leva a uma ainda maior saturação do sis- a elevação da expectativa de vida, o aumento de pes-
tema de saúde e compromete sua sustentabilidade soas com doenças crônicas, a pobreza e o desem-
(SPRIVULIS et al., 2006). prego, a crescente mão de obra itinerante e o cres-
No atual cenário de expansão das escolas mé- cimento populacional de grandes centros. Esses e
dicas brasileiras com significativo aumento do nú- outros fatores repercutem diretamente no acesso a
mero de médicos formados para os próximos anos, um atendimento médico resolutivo e de qualidade.
é muito importante que o egresso do curso médico A mudança do perfil demográfico e epidemioló-
tenha um conjunto de conhecimentos, habilidades e gico dos países do hemisfério norte com sistema de
atitudes que o tornem competente e confiável para saúde socializado, também em curso acelerado no
um bom atendimento aos pacientes nos diferentes Brasil, já constata aumento da demanda para a aten-
cenários da urgência e emergência, tanto traumáti- ção às urgências, sobretudo para os casos de agu-
cas quanto não traumáticas (OLIVEIRA et al., 2019). dização das doenças crônicas. Para o crescimento
Para estabelecer um consenso sobre as recomen- de 9,3% na população, houve aumento de 25,8%
dações para esse ensino nos cursos de graduação da demanda aos serviços de urgência (NAGREE et
no país, foi necessário primeiramente fazer o diag- al., 2011). Na Espanha, o aumento populacional de
nóstico de como tem sido realizado esse ensino nas 2000 a 2005 foi de 8,9%, mas a demanda por ser-
várias fases da formação médica e promover a dis- viços de urgência aumentou 10,4% (MIRÓ, 2009).
cussão entre os representantes das escolas acerca A assistência à população brasileira nos servi-
das recomendações nacionais sobre o ensino de ur- ços de urgência ao longo dos anos ainda mostra um
gência e emergência no Brasil, o que ocorreu, a par- quadro bastante desfavorável. Os departamentos ou
tir de 2012, no subprojeto “Situação do ensino de serviços de urgência no mundo todo são alvos de
urgência e emergência nos cursos de graduação de intensas reclamações por parte dos usuários e so-
Medicina” (FRAGA; PEREIRA JR.; FONTES, 2014) frem grandes pressões da imprensa, de órgãos go-
que foi aprovado dentro do “Projeto Abem 50 anos vernamentais e organizações sociais para que execu-
– Dez anos das Diretrizes Curriculares Nacionais tem suas tarefas de forma eficiente. A superlotação
do Curso de Graduação em Medicina”, com finan- desses serviços transforma essa área numa das mais
ciamento da Organização Pan-Americana da Saúde problemáticas do sistema de saúde. Os componen-
(OPAS) e será apresentado mais à frente. tes da rede de urgência e emergência lidam com a
aglomeração e a insatisfação de pacientes, o que di-
ficulta a gerência e a assistência, aumenta os riscos
2. A POLÍTICA NACIONAL DE URGÊNCIA NO BRASIL para trabalhadores e usuários, e tem sido objeto de
exposição negativa do SUS, já que múltiplos fato-
É muito importante conhecermos a Política Nacional res concorrem para esse quadro (BRASIL, 2011a).
de Urgência (BRASIL, 2003) para planejarmos a O SUS desde 1989 é baseado na descentraliza-
inserção de programações e estágios dos estudan- ção administrativa, com ampliação da autonomia
tes ao longo do eixo longitudinal de ensino de gra- dos municípios e fortalecimento da sua capacidade
duação, conforme previsto nas recomendações da gestora (BRASIL, 1990). Nesse período, várias nor-
Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM). mas operacionais – Normas Operacionais Básicas
Os estudantes devem ter inicialmente uma visão do SUS (NOB-SUS) nºs 01/93 e 01/96, e Normas
sistêmica da rede de atenção às urgências e, à me- Operacionais da Assistência à Saúde (NOAS) nºs
dida que vão progredindo no curso médico, e a ex- 01/2001 e 01/2002 – impulsionaram esse processo
periência de passar por programações e estágios em de descentralização, e, em 2006, optou-se pela ado-
todos os cenários de prática pré-hospitalar móvel ção do Pacto pela Saúde (BRASIL, 2006a) com me-
(USA) e fixo (UPA), em central de regulação de ur- lhor definição das atribuições dos entes federados
gências e nos setores de urgência de hospitais de e fortalecimento dos espaços de negociação, arti-
diferentes complexidades. culação e pactuação.
190 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Foram criados os colegiados de gestão regional a atenção primária à saúde (APS) que, quando bem
com potencial para formulação de estratégias que estruturada, torna as RAS efetivas, eficientes e de
operacionalizassem as políticas públicas de saúde qualidade (SILVA, 2011).
(COSEMS, 2008). Esse arranjo regional, previsto Nos últimos anos, a crescente demanda por ser-
constitucionalmente, pôde proporcionar a forma- viços na área de urgência e emergência, devido ao
ção de sistemas de saúde eficientes e o estabeleci- crescimento do número de acidentes e da violên-
mento de relações governamentais cooperativas e cia urbana, fatos já mencionados neste capítulo, e
solidárias (BRASIL, 2006b). a insuficiente estruturação da rede são fatores que
O Decreto Federal nº 7.508, de 28 de junho têm contribuído decisivamente para a sobrecarga de
de 2011 regulamentou a Lei Orgânica da Saúde serviços de urgência e emergência disponibilizados
(BRASIL, 1990), que dispõe sobre a organização do para o atendimento da população. A satisfação nos
SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde serviços de urgência é significativamente associada
e a articulação interfederativa. Além disso, conso- ao tempo de espera, à qualidade do atendimento for-
lidou a responsabilidade de gestão das três esferas necido e à idade do paciente (MCCARTHY, 2011).
de governo com o sistema de forma articulada por Isso tem transformado essa área numa das mais
meio da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), problemáticas do sistema de saúde.
Comissão Intergestores Bipartite (CIB) e Comissão No Brasil, a Portaria n° 2048 do Ministério da
Intergestores Regional (CIR), nas quais se devem Saúde, de 5 de novembro de 2002, instituiu o re-
pactuar a organização e o funcionamento das ações e gulamento técnico do atendimento das urgências
dos serviços de saúde integrados em RAS (BRASIL, e emergências, definindo a participação dos com-
2011a; SANTOS & ANDRADE, 2008). ponentes de atendimento pré-hospitalar fixo (UBS
O Decreto nº 7.508/2011 reafirma o acesso uni- e unidades não hospitalares de pronto atendimento)
versal e igualitário, e regulamenta a ordenação às e móvel (unidades de suporte básico e avançado),
ações e aos serviços de saúde por meio de suas por- classificou as unidades hospitalares e introduziu
tas de entrada: serviços de atenção primária, ser- a regulação médica como o elemento ordenador
viços de atenção de urgência e emergência, servi- e orientador dos sistemas estaduais de urgência e
ços de atenção psicossocial e serviços especiais de emergência. As centrais, estruturadas nos níveis es-
acesso aberto, completando-se nas RAS, regionali- tadual, regional e/ou municipal, organizam a rela-
zadas e hierarquizadas de acordo com a complexi- ção entre os vários serviços, qualificando o fluxo
dade do serviço necessário (BRASIL, 2011b). dos pacientes no sistema e gerando uma porta de
A regionalização que se seguiu após a assinatura comunicação aberta ao público em geral, por meio
do pacto pelos entes federados vem transformando da qual os pedidos de socorro são recebidos, ava-
os espaços de discussão das políticas de saúde, de liados e hierarquizados.
forma a organizar as RAS e a responsabilidade da A Portaria n° 2.657, de 16 de dezembro de 2004,
atenção básica como ordenadora dessa rede e co- estabeleceu as atribuições das centrais de regulação
ordenadora de cuidado (BRASIL, 2006c). médica de urgências e o dimensionamento técnico
Deve ser destacado que a regionalização foi a di- para a estruturação e operacionalização das cen-
retriz adotada na concepção do SUS, pois já existiam trais do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
evidências internacionais de que o sistema de saúde (SAMU 192). A Portaria nº 1.010, de 21 de maio de
em redes melhorava a qualidade dos serviços, os re- 2012, redefiniu as diretrizes para a implantação do
sultados sanitários e a satisfação do usuário, e ainda SAMU 192 e sua central de regulação das urgên-
diminuía os custos dos sistemas (SANTOS, 2008). cias, componente da rede de atenção às urgências.
Os gestores vêm atuando para a implantação das Dentro do modelo de assistência pré-hospita-
RAS. A Portaria nº 4.279/2010 estabelece diretrizes lar adotado no Brasil, existe a presença do médico
para a organização das RAS e define-as como: “ar- na central de regulação médica e nas USA (unidade
ranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de terapia intensiva (UTI) móvel).
de diferentes densidades tecnológicas que, integra- O atendimento pré-hospitalar deve prestar aten-
das por meio de sistemas de apoio técnico, logístico dimento e/ou transporte adequado a um serviço de
e de gestão, buscam garantir a integralidade do cui- saúde devidamente hierarquizado e integrado ao
dado” (BRASIL, 2010). É consenso que as redes de- SUS. Para um adequado atendimento pré-hospita-
verão ter em comum o seu centro de comunicação: lar móvel, ele deve estar vinculado a uma central
O ensino de Emergências na
graduação e residência médica 191
de regulação de urgências e emergências. A central nos níveis estadual, regional e/ou municipal, or-
deve ser de fácil acesso/comunicação ao público, por ganizam a relação entre os vários serviços, quali-
via telefônica, em sistema gratuito (192 como nú- ficando o fluxo dos pacientes no sistema, e geram
mero nacional de urgências médicas ou outro nú- uma porta de comunicação aberta ao público em
mero exclusivo da saúde, se o 192 não for tecnica- geral, por meio da qual os pedidos de socorro são
mente acessível). O médico regulador, após julgar recebidos, avaliados e hierarquizados (PEREIRA
cada caso, define a resposta mais adequada, seja um JÚNIOR, 2012).
conselho médico, o envio de uma equipe de aten- O atendimento pré-hospitalar fixo é aquela
dimento ao local da ocorrência ou ainda o aciona- assistência prestada, num primeiro nível de atenção,
mento de múltiplos meios. O número de acesso da aos pacientes com quadros agudos, de natureza clí-
saúde para socorros de urgência deve ser ampla- nica, traumática ou ainda psiquiátrica, que possam
mente divulgado para que a comunidade possa uti- levar ao sofrimento, a sequelas ou mesmo à morte,
lizá-lo quando necessário. Todos os pedidos de so- provendo um atendimento e/ou transporte ade-
corro médico que derem entrada por meio de outras quado a um serviço de saúde hierarquizado, regu-
centrais, como da Polícia Militar (190), do Corpo lado e integrante do sistema estadual de urgência
de Bombeiros (193) ou de quaisquer outras exis- e emergência. Esse atendimento é prestado por um
tentes, devem ser imediatamente retransmitidos à conjunto de UBS, unidades do Programa de Saúde da
central de regulação por intermédio do sistema de Família (PSF), Programa de Agentes Comunitários
comunicação, para que possam ser adequadamente de Saúde (PACS), ambulatórios especializados, ser-
regulados e atendidos (PEREIRA JÚNIOR, 2012). viços de diagnóstico e terapia, unidades não hospi-
O médico regulador pode monitorar, via rádio, talares de atendimento às urgências e emergências
o atendimento local, orientando em tempo real a e pelos serviços de atendimento pré-hospitalar mó-
equipe de intervenção quanto aos procedimentos vel (PEREIRA JÚNIOR, 2012).
necessários para a condução do caso. Deve existir É imprescindível que as unidades tenham uma
uma rede de comunicação entre a central, as ambu- adequada retaguarda pactuada para o referenciamento
lâncias e todos os serviços que recebem os pacientes. de pacientes que, uma vez acolhidos, avaliados e
Respostas rápidas são vitais para as necessidades tratados nesse primeiro nível de assistência, neces-
imediatas da população ou necessidades agudas ou sitem de cuidados disponíveis em serviços de ou-
de urgência. O sistema deve ser capaz de acolher a tros níveis de complexidade. Assim, mediados pela
clientela, prestando-lhe atendimento e redirecio- respectiva central de regulação, devem estar clara-
nando-a para os locais adequados à continuidade mente definidos os fluxos e mecanismos de transfe-
do tratamento, por meio do trabalho integrado das rência dos pacientes que necessitarem de outros ní-
centrais de regulação médica de urgências com ou- veis de complexidade da rede assistencial, de forma
tras centrais de regulação – de leitos hospitalares, a garantir seu encaminhamento, seja para unidades
procedimentos de alta complexidade, exames com- não hospitalares, prontos-socorros, ambulatórios
plementares, internações e atendimentos domici- de especialidades ou unidades de apoio diagnós-
liares, consultas especializadas, consultas na rede tico e terapêutico. Além disso, deve-se adotar me-
básica de saúde, assistência social, transporte sani- canismos que garantam transporte para os casos
tário não urgente, informações e outros serviços e mais graves, que não possam se deslocar por conta
instituições, como as Polícias Militares e a Defesa própria, por meio do serviço de atendimento pré-
Civil (PEREIRA JÚNIOR, 2012). -hospitalar móvel, onde ele existir, ou outra forma
Essas centrais, obrigatoriamente interligadas de transporte que venha a ser pactuada (PEREIRA
entre si, constituem um verdadeiro complexo re- JÚNIOR, 2012).
gulador da assistência, ordenador dos fluxos gerais As unidades não hospitalares de atendimento de
de necessidade/resposta, que garante ao usuário do urgência e emergência, que funcionam 24 horas do
SUS a multiplicidade de respostas necessárias à sa- dia, devem estar aptas a prestar atendimento reso-
tisfação de suas necessidades. Dessa forma, a re- lutivo aos pacientes acometidos por quadros agu-
gulação médica das urgências, baseada na implan- dos ou crônicos agudizados. São estruturas de com-
tação de suas centrais de regulação, é o elemento plexidade intermediária entre as UBS e unidades
ordenador e orientador dos sistemas estaduais de de saúde da família e as unidades hospitalares de
urgência e emergência. As centrais, estruturadas atendimento às urgências e emergências, com im-
192 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
portante potencial de complacência da enorme de- mitigou parte dos problemas da situação assisten-
manda atual dos prontos-socorros, além do papel cial anterior: modelo assistencial ainda fortemente
ordenador dos fluxos da urgência. Assim, têm como centrado na oferta de serviços e não nas necessi-
principais missões: atender aos usuários do SUS com dades dos cidadãos; falta de acolhimento dos casos
quadro clínico agudo de qualquer natureza, dentro agudos de menor complexidade na atenção básica;
dos limites estruturais da unidade, e, em especial, insuficiência de portas de entrada para os casos
os casos de baixa complexidade, à noite e nos finais agudos de média complexidade; má utilização das
de semana, quando a rede básica e o PSF não estão portas de entrada de elevada complexidade; insu-
ativos; descentralizar o atendimento de pacientes ficiência de leitos hospitalares qualificados, espe-
com quadros agudos de média complexidade; da cialmente de terapia intensiva e retaguarda para
retaguarda às UBS e unidades de saúde da família; as urgências; deficiências estruturais da rede as-
diminuir a sobrecarga dos hospitais de maior com- sistencial – áreas físicas, equipamentos e pessoal;
plexidade que hoje atendem a essa demanda; ser en- inadequação na estrutura curricular dos aparelhos
treposto de estabilização do paciente crítico para o formadores; baixo investimento na qualificação e
serviço de atendimento pré-hospitalar móvel; de- educação permanente dos profissionais de saúde;
senvolver ações de saúde por meio do trabalho de dificuldades na formação das figuras regionais e
equipe interdisciplinar, sempre que necessário, com fragilidade política nas pactuações; incipiência nos
o objetivo de acolher, intervir em sua condição clí- mecanismos de referência e contrarreferência; es-
nica e referenciar para a rede básica de saúde, para cassas ações de controle e avaliação das contratua-
a rede especializada ou para internação hospitalar, lizações externas e internas; e falta de regulação da
proporcionando uma continuidade do tratamento rede de urgência e emergência (BRASIL, 2006d).
com impacto positivo no quadro de saúde indivi- As unidades hospitalares de atendimento às ur-
dual e coletivo da população usuária (beneficiando gências e emergências são classificadas em unida-
os pacientes agudos e não agudos, e favorecendo, des gerais de tipos I e II e em unidades de referên-
pela continuidade do acompanhamento, principal- cia de tipos I, II e III. Essa diferenciação é dada em
mente os pacientes com quadros crônico-degene- critérios de recursos humanos mínimos presentes
rativos, com a prevenção de suas agudizações fre- no próprio hospital e alcançáveis, além dos recur-
quentes); articular-se com unidades hospitalares, sos tecnológicos (propedêuticos e/ou terapêuticos
unidades de apoio diagnóstico e terapêutico, e ou- para o atendimento das urgências/emergências es-
tras instituições e serviços de saúde do sistema lo- pecializado) mínimos e indispensáveis presentes
corregional, construindo fluxos coerentes e efetivos na própria estrutura hospitalar, e aqueles disponí-
de referência e contrarreferência, e ser observatório veis em serviços de terceiros, instalados dentro ou
do sistema e da saúde da população, subsidiando a fora da estrutura ambulatório-hospitalar da uni-
elaboração de estudos epidemiológicos e a constru- dade (PEREIRA JÚNIOR, 2012).
ção de indicadores de saúde e de serviço que contri- Há críticas aos serviços de pronto atendimento
buam para a avaliação e o planejamento da atenção como porta de entrada para o sistema. Entretanto, a
integral às urgências, bem como de todo o sistema urgência como “porta de entrada” responde a uma
de saúde (PEREIRA JÚNIOR, 2012). expectativa da população, e essa porta de entrada
A presença de profissionais sem preparo ade- “irregular” não compete com a atenção básica por-
quado prejudica o processo de assistência em todos que não está qualificada para seguir e fazer vínculo
os níveis de atenção do SUS. Como consequência, com o paciente. Cabe à atenção básica receber o pa-
há uma redução da resolutividade e a ineficácia das ciente por demanda espontânea ou programada, e
práticas, com intensificação dos encaminhamen- muitas demandas espontâneas são necessidades de
tos desnecessários e inadequados a outros profis- urgência, reconhecida ou não pelo referencial téc-
sionais e serviços. Isso causa um grande ônus para nico. Outra grande parte da demanda espontânea
os usuários e contribui para a não desejada repu- não chega à atenção básica, e a central de regulação
tação de um SUS ineficiente. Além disso, gera so- permite um espaço do seu encaminhamento para
brecarga nos setores de atendimento às urgências os serviços da rede de urgência que, embora não
e emergências (AMORETTI, 2005). desejável, é o acesso possível e operativo. Os usuá-
A regulação médica das urgências, por meio das rios preferem os serviços de pronto atendimento,
suas prerrogativas e da capacitação profissional, tanto pelos aspectos culturais quanto pelos técni-
O ensino de Emergências na
graduação e residência médica 193
cos, tendo em vista que podem chegar ao serviço na sentados a seguir (FRAGA; PEREIRA JR.; FONTES,
hora em que bem entendem, pois serão atendidos, 2014):
dependendo do dia da semana e do horário, com • Necessidade de um eixo longitudinal na ma-
maior ou menor rapidez. Nos serviços de urgência, triz curricular da graduação com programação
é possível que os exames complementares para o conjunta dos professores das várias áreas mé-
diagnóstico sejam realizados ali mesmo, e, quando dicas, envolvendo os seguintes tópicos: conte-
necessários, a medicação para o tratamento e/ou o údo, momento da inserção na matriz e formas
procedimento também estão ao alcance (CARRET; de avaliação.
FASSA; DOMINGUES, 2009; GARLET et al., 2009; • Programações com pactuação das atividades te-
OLIVEIRA; MATTOS; SOUZA, 2009; COELHO et órico-práticas de complexidade crescente pe-
al., 2010; CUNNINGHAM, 2011). las diversas áreas médicas.
Os indicadores da central de regulação de ur-
gência analisados pelo Comitê Gestor de Urgência, Quanto à distribuição das programações no eixo
com regularidade, obtiveram informações sobre res- de ensino de urgência e emergência ao longo do
trições de recursos humanos, capacitação e lacunas curso, são fundamentais as seguintes orientações
assistenciais, e, assim, passaram a servir de meca- (PEREIRA JÚNIOR et al., 2015):
nismo de gestão da rede assistencial de urgência e • Nos dois primeiros anos do curso: No primeiro
oferecer subsídios para identificar necessidades de ano, deve haver uma programação voltada para
investimentos públicos. primeiros socorros ou suporte básico à vida, a
fim de despertar o interesse e capacitar os alu-
nos para situações que possam vivenciar em te-
3. RECOMENDAÇÕES DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA mas relacionados às emergências médicas trau-
DE EDUCAÇÃO MÉDICA PARA O ENSINO DE máticas e não traumáticas com conhecimento
MEDICINA DE EMERGÊNCIA NA GRADUAÇÃO para ativação do sistema de urgência e emer-
gência e de seus recursos.
Em 2012, foi aprovado o “Projeto Abem 50 anos –
Dez anos das Diretrizes Curriculares Nacionais do Como desdobramentos dessas programações,
Curso de Graduação em Medicina”, com financia- deve-se estimular a inserção dos alunos em ativida-
mento da Opas. A Abem destacou como uma das des/programas de extensão universitária que foca-
prioridades o subprojeto “Situação do ensino de lizem a prevenção de acidentes e de agudização das
urgência e emergência nos cursos de graduação de doenças crônicas, e ensino de suporte básico à vida.
Medicina”, que tinha como metas: conhecer as in- • No terceiro e/ou quartos anos: Deve haver uma
formações e dados do ensino de urgência e emer- programação diversificada com conteúdo e trei-
gência dos cursos de Medicina associados; analisar namento de habilidades básicas envolvendo emer-
o conjunto das informações e dos dados com diri- gências traumáticas e não traumáticas (em clínica
gentes escolares e gestores do SUS; diagnosticar os médica, cirurgia, pediatria, ginecologia/obstetrí-
aspectos situacionais e as expectativas; e discutir as cia), tendo como modelos de programação os cur-
proposições em consenso para que houvesse uma sos de imersão em urgência (PreHospital Trauma
recomendação nacional para a estruturação desse Life Support – PHTLS, Advanced Cardiac Life
ensino na matriz curricular das escolas médicas. Support – ACLS, Advanced Trauma Life Support
O objetivo foi avaliar as escolas no que se re- – ATLS, Pediatric Advanced Life Support – PALS
fere direta ou indiretamente às necessidades de co- e Advanced Life Support in Obstetrics – ALSO).
nhecimentos, habilidades e atitudes para o atendi- Recomenda-se, preferencialmente, o treinamento
mento das situações de urgência e emergências, no em laboratórios de habilidades/simulação.
contexto da atenção integral e contínua à saúde, e
elaborar recomendações para a estruturação desse Na programação dessa fase da graduação, de-
ensino na matriz curricular para todos os cursos vem ser ministrados conteúdos sobre as portarias
de Medicina no Brasil (FRAGA; PEREIRA JR.; que norteiam a organização do sistema de urgência
FONTES, 2014). e emergência. Os alunos devem ter vivência prática
As discussões realizadas nas quatro oficinas na- nos atendimentos pré-hospitalar fixo (englobando
cionais tiveram como resultado os consensos apre- acolhimento e classificação de risco) e móvel (na
194 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
USA, sob supervisão de médicos), bem como na cen- Como cenários de prática e integração ensino-
tral de regulação de urgência, para que entendam -serviço, preferencialmente no quinto ano, as unida-
o funcionamento da rede de urgência. des não hospitalares de pronto atendimento (UPA)
O uso da simulação como ferramenta didática devem ser utilizadas para que os alunos tenham
deve ser estimulada devido às questões éticas e de vivência e experiência de um serviço de saúde de
segurança dos pacientes. A simulação pode ser uti- porta aberta (não regulada).
lizada para treinamento de procedimentos, prescri- No sexto ano, os alunos devem ter vivência no
ção, atendimento e discussão de casos clínicos pre- pronto-socorro hospitalar, de preferência com de-
parados, e manejo de situações de crises em setores manda regulada.
específicos, como centro cirúrgico, anestesia e te- Algumas escolas médicas possuem estágio de
rapia intensiva, antes de os estudantes terem con- medicina intensiva, oferecendo a oportunidade de
tato com os pacientes reais nos cenários de prática aperfeiçoamento das habilidades de comunicação,
clínica. Tal estratégia de ensino antecipa os pro- uso de critérios de triagem e índices prognósticos,
blemas reais que têm acontecido em muitos servi- compreensão de protocolos de segurança dos pa-
ços de saúde e previne a ocorrência de erros e ia- cientes, gestão de equipe multidisciplinar, cuida-
trogenias, já que os alunos poderão treinar num dos paliativos, bioética e ética médica.
ambiente seguro com discussão das dificuldades Também permitem discussões sobre a medicina
encontradas e repetirão o treinamento dos proce- translacional nas suas três fases:
dimentos até sentirem-se mais seguros e capaci- 1) Da pesquisa básica (de bancada) em pesquisa
tados para sua execução com sucesso (PEREIRA clínica,
JÚNIOR et al., 2015). 2) A partir de investigação clínica para a diretri-
A utilização de protocolos e diretrizes clínicas zes baseadas em evidências na assistência aos
com utilização da melhor evidência científica e ex- pacientes, e
periência profissional também deve ser estimu- 3) Do cuidado individual ao paciente até o uso sis-
lada nas discussões de condutas diagnósticas e te- temático e generalizado da prática baseada em
rapêuticas tanto em ambientes simulados quanto evidências.
na prática clínica.
• No internato: A Comissão de Internato da escola A maioria das escolas com estágio em medicina
médica deve evitar a fragmentação dos conte- intensiva discute temas relativos aos pacientes críti-
údos e assegurar a continuidade da programa- cos distribuídos nos estágios das grandes áreas, par-
ção conjunta nos estágios práticos de urgência e ticularmente a abordagem da sepse e dos diferentes
emergência envolvendo as áreas de clínica mé- tipos de choque circulatório. Vários estudos inter-
dica, cirurgia, pediatria, ortopedia, ginecologia/ nacionais colaboram para a incorporação desses as-
obstetrícia, neurologia e psiquiatria. suntos na graduação médica (SANTEN; DEIORIO;
GRUPPEN, 2012; FESSLER, 2012).
Também deve ser garantido que o estágio seja A preceptoria docente e não docente deve ter
acadêmico, inserindo os alunos diretamente nas ati- adequada capacitação pedagógica e técnica. Os pre-
vidades práticas com pacientes sob supervisão, po- ceptores não docentes devem ser valorizados de
rém evitando sua utilização apenas como força de todas as formas possíveis: financeira, certificados,
trabalho, sem a devida discussão dos casos atendi- acesso aos programas de pós-graduação, entre ou-
dos pelos discentes. tras formas de premiação.
Os internos devem desenvolver habilidades de Não há a menor dúvida sobre a necessidade de
prescrição médica, racionalização do uso de recur- uma estruturação urgente e obrigatória do ensino
sos diagnósticos e indicação consciente das drogas de urgência e emergência traumática e não trau-
comumente utilizadas em cenários de urgência e mática na graduação médica em todas as escolas
emergência. A simulação também deve ser empre- do país. As programações devem ser realizadas de
gada para sedimentar os conteúdos propostos nas forma integrada e colaborativa entre todas as áreas
suas várias possibilidades de uso, principalmente do conhecimento médico, com complexidade cres-
em procedimentos médicos e manejo de situações cente, desenvolvendo precocemente atividades teó-
de crise, como parada cardiorrespiratória e aten- rico-práticas com simulações que utilizem ambien-
dimento ao traumatizado grave. tes e materiais propícios para que o estudante possa
O ensino de Emergências na
graduação e residência médica 195
ter estudo, contato e capacitação prévia com diver- 4. SITUAÇÃO DA RESIDÊNCIA EM MEDICINA DE
EMERGÊNCIA NO BRASIL
sas atividades médicas antes do atendimento aos pa-
cientes nos diversos cenários de prática (PEREIRA
JÚNIOR et al., 2015). Mundialmente, a medicina de emergência é uma
As programações devem envolver a assistên- das maiores especialidades, e hoje mais de 60 paí-
cia direta aos pacientes nas situações de urgência ses a reconhecem. Somente nos Estados Unidos há
e emergência, assim como o conhecimento e a dis- mais de 160 programas de residências em medicina
cussão das políticas públicas de saúde, a prevenção de emergência que formam mais de mil médicos
e a reabilitação dos agravos, estimulando ativida- por ano.
des que enfoquem a promoção de saúde no sentido Como bem demonstra a literatura mundial, o
de evitar a agudização de doenças crônicas e pre- médico emergencista com formação e titulação re-
venir os diversos tipos de trauma, temas prioritá- duz a mortalidade, os custos, a superlotação com to-
rios de saúde pública em todo o território nacional madas de decisão seguras nos critérios de internação
(PEREIRA JÚNIOR et al., 2015). e alta, bem como reduz os processos éticos profis-
As atividades práticas, particularmente no in- sionais decorrentes das atuações nas emergências.
ternato médico, devem ser realizadas em serviços No Brasil, para haver residência médica, é neces-
de saúde de diferentes níveis de atenção e comple- sário antes o reconhecimento da especialidade. O
xidade, integrados à rede de urgência e emergência reconhecimento da medicina de emergência como
municipal e regional, trabalhando com demanda re- especialidade há anos esbarra em questões políti-
gulada ou não pela central de regulação de urgên- cas e vaidades pessoais, deixando a população re-
cia. É de fundamental importância que os alunos legada a um segundo plano. A Comissão Mista de
possam ter experiência prática com os atendimen- Especialidades constituída pela Associação Médica
tos pré-hospitalar móvel (em USA) e fixo (em UPS Brasileira (AMB), pelo CFM e pela Comissão
não hospitalar), assim como na regulação médica Nacional de Residência Médica (CNRM) é o órgão
e nos serviços hospitalares de referência terciária responsável por tal reconhecimento.
(PEREIRA JÚNIOR et al., 2015). Em 2010, tanto o CFM como alguns conselhos
Uma atenção especial deve ser dada aos docen- regionais começaram a discutir o assunto de forma
tes e preceptores dos serviços de urgência e emer- mais oficial. Em 2015, após reuniões entre as enti-
gência que serão responsáveis pela supervisão dos dades, resolve-se que é melhor para a medicina bra-
casos atendidos pelos estudantes. Há que se cuidar sileira que a medicina de emergência seja uma es-
da capacitação tanto técnica quanto pedagógica des- pecialidade médica (54a especialidade brasileira),
ses profissionais, para que possam se manter moti- como é em mais de 80 países em todo o mundo.
vados na assistência, no ensino e na pesquisa, e tam- Porém, somente em agosto de 2016 é que foi publi-
bém motivar os estudantes sobre o trabalho nessa cado o documento oficial do CFM, etapa final do
área da medicina. Como ainda não existem muitos reconhecimento da medicina de emergência como
profissionais com o perfil adequado para atuação a mais nova especialidade médica do país.
completa nessa supervisão e no sentido de estimular Toda essa discussão pelo reconhecimento da me-
e valorizar essa carreira, permitindo que tenhamos dicina de emergência como especialidade foi con-
mais docentes e preceptores capacitados e experien- duzida pela Associação Brasileira de Medicina de
tes, o reconhecimento da medicina de emergência Emergência (ABRAMEDE), fundada em 2008 e já
como especialidade médica no Brasil seria um im- tendo realizado cinco congressos nacionais até en-
portante catalisador para a mudança da atual rea- tão. Porém, logo após o reconhecimento da espe-
lidade de atendimento às urgências e emergências cialidade, a Associação Brasileira de Medicina de
médicas traumáticas e não traumáticas em todo o Urgência (ABRAMURGEM), fundada em 2009, um
país, assim como aconteceu nos países do Primeiro grupo derivado da clínica médica e que era contra
Mundo (PEREIRA JÚNIOR et al., 2015). o reconhecimento da especialidade, cujo trabalho
196 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
retardou por mais de dez anos esse processo, re- A divulgação da nova especialidade está entre
quereu assumir o comando da emergência brasi- os principais desafios da categoria. Isso se faz ne-
leira, mesmo sendo contra os fundamentos da es- cessário para que as pessoas, as empresas e as insti-
pecialidade. A AMB, de forma clara, transparente tuições aprendam e entendam a importância de ter
e juridicamente correta, abriu um edital para que, um médico emergencista na frente de uma emer-
após a exposição das sociedades pretendentes, to- gência. Um profissional realmente capacitado, não
das as sociedades médicas escolhessem aquela que simplesmente alguém que esteja fazendo um “bico”
representaria a emergência brasileira. Dessa forma, ou um recém-formado.
em abril de 2017, a ABRAMEDE saiu vitoriosa do O segundo desafio está relacionado à necessi-
pleito e passou a ser a representante da emergên- dade de capacitar os médicos que já trabalham há
cia brasileira, sendo a única filiada à AMB, e é a so- muito tempo na frente das emergências, de modo
ciedade que certificará todos os especialistas bra- a atualizá-los, pois, à medida que a especialidade
sileiros em medicina de emergência. se torna oficial, é imprescindível resgatar o profis-
Dessa forma, a residência em medicina de emer- sional que está desatualizado.
gência é ainda uma novidade para a maioria dos Em 2017, houve a primeira titulação, e ainda
hospitais e centros universitários do país. Em 2017, existem hoje menos de mil médicos emergencis-
de acordo com a Demografia médica no Brasil, ha- tas no Brasil, mas acredita-se que, com a titulação
via 68 médicos residentes em medicina de emer- e as formações dos programas de residência mé-
gência no país, o que correspondia a 0,2% do total. dica, esse número irá aumentar bastante para co-
O Programa de Residência em Emergência tem meçar a exigir que esses profissionais sejam acei-
três anos de duração. Esse programa visa formar tos nas emergências do país.
um profissional qualificado para atender às situa- A pesquisa Demografia médica 2018 no Brasil re-
ções clínicas e traumáticas agudas de nossa popu- velou, entre as 54 especialidades médicas, as mais e
lação e, especialmente, liderar a organização dos menos procuradas. As dez mais procuradas são clí-
serviços de urgência e emergência do Brasil. O pro- nica médica (11,2%), pediatria (10,3%), cirurgia geral
grama foi desenhado conforme as diretrizes ado- (8,9%), ginecologia e obstetrícia (8%), anestesiologia
tadas pela CNRM e é embasado, também, na ex- (6%), medicina do trabalho (4,2%), ortopedia e trauma-
periência bem-sucedida de dois programas já em tologia (4,1%), cardiologia (4,1%), oftalmologia (3,6%)
funcionamento no país: um no Hospital de Pronto e radiologia e diagnóstico por imagem (3,2%). Por
Socorro, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, sua vez, cirurgia de mão (0,2%), radioterapia (0,2%)
criado em 1996; e outro no Hospital Massejana, e genética médica (0,1%) foram as menos requisita-
em Fortaleza, no Ceará, criado em 2008. Essa pro- das (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2018).
posta foi elaborada por membros representantes No que se refere à remuneração, tomemos como
das seguintes instituições: Universidade Federal de exemplo um país em que a especialidade já existe
Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio há algum tempo. No dia 10 de abril de 2019, foi pu-
Grande do Sul (UFRGS), Universidade de São Paulo blicado nos Estados Unidos o Medscape Physician
(USP), USP de Ribeirão Preto, Universidade Federal Compensation Report 2019, que avalia os salários
de São Paulo (Unifesp), Universidade Estadual de médios e o nível de satisfação de 30 especialidades
Campinas (Unicamp), Grupo Hospitalar Conceição médicas. Nesse ano, a medicina de emergência fi-
(GHC), Hospital Santa Marcelina, Hospital de cou em 13º lugar em remuneração (média de 353
Pronto Socorro de Porto Alegre, Hospital Messejana mil dólares anuais) e em segundo lugar (68%) em
de Fortaleza e Universidade Federal de Ciências da grau de satisfação (sentir-se recompensado de ma-
Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). neira justa, não necessariamente relacionada ao sa-
Atualmente, são reconhecidos pela CNRM mais lário). Foi visto ainda que 83% dos emergencistas
de 40 programas com duração de três anos distri- entrevistados escolheriam novamente a medicina
buídos pelo país. de emergência como especialidade (KANE, 2019).
A titulação é concedida por meio de programa No Brasil, onde a medicina de emergência en-
de residência médica credenciado pelo Ministério gatinha e muitas pessoas sequer sabem da sua exis-
da Educação (MEC) e também pela ABRAMEDE tência, ainda não é regra um pagamento diferen-
com a AMB. ciado para especialistas e não especialistas. Porém,
nos locais onde há emergencistas formados, temos
O ensino de Emergências na
graduação e residência médica 197
exemplos de diversos hospitais que preferem um Para a resolução desses problemas, visando à me-
especialista, concursos em que ser médico emer- lhora da formação de futuros profissionais de saúde
gencista é um diferencial e até hospitais onde todos e dos profissionais já formados dentro do programa
os plantonistas do setor de emergência são médi- de educação permanente, os docentes, os precep-
cos emergencistas. tores não docentes e os médicos que trabalham nos
serviços de urgência e emergência precisam ser ca-
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
pacitados do ponto de vista técnico assistencial, de
gestão clínica e pedagógico, com ênfase na atuação
em equipe multiprofissional. Essa capacitação en-
A situação do atendimento de urgência e emergên-
volve programação teórica por ensino a distância
cia é caótica em todo o Brasil, e as ações pontuais
e capacitação prática simulada dos profissionais;
dentro desse sistema complexo têm sido inócuas.
estratégias de supervisão presencial e a distância;
Não há como adequar o modelo de formação utilização do acolhimento e classificação de risco,
sem realizar paralelamente a adequação do modo abordagem em equipe multiprofissional dos atendi-
e dos modelos de atenção. Caso contrário, os estu- mentos dentro das normas técnicas, éticas e de boa
dantes estarão aprendendo algo na teoria que não comunicação; uso de protocolos clínicos baseados
poderão aplicar na prática dadas as inadequações em evidências nas condutas tomadas e na pactua-
do cenário prático assistencial. Entre os principais ção das necessidades de encaminhamentos com a
problemas apontados, destacam-se: central de regulação de urgências; uso de diferen-
• A necessidade de adequação e hierarquização tes estratégias de avaliação – cognitiva, avaliação
dos serviços de urgência e emergência mediante do desempenho prático (Mini Clinical Evaluation
redes regionais de atenção a pacientes agudos Exercise – Mini-CEX), avaliação do trabalho em
(integração dos atendimentos pré-hospitalar equipe multiprofissional, autoavaliação e avalia-
fixo e móvel com o atendimento hospitalar); ção 360o; estratégias de acompanhamento psicoló-
• Adoção do acolhimento e classificação de risco gico com avaliação do perfil profissional e cultura/
de acordo com os critérios de gravidade; clima organizacional; e avaliação dos serviços de ur-
• A adequação das portas hospitalares de urgência gência e emergência (infraestrutura física, organi-
e do fluxo dos pacientes nos leitos de observação; zação do processo de trabalho, recursos diagnós-
• A definição dos tempos de espera e permanên- ticos e terapêuticos, recursos humanos, origem da
cia das patologias agudas com maior risco de demanda recebida, índice de resolubilidade e per-
morte em cada nível de atenção para que dimi- centual de encaminhamentos).
nua o número de mortes evitáveis e sequelas Todas essas ações precisam ser estruturadas,
que poderiam não ter ocorrido; e com necessidade de diversas ações de políticas pú-
• A implementação de protocolos clínicos e in- blicas, diretrizes, recomendações, formação de re-
dicadores de qualidade assistencial, pactuados cursos humanos na graduação e residência mé-
entre os médicos das unidades de atendimen- dica, educação permanente, pesquisa e extensão
tos pré-hospitalar fixo e móvel, médicos regu- universitária.
ladores e médicos dos hospitais de referência.
198 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
BRASIL. Portaria nº 2.048, 5 de novembro de 2002. CARRET, M. L. V.; FASSA, A. G.; DOMINGUES, M.
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200 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 7.2
201
Gerson Alves Pereira Júnior
Docente de Cirurgia de Urgência e do Trauma
Universidade de São Paulo
Especialista em Medicina de
Emergência (ABRAMEDE)
202 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Podemos treinar melhor os médicos usando Outro estudo de referência foi publicado em
simulação? 1999 que descreveu um curso de simulação para
• Os pacientes estariam mais seguros com a melhorar o desempenho do clínico de medicina de
simulação? emergência, aumentar a segurança do paciente e
• É possível tornar o treinamento mais barato ou diminuir a responsabilidade (SMALL et al., 1999).
mais eficiente com uso da simulação? Alguns dados iniciais sobre o uso da simulação no
• Há a transferência do aprendizado do treinamento ensino de medicina de emergência incluíram uma
simulado para a prática com pacientes reais? descrição dos princípios de treinamento em equipe
(SMALL et al., 1999; REZNEK et al., 2003), uma dis-
A medicina de emergência é uma especialidade cussão acerca das respostas humanas ao ambiente
com alta carga de tomadas de decisões, que são ti- simulado (GORDON et al., 2001) e o detalhamento
picamente de alto risco. Além disso, os médicos de de uma simulação utilizada na educação médica
emergência trabalham em um ambiente onde a efi- (GORDON; PAWLOWSKI, 2002).
cácia das comunicações interpessoais e o trabalho Desde 2000, a especialidade da medicina de
em equipe são essenciais para a segurança do pa- emergência é líder no desenvolvimento de técni-
ciente. Esses dois fatores, combinados à ampla gama cas de simulação, treinamento de professores e in-
de doenças incomuns, porém críticas, e à ampli- tegração de sistemas, pesquisa e política.
tude de procedimentos, fazem do treinamento em
simulação em medicina de emergência uma neces-
sidade obrigatória. 2. SIMULAÇÃO NA GRADUAÇÃO MÉDICA
Impulsionada por essas demandas, a comuni-
dade de simulação em medicina de emergência tem
Com o crescimento do uso da simulação na edu-
estado na vanguarda da educação e avaliação base-
cação dos residentes em medicina de emergência,
adas em simulação nos últimos 15 anos. Muito do
naturalmente esses programas também levaram a
que foi bem-sucedido na medicina de emergência
simulação para a graduação médica.
pode ser facilmente aplicado a uma variedade de
O Programa de Simulação da Associação
outras áreas clínicas.
Brasileira de Educação Médica (Abem) prevê uma
A simulação permite que os aprendizes em for-
pesquisa nos vários cursos de Medicina do Brasil
mação (estudantes de graduação e médicos resi-
para termos uma descrição completa do estado atual
dentes), bem como no processo de educação per-
do uso da simulação e dos tipos de laboratórios de
manente de profissionais já formados, pratiquem
habilidades/centros de simulação. No entanto, um
com segurança a tomada de decisões médicas e ha-
projeto-piloto desenvolvido em 2016 para apresen-
bilidades processuais sem incorrer em riscos para
tação no Congresso Brasileiro de Educação Médica
os pacientes (GORDON; ORIOL; COOPER, 2004).
(Cobem), realizado em Brasília, mostrou dados in-
Isso permite que a aprendizagem crítica ocorra para
completos pela falta de colaboração dos responsá-
o profissional de medicina de emergência fora do
veis em responder ao questionário eletrônico. Dessa
ambiente descontrolado e caótico do atendimento
forma, os dados nacionais sobre a simulação nas es-
de emergência, seja no nível pré-hospitalar mó-
colas médicas permanecem escassos.
vel ou no fixo, assim como no ambiente hospitalar
Existem descrições do uso da simulação na gradu-
(pronto-socorro, enfermarias e unidades de tera-
ação médica em todas as modalidades, como pacientes
pia intensiva).
padronizados, treinamento baseado em computador,
Gaba e DeAnda (1988) deram os próximos pas-
treinamento de procedimentos e simulação baseada
sos no desenvolvimento dessa tecnologia e técnicas
em manequim (GORDON; VOZENILEK, 2008).
educacionais na década de 1980. Esses esforços ini-
Diversos autores publicaram uma revisão mais
ciais de simulação humana realista levaram à ado-
abrangente de simulação na educação na medi-
ção amplamente difundida da técnica.
cina de emergência para estudantes de Medicina
Em 1999, apareceu o primeiro uso publicado de
(CHAKRAVARTHY et al., 2011), que examinou a
treinamento em simulação para a especialidade de
prevalência de uso e a pesquisa envolvendo a si-
medicina de emergência, detalhando um curso avan-
mulação na educação médica.
çado de vias aéreas que ensinava intubação por se-
Existe uma grande variação nos métodos de uso
quência rápida (ELLIS; HUGHES, 1999).
de simulação nas escolas de Medicina, e na me-
204 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
cançar os objetivos do programa, tanto na gradua- significativas entre os residentes do primeiro e ter-
ção quanto na residência médica. ceiro anos (GIRZADAS JR. et al., 2007).
Dois autores identificaram que a simulação era Outros estudos com médicos residentes em um
mais útil para abordar os marcos de competências programa de treinamento em pediatria constataram
sobre atendimento ao paciente, prática baseada no que a simulação pode medir e discriminar adequa-
sistema e habilidades interpessoais das competên- damente a competência. Além disso, observaram-se
cias essenciais (BOND; SPILLANE, 2002). A compe- diferenças significativas entre médicos residentes
tência prática baseada em sistemas aborda a enorme iniciantes e médicos experientes que foram testa-
variedade de condições médicas e sociais, bem como dos em uma competência de assistência ao paciente
as interações médicas e não médicas que um mé- usando metas baseadas no tempo para a tomada de
dico emergencista encontra diariamente (WANG; decisões (ADLER et al., 2007; SMITH et al., 2017).
VOZENILEK, 2005). Pode-se utilizar a observa- Esses estudos sugerem que a avaliação baseada em
ção direta dos médicos residentes com avaliação simulação, sendo bem projetada, é uma maneira
de critérios de competência em checklist e análise eficaz de monitorar o progresso dos residentes por
de vídeos com base em videoteipe. meio do programa de treinamento.
A simulação também demonstrou ser uma ma- Uma iniciativa bastante interessante começou
neira eficaz de avaliar vários cenários e procedimen- em 2014, quando os diretores dos seis programas de
tos, abrangendo a competência do conhecimento residência em medicina de emergência em Chicago
médico (WAGNER; THOMAS JR., 2002). O pro- (Illinois) concordaram em reunir seus recursos lo-
fissionalismo dos médicos residentes também foi cais e o trabalho do corpo docente de cada centro
avaliado por meio de um cenário focado na confi- de simulação para criar um evento anual de ava-
dencialidade do paciente, no consentimento infor- liação única e colaborativa dos marcos de compe-
mado, na retirada de cuidados, na prática de pro- tências dos médicos residentes utilizando simu-
cedimentos sobre os recém-falecidos e no uso de lação. Para a construção dos cenários simulados e
ordens de não reanimação. Com a observação di- checklists, o grupo de estudo dos programas de re-
reta, identificaram-se possíveis fraquezas e áreas sidência médica criou ferramentas de avaliação. O
de melhoria, além de demonstrar um profissiona- consenso para as versões finais de cada ferramenta
lismo aprimorado à medida que progrediam durante de avaliação foi alcançado por meio de uma técnica
o treinamento (GISONDI et al., 2004). Delphi modificada (SALZMAN et al., 2018).
Cuidar de vários pacientes simultaneamente Atualmente, na medicina de emergência, a ava-
também é uma habilidade importante na medicina liação baseada em simulação é usada com mais fre-
de emergência e representa um aspecto de alto risco quência e com maior eficácia na avaliação formativa.
de sua prática. Cenários de simulação com dois ou A simulação ajuda a fornecer um meio de identi-
mais pacientes simultâneos estão sendo usados p ara ficar objetivamente áreas nas quais um estudante
desenvolver multitarefa, gerenciamento de recur- precisa ser aprimorado. Quando adotada para fee-
sos da tripulação e habilidades de tomada de de- dback formativo, o objetivo é melhorar o desempe-
cisão sem risco para os pacientes reais (GORDON nho por meio da prática.
et al., 2003). O termo “remediação” pode ser utilizado para
As avaliações baseadas em simulação também descrever o status de um residente em um programa
devem discriminar de maneira confiável entre mé- que necessita de um esforço despendido para me-
dicos iniciantes e médicos experientes. As ferra- lhorar o conhecimento, as habilidades ou as atitu-
mentas de avaliação desenvolvidas anteriormente des. A remediação é definida como o fornecimento
para exames orais de medicina de emergência pa- de qualquer treinamento, instrução ou prática adi-
recem ser eficazes quando usadas em um ambiente cional aos residentes com deficiência na avaliação
de teste baseado em simulador (KIM et al., 2006). de suas competências essenciais. Pode ser reali-
O gerenciamento de recursos de crise em pacien- zada por meio de anotação formal no arquivo aca-
tes críticos foi avaliado em residentes usando uma dêmico de um residente ou de maneira informal
nova escala de classificação e encontrou diferenças (MCLAUGHLIN et al., 2013).
206 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
É importante reconhecer que o treinamento nais de saúde. No ambiente clínico real, os membros
da equipe deve formar os objetivos do caso de da equipe mudam regularmente nos turnos de tra-
simulação, levando a um delineamento das ações balho e nos plantões. Uma única equipe com mem-
críticas e ao desenvolvimento de ferramentas bros individuais consistentes e familiarizados entre
de avaliação. Frequentemente, os estudantes si é ilusória. Incorporar treinamento padronizado
se concentram naturalmente nos elementos de da equipe regularmente a todos os membros de
gerenciamento médico de um caso, mas, quando o um setor de urgência leva a expectativas mais cla-
treinamento da equipe é o objetivo, o autor e dire- ramente definidas e a uma maior consistência no
tor do cenário devem definir claramente os propósi- atendimento (MCLAUGHLIN et al., 2013).
tos, projetar o cenário para incorporar os elementos Em um ambiente cirúrgico, o treinamento da
críticos e se concentrar nestes durante a realização equipe demonstrou que é capaz de diminuir a mor-
do debriefing (MCLAUGHLIN et al., 2013). talidade dos pacientes (NEILY et al., 2010). No se-
Ferramentas robustas de observação e ava- tor de urgência dos vários cenários de prática, o
liação, como a ferramenta de observação de de- treinamento da equipe pode ser aplicado a uma
sempenho TeamSTEPPS, a Behaviorally Anchored variedade de cenários clínicos multidisciplinares.
Rating Scale (BARS) e a Ferramenta de Avaliação Os eventos de alta intensidade e baixa frequência,
Comportamental (Behavioral Assessment Tool – como situações de acidentes em massa, parada car-
BAT), podem ser úteis auxiliares no design de ce- díaca pediátrica, parto obstétrico emergente e re-
nários, na avaliação do estudante e no debriefing animação neonatal, oferecem uma oportunidade
(ANDERSON et al., 2009). O uso de tais ferramen- de reunir profissionais de várias especialidades e
tas concentra os objetivos nos elementos críticos da disciplinas de saúde para treinamento em equipe.
função da equipe. Além dos eventos de baixa frequência, o uso de si-
A montagem da equipe para executar o treina- mulação para detalhar os cenários complexos mais
mento em simulação pode apresentar alguns de- rotineiros pode melhorar a dinâmica da equipe. O
safios. Convencer os administradores a investir no infarto agudo do miocárdio (IAM) com suprades-
treinamento requer a identificação dos responsá- nivelamento do segmento ST, o acidente vascular
veis em cada área e categoria profissional. Os ad- cerebral (AVC), a insuficiência respiratória, o sta-
ministradores reconhecerão facilmente o valor do tus asmático, o status epilético e as emergências
treinamento em simulação tão logo estejam fami- toxicológicas são apenas alguns dos contextos nos
liarizados com as maneiras como ele pode ajudá- quais esse treinamento em equipe pode ocorrer
-los a treinar e avaliar a equipe, coletar dados para (MCLAUGHLIN et al., 2013).
os requisitos de certificação, abordar as metas de A simulação pode ser usada para desenvolver
segurança do paciente e contribuir para a redução e treinar novos protocolos e sistemas que exigem
de erros médicos (COOK et al., 2011). Construir a uma função de equipe altamente eficiente. Os pro-
dinâmica e o espírito de equipe no ambiente clínico tocolos de IAM, AVC e sepse, por exemplo, incor-
real tem um grande valor intrínseco. Nesse con- poram uma variedade de decisões sobre transporte
texto, o lema “Se praticamos como jogamos, joga- de pacientes, pessoal e equipamento que devem
mos como praticamos” reverbera nos fornecedo- funcionar perfeitamente. Uma mudança em uma
res e nos demais líderes da instituição. ou duas variáveis pode afetar o tempo de resposta
A medicina de emergência está posicionada de para intervenções essenciais – tempo porta-balão,
maneira única para tirar proveito das oportunida- tempo porta-drogas ou tempo para início dos an-
des de treinamento em equipe multidisciplinar e tibióticos. Em vez de alterar as variáveis no cená-
multi-especialista, interagindo com praticamente rio clínico real, alterá-las em um cenário simulado
todas as especialidades clínicas e, com frequência, pode permitir a avaliação de seu impacto, ajudar a
cruzando no ponto em que habilidades em equipe solucionar problemas de sistemas e fornecer uma
bem desenvolvidas podem afetar o resultado da as- via eficiente e segura para explorar a melhoria da
sistência ao paciente. O atendimento ao trauma e à qualidade (MCLAUGHLIN et al., 2013).
ressuscitação, por exemplo, é um nexo de atendi- O treinamento da equipe é uma parte essencial
mento interdisciplinar que exige o funcionamento da prestação de serviços de saúde de qualidade e
integrado, eficiente e habilidoso de médicos, enfer- segurança ao paciente, e os programas de simula-
meiros, técnicos de enfermagem e demais profissio- ção podem impactar claramente as muitas facetas
208 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
tidiana de professores e estudantes, o que foi faci-
1) Objetivos: Criar objetivos de aprendizagem/ litado pela convergência tecnológica dos diversos
avaliação. recursos disponibilizados.
2) Nível de formação do aprendiz: Incorporar an- Em substituição às atividades presenciais, di-
tecedentes/necessidades dos estudantes. versas outras estratégias foram utilizadas: gravação
3) Tipo de simulação a ser utilizada: Cênica ou com de aulas teóricas, gravação de aulas práticas com
simuladores de diferentes complexidades. professores nos laboratórios de simulação, simu-
4) Paciente a ser atendido: Criar um histórico do lação virtual e simulação on-line utilizando vídeos.
paciente para atender aos objetivos que tam- O curso de formação de multiplicadores em si-
bém devem obter o desempenho desejado. mulação clínica de 18 polos da rede da Empresa
5) Desenvolvimento do cenário: Criar o fluxo do ce- Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH),
nário de simulação, incluindo parâmetros ini- promovido em parceria com a Organização Pan-
ciais, eventos/transições planejados e a resposta Americana da Saúde (OPAS) e a ABEM, com dura-
às intervenções previstas. ção de 180 horas (cinco módulos), teve que ser fi-
6) Ambiente: Projetar sala, objetos e script, e de- nalizado com a realização do Objective Structured
terminar os requisitos do simulador. Clinical Examination (OSCE) on-line por meio da
7) Avaliação: Desenvolver ferramentas e métodos aplicação de 24 estações simuladas pré-gravadas,
de avaliação. nas quais os estudantes gravaram o áudio de seus
8) Debriefing: Determinar problemas que ocorre- desempenhos, que foram avaliados pelos cursistas
ram para providenciar a discussão e as oportuni- utilizando checklists informatizados.
dades de correção das lacunas de aprendizagem.
9) Depuração: Por meio de testes-piloto, testar o
cenário simulado produzido, os equipamentos, 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
as respostas dos aprendizes, o tempo e as ferra-
mentas de avaliação. O desenvolvimento dos cenários é de grande rele-
vância para o treinamento com simulação clínica,
A simulação tem sido usada efetivamente na a fim de garantir a qualidade e validade do conte-
aquisição de novas habilidades (HALL et al., 2005), údo, e apoiar os objetivos e resultados esperados.
na identificação de lacunas no conhecimento ou nas Assim, devem ser estruturados a partir de caso ba-
habilidades (LAMMERS et al., 2009) e na avalia- seado em situações da vida real e com uma história
ção (REGENER, 2005). A simulação também de- principal, incluindo uma sequência de atividades
monstrou ser uma ferramenta eficaz para o ensino de aprendizagem e envolvendo tomadas de deci-
de habilidades avançadas de gerenciamento de de- são estratégias para resolução de problemas, ra-
sastres e resposta a armas de destruição em massa ciocínio inteligente e outras habilidades cogniti-
(SUBBARAO et al., 2006). Também permite abor- vas. Seu design direciona a abordagem de aspectos
dar efetivamente muitas das barreiras, incluindo a essenciais da estrutura, do processo e dos resulta-
exposição a eventos sérios, mas incomuns, manu- dos da atividade.
tenção de habilidades e recertificação. A simulação serve como atividade de ensino e
também como avaliação. Para tanto, existem dife-
renças no processo de elaboração e desenvolvimento
8. IMPACTO DA PANDEMIA DA COVID-19 E DA das estações simuladas que precisam ser conheci-
CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA
das. A inserção de simulação nos currículos médi-
cos é mais bem-sucedida quando se torna parte da
Com o súbito início e a manutenção da pandemia matriz curricular e não apenas quando utilizada de
da coronavirus disease 2019 (Covid-19) ao longo de forma esporádica.
2020 e 2021, os cursos de graduação, a residência Deve-se determinar que componentes de um cur-
médica e a educação continuada e permanente ti- rículo são aprimorados por meio da educação base-
veram que interromper os encontros presenciais ada em simulação e com a incorporação das estações
e foram forçados a realizar uma rápida adaptação simuladas de forma mais direcionada e sustentada.
ao formato on-line, com a necessidade obrigatória Essa abordagem tem o benefício adicional de auxiliar
de incorporação de tecnologia digital na rotina co- a determinar os recursos humanos e materiais e o es-
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212 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 7.3
Tipos de simuladores
utilizados em Emergências
213
Sara Fiterman Lima
Enfermeira
Professora do Curso de
Medicina de Pinheiro/MA
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
214 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
o curso aprenderiam “um artifício feito nos ossos Nesse contexto, para melhorar a educação em
ou no esqueleto de uma mulher, com uma matriz diferentes níveis e, em última instância, aumentar
artificial [útero]”. Posteriormente, esse simulador a segurança do paciente, diversos simuladores têm
foi referido no anúncio como “a máquina”. sido utilizados em diferentes ambientes aprendiza-
A simulação clínica, em alguns estudos, tam- gem, com especial destaque para urgência e emer-
bém é apontada como inicialmente desenvolvida gência (AGGARWAL et al., 2010).
em trabalho com anestesistas, por meio de um si-
mulador de tarefas parciais, desenvolvido em par- 2. SIMULAÇÃO E O ENSINO DE URGÊNCIA E
ceria com uma empresa norueguesa, que se desta- EMERGÊNCIA
cou no treinamento de ressuscitação (BRADLEY,
2006; ORLEDGE et al., 2012). A simulação é uma técnica (não uma tec-
Independentemente de quando teve início o nologia) utilizada para substituir ou ampliar
uso de simuladores na educação em saúde, sabe- situações reais, por meio de experiências guia-
-se que a simulação tem evoluído constantemente das que evocam ou replicam aspectos substan-
e é cada vez mais usada na área para fins de trei- ciais do mundo real de maneira totalmente in-
namento, pesquisa e avaliação em resposta aos de- terativa (GABA, 2004).
safios da educação moderna em saúde e segurança
do paciente (ALINIER; PLATT, 2014; KNEEBONE; Nessa perspectiva, a fidelidade é considerada
AGGARWAL, 2009; ZIV et al., 2003). um fator crucial em termos de eficácia educacio-
Para a segurança do paciente, em especial, os si- nal para uma simulação (ADVISORY GROUP FOR
muladores representam um grande avanço, pois a AEROSPACE RESEARCH AND DEVELOPMENT,
aquisição de habilidades práticas, quando em sua au- 1980; BEAUBIEN; BAKER, 2004).
sência, era realizada essencialmente pela utilização Vale registrar que alguns equívocos termino-
de seres humanos, adultos ou crianças, saudáveis ou lógicos parecem existir, o que leva a uma associa-
doentes, por meio da observação de suas estrutu- ção de fidelidade com sofisticação tecnológica.
ras anatômicas e respostas fisiológicas (AMARAL, Comumente observarmos na literatura que, para
2010). Os simuladores, nesse contexto, emergem os simuladores atingirem níveis mais altos de fide-
lidade, eles precisam de uma tecnologia mais avan-
como instrumentos que contribuem para a forma-
çada e, portanto, mais cara (ISSENBERG et al., 2005;
ção de profissionais de saúde no treino de habilida- MARAN; GLAVIN, 2003). Entretanto, a fidelidade,
des sem que o paciente seja exposto a erros evitáveis definida como o realismo da experiência, é uma ca-
pela falta de conhecimento adequado (REZNICK, racterística intrínseca à simulação e um elemento
MACRAE; 2006). de apresentação que pode afetar a aprendizagem
(ISSENBERG et al., 2005; GABA, 2004). Como tal,
A simulação tem o potencial de recriar ce- é importante ser capaz de definir e medir.
nários que raramente são experimentados e Em 1999, o Fidelity Implementation Study Group
testar profissionais em situações desafiadoras, formado pela Simulation Interoperability Standards
Organization (Siso) destacou as dificuldades em es-
e de repetir ou examinar cuidadosamente suas
tabelecer padrões de fidelidade na simulação e ar-
ações, o que permite a aquisição ou o aperfei- gumentou o seguinte: “‘se quisermos fazer da fide-
çoamento de determinadas habilidades para o lidade um conceito útil, então deveremos torná-la
atendimento (AGENCY FOR HEALTHCARE mensurável”. Simplesmente usar descritores amplos
RESEARCH AND QUALITY, 2009). como “alta fidelidade” ou “baixa fidelidade” não é
suficiente e é enganoso, uma vez que a fidelidade
No ensino de urgência e emergência, a simula- é uma construção multidimensional (REHMANN;
ção vem sendo utilizada como ferramenta de en- MITMAN; REYNOLDS, 1995; MARAN; GLAVIN,
sino há décadas e está se tornando cada vez mais 2003; BEAUBIEN; BAKER, 2004).
relevante. Modelos de simulação, como cabeças de Isso tem particular importância porque os si-
intubação e manequins de ressuscitação cardiopul- muladores, ferramentas que permitem aos usuários
realizar simulações, são comumente classificados
monar, têm sido uma parte essencial dos principais
como sendo de alta, média e baixa fidelidades, sem
programas de treinamento, incluindo suporte bá-
que haja uma adequada compreensão desse termo
sico de vida, suporte avançado de vida e suporte
(TUN et al., 2015).
avançado de vida pediátrico (TEN EYCK, 2011).
Tipos de simuladores
utilizados em Emergências 215
Ao discutirem o conceito de fidelidade, Tun et novas habilidades e melhoria da performance de
al. (2015) pontuam que se trata de uma propriedade profissionais e gestão da assistência, demonstrando
intrínseca à simulação e pode ser definida como o grande potencial para apoiar o enfrentamento de
grau de precisão com que uma simulação, seja ela desafios diversos nesses cenários.
física, mental ou ambas, representa um determi-
nado quadro de realidade em termos de pistas, es-
tímulos e interações possíveis. 3. OS SIMULADORES E O ENSINO DE URGÊNCIA E
Para o ensino de urgência e emergência, a simu- EMERGÊNCIA
lação tem sido reconhecida e utilizada em escala
crescente, seja em espaços de formação ou ambien- O termo simulador se refere ao aparelho – ou à
tes ambientes in situ, para graduação, pós-gradu- ferramenta – que será usado para recriar a simu-
ação, educação continuada e/ou permanente. Os lação. Na saúde, trata-se de dispositivos utilizados
treinamentos práticos vêm se utilizando de cená- quando se tem a intenção de reproduzir, em um am-
rios simulados para resolução de casos, investindo biente controlado e seguro, uma situação para fins
recursos para garantir fidelidade e propiciar vivên- de educação (RUBIO-MARTÍNEZ, 2012; SILVA-
cias realistas, para que sejam trabalhadas habilida- BATALHA; MELLEIRO, 2015).
des fundamentais para o desempenho profissional Na literatura, não encontramos uma classifica-
de competências técnicas e não técnicas, específi- ção padrão para os simuladores, entretanto é pos-
cas e colaborativas no atendimento das urgências sível observar sua classificação associada a diver-
(SCHAUMBERG; SCHRÖDER; SANDER, 2017). sos aspectos relacionados à simulação.
Sabidamente as situações de urgência e emer- Exemplos de simuladores incluem treinadores
gência implicam cuidados de saúde sob condições de tarefas parciais, manequins ou simuladores de
com potenciais ameaças à vida, nas quais impera a pacientes, pacientes simulados, ambientes basea-
necessidade de segurança e agilidade entre os pro- dos em tela e equipamentos simulados e ambientes
fissionais durante o atendimento. O conhecimento de saúde. Os simuladores não precisam ser neces-
de diferentes protocolos assistenciais, o domínio de sariamente físicos – eles podem assumir a forma de
procedimentos técnicos rotineiros ou não para as- software ou mesmo a mente de alunos envolvidos
sistência, a capacidade para respostas adequadas em atividades imaginárias, como simulações men-
e rápidas, a segurança na tomada de decisões e a tais facilitadas (ALINIER, 2007; TUN et al., 2015).
integração entre diferentes profissões para o ade- Chiniara et al. (2012) classificam os simulado-
quado trabalho em equipe são alguns dos maiores res de acordo com o material de que é constituído,
desafios para educação em urgência. Na simulação, categorizando-os em simuladores orgânicos, como
tais quesitos vêm encontrando espaço significativo animais, tecidos ou cadáveres e pacientes simula-
para o exercício seguro e o treinamento prático. dos/atores, ou simuladores sintéticos, que incluem
Os cenários de simulação podem ser projetados os chamados treinadores de tarefas parciais e si-
para as várias áreas de urgência (clínicas, traumá- muladores de paciente quando usados para essa
ticas, obstétricas, pediátricas, psiquiátricas) con- finalidade.
siderando situações rotineiras (suporte básico de Flato e Guimarães (2011) elencaram os simu-
vida, suporte avançado de vida, crise hipertensiva ladores classificados em simuladores de baixa tec-
etc.) ou menos comuns (edema agudo de pulmão, nologia, alta tecnologia, Part Task Trainers, reali-
intoxicação, hemorragia digestiva etc.), permi- dade virtual, simuladores baseados em programas
tindo aos estudantes o aprendizado ou aprimora- de computadores (Screen Based Simulator), simu-
mento de suas habilidades para condução dos ca- lações com pessoas (atores e/ou pacientes), Game
sos (MCLAUGHLIN et al., 2013). Based Simulation (Second Life) e/ou simulação hí-
Dessa forma, a simulação tem sido utilizada no brida, esta associa simuladores entre si para um de-
ensino de urgência e emergência para aquisição de terminado objetivo, conforme Quadro 1.
216 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 1. Modelos de simuladores
Tipo de
Definição Exemplo Vantagens Desvantagens
Simulador
Facilidade de Estático;
Simuladores com
transporte; Limitações para
Simuladores de recursos limitados Resusci-Anne
Objetivos aplicação em outras
baixa tecnologia e não controlados (Laerdal)
determinados áreas de
por computadores
para RCP. conhecimento.
Simuladores operados
por computador
Simulações com
Simuladores de capazes de recriar SimMan (Laerdal) Custo (são
reações mais
alta tecnologia qualquer doença Apollo (Civiam) muito caros).
próximas do real.
e reposta frente
às intervenções
Simuladores Tutorial de
Fácil
baseados em Programa de eletrocardiograma
implementação
programas de computador interativo Simulador de Avaliação baseada
Utilização
computadores associado com cateter de artéria em acertos
individual ou
(Screen based resolução de problemas pulmonar (PAC
em grupo
simulators) Simulator)
Simulador de vias
Dispositivos para trei- aéreas Praticar e aprimo-
Part-task-trai- Simulação frag-
namento de habilidades Simulador de partes rar novas habilida-
ners mentada
específicas do corpo para inser- des técnicas
ção de cateteres
Utilização de computa- Diminuição no
MIST-VR(Minimally
Realidade ção gráfica tridimensio- tempo e erros nos Custo (são muito
Invasive Surgery
Virtual nal acoplada à disposi- procedimentos caros).
Trainer)
tivos comandáveis cirúrgicos
Treinamento de
Gerenciamento de Disponibilidade de
Utilização de mane- habilidades não
crises com familia- atores treinados, e
Atores reais quins vivos em cenários técnicas e ava-
res e pacientes ter- uso de alunos no
virtuais liação comporta-
minais Role Play
mental
Simulação de
Game based Jogos de computadores Variabilidadee de
Second Life hospital ações em um hos-
simulation com vida virtuais costumes locais
pital virtual
Avaliação simul- Tempo de realiza-
Ator + Part Task
Simulação Uso de dois tipos de tânea de dois ção elevado depen-
Trainer (anamneses
hibrida simuladores objetivos comple- dendo do número
+ ausculta cardíaca)
mentares de alunos
Seropian et al. (2004) apresentaram a classificação de referência a capacidade de interação, o uso de tecnolo-
simuladores em três categorias distintas, tomando como gia e o mecanismo de controle, descritos no Quadro 2.
Tipos de simuladores
utilizados em Emergências 217
Quadro 2. Diferentes modelos de simuladores.
• Part-task Treiner*
• Treinadores não dinâmicos básicos de plástico
• Treinadores dinâmicos básicos de plástico
• Treinador de realidade virtual de baixa fidelidade com haptics**
• Treinador de realidade virtual de alta fidelidade com haptics
• Simulador integrado
• Simulador dirigido por instrutor
• Simulador dirigido por modelo
Para Issenberg e Scalese (2008), os tipos de simu- Com base nisso, os autores apontam uma classificação
ladores podem ser definidos por suas características. em quatro diferentes tipos, apresentados no Quadro 3.
218 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Autores diversos apontam ainda para outros cri-
térios classificatórios:
• Classificação de acordo com os recursos para re-
produção do cenário com características equi-
valentes à realidade (anatômicas, fisiológicas e
emocionais).
• Classificação por fidelidade com base na utiliza-
ção de equipamentos tecnológicos para repro-
dução dos cenários e das reações (anatômicas Modelo para treinamento de drenagem
e fisiológicas). Embora muitas vezes seja rela- e descompressão torácica.
cionada à fidelidade, essa classificação é feita
de acordo com a tecnologia (moderada e alta).
• Classificação por complexidade, considerando
o nível de dificuldade e a multiplicidade de fa-
tores para a realização da simulação, que pode
ser de baixa, média e alta complexidades.
• Classificação por meio de produção (naturais,
industriais e artesanais).
Modelo para treino de habilidades no
Diante dessa diversidade de classificações e ta- manejo das vias aéreas em adultos.
xonomias, o ideal é que a escolha se dê de forma que
represente as características do manequim e os ob-
jetivos da simulação, e que ajude a determinar os
requisitos a que o produto deve atender de acordo
com sua classificação.
Observa-se, no entanto, que a classificação mais
utilizada na literatura está relacionada com a fideli-
dade, variando de modelos de baixa fidelidade até mo-
delos de alta fidelidade (PERKINS, 2007). Ressalva-se
Modelo para treinamento
aqui a necessidade de considerar os aspectos já men- de punção intraóssea.
cionados sobre a interpretação de fidelidade.
Os simuladores utilizados para simulação de baixa
fidelidade geralmente são aqueles que não interagem
com o cenário, devido à ausência de respostas ana-
tômicas, fisiológicas e sensoriais. Podem ser encon-
trados em corpo completo ou parcial, na forma de
membros, órgãos ou suas partes (Part-task Trainer)
e normalmente são utilizados para o desenvolvi-
mento de habilidades específicas, como realização
de suturas, acessos para administração de medica- Modelo para treinamento de acesso
mentos, drenagem torácica, manejo das vias aéreas, intravenoso e intra-arterial.
entre outras, conforme mostra a Figura 1. Figura 1. Exemplos de simuladores utilizados em simulação
Regularmente, os simuladores de baixa fideli- de baixa fidelidade.
dade não necessitam de contextualização do cená- Fonte: Elaborada pelos autores.
rio, visto que, na maioria das vezes, sua utilização
consiste em treinamento para realização adequada
de determinados procedimentos e demonstração
de competências para tal.
Tipos de simuladores
utilizados em Emergências 219
Os simuladores utilizados para simulações de mé- Trata-se de simuladores que apresentam a
dia fidelidade permitem maior aproximação com si- possibilidade de ausculta de sons respiratórios,
tuações reais, apresentam limitadas respostas anatô- cardíacos e abdominais, permitem a monitori-
micas, fisiológicas e sensoriais, e permitem alguma zação de traçados eletrocardiográficos e a iden-
interação com o aprendiz. São utilizados para treino tificação de alguns pulsos e sons vocais, além de
individual ou em grupo de habilidades, protocolos possibilitarem todos os recursos que o simula-
e guidelines (TUN et al., 2015) – ver Figura 2. dor de baixa fidelidade possui para a realização
de habilidades especificas (AL-ELQ et al., 2015;
DECKER et al., 2008).
Os simuladores utilizados para simulações
de alta fidelidade são aqueles capazes de criar
uma situação com um alto grau de realismo,
sentido e vivenciado pelos alunos, de modo que
se transmitam, da melhor forma possível, as
intervenções na vida real. Permitem treinar a
atenção a patologias em doentes que se encontrem
em situação clínica estável, instável e crítica ou
em situação anestésica, assim como a liderança
de uma equipe que tem que resolver uma situ-
Modelo para treinamento ação concreta, em que a tomada de decisões e
de suporte avançado de vida.
o trabalho em equipe sejam cruciais (Figura 3)
(ORLEDGE et al., 2012).
Alguns são conduzidos por um software e se
apresentam como manequins de corpo inteiro
que possuem grande semelhança anatômica e
fisiológica ao ser humano, chegam a apresentar
movimentos respiratórios, pulsos venosos e ar-
teriais, piscam os olhos, alteram a coloração de
mucosas e possibilitam ainda a avaliação de da-
dos da pele, ausculta intestinal, cardíaca, respi-
ratória, entre muitos outros recursos. Esses si-
Modelo para treinamento
muladores podem, por exemplo, ser programados
de parto. para responder a falhas na administração de me-
dicamentos, com ênfase na performance de ha-
bilidades na decisão, preparação e administra-
ção terapêutica, e possibilitam a criação de um
ambiente amparado pelo ensino reflexivo e por
experiências, baseado em cenários clínicos, nos
quais o estudante tem a oportunidade de desen-
volver de maneira integrada capacidades cogni-
tivas, emocionais e psicomotoras, resultando em
mudança de comportamento.
220 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Modelo controlado por computador para treinamento Sala de controle de simuladores
de atendimento a diferentes situações clínicas. de alta tecnologia.
Painel de configuração
do simulador.
Os simuladores que imitam partes do corpo hu- traqueostomia, intubação), drenagem de tórax e outros.
mano são largamente utilizados para treinamento de No ensino de urgência e emergência, observa-se
procedimentos invasivos, como punções para medica- a utilização de todos esses diferentes tipos de simu-
ções parenterais (intramuscular e endovenosa), passa- ladores, seja para o ensino de habilidades técnicas
gem de sondas (vesicais e nasogástricas), suturas, ma- específicas ou para manejo de casos, por meio de ce-
nejo de vias aéreas (aspiração, cricotireoidostomia, nários com contextos diversos.
Tipos de simuladores
utilizados em Emergências 221
Figura 4. Part Task Trainers utilizados para treinamento de procedimentos da assistência em urgência.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Um uso que tem se ampliado bastante é o de simu- para garantir mais fidelidade ao ambiente simulado da
ladores de lesões e moulage (ferimentos, queimadu- urgência. A construção artesanal se utiliza de diversos
ras, fraturas, amputações), sejam industrializados ou materiais como algodão, tinta, maquiagem, gelatina,
de construção artesanal, que ajudam na composição produtos alimentares, entre outros, que não possuem
de cenários, sendo aplicados em atores ou manequins limites a depender da criatividade de seus produtores.
Figura 5. Uso peças simuladores de lesões e moulage para treinamento de procedimentos da assistência em urgência.
Fonte: Elaborada pelos autores.
222 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Podemos considerar, ainda que em menor escala uma via aérea cirúrgica, ou inteiros, como porcos que
de uso na atualidade, simuladores orgânicos animais, por vezes são usados vivos, seguindo o protocolo apre-
sejam partes deles, como pés de galinha e porco para sentado pelo Comitê de Ética do Bem-Estar Animal
a prática de acesso intraósseo, língua bovina para trei- (Ceba), para treinamento de algumas técnicas inva-
namento de sutura, laringe de cordeiro para ensino sivas, como etapa prévia à sua prática em humanos.
Figura 6. Uso de animais para treinamento de procedimentos da assistência em urgência. Fonte: Elaborada pelos
autores.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Os pacientes simulados e os simuladores de pa- lizados, mas não são os únicos. Trabalhos de parto,
cientes também são muito utilizados em diversos ce- acidentes de trânsito, trauma em idoso, tentativa de
nários do ensino de urgência e permitem a criação suicídio, agressão física, queimaduras, edema agudo
de ambientes ricos em detalhes para incremento de de pulmão, acidente vascular encefálico, entre ou-
sintomas, reações e demandas para os participantes. tros tantos atendimentos, são realizados com apoio
Possibilitam o atendimento conjunto de distintos desses simuladores. Os incidentes com múltiplas ví-
profissionais para as situações de urgência das dife- timas, por exemplo, têm sido explorados para que os
rentes áreas. Os cenários de suporte básico de vida e diferentes serviços de saúde possam se preparar para
suporte avançado de vida são muito comumente uti- respostas integradas, rápidas e adequadas.
Tipos de simuladores
utilizados em Emergências 223
Figura 7. Uso de pacientes simuladores e de simuladores de pacientes para treinamento de procedimentos da as-
sistência em urgência.
Fonte: Elaborada pelos autores.
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Sara Fiterman Lima
Enfermeira
Professora do Curso de Medicina
de Pinheiro/MA
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
228 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
enfermeiros para o cuidado de pacientes em situa- flitos de valores escapam à racionalidade técnica. É
ções críticas de saúde incorpore estratégias facili- necessário ensinar os estudantes para tomadas de de-
tadoras do desenvolvimento de competências para cisões sob condições de incerteza e expor a fratura
a prática (MORAIS FILHO et al., 2017). existente entre o mundo real e as práticas acadêmi-
Em 2002, ao publicar a Portaria GM nº 2.048, o cas estruturadas, repensando a dialógica necessá-
Ministério da Saúde declarou que a atenção dada à ria entre teoria e práxis (AGUIAR; RIBEIRO, 2010).
área de urgência era insuficiente nos cursos de gra- O processo de ensino baseado na construção de
duação da saúde e destacou uma prática comum en- competências reconhece que as relações no mundo
tre os profissionais da saúde que, ao se depararem estão mudadas, e que, sendo assim, a formação edu-
com uma urgência de maior gravidade, tinham o im- cacional do profissional também precisa passar por
pulso de encaminhá-la rapidamente para unidade de transformações. A reestruturação da educação é ur-
maior complexidade, sem sequer realizar avaliação gente, na medida em que a transmissão de conheci-
prévia e a necessária estabilização do quadro, por mentos não garante a formação de indivíduos capa-
insegurança e desconhecimento de como proceder zes de modificar uma prática e de apresentar novos
(BRASIL, 2006). Desde então, registram-se algumas resultados. É preciso que eles sejam competentes
transformações. Os currículos de Enfermagem vêm (DOMENICO; IDE, 2005).
sofrendo reformulações para formar profissionais Observa-se na literatura uma grande confusão re-
preparados para atuação no mundo do trabalho, e lacionada à definição de competência, em que se regis-
observa-se a ampliação na oferta dos conteúdos de tram várias definições e compreensões sobre o tema,
urgência na graduação, entretanto essa oferta se- embora não exista uma definição consensual de com-
gue deficiente, principalmente no que diz respeito petência que englobe todos os domínios importantes
ao exercício prático desse atendimento (MASSON, da prática profissional da enfermagem (EPSTEIN;
2014; MORAIS FILHO et al., 2017; VIEIRA, 2017). HUNDERT, 2002). A despeito disso, reconhecem-
A capacitação, habilitação e educação conti- -se como grandes eixos para formação de compe-
nuada dos enfermeiros para urgência e emergên- tências: 1. os conhecimentos (saber); 2. as habilida-
cia ainda se dá de maneira fragmentada, e há baixo des (saber-fazer); 3. as atitudes/os valores (saber ser/
aproveitamento do processo educativo tradicional e agir) (DURAND, 1998; FURUKAWA; CUNHA, 2010).
insuficiência dos conteúdos curriculares. Também Vale destacar ainda que as competências se
se constata a proliferação de cursos de capacitação constroem pelas práticas sociais concretas. São
de recursos humanos para a área na iniciativa pri- produto da relação entre a habilidade (na pessoa),
vada, com grande diversidade de programas e con- a tarefa (no mundo) e os contextos em que se inse-
teúdos e cargas horárias, sem a adequada integra- rem essas tarefas (ecologia dos sistemas de saúde e
ção à realidade e às diretrizes do Sistema Único de condições clínicas). Não são, portanto, permanen-
Saúde – SUS (MARIA; QUADROS; GRASSI, 2012). tes nem estáticas, pelo contrário, seu desenvolvi-
Precisamos avançar tanto na oferta dos conte- mento deve se dar em um processo contínuo, vivo
údos de urgência e emergência quanto na maneira e contexto-dependente. Assim, as competências
como tais conhecimentos são trabalhados em nível devem acompanhar as constantes mudanças que
de graduação, especialização e educação continu- ocorrem na prática profissional, consolidando-se a
ada e/ou permanente, sendo necessário o desen- partir da mobilização de recursos para a obtenção
volvimento de um ensino organizado por compe- de um resultado, de forma que ela possa ser cons-
tências (conhecimentos, habilidades e atitudes), truída, aperfeiçoada e corrigida (FERNANDES et
de forma transversal, com marcos conceituais de- al., 2012; FURUKAWA; CUNHA, 2010).
finidos para esses diferentes níveis de formação Além disso, a concepção construtivista defende
(PEREIRA JÚNIOR et al., 2015). que, para ser competente, é necessário integrar o
aprendizado que se adquiriu ao longo da vida com
as novas situações e conseguir mobilizar assim os di-
3. ENSINO ORGANIZADO POR COMPETÊNCIAS EM versos saberes (AGUIAR; RIBEIRO, 2010; PEREIRA
URGÊNCIA E EMERGÊNCIA PARA ENFERMAGEM JÚNIOR et al., 2015).
Diante da ausência de uma única definição su-
No mundo real, os problemas não se apresentam com ficientemente abrangente, alguns conceitos se des-
recortes bem delineados, ao contrário, são cada vez tacam na literatura, como o de Epstein e Hundert
mais complexos e indeterminados. Essa complexi- (2002, p. 226) que, a partir de ampla revisão da li-
dade e a imprevisibilidade, a singularidade e os con- teratura, afirmaram:
230 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
tes e limitações pessoais; e capacidade de funcio- presso pelos enfermeiros que atuam em serviços de
nar como membro de uma equipe. emergência vem sendo um desafio vivenciado por au-
Não existem padrões definidos para preparação tores, profissionais e especialistas. Entre alguns tra-
técnica de enfermeiros para emergência, e alguns balhos apresentados na literatura, indicamos como
pesquisadores chegaram a definir competências es- exemplo uma “Matriz de Competência Profissional
senciais, mas não existe consenso sobre o conjunto do Enfermeiro em Emergências” (Quadro 1), cons-
de competências necessárias. truída por autores brasileiros e validada por especia-
Estabelecer o perfil de competência a ser ex- listas (HOLANDA; MARRA; CUNHA, 2015).
• Realiza ações no momento exato frente aos agravos à saúde dos pacientes, clas-
Senso de Urgência
sifica o grau de sofrimento, define tratamento e minimiza riscos no cuidar.
• Realiza procedimento de Enfermagem dos básicos aos avançados no atendi-
Técnica de Execução mento dos pacientes que necessitam de cuidados clínicos, cirúrgicos e trau-
matológicos com técnica segura e recursos qualificados.
• Atinge o resultado esperado com a equipe frente ao que foi planejado no aten-
Eficácia
dimento das necessidades geradas pelo trabalho diário.
• Tem atitudes e comportamentos empáticos com controle das emoções nas ad-
Equilíbrio Emocional versidades e mudanças diante das relações com a equipe, mantendo energias e
esforços direcionadas ao mesmo objetivo.
• Obtém acordos pelo diálogo entre as partes para que haja equilíbrio no atendi-
Potencial Negociador mento dos interesses legítimos dos envolvidos, criando credibilidade de quem
dele participa com melhora do relacionamento pessoal e profissional.
232 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Troca ideias e compartilha significados com os pacientes e equipe de trabalho
Diálogo em ambiente favorável a essa relação, contribuindo para um contato harmô-
nico entre ambos.
• Encontra soluções adequadas para problemas dos pacientes e da equipe de
Resolutividade
trabalho, fazendo com que a ação resolutiva diminua o tempo para obtê-las.
• Aceita a cultura, os valores e as crenças dos pacientes e da equipe de trabalho
Respeito com atitudes e comportamentos que manifestam essa aceitação, garantindo a
expressão da vontade de cada um.
• Oferece soluções para os problemas para que sejam resolvidos em menor tempo,
Resolutividade
obtendo maior satisfação da equipe nas ações focadas em resultados.
• Consegue acordos no trabalho com o uso do diálogo, conferindo equilíbrio de
Potencial Negociador ideias, pensamentos e ações em atendimento de interesses legítimos da equipe
e da instituição.
• Capacidade de manter seu foco nas situações/condições ligadas às atividades
diárias de trabalho que podem realmente ser resolvidas pela sua interferência,
8. Competência Básica
direcionando seus esforços para antecipar ações antes que surjam problemas.
PROATIVIDADE
Engloba consciência e responsabilidade nas decisões e considera possíveis con-
sequências das suas escolhas. Visa atingir o melhor resultado possível pelo agir
com prontidão em um tempo certo para obtê-lo.
COMPETÊNCIA
QUESTÕES IDENTIFICADORAS DE PROATIVIDADE
ASSOCIADA
• Tem a mente aberta ao absorver ideias e efetuar mudanças na superação de obs-
Aceitação de Desafios táculos surgidos no trabalho, assumindo responsabilidades e controlando ris-
cos nas ações que se antecipam ao surgimento de problemas.
• Utiliza oportunidades de ousar, transformar e descobrir ideias aplicáveis àquilo
Espírito Empreendedor
que existe e ao mesmo tempo evita que surjam problemas nessa realidade.
• Age com desenvoltura em situações inesperadas do trabalho que podem real-
Flexibilidade mente ser resolvidas pela sua interferência, mantendo foco no que deve ser re-
solvido e tendo adaptação rápida a elas.
• Toma decisões conscientes e responsáveis ao conceber e espontaneamente pôr
Iniciativa em prática uma ou mais ideias úteis, destinadas a evitar aparecimento de pro-
blemas no trabalho.
• Cria novas ideias, bem como implementa, processos e atividades com valor in-
Inovação/Criatividade trínseco em seu bojo, direcionando esforços para antecipar ações antes que
surjam problemas.
• Separa a verdade do erro ao perceber a realidade com clareza, compreendendo
Perspicácia
o que está ao redor e agindo com antecipação e acerto ao reduzir problemas.
• É responsável por suas ações e corresponsável pelo fazer da equipe, tendo cons-
Responsabilidade ciência das decisões que toma para evitar problemas e considerando as conse-
quências de seu agir com prontidão.
• Assume riscos calculados ao direcionar ações que se antecipem ao aparecimento
Senso de Urgência de problemas no trabalho, para que se realizem no tempo certo e na hora exata
com pronta correção dos desvios constatados.
234 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
De acordo com o Quadro 1, para o exercício com- et al., 2013; ASSOCIATION FOR SIMULATED
petente nos serviços de emergência, o enfermeiro PRACTICE IN HEALTHCARE, 2016).
necessita manter um adequado desempenho assis-
tencial, interagir com diferentes profissionais com 4. SIMULAÇÃO PARA O ENSINO DE URGÊNCIA E
bom relacionamento interpessoal, favorecer um efe- EMERGÊNCIA NA ENFERMAGEM
tivo trabalho em equipe, exercer liderança colabo-
rativa, tomar decisões assertivas, trabalhar proa- Entre os diversos profissionais de saúde que atuam
tivamente, com foco em resultados, e promover a nas áreas de urgência e emergência, o enfermeiro é
humanização das ações nos serviços (HOLANDA; um dos que frequentemente enfrentam novos desa-
MARRA; CUNHA, 2015). Nessa perspectiva, para o fios e precisam estar devidamente preparados para
ensino das habilidades relevantes para enfermagem atuar com os pacientes, os familiares e as institui-
em urgência e emergência, faz-se indiscutível a ne-
ções, entregando o que precisam e esperam rece-
cessidade de investir na formação tanto de habili-
ber a tempo e na hora, garantindo a qualidade no
dades técnicas quanto de habilidades não técnicas.
Observando a matriz apresentada, se pensarmos atendimento de maneira competente (HOLANDA;
em uma formação que estimule o estudante ao de- MARRA; CUNHA, 2015).
senvolvimento de tais competências, pode-se inferir A complexidade envolvida nas situações de
que existe uma incompatibilidade com a formação emergência – e tudo que concerne a elas – exige
em enfermagem que adota sequências curriculares desses profissionais competências que devem ser
lineares tradicionais e que perpetua a organização devidamente desenvolvidas desde a graduação e que
do ensino por conteúdos, muitas vezes de acordo precisam ser continuamente trabalhadas na educa-
com os índices de livros-texto das áreas específi- ção continuada (BIAS et al., 2016). Assim, diante de
cas (AGUIAR; RIBEIRO, 2010; FERNANDES et agravos de urgência e emergência, os estudantes de
al., 2012). Enfermagem, quando possuem pouco contato prá-
Vale destacar que o ensino por competência, se- tico com tais situações, estão expostos a reações
gundo Perrenoud (1999), é uma questão de conti- de ansiedade e sofrimento devido à fraca correla-
nuidade e de ruptura. De continuidade, porque faz ção entre teoria e prática que possuem e ao conse-
parte do processo de evolução do mundo, das fron- quente déficit de raciocínio crítico (ZIV et al., 2003).
teiras, das tecnologias, dos estilos de vida. De rup-
Um estudo de revisão sistemática com metaná-
tura, porque demanda uma quebra como a peda-
lise demonstrou que o ensino baseado em simulação
gogia que não prepara o indivíduo para enfrentar
(EBS), em comparação com estratégias tradicionais
situações reais. Um distanciamento das rotinas pe-
dagógicas e didáticas, das compartimentações dis- de ensino em enfermagem, contribui para melhorar
ciplinares, da segmentação do currículo, do peso o desempenho e os resultados desejados durante a
da avaliação e da seleção, das imposições da orga- formação do estudante, sendo este um dos moti-
nização escolar, que nada contribui para construir vos pelo qual o Conselho Nacional de Enfermagem
competências. dos Estados Unidos sugeriu que a simulação pode
Estratégias com implementação de metodologias ser efetivamente adotada para substituir até 50%
ativas no processo de ensino-aprendizagem mos- das práticas clínicas tradicionais (JEFFRIES, 2016;
tram melhor efetividade no alcance da formação HEYDEN, MEISSNER, 2015).
por competência, exatamente por promover essa Além disso, observam-se uma redução nas tradi-
quebra com o ensino tradicional e colocar o aluno cionais oportunidades da prática de cuidados dentro
na centralidade do desenvolvimento das ações, com do ambiente clínico sobre a supervisão docente, em
um papel ativo visando desenvolver o pensamento que um dos motivos refere-se ao aumento de cur-
crítico e reflexivo (ALVES et al., 2018). Entre essas sos de graduação que competem o mesmo campo
estratégias, destaca-se a simulação, que consiste na de prática, e ainda as iniciativas de algumas insti-
tentativa criar ou replicar as características de uma
tuições em reduzir o número de discentes permi-
determinada situação clínica, de maneira mais pró-
tidos em uma unidade, o que reforça a necessidade
xima possível do ambiente real, para permitir ao es-
do EBS para garantia de que os estudantes da saúde
tudante praticar, aprender e aprimorar sua expe-
riência, integrando teoria e prática em ambiente sejam capacitados sobre como avaliar, priorizar e
seguro e artificial (PILCHER et al., 2012; MEAKIM agir cientificamente para um atendimento de qua-
lidade (HEYDEN; MEISSNER, 2015).
236 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
tais habilidades para acompanhar a realização e ga- capacidades de raciocínio crítico e tomada de de-
rantir efetiva execução. cisão (JEFFRIES; RODGERS; ADAMSON, 2015).
Considerando a gama de procedimentos indi- Para o treinamento dessas habilidades técnicas,
cados no contexto da urgência e emergência, que geralmente realizadas em laboratórios de habilida-
são competência de outras profissões, nos quais o des, são utilizados como recursos educacionais al-
enfermeiro responde por parte da sua execução ou guns modelos de plástico simples para treinamento
por auxiliar na execução desses procedimentos, de tarefas parciais, simuladores do tipo manequim
como ocorre na intubação traqueal, na drenagem com ou sem tecnologia para interação e resposta,
torácica e no acesso venoso central, torna-se neces- simuladores de realidade virtual baseados em tela,
sário que o enfermeiro tenha habilidade para de- animais vivos ou inertes, incluindo órgãos isolados
sempenhar adequadamente as ações que lhe com- e cadáveres humanos, e simuladores artesanais, en-
petem. Destaca-se que muitas vezes esse ensino tre outros, a depender da capacidade do laborató-
é negligenciado, uma vez que tais procedimentos rio e da decisão dos facilitadores (ver capítulo 8.3
não são de responsabilidade direta da enfermagem. sobre tipos de simuladores em emergência). Ainda
Entretanto, a equipe de enfermagem está envolvida em tempos atuais, a despeito das possibilidades e
em ações específicas antes, durante e após o pro- questões éticas, existem registros de aulas práticas
cedimento, podendo gerar riscos e complicações de enfermagem que simulam procedimentos inva-
quando não utiliza as técnicas adequadas. sivos, como acesso venoso entre os próprios estu-
O treinamento simulado dessas habilidades téc- dantes (AKAIKE et al., 2012).
nicas, das mais simples às mais complexas, permite Ademais, o treinamento de procedimentos téc-
ao estudante oportunidades para integração teórico- nicos pode ser implementado a partir da utilização
-prática, em experiências orientadas, realizadas em dos Part-task Treiners (treinadores de tarefas par-
ambiente artificial, que busca replicar e reproduzir ciais), pois, por meio destes, podem ser simulados
vivências bem próximas às reais. Destaca-se que procedimentos, incluindo aqueles invasivos e os
nesse exercício é possível experimentar detalhes que envolvem partes intimas dos pacientes (BIAS
práticos da atuação profissional que surgem durante et al., 2016). Esses simuladores, como braços para
a execução, pois a teoria costuma ocultar alguns de- administração de medicamentos endovenosa, cabe-
talhes e particularidades que a prática faz emergir. ças para intubação traqueal, pelves para sondagem
Além disso, durante o ensino simulado dessas vesical, com ou sem haptics (tecnologia que repro-
habilidades, é importante que sejam exploradas as duz o sentimento de toque e força), são projetados
competências específicas de cada profissão, para para focar a atenção do participante em uma tarefa
que o estudante perceba claramente qual o seu pa- específica (SEROPIAN, 2003).
pel diante de cada procedimento. Ao exercitar e No Quadro 2, exemplificamos algumas habili-
aperfeiçoar seu desempenho, ele estará mais apto dades técnicas que compõem as competências dos
para realizar a assistência, pois o domínio de habi- enfermeiros que atuam em urgência e emergência
lidades específicas é fundamental, mas isso, na re- e que podem ser ensinadas por meio da simulação
solução de cenários completos e complexos, res- na graduação, mas também após a graduação (na
ponde apenas por parte do que é demandado dele. educação continuada e permanente), permitindo
Nesses cenários, os estudantes aplicam seus sabe- que os enfermeiros residentes e os atuantes na área
res, demonstram e aperfeiçoam suas competências (em ambientes pré e intra-hospitalar) possam apri-
técnicas, relacionais e éticas, e ainda exercitam as morar seu desempenho (Quadro 2).
238 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Realização e auxílio em manobras de suporte avançado de vida
• Realização de manobras de desobstrução de vias aéreas (obstrução das vias aéreas por corpo estranho – OVACE)
• Auxílio em paracentese de alívio
• Realização de eletrocardiograma
Para o exercício simulado dessas habilidades tos que a execução dessa técnica produz e os cuidados
ou procedimentos, devem ser definidos os objeti- que ela requer (GALINDO; VISBAL, 2007).
vos do treinamento desenvolvido e o dispositivo de
treinamento apropriado. Inicialmente a atividade 4.2. SIMULAÇÃO E O ENSINO DE HABILIDADES
pode ser simplificada e desprovida de distrações. NÃO TÉCNICAS PARA ASSISTÊNCIA DE
Sugere-se que a nova habilidade seja demonstrada ENFERMAGEM EM URGÊNCIA E EMERGÊNCIA
corretamente pelo instrutor, para que, após a de- As habilidades não técnicas (HNT), também co-
monstração, o estudante possa iniciar seu treino, nhecidas como soft skills, referem-se às habilidades
ocasião em que deve ser realizado o feedback in- cognitivas, pessoais, socioemocionais, comporta-
formativo específico. As habilidades apreendidas
mentais e interpessoais do indivíduo que comple-
devem ser transferidas positivamente para o am-
mentam as habilidades técnicas e contribuem para o
biente clínico, e quaisquer diferenças entre sua exe-
desempenho de uma tarefa segura e eficiente (FLIN;
cução no simulador e no ambiente clínico devem
O’CONNOR; CRICHTON, 2008).
ser esclarecidas para evitar transferência negativa
Assim, as HNT correspondem a um grupo de
(MARAN; GLAVIN, 2003).
Temos que considerar que, durante o aprendizado habilidades complexas e diversas, que devem ser
de habilidades técnicas por meio de simulação, acres- valorizadas no processo de ensino e aprendizagem
centamos uma parte importante e não é só a conquista da área da saúde (CARVALHO, 2016).
dela, mas também o pensamento crítico, ou seja, en- Existem diferentes HNT apontadas na litera-
sinar ao aluno quando fazê-lo, em que condições e de tura, entretanto, na área da saúde, destacam-se al-
que material necessita, bem como saber quais os efei- gumas como as indicadas no Quadro 3.
240 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Planejar e preparar
Gestão • Priorizar
de tarefas • Fornecer e manter padrões
• Identificar e utilizar recursos
• Comunicar de forma clara e eficaz
• Usar comunicação verbal e não verbal direcionada
Comunicação
• Escuta ativa para com a equipe
• Comunicação interdisciplinar e interprofissional
• Coordenar atividades junto aos membros da equipe
• Trocar informações
Liderança e
• Avaliar as capacidades dos membros da equipe
trabalho em equipe
• Reconhecer estresse e fadiga entre os membros da equipe
• Apoiar os membros da equipe sempre que necessário
• Coletar informações
• Avaliar e reavaliar as situações constantemente
Consciência
• Triar
situacional
• Antecipar eventos prováveis
• Gerenciar erros
• Identificar as melhores opções
Tomada de • Manter a perspectiva global (big Picture)
Decisão • Equilibrar os riscos e os benefícios
• Reavaliar a situação
• Permanecer calma e controlado durantes as crises
• Enfrentar de forma organizada e eficiente os problemas
Solução de
• Tomar decisões rápidas e firmes
Problemas
• Usar de assertividade e proatividade
• Considera alternativas durante a crise
Figura 1. Elementos do CRM que podem ser utilizados nas emergências.
Fonte: Adaptada de Hicks et al. (2012) e Flin et al. (2010).
O treinamento de CRM com simulação inclui fee- emergência; afinal, elas não são um fim em si mes-
dback formal e análises de desempenho, de modo mas. As HNT são complexas e diversas, e atraves-
a demonstrar as vantagens sobre a instrução didá- sam toda essa assistência, devendo, portanto, ser va-
tica, aumentar o envolvimento dos participantes lorizadas nos cenários de simulação, tanto quanto o
no processo de aprendizagem e permitir mudan- trabalho em equipe e as tomadas de decisão.
ças de atitude que reflitam a melhoria do trabalho
em equipe (HICKS; BANDIERA; DENNY, 2008).
4.3. SIMULAÇÃO E O ENSINO DE ENFERMAGEM
Observa-se, portanto, que as HNT envolvem EM URGÊNCIA E EMERGÊNCIA POR
recursos cognitivos, sociais e pessoais que susten- MEIO DE CENÁRIOS SIMULADOS
tam a base sobre a qual a interação e a dinâmica da
equipe são construídas. Dessa forma, ao contrário As estações simuladas são estratégias para en-
das habilidades técnicas, que podem ser trabalha- sino-aprendizagem, em que um conjunto de condi-
das em simulações de tarefas isoladas, para susten- ções são criadas ou replicadas para reproduzir si-
tar as ações dos participantes nos cenários simula- tuações da realidade por meio de cenários práticos,
dos de situações clínicas, as HNT são geralmente controlados e protegidos, com diferentes níveis de
trabalhadas durante esses cenários (PAIGE, 2010; complexidade, fidelidade, autenticidade e compe-
CAVALCANTI; GONNELLI; CARMO, 2020). tências. Possuem como principal objetivo amplifi-
Além disso, estratégias de treinamento visando car ou substituir experiências reais por experiências
apenas às habilidades procedimentais são insufi- dirigidas, com o papel de evocar ou replicar aspec-
cientes para habilitar os estudantes a realizar ade- tos substanciais do mundo real de maneira intera-
quada assistência durante eventos de urgência e tiva (DOMINGUES; NOGUEIRA; MIÚRA, 2020).
242 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 4 . Itens para estruturação de roteiros dos cenários simulados.
1. Tema/conteúdo a ser abordado (utilizar a matriz de conteúdos): escolher um título que represente o pro-
blema a ser trabalhado.
4. Tipo de simulação: definir entre simulação clínica com uso de simulador (manequim), simulação clínica
com o uso de paciente simulado (se padronizado), role play, simulação híbrida, prática deliberada de ciclos
rápidos, simulação in situ, simulação interprofissional, simulação virtual ou telessimulação.
5. Caso/situação clínica: informações do caso clínico a ser desenvolvido e das tarefas a serem cumpridas, des-
crevendo-o de maneira sucinta e clara, com informações essenciais para o alcance dos objetivos propostos.
6. Lesões/patologias: definir os achados do exame físico e exames complementares a serem explorados, bem
como as decisões críticas de diagnóstico e tratamento.
7. Procedimentos médicos a serem realizados (se houver): definir os materiais e equipamentos que deve-
rão estar presentes no cenário simulado.
8. Distratores: devem ser pensados com o propósito de auxiliar na aprendizagem e aproximar o cenário de con-
dições reais, entretanto não devem desviar a atenção do participante, afastando-o dos objetivos propostos.
10. Problemas de comunicação: com pacientes, familiares e membros da equipe interprofissional, utilizando
as situações mais frequentes de conflitos.
11. Conflitos éticos e jurídicos: caso se apliquem aos objetivos da simulação, realizar a inclusão.
12. Situação interprofissional envolvida: nos casos de utilização, definir as competências comuns e colaborativas.
14. Informações complementares: inserir outras informações que possam ser úteis na construção da estação.
Em relação ao desenvolvimento dos cenários, eles • Estação simulada: momento da ação de simula-
devem acontecer de acordo com as seguintes etapas: ção em que a tarefa é realizada de forma prática,
• Pré-briefing: deve ser conduzido de forma estru- sendo observada pelo facilitador e pelos demais
turada antes do desenvolvimento do cenário, em participantes, com ou sem gravação audiovisual.
que o facilitador realiza orientações aos partici- • Debriefing e sessão de feedback: momento em
pantes sobre o espaço, equipamento e simulador. que o debriefing é uma fase planejada e voltada
• Briefing: no qual devem ser repassadas todas as para a promoção do pensamento reflexivo e o
orientações específicas quanto ao cenário si- aperfeiçoamento do desempenho futuro do par-
mulado que será desenvolvido, com a apresen- ticipante com feedback formativo, para enrique-
tação do problema e dos passos relativos à ta- cer o aprendizado e contribuir para a consistên-
refa a ser realizada.
Quadro 5. Temas indicados para o treinamento de enfermeiros para atuação nos atendimentos de urgência e
emergência.
Urgências clínicas • Doenças circulatórias (infarto agudo do miocárdio, angina instável, arritmias, aci-
no paciente adulto dente vascular encefálico, quadros isquêmicos e edema agudo de pulmão)
• Doenças metabólicas (diabetes descompensado, coma hipoglicêmico e coma
hiperosmolar)
• Intoxicações exógenas
Urgências clínicas • Sofrimento respiratório agudo (mal asmático, obstrução por corpo estranho, fa-
na criança ringites e epiglotites)
• Atendimento inicial do paciente politraumatizado
• Traumatismo raquimedular
• Traumatismo cranioencefálico
• Trauma torácico
• Trauma abdominal
• Trauma de extremidades
Urgências traumáticas • Choque e hemorragias
no adulto e na criança • Trauma de face
• Queimaduras
• Quase afogamento
• Trauma na gestante
• Lesões por eletricidade
• Acidentes com múltiplas vítimas
• Acidentes com produtos perigosos
• Psicoses
Urgências • Tentativa de suicídio
psiquiátricas • Depressões
• Síndromes cerebrais orgânicas
• Trabalho de parto normal
• Apresentações distócicas
• Hipertensão na gestante e suas complicações
Urgências obstétricas
• Hemorragias
• Abortamento
• Cesárea post mortem
O Quadro 5 traz em seu escopo alguns dos pos- magem, considerando os itens do Quadro 2 e ainda
síveis cenários a serem trabalhados na educação algumas questões relativas aos cenários apresenta-
baseada em simulação para estudantes de enfer- das no Quadro 6.
244 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 6. Itens para estruturação e organização prévia da estação simulada completa.
DEFINIÇÕES PRÉVIAS:
• Gravação do cenário: definir se será realizada a gravação, bem como os equipamentos e o responsável.
• Tipo de comunicação entre estudante/candidato e avaliadores: forma verbal, escrita, visual.
1. Instruções para o participante/estudante/candidato: informações essenciais para o caso clínico e defini-
ção das tarefas e de sua duração (estabelecer um limite de duração da atividade com tempo suficiente para
que os participantes atinjam os objetivos).
2. Instruções sobre o cenário simulado: realizar a listagem dos recursos de acordo com as necessidades e pos-
sibilidades do cenário: 1. espaço para a simulação; 2. simuladores (manequins), se forem utilizados; 3. mo-
biliários (cama, cadeira, armários, suporte de soro e biombo); 4. equipamentos (monitor, aspirador e foco);
5. materiais (seringas, sondas e termômetro); 6. documentação de apoio (cartas de encaminhamento, fi-
cha de atendimento e exames complementares); 7. utilização de recursos diagnósticos e terapêuticos, de
medicações e de equipamentos; e 8. adereços (roupas, documentos de identificação, embalagens de remé-
dios, exames prévios, dispositivos invasivos, maquiagem, sangue e secreções).
3. Checklist de montagem da estação: incluindo a disposição do mobiliário e das pessoas envolvidas em cena,
para sua padronização e reprodutibilidade.
4. Recursos humanos para condução do cenário: definir os diferentes papéis a serem desempenhados no ce-
nário para estabelecer o número de participantes e seus pré-requisitos. Em relação ao levantamento dos
recursos humanos, devem ser incluídos facilitadores, pacientes simulados ou padronizados, operadores
de equipamentos tecnológicos e outros que venham a se fazer necessários.
5. Orientações ao paciente simulado: script e, caso haja necessidade, descrição das observações para mou-
lage, vestimenta e adereços.
7. Informações sobre o caso e condutas a serem tomadas: descrição das possibilidades de condutas que o es-
tudante/candidato pode adotar, definindo como agir.
8. Fluxograma de decisões possíveis das estações: para auxílio no desenvolvimento do cenário de acordo com
a evolução e as ações do participante.
Ressalta-se que esse treinamento deve ser con- O treino de habilidades específicas é fundamen-
tinuado após a graduação, de modo a permitir que tal para a enfermagem que atua em urgência, mas é
enfermeiros residentes e aqueles já atuantes na na resolução de cenários completos e complexos, em
profissão possam aprimorar conhecimentos e com- ambiente de simulação, que os estudantes consolidam
petências já adquiridos e revisá-los por meio de seus saberes, seus recursos sociais e pessoais, e desen-
retreinamentos. volvem as capacidades de raciocínio crítico, tomada de
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O ensino da Ginecologia e
Obstetrícia na graduação
e residência médica
251
Edison Luiz Almeida Tizzot
Médico ginecologista
Doutor em Ginecologia pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR)
Professor de Tocoginecologia - UFPR
Roxana Knobel
Médico ginecologista
Doutora em Obstetrícia - UNICAMP
Professor de Tocoginecologia - UFSC
252 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
A Associação Americana de Professores e obstetrícia venha a ser direcionado de maneira
de Ginecologia e Obstetrícia (ASSOCIATION abrangente à saúde da mulher, tanto nas esferas fí-
OF PROFESSORS OF GYNECOLOGY AND sica e emocional, como nas diversas relações socio-
OBSTETRICS, 2019) apresenta métodos de ensino e culturais que as permeiam. Além disso, no cuidado
avaliação relacionando-os às suas aplicabilidades em do ciclo gravídico-puerperal, devem-se considerar
temas específicos da saúde da mulher. Um dos pontos algumas particularidades, como a crescente medi-
de destaque é o ensino com simulação. Os tempos de calização do parto com altas taxas de cesariana, a
“tentativa e erro”, ou “veja uma vez, faça uma vez e saúde da prole e os cuidados para facilitar a forma-
ensine uma vez”, estão deixando de ser as principais ção do vínculo entre mãe e bebês. O processo de
fontes de aprendizado (GARDNER; RAEMER, 2008). saúde-fisiologia e adoecimento-patologia da mu-
A simulação permite a aquisição de competências e lher durante todo o ciclo de vida é complexo. Os
habilidades orientadas de forma prática e adequada contextos relativos ao envolvimento da mulher na
para o posterior atendimento das pacientes com se- sociedade e nas diferentes constituições familiares,
gurança e qualidade. Em ginecologia e obstetrícia, as os determinantes sociais de saúde e adoecimento, e
práticas de simulação podem envolver reconstituição a medicalização dos processos fisiológicos são, por
de procedimentos de rotina, avaliações clínicas, situa- exemplo, importantes variáveis de comportamento e
ções de emergências, eventos cirúrgicos e habilidades exposição a adaptações e alterações da saúde. Esses
direcionadas à comunicação, tanto de relação médico conteúdos devem ser reconhecidos e contemplados
e paciente quanto entre equipe e profissionais. Nesse em sua integralidade e individualidade. Também
aspecto, pode-se recorrer a atores, equipamentos ou é importante que o estudante de graduação tenha
manequins, usados isoladamente ou em conjunto, a contato com as melhores evidências científicas dis-
depender do objetivo educacional que se queira atingir. poníveis e aprenda a buscá-las, conhecê-las e in-
terpretá-las. A oferta desses conhecimentos deve
iniciar-se no primeiro ano do curso, com destaque
2. GRADUAÇÃO para a atuação na promoção da saúde e prevenção
de doenças, constituindo-se em um importante elo
As orientações gerais para a formação dos currículos na saúde da mulher seja qual for a etapa de vida em
nas diversas áreas de conhecimento devem consi- que ela se encontre (TIZZOT, 2014).
derar que, de acordo com as Diretrizes Curriculares Com base nas premissas já citadas e consolida-
Nacionais (DCN) dos cursos de Medicina (BRASIL, das nas DCN, o modelo de ensino que seguia a he-
2014), o egresso completará uma formação gene- rança supostamente deixada pelo relatório Flexner
ralista, de modo a estar apto a atuar em unidades (ALMEIDA FILHO, 2010) teve que ser integral-
básicas de saúde (UBS) e serviços de pronto aten- mente revisto. As características marcantes do mo-
dimento logo após finalizado o seu curso. A insti- delo tradicional – ter como principal local de atua-
tuição de ensino deve propiciar a formação de um ção grandes centros hospitalares; foco no modelo
profissional capacitado a atuar nos diferentes níveis biomédico, sem ênfase nos determinantes sociais;
de atenção no processo saúde-doença, com ações promoção da especialização com aprofundamento
de promoção e recuperação da saúde, e prevenção de conhecimentos específicos; fragmentação do
de doenças, promovendo a saúde integral da mu- conhecimento; e pouco enfoque na compreensão
lher. Nesse aspecto, o ensino de ginecologia e obs- holística dos processos de saúde e doença – não se
tetrícia se enquadra como uma especialidade apta adaptam mais ao perfil do profissional que as es-
a abranger os vários aspectos previstos nas DCN, colas médicas almejam formar.
pois a meta é desenvolver no aluno a assistência in- Essa transformação do modo de ensino-apren-
tegral à mulher, desde a infância, estendendo-se à dizagem intensificou-se a partir de 2020 com as
adolescência, ao ciclo gravídico-puerperal, à ma- restrições impostas pela pandemia da coronavirus
turidade reprodutiva, ao climatério e à senectude. disease 2019 (Covid-19), tornando essencial a adap-
Todo o ciclo de vida da mulher é contemplado, mos- tação para um modelo híbrido, alternando ativida-
trando a riqueza da especialidade. des on-line e práticas presenciais.
As expectativas, os desejos, as necessidades e A orientação dos currículos por competência
as exigências da mulher transcendem o motivo da na área da saúde implica a inserção dos estudan-
consulta. Isso faz com que o ensino de ginecologia tes em cenários da prática profissional com a rea-
254 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
3. EXPERIÊNCIA DE UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO dimentos simulados, de modo a minimizar a ainda
NA GRADUAÇÃO
existente divisão por disciplinas, fazendo com que
ginecologia passe a ser parte integrante do ensino-
No curso de Medicina da Universidade Federal do -aprendizado de forma horizontal.
Paraná (UFPR), após várias reuniões entre professo- Nesse caminho, sentimos igualmente a neces-
res sensibilizados pelas novas exigências das DCN e sidade de compartilhar aspectos do ensino com si-
com as metodologias ativas de ensino, vivenciamos mulação em ginecologia-obstetrícia em ambientes
tempos de mudanças gradativas. Inicialmente sen- protegidos ou em simulações da realidade. O apren-
timos a necessidade de orientar o nosso aluno so- der com o erro e a repetição de procedimentos sob a
bre o novo perfil do médico a ser formado e, dessa assistência de professores e outros profissionais da
forma, introduzi-lo nas metodologias ativas de en- área da saúde foram incorporados na evolução do
sino, ferramenta indispensável para a quebra dos aluno de graduação. Professores de áreas diversas
paradigmas do ensino tradicional. “Dividimos” o dedicados ao laboratório de simulação passaram a
ensino de ginecologia inicialmente com a equipe incorporar em seus currículos a realização de ca-
de saúde coletiva, que, por meio do módulo de sos clínicos e exames ginecológicos simulados em
“Território e Saúde”, passou a ofertar o contato manequins. Dessa forma, aspectos referentes à pro-
do aluno com a comunidade já no primeiro ano pedêutica ginecológica e aos exames de prevenção
de curso. Simultaneamente introduzimos a disci- do câncer do colo uterino e da mama desde cedo
plina “Saúde e Sexualidade na Adolescência”, em são apresentados e praticados.
que elementos básicos de fisiologia, como com- Atentos à necessidade de desenvolvimento de
preensão das transformações hormonais da mu- competências e habilidades voltadas às reais neces-
lher na adolescência e anticoncepção, mostraram- sidades da comunidade, promovemos em nossa es-
-se essenciais para o aprendizado inicial e pessoal cola a quebra de paradigmas, afastando-se do en-
de cada estudante, tornando-se um conteúdo pre- sino focado em doenças e excepcionalidades. Uma
paratório para o entendimento dos diversos temas nova e radical abordagem envolveu em especial o
de ginecologia e obstetrícia. Essa disciplina traba- conteúdo da disciplina de ginecologia, com mudan-
lha com conteúdo essencialmente prático, sendo ças essenciais nos tópicos e na maneira de serem
constituída por sessões de TBL que contemplam abordados pelo nosso grupo de professores, ante-
temas da realidade da mulher, de vivência própria riormente dedicados apenas às subespecialidades.
do aluno, como aspectos de sexualidade, anticon- Os tratados dedicam mais de mil páginas a te-
cepção e prevenção de infecções de transmissão se- mas de ginecologia, divididos em inúmeros capítu-
xual, assim como temas de observação nos conta- los, o que evidentemente é impossível de ser estu-
tos iniciais com a comunidade. dado durante o curso de Medicina. Por exemplo, o
A participação no Programa de Educação pelo renomado Bereck & Novak: tratado de ginecologia,
Trabalho para a Saúde (PET-Saúde)1, em parceria de Jonathan S. Berek (2014), contém 40 capítulos
com secretárias municipais de saúde, tem igual- distribuídos em 1.184 páginas. Portanto, no período
mente facilitado a interação do aluno nos proble- em que é ministrada a disciplina de ginecologia, em
mas comunitários relacionados à mulher. Com a um semestre ou 20 semanas, o aluno teria de percor-
constituição de equipes multidisciplinares, abor- rer aproximadamente 60 páginas por semana ou es-
dagens específicas como anticoncepção na ado- tudar de oito a nove páginas por dia, além de ter de
lescência, pré-natal e prevenção do câncer gine- encaixar esse tempo entre os ensinamentos de obs-
cológico integram o escopo dessas atividades. A tetrícia e as demais disciplinas do mesmo período.
interação com estudantes de outras áreas da saúde, Concluímos ser essencial a construção de um novo
como enfermagem, farmácia, odontologia, nutri- modelo de ensino-aprendizado direcionado para o
ção e terapia ocupacional, desenvolve no aluno a conhecimento dos tópicos que espelham a maio-
compreensão da saúde da mulher na sua integrali- ria dos eventos ginecológicos abordados nas UBS.
dade. Essas atividades contam com rodas de con- Baseados nas estatísticas das queixas ginecológicas
versa em reuniões conjuntas entre professores de mais frequentes, selecionamos 12 temas: consulta
saúde coletiva e ginecologia e obstetrícia, e aten-
1
Mais informações estão disponíveis em: https://www.ufpr.br/portalufpr/?s=Pet+saude&post_type=noticias
256 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
tocias, sutura de períneo e condutas na hemorragia marcos de competência são essenciais para que
pós-parto (KNOBEL et al., 2020). Manequins gine- se estabeleçam as competências e habilidades a
cológicos podem ser construídos com argila esco- serem desenvolvidas em complexidade crescente.
lar, gesso, látex, anilina de várias cores, borracha A experiência a ser adquirida nos hospitais
de silicone e espuma de polietileno (RODRIGUES universitários também é fundamental para que
et al., 2012). Os manequins permitem a realização o aprendizado das condutas especializadas, dos
de procedimentos como exame especular, coleta de principais procedimentos ginecológicas e obs-
material para citologia oncótica de Papanicolaou, tétricos, e os atendimentos de urgência sejam de
toque vaginal, entre outros. Procedimentos cirúr- domínio do médico residente. Habilidades espe-
gicos podem ser replicados em variados simula- cíficas como a realização de ultrassonografia gi-
dores (DEERING; AUGUSTE, 2013). necológica e obstétrica integram esse conteúdo.
Na UFPR, uma experiência gratificante acon- Ao residente do terceiro ano caberão o entendi-
teceu no treinamento para a realização de cirurgia mento e a resolução dos processos mais comple-
de alta frequência, utilizando-se material biológico xos envolvendo a ginecologia (também mastologia
de língua de boi que apresenta textura semelhante e oncologia) e obstetrícia. Uma parte de sua par-
ao colo uterino. Comprimindo-se entre duas fo- ticipação poderá ser direcionada, no último ano
lhas de material rígido, simula-se o colo uterino,
da residência, às subespecialidades para as quais
e manchas pintadas em sua superfície mimetizam
demonstre maior interesse e habilidade.
as neoplasias intraepiteliais cervicais, permitindo-
A Comissão Nacional de Residência Médica
-se a prática desde biópsias simples até conizações.
(CNRM), em trabalho conjunto com a Federação
Manipulação de pinças e suturas cirúrgicas lapa-
Brasileira das Associações de Ginecologia e
roscópicas podem ser treinadas em “caixa preta”
Obstetrícia (Febrasgo), enumera objetivos espe-
de construção relativamente simples.
cíficos relacionados em competências por ano de
Na Universidade Federal de Santa Catarina
treinamento. Destacam-se como eixos de apren-
(UFSC), elaborou-se um simulador de baixo custo
com uma bermuda de tecido maleável com um dizado: atenção à saúde e cuidados no período
“furo” no local do períneo, que o estudante ou uma pré-natal, atenção à saúde e cuidados no período
atriz veste por cima da roupa habitual, um boneco intraparto, atenção à saúde e cuidados no perí-
adquirido em lojas comerciais e uma placenta com odo puerperal, habilidades técnicas em procedi-
cordão confeccionados com crochê. O simulador mentos em obstetrícia, habilidades técnicas em
permite o treinamento da assistência ao parto fi- procedimentos em ginecologia, atenção à saúde e
siológico e com distocias ou outras complicações. cuidados nas desordens do assoalho pélvico (in-
Além desse treinamento, ao vivenciarem os diver- continência urinária e fecal, prolapsos genitais),
sos papéis no cenário de simulação (parturiente, abordagem das massas pélvicas e dos tumores de
médico assistente, acompanhante), os estudan- ovários, dor pélvica aguda e crônica, contracep-
tes podem experienciar aspectos relacionados à ção e planejamento familiar, sangramento uterino
assistência, à comunicação verbal e não verbal, à anormal, cuidados referentes a infecções, condi-
relação médico-paciente e a outros temas, e re- ções e patologias relacionadas à ginecologia endó-
fletir sobre eles. crina, controle do câncer de colo nos níveis primá-
rio e secundário, patologias mamárias em níveis
primário e secundário, urgências e emergências, e
5. RESIDÊNCIA MÉDICA desordens não originárias do aparelho reprodutor.
Complementa-se o programa de residência em gi-
A residência médica em ginecologia e obstetrí- necologia e obstetrícia com abordagem referente
cia no seu primeiro ano visa sedimentar os conhe- à segurança do paciente e ao profissionalismo, e
cimentos gerais da especialidade e deveria manter cada item é detalhadamente descrito com níveis
intensa programação de atendimento na comuni- crescentes de complexidade, constituindo os mar-
dade e nos hospitais de baixa complexidade. Os cos de competência (BRASIL, 2019).
TEMAS
PROCEDIMENTOS
ELETIVOS URGÊNCIAS
Relação
• Consulta humanizada e ambiente protegido
médico- paciente
Atendimento
Exame
à vítima de • História clínica e evidências periciais
ginecológico
violência sexual
Desenvolvimento
• Diagnóstico de amenorreia primária e secundária
puberal
Anticoncepção • Inserção de dispositivo intrauterino (DIU)
Anticoncepção
de emergência • Anticoncepção adolescente
Investigação
inicial de • Anamnese e exames
infertilidade
Leucorreias • Exame a fresco/diagnóstico etiológico
Infecções de Doença inflamatória • Manual do Ministério da Saúde
transmissão sexual pélvica • Coleta de material
Dismenorreia
• Diferenciação da dismenorreia primária e secundária
e tensão pré-
• Síndrome disfórica pré-menstrual
menstrual (TPM)
Dor pélvica Abdômen agudo • Fluxograma Dor Pélvica
• Diagnóstico clínico e ecográfico
Endometriose
• Videolaparoscopia
Climatério • Terapia de reposição hormonal (TRH)
Sangramento Hemorragias • Sistema PALM-COEIN
uterino anormal uterinas • Ultrassonografia
Pólipos e mioma Sangramento • Diagnóstico/ecografia
• Drenagem
• Consentimento informado
• Bases técnicas das cirurgias ginecológicas
Cirurgia
Abcessos • Cuidados pré e pós-operatórios
ginecológica
• Correção de incontinência urinária
• Conização
• Histerectomias e anexectomias
Massas anexiais Torção de cistos • Exames de imagem/tratamento cirúrgico
Prevenção do
• Interpretação citologia Papanicolaou
câncer
• Interpretação de mamografia
ginecológico
258 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Conização
Câncer
• Estadiamento
do colo uterino
• Referência e contrarreferência
• Biópsias
Câncer
• Estadiamento
de mama
• Referência e contrarreferência
Exame obstétrico • Ausculta fetal, manobras de Leopold e toque vaginal
• Preenchimento adequado do cartão de pré-natal, so-
licitação e interpretação de exames de rotina, acom-
Pré-natal de panhamento de peso e estado nutricional, acom-
risco habitual panhamento de pressão arterial, mensuração de
altura uterina (curva de crescimento uterino), discus-
são de plano de parto e preparação para o parto
• Solicitação de exames, comunicação, re-
ferência e contrarreferência
Amniorrexe • Avaliação de vitalidade fetal – ultrassonografia e
pré-termo cardiotocografia
Pré-natal de Pré-eclâmpsia/ • Solicitação de exames, diagnóstico diferencial e uso do sul-
alto risco eclêmpsia fato de magnésio
Restrição de
• Avaliação de vitalidade fetal – ultrassonografia
crescimento
e cardiotocografia
intrauterino
Óbito fetal • Diagnóstico, comunicação de más notícias e indução de parto
Intercorrências
Diabetes gestacional • Diagnóstico e seguimento do diabetes gestacional, e trabalho
clínicas na
descompensado em equipe multiprofissional
gestação
• Diagnóstico de trabalho de parto, acompanhamento do tra-
balho de parto, dinâmica uterina, indução de parto e condu-
ção de parto, métodos de alívio da dor e uso do partograma
Parto distócico • Uso do partograma, condutas para correção e registro
Trabalho de parto • Fatores de risco, inibição do trabalho de parto prematuro e
prematuro assistência ao parto prematuro
Situação fetal não • Avaliação de vitalidade fetal, cardiotocografia, ausculta inter-
tranquilizadora mitente e condutas para melhorar oxigenação fetal
Atendimento
Parto • Comunicação em situações de emergência, indicações, con-
ao parto
instrumentalizado traindicações, critérios de aplicabilidade, técnica e registro
• Indicações absolutas e relativas, riscos, técnica cirúrgica e cui-
Cesariana
dados pós-operatórios
Parto pélvico • Comunicação, assistência, manobras e registro
Distócia de ombros • Comunicação, assistência, manobras e registro
Lacerações de
• Diagnóstico, comunicação, técnica cirúrgica, cuidados
trajeto e lacerações
pós-operatórios e registro
perineais graves
7. MARCOS DE COMPETÊNCIA nato (nível 2); residente de primeiro ano (nível 3); re-
sidente de segundo ano (nível 4); residente de terceiro
Prosseguindo a construção de um ensino-aprendi- ano (nível 5) (ACCREDITATION COUNCIL FOR
zado que possa se estruturar na construção de si- GRADUATE MEDICAL EDUCATION; AMERICAN
mulações clínicas e cirúrgicas, devem-se desenhar BOARD OF OBSTETRICS AND GYNECOLOGY;
os marcos de competência que conduzam para as AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICS AND
Entrustable Professional Activities (EPA), as ativida- GYNECOLOGY , 2015).
des profissionais confiáveis. Cada EPA deve integrar A “Matriz de competências em ginecologia e
diversas competências e marcos de desempenhos, obstetrícia” da Febrasgo destaca a aplicação do
descritos na literatura médica com a denominação OSCE em ambientes simulados para a avaliação
de milestones. Esses pilares de referência permiti- das habilidades clínicas nas diversas competências
rão a identificação das variadas velocidades de se médicas esperadas do médico residente, escalona-
adquirir o aprendizado, de modo que este se ajuste damente do R1 ao R3 (FEDERAÇÃO BRASILEIRA
às necessidades individuais, assim como a identi- DAS ASSOCIAÇÕES DE GINECOLOGIA E
ficação precoce daqueles aprendizes que necessi- OBSTETRÍCIA, 2019).
tarão de dedicada orientação em temas específicos Outra contribuição para a definição das priori-
(GAROFALO; AGGARWALL, 2018). dades e dos eixos de matriz de competências en-
Com base num aprendizado gradativo, as EPA contramos na revisão intitulada “‘EPAS’ em gine-
devem ser relacionadas uma a uma, ressaltando os cologia e obstetrícia: conceitos atuais” (COELHO;
marcos de competências a elas relacionados nos cinco ROMÃO; SÁ, 2019). A seguir, transcrevemos os te-
níveis de aprendizado: pré-internato (nível 1); inter- mas relacionados à ginecologia e obstetrícia.
260 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 2. EPA e eixos da matriz de competências.
EPA
GINECOLOGIA OBSTETRÍCIA
• Exame ginecológico
• Coleta de citologia oncótica cervical
• Exame de mamas
• Relação médico-paciente
• Comunicação de más notícias
• Abordagem das infecções sexualmente transmissíveis (IST)
A abordagem desses temas por meio de criativas alunos e residentes como para os professores e tu-
estações simuladas ensejará a realização de ensino- tores. Dessa forma, coroa-se o ensino, permitindo-
-aprendizagem de alto impacto positivo, tanto para -se uma prática médica técnica e segura.
262 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
9. REFERÊNCIAS FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES
DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA. Matriz de
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264
Brena Melo, MD, OBGYN, PhD
Coordenadora do Centro de Simulação da
Faculdade Pernambucana de Saúde
Coordenadora da Enfermaria de Gestação
de Alto Risco do Instituto de Medicina
Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP
266 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
ção de procedimento deve ser pré-requisito para a um maior aprendizado, com um manejo melhor e
aprendizagem e performance dos aspectos rotinei- mais rápido dos casos simulados por parte dos re-
ros da tarefa, além de detalhar o passo a passo de sidentes que foram submetidos ao treinamento si-
como realizá-la. Finalmente, a prática parcial ofe- mulado com o uso das DDI (MELO et al., 2017).
rece a oportunidade de praticar alguns aspectos ro- A seguir, num trabalho qualitativo, a série de es-
tineiros da tarefa até que se atinja um grau elevado tudos analisou a percepção da transferência do co-
de automação (MERRIËNBOER, 2018). nhecimento residentes médicos de GO após o trei-
Revisões sistemáticas sobre o uso de elemen- namento simulado para HPP. O grupo de residentes
tos das DDI nos treinamentos simulados apresen- submetidos ao treinamento simulado com o uso das
tam resultados preocupantes ao apontarem a utili- DDI relatou uma maior percepção da transferên-
zação insuficiente desses elementos nos diferentes cia do conhecimento, pontuando em maiores de-
desenhos de treinamentos simulados publicados talhes os benefícios dos elementos instrucionais
na literatura. Vale destacar, por exemplo, o uso in- adotados, como oportunidade de repetição e apre-
suficiente dos seguintes elementos fundamentais sentação de um protocolo disponível de fácil utili-
das DDI: oportunidade de repetição e aplicação zação (MELO et al., 2018).
da prática (tarefa), variabilidade de situações clí- Para concluir essa série de estudos, foi avaliado
nicas, complexidade crescente dos casos apresen- o impacto na prática clínica do treinamento simu-
tados e poucas oportunidades de feedback (debrie- lado para HPP com uso de DDI, numa compara-
fing) e autoavaliação. Esse uso insuficiente leva a ção da assistência às pacientes antes e depois do
um importante comprometimento do aprendizado treinamento. Os achados evidenciaram uma me-
e da transferência de conhecimento do treinamento lhora da assistência, com o uso de doses maiores
por meio da simulação para as mais diversas áreas de ocitocina em um número menor de pacientes,
de conteúdo (COOK et al., 2012; MCGAGHIE et o que indica uma maior consciência da situação de
al.et al., 2010). risco por parte dos residentes médicos de GO, após
Na GO, a necessidade do uso das DDI para o o treinamento (MELO, 2021). Os achados da série
desenho de treinamentos por meio da simulação de estudos anteriormente descrita reforçam as evi-
foi reconhecida e levou a uma série de estudos so- dências favoráveis ao uso das DDI nos desenhos de
bre o tema. Nessa série de estudos, o conteúdo (ou treinamentos por meio da simulação para a área da
problema, ou tarefa) adotado foi a HPP por conta GO. Ou seja, os achados positivos quanto ao apren-
de sua prevalência e semelhança de seu manejo dizado, à transferência de conhecimento e aos re-
com inúmeras situações de alto risco. No manejo sultados (melhoria da assistência às pacientes) de-
ideal da HPP, há, por exemplo, necessidade de uma monstram uma maior eficiência dessa estratégia de
boa consciência da situação/situational awareness, treinamento com o uso das DDI (MELO et al., 2018).
de uma comunicação eficiente entre membros da Além dos elementos relativos ao desenho ins-
equipe e de um trabalho em equipe adequado. Por trucional, outras características do treinamento
esse motivo, os achados dessa série têm grande vali- por meio da simulação devem ser consideradas
dade externa e podem ser facilmente aplicados aos por terem impacto na sua eficiência. São elas: lo-
demais conteúdos da GO (Melo, 2018). cal do treinamento, tipo de simulador a ser adotado
Inicialmente, foi realizado um levantamento (alta ou baixa fidelidade), integração de elementos
quanto ao uso e/ou descrição do uso adequados de comunicação, trabalho em equipe, consciência
das DDIs nos treinamentos simulados para HPP da situação (situational awareness), multidiscipli-
publicados na literatura. Os resultados apontaram naridade, aprendizagem autodirigida e conteúdos
para uma escassez de descrição do uso de elemen- específicos da GO (SORENSEN, 2018; NORMAN;
tos das DDIs na literatura analisada, o que pode DORE; GRIERSON, 2012; EDOZIEN, 2015; BRUIN;
refletir uma preocupante negligência quanto à in- MERRIËNBOER, 2017).
fluência de um bom desenho instrucional na efici- Quanto ao o local do treinamento, ele pode ser:
ência do treinamento simulado (MELO et al., 2018). 1. in situ, intra-hospitalar e no local da prática dos
O estudo seguinte explorou o impacto no apren- profissionais, 2. intra-hospitalar, mas em local di-
dizado de residentes médicos de GO após um trei- ferente da prática habitual dos profissionais, e 3. off
namento simulado para HPP com uso de DDI. Os site, em centros de simulação. Evidências recentes
achados desse estudo comparativo apontaram para apontam para uma vantagem do treinamento para
268 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
nidade de treinamento, particularmente pela restri- plo pode incluir estudos quanto a vantagens e des-
ção a cirurgias eletivas e pelas mudanças nos fluxos vantagens dos diferentes ambientes (in situ ou em
de atendimentos para aqueles em formação na área centro de simulação) para o treinamento por meio
de GO. Mais uma vez, a simulação, com a sua carac- da simulação na área da GO.
terística de possibilidade de repetição ambiente se- Além desses exemplos, pesquisas sobre o me-
guro para o aprendiz e sem riscos para os pacientes, lhor uso dos diferentes tipos de simuladores (alta
oferece a chance de compensar essa lacuna de opor- ou baixa fidelidade, parciais ou totais) ou sobre as
tunidade para treinamentos (HOOPES et al., 2020). diferentes situações clínicas têm infinitas possibi-
Perspectivas futuras apontam para uma imple- lidades no treinamento por meio da simulação. A
mentação rotineira de treinamentos por meio da si- exploração dessas características dos diferentes
mulação na área da GO, nos mais diversos centros formatos de treinamento para as mais diferentes si-
de formação, com priorização de sua eficiência por tuações clínicas da GO é fundamental e deve, pre-
meio de bons desenhos instrucionais. Para isso, o ferencialmente, ser iniciada por um levantamento
primeiro passo consiste na elaboração de um cur- de necessidades para cada uma delas. Finalmente,
rículo específico para esses treinamentos (CRAIG; a pesquisa na área de simulação em GO deve bus-
POSNER, 2017). As possibilidades são inúmeras e car explorar as oportunidades de treinamento e
devem priorizar a aprendizagem complexa dos mais avaliação para integração e aplicação do conteúdo
diversos conteúdos da GO por meio da integração identificado como essencial para um trabalho em
das diferentes características do treinamento por equipe eficiente, com boa comunicação e resulta-
meio da simulação. O público-alvo a ser conside- dos eficientes em longo prazo.
rado inclui todo o espectro de profissionais da área Em conclusão, a simulação em GO é um impera-
em seus diferentes níveis de formação: estudan- tivo para os centros de formação na especialidade,
tes, residentes e profissionais em rotinas de edu- tanto para treinamento quanto para as práticas de
cação continuada. avaliação e pesquisa. O estado da arte sobre essa es-
Quanto às possibilidades de propostas de pesqui- tratégia de treinamento consiste em maximizar a
sas sobre o tema, elas são inúmeras e devem incluir sua eficiência para um melhor aprendizado, trans-
cada uma das características anteriormente discu- ferência de conhecimento e consequente melhoria
tidas. Por exemplo, o uso dos elementos específicos dos resultados por meio de um bom desenho ins-
das DDI nos desenhos instrucionais dos treinamen- trucional. A pesquisa dos diferentes elementos en-
tos pode ser explorado em detalhes: quanto ao nú- volvidos no planejamento e na execução do trei-
mero ideal de cenários a serem repetidos para uma namento, da avaliação e da pesquisa da simulação
maior eficiência do treinamento ou quanto ao me- em GO é o caminho para a excelência da simulação
lhor formato de sessões de debriefing. Outro exem- e, consequentemente, da assistência às mulheres.
270 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
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274 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
ricanas retomaram pesquisas sobre simula- 1988) e, a segunda, University of Florida, de-
dores de alta fidelidade, a primeira, Stanford senvolveu o Gainesville Anaesthesia Simulator
University, desenvolveu o “Comprehensive (GAS), em projeto liderado por Michael Good e
Anaesthesia Simulation Environment” (CASE) Gravenstein (1989). O CASE foi, posteriormente,
(em tradução livre para o português, ambiente comercializado pela Medsim© e o GAS pela
de simulação compreensiva para anestesia), Medical Education Technologies©, Inc (MET)
coordenado por David Gaba (GABA; DE ANDA, (BRADLEY, 2006).
A Stanford University focou no trabalho em ver de uma criança, para simular com parteiras pro-
equipe em ambientes de simulação realística e in- cessos normais e anormais do parto. Sir William
corporou o modelo de gerenciamento de recursos Smellie, pai da obstetrícia britânica, refinou este
da tripulação (crew resource management), pro- modelo usando uma pelve feita com ossos cobertos
veniente da aviação comercial, no currículo de por couro, um manequim bebê com membros arti-
gerenciamento de recursos de crise em aneste- culados, produzido em madeira e borracha, e uma
sia (ACRM - anaesthesia crisis resource manage- placenta feita de couro (WILSON, 1995).
ment), causando impacto positivo no desenvolvi- No mesmo período, Sir Richard Manningham,
mento de treinamentos clínicos baseados em time grande defensor da prática de manobras obstétri-
(GABA et al., 2001). cas com manequins, na ocasião denominados de
3) A reforma da educação médica, motivada em “Phantoms”, fabricou uma máquina de vidro para
parte pelo reconhecimento mundial da ne- simular o manejo do parto às parteiras de Londres
cessidade de formação de médicos mais efica- (CODY, 2005; GARDNER; RAEMER, 2008).
zes, perdurando até os dias atuais (GENERAL Madame Du Coudray, parteira da corte de
MEDICAL COUNCIL, 2003; ASSOCIATION Luís XV, usou simuladores para ensinar parteiras
OF AMERICAN MEDICAL COLLEGES, 1999; a partejar em todo o território francês (GELBART,
BRADLEY, 2006). 1998). Era conhecida pela criação do simulador
No que se refere à história da simulação em “The Machine”, uma pelve anatômica em tama-
obstetrícia e ginecologia, destaca-se o ano de 1700, nho real, feita de vime, forrada em linho e couro,
quando dois cirurgiões europeus criaram um simu- simulando a pele humana, e preenchida por algo-
lador obstétrico feito de vime, incluindo um cadá- dão (Figura 3).
276 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
3. TIPOS DE SIMULADORES
CATEGORIA DO SIMULADOR
Simuladores Simulador Simulador baseado Simulador
Atributo Simulador
treinadores de guiado por em computador em realidade
guiado por
tarefas parciais modelo (Computer-Based virtual/
instrutor (IDS)
(PTT e TSM) (MDS) Simulators) com tato
De
Fidelidade Baixa Intermediária Alta Baixa intermediária
a alta
De média De baixa De baixa
Portabilidade Alta Alta
a alta a média a alta
Feedback para Comumente Sim, em Sim, Sim, em
Sim, algum
o usuário nenhum grande parte em grande parte grande parte
Individual Individual
Individual,
Dimensão do ou pequena; ou pequena; Individual, Individual
pequena ou
grupo- alvo grande para grande para pequena ou grande ou pequena
grande
demonstração demonstração
Custo Tipicamente Tipicamente de Tipicamente Tipicamente de Tipicamente
baixo baixo a médio de médio a alto baixo a médio alto
Figura 7. MamaBirthieTM.
Fonte: Disponível em: https://www.laerdal.com.br.
Os simuladores guiados por instrutor, também
conhecidos como de fidelidade intermediária, re-
plicam integralmente o corpo humano ou uma área
dele (MARAN; GLAVIN, 2003). Eles respondem
ao comando de instrutores, refletindo resposta em
tempo real na condição do manequim. Variam em
sofisticação, tendo uma interação limitada com o
usuário, embora a saída (output) dos sinais vitais
nos visores seja consistente (figuras 11 e 12). A fi-
delidade excede os treinadores de tarefas parciais
e é menor do que os guiados por modelos. Alguns
Figura 8. Módulo de palpação para a manobra de Leop- fornecem feedback sobre o desempenho das tare-
old Zweifel fas específicas (GABA, 2004; GARDNER, 2007).
Fonte: Disponível em: https://www.3bscientific.com.br/.
278 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Figura 13. Sequência de imagens do simulador de alta
fidelidade VictoriaTM S2200.
Figura 11. Simulador de parto PROMPT FlexTM.
Fonte: Disponível em: https://www.gaumard.com.
Fonte: Disponível em: https://limbsandthings.com.
280 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 1. Levantamento dos simuladores disponíveis no mercado para simulação em obstetrícia e ginecologia real-
izado em fevereiro de 2020.
Simulador
Categoria Breve descrição Fidelidade Marca
(Nome comercial)
Torso para treinamento da
Super OB SusieTM Treinador de Tipicamente
assistência ao trabalho de GaumardTM
S500.300 tarefas parciais baixa
parto e nascimento.
Simulador para atendimento
Articulating Treinador de materno-neonatal. Pode Tipicamente
GaumardTM
Newborn S500 tarefas parciais ser utilizado isoladamente baixa
ou com o OB SusieTM.
RITA™
Reproductive Treinador de Simulador compacto para inserir e Tipicamente
GaumardTM
Implant Training tarefas parciais remover implantes contraceptivos. baixa
Arm (S519)
Hysteroscopy Treinador de Simulador para a prática Tipicamente
GaumardTM
Simulator (S607) tarefas parciais de histeroscopia. baixa
ZOETM S504.200
Treinador de Simulador para o desenvolvimento Tipicamente
- Gynecological GaumardTM
tarefas parciais de habilidades em ginecologia. baixa
Skills Trainer
Examination
Mama em tamanho real para Limbs &
& Diagnostic Treinador de Tipicamente
exame clínico das mamas, Things,
Breast Trainer tarefas parciais baixa
autoexame e diagnóstico. Ltd
(NO. 40044)
Simulador
NoelleTM maternal, guiado por
Simulador para treinamento de Tipicamente
neonatal birthing instrutor com GaumardTM
cuidados obstétricos e neonatais. intermediária
simulator capacidade de
automatização
Simulador Simulador de parto com
guiado por níveis básicos e avançados,
Tipicamente Laerdal
SimMomTM instrutor com para treinamentos pré e pós-
intermediária MedicalTM
capacidade de natal. Pode ser utilizado com o
automatização módulo de parto automático.
Simulador para parto vaginal e
Simulador
emergências obstétricas, pode Tipicamente Operative
RealMom TM
2.0 guiado por
ser utilizado junto ao abdome intermediária ExperienceTM
instrutor
simulador de cesariana.
Code Blue® Simulador Simulador para o treinamento
Tipicamente
III Newborn guiado por de suporte avançado de GaumardTM
alta
with OMNI® modelo vida ao recém-nascido.
282 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Simulador sem fio para o
treinamento de competências em
seis áreas; entre elas, a ginecologia.
Surgical Chloe™
Simulador Pode ser utilizado em cenários
S2101 - Wireless Tipicamente
guiado por de gestação ectópica rompida; GaumardTM
Surgical Patient alta
modelo massa pélvica na gestação; aborto
Simulator
séptico e sepse; hemorragias
pós-operatórias; conização do
colo uterino; entre outros.
Simulador de recém-nascido,
Simulador sem fio, criado em parceria com a
Tipicamente Laerdal
SimNewBTM guiado por American Academy of Pediatrics,
alta MedicalTM
modelo projetado para ajudar a melhorar
a reanimação neonatal.
Simulador para eventos críticos
Simulador relacionados a bebês, que
Tipicamente
BabySIMTM guiado por gera respostas automáticas a METITM
alta
modelo intervenções realizadas pelos
participantes da simulação.
Módulo para Simulador (módulo) para o
Simulador
avaliação desenvolvimento de habilidades Tipicamente
baseado em SIMTICSTM
ultrassonográfica em avaliação de ultrassonográfica baixa
computador
de anomalias fetais de anomalia fetal.
Módulo para Simulador (módulo) para
avaliação Simulador desenvolvimento de habilidades
Tipicamente
ultrassonográfica baseado em para avaliação ultrassonográfica SIMTICSTM
baixa
do crescimento computador do crescimento fetal durante
fetal o ciclo gravídico.
Simulador para o Tipicamente
Simulador em
LAPSIM® Essence desenvolvimento psicomotor intermediária SurgicalscienceTM
realidade virtual
em cirurgia laparoscópica. a alta
Figura 18. Sequência de fotos do simulador de baixo custo para treinamento de versão cefálica externa.
Figura 19. Sequência de fotos do simulador para cirurgia cesariana- camadas anatômicas.
Fonte: Disponível em: https://saudesimuladores.paginas.ufsc.br/treinamento-de-versao-cefalica-externa/.
Figura 20. Sequência de fotos do simulador de baixo custo para o treinamento de sutura de lacerações perineais.
Fonte: Disponível em: https://saudesimuladores.paginas.ufsc.br/treinamento-de-versao-cefalica-externa/.
Em estudo brasileiro (KNOBEL et al., 2020), Uma investigação científica realizada na África,
que apresentou o processo de desenvolvimento de a qual buscou projetar e avaliar um simulador portá-
três simuladores de baixo custo, incluindo uma ber- til e de baixo custo (Figura 21) para treinar parteiras
muda simuladora de parto, um útero de Neoprene tradicionais e enfermeiras na aplicação da compres-
para tratamento de hemorragias e um simulador são bimanual e para gerenciar a hemorragia pós-parto
de sutura de lacerações perineais (supracitado), (HPP), constatou que ele possui potencial para redu-
concluiu-se que o uso de simuladores artesanais é zir a mortalidade materna por HPP em países em de-
factível e efetivo. senvolvimento (PEROSKY et al., 2011).
284 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Simuladores dessa natureza são uma excelente
opção para aplicar em locais com recursos escassos,
qualificando o treinamento de profissionais para a
melhoria na assistência à saúde materno-infantil.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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286 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 8.4
287
Júnia Aparecida Laia da Mata
Doutora em Ciências da Saúde (FEnf/Unicamp)
Mestre em Educação e Saúde na Infância e Adolescência (Unifesp)
Pós-graduada em Enfermagem Obstétrica e em Saúde da Família.
Professora do Departamento de Enfermagem
Materno-infantil (EENF/UFRGS)
288 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quanto às competências específicas, elencadas de enfermagem, envolve conteúdos relacionados ao
nas DCN do curso de graduação em Enfermagem cuidado de enfermagem, nos níveis individual e co-
(BRASIL, 2001), destacamos: atuar nos programas letivo, ofertado à criança, ao adolescente, ao adulto,
de assistência integral à saúde da criança, do ado- à mulher e ao idoso (BRASIL, 2001).
lescente, da mulher, do adulto e do idoso; ter a ca- Tais conteúdos curriculares precisam ser com-
pacidade de diagnosticar e solucionar problemas partilhados e assimilados ao longo da graduação,
de saúde, de comunicar-se, de tomar decisões, de sendo desenvolvidos por meio de atividades teóri-
intervir no processo de trabalho, de trabalhar em cas, práticas, de estágio curricular supervisionado
equipe e de enfrentar situações em constante mu- e complementares, com aplicação de metodolo-
dança; responder às especificidades regionais de gias de ensino-aprendizagem que articulem o sa-
saúde por meio de ações planejadas estrategica- ber, o saber fazer e o saber conviver, promovendo
mente, em níveis de promoção da saúde, prevenção o aprender a aprender, o aprender a ser, o aprender
de doenças e reabilitação à saúde, oferecendo aten- a fazer, o aprender a conviver e aprender a conhe-
ção integral à saúde dos indivíduos, das famílias e cer. Durante a graduação devem ser implementa-
das comunidades; liderar o trabalho da equipe de das avaliações discentes, baseadas nos conteúdos
enfermagem; utilizar de maneira adequada tecno-
curriculares e nas competências dispostas nas DCN
logias, tanto de informação e comunicação, quanto
(BRASIL, 2001).
aquelas relacionadas ao cuidado de enfermagem;
A formação em enfermagem para assistir as mu-
prestar cuidados de enfermagem compatíveis com
lheres e os recém-nascidos (RN) inicia-se no con-
as diversas necessidades apresentadas pelo indiví-
texto já descrito, considerando que é atribuição da
duo, pela família e pelos distintos grupos da comuni-
(o) enfermeira (o) prestar assistência a esse público.
dade; planejar e implementar programas de educa-
Para as (os) profissionais que desejam seguir
ção e promoção relacionados à saúde, considerando
nas especialidades de ginecologia e/ou obstetrí-
a especificidade dos variados grupos sociais e dos
diferentes processos de vida, saúde, trabalho e adoe- cia, as residências multiprofissionais e especializa-
cimento; integrar as ações de enfermagem às mul- ções são caminhos possíveis, instrumentalizando-
tiprofissionais; e adotar os instrumentos que ga- -os para exercer as atribuições contempladas no
rantam a qualidade do cuidado de enfermagem e art. 11, inciso II, da Lei do Exercício Profissional da
da assistência à saúde. Enfermagem nº 7.498, de 1986, do Conselho Federal
O perfil da (o) enfermeira (o) envolve uma for- de Enfermagem (1986): prestar assistência à par-
mação generalista, humanista, crítica e reflexiva, turiente e ao parto eutócico; realizar a identifica-
com qualificação para o exercício da enfermagem, ção de distócias e a tomada de condutas até a che-
respeitando o rigor científico e intelectual, pautado gada do médico; e aplicar anestesia local e rafia no
em princípios éticos. A (o) profissional, ao final da períneo e nas suas estruturas adjacentes, quando
formação, deve ser capaz de conhecer os problemas indicadas. A consulta de enfermagem (seja em gi-
ou as situações de saúde-doença prevalentes nos necologia ou obstetrícia) e a prescrição da assistên-
níveis nacional e regional e intervir neles, identifi- cia de enfermagem são competências específicas
cando as dimensões biopsicossociais dos seus de- da (o) enfermeira (o), respaldadas nessa legislação.
terminantes, bem como promover a saúde integral Além disso, as (os) especialistas em enferma-
do ser humano (BRASIL, 2001). gem obstétrica, segundo a Resolução Cofen nº 516
Para desenvolver as competências supracitadas, de 23 de junho de 2016 (CONSELHO FEDERAL
são definidos conteúdos essenciais para o curso de DE ENFERMAGEM, 2016), possuem atribuições
graduação em Enfermagem, os quais contemplam: específicas relacionadas à assistência às gestantes,
ciências biológicas e da saúde; ciências humanas e parturientes, puérperas e aos recém-nascidos em
sociais; e as ciências da enfermagem, que abran- serviços de obstetrícia, centros de parto normal,
gem os fundamentos de enfermagem; a assistência casas de parto e em outros locais onde ocorra a as-
de enfermagem; administração de enfermagem; e sistência, a saber:
o ensino de enfermagem. • Avaliar todas as condições de saúde materna, clíni-
Os fundamentos de enfermagem tratam de con- cas e obstétricas, assim como as do feto;
teúdos teóricos, práticos e metodológicos ineren- • Garantir o atendimento no pré-natal, parto e puer-
tes ao trabalho da (o) enfermeira (o) e, a assistência pério por meio da consulta de enfermagem;
290 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Na última etapa do curso, décimo semestre, o (a) de enfermagem especializado e atuação em time/
aluno (a) segue em estágio curricular supervisio- equipe; busque as melhores evidências científicas
nado, podendo participar de atividades em gineco- para sustentar a prática profissional; preste a as-
logia e obstetrícia, sendo esperado que demonstre sistência à saúde da mulher e do RN em situações
nesse momento níveis de progressão em suas com- de risco habitual/sadias e alto risco/emergências
petências, com capacidade de desenvolver ativida- e reconheça os paradigmas humanista e holístico.
des com maior autonomia. Ao concluir a residência ou especialização, a(o)
Além das práticas em disciplinas e do estágio enfermeira(o) precisa atuar de forma consistente e
curricular supervisionado, a simulação clínica pode autônoma, com capacidade para a tomada de deci-
ser uma metodologia de ensino-aprendizagem ado- sões, identificação e encaminhamento/referência
tada ao longo da graduação, para o treino de habi- de casos a outros profissionais, em perspectiva in-
lidades e o desenvolvimento das competências ne- tegral, humanizada e/ou holística, além de ter as
cessárias à enfermagem. competências supracitadas.
A simulação clínica é reconhecida como uma Diante do exposto, defendemos a implementa-
estratégia que oportuniza transformar a prática na ção da simulação clínica no ensino, no treinamento
área da saúde, melhorando a segurança da assistên- de habilidades e no desenvolvimento de compe-
cia. A International Nursing Association for Clinical tências em enfermagem, nas áreas de obstetrícia
Simulation and Learning – INACSL (2016) propõe e ginecologia, e apresentamos, neste capítulo, in-
diretrizes bem definidas para as melhores práticas formações que podem subsidiar a sua aplicação na
em simulação clínica de alta complexidade, tanto prática docente.
para aplicação no ensino quanto para pesquisa e ofe-
rece recomendações para treinos de habilidades, ou
seja, simulação de baixa complexidade. 3. TREINAMENTO DE HABILIDADES E USO
A INACSL (2016) defende que projetos de si- DE CENÁRIOS SIMULADOS NO ENSINO DA
mulações de cuidados em saúde eficazes facilitam ENFERMAGEM EM OBSTETRÍCIA E GINECOLOGIA
o alcance de resultados consistentes e fortalecem
a experiência baseada em simulação em todos os A implementação de boas práticas obstétricas
ambientes. As simulações clínicas podem redu- e a prevenção da morbimortalidade materna e ne-
zir o tempo no desenvolvimento de competências onatal são os principais focos da assistência obs-
e incrementar a retenção de habilidades técnicas, tétrica, portanto, os profissionais de enfermagem
quando comparada com outras estratégias didáti- que assistem gestantes, puérperas e RN precisam
cas instrutivas (COOPER; TAQUETI, 2004). estar adequadamente instrumentalizados para exer-
Como apresentado no início desta seção, outros cer com excelência todos os cuidados necessários.
caminhos para a aprendizagem sobre obstetrícia e A capacitação de futuros profissionais para a
ginecologia são a residência uniprofissional ou mul- adequada assistência ao trabalho de parto e nasci-
tiprofissional e as especializações, as quais possuem mento e eficaz resolução de quadros de urgência e
uma duração média de dois anos. emergência é considerada ponto central para a me-
No primeiro ano da residência ou especializa- lhoria do cuidado no âmbito da saúde materno-in-
ção em enfermagem obstétrica (podendo incluir gi- fantil. Nesse sentido, o treino de habilidades com
necologia ou saúde da mulher na nomenclatura do o uso de cenários simulados, como estratégia para
curso), a(o) enfermeira(o) continua a avançar e de- qualificação do processo de ensino-aprendizagem,
monstra marcos adicionais de competência, apre- tem sido cada vez mais utilizado em ambientes de
sentando de maneira consistente o domínio dos ensino, assim como em serviços de saúde.
conhecimentos propostos no programa (residên- Uma pesquisa brasileira avaliou o uso da simula-
cia ou especialização), a saber: atenção no plane- ção na área de obstetrícia como metodologia de en-
jamento reprodutivo/periconcepcional e métodos sino para estudantes do sétimo semestre do curso de
contraceptivos; pré-natal; assistência ao trabalho de graduação em Enfermagem. Os alunos foram sub-
parto e nascimento; e cuidado contínuo às mulhe- metidos à simulação clínica com os seguintes te-
res e aos recém-nascidos. Deve desempenhar prá- mas: pré-eclâmpsia (Figura 1), reanimação do RN
ticas clínicas sob supervisão de preceptor. (Figura 2), descolamento prematuro de placenta por
Já no segundo ano, é desejado que a(o) trauma (figuras 3 e 4) e consulta de planejamento
enfermeira(o) baseie sua prática em evidências familiar (Figura 5) (BRASIL, 2017).
científicas robustas, com capacidade para registro
Figura 3. Mulher sendo transportada para o pronto-socorro e estudante aguardando para admissão.
Fonte: Brasil (2017).
292 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Os participantes (N=47 alunos) foram randomi- cada aluno foi orientado pelo corpo docente com su-
zados em seis grupos, e, enquanto um grupo reali- porte técnico de simulação utilizando o SimMomTM
zava a atividade, os demais ficavam confinados em da Laerdal. Os alunos também tiveram um workshop
uma sala juntamente com um discente monitor. interativo sobre traçados de frequência cardíaca fetal
Os grupos eram chamados para realizar a simu- e dilatação cervical usando modelos cervicais “cegos”
lação de acordo com a ordem de sorteio e, após a e “abertos” (OGUNYEMI et al., 2020).
atividade simulada, não havia contato entre os aca- Ao final, ocorreu uma sessão de debriefing para
dêmicos que já haviam participado e os que esta- responder a perguntas e obter feedback constru-
vam aguardando. tivo. Os alunos responderam a pesquisas sobre ati-
Os estudantes foram avaliados por meio de um tudes e conhecimentos relacionados a conceitos da
checklist que continha a descrição de itens que de- obstetrícia antes, imediatamente após a atividade
veriam ser atendidos pelos alunos durante a simu- e quatro meses depois (OGUNYEMI et al., 2020).
lação. Para cada item havia as opções: não realizado, Na segunda etapa, foi incluída a simulação
inadequado e adequado. Eles foram construídos obstétrica interprofissional com estudantes da
tendo como base cada cenário, trazendo o papel do Enfermagem e da Medicina. Os princípios educa-
(a) enfermeiro (a) diante de cada situação apresen- cionais adicionais dessa etapa incluíram a intro-
tada (BRASIL, 2017). dução da interação interprofissional e a verifica-
Após a execução do cenário simulado e o debrie- ção de avaliações clínicas objetivas. Nessa fase, o
fing, os alunos responderam a dois instrumentos: tempo de cada estação foi aumentado para 30 mi-
Escala de Satisfação dos Estudantes e Autoconfiança nutos (OGUNYEMI et al., 2020).
na Aprendizagem e Escala de Design da Simulação. Na terceira fase, o currículo de simulação obs-
A análise dos dados mostrou que a aprendizagem tétrica interprofissional foi expandido e adicionou
por meio da simulação de cenários da área materno- a simulação ginecológica, envolvendo igualmente
infantil foi eficaz e obteve uma elevada satisfa- os estudantes de Enfermagem e Medicina. Além da
ção e autoconfiança por parte dos estudantes de interação interprofissional e dos temas já aborda-
Enfermagem (BRASIL, 2017). dos nas outras etapas, essa fase incluiu uma nova
Um projeto de educação mais amplo, estação de contracepção e inserção de dispositivo
baseado em simulação interprofissional, foi de- intrauterino (OGUNYEMI et al., 2020).
senvolvido no período de 2014 a 2017 com alu- Na última etapa, os princípios educacionais adi-
nos de graduação em Medicina e Enfermagem na cionais incluíram foco no ensino interprofissional
Escola de Medicina William Beaumont da Oakland do aluno, segurança do paciente e do trabalho em
University nos Estados Unidos. O seu conteúdo in- equipe e a introdução da autoavaliação, tanto por
cluía workshop baseado em casos de frequência car- acadêmicos de Enfermagem quanto de Medicina
díaca fetal; parto vaginal simulado; exame e avalia- (OGUNYEMI et al., 2020).
ção cervical; estação de contracepção, incluindo Os resultados dessa inciativa revelaram aumento
prática de inserção de dispositivo intrauterino e do conhecimento, conforto e percepção dos alu-
procedimentos obstétricos, abrangendo prática de nos em curto prazo, com alguma persistência de
sutura. (OGUNYEMI et al., 2020). longo prazo observada em quatro a oito meses. A
O foco principal desse projeto foi o ensino de comunicação e o profissionalismo dos alunos de
competências essenciais de profissionalismo, apren- Medicina na interação com os da Enfermagem fo-
dizagem e melhoria baseada na prática, habilidades ram enfatizados e avaliados (OGUNYEMI et al.,
interpessoais e de comunicação, assim como a cola- 2020). Consideramos que tal experiência na aca-
boração interprofissional (OGUNYEMI et al., 2020). demia se torna bastante positiva para o processo
Ele foi desenvolvido em quatro etapas. Na pri- formativo em ambas as áreas, favorecendo o de-
meira, utilizou-se a metodologia de sala de aula in- senvolvimento de competências para atuação in-
vertida, na qual os alunos vivenciaram uma palestra terprofissional e colaborativa.
sobre obstetrícia intraparto e traçados de frequência À medida que a educação e o treinamento por
cardíaca fetal, e assistiram a um breve vídeo sobre simulação se tornam cada vez mais prevalentes na
o parto. A simulação foi aplicada em grupos de três enfermagem, os custos de equipamentos e supri-
a quatro alunos, alternando em três estações de 20 mentos de capital aumentam. Isso pode representar
minutos cada. Na estação de parto vaginal simulado, um obstáculo ao processo, uma vez que sobrecar-
Figura 7. Simulador de útero confeccionado com o Figura 8. Simulador de sutura de laceração perineal e
tecido Neoprene (elastômero sintético policloropreno). laceração perineal grave. Fonte: KNOBEL et al., 2020.
Fonte: Knobel et al. (2020). Fonte: Knobel et al. (2020).
A bermuda simuladora (Figura 6) de parto per- Esse simulador também pode ser utilizado para
mite o treinamento de habilidades e atitudes refe- a discussão de modelos de assistência e habilidades
rentes à assistência ao parto normal e à resolução de comunicação, já que permite que os aprendizes
de distócias e complicações obstétricas (particular- se coloquem no papel de parturiente. Representa
mente útil para distócias que requerem mudança de uma solução de baixo custo e permite a apresenta-
posição), uma vez que os simuladores de parto de ção e simulação em ambientes diversos - escolas,
plástico ou borracha rígidos (pelve materna e feto) grupos de gestantes, além de ambientes de treina-
não permitem realizar essas manobras de forma ade- mento profissional (KNOBEL et al., 2020).
quada, e dificultam o treinamento da interação as- O simulador de útero de Neoprene (Figura 7) foi
sistente/parturiente, incluindo os efeitos dinâmi- confeccionado para o treinamento de habilidades
cos da movimentação da parturiente no manejo de e atitudes para o tratamento da hemorragia pós-
distócias (KNOBEL et al., 2020). -parto (KNOBEL et al., 2020), que representa um
294 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
quadro de alta prevalência e uma das principais cau- bovina, utilizado para o treino das suturas graves
sas de morte materna no Brasil (PAN AMERICAN (KNOBEL et al., 2020).
HEALTH ORGANIZATION, 2018). Esses simuladores não permitem praticar a si-
Esse simulador é útil para o treino de uma sé- tuação clínica, mas possibilitam treinar conheci-
rie de atividades, incluindo o diagnóstico da hi- mentos e habilidades específicos das técnicas de su-
potonia uterina, realização da massagem uterina tura (KNOBEL et al., 2020), incluindo a técnica de
abdominal e compressão bi-manual (pressão va- sutura contínua dos planos com um único fio, a qual
ginal e abdominal concomitante e inserção de um é considerada, atualmente, a melhor para a sutura
balão de tamponamento uterino). Também pode das lacerações de 2º grau (KETTLE; DOWSWELL;
ser acoplado a uma bermuda similar à de parto - ISMAIL, 2012).
adaptado com velcro - para a simulação de uma si- Outro procedimento comum na assistência obs-
tuação clínica de hemorragia pós-parto com atriz tétrica é o exame vaginal (popularmente conhecido
como parturiente. Essa situação permite o treina- como exame de toque), realizado para identificação
mento dos diversos passos do tratamento, a comu- das características do colo cervical, tais como dila-
nicação com a usuária do serviço e o trabalho em tação, apagamento, altura e variedade da apresenta-
equipe (KNOBEL et al., 2020). ção fetal. Os livros didáticos normalmente descre-
Além disso, tal simulação, quando realizada em vem a técnica para realização do exame vaginal, mas
ambiente real (centro obstétrico), oportuniza reco- poucos(as) alunos(as) têm a oportunidade de apli-
nhecer dificuldades (de acesso de material, de co- car esse procedimento durante o estágio de enfer-
municação e de divisão de tarefas) e busca de so- magem. Por causa dessa falta de experiência no en-
luções (KNOBEL et al., 2020). sino de enfermagem, pesquisadores da Universidade
O simulador de sutura (Figura 8) foi elaborado de São Francisco, na Califórnia criaram um modelo
diante da necessidade de treinamento de profissio- cervical de baixo custo para melhorar a compreen-
nais e acadêmicos nas técnicas de sutura de lace- são do discente de Enfermagem sobre o exame va-
rações perineais de segundo grau e daquelas mais ginal intraparto (SHEA; ROVERA, 2015).
graves. No parto vaginal podem acontecer lacera- Para a criação do modelo de um colo uterino,
ções, que, usualmente são espontâneas e possuem com possibilidade de treinamento da dilatação e
diversos graus de gravidade. Como a maioria de- do apagamento cervical, cientistas esculpiram um
las é superficial, não necessita de nenhum manejo pequeno círculo na casca de uma laranja, de apro-
(KNOBEL et al., 2020). ximadamente 5 cm de diâmetro (Figura 9), envol-
Enquanto lacerações menores podem cicatrizar vendo-o com uma meia.
rapidamente sem necessidade de intervenção, la-
cerações maiores, envolvendo músculos do corpo
perineal e, por vezes, o esfíncter anal, necessitam
de sutura e podem causar diversas complicações
(JIANG et al., 2017).
A reparação das lacerações graves (de terceiro e
quarto graus) é da competência do médico obstetra,
enquanto as lacerações de segundo grau podem ser
realizadas pela(o) enfermeira(o) obstetra. No en-
tanto, muitos(as) residentes e profissionais forma-
dos(as) sentem-se inseguros e não aptos a realizar
a sutura, dada sua raridade e a pouca exposição Figura 9. Criando um diâmetro cervical na fruta.
ao procedimento durante a formação (KNOBEL
Fonte: Shea e Rovera (2015).
et al., 2018).
A primeira imagem (lado esquerdo) da Figura
8 se refere ao simulador confeccionado de espuma,
Esse simulador pode ser mostrado aos alunos,
indicado para o treinamento das suturas de segundo
para que tenham a oportunidade de sentir as bor-
grau. Já a imagem à direita é um modelo confeccio-
das (Figura 10).
nado com preservativo masculino, tecido e carne
O círculo pode ser ampliado e a borda apa- Os autores concluíram que o método de simu-
rada para simular o apagamento. Novamente, esse lação de dilatação e apagamento cervical forneceu
modelo pode ser mostrado aos discentes, para um modelo razoavelmente preciso que ofereceu
que percebam as diferenças da borda, agora mais aos discentes a oportunidade de praticar habilida-
plana. Professores com experiência em trabalho de des táteis, que não estão rotineiramente disponíveis
parto testaram esse método e determinaram que para estudantes de Enfermagem durante o curso de
a laranja representava as qualidades táteis que os graduação (SHEA; ROVERA, 2015).
autores buscavam (SHEA; ROVERA, 2015). No entanto, foram notadas duas limitações: 1. a
Para simular a cúpula vaginal, os cientistas esco- espessura da casca não é muito fidedigna à porcen-
lheram as meias tubulares, já que elas fornecem um tagem de esvaecimento cervical; e 2. o modelo não
material flexível que pode ser moldado dobrando a forneceu um método para simular a altura e a apre-
meia para trás enquanto cobria o colo simulado o sentação do feto, que são componentes-chave em
suficiente para exigir que o(a) acadêmico(a) sen- um exame vaginal completo e na avaliação da pro-
tisse a dilatação e o apagamento (Figura 11) (SHEA; gressão do parto (SHEA; ROVERA, 2015).
ROVERA, 2015). No que se refere à assistência ao parto, uma pes-
quisa multicêntrica desenvolveu e validou um cená-
rio de simulação na área materno-infantil relacio-
nado ao parto e nascimento humanizado. O cenário,
validado por 31 enfermeiros especialistas, foi deno-
minado “parto e nascimento humanizados” e teve
como objetivos de aprendizagem oferecer assistên-
cia humanizada durante o parto e nascimento e ava-
liar clinicamente a mulher e o RN, no intuito de esti-
mular o contato pele a pele e o aleitamento materno
na primeira hora de vida (FONSECA et al., 2020).
A cena simulada, com duração de dez minu-
tos, apresentou uma parturiente primigesta, ado-
lescente, acompanhada pela irmã na sala de parto,
em período expulsivo do trabalho de parto. A par-
Figura 11. Modelos prontos para serem usados.
turiente encontrava-se em posição ginecológica,
Fonte: Shea e Rovera (2015). sendo atendida por um profissional de saúde es-
pecialista em obstetrícia com conduta desrespei-
Com os modelos prontos, o treinamento do tosa e desalinhada às boas práticas. O RN nasceu
exame vaginal pode ser implementado (Figura 12). corado, chorando e espirrando, com Apgar 10/10
296 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
e foi recepcionado pelo profissional de saúde, re- Há alguns anos, vários jogos têm sido utiliza-
presentado por um ator que recomendava colo- dos para propósitos que transpassam o puro entre-
car o bebê no berço aquecido e chamar o pediatra. tenimento, sendo denominados serious games (SG).
Nesse momento, a simulação tinha duas possibili- Estes podem ter por objetivo o ensino dos conte-
dades de desfecho previstas: 1. o participante em údos específicos ou o treinamento de habilidades,
cena sugeria que pelas boas condições o RN fosse associando os aspectos lúdicos e de entretenimento
colocado junto à mãe para o contato pele a pele e (ARNAB et al., 2013).
a promoção da amamentação; e 2. o voluntário em Cientistas da Faculdade de Enfermagem
cena colocaria o RN no berço aquecido e chamaria da Universidade Estadual de Campinas – FEnf
o pediatra (FONSECA et al., 2020). -UNICAMP (2021) desenvolveram um jogo ele-
Quanto aos recursos necessários para a imple- trônico, na modalidade SG, que aborda a consulta
mentação dessa simulação, os autores recomendam de enfermagem para coleta do exame citopatoló-
um simulador obstétrico de alta fidelidade com RN, gico, para ser aplicado no contexto de ensino de uma
um ator ou uma atriz para representar o profissio- disciplina (Assistência de Enfermagem à Saúde da
nal de saúde que conduz o parto, outro/outra para Mulher), cursada no quarto semestre da graduação.
atuar como o/a pediatra que pode ser chamado (a) O jogo tem como objetivo o treino de habili-
para a cena e uma atriz para encenar a irmã da par- dades técnicas e não-técnicas relacionadas à con-
turiente (FONSECA et al., 2020). sulta de enfermagem destinada à coleta do exame
Segundo a pesquisa, a decisão de mudar o acom- de colpocitopatologia (abordagem com a usuária,
panhante (cônjuge, mãe, irmã, amiga, entre outros) requisitos para o exame, materiais necessários, téc-
nica de coleta, entre outros aspectos), estimulando
é livre e não interfere nos desfechos do cenário.
o raciocínio clínico e a tomada de atitudes dos aca-
Também é importante que haja no ambiente simu-
dêmicos (FACULDADE DE ENFERMAGEM DA
lado um berço aquecido e uma mesa auxiliar com
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS,
materiais como fluidos para infusão endovenosa
2021). O sítio em que o jogo está disponível é de
e dispositivos para o acesso venoso, glicosímetro
domínio público e pode ser acessado por meio di-
com fitas, oxímetro, estetoscópio, esfigmomanô-
gital (ver link nas referências).
metro, campos estéreis e filtro de água com copos.
Uma experiência desenvolvida em estudo cien-
Visando a perspectiva de suporte ambiental, os au-
tífico que pode ser transposta para a formação em
tores ressaltam a importância de um prontuário fí-
enfermagem e/ou na obstetrícia é a do Practical
sico com dados da parturiente, partograma e uma
Obstetric Team–Training (PROBE), um programa
ficha com as variáveis da avaliação de Apgar, para de treinamento de time baseado em simulação, feito
registro dos dados do parto, que deverão ser pre- na enfermaria de parto de um hospital universitário
parados pelos(as) professores(as)/facilitadores(as) localizado em Linköping, na Suécia (DAHLBERG
previamente à cena (FONSECA et al., 2020). et al., 2018).
O cenário de simulação desenvolvido e validado Os objetivos do PROBE eram melhorar as ha-
nesse estudo pode contribuir para a interface entre bilidades obstétricas em emergência e desenvolver
disciplinas do curso de Enfermagem, como Saúde da o trabalho em time interprofissional, promovendo
Mulher e Neonatologia, fomentando a articulação melhores resultados para os usuários do serviço. As
entre os saberes e reduzindo a fragmentação curri- sessões do programa ocorreram no centro de forma-
cular. Além disso, ele tem o potencial para ser uti- ção clínica do hospital, equipado com um laborató-
lizado com a perspectiva interprofissional, fortale- rio de obstetrícia. Cada sessão foi agendada para três
cendo o trabalho em equipe (FONSECA et al., 2020). horas, incluindo dois cenários de simulação (sendo
Os avanços tecnológicos, aplicados ao campo da um deles sobre distócia de ombros, com duração de
educação, têm possibilitado o surgimento de siste- 40 minutos) e uma estação de treinamento de ha-
mas e equipamentos que tendem a beneficiar o pro- bilidades práticas. As emergências obstétricas fo-
cesso de ensino-aprendizagem. Nesse contexto, des- ram simuladas com atores, geralmente instrutores,
taca-se a utilização de jogos digitais em busca de e/ou manequins, dependendo do cenário proposto
meios de vincular recursos atrativos e característi- (DAHLBERG et al., 2018).
cas lúdicas ao aprendizado (COSTA; MACHADO; Com o treinamento, foi constatada a diminuição
MORAES et al., 2014). significativa de bebês nascidos com lesão do plexo
298 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
O treinamento de habilidades e uso de cenários habilidades técnicas e não técnicas e o trabalho em
simulados no ensino da enfermagem em obstetrí- equipe/time, e desenvolvendo o pensamento crí-
cia e ginecologia tem a potencialidade de agregar
tico e reflexivo, em um ambiente controlado e se-
valores tanto para os(as) docentes/facilitadores(as)
guro, o que pode colaborar para a segurança e qua-
quanto para os(as) acadêmicos(as) (ou participan-
tes da atividade), já que oportuniza a aplicação de lidade da assistência ofertada pelos(as) futuros(as)
conhecimentos à prática clínica, incrementando (ou atuais) profissionais.
300 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
9. PEDIATRIA
CA P Í T U L O 9.1
O Ensino da Pediatria na
graduação e residência médica
302
Profa. Dra. Alessandra Carla de Almeida Ribeiro Prof. Dr. Josielson Costa da Silva
Graduação em Medicina - Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Enfermeiro. Doutor em Enfermagem e Saúde e
Residência Médica em Pediatra e Terapia Intensiva Pediátrica - UFU Mestre em Enfermagem - UFBA. Intensivista neonatal
Doutorado em Imunologia e Alergia Aplicadas - UFU e Pediátrico. Professor da escola de Enfermagem
Professora da Faculdade de Medicina da UFU da universidade Federal da Bahia – UFBA.
Especialista em Educação para as Profissões da
Saúde pela Universidade Federal do Ceará
Facilitadora no Programa de Desenvolvimento
Docente para Educadores das Profissões da Saúde
do Instituto Regional Faimer Brasil
Membro do NDE do Projeto Preceptoria e tutora
no curso de Simulação da Abem
304 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
zadas pelo interno para atingir as competências es- • Orientar a gestante sobre:
pecíficas do internato. Na área de pediatria, foram • Cuidados gerais com o RN (cuidados de higiene,
sugeridas as seguintes competências gerais e espe- cuidados com acidentes, cuidados com o coto
cíficas (LAMPERT; BICUDO, 2014): umbilical, vacinação) e riscos com drogas, do-
enças infecciosas e medicamentos.
• Avaliação das diversas etapas de desenvolvi- • Aleitamento materno.
mento: recém-nascido (RN), lactente, pré-es-
colar, escolar e adolescente, inclusive orienta- • Cuidados com o RN:
ções no pré-natal. • Assistência ao RN na sala de parto.
• Ações de promoção de saúde e prevenção de • Treinamento da prática da técnica de reanima-
doenças nas diferentes etapas do crescimento: ção neonatal, estabilização e transporte.
aleitamento e alimentação; cuidados socioam- • Realização de atendimento de puericultura.
bientais e de higiene. • Diagnóstico e tratamento da icterícia neona-
• Prevenção de acidentes, vacinação, prática de tal, distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos.
exercícios físicos, conhecimento do Estatuto
da Criança e do Adolescente e respeito a ele. Cabe ressaltar que existem aspectos detalhados
• Anamnese e exame físico considerando as pe- de como a criança e o jovem se desenvolvem, com
culiaridades de cada faixa etária e a comunica- ênfase no ambiente e nas interações familiares, e,
ção com o cuidador: dados antropométricos e dessa forma, a abordagem deverá seguir o cuidado
desenvolvimento neuropsicomotor. de acordo com a idade. Há alguns aspectos do de-
• Identificação dos sinais, dos sintomas e das al- senvolvimento da criança e estratégias que promo-
terações do exame físico das principais doen- vem a comunicação, conexão e cooperação entre
ças por faixa etária. profissional e criança, que incluem brincadeiras, his-
• Indicação e técnica dos seguintes procedimen- tórias, metáforas, música e humor, e, paralelamente,
tos: cricotireodostomia, punção intraóssea, to- seguir a comunicação conjunta com os pais ou res-
racocentese, drenagem torácica, sondagem en- ponsáveis, segundo as fases da consulta centrada
teral, paracentese, punção lombar e redução de nas relações (GROSSEMAN; ALVES; FUNK, 2021).
parafimose. Ainda no foco preventivo, realizar as ações de
• Procedimentos: acesso venoso periférico, intu- acompanhamento do crescimento, imunização, nu-
bação orotraqueal, sondagem gástrica, sonda- trição, saúde bucal, atividade física e injúrias físicas
gem vesical, anestesia local, sutura, drenagem por causas externas, estas orientadas seguindo aqui-
de abscessos superficiais, administração de me- sição e ampliação de competências psicomotoras
dicamentos, tratamento de feridas e curativos. e sociais pelo desenvolvimento. Da mesma forma,
• Identificação dos recursos diagnósticos e tera- há etapas relacionadas ao acompanhamento físico,
pêuticos em seu local de atuação, reconhecendo com aspectos semiológicos diferenciados, medidas
a necessidade de encaminhar, utilizando o sis- antropométricas para o acompanhamento de peso,
tema de referência e contrarreferência. altura e perímetro cefálico, ausculta cardíaca e pal-
• Diagnóstico e tratamento básico das doenças pação de pulsos, medida da pressão arterial, triagem
prevalentes da infância nas respectivas regiões da displasia evolutiva do quadril, comportamento,
do país, nas diferentes faixas etárias, referen- audição, visão e realização de alguns exames labo-
ciando quando necessário. ratoriais (COSTA; SOUZA, 2005).
• Indicação e interpretação dos exames comple- Segundo a SBP, o Programa de Residência
mentares essenciais para cada caso. Médica em Pediatria deve prever 60 horas de jor-
• Promoção da saúde mental com ênfase na ava- nada de trabalho semanal. A duração total do pro-
liação da estrutura e dinâmica familiar. grama é de três anos (36 meses). Esse programa de-
• Utilização racional de medicamentos. verá formar pediatra capaz de: prestar assistência
• Atendimento inicial das urgências e emergên- integral ao ser humano em crescimento e desen-
cias traumáticas e não traumáticas em pediatria. volvimento; atuar no contexto de um ambiente em
constantes transformações sociais, culturais e cien-
306 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 9.2
307
Profa. Dra. Rosana Alves Prof. Dr. Josielson Costa da Silva
Graduação em Medicina - UFRJ Enfermeiro. Doutor em Enfermagem e Saúde e
Residência Médica em Pediatra – IPPMG/UFRJ Mestre em Enfermagem - UFBA. Intensivista neonatal
Mestrado em Pediatria – IPPMG/UFRJ e Pediátrico. Professor da escola de Enfermagem
Doutorado em Pesquisa Clínica - UFRJ da universidade Federal da Bahia – UFBA.
Especialização em Pneumologia Pediátrica (IPPMG/
UFRJ e SBP); Pneumologia Sanitária (ENSP) e em Prof. Alexandre Rodrigues Ferreira
Educação para as Profissões da Saúde (UFC/Faimer) Professor Associado da Faculdade de Medicina da UFMG
Facilitadora no Programa de Desenvolvimento Preceptor da Residência Médica de Pediatria
Docente para Educadores das Profissões da Saúde do Hospital das Clínicas da UFMG
do Instituto Regional Faimer Brasil Coordenador do PALS - Reanimação Pediátrica
Membro do NDE do Projeto Preceptoria, do Projeto de Avaliação da Sociedade Brasileira de Pediatria
das Escolas da Área da Saúde (CAES) e tutora no curso de
Simulação - Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM)
1. PANORAMA PASSADO E ATUAL SOBRE nação de curta permanência, com resoluções rápi-
ATENDIMENTOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA
das dos problemas e melhorias nos cuidados pre-
ATENÇÃO PRIMÁRIA E NA URGÊNCIA E EMERGÊNCIA
ventivos da atenção básica de saúde, e o número
crescente de estudantes nas faculdades de Medicina
No modelo tradicional de ensino médico, os estu-
levaram à diminuição da exposição prática deles a
dantes observam médicos experientes (docentes
doenças menos comuns e situações de emergência.
e preceptores) executarem uma ação (habilidade)
Isso também se aplica aos programas de residência
em um paciente e, somente após o estudo teórico
médica, com diminuição da exposição clínica de-
e essa observação, poderão executar essa mesma
vido à alteração na carga horária, especificamente
habilidade; e, às vezes, essa oportunidade só acon-
nos turnos de plantões (NADEL, 2000; GAIES Et
tece uma vez em toda a formação deles na gradua-
al., 2007; ISSENBERG; SCALESE, 2008).
ção. Não raramente, o estudante passa todo o curso
A pediatria apresenta, adicionalmente, algumas
sem presenciar ou realizar um atendimento de uma
particularidades – o acompanhamento do cresci-
criança gravemente doente, com, por exemplo, disp-
mento e desenvolvimento, as mudanças e especi-
neia importante ou choque. Estudos têm demons-
ficidades observadas do recém-nascido à adoles-
trado deficiências no conhecimento, no desenvolvi-
cência, a relação médico-paciente que inclui quase
mento e na retenção de habilidades entre médicos
sempre a mediação do adulto (em geral, a mãe) e
treinados por esse método. A mudança nos padrões
as diferentes linguagens que compõem a comuni-
da prestação de cuidados de saúde, tais como inter-
cação (PUCCINI, 2009).
308 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Paralelamente, a preocupação com a segurança A simulação passa a ser uma ferramenta potente
do paciente aumentou, e, no paciente pediátrico, na educação em saúde, pois permite treinamento
o maior risco está associado a erros de medica- de habilidades, sem pôr em risco o paciente. A si-
ção. Erros na prescrição, dispensação e administra- mulação também alcança excelentes resultados no
ção de medicamentos representam um importante trabalho em equipe nos momentos de realização de
parte de erros de medicamentos evitáveis em crian- procedimentos e, especialmente, na ressuscitação
ças, apesar de sistemas de prescrições eletrônicas. de pacientes (LATEEF, 2010; ELLIOT et al., 2011)
Outro incidente envolve problemas de comunica- Em relação à pós-graduação, a residência médica
ção (BIGHAM et al., 2012). em pediatria deverá seguir critérios de avaliação, a
Dessa forma, as mudanças para os novos currí- fim de assegurar que o especialista tenha competên-
culos médicos, chamados inovadores, incluíram o cias para o atendimento de emergência, incluindo res-
desenvolvimento de habilidades clínicas baseadas suscitação cardiopulmonar (RCP) e trauma, além de
em simulação. Apesar de relatos datados do início habilidade em realizar procedimentos. Nos Estados
do século XX, a simulação clínica pode ainda ser Unidos, essa aquisição ampla das competências é re-
considerada uma inovação, pois muitas escolas mé- comendada pelo Accreditation Council for Graduate
dicas encontram-se implantando novos currículos, Medical Education – ACGME (2019).
muitos deles baseados em competências. Da mesma O ensino da pediatria tem aplicado a simulação
forma, vários hospitais iniciaram o treinamento de em todos esses momentos, principalmente a partir do
equipes por meio da simulação (WELLER et al., crescente desenvolvimento de manequins para trei-
2012; SHETTY; THYAGARAJAN, 2016). namento de habilidades específicas nesses últimos
A simulação tem sido usada como ferramenta de dez anos. A aprendizagem baseada em simulação en-
ensino e treinamento seguros, há décadas, em cam- volve amplamente os princípios de aprendizagem de
pos diferentes da saúde, como a aviação. adultos e de aprendizagem significativa (SHETTY,
Houve um grande aumento no uso da simu- THYAGARAJAN, 2016; AGRA et al., 2019).
lação nos últimos 20 anos, o que levou a melho- A teoria da aprendizagem significativa de David
res resultados em aprendizagem na saúde, tanto Ausubel, psicólogo norte-americano, propõe valo-
na teoria como na prática, além do incremento na rizar o conhecimento relevante previamente tra-
segurança do paciente (AGGARWAL et al., 2010; zido pelo estudante e, a partir dele, ancorar novas
BIGHAM et al., 2012). informações e estruturar conceitos. Para tal, são
Na atualidade, são exigidas do profissional necessárias duas condições para uma aprendiza-
de saúde que cuida da criança e do adolescente gem significativa: o estudante precisa ter uma dis-
diversas habilidades que devem ser trabalhadas posição para aprender e o conteúdo a ser apren-
durante o processo de formação. Entre as exigências, dido tem que ser potencialmente significativo, ou
destacam-se: a capacidade de relacionamento e seja, tem que ser lógica e psicologicamente signifi-
comunicação efetiva, o olhar clínico acurado, a ha- cativo. Isso varia de estudante para estudante, pois
bilidade de desenvolver práticas acolhedoras e se- cada um filtra os conteúdos que têm significado ou
guras, tangenciadas pelos pilares da humanização, não para si próprio (AGRA et al., 2019).
o raciocínio clínico objetivo e articulado com as ne- Dessa forma, novas abordagens e novos métodos
cessidades básicas do paciente, o aprimoramento surgiram com o objetivo de aumentar as oportuni-
das técnicas e o racionamento de custos sem com- dades de aprendizado.
prometer uma assistência integral.
Entende-se que o processo de formação é algo
dinâmico e constante, no qual a prática vivencial 2. NECESSIDADES DE TREINAMENTO IN VITRO:
associada aos avanços no campo das ciências po- SIMULAÇÃO
tencializa as aquisições de conhecimentos e habili-
dades para o crescimento do estudante com reper- A implementação da Estratégia Saúde da Família
cussões positivas na sua vida profissional. Partindo (ESF), ocorrida nos últimos anos, como modelo pre-
dessa afirmativa, as escolas de formação em saúde ferencial na atenção básica, a qual não prevê o pe-
passaram a criar centros de treinamentos e labora- diatra na equipe, trouxe questões e desafios adi-
tórios de habilidades utilizando metodologias ati- cionais para o ensino de pediatria na graduação do
vas como recurso educativo. curso médico e na residência médica. O que estava
310 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
3. SIMULAÇÃO CLÍNICA EM PEDIATRIA: O QUE ideal e necessário para a manutenção da aquisição
FAZEMOS, ONDE E COMO AVANÇAR?
e qualidade para realização dessas habilidades em
longo prazo?
Em se tratando do público pediátrico, todo pro- Outra rica área de pesquisa é o uso da simula-
cesso assistencial requer habilidades por parte do ção clínica em avaliação, com grandes amostras
profissional, garantindo uma comunicação efetiva para análise de validade, confiabilidade, checklist e
entre a criança, seus familiares e profissionais da pontuação confiáveis, reprodução e número de ce-
saúde. Nesse contexto, ampliar as discussões sobre nários. Há ainda o uso da simulação como apren-
os melhores métodos de ensino e/ou intervenção dizado corretivo para os estudantes que encontra-
para atuar nesses cenários contribui diretamente ram dificuldades nos ambientes de prática, como
para um cuidado com qualidade. após uma avaliação individual pelo Mini-Clinical
Desfechos resultantes desses fatores incluem a Evaluation Exercise – Mini-CEX (pontual) ou na
melhor compreensão do diagnóstico, maior adesão prática do cotidiano. Também é possível organi-
ao tratamento, maior taxa de comparecimento às zar oportunidades de aprendizado nas competên-
consultas e melhora da saúde emocional da criança cias de qualidade e segurança do paciente.
(ALVES; GROSSEMAN, 2020) Uma questão que permanece sem resposta é:
O ensino baseado em simulação é, geralmente, “Qual é a significância clínica do desempenho ava-
realizado em Laboratório de Habilidades, desde liado em um cenário simulado?”. Apesar de muitos
pequenos procedimentos até recriações de cená- estudos demonstrarem que a simulação promove
rios clínicos com tarefas mais complexas, mas ide- melhorias na segurança do paciente e dos resulta-
almente, em um futuro próximo, a simulação para dos em procedimentos, ainda são necessários estu-
a graduação deverá se aproximar do ambiente real dos maiores para demonstrar impacto positivo na
de trabalho, em que rotineiramente as equipes mul- segurança do paciente e no desempenho de profis-
tiprofissionais são treinadas (simulação in situ). sionais de saúde em cenários clínicos reais (ELLIOT
A simulação em pediatria é um campo fértil et al., 2011; OJHA et al., 2015).
para pesquisas (OJHA et al., 2015). Como a litera- No futuro, espera-se que a simulação seja usada
tura apresenta melhores resultados quando o trei- como treinamento em todos os cenários possíveis que
namento nos mesmos cenários é repetido em um envolvam o manejo de casos em pediatria, em especial
intervalo de até três meses, qual seria o intervalo na emergência (SHETTY; THYAGARAJAN, 2016).
4. REFERÊNCIAS
arttext&pid=S0034-71672019000100248&lng=pt.
Acesso em: 10 out 2021
ACCREDITATION COUNCIL FOR GRADUATE
ALVES, R.; GROSSEMAN, S. Aspectos éticos em
MEDICAL EDUCATION. Program Requirements for pediatria: a consulta, o prontuário e as mídias sociais.
Graduate Medical Education in Paediatrics. ACGME, In: Programa de Atualização em Terapêutica Pediátrica
2019. (PROPED ). v. 6, n. 4, p. 09- 40. 2020.
Disponível em: https://www.acgme.org/Specialties/ AMERICAN HEART ASSOCIATION. Pediatric
Program-Requirements-and-FAQs-and-Applications/ Advanced Life Support: instructor manual. Chicago:
pfcatid/16/Pediatrics. Acesso em: 10 out 2021. AHA, 2020.
AGGARWAL, R. et al. Training and simulation for ANDREATTA, P. et al. Simulation-based mock codes
patient safety. Quality & Safety in Health Care, v. significantly correlate with improved paediatric patient
19, p. i34-43, 2010. Suppl. 2. cardiopulmonary arrest survival rates. Pediatric
Critical Care Medicine, v. 12, n. 1, p. 33-38, 2011.
AGRA, G. et al. Análise do conceito de aprendizagem
significativa à luz da teoria de Ausubel. Revista Brasileira BEZERRA SILVA, V. M.; MIRALHA, A. L.; FERREIRA,
de Enfermagem, v. 72, n. 1, p. 248-255, 2019. Disponível A. Suporte básico de vida e a cadeia de sobrevivência
da criança vítima de parada cardíaca. Documento
em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
312 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 9.3
Tipos de simuladores
utilizados em Pediatria
313
Prof. Dr. Josielson Costa da Silva Profa. Dra. Rosana Alves
Enfermeiro. Doutor em Enfermagem e Saúde e Graduação em Medicina - UFRJ
Mestre em Enfermagem - UFBA. Intensivista neonatal Residência Médica em Pediatra – IPPMG/UFRJ
e Pediátrico. Professor da escola de Enfermagem Mestrado em Pediatria – IPPMG/UFRJ
da universidade Federal da Bahia – UFBA. Doutorado em Pesquisa Clínica - UFRJ
Especialização em Pneumologia Pediátrica (IPPMG/
UFRJ e SBP); Pneumologia Sanitária (ENSP) e em
Camila Tahis dos Santos Silva Educação para as Profissões da Saúde (UFC/Faimer)
Enfermeira. Doutoranda em Enfermagem e Facilitadora no Programa de Desenvolvimento
Saúde - UFBA. Mestre em Enfermagem – UEFS. Docente para Educadores das Profissões da
Intensivista e emergencista - UNEB. Saúde do Instituto Regional Faimer Brasil
Membro do NDE do Projeto Preceptoria, do Projeto de Avaliação
das Escolas da Área da Saúde (CAES) e tutora no curso de
Profa. Dra. Alessandra Carla de Almeida Ribeiro Simulação - Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM)
Graduação em Medicina - Universidade
Federal de Uberlândia (UFU)
Residência Médica em Pediatra e Terapia
Intensiva Pediátrica - UFU
Doutorado em Imunologia e Alergia Aplicadas - UFU
Professora da Faculdade de Medicina da UFU
Especialista em Educação para as Profissões da
Saúde pela Universidade Federal do Ceará
Facilitadora no Programa de Desenvolvimento
Docente para Educadores das Profissões da
Saúde do Instituto Regional Faimer Brasil
Membro do NDE do Projeto Preceptoria e
tutora no curso de Simulação da Abem
314 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
tos da semiologia e semiotécnica. Nesse contexto, Conforme Morillo et al. (2016), tais simuladores
o investimento em tais simuladores agrega valores fazem parte de um cenário planejado, seguro e re-
práticos, clínicos e operacionais na formação e/ou alístico capaz de promover o desenvolvimento de
capacitação das ações assistenciais na pediatria. raciocínio clínico, a interação de ações articuladas
entre equipes e a comunicação efetiva, além de fa-
Para Seropian et al. (2004), o uso de tecnologias
vorecer a certificação de alguns procedimentos e a
avançadas pode potencializar o processo de ensino- avaliação de sua eficácia em tempo real.
-aprendizagem. Nesse contexto, destaca-se o simulador A seguir, apresentam-se diversos tipos de simu-
de alta fidelidade, caracterizado como um manequim ladores utilizados na área da pediatria, incluindo a
de alto padrão de interação por apresentar movimen- neonatologia. Eles estão estratificados por faixa etá-
tos corporais que respondem aos comandos, podendo ria do desenvolvimento humano, descrição do simu-
inclusive reagir às intervenções efetuadas. lador, indicações de uso, entre outras informações.
• Categoria: Recém-nascido
• Nome do Simulador: Simulador de tratamentos/de bebê
• Classificação: Baixa fidelidade
• Fabricante: Medical Expo
• Descrição básica: Recém-nascido com articulações mó-
veis que permite todos os exercícios principais no cui-
dado infantil. Tamanho: 50 cm. Peso: 1,2 kg.
• Indicação de uso: Troca de fraldas e Banho.
• Categoria: Recém-nascido
• Nome do Simulador: Simulador neonatal de sinais vitais
• Classificação: Média fidelidade
• Fabricante: Medical Expo
• Descrição básica: Recém-nascido com a capacidade de
demonstrar a frequência cardíaca (FC), frequência res-
piratória (FR) e temperatura corporal.
• Indicação de uso: Aferição de dados vitais e Realização
de exame físico.
Tipos de simuladores
utilizados em Pediatria 315
• Categoria: Recém-nascido
• Nome do Simulador: Simulador neonatal para ECG e ca-
teterismo umbilical
• Classificação: Baixa fidelidade
• Fabricante: Medical Expo
• Descrição básica: Pele toracoabdominal pediátrica com
umbigo, perfeita para a prática e demonstração de pin-
çamento umbilical, corte e cateterização. Também apre-
senta quatro locais para monitoramento de eletrocardio-
grama (ECG). Vem com um litro de sangue Life/form®,
um saco para simulação da infusão intravenosa (IV) com
pinça, uma seringa de 3 cc, seis pinças de umbigo e cinco
Fonte: Disponível em: https://www.medicalexpo. cordões umbilicais de substituição.
com/pt/prod/nasco/product-79136-844635. • Indicação de uso: Monitorização ECG, Cateterismo umbi-
html. Acesso em: 30 mar. 2021.
lical e Curativo de couto umbilical.
• Categoria: Lactente
• Nome do Simulador: Simulador infantil para punção
intraóssea
• Classificação: Baixa fidelidade
• Fabricante: Medical Expo
• Descrição básica: Simulador especial projetado para trei-
namento de punção intraóssea na criança. Apresenta
pontos palpáveis, incluindo patela, tíbia e tuberosidade
tibial, associados a um sistema de drenagem com aspi-
ração de líquido.
• Indicação de uso: Punção intraóssea, Punção tradicional
e Medidas de atropometria.
• Categoria: Lactente
• Nome do Simulador: Simulador avançado pediátrico para
punção lombar
• Classificação: Média fidelidade
• Fabricante: Biotecmed
• Descrição básica: O simulador avançado pediátrico para
punção lombar Sdorf é um manequim indicado para o
exame da região lombar de um bebê. O simulador repro-
duz o corpo humano na idade de 9 a 12 meses de um bebê.
• Indicação de uso: Punção lombar, Manejo do recém-nas-
cido e Realização do exame físico.
316 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Categoria: Lactente
• Nome do Simulador: Simulador infantil para cirurgia de
fissura labial
• Classificação: Baixa fidelidade
• Fabricante: Medical Expo
• Descrição básica: Simulador de fenda labial Simulare é a
mais avançada ferramenta de treinamento em cirurgia la-
bial de fenda disponível hoje para aprender esse procedi-
mento complexo. A potência e a eficácia do simulador vêm
de sua arquitetura tátil notavelmente realística, anatomia
completa e cavidade oral realista. A sua anatomia muscu-
lar, óssea e dos tecidos moles altamente detalhadas permite
que os estudantes, residentes médicos e profissionais de
saúde pratiquem incisões, dissecções e suturas fiéis à vida
fora da sala de cirurgia.
• Indicação de uso: Procedimento completo de rinoplas-
Fonte: Disponível em: https://www.medicalexpo.
tia primária, Sondagens orais e nasais e Estimulação de
com/pt/prod/simulare-medical-corp/
product-119684-828194.html. Acesso em: 30 sucção.
mar. 2021.
• Categoria: Lactente
• Nome do Simulador: Simulador SimNewB
• Classificação: Alta fidelidade
• Fabricante: Laerdal
• Descrição básica: Trata-se de simulador neonatal de alta
complexidade para simulações de emergência envolvendo
o recém-nascido.
• Indicação de uso: Realização da intubação, ventilação pul-
monar e Avaliação clínica de emergência.
Fonte: Disponível em: https://www.laerdal.com/br/doc/88/
SimNewB. Acesso em: 30 mar. 2021.
• Categoria: Lactente
• Nome do Simulador: Perna infantil para punção venosa
em pediatria
• Classificação: Média fidelidade
• Fabricante: Dumont Simuladores Médicos
• Descrição básica: Simulador de uma perna infantil para pun-
ção venosa. Delimita a rede venosa de membro inferior em
pacientes pediátricos. Apresenta retorno de sangue artifi-
cial nas punções.
• Indicação de uso: Punção venosa.
Fonte: Disponível em: https://www.magazineluiza.com.br/perna-
infantil-puncao-venosa-pediatrica-simulador-anatomic/p/
bk98bge80h/rc/rcnm/?&utm_source=google&utm_
medium=pla&utm_campaing=pla_marketplace&partner_
id=38660&seller_id=dumontsimuladoresmedicos&product_
group_id=835334228821&ad_group_id=87062514851&g
clid=EAIaIQobChMIrv7olo3t5wIVBQiRCh2E6AVjEAYYByAB
EgJ_RPD_BwE. Acesso em: 30 mar. 2021.
Tipos de simuladores
utilizados em Pediatria 317
• Categoria: Primeira infância
• Nome do Simulador: Simulador infantil de auscultação
• Classificação: Média fidelidade
• Fabricante: Medical Expo
• Descrição básica: Simulador pediátrico, apresenta sons es-
pecíficos de um paciente de 4 anos de idade emitidos por
meio de dez alto-falantes de pulmão e um de coração loca-
lizados nos locais habituais de ausculta cardíaca e pulmo-
nar. É possível utilizar qualquer estetoscópio para a ava-
liação cardiopulmonar no manequim proposto.
• Indicação de uso: Ausculta pulmonar e Ausculta cardíaca.
Fonte: Disponível em: https://www.medicalexpo.com/pt/prod/
erler-zimmer/product-68400-429901.html. Acesso em:
30 mar. 2021.
318 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
2. REFERÊNCIAS
MORILLO, L. N. et al. Simulador de bajo costo para el SEROPIAN, M. A. et al. Simulation: not just a manikin.
entrenamiento en la colocacion de accesos vasculares Journal of Nursing Education, v. 43, n. 4, p. 164-169,
perifericos (AVP) en pediatria. Medicina Infantil, v. 2004.
XXIII, p. 213-216, 2016.
Tipos de simuladores
utilizados em Pediatria 319
CA P Í T U L O 9.4
320
Prof. Dr. Josielson Costa da Silva Profa. Dra. Rosana Alves
Enfermeiro. Doutor em Enfermagem e Saúde e Graduação em Medicina - UFRJ
Mestre em Enfermagem - UFBA. Intensivista neonatal Residência Médica em Pediatra – IPPMG/UFRJ
e Pediátrico. Professor da escola de Enfermagem Mestrado em Pediatria – IPPMG/UFRJ
da universidade Federal da Bahia – UFBA. Doutorado em Pesquisa Clínica - UFRJ
Especialização em Pneumologia Pediátrica (IPPMG/
UFRJ e SBP); Pneumologia Sanitária (ENSP) e em
Camila Tahis dos Santos Silva Educação para as Profissões da Saúde (UFC/Faimer)
Enfermeira. Doutoranda em Enfermagem Facilitadora no Programa de Desenvolvimento
e Saúde - UFBA. Mestre em Enfermagem – UEFS. Docente para Educadores das Profissões da
Intensivista e emergencista - UNEB. Saúde do Instituto Regional Faimer Brasil
Membro do NDE do Projeto Preceptoria, do Projeto de Avaliação
das Escolas da Área da Saúde (CAES) e tutora no curso de
Profa. Dra. Alessandra Carla de Almeida Ribeiro Simulação - Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM)
Graduação em Medicina - Universidade
Federal de Uberlândia (UFU)
Residência Médica em Pediatra e Terapia Profa. Dra. Climene Laura de Camargo
Intensiva Pediátrica - UFU Enfermeira. Pós - doutora em Enfermagem. Professora
Doutorado em Imunologia e Alergia Aplicadas - UFU Titular da escola de Enfermagem da UFBA
Professora da Faculdade de Medicina da UFU
Especialista em Educação para as Profissões da
Saúde pela Universidade Federal do Ceará
Facilitadora no Programa de Desenvolvimento
Docente para Educadores das Profissões da
Saúde do Instituto Regional Faimer Brasil
Membro do NDE do Projeto Preceptoria e
tutora no curso de Simulação da Abem
322 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
2. DESENVOLVIMENTO derança, tomada de decisão, prática e interatividade
2.1. CARACTERIZAÇÃO DOS USOS com a equipe. A associação de itens com a maneira
E TIPOS: DISCIPLINAS de o facilitador conduzir a simulação, de acordo com
a interação entre o aluno e o cenário, além do modo
Com base nas publicações de estudos acerca da uti-
que o cenário foi estruturado, ajuda a compor o kit
lização da simulação na formação de enfermeiros
de realismo necessário à experiência. Esses itens des-
e enfermeiras, podemos caracterizar as principais pertam a sensação de realidade, elevam os níveis de
formas de implementação que vão desde a vivên- adrenalina e estresse, aspecto similar ao que ocorre
cia da prática clínica com práticas simples, coleta na prática clínica, e criam um ambiente promotor de
de sangue arterial, administração de imunizantes altas taxas de realismo (SCHLAIRET, 2011.
até situações mais complexas como treinamento Há várias alternativas de utilização da simula-
de cuidados intensivos e procedimentos de média ção: treinamento de medidas de higiene e conforto
a alta complexidade (KIM; PARK, SHIN , 2016. Na aos pacientes (FRANZON et al., 2020), treinamento
pediatria, o leque de ações, tanto de cunho clínico- em ressuscitação cardiopulmonar e suporte básico
-reflexivo como procedimentais, possibilita explorar de vida (REIS; MELO; COSTA, 2020), imunização
a formação e/ou capacitação com práticas simula- em enfermagem (COSTA et al., 2020), cuidado des-
das, minimizando não só as iatrogenias do processo tinado aos queimados, terapia intensiva (GOMES
de cuidado, como também potencializando as as- et al, 2020), entre outras. Todas as ações descritas
sertivas perante a tomada de decisão. pelos autores já mencionados se aplicam à área da
Em sua implementação, a simulação pode abran- pediatria, possibilitando, ainda nesse contexto, a
ger um rol de conteúdos e formas de abordagem a inserção do cuidado de genitores e/ou cuidadores
partir de diferentes tecnologias, desde o uso de ca- de crianças institucionalizadas ou não. Portanto, os
racterização e de simulação de cenários físicos até docentes precisam ter noção da estruturação da ex-
a utilização de realidades virtuais. Dessa forma, o periência, das competências pretendidas e dos ob-
aprendizado das disciplinas pode ser intensificado jetivos da aprendizagem.
por semiologia e semiotécnica, reconstituição de Além disso, para Franzon et al. (2020), os prin-
cenários físicos e estruturas dos serviços de saúde,
cipais usos de tecnologias inovadoras podem cor-
uso de manequins ou caracterização de personagens
roborar o ensino da segurança ao paciente de forma
reais com lesões realísticas (SOUZA et al, 2020)
eficaz e permitir a reprodução da realidade de modo
No uso da simulação com realidade virtual (RV),
a levar ao treinamento do pensamento crítico e do
há uma interface avançada gerada por aplicações
raciocínio clínico necessários à formação de enfer-
executadas no computador, por meio da qual o usu-
meiros e enfermeiras e dos demais profissionais de
ário interage em tempo real pela estimulação dos
sentidos com os elementos do ambiente tridimen- saúde. No que tange aos cuidados com crianças, os
sional, podendo ser pela visualização, movimenta- cenários podem ser construídos com recursos de
ção, audição e/ou tato. Esse tipo de tecnologia, ape- tecnologias leves, leve-duras e duras.
sar de tímido na área de saúde, possui possibilidade
de crescimento e exploração como ferramenta para 2.2. VISÃO DE DOCENTES E DISCENTES QUANTO AO
a enfermagem, constituindo um campo fértil para USO DA SIMULAÇÃO: CENÁRIOS PEDIÁTRICOS
ser explorado (SOUZA et al., 2020). No geral, a percepção de docentes e discentes a res-
Embora a sofisticação encha os olhos dos profis- peito do uso da simulação no ensino apresenta ca-
sionais pela inserção de tecnologias digitais, mas seja
ráter positivo para sua implementação. Quando se
de difícil o acesso pelo seu custo oneroso (SOUZA et
analisaram e se compararam a satisfação e a auto-
al., 2020) existem também alternativas simples e fá-
ceis de ser implementadas no ambiente acadêmico, confiança dos estudantes que possuíam experiên-
como a simulação para ambientes de aprendizagem cias prévias na troca de fraldas em campo clínico
com estruturas já existentes, como a prática assis- com a satisfação e a autoconfiança daqueles sem
tencial simulada em laboratório, a maquiagem rea- experiência prévia na troca de fraldas, foram ob-
lística, a encenação e o uso de manequins anatômi- servadas elevadas médias atribuídas à satisfação
cos (GOMES et al., 2020). pelos que não possuíam experiência anterior, com
Independentemente do tipo utilizado, o princi- significativo aumento da satisfação no item realismo
pal objetivo da simulação é despertar a noção de re- mensurado por esses estudantes e na autoconfiança
alidade, extraindo do discente capacidades como li- (FRANZON et al., 2020).
324 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Essa experiência anterior possibilita uma vi- informação e dialética de uma experiência vivida no
vência de cenários que movimenta os sentimen- contexto pediátrico. Obviamente que quanto mais
tos, as expectativas e os anseios muitas vezes ne- recursos puderem ser implementados a fim de pro-
gativos e que poderiam interferir na produção das piciar uma vivência com exploração de diferentes
práticas em saúde envolvendo a população infan- ferramentas que despertem diferentes estímulos,
til. Assim, antecipa essa ocorrência e permite uma mais condições se complementarão para os arran-
reconstrução e ressignificação de uma realidade vi- jos de fidedignidade, tornando a experiência mais
vida mesmo que de modo simulado por profissio- próxima do real. Essas características devem pri-
nais, crianças e seus familiares num cenário passivo mar pela aproximação de situações reais a fim de
de ser controlado. Para Gomes et al. (2020), “Esta despertar o interesse dos indivíduos.
concepção influenciou os participantes que, ao vi- Nesse momento, a translação do conhecimento
venciarem pela primeira vez o Centro de Terapia (FRANZON et al., 2020), entendida como aplica-
Intensiva, tanto no cenário simulado como em ati- ção das descobertas geradas por pesquisa de labo-
vidades de estágio curricular, compartilharam es- ratório e em estudos pré-clínicos para o desenvolvi-
ses significados e colocaram em movimento as emo- mento, o aprimoramento da adoção de boas práticas
ções, por vezes negativas”. ocorre tendo em vista a capacidade gerada pela ex-
No entanto, o modo como os discentes enca- periência. Ainda possibilita a ênfase em situações
ram os elementos culturais e as condições de pers- e habilidades que precisam ser mais bem treinadas
pectivas pode apresentar sentidos diferentes em e desenvolvidas. Desse modo, é fundamental que o
sua trajetória de construção da competência para aluno seja um agente ativo no processo de ensino-
avaliação clínica. Nesse sentido, a simulação pode -aprendizagem para o alcance dos resultados espe-
contribuir para que os acadêmicos tenham mais rados e que seja corresponsável por sua aprendiza-
exposição a cenários críticos e desenvolvam com- gem por meio da autocrítica (SOUZA et al., 2020).
petências técnicas e não técnicas interligando os Tendo em vista a fixação de informações por
conceitos teórico-práticos. Além disso, quando se mais tempo, estudantes mais bem preparados para
compara a simulação aos métodos tradicionais, essa atuação profissional (COSTA et al., 2020) e a ênfase
técnica pode auxiliar os alunos a aprender mais no na segurança do paciente pediátrico, o treinamento
curto prazo e reter informações por mais tempo, baseado em simulação com crianças constitui uma
segundo demonstrado por Costa et al. (2020) que importante estratégia para aumentar a experiência
avaliaram o desempenho cognitivo de estudantes clínica, maximizar o aprendizado e limitar a frequ-
de Enfermagem com o uso da simulação. ência e o impacto dos erros no cuidado em saúde
Ainda, pelas próprias dificuldades ligadas à simu- nessa população (COSTA et al., 2020). Assim, é
lação e à prática real, o desenvolvimento psicológico imprescindível que as instituições de ensino invis-
pode ser potencializado, como demonstrado pelas tam nessa técnica e a intensifiquem a fim de maxi-
pesquisas de Gomes et al. (2020) e Costa et al. (2020), mizar a satisfação e autoconfiança dos estudantes de
já que provocam no sujeito a mobilização de funções graduação em Saúde e em Enfermagem Pediátrica.
a fim de que possa dar conta de solucionar a tarefa A importância reside na preparação adequada de
apresentada. Vale salientar que no contexto de tra- futuros profissionais para as situações de cuidado
balho envolvendo crianças, principalmente em situa- do outro em diferentes graus de vulnerabilidade e
ções de morbimortalidade, poderão surgir sensações de forma segura (FRANZON et al., 2020).
de impotência, desespero e ansiedade importantes
a serem trabalhadas nos processos formativos. Por 2.4. LIMITES E DESAFIOS NO USO DA SIMULAÇÃO
conseguinte, o discente poderá enfrentar situações NA FORMAÇÃO DE ENFERMEIROS
E ENFERMEIRAS NA PEDIATRIA
que não lhe são comuns, e, a partir delas, ele será
capaz de construir um caminho por meio da articu- As principais limitações do uso da simulação re-
lação de novas funções com reorganização do pen- sidem na forma como ela deve ser implementada.
samento com sinais que lhe são aparentes, afastar- Como estratégia de aprendizado, a simulação não
-se e reconstruir as novas experiências vivenciadas. pode ser consolidada de forma isolada nem desar-
As características pedagógicas e metodológicas ticulada dos fatores que se inter-relacionam e im-
têm um fim em si mesmas que é promover a repro- plicam as trajetórias do desenvolvimento humano
dução de cenários encontrados no ambiente assis- sociocultural (GOMES et al., 2020). Dessa forma,
tencial real da criança, mas que tenha as condições a simulação clínica de alta fidelidade, embora favo-
de segurança e aprendizado necessárias de gerar a reça a construção de competências, não consegue
326 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
por acadêmicos de enfermagem: contribuição da REIS, R. K.; MELO, E. S.; COSTA, C. R. B. Simulação no
simulação. Escola Anna Nery: Revista de ensino de emergência para estudantes de enfermagem.
Enfermagem, v. 24, n. 4, p. e20190384, 2020. doi: Revista Cuidarte, v. 11, n. 2, p. e853 1º maio 2020.
10.1590/2177-9465-EAN-2019-0384. Disponível em: https://revistas.udes.edu.co/cuidarte/
JORGE, B. M.; ALMEIDA, R. G. S.; SOUZA JÚNIOR, article/view/853. Acesso em: 25 mar. 2021.
V. D. Tendências atuais na investigação em simulação. SCHLAIRET, M. C. Simulation in an undergraduate
In: MARTINS, J. C. A. et al. A simulação no ensino
nursing curriculum: implementation and impact
de enfermagem. Ribeirão Preto: SOBRACEn, 2014.
evaluation. Journal of Nursing Education, 2011,
p. 259-276.
v. 50, n. 10, p. 561-568, 2011. Disponível em: https://
KIM, J.; PARK, J.-H.; SHIN, S. Effectiveness of www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21710961. Acesso em:
simulation-based nursing education depending 11 nov. 2017.
on fidelity: a meta-analysis. BMC Medical
Education, v. 16, p. 152, 2016.. https://doi.org/10.1186/ SOUZA, C. C. et al. Evaluating the “satisfaction” and
s12909-016-0672-7 “self-confidence” in nursing students in undergoing
simulated clinical experiences. Revista da Escola
OLIVEIRA, M. K. Vygotsky, aprendizado e
de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 54, p. e03583,
desenvolvimento: um processo histórico cultural.
5. ed. São Paulo: Scipione, 2010. 2020. doi: 10.1590/s1980-220x2018038303583.
REIME, M. H. et al. Learning by viewing versus learning WORLD HEALTH ORGANIZATION. Patient
by doing: a comparative study of observer and participant safety: making health care safer. Geneva: WHO, 2017.
experiences during an interprofessional simulation Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/
training. Journal of Interprofessional Care, v. 31, handle/10665/255507/WHO-HIS-SDS-2017.11-eng.
n. 1, p. 51-58, 2017. doi: 10.1080/13561820.2016.1233390. pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 18 maio 2021.
329
Hermila Tavares Vilar Guedes
Médica Pediatra
Professora da Universidade do
Estado da Bahia - UNEB
Diretora técnica do Curso de
Simulação ABEM-EBSERH
330 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da medicina e enfermagem
Na década de 1970, o Brasil estava em pleno re- Com relação aos campos de prática, os mesmos
gime de ditadura militar. O movimento da Saúde autores consideram que a saúde coletiva envolve
Coletiva surgiu ligado à luta pela democracia e ao quatro objetos de intervenção: políticas, práticas,
movimento da Reforma Sanitária, questionando tecnologias e instrumentos (PAIM & ALMEIDA
os paradigmas de saúde da América Latina, à FILHO, 1998, 1999).
época. Era diretamente influenciado pelo chamado Osmo e Schraiber (2015) consideram que a de-
“Preventivismo” e pela Medicina Social – expressão finição de saúde coletiva abrange uma multiplici-
que, à época, englobava os focos de trabalho da SP dade representativa de “uma identidade de difícil
e da SC e que hoje é considerada como integrante elaboração e ainda em desenvolvimento”.
da saúde coletiva. A definição de Saúde Pública proposta por
Assim, o termo/expressão “Saúde Coletiva” sur- Charles-Edward Winslow, da Faculdade de Saúde
giu no Brasil, no final dos anos 1970, apresentando Pública do Colégio Real de Médicos, na Inglaterra,
ideias sobre a importância das abordagens sociais no em 1920, foi referendada no “Relatório sobre ética
conhecimento sobre saúde e o processo de adoecer. da saúde pública” do Conselho Nuffield de Bioética,
A criação da Associação Brasileira de Pós-Graduação em 2007 (LECHOPIER, 2015). Segundo Winslow,
em Saúde Coletiva (Abrasco), em 1979, como enti- a saúde pública é “a arte e a ciência de prevenir a
dade representativa dessa área, foi um importante doença e a incapacidade, prolongar a vida e promover
marco histórico. (VIEIRA-DA-SILVA, 2014) a saúde física e mental, mediante os esforços organi-
Desde o seu surgimento, existe uma preocu- zados da comunidade” (TERRIS apud PAIM, 1998);
pação em tornar claro o escopo da saúde coletiva, diferindo, então, do conceito de saúde coletiva apre-
no intuito de agregar em um conceito as diferen- sentado por Paim e Almeida Filho (1998), que tem
tes vertentes envolvidas em seu contexto (NUNES, sido o mais amplamente utilizado.
2005). Em artigo de 1999, Paim e Almeida Filho as- Os autores em saúde coletiva, com formações
sumiram uma “definição provisória” que considera diversas, abordam diferentes temas, em sua maio-
o movimento da saúde coletiva como campo cien- ria de modo amplo, mas também com focos espe-
tífico, de domínio do conhecimento e de práticas. cíficos, alvos da visão de suas categorias profissio-
Enfim, “um movimento complexo, definível apenas nais. A multiplicidade de áreas (epidemiologia,
em sua configuração mais ampla, pois há várias for- sociologia, antropologia, filosofia, administração),
mas de visualização e nenhuma delas isoladamente bem como de profissões da saúde envolvidas, certa-
define a complexidade teórica desse novo conceito” mente contribui para a complexidade da definição.
(PAIM & ALMEIDA FILHO, 1999). De acordo com Souza (2015), que descreve a
A Saúde Coletiva, como área reconhecidamente visão da Abrasco, o foco de trabalho da saúde co-
multidisciplinar, envolve tanto aspectos biomédi- letiva reside nas necessidades de saúde das comu-
cos quanto sociais, em busca de estudar os deter- nidades, o que significa que abrange “todas as con-
minantes – sejam biológicos e/ou sociais – das do- dições requeridas não apenas para evitar a doença
enças que afetam as populações, a fim de proceder e prolongar a vida, mas também para melhorar a
ao planejamento e à organização de serviços de qualidade de vida”.
saúde. Resumindo, o campo do conhecimento da Na saúde pública, por sua vez, o foco de trabalho
SC abrange as ciências sociais, a epidemiologia e está nos problemas de saúde da comunidade, no nível
a administração em saúde. Paim e Almeida Filho da coletividade, envolvendo, então, aspectos qualita-
(1999) afirmam que tivos e quantitativos relacionados a riscos, agravos,
doenças, mortes, complicações, sequelas e as diversas
consequências. Assim, de acordo com Souza (2015),
[...] a SC contribui para o estudo dos a saúde pública engloba a epidemiologia e a admi-
fenômenos saúde-doença-cuidado nistração na saúde, enquanto a saúde coletiva se en-
nas populações como processos carrega da determinação social e das desigualdades
sociais, investigando a produção e em saúde, envolvendo a epidemiologia social, o pla-
distribuição da doença na sociedade nejamento estratégico e comunicativo, e a gestão de-
e analisando as práticas de saúde mocrática, mantendo espaço para “contribuições de
como processo de trabalho. todos os saberes – científicos e populares – que po-
dem orientar a elevação da consciência sanitária e
a realização de intervenções intersetoriais sobre os
determinantes estruturais da saúde”.
332 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da medicina e enfermagem
O texto citado acima destaca o campo da saúde matriz que introduziu a noção de “matriz de com-
coletiva em toda a sua amplitude. Além disso, a in- petências” em nosso país e que foi originalmente
clusão da gestão em saúde e da educação em saúde criada para servir como base para o Exame Nacional
como áreas de competência para a formação do mé- de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos
dico, especificando as ações-chave, também ressalta por Instituição de Educação Superior Estrangeira
a importância da saúde coletiva. A inclusão de me- (Revalida). Tal documento que, desde então, por
dicina de família e comunidade (com carga horária sua completude, tem orientado as matrizes curri-
privilegiada) e de saúde coletiva, como componentes culares dos cursos de Medicina no Brasil, consta do
curriculares distintos no período do internato curri- Anexo da Portaria nº 278/2011 e, por sua vez, ba-
cular, é também indício do reconhecimento da impor- seou-se na Matriz de Correspondência Curricular
tância da formação do médico em Atenção Primária
elaborada pela então Subcomissão Temática de
(BRASlL, 2014, capítulo III, artigo VIII, §§ 5º e 6º).
Revalidação de Diplomas, publicada pela Portaria
No Quadro 1, é apresentada uma compilação dos
Interministerial do Ministério da Educação e do
temas que compõem o conteúdo programático de
Ministério da Saúde (MEC/MS) nº 865, de 15 de
saúde coletiva em cursos de Medicina. A elabora-
ção desse quadro tem como principal referência a setembro de 2009 (BRASIL, 2011).
EPIDEMIOLOGIA
Modelos de causalidade para o processo de adoecimento – as diferentes
1
teorias (unicausal, ecológica, multicausal e social)
2 Filosofia, Antropologia e Sociologia – sua importância na área de saúde
3 Epidemiologia e Demografia
4 O perfil epidemiológico do Brasil
Variáveis de distribuição das doenças – clima, fauna, relevo, condições de habitação, ambiente
5
de trabalho, espaço urbano, poluentes urbanos e rurais, contaminação de alimentos etc.
6 Perfil de doenças infecciosas e parasitárias mais prevalentes no país
7 Endemias e epidemias
8 Metodologia da pesquisa epidemiológica
9 Medidas de associação de risco
Diagnóstico: sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo,
10
valor preditivo negativo. Sistemas de informação em saúde
Indicadores demográficos: de mortalidade, morbidade e fatores
11
de risco, socioeconômicos, de recursos e cobertura
12 Vigilância epidemiológica – notificação compulsória, investigação e medidas de controle
13 Epidemiologia aplicada ao Sistema Local de Saúde (Silos)
POLÍTICAS DE SAÚDE
Políticas de saúde. História das políticas de saúde no Brasil.
14
Leis Orgânicas da Saúde (Loas) nºs. 8.080 e 8.142
Políticas públicas em saúde – saúde mental. Proteção e prevenção da saúde. Dermatologia sanitária.
15 Saúde ambiental para grupos populacionais específicos: Programa de Saúde da Família, Promoção
da Saúde, Saúde Indígena. Atenção à Criança e ao Adolescente. Atenção à Mulher. Atenção ao Idoso
Políticas públicas em saúde para grupos populacionais específicos: Política Nacional de Atenção
16 Integral à Saúde da Criança; Saúde do Adolescente; Saúde da Mulher; Saúde do Homem; Saúde
do Idoso; Saúde Indígena; Saúde do Trabalhador; Saúde de Grupos Populacionais Vulneráveis
334 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da medicina e enfermagem
4. MÉTODOS ATIVOS DE ENSINO E SIMULAÇÃO NA uma diretriz para o planejamento de casos e de es-
EDUCAÇÃO MÉDICA E NA SAÚDE COLETIVA
tações de ensino. Assim, o conhecimento acerca
de uma área e/ou um conteúdo favorece a apren-
As DCNM de 2014 trouxeram a recomendação para dizagem de outra área e/ou conteúdo, integrando
que os cursos médicos utilizassem métodos ativos o arsenal de conhecimentos dos estudantes e con-
de ensino-aprendizagem. A princípio, a utilização tribuindo para o desenvolvimento de habilidades
da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), e atitudes diversas.
que já era realidade no Brasil desde 1997, quando Também se faz necessário perceber o que Souza
foi adotada pela Faculdade de Medicina de Marília (2019) chama de “crescimento helicoidal” – quando
(Famema), foi a forma quase unânime de “cum- descreve que as competências dos estudantes au-
prir” a determinação. Outras maneiras de inserção mentam à medida que temas são repetidos e acres-
ativa dos estudantes não eram muito frequentes, e cidos de novas abordagens e aprofundamento, e no-
mesmo a ABP seguia, quase sempre, uma fórmula vas habilidades e atitudes são adquiridas a partir de
predeterminada. treinamento – diante de situações as mais variadas.
Alguns movimentos no sentido de analisar o Desse modo, é fácil compreender quão adequada
formato do modelo padrão da ABP foram surgindo, é a adoção do ensino através de simulação, tanto em
complementando e qualificando essa técnica, e componente curricular específico quanto em ati-
acrescentando outras à formatação dos cursos, de vidades integradas com outras disciplinas. Como
forma a torná-los mais estimulantes para discentes exemplos de possíveis estações de ensino, podem
e docentes. Assim, novas formas de ensino-apren- ser citados: situações epidemiológicas de um muni-
dizagem foram cada vez mais sendo introduzidas cípio ou uma região e suas necessidades; problemas
em novos e antigos cursos médicos, de modo que de gestão inerentes a diferentes unidades de saúde;
os alunos pudessem assumir um papel ativo no pro- casos clínicos de abrangência coletiva (como a si-
cesso de aprender, atuando não apenas nas discus- tuação, para uma escola, ao tomar conhecimento
sões sobre o conteúdo, mas também na preparação de que há uma criança com sarampo, ou a necessi-
e apresentação das atividades, que já não se resu- dade de criar uma política pública para assistir pes-
mem a aulas expositivas, que oferecem conteúdo soas na fase pós-Covid19); problemas inerentes a
resumido e sintetizado (SOUZA, 2019). Centrais de Regulação do SUS, etc. A gama de si-
Além da utilização de métodos ativos de ensino- tuações ou estudos de caso é tão ampla quanto os
-aprendizagem, os cursos médicos passaram a per- casos clínicos individuais, de agravos inerentes às
ceber a necessidade de integrar os conhecimentos áreas clínicas da medicina.
fundamentais (ditos básicos) com os conhecimen- É importante ressaltar a responsabilidade dos
tos técnicos específicos (ditos profissionalizantes), docentes no planejamento pedagógico de seus com-
no sentido de potencializar a aprendizagem. ponentes curriculares, estruturando cada atividade
Nesse sentido, Souza (2019) afirma que, no tra- de simulação de acordo com os objetivos pedagó-
dicional modelo de curso médico, dividido em duas gicos e as competências a serem desenvolvidas. A
etapas bem distintas – básica e profissionalizante –, utilização de simulação requer o detalhamento ne-
os alunos não dispõem do tempo necessário cessário do script, assim como o preparo do mate-
rial que, em saúde coletiva, muitas vezes consiste
em documentos, formulários, gráficos e mapas. A
[...] para vivenciar profundamente elaboração de um checklist (lista de checagem de
a profissionalização e, além disso, itens) para a avaliação é essencial, assim como a
não conseguem na fase final previsão do momento de debriefing (ação devolu-
do curso resgatar e utilizar os tiva sobre o desempenho), cuja formatação deve
conhecimentos das ciências básicas ser pactuada com a equipe de ensino e informada,
adquiridos no início do curso, que previamente, aos discentes.
são, em sua maioria, esquecidos ou No planejamento, é imprescindível reservar es-
(erroneamente) considerados inúteis. paço para que os discentes avaliem a atividade e pos-
sam propor e discutir modificações com a equipe
docente. O cuidado no planejamento assegura o su-
A promoção da aprendizagem de conteúdos cesso da execução de cada estação. Sobre planeja-
e/ou áreas diferentes, simultaneamente, deve ser mento estrutural, é interessante lembrar o estudo
de Dolmans e cols. (1996), o qual avaliou fatores
336 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da medicina e enfermagem
Os cenários de aprendizagem não devem res- Assim como a simulação como técnica de en-
tringir-se a espaços físicos de trabalho real, uma sino-aprendizagem na área de saúde preserva a
vez que é possível representar espaços e situações segurança do paciente, quando se trata de treinar
em que habilidades e atitudes sejam treinadas de procedimentos, também confere segurança aos es-
forma eficaz e segura. A variedade de situações tudantes em seu treinamento em situações diversas
inseridas na formação profissional do estudante na área de saúde coletiva, envolvendo habilidades
pode ser ampliada se ocorre a utilização de cená- e atitudes fundamentais, antes que sejam pratica-
rios elaborados com foco em problemas diversos, das diretamente na atuação real com as pessoas e
aos quais dificilmente seria submetido em espa- a comunidade. Como exemplo, podem ser citadas
ços de trabalho real, seja por implicar responsabi- situações envolvendo a vigilância sanitária, a vigi-
lização incompatível com a segurança do paciente lância epidemiológica, a Central de Regulação do
e/ou com o conhecimento e a experiência do estu- SUS, uma gerência da Secretaria Estadual de Saúde,
dante, seja por não ser situação frequente e, assim, a Comissão Intergestores Bipartite e todos os cam-
não ocorrer durante um curto período de estágio. pos de atuação dessa importante área.
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338 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da medicina e enfermagem
CA P Í T UL O 10 .2
339
Rachel Esteves Soeiro
Médica
Departamento de Saúde Coletiva
Faculdade de Ciências Médicas
UNICAMP
340 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
rante a sessão informativa e recebem outras ins- Com base na matriz de competências, para os
truções sobre a temática da simulação; ocorre cenários de simulação realística, há os seguintes ei-
presencialmente. xos: saúde pública no Brasil/Sistema Único de Saúde
3) Entrada da teoria: por meio de metodologia ativa (SUS), processo saúde e doença, epidemiologia e
de ensino, explora-se a temática da simulação. ética médica (LOIOLA; CYRINO; ALEXANDRE,
4) Reunião informativa sobre o cenário (briefing): 2017; GONTIJO et al., 2013; DANKNER et al., 2018).
expõem-se o caso clínico e as orientações para o Dentro de tais eixos, apresentam-se os seguin-
desenvolvimento da simulação (indicações so- tes temas para a simulação realística de acordo com
bre o uso de equipamentos, bonecos/manequins cada nível supracitado:
e atores, e a situação clínica dos pacientes).
5) Sessão de simulação: momento em que ocorre A) NÍVEL 1 (DO PRIMEIRO AO QUARTO ANO DE
o desenvolvimento da cena. Prepara-se o am- GRADUAÇÃO)
biente previamente para a reprodução da rea-
1. Saúde pública no Brasil/SUS
lidade clínica da forma mais fidedigna possível.
• Discussão da história da saúde pública no Brasil.
6) Feedback ou debriefing: revisão da simulação
• Reconhecimento dos princípios do SUS.
mediada pelos “facilitadores” (docentes e de-
• Reconhecimento dos princípios da atenção pri-
mais presentes) com o objetivo de analisar e
mária à saúde (APS).
sintetizar as ações desenvolvidas para um me-
• Demonstração de capacidade de trabalhar em
lhor desempenho. É importante a devolutiva
equipe multidisciplinar na APS.
imediata aos erros cometidos para que as con-
• Demonstração de conhecimento da rede de assistên-
dutas sejam aprimoradas em um contexto real
cia à saúde (níveis primário, secundário e terciário).
(AUGUSTO; SALVADOR; TONIOSSO, 2019;
• Realização de diagnóstico em saúde de um
ARAÚJO; QUILICI, 2012; RAFAEL et al.,2018.
território.
A literatura aponta como benefício da simulação
2. Processo saúde e doença
realística a construção das competências e do pensa-
• Realização de anamnese e exame físico direciona-
mento crítico por meio da participação ativa do estu-
dos para a epidemiologia da patologia em questão.
dante (RAFAEL et al., 2018; MOTOLA et al., 2013).
• Determinação do processo saúde e doença.
• Diagnóstico de doenças ocupacionais.
• Realização de anamnese e exame físico utili-
2. O USO DA SIMULAÇÃO NA SAÚDE COLETIVA
zando-se de competências culturais.
• Identificação de situação de vulnerabilidade.
A saúde coletiva representa a área do conhecimento
• Diagnóstico de doenças infectocontagiosas.
em saúde que mais apresenta relações de interface
com o serviço público de assistência e incorpora
3. Epidemiologia
saberes de outros profissionais de saúde (NEILE;
• Identificação dos dados epidemiológicos e das
ARAÚJO, 2011. Até o momento é bastante difícil
medidas de frequência em saúde coletiva (me-
encontrar cenários de simulação realística para a
didas de morbidade e mortalidade).
saúde coletiva, no entanto os marcos de competên-
• Identificação da história natural e prevenção
cia em saúde coletiva para a graduação em Medicina
de doenças.
já foram estabelecidos tanto nacional como inter-
• Diferenciação de endemia e epidemia.
nacionalmente (ZANOLLI et al., 2013; CALHOUN;
SPENCER; BUEKENS, 2011).
4. Ética médica
De acordo com a matriz de competências, di-
• Reconhecimento dos princípios da bioética (auto-
videm-se os estudantes em nível 1 (do primeiro ao
nomia, beneficência, justiça e não maleficência).
quarto ano de graduação), nível 2 (internato), nível
• Demonstração de conhecimento dos princípios
3 (R1), nível 4 (R2), nível 5 (R3 ou profissional mé-
éticos de uma pesquisa científica.
dico que necessita de revalidação de diploma) e ní-
• Demonstração de postura ética como estudante
vel 6 (profissional médico experiente) (ZANOLLI et
de Medicina.
al., 2013; CALHOUN; SPENCER; BUEKENS, 2011).
342 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Demonstração de conhecimento sobre o preen- • Demonstração de capacidade em avaliar a alo-
chimento correto do atestado de óbito. cação de recursos em saúde.
• Demonstração de capacidade em avaliar a aten-
C) NÍVEL 3 (R1) ção à saúde considerando a relação custo-efeti-
vidade e a disponibilidade de recursos.
1. Saúde pública no Brasil/SUS • Demonstração de capacidade em argumentar
• Discussão dos sistemas de saúde em ou- sobre implementação dos programas de rastre-
tros países, comparando-os em estrutura e amento e seus níveis de evidência.
funcionamento. • Demonstração de capacidade de discutir pre-
• Criação de protocolos internos (UBS) para uma venção quaternária com sua equipe de saúde.
situação clínica do território.
• Planejamento de ações de vigilância para uma 4. Ética médica
determinada situação do território. • Demonstração de capacidade em atuar consi-
• Demonstração de conhecimento sobre os tipos derando a diversidade e singularidade de seus
de financiamento no âmbito do SUS. pacientes, tomando decisões compartilhadas.
• Demonstração de capacidade de gestão de uma • Demonstração de capacidade de trabalho em
equipe multidisciplinar na atenção primária. equipe e liderança.
• Demonstração de capacidade em coordenar dis- • Demonstração de capacidade de comunicar-se
cussões com profissionais de outros equipamen- de forma ética, efetiva e profissional com os pa-
tos da rede de saúde e interdisciplinar. cientes, os familiares e a equipe de saúde nas
• Demonstração de capacidade em avaliar os pla- mais diversas situações clínicas.
nos de intervenção no território (local e muni- • Demonstração de capacidade de comunicar-
cipal) considerando o perfil epidemiológico. -se de forma ética e profissional com a mídia.
• Organização da linha de cuidado na atenção pri- • Demonstração de capacidade em emitir atesta-
mária em uma UBS. dos de acordo com a legislação vigente.
• Demonstração de utilização do indicador de in- • Demonstração de capacidade em organizar ca-
ternação por condições sensíveis à APS na ava- sos clínicos para discussões éticas.
liação das condições de saúde.
• Articulação do cuidado com os diferentes ní-
veis de atenção à saúde.
D) NÍVEL 4 (R2)
344 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
• Demonstração de capacidade em coordenar pro- 4. Ética médica
cessos deliberativos (nos casos de conflitos éticos). • Demonstração de capacidade em coordenar pes-
• Demonstração de capacidade em elaborar car- quisas populacionais nacionais, multicêntricas
tilha para os pacientes e familiares sobre seus ou globais respeitando os princípios da ética.
direitos como cidadãos.
F) NÍVEL 6 (ESPECIALISTA)
346
Hermila Tavares Vilar Guedes
Médica Pediatra
Professora da Universidade do
Estado da Bahia - UEBA
Diretora técnica do Curso de
Simulação ABEM-EBSERH
Ressaltamos que é importante não confundir as ção, regulação, e resolução de problemas de saúde
competências elencadas na área de Saúde Coletiva nas comunidades.
com aquelas próprias da Medicina de Família e Então, para treinamento e avaliação de habi-
Comunidade (no caso de cursos médicos) ou com lidades e atitudes, o material necessário resume-
a área de Saúde da Família (quando se trata dos de- -se a documentos, formulários (físicos ou eletrô-
mais cursos da área de saúde). nicos), além do material inespecífico que o cenário
Em Saúde Coletiva, o treinamento prático (e escolhido solicita; sempre lembrando que o obje-
consequentemente a avaliação de habilidades), di- tivo não é o exame físico ou o procedimento téc-
ferentemente das áreas clínicas, não envolve a rea- nico no paciente.
lização de exames ou procedimentos no paciente. Praticar ensino de SC através de simulação apre-
Assim, a simulação em SC deve concentrar esfor- senta um importante aspecto positivo, representado
ços nas diversas e importantes situações em que pela possibilidade de simular cenários variados e
as competências próprias da área são necessárias abre um enorme leque de situações que jamais se-
para a condução de necessidades, como normatiza- riam treinadas de forma efetiva, em cenário real.
348
Raphael Raniere de Oliveira Costa Diego Bonfada
Enfermeiro Enfermeiro
Mestre e Doutor em Enfermagem Doutor em Saúde Coletiva
Docente - Escola Multicampi de Ciências Docente da Escola Multicampi de
Médicas do Rio Grande do Norte Ciências Médicas do Rio Grande do
Universidade Federal do Rio Norte – EMCM Universidade Federal
Grande do Norte – UFRN do Rio Grande do Norte – UFRN
350 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Visitas técnicas
aos cenários de
prática
Sala de situação
O Arco de
Charles e
Maguerez
Teatro de
improviso
Simulação
clínica
Estudo de caso
Aprendizagem
Aprendizagem
Baseada em
Baseada em Times
Problemas (ABP)
Aprendizagem
Baseda em
Projetos
PBL
No contexto do ensino de enfermagem em SC, os que o estudante de Enfermagem, durante a sua for-
métodos e as estratégias da Figura 1 podem e de- mação, precisa adquirir para que possa trabalhar
vem ser utilizados. A escolha depende dos objeti- com a SC no contexto da APS.
vos de aprendizagem, das competências previstas Não há um consenso sobre essas competências.
nas ementas e dos currículos. Cabe ao docente es- Entretanto, alguns estudos apontam para compe-
colher, planejar, executar e avaliar a pertinência e tências gerais e competências específicas. Um es-
os desfechos de suas escolhas. Nesse processo, os tudo de doutorado identificou um conjunto des-
estudantes e colaboradores, como sujeitos ativos, sas competências para a prática da enfermagem
podem contribuir nas discussões sobre o plano de na APS (WITT, 2005). Essas competências estão
ensino e sugerir modificações de acordo com as ancoradas em domínios, a saber: valores profissio-
aspirações e expectativas individuais e coletivas. nais, comunicação, trabalho em equipe, gerência,
orientação à comunidade, promoção da saúde, re-
solução de problemas, atenção à saúde, educacio-
3. COMPETÊNCIAS DE ENFERMAGEM EM SAÚDE nal e ciências básicas da saúde pública. O Quadro 1
COLETIVA apresenta uma síntese dos resultados de alguns es-
tudos e iniciativas, bem como da expertise dos au-
Como sabemos, a formação por competências tores, nesse contexto de competências gerais e es-
é orientada pelas DCN. Há diversas competências pecíficas da enfermagem em SC.
352
COMPETÊNCIAS GERAIS
• Buscar na ética os valores e princípios para sua atuação. • Atuar no SUS e compreender e fo- • Reconhecer os três níveis de atenção à saúde, os equi-
• Promover o comprometimento com a saúde, como di- mentar políticas públicas de saúde. pamentos sociais e as especificidades da rede interse-
reito individual e coletivo. • Gerenciar serviços de saúde e traba- torial local.
• Responsabilizar-se pela atenção à saúde e contribuir lhar numa perspectiva interdiscipli- • Reconhecer as interfaces, os limites e as possibilidades
para a sua organização. nar, intersetorial e multiprofissional. da atuação específica da profissão em cada cenário de
• Identificar-se com o trabalho. • Contribuir com a consolidação da prática e nível de atenção à saúde.
• Utilizar instrumentos de comunicação. ESF. Compreender o processo saúde- • Agir com base na ética e na legislação pertinente à profissão.
• Saber ouvir o usuário. -doença e seus determinantes. • Buscar atualização constante em matérias de conheci-
• Adotar uma perspectiva interdisciplinar. • Desenvolver ações visando ao cui- mentos específicos da profissão.
• Organizar. dado integral. • Atuar com base nas melhores evidências científicas e le-
• Organizar seu processo de trabalho de forma articulada • Realizar atividades de educação em var em consideração a ética das relações humanas e os
com a equipe de saúde. saúde. princípios da bioética.
• Integrar a equipe na constituição do planejamento e na • • Aplicar os princípios constitucionais e organizativos do
avaliação das ações de saúde. SUS durante o exercício da profissão, em diferentes equi-
• Ser capaz de assumir a gerência e a gestão do serviço pamentos sociais, espaços e serviços públicos de saúde.
de saúde. • Fazer uso das orientações e dos protocolos desenvolvi-
• Trabalhar com a perspectiva da vigilância da saúde. dos pelas vigilâncias em saúde.
• Conhecer a comunidade e com ela estabelecer e man- • Reconhecer o papel do controle social e a relevância da
ter vínculos. participação social no SUS.
• Desenvolver ações de prevenção de doenças e prote- • Promover ações de vigilância.
ção da saúde.
• Compreender a dimensão coletiva dos problemas de
saúde.
353
Embora haja um leque de competências, estudos processo de trabalho em saúde, quais sejam: com-
apontam para uma maior frequência de abordagens petências comuns e colaborativas. É importante
de algumas competências no contexto do ensino de destacar que, na enfermagem, esse conhecimento
enfermagem, as quais são as relativas à prestação de é bastante recente e requer um aprofundamento
assistência com base na ética, no compromisso e na teórico mais cuidadoso. Poucos são os estudos que
responsabilização para com a saúde dos cidadãos e
têm se debruçado sobre marcos de competências e
com os serviços, bem como aquelas voltadas para a
Entrustable Professional Activities (EPA).
identificação de problemas e necessidades de saúde
(FRACOLLI; CASTRO, 2012). Nessa perspectiva, com o objetivo de norteá-los
na construção dos marcos de competências e das
EPA, iniciamos um exercício do pensar sobre essas
competências no contexto da saúde da SC. É impor-
4. COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS, COMUNS E
COLABORATIVAS DE ENFERMAGEM EM SAÚDE tante destacar também que as competências traça-
COLETIVA: UM EXERCÍCIO DE APROXIMAÇÃO das são exemplos que podem servir de norte para
a organização do processo ensino-aprendizagem.
Pensar em competências é um exercício que requer Entretanto, a partir da vivência no serviço, da ex-
um esforço intelectual e uma compressão global so- periência profissional e da realização de pesquisas
bre cada profissão da área da saúde, em específico, posteriores, essas competências podem ser amplia-
sobre as interfaces entre elas e sobre as dimensões das e validadas cientificamente. O Quadro 2 apre-
do que se considera responsabilidade coletiva do senta os marcos de competências e EPA.
354 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Quadro 2. Competências comuns, colaborativas e específicas da enfermagem no contexto da saúde coletiva – Caicó, 2021.
MARCO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA COMUM COMPETÊNCIA ESPECÍFICA
COMPETÊNCIA COLABORATIVA
Compreende os fundamentos Exerce as atribuições que Estudantes e profissionais se Nível 1 – Anos iniciais da formação
da atenção primária lhe são conferidas pela envolvem ativamente com Conhece a Pnab.
reconhecendo a Política Pnab e por outras políticas os demais colegas de outras Conhece políticas e programas relacionadas à SC.
Nacional de Atenção Básica relacionadas à SC. profissões para planejar e
(Pnab) e seus dispositivos. Participa do processo de executar ações de saúde Nível 2 – Estágio supervisionado
educação permanente com base nos objetivos, nos Desenvolve, sob supervisão, ações de saúde específicas
em saúde. princípios e nas diretrizes relacionadas a políticas e programas estratégicos e da SC
de políticas e programas de (acompanhamento do crescimento e desenvolvimento
Realiza visitas domiciliares saúde da atenção básica. da criança, consulta pré-natal, entre outros.).
e participa de grupos Participa das atividades de supervisão, do planejamento,
educativos e de promoção Age de forma planejada e dentro da execução e da avaliação de ações/intervenções
da saúde, como forma de da perspectiva do trabalho relacionadas à SC com outros profissionais e estudantes.
complementar as atividades colaborativo, para atingir
clínicas para populações mais objetivos e metas nacionais, Deficiências críticas
vulneráveis a determinadas estaduais e locais relacionadas Não conhece a Pnab, outras políticas e
situações priorizadas aos indicadores de saúde e programas relacionados à SC.
pela equipe de saúde. melhoria da saúde da qualidade Não identifica as atribuições específicas do profissional
de vida/saúde da população. enfermeiro no contexto dos programas de saúde.
Apresenta fragilidades, do ponto de vista de
competências e habilidades (técnicas e não
técnicas) específicas do enfermeiro, para
desenvolver o cuidado destinado a diferentes
grupos populacionais e ciclos de vida.
Nível 3 – Profissional
Aplica o processo de enfermagem, nas diferentes
ações de saúde previstas nos programas e nas políticas,
como instrumento metodológico para planejar,
implementar, avaliar e documentar o cuidado em
diferentes grupos populacionais e ciclos de vida.
355
Continuação quadro 2...
356
Identifica os determinantes Reconhece a relação saúde/ Estudantes e profissionais se Nível 1 – Anos iniciais da formação
sociais, considera os doença e a influência envolvem ativamente com
contextos político, cultural, dos condicionantes e os demais colegas de outras Conhece os conceitos e a relação saúde/doença.
econômico e climático que determinantes sociais, profissões para planejar Identifica os condicionantes e determinantes
influenciam o processo bem como dos contextos ações de saúde com base sociais da saúde e suas implicações/
saúde e doença, estabelece político, cultural, econômico no conhecimento sobre os influências na relação saúde/doença.
linha de cuidado e identifica e climático na saúde de determinantes sociais da saúde, Conhece programas e polícias públicas relacionadas à SC.
as doenças ocupacionais grupos vulneráveis. os contextos político, social, Conhece conceitos da epidemiologia.
e os grupos vulneráveis. econômico, climático e do
Desenvolve ações de processo saúde e doença, para Nível 2 – Estágio supervisionado
Participa na construção do saúde com base no sujeitos, família e comunidade.
perfil epidemiológico da diagnóstico situacional do Identifica as necessidades de saúde de diferentes
área de atuação, assim como território, apoiando-se em Age de forma planejada e grupos populacionais em distintos ciclos de vida.
na atualização periódica dados epidemiológicos, dentro do espírito do trabalho Desenvolve ações de saúde específicas relacionadas
da sala de situação. para diferentes grupos em equipe, de acordo com o a políticas e programas estratégicos e da SC.
populacionais e em que está disposto nas políticas Aplica fórmulas e métodos epidemiológicos de
distintos ciclos de vida. de saúde e nos programas observação/planejamento e execução de ações em SC.
de saúde, para intervir em Participa, sob supervisão, do planejamento, da execução
Aplica políticas e programas situações de saúde pública. e da avaliação de ações/intervenções relacionadas
de saúde para intervir em à SC com outros profissionais e estudantes.
situações específicas de saúde Deficiências críticas
pública para os diferentes Não reconhece as relações entre os determinantes sociais
grupos populacionais da saúde, os contextos político, social, econômico e
e ciclos de vida. climático, e suas influências no processo saúde e doença.
RECOMENDAÇÕES COMENTÁRIOS
A identificação dessa necessidade perpassa, necessariamente, pela
Identifique a real necessidade do
escolha dos objetivos de aprendizagem, dos recursos e de todas as
treino da habilidade naquele momento
variáveis relacionadas ao seu planejamento, à sua execução e à sua
do curso e/ou da formação.
avaliação.
É importante identificar se a habilidade atingiu os objetivos propostos.
Construa objetivos mensuráveis.
Para tanto, é importante pensar em formas de mensurar o que foi proposto.
Disponibilize o material de
A depender da complexidade do conteúdo, o docente pode disponibilizar
estudo prévio relacionado ao
materiais para estudo prévio semanas antes da habilidade.
objetivo de aprendizagem.
Guias e checklists podem facilitar a compreensão das etapas da
Disponibilize previamente
atividade objeto da habilidade. Além disso, servem como material de
checklist do procedimento e/
apoio para o estudo individual e retorno a espaços como laboratórios
ou roteiro da habilidade.
de habilidades e cenários de prática.
Proceda ao envio dos materiais
com informações referentes à A organização e o envio prévios do desenho da prática de habilidade
organização das estações práticas podem ser bastante úteis para evitar atrasos, faltas de recursos e o
para a equipe do laboratório e/ comprometimento das atividades planejadas.
ou cenário de aprendizagem.
O trabalho em pequenos grupos pode auxiliar o docente na
Trabalhe com pequenos identificação de necessidades individuais de aprendizagem e no
grupos de estudantes. fornecimento de feedback individual e em tempo oportuno. Em uma
turma com 40 estudantes, o docente por fazer opção de trabalhar com
quatro grupos de dez estudantes, em diferentes horários.
Em uma sessão de habilidades, pode ser interessante que o
docente planeje e monte estações práticas com diferentes níveis de
Aposte em múltiplas estações com
complexidade. É importante iniciar com habilidades menos complexas
diferentes graus de complexidade.
e, ao passo que o estudante domina a tarefa, apresentar outras estações
de maior grau de complexidade.
O feedback é um elemento indispensável no processo de ensino e
aprendizagem. Ao passo que o estudante vai progredindo nas atividades/
Forneça feedback.
treino de habilidades, o docente deve fornecer pistas para a melhoria
do desempenho e auxiliá-lo a atingir os objetivos propostos.
Valorize e priorize as avaliações formativas em detrimento das
Realize avaliações. somativas. Também podem ser realizadas as avaliações dos cenários/
estações e a avaliação de retroalimentação.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Chamamos a atenção também para o treino convocação dos participantes de grupos específi-
de habilidades não técnicas. Seguindo a lógica da cos. Por fim, planejar sessões de simulação clínica
Figura 2, também poderia ser ofertada uma sessão para consolidar as habilidades trabalhadas.
de habilidades não técnicas relacionadas à temá-
6. O USO DA SIMULAÇÃO CLÍNICA NO CONTEXTO
tica da vacinação, como uma estação para mapear DO ENSINO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE COLETIVA
grupos prioritários e cobertura vacinal; uma outra
estação prática com o objetivo de transformar es-
Como você já sabe, a simulação clínica é um
ses dados em indicadores; e uma estação para tra-
método que pode ser utilizado nas diversas ciên-
balhar comunicação, apresentar as necessidades
cias (da saúde e de outras áreas), nas diversas es-
identificadas para a equipe de saúde e planejar eta-
pecialidades (no âmbito das ciências da saúde e da
pas para educação em saúde para esclarecer a im-
medicina) e em diferentes contextos e cenários de
portância da vacinação. Também poderia planejar
práticas. Portanto, é importante situar como anda
e executar uma busca ativa de pessoas com calen-
a produção do conhecimento e conhecer as expe-
dário vacinal incompleto, em escolas e/ou com a
358 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
riências a partir do uso da simulação no contexto do ensino de enfermagem em SC, com melhora
da SC. Neste capítulo, entende-se por estado da no desempenho cognitivo, no desenvolvimento
arte um mapeamento das informações, dos co- de satisfação e autoconfiança e na aprendizagem
nhecimentos e das evidências referentes ao fenô- (COSTA, 2018).
meno em discussão. Corroborando esse fato, um estudo envolvendo
De modo geral, no contexto latino-americano, 25 países da América Latina e do Caribe, realizado
a simulação clínica vem crescendo significativa- em 246 escolas (93 de enfermagem), recomenda o
mente – com destaque para os últimos dez anos. desenvolvimento e a implementação de experiências
Em diversos países, há associações com o objetivo clínicas de simulação centrada na APS e a identifi-
de fortalecer as discussões e qualificar os profis- cação de líderes nessa área (CASSIANI et al., 2017).
sionais que realizam investigações sobre esse fe- Na literatura brasileira, há experiências do uso da
nômeno. Essa iniciativa é importante porque essa simulação no contexto da SC, no ensino de imuni-
cooperação contribui para a qualificação dos tra- zação de adultos, no manejo de doenças crônicas e
balhos, o aperfeiçoamento das práticas simuladas na assistência ao idoso institucionalizado (COSTA,
e a pesquisa. Técnicos, docentes e pesquisadores 2014, 2018; COSTA et al., 2019, 2020b).
do mundo todo podem compartilhar ideias, cená- Recentemente, a Associação Brasileira de
rios e informações. Entretanto, pouco se tem pro- Educação Médica (Abem), em parceria com a
duzido do ponto de vista da pesquisa. Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
Há mais de 22 anos se faz simulação na América (Ebserh), ofertou um curso de formação em si-
Latina (CORVETO; RUBIO, 2019). No Brasil, a in- mulação clínica. Durante a formação, foi possível
vestigação sobre simulação clínica ainda é recente, construir diversos cenários na área da SC. Os ce-
porém em crescimento. Não restam dúvidas de que nários poderão ser validados por especialistas e
há muitas experiências exitosas, e cenários realis- publicados posteriormente.
tas e bem estruturados fazem parte do contexto Por se tratar de um método e por ter uma es-
das escolas de Enfermagem em seus programas trutura de formatação e execução bem definidas,
de graduação e residências. Entretanto, as publi- não há recomendações específicas para o ensino
cações referentes a essas experiências ainda são de enfermagem em SC. Docentes e curiosos da
incipientes. área estão convidados a compartilhar suas expe-
De modo geral, no contexto brasileiro, as pu- riências. Porém, apostar em cenários interprofis-
blicações na área da simulação clínica em ciências sionais, quando isso for possível, parece ser pro-
da saúde, em grande maioria, referem-se a estu- missor. Pesquisadores brasileiros têm trabalhado
dos do tipo relato de experiência e nas áreas clí- na validação de escalas específicas para experiên-
nicas e de urgências e emergências. Nas áreas clí- cias clínicas simuladas interprofissionais.
nicas, há grupos de pesquisadores se empenhando Considerando-se o processo de trabalho em
na construção e validação de escalas, na mensura- enfermagem no âmbito da SC, sugerimos a im-
ção de variáveis como satisfação, autoconfiança, portância da introdução da simulação em várias
percepções e desempenho cognitivo e psicomo- práticas específicas da enfermagem, como visita
tor, na construção de simuladores de baixo custo, domiciliar, vacinação, consulta de enfermagem
entre outros. Entretanto, em um contexto mais coletiva e individual e atuação com grupos (ges-
recente, experiências com simulação em SC têm tantes, idosos, entre outros). Também considera-
sido divulgadas na literatura brasileira. mos a possibilidade de inserção nos processos de
Um estudo realizado em 2018 e publicado em educação interprofissional.
2019 investigou as teses e dissertações brasileiras É importante ressaltar que o docente deve se-
que tiveram como objeto de estudo a simulação clí- guir corretamente as orientações das diretrizes
nica. A partir da análise dos documentos, identifi- nacionais e internacionais quanto às etapas e aos
cou-se um total de 43 teses e dissertações. Os estu- processos de planejamento, execução e avaliação
dos analisados foram publicados entre 2010 e 2017, de uma experiência clínica simulada. Além disso,
sendo 28 dissertações de mestrado e apenas 15 te- é importante ter clareza de que, para chegar a uma
ses de doutorado. Quando se trata de simulação em sessão de simulação, o aprendiz precisa passar por
SC, esse número ainda é mais reduzido (OLIVEIRA; etapas anteriores. Isso inclui uma sessão para tra-
MARTINI; CARAVACA-MOREIRA, 2019). balhar os aspectos teóricos/cognitivos (represen-
Entretanto, estudos brasileiros já evidenciam tada pela primeira esfera da Figura 3 e uma ou mais
contribuições importantes do método, no contexto sessões para o treino de habilidades.
Experimentação
Exposição Treino de Simulação real/vivência nos
dialogada habilidades clínica cenários de
práticas
Figura 3. Caminhos para a aprendizagem: sequência de estratégias de ensino e aprendizagem para o ensino de enfer-
magem em saúde Coletiva, na perspectiva do uso da simulação clínica.
Fonte: Elaborada pelos autores.
360 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Figura 4. Proposta de organização de um módulo para a inserção de experiências clínicas simuladas.
Fonte: Elaborada pelos autores.
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365
Andrea Taborda Ribas da Cunha
Médica de família e comunidade
Mestra em Saúde da Família pela
Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN)/RENASF
Professora da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN) e da Universidade
Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA)
1. INTRODUÇÃO E UM BREVE HISTÓRICO Saúde Comunitária”, mas não havia respaldo nor-
mativo ou legal (FALK, 2004).
A medicina de família e comunidade (MFC), em No ano de 1979, foi criada a primeira residência
comparação às outras especialidades médicas, tem multiprofissional em saúde comunitária, no Centro
uma história recente e, gradativamente, vem ocu- de Saúde Murialdo, derivada da residência em saúde
pando espaço no currículo das escolas médicas bra- comunitária dessa unidade de saúde. Em 1981,
sileiras, concomitante à ampliação e consolidação criou-se a Sociedade Brasileira de Medicina Geral
dos programas de residência nessa área (PRMFC). e Comunitária (SBMGC), a qual permaneceu desati-
A história da especialidade se inicia em 1974 vada até 1985, uma vez que membros da diretoria ha-
com a criação do projeto de um sistema de saúde viam declinado para formar a Associação Brasileira
comunitária no Centro de Saúde-Escola Murialdo, de Medicina de Família (ABRAMEF). A SBMGC foi
em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Em 1976, os reativada por ocasião da VIII Conferência Nacional
dois primeiros programas de residência com foco na de Saúde, em 1986, tendo como um dos objetivos
comunidade originaram-se respectivamente no refe- conseguir o reconhecimento da especialidade pelo
rido projeto gaúcho e no chamado “Subprograma de Conselho Federal de Medicina (CFM).
Internato e Residência em Hospital Regional Rural”, A Comissão Nacional de Residência Médica
projeto da Universidade Federal de Pernambuco, (CNRM) apresentou consulta ao CFM em 1986
em Vitória de Santo Antão (BORDIN; SILVA, 1988). (Processo Consulta n o 29/86), originando a
Nessa fase, tanto a especialidade como a residência Resolução CFM no 1.232/86, a qual reconheceu a
médica tinham a denominação de “Residência em medicina geral comunitária como especialidade
366 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
médica, sendo atualizada pela Resolução CFM no atual da especialidade em 2002, por conta da publi-
1.634/2002, já com o novo nome da especialidade: cação da lista de especialidades médicas elaborada
“medicina de família e comunidade”. Os progra- pela Comissão Mista de Especialidades do CFM, da
mas de residência médica (PRM) em medicina ge- CNRM e da Associação Médica Brasileira (AMB).
ral e comunitária (MGC) foram formalizados pela O Quadro 1 sintetiza o histórico do surgimento
CNRM em 1981 (FALK, 2004) e adotaram o nome da especialidade no Brasil.
ANO ACONTECIMENTOS
Como já mencionado, a MFC iniciou-se no Brasil mundo e no Brasil, assim compreendermos quais
com experiências diversas na década de 1970, tendo as questões relacionadas à formação médica que
sido denominada de formas diferentes, como me- permeiam a especialidade.
dicina comunitária e medicina geral, até que, em A Organização Mundial de Médicos de
1981, tornou-se “medicina geral comunitária” e, por Família (WORLD ORGANIZATION OF FAMILY
fim, recebeu a denominação, em 2002, de medicina DOCTORS – WONCA), a Sociedade Brasileira de
de família e comunidade (VALLADÃO JÚNIOR; Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) e
GUSSO; OLMOS, 2017). o Tratado de Medicina de Família e Comunidade
A MFC pode ser definida como uma prática (2019) concordam com a definição do médico de
permeada por relações políticas e sociais, com família como sendo um clínico, cuja prática está
distintas histórias e condições, relacionadas a seu relacionada à promoção da saúde e à prevenção
aparecimento nos diferentes países e realidades de agravos, contemplando os atributos da aten-
(ANDRADE et al., 2018). Isso se torna importante ção primária à saúde (APS), com uma abordagem
para entendermos as diferentes concepções sobre familiar e comunitária.
a especialidade, bem como a atuação do médico Na literatura de meados do século XVIII, existe
de família, a partir das construções históricas no uma contraposição ao entendimento de que conhe-
368 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
ação é generalista. Daí, a denominação de médico Além do currículo baseado em competências
de família e comunidade estar sendo, atualmente, da SBMFC de 2015, em 2020 a CNRM aprovou a
considerado pela população como equivalente a um Resolução nº 9, de 30 de dezembro de 2020, que
“especialista em medicina geral”. versa sobre a matriz de competências dos PRM em
No Brasil, com o marco histórico da transfor- MFC no Brasil.
mação do Programa de Saúde da Família (PSF) em Por tratar-se da modalidade de residência con-
Estratégia Saúde da Família (ESF) em 2005, a APS, siderada o padrão-ouro para formação do médico
como principal porta de entrada para o Sistema Único de família e comunidade (BERGER et al, 2017),
de Saúde (SUS), passou a ser a articuladora do acesso com a expansão dos programas e da APS no Brasil,
às redes de atenção à saúde (RAS) nos diferentes ní- o mercado de trabalho para o MFC vem crescendo
veis de assistência e cuidado. A partir dessa estru- e se diversificando. Hoje, além da ESF, a MFC vem
tura, fez-se necessário modificar o perfil do profis- ocupando espaço também na rede de saúde suple-
sional de saúde para atuar no sistema, valorizando a mentar e nas universidades, e é uma das especiali-
formação na e para a APS como ordenadora da rede. dades protagonistas na assistência das populações
Nesse contexto, a formação dos profissionais, cujo invisibilizadas.
campo de trabalho com maior oferta de vagas está A estruturação da APS no país propiciou a con-
na APS, precisa incluir atividades de treinamento, solidação da especialidade nas últimas décadas e,
majoritariamente nos próprios serviços de APS, em com isso, o estímulo e crescimento do ensino da
vez de priorizar centros médicos de maior comple- MFC na graduação e a expansão e qualificação dos
xidade (STARFIELD, 2002). Um exemplo desse re- programas de residência. Nos próximos tópicos, va-
conhecimento oficial reside o fato de que, nas DCN mos detalhar como vem se dando esse ensino tanto
publicadas em 2014 e ainda vigentes, há atribuição na graduação como na residência.
de carga horária específica no internato para ativida-
des a serem cumpridas na APS, priorizando a MFC 3. O ENSINO DA MEDICINA DE FAMÍLIA E
e diferenciando-a da saúde coletiva. COMUNIDADE NA GRADUAÇÃO
Outro marco importante para a formação em
MFC e para a atenção primária ou atenção básica (ex- A mudança proposta pelas DCN de 2014 para um
pressão utilizada no Brasil) corresponde às melhorias perfil de egresso formado por competências e que
na estruturação de unidades básicas de saúde (UBS) atue para além de um modelo biomédico de aten-
que passaram a ocorrer em todo país, a partir de 2013, dimento traz a ideia de profissionais que utilizem
quando a Lei nº 12.871, a chamada “Lei do Programa uma abordagem centrada na pessoa e que tenham
Mais Médicos” (PMM), instituiu novas perspec- desenvolvidas também as competências colabora-
tivas para formação médica (da graduação à resi- tivas e de tomada de decisão associadas a um bom
dência) e programas de provimento, articulando o raciocínio clínico. Existe a necessidade de formar
PMM com o já existente Programa de Valorização um profissional com perfil humanístico e reflexivo
do Profissional da Atenção Básica (Provab) em 2012 e que responda às necessidades do SUS.
(MOURÃO et al., 2018). Permeado por apoios e crí- O ensino da MFC na graduação possibilita a in-
ticas, o PMM foi alvo de estudos que concluíram tegração do currículo como um todo. A prática coti-
que houve uma valorização da APS como campo de diana da MFC, além da prática com foco na pessoa,
trabalho médico, bem como melhoria na estrutura- na família e na comunidade, exercita a integração
ção das UBS em todo país (MOURÃO et al., 2018). entre componentes curriculares básicos (como fi-
As vagas em PRM na área duplicaram entre 2009 siologia, farmacologia, parasitologia, microbiologia)
e 2014, fato auxiliado pelo Programa Nacional de e clínicos (fisiopatologia, propedêutica e terapêu-
Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas tica). Também propicia ao estudante a vivência e a
Estratégicas (Pró-Residência), articulado entre o compreensão acerca do pertencimento da popula-
Ministério da Educação e o Ministério da Saúde, para ção assistida a realidades específicas e da relevân-
interiorização de residências em saúde, com foco em cia do SUS como rede pública, por meio da qual
áreas prioritárias, entre elas a MFC (MOURÃO et al., grande parte da população é cuidada pelos servi-
2018). No entanto, é de conhecimento geral que, atu- ços públicos de saúde, reforçando a importância
almente, há vagas ociosas nesses PRM, sendo neces- de que o processo de ensino-aprendizagem seja
sário que haja diagnóstico situacional e reflexão para baseado nas necessidades da comunidade e arti-
readequação e possível redistribuição dessas vagas. culado com as redes locais de saúde.
370 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
A maioria das escolas aborda, nos períodos tos e habilidades diferenciados, tais como o traba-
iniciais do curso médico, situações que envolvem lho colaborativo e as habilidades relacionadas às
temas de saúde coletiva e de MFC, tais como ca- narrativas. A utilização de diferentes modelos de
racterização do território, indicadores de saúde, anamnese e semiologia possibilita a prática de en-
atributos da APS e trabalho em equipe (DEMARZO trevistas clínicas centradas na pessoa, na família e
et al., 2012). A partir do terceiro e quarto período, mesmo na comunidade, valoriza sintomas inespe-
os aspectos clínicos da MFC, na prática da APS, cíficos e amplia a capacidade de tomada de deci-
começam a estar mais evidentes, por abrangerem são baseada em observação cuidadosa e em evidên-
abordagens familiar e comunitária, entrevista clí- cias científicas. A MFC tem, afinal, um importante
nica centrada na pessoa, tomada de decisão e ra- espaço na semiologia e na prática clínica, nos cur-
ciocínio clínico, evoluindo nos períodos seguintes sos de graduação médica.
para a prática clínica visando aos diferentes ci-
clos de vida e conjugando condições prevalentes 4. O ENSINO DA MEDICINA DE FAMÍLIA E
na APS com os instrumentos e ferramentas utili- COMUNIDADE NA RESIDÊNCIA
zados na MFC (SILVA et al., 2017).
4.1. BREVE HISTÓRICO DA RESIDÊNCIA EM MFC
A integração ensino-serviço nos cenários de
práticas na APS configura um importante ponto de A residência médica, modalidade de pós-graduação
discussão, representando uma dificuldade em di- lato sensu, cujos primeiros programas datam do fi-
versos territórios. Isso ocorre devido aos próprios nal do século XIX, tem por finalidade precípua ca-
problemas de estruturação da APS no país, e, diante pacitar profissionais médicos para exercer uma es-
da necessidade de que os serviços tenham condi- pecialidade, entre aquelas listadas pela Comissão
ções para que possam ser campos de prática ade- Mista de Especialidades, reconhecida pelo CFM. No
quados e efetivos, como prevê a Lei nº 8.080/90,
Brasil, os primeiros PRM tiveram início na década
que criou o SUS, todo profissional de saúde pre-
de 1940. Contudo, apenas em 1977 foi criada, por de-
cisa ser treinado dentro do sistema para que nele
creto presidencial, a CNRM com a função de regu-
possa atuar com competência.
lamentar os PRM no país (GUSSO; LOPES, 2019).
Ante as dificuldades, o uso da simulação pode
Como citado anteriormente, os primeiros pro-
ser uma ferramenta importante para o treinamento
gramas de MFC no país datam da década de 1970 e
dessas competências a serem desenvolvidas, bem
estavam localizados em diferentes estados do país,
como na avaliação de aprendizagem de estudantes
com diferentes denominações: em 1976, no Centro
no escopo da MFC. A literatura demonstra que os
de Saúde-Escola Murialdo, no Rio Grande do Sul,
estudantes que têm contato mais precoce com a
e em Vitória de Santo Antão, em Pernambuco. No
prática simulada adquirem com facilidade as ha-
mesmo ano, também foram iniciadas as atividades
bilidades fundamentais em semiotécnica e comu-
do Programa de Residência em Medicina Integral
nicação, por tratar-se de uma aprendizagem mais
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
realista e significativa (VIEIRA et al., 2018).
Em 1980, criaram-se, em Porto Alegre, o Programa
Outra questão discutida na atualidade se re-
de Residência em Medicina Geral e Comunitária
fere à definição das ferramentas e competências
e o Serviço de Saúde Comunitária do Hospital
da MFC que estão diretamente ligadas ao ensino
Conceição (FALK, 2004). É importante ressaltar a
da semiologia. Uma discussão interessante tem
vanguarda desses programas, pois foram seus egres-
versado sobre o ensino de semiologia praticado
sos que desempenharam a importante tarefa de de-
apenas por especialistas focais nos cursos de gra-
senvolver a especialidade no país.
duação em Medicina. A MFC, que também é uma
especialidade médica, mas, como já abordado, está
intimamente ligada às competências relaciona- 4.2. EXPANSÃO DOS PRMFC
das ao atual perfil de médico generalista, preco- Durante as décadas de 1980 e 1990, o número de va-
nizado nas DCN para o egresso e que atua prin- gas ofertadas em PRMFC foi pouco expressivo e de
cipalmente na APS, utilizando a prática clínica crescimento lento. A partir de 2002, houve aumento
centrada na pessoa, certamente pode ter o de- no número de vagas nesses programas, passando a
senvolvimento de habilidades propedêuticas en- ser bastante significativo desde 2014.
tre suas atividades. A caracterização da especia- O Gráfico 1 demonstra a evolução, no Brasil, do
lidade, com base nas competências definidas pela número de vagas ofertadas para residência em MFC
SBMFC e CNRM, traz uma gama de conhecimen- entre 2014 e 2018.
3587
3214
2751
1535
1289
372 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
4.3. ESTRUTURA DO PRMFC lista, ao concluir os dois anos do PRM. Conforme
A residência médica é considerada padrão-ouro na estabelece a WONCA (WORLD ORGANIZATION
formação de médicos especialistas (GUSSO; LOPES, OF FAMILY DOCTORS, 2002), as competências
2019). No Brasil, a residência em MFC tem dura- centrais esperadas dos médicos de família e co-
ção de dois anos, conforme a Resolução nº 1, de 25 munidade são representadas pelas capacidades de:
de maio de 2015, da CNRM. • Atuar no cotidiano de serviços de atenção primária;
O que diferencia a residência médica de outros • Desenvolver uma abordagem centrada na pessoa;
processos de formação do profissional médico é o • Demonstrar habilidades clínicas consistentes e
foco na prática e a supervisão (preceptoria) reali- suficientes para a resolução das situações mais
zada por profissionais médicos de elevada qualifi- comuns em sua prática;
cação. Esse treinamento centrado na prática, além • Pautar-se por uma prática que valorize uma vi-
da aquisição de novos conhecimentos, propicia o são integral das pessoas;
desenvolvimento de habilidades e atitudes que de- • Agregar uma orientação comunitária às práticas
terminam o desempenho profissional. cotidianas;
Com a expansão dos PRMFC na última década, a • Priorizar um modelo holístico em sua concep-
SBMFC e CNRM têm elaborado vários documentos ção das circunstâncias do serviço.
que norteiam a estruturação e a qualificação dos
PRM em MFC. São eles: As questões principais que envolvem o ensino nos
programas de residência são: o conteúdo da formação,
• Resolução CNRM no 1, de 25 de maio de 2015, como deve ser esse processo, como os residentes apren-
que, entre outras determinações, regulamenta dem e o que aprendem. Além disso, é imprescindível
os requisitos mínimos de cada um dos dois anos/ estar consciente de que, durante a residência, objetiva-
períodos dos PRMFC. -se o desenvolvimento de competências técnicas e não
• Currículo baseado em competências para me- técnicas (comportamentos e atitudes) em busca do pro-
dicina de família e comunidade, publicado em fissionalismo (BOTTI; REGO, 2010).
2015 pela SBMFC. Um ponto importante para o sucesso da aprendiza-
• Recomendações para a qualidade dos PRMFC, gem durante a residência é a ênfase na metacognição.
publicadas em fevereiro de 2020 pela SBMFC. O residente deve desenvolver essa capacidade com
• Resolução CNRM no 9, de 30 de dezembro de base em suas atividades práticas, refletindo sobre elas
2020, que aprova a Matriz de Competências dos e buscando novas competências que julgue necessá-
PRMFC no Brasil. rias para melhorar seu desempenho com médico, pro-
gressivamente, até que a ajuda do preceptor já não seja
Esses documentos têm em comum o interesse necessária (BOTTI; REGO, 2010).
em apontar caminhos para qualificar e fortalecer a Com relação ao conteúdo da formação nos
formação do especialista em MFC por meio da re- PRMFC, como já referido, houve importante avanço
sidência médica, respeitando as diversidades lo- a partir da publicação do currículo baseado em com-
corregionais do país e buscando parâmetros míni- petências pela SBMFC e, mais recentemente, da ma-
mos de qualidade para os programas com diferentes triz de competências dos PRMFC no Brasil.
configurações. O currículo baseado em competências para MFC
tem como objetivo a qualificação do processo for-
mativo dos profissionais atuantes na APS e foi di-
4.4. O ENSINO NAS RESIDÊNCIAS DE MFC
vulgado em um momento de expansão dos PRMFC.
Na organização do ensino nos PRMFC, é impor- Agrupa competências em campos subdivididos em
tante a definição do perfil do profissional especia- grupos, áreas e níveis, conforme mostra o Quadro 2.
374 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Cada área de competência apresentada no fissionais do educando); e tais práticas devem ser
Quadro 2 é categorizada por níveis: objeto de devolutiva (feedback) e discussão conduzi-
das pelo supervisor/preceptor (FRANCISCHETTI;
• Pré-requisito: competências esperadas de um HOLZHAUSEN; PETERS, 2020).
profissional ao ingressar no PRMFC. Os objetivos das EPA seguem os mesmos do
• Essenciais: competências mínimas esperadas de projeto Canadian Medical Education Directions for
todo profissional ao concluir o seu processo de Specialists (CanMEDS), que visa aprimorar o trei-
formação como especialista em MFC. namento médico no Canadá; e a primeira versão
• Desejáveis: competências esperadas de um resi- do CanMEDS-Family Medicine (CanMEDS-FM)
dente diferenciado – aquele que consegue avan- foi publicada em 2009, com o intuito de os progra-
çar para além das competências essenciais. mas de pós-graduação em Medicina de Família res-
• Avançadas: competências esperadas de um profis- ponderem às necessidades da sociedade. Em 2015,
sional que tenha adquirido proficiência em uma área o CanMEDS-FM incorporou os conceitos de EPA e
de atuação específica, dentro do campo de atuação os marcos de competências (milestones) no seu con-
da MFC. São competências a serem alcançadas, teúdo, e a versão mais atual data de 2017 (SHAW;
usualmente, após a conclusão do PRMFC e, mui- OANDASAN; FOWLER, 2017; COSTA et al., 2018).
tas vezes, demandam outras formações específicas. Outro ponto importante nos PRMFC reside na
definição de como deve ocorrer esse processo de
O foco dos PRMFC está nas competências es- ensino-aprendizagem. A residência médica tem
senciais que reúnem o que se espera do residente duas características que a diferenciam de outros
ao final do seu processo de formação. processos formativos: ser uma modalidade de en-
O currículo baseado em competências deve ser sino eminentemente prática e ter a supervisão re-
contemplado em vários momentos. Os processos alizada por profissionais médicos de elevada qua-
seletivos dos PRMFC podem ser estruturados com lificação – o preceptor.
base nas competências pré-requisitos, que podem A CNRM estabelece que, em um PRM, 80%-90%
ser identificadas quando do ingresso do residente da carga horária total deve corresponder a ativida-
no programa. Conhecer as competências definidas des práticas, e 10%-20%, a atividades teóricas, de
para a especialidade, desde aquelas consideradas modo que os PRM são eminentemente pautados
pré-requisitos, é uma estratégia importante para o no treinamento em serviço. Assim, o processo de
residente acompanhar sua evolução, estimulando ensino-aprendizagem nos PRMFC tem como ce-
a capacidade de metacognição. Para os gestores e nário os campos de prática da APS, e o preceptor
preceptores, tal conhecimento representa um guia é responsável pelo aprendiz no local de trabalho.
nas tarefas de estruturação dos campos de prática, O preceptor deve ensinar o aprendiz a clinicar, in-
nas aulas teóricas, nos estágios e no processo ava- tegrar valores à prática clínica, observar o exercí-
liativo dos PRMFC. cio dessa prática, discutir e corrigir os erros, e re-
Um próximo passo é incorporar a definição das visar a própria prática. O preceptor pode realizar
atividades profissionais confiáveis (entrustable pro- essas funções nos ambientes de trabalho da espe-
fessional activities – EPA) ao currículo baseado em cialidade ou fora dele, como em situações simula-
competências dos PRMFC. O conceito de EPA sur- das (RIBEIRO, 2019). Dessa forma, ser preceptor
giu em 2005, concebidas como responsabilidades ou em MFC significa ocupar um duplo papel no am-
tarefas simples ou complexas que devem ser con- bulatório: ser gestor e apoiador do cuidado dos pa-
templadas durante as ações de atenção ao paciente cientes e apoiador de aprendizagem dos residen-
(TEM CATE, 2019). Uma EPA integra múltiplas tes sob sua supervisão. O preceptor deve pautar a
competências de vários domínios que são mensu- sua atuação pela segurança do paciente, buscando
ráveis e observáveis (COSTA et al., 2018). As EPA evitar danos decorrentes do cuidado (IZECKSOHN
representam as ações confiabilizadoras de uma ati- et al., 2017).
vidade profissional, e, no caso das EPA que devem Em uma analogia à maleta do médico, a “ma-
ser associadas às competências de médicos em for- leta do preceptor” deve conter ferramentas de en-
mação como especialistas, duas características são sino que propiciem esse aprendizado centrado no
primordiais: a realização de tarefas correspondentes residente e na prática, e algumas das ferramen-
às EPAs deve ser mediada pela atribuição de con- tas de ensino que podem estar nessa maleta são: a
fiança do supervisor/preceptor (que, enfim, com- chamada “técnica de Preceptoria em um Minuto”
partilha a responsabilidade técnica pelas ações pro- (CHEMELLO, 2009), habilidades de ensino por
376 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
utilização de paciente simulado ou paciente pa- tes continuaram considerando o treinamento por
dronizado, como métodos de ensino e/ou avalia- meio da simulação excelente, quando comparada
ção (NEGRI et al., 2017). ao treinamento em pacientes reais, o que demons-
A simulação para treinamento de residentes tem tra que, apesar das vantagens dos simuladores, eles
sido referida como uma possibilidade para alcançar não substituem o ensino à beira do leito.
a uniformização de certas habilidades relacionadas a A simulação pode ser utilizada para treinamento
procedimentos e à melhora de competências espera- de diversas competências específicas da MFC. Há
das do residente de medicina de família. Na prática relatos da utilização dessa técnica há mais de 40
clínica, a simulação tem sido utilizada para treino de anos para treinamento em terapia familiar (BEHR,
habilidades relacionadas à semiologia médica, ao ra- 1977), e existem vários exemplos da utilização de si-
ciocínio clínico, à tomada de decisão e à comunica- mulação para ensino-aprendizagem de médicos re-
ção. Nesse contexto, é importante considerar as es- sidentes no contexto atual, como no atendimento de
pecificidades citadas anteriormente, relacionadas ao pacientes com coronavirus disease 2019 – Covid-19
modo de fazer e pensar na APS, e as ferramentas uti- (SHI et al., 2020) e no treinamento de habilidades
lizadas em MFC, como as abordagens familiar e co- de comunicação para teleatendimento.
munitária, a entrevista clínica centrada no paciente A estruturação das competências relacionadas
e a organização de registros médicos por problemas. à MFC é, na verdade, o grande determinante para a
Florea, Talu e Talu (2009) relataram uma ex- escolha de técnicas pedagógicas adequadas que tor-
periência de residentes de MFC que utilizaram si- nem a aprendizagem mais efetiva. Entre essas téc-
muladores para treinamento no atendimento a pa- nicas, a simulação, que apresenta diferentes possi-
cientes com comorbidades. A grande maioria (88%) bilidades, a depender do contexto, do cenário e da
dos residentes considerou o treinamento excelente, criatividade no planejamento, mostra-se uma op-
e a experiência melhorou o desempenho do traba- ção importante tanto na graduação quanto na re-
lho em equipe. Contudo, apenas 65% dos residen- sidência de MFC.
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380
Gustavo Valadares Labanca Reis
Médico de Família e Comunidade (MFC)
Professor da Universidade Federal
de Ouro Preto - UFOP
Preceptor da Residência Médica em MFC
da Universidade Federal de Ouro Preto
382 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Foi realizada uma busca na base de dados 1.1. TREINAMENTO DE HABILIDADES
DE COMUNICAÇÃO
MEDLINE da Biblioteca Nacional de Medicina
dos Estados Unidos, no dia 10 de maio de 2020. A MFC, conforme os princípios apresentados an-
Utilizou-se a combinação dos descritores Medical teriormente, é uma especialidade que busca apro-
Subject Headings (MeSH) para medicina de fa- fundar e entender as relações do indivíduo, de sua
mília e comunidade (“Family Practice”, “Family família, sua comunidade e seu meio. Nesse sentido,
Physician”, “General Practioner”) e simulação o relacionamento é uma das principais bases do tra-
(“Computer Simulation”, “Patient Simulation”, balho na MFC. Como competência nuclear, as ha-
“High Fidelity Simulation Training”, “Simulation bilidades de comunicação são trabalhadas usando
Training”). Encontraram-se 256 artigos. Após a lei- a referencial teórico da medicina centrada na pes-
tura de títulos e resumos, excluíram-se 83 artigos, e soa (ANDERSON; DEMARZO; RODRIGUES, 2007).
selecionaram-se 173. O estudo mais antigo encon- Para o ensino de habilidades de comunicação, des-
trado foi de 1987. Cerca de 30% dos estudos eram taca-se o uso de simulações com pacientes padro-
de antes do ano 2000, dado que reforça que o uso nizados (COSTANZA et al., 1999; HALKETT et al.,
de simulação no ensino de MFC já acontece há pelo 2012; SHARP et al., 1996), de pacientes padroniza-
menos 30 anos. Além disso, os outros 70% dos es- dos interpretados por pares (estudantes de Medicina
tudos foram publicados após o ano 2000, fato que ou médicos residentes, por exemplo) (GILLIGAN
acompanha temporalmente a popularização dos et al., 2021) e de pacientes virtuais (BEDIANG et
computadores, o surgimento de smartphones, en- al., 2013; PAN et al., 2016). Os pacientes padroni-
tre outras tecnologias como tablets, câmeras digitais zados são pacientes simulados ou pacientes reais
de alta definição (GARRITTY; EL EMAM, 2006) que são treinados e/ou preparados para apresentar
Destaca-se a contribuição importante dos Estados suas doenças, seus sentimentos, suas expectativas e
Unidos e da Inglaterra nessas publicações com mais ideias de uma forma padronizada (BEIGZADEH et
da metade das publicações avaliadas. De maneira al., 2015; BEULLENS et al., 1997). Chama a atenção
mais discreta, houve poucas publicações em países que o uso de pacientes padronizados interpretados
em desenvolvimento. Isso pode demonstrar que a si- por pares parece potencializar a empatia nos apren-
mulação também tem sido utilizada em localidades dizes, uma vez que eles se colocam como pacientes
com menos recursos financeiros disponíveis, como e compartilham, de alguma forma, sensações e sen-
é o caso de Camarões (BEDIANG et al., 2013). timentos parecidos (GILLIGAN et al., 2021). Alguns
Os estudos abordaram como populações os gra- estudos apontaram a utilização desses pacientes
duandos em Medicina, com destaque para os de últi- de forma anônima para processos de avaliação da
mos anos do curso nos chamados internatos de MFC qualidade de comunicação na prática de médicos.
(DEMARCO et al., 2014; EVERARD; SCHIEL, 2021; Essa prática parece interessante na medida em que
LEONG, 2009; STUMBAR; MINOR; SAMUELS, traz verossimilhança à simulação ao colocar dados
2018), os médicos residentes em MFC (HARTOG em prontuário com histórico padronizado, agenda-
et al., 2015; LEVRI, 2004) e os médicos em educa- mento em processo real e junto de outros pacien-
ção permanente atuantes em APS (FRASER et al., tes reais (EPSTEIN et al., 2001; HALPERIN, 2005;
2009; SAEBU; RETHANS, 1997; SIELK et al., 2006). THISTLETHWAITE; RIDGEWAY, 2005).
Os resultados foram categorizados e divididos Os temas importantes estudados foram de to-
nos seguintes tópicos: mada de decisão compartilhada (COSTANZA et al.,
1) Treinamento de habilidades de comunicação. 1999; EDWARDS et al., 2004; FAIRFIELD et al.,
2) Habilidades psicomotoras da consulta médica 2014), como dar más notícias (AMIEL et al., 2006;
(exame clínico, por exemplo). HULSMAN et al., 2004), medidas de promoção
3) Procedimentos realizados na APS. de saúde e prevenção de agravos como alimenta-
4) Tomada de decisão e raciocínio clínico. ção saudável (PHILLIPS et al., 2012), amamenta-
384 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
urbanos e rurais. É notório que no ambiente rural 3. DESAFIOS
os tipos de problemas de saúde se diferem tendo 3.1 DESAFIOS NA MFC
menos aspectos relacionados à violência, mas per-
O currículo baseado em competências da SBMFC
fis de doenças infectoparasitárias diferentes, por
trouxe um norte do perfil de médico de família e
exemplo. Quanto ao sistema de saúde, as localida-
comunidade que deve ser formado. Já as DCN de
des contam com menos recursos de saúde como
2014 definiram as competências a serem apreendi-
propedêutica e tratamento, além de menos recur-
das pelos graduandos em Medicina. Porém, esses
sos profissionais hiperespecializados. Quanto ao
documentos apontam apenas princípios e diretri-
profissional de MFC, são necessárias habilidades zes gerais da construção desse processo educacio-
de procedimentos terapêuticas e propedêuticas di- nal. A transposição para a prática ainda é desafia-
ferentes, competências específicas para lidar com dora. Uma possibilidade é a construção e utilização
os problemas mais comuns em ambientes rurais e das atividades profissionais confiáveis (APC) que
também um grau maior de isolamento. Não menos permitem avaliar as ações como medidas de com-
importante, a competência cultural para lidar com petências adquiridas.
as características da comunidade e os indivíduos, Na mesma linha de uma construção de um pro-
desde hábitos, comunicação até formas como lidam fissional com competências esperadas, ainda cabe
com o processo saúde-doença (ANDO et al., 2011). uma discussão de qualidade na formação em MFC,
Dessa forma, é importante a construção de si- tanto na graduação quanto na pós-graduação, e mais
tuações simuladas que levem em conta as questões especificamente na residência médica. Nas insti-
apresentadas, e, na revisão realizada da literatura, tuições de ensino superior, a adequação às DCN é
foi possível identificar experiências de urgência e percebida, mas sem uma garantia de que as esco-
emergência (WILLETT et al., 2011). lhas curriculares e corpo docente consigam traçar
estratégias educacionais efetivas. Na residência em
2.6. LIMITAÇÕES DA REVISÃO REALIZADA MFC, apesar do aumento no número de vagas, os
programas ainda apresentam dificuldades na ho-
A revisão consistiu em uma busca de evidências com mogeneidade da formação e na sustentabilidade
importantes limitações que devem ser apontadas. dos programas.
A primeira é que não se trata de uma revisão siste-
mática com busca estruturada com descritores com 3.2. DESAFIOS DA SIMULAÇÃO NA MFC
uma estratégia de busca robusta e sensível levando
em conta critérios de inclusão e exclusão definidos Por tratar-se de uma especialidade médica que não
previamente. Além disso, a avaliação das evidên- se restringe a um sistema ou a uma doença e que se
cias para inclusão na análise de artigos não ocor- vincula às pessoas, independentemente de idade,
sexo ou pessoa com ou sem problemas de saúde, al-
reu com dois revisores independentes, o que pode
gumas possibilidades de simulação ficam mais res-
aumentar a intencionalidade nas escolhas. A utili-
tritas. Uma restrição relevante é a simulação mais
zação de apenas uma base de dados também pode
verossímil de atenção à criança, usando estraté-
ter deixado evidências importantes que se encon-
gias como de pacientes padronizados (LANE; ZIV;
tram em diferentes fontes. Aponta-se, portanto, a
BOULET, 1999; RUSSELL et al., 2015)using chil-
necessidade de uma revisão de escopo com crité- dren as standardized patients (SPs.
rios metodológicos mais rigorosos. Não foram en-
contrados estudos brasileiros com a descrição do
uso da simulação em MFC, o que limita a análise da 4. PERSPECTIVAS
nossa realidade. Também se sabe que muitas expe-
riências educacionais que envolvam a simulação e O uso cada vez mais maior de tecnologias (com-
MFC podem não terem sido encontradas, porque putador e smartphone) na consulta médica per-
não tenham sido publicadas. mite formatos de simulações mais disponíveis e
Vale ressaltar que, apesar das limitações, as evi- difundidos por meio de recursos como pacientes
dências encontradas ajudam a discutir o estado da virtuais, com interação de maior fidelidade com a
arte no ensino da MFC. utilização de realidade aumentada e inteligência
386 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
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390 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 11.3
Tipos de simuladores
utilizados em Saúde
da Família e Comunidade
391
Raphael Raniere de Oliveira Costa
Enfermeiro.
Doutor em Enfermagem.
Docente do Curso de Medicina da Escola Multicampi
de Ciências Médicas (EMCM) Universidade
Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
392 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
de várias habilidades. Os simuladores de baixa fi- Na Figura 1, apresenta-se um conjunto de possi-
delidade podem oferecer suporte para o treino de bilidades (simuladores de baixa fidelidade) que po-
habilidades médicas relacionadas aos diferentes ci- dem ser utilizadas no contexto das práticas de MFC.
clos de vida e às necessidades básicas de saúde en- As imagens foram retiradas do catálogo de simula-
contradas no contexto da comunidade. Atualmente, dores da Escola Multicampi de Ciências Médicas
há no mercado diversas empresas especializadas do Rio Grande do Norte da Universidade Federal
no desenvolvimento de tecnologias e simuladores do Rio Grande do Norte (EMCM/UFRN).
para a área da saúde.
394 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Simulador de Simulador de
pelve feminina. pelve masculina.
Como o nome sugere, trata-se dos simuladores mais Quando se fala em simulação no contexto da
complexos do ponto de vista tecnológico. São os MFC, outros recursos, além dos simuladores ante-
mais onerosos e exigem manipulação e manuten- riormente mencionados, destacam-se, como a fer-
ção técnica especializada. No contexto do ensino da ramenta da dramatização. A dramatização pode
MFC, esses simuladores podem ser úteis quando se ser definida como a interpretação de um tema que
pensa em cenários mais complexos e pacientes com possibilita uma experiência de cuidado muito se-
particularidades que não podem ser representadas melhante à vivenciada na realidade (BONAMIGO;
em simuladores mais simples (como uma sudorese
DESTEFANI, 2010). Ela permite que o estudante
intensa, a representação de fala e outros sons vo-
treine habilidade de comunicação clínica e exames
cais, ausculta cardíaca e pulmonar com diferentes
intensidade e localização, gestação, pupilas com ta- específicos em um ambiente seguro e flexível, que
manhos diferentes, uma convulsão, entre outros). pode ser moldado de acordo com a necessidade de
Esses simuladores também podem ser caracteriza- aprendizado específica (ARVEKLEV et al., 2015).
dos de acordo com o cenário pretendido. A Figura As metodologias mais utilizadas na dramatiza-
3 apresenta alguns desses modelos. ção são o role play, o paciente padrão e o paciente
simulado, este é o mais comum, em que uma pes-
soa ou um ator treinado assume um papel dentro
de um cenário simulado com a finalidade de treina-
mento de habilidades e avaliação (CHURCHOSE;
MCCAFFERTY, 2012).
Diversos estudos têm mostrado a relevância do
uso de atores em cenários de alta fidelidade. Esse re-
curso contribui para o aumento do realismo e tam-
bém da satisfação e autoconfiança na aprendizagem
em diversos cenários simulados (ARVEKLEV et al.,
Simulador pediátrico. 2015; NEGRI et al., 2017; COSTA, 2018).
É importante destacar alguns procedimentos
que são indispensáveis para a execução e o sucesso
dos cenários: o compartilhamento prévio do script
para o ator, o treinamento prévio, a execução do ce-
nário e o debriefing.
Compartilhar previamente o script possibilita o
conhecimento do papel e das características do per-
sonagem a ser interpretado. É importante compar-
tilhar as decisões com o ator sobre todas as inter-
venções e principalmente sobre o exame físico que
Simulador obstétrico. serão abordados.
Após o contato inicial com o script/as orienta-
ções para o ator, é importante que se execute pre-
viamente o cenário. Nesse momento, o instrutor que
criou o cenário precisa observar se as falas são com-
patíveis com o que foi escrito, se o comportamento é
o mesmo das orientações sinalizadas no script, e aten-
tar para possíveis ajustes do cenário. Ao realizar essa
tarefa, é possível dar novas orientações que influen-
ciem no desfecho e nos objetivos de aprendizagem.
Passadas as etapas anteriores, executam-se os ce-
Simulador adulto. nários. Nesse momento, o paciente padrão precisa
estar seguro do papel que desempenhará e não dar
margem a interpretações que possam influenciar no
Figura 3. Simuladores de alta fidelidade. desfecho do cenário. Além disso, os atores podem
participar, ao final, na etapa inicial do debriefing. É
396 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
recomendado que o ator ainda no personagem ini- 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
cie o feedback, trazendo os sentimentos e as percep-
ções do atendimento simulado. Existem diferentes tipos de simuladores que po-
Com figura do paciente padrão, pode-se utilizar dem ser usados para diversos treinamentos de
o modelo misto ou híbrido. Em situações em que os habilidades na MFC. Os simuladores de baixa,
simuladores de baixa fidelidade, média e alta não média e alta fidelidades podem apoiar o apren-
possam ser utilizados de forma isolada – por limi- dizado e a avaliação mais focados nas habilida-
tações de recursos e/ou questões referentes ao rea- des psicomotoras, aprimorando o exame físico e
lismo –, podem-se utilizar simuladores de baixa fi- os procedimentos.
delidade com figura do ator; por exemplo, em um Uma outra ferramenta muito relevante na si-
cenário que objetive a realização de um exame gine- mulação é a dramatização, em especial o paciente
cológico. Por questões éticas, esse procedimento não padrão. Essa ferramenta possibilita o aprendizado
deve ser realizado no ator. Porém, um simulador de e desenvolvimento do exame físico e da habilidade
pelve feminina pode ser acoplado à cintura de uma
de comunicação clínica em ambiente seguro e com
atriz, oportunizando o diálogo, a interação e a reali-
cenário que recria com alto nível de fidelidade um
zação do procedimento ginecológico.
contexto real.
398
Miguel Arcangelo Serpa
Enfermeiro de Família e Comunidade da
Prefeitura Municipal de Ouro preto-MG
Doutor em Ciências Farmacêuticas – UFOP
Coordenador da Unidade Curricular de Habilidades Médicas – UniBH
Professor da UC Habilidades Médicas/Estações Clínicas – UniBH
400 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
enfermagem não é exposta às técnicas de simulação ladores de realidade virtual com modelos automa-
clínica (LEIGHTON, 2013). Alguns fatores podem tizados e paciente ator ou paciente padronizado.
dificultar a implantação da simulação clínica no en- O uso dessas ferramentas possibilita o treina-
sino da enfermagem, como o custo elevado e o não mento dos estudantes e profissionais da APS em
acesso a modelos realísticos e softwares de alta tec- ambiente seguro e controlado. O professor/tutor
nologia. Historicamente, o ensino no Brasil se uti- pode construir um cenário específico para o treino
liza de poucas tecnologias como suporte. de procedimentos comuns que em geral são realiza-
Em uma busca realizada na base de dados dos em pacientes, muitas vezes em ambiente hos-
MEDLINE/PubMed, no dia 8 de junho de 2021, pitalar, bem diferente do contexto da APS.
com os descritores do Medical Subject Headings O uso da simulação permite uma aprendizagem
(MeSH) – “Family Nurse Practitioners” OR “Family ativa e segura, uma vez que a técnica possibilita o
Nursing” OR “Primary Nursing” OR “Community treino de habilidades e competências que benefi-
Health Nursing” OR “Primary Care Nursing” AND ciarão os pacientes sem que eles sejam expostos
“Computer Simulation” OR “Patient Simulation” OR a riscos desnecessários (OLIVEIRA et al., 2018;
“High Fidelity Simulation Training” OR “Simulation JENSEN; KUSHNIRUK; NOHR, 2015).
Training” –, foram observados apenas 47 artigos
publicados entre 1992 e 2020. Nenhum artigo foi de
revisão ou revisão sistemática. Em relação ao perí- 3. A SIMULAÇÃO E O TREINO DAS HABILIDADES DE
odo, 33 desses artigos foram publicados de 2009 a COMUNICAÇÃO PARA ENFERMAGEM NA APS
2020, reforçando o avanço somente recente no uso
dessa ferramenta. A enfermagem tem como princípio o cuidado hu-
Os temas abordados nesses estudos podem ser manizado e centrado na pessoa. Além disso, o en-
sumarizados em duas competências assistenciais: fermeiro de APS especialmente precisa entender
1. procedimentos e 2. habilidade de comunicação a pessoa em um contexto familiar e comunitário.
clínica. Nesse sentido, a habilidade de comunicação é uma
Segundo a Política Nacional de Atenção Primária competência fundamental para um bom cuidado
(Pnab) de 2012, o enfermeiro da ESF tem as seguin- com a população.
tes atribuições: Existem alguns conceitos importantes que tra-
zer à discussão sobre o cuidado centrado na pessoa
• Realizar atenção à saúde de todos os indivíduos no processo de trabalho da enfermagem. A aten-
sob sua responsabilidade, em todas as fases do ção centrada no paciente (ACP) tem como funda-
desenvolvimento. mentos: 1. a perspectiva ampliada do cuidado, reco-
• Realizar consultas de enfermagem, procedimen- nhecendo um cuidado integral com foco na família
tos, atividades em grupo e conforme protoco- e comunidade; 2. a participação da pessoa no cui-
los específicos, observando disposições legais dado relacionado ao autocuidado e à autonomia; e
da profissão, prescrever medicamentos e en- 3. a relação entre profissional e paciente (AGRELI;
caminhar quando necessário a outros serviços. PEDUZZI; SILVA, 2016).
• Realizar atividades programadas e atenção à de- Além da APC, o método clínico centrado na pessoa
manda espontânea. (MCCP) é um potente referencial teórico para traba-
• Coordenar as ações desenvolvidas pelo agente lhar a habilidade de comunicação clínica (STEWART
comunitário de saúde (ACS). et al., 2017). O MCCP tem como componentes:
• Contribuir nas ações de educação permanente
da equipe e participar delas. 1) A exploração da experiência com o adoecimento.
• Participar do gerenciamento de insumos da uni- 2) O entendimento da pessoa como um todo.
dade de saúde. 3) A construção de um plano conjunto.
4) O fortalecimento da relação entre o profissional e
Existem vários tipos de simuladores disponí- o paciente.
veis para o ensino em saúde, que são classificados
de acordo com seu nível de complexidade: desde O tipo de simulador mais adequado para o en-
manequins de baixa fidelidade, usados para trei- sino de habilidades de comunicação é o paciente
namento de manobras e procedimentos, até simu- padronizado. Em geral, essa ferramenta se utiliza
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402 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
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405
Karina Diniz Oliveira
Médica Psiquiatra
Docente do Departamento de
Psiquiatria - UNICAMP
406 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
com o paciente e que o aluno seja capaz de reali- método, apesar de ilustrativo, pode causar descon-
zar avaliação, diagnóstico e manejo dos transtornos forto e angústia, prejudicando o processo de apren-
mentais prevalentes (SOARES, 1996-1997). dizado e principalmente a imagem da especialidade
Considerando a relevância do tema e a preva- (CHADDA, 2000).
lência crescente de transtornos mentais na popu- Por exemplo, um paciente em episódio maní-
lação, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) aco pode apresentar desinibição social, com ati-
de 2014 reconhecem a importância da saúde men- tudes hipersexualizadas, heteroagressivas e ideias
tal na formação do generalista e a colocam como delirantes que, após a remissão da crise, geram ar-
uma grande área, determinando que 70% da carga rependimento e vergonha. A exposição dessas fra-
horária do internado deve contemplar saúde men- gilidades a aprendizes pode ser mal interpretada
tal, clínica médica, cirurgia, ginecologia-obstetrícia, pelos estudantes, reforçando o estigma que envolve
pediatria e saúde coletiva (BRASIL, 2014). os transtornos mentais. O docente deve estar pre-
Apesar disso, a maioria dos cursos médicos tem parado para lidar com essas situações com natura-
em seus currículos uma carga horária de psiquia- lidade e profissionalismo, minimizando esse efeito
tria/saúde mental insatisfatória. A abordagem na negativo no aprendizado. A imagem do paciente,
maioria das vezes é predominantemente teórica, porém, pode ser maculada e estigmatizada, e esse
com estágios práticos centrados ou no atendimento efeito é muito mais difícil de minimizar.
hospitalar, desconsiderando os aspectos psicosso- No que se refere à instituição de ensino, é im-
ciais e comunitários (PEREIRA; ANDRADE, 2018). portante que a equipe de docentes da área de saúde
O ensino de psiquiatria apresenta particulari- mental, além das atividades diretamente ligadas
dades em relação às outras especialidades. O es- às disciplinas de saúde mental, esteja engajada em
tigma que envolve a saúde mental muitas vezes diversos aspectos da vida acadêmica. A participa-
acaba sendo um fator importante para que os estu- ção dos psiquiatras em comissões administrativas,
dantes desconsiderem tanto o paciente com trans- como as relacionadas ao bem-estar do estudante, e
torno mental, que é encarado como “problemático”, em outras disciplinas não necessariamente atrela-
quanto o psiquiatra, cuja técnica é confundida com das à saúde mental mostra aos alunos a importân-
paciência ou tolerância (BERMAN et al., 1996). Um cia da área em diversos aspectos, o que contribui
estudo que entrevistou médicos de família sobre a para a diminuição do estigma que envolve a espe-
formação acadêmica deles em saúde mental mostrou cialidade. Essa participação pode envolver disci-
que a maioria se sentiu despreparada para o atendi- plinas ao longo do curso que tratem do funciona-
mento das demandas de saúde mental e identificou mento corporal como um todo, discussões éticas,
falhas importantes na formação durante a graduação desenvolvimento humano ou atividades na cole-
médica. Segundo eles, os temas de saúde mental fo- tividade que destaquem o papel do médico como
ram insuficientes e a formação ocorreu de maneira agente de melhora das condições de vida (GASK;
bastante negativa, reforçando preconceitos e tabus COSKUN; BARON, 2011).
em relação ao atendimento psiquiátrico e criando Dessa maneira, o ensino de saúde mental baseado
barreiras que dificultaram o interesse e a disponibi- em métodos tradicionais não é mais suficiente para
lidade desses médicos para atender pacientes com fornecer ao aluno as competências necessárias que
transtornos mentais (PEREIRA; ANDRADE, 2018). permitam atingir as habilidades e atitudes de ma-
A estrutura curricular e os métodos atuais de neira a exercer sua profissão de maneira confiável.
ensino de psiquiatria adotados pelas faculdades de Por isso, é necessária a estruturação do cur-
Medicina muitas vezes contribuem para essa ima- rículo em saúde mental a partir de competências
gem negativa da especialidade (GASK; COSKUN; construídas e distribuídas ao longo do curso, inte-
BARON, 2011). Tradicionalmente uma das manei- grando-as sempre que possível às outras áreas do
ras de se ensinar psiquiatria é por meio da entre- conhecimento. As metodologias ativas de ensino
vista pública com pacientes reais, o que muitas ve- são essenciais para a viabilização desse objetivo.
zes expõe os envolvidos, tanto pacientes quanto Assim, em saúde mental algumas competências
entrevistadores. Indivíduos com transtornos men- essenciais são: competência cultural (ser capaz de
tais internados, portanto em crise, muitas vezes não lidar com pacientes/familiares/profissionais com
têm crítica suficiente para perceberem o impacto diferentes concepções culturais e sociais), compe-
de suas respostas e atitudes, expondo-se desneces- tência de comunicação (clínica e interprofissional),
sariamente a situações que podem ser constran- competência técnica (conhecimento e história clí-
gedoras e até assustadoras. Para os discentes, esse nica, raciocínio, diagnóstico e tratamento), compe-
408 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
vel. Por esse motivo, o ensino deve o tempo todo ser mentos, habilidades e atitudes em saúde mental é
permeado por aspectos éticos. O estudante deve ter importante não somente para médicos, enfermei-
acesso à história da psiquiatria no Brasil, sendo es- ros e psicólogos, mas também para assistentes so-
timulado a desenvolver senso crítico acerca da situ- ciais, fisioterapeutas e educadores físicos, entre ou-
ação dos manicômios e da perda da identidade dos tras áreas do conhecimento.
que sofriam de transtornos mentais. Noções de di-
reitos humanos devem ser enfatizadas, e a Lei Paulo
Delgado (BRASIL, 2001), que estabeleceu os direi- 4. ENSINO DE SAÚDE MENTAL EM ENFERMAGEM
tos dos pacientes psiquiátricos, deve ser conhecida.
O aluno deve ter acesso a noções como autono- Na área da enfermagem, o ensino de saúde men-
mia da vontade, internação compulsória e involun- tal também passou por mudanças estruturais. Até a
tária, e contenção mecânica (LIMA, 2007). Outro década de 1980, os currículos em enfermagem ado-
aspecto importante que não pode ser negligenciado tavam o modelo biomédico e hospitalar, que priori-
é o papel atual da eletroconvulsoterapia no trata- zava a internação de pessoas com transtornos men-
mento de transtornos mentais e o modo desvirtu- tais nos manicômios, instituições totais de longa
ado como foi utilizada no passado devido a políti-
permanência. Os estágios supervisionados dessa
cas públicas equivocadas (MANKAD et al., 2010;
época desconsideravam temas como reabilitação
MAFTUM et al., 2017).
e reinserção social, reforçando o entendimento de
que cuidado destinado à saúde mental deveria con-
centrar-se na medicação, alimentação e higiene
3. O ENSINO DE SAÚDE MENTAL BASEADO EM dos pacientes internados (MARTINS et al., 2018).
COMPETÊNCIAS
Com a promulgação da Lei Paulo Delgado
(BRASIL, 2001), assim como o ensino médico o
O movimento de competências foi um marco na ensino de enfermagem teve que ser reformulado, e
educação médica, ao apreciar que conhecimentos, a perspectiva da reabilitação psicossocial passou ser
habilidades e atitudes são adquiridos pelos médicos a pauta principal da estrutura do currículo. A reali-
no desenvolvimento por meio da aprendizagem ao zação dos estágios supervisionados nos dispositivos
longo da vida, colocando alunos e professores como de saúde mental substitutivos ao hospital psiquiá-
responsáveis pelos resultados do processo educacio- trico deve ser um dos alicerces do novo modelo de
nal (BERESIN; BALON; COVERDALE, 2014). ensino, baseado na lógica integradora e não mais
A estruturação do ensino baseado em competên- manicomial. Porém, alguns cursos ainda mostram
cias fornece uma estrutura sistêmica de conheci- dificuldade de atender a essa necessidade por se-
mento, habilidades e atitudes que permitem feed- rem localizados em municípios que carecem des-
back e avaliação por classificações globais e, mais ses dispositivos de cuidado (RODRIGUES, 2010).
importante, por observação direta. A partir de sub- Um estudo que analisou o ensino de saúde men-
sídios para o processo de avaliação, os educadores tal em 738 instituições de ensino de enfermagem
podem realizar avaliações formativas baseadas em brasileiras mostrou que, por não haver uma legis-
parâmetros de referência, que são determinados
lação específica para padronização das disciplinas
pelas competências que o aluno deve adquirir em
de saúde mental e psiquiátrica, há
cada etapa de sua formação (COWLEY; SWING;
ampla variação do ensino ao longo dos anos dos
BENTMAN, 2014).
cursos de Enfermagem. Embora a grande maioria
No Brasil, as competências em saúde mental
das instituições tivesse em sua grade curricular ao
ainda estão em fase de desenvolvimento, e a maio-
menos uma disciplina da especialidade, cerca de 3%
ria dos programas de graduação e residência não é
das estruturas analisadas não ofereciam nenhuma
estruturada em função desses parâmetros. O en-
disciplina relacionada à área durante toda a forma-
sino de saúde mental deve enfatizar a importância
ção do enfermeiro (VARGAS et al., 2018).
do trabalho multidisciplinar, pois o paciente com
transtornos mentais demanda um projeto terapêu-
tico que deve abranger diversos aspectos, necessi-
tando de muito além do saber médico para a me- 5. A RESIDÊNCIA EM PSIQUIATRIA NO BRASIL
lhora de sua qualidade de vida.
A alta prevalência de transtornos mentais na so- O ingresso nos programas de residência médica
ciedade atual mostra que a delimitação de conheci- em psiquiatria acontece por meio de processos sele-
• Estágio em enfermaria
(mínimo de 30% da carga horária anual)
• Ciências básicas • Estágio em neurologia
• Avaliação diagnóstica (mínimo 5% da carga horária anual)
• Terapêuticas biológicas e psicossociais • Clínica médica
Primeiro
• Ética em psiquiatria (mínimo de 5% da carga horária anual)
ano
• Conhecimentos gerais • Estágio ambulatorial
• Políticas públicas em saúde mental (mínimo de 30% da carga horária anual)
• Psicopatologia geral • Emergência psiquiátrica
(mínimo de 10% da carga horária anual)
• Estágio optativo a critério da instituição
• Emergência em psiquiatria
(mínimo de 10% da carga horária anual)
• Interconsulta
(mínimo de 10% da carga horária anual)
• Estágio em ambulatório ou Centro de Atenção
• Ciências básicas Psicossocial (Caps) ou Núcleo de Atenção
• Psicopatologia especial Psicossocial (Naps) (mínimo de 40% de carga
Segundo
• Psicoterapia horária anual), com obrigação de desenvolver
ano
• Psiquiatria da infância e adolescência as seguintes áreas: dependência química, psi-
• Abuso e dependência de drogas quiatria geriátrica, psiquiatria da infância e ado-
lescência, e ambulatórios especializados
• Psiquiatria geral
• Treinamento em psicoterapia
(mínimo de 10% de carga horária anual)
• Estágio optativo a critério da instituição
410 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS forçar a importância da reestruturação do ensino
de saúde mental nas diversas profissões da saúde.
Dessa maneira, as DCN marcam o posicionamento Essas mudanças envolvem não apenas o currículo
das instâncias governamentais quanto ao perfil do em si, mas também a superação de estigmas, os modos
profissional que se pretende formar: crítico, gene- de entendimento da área e a reformulação de postu-
ralista, reflexivo, que atenda às necessidades so- ras dos profissionais docentes, com o intuito de apri-
ciais de saúde e do SUS sob o eixo da integralidade morar a perspectiva de entendimento de indivíduos
e do trabalho em equipe. Há necessidade de se re- com transtornos mentais e de cuidado destinado a eles.
412 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 12.2
413
Renato Soleiman Franco
Médico Psiquiatra
Coordenador da Residência de Psiquiatria
da Prefeitura Municipal de Curitiba
Professor Adjunto na Escola de Medicina
e Programa de Pós-Graduação – PUC/PR
414 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
e complexas, quanto de habilidades específicas e Além das habilidades de comunicação, há
de técnicas, como o uso da eletroconvulsoterapia. uma série de situações que envolvem o ensino da
Ademais, promove atitudes positivas, empatia e segu- saúde mental em que é possível usar o recurso da
rança (MARTIN et al., 2020; VERKUYL et al., 2018). simulação, com diferentes tipos de simuladores.
Além disso, há simuladores que proporcionam Considerando todos os riscos e benefícios, ainda
experiências próximas às alterações psicopatoló- parece ser consenso que o ensino da comunicação
gicas, como modelos que simulam delírios ou alu- em saúde mental se beneficia da simulação. No en-
cinações por meio de áudios ou RV, gerando no tanto, é necessária reflexão sobre como aumentar
estudante sensações semelhantes àquelas que os a fidelidade dos cenários, lidar com o imprevisível
pacientes sentem. Alguns autores utilizam sons de e promover um ambiente seguro de aprendizagem
vozes misturados ao ambiente, por exemplo, para e com um custo que se justifique.
simular a experiência de alucinações auditivas. A simulação tanto com pacientes simulados
Dessa maneira, essa estratégia possibilita uma quanto com simuladores é avaliada de forma posi-
aplicação ampla e promove uma experiência bem tiva por estudantes e residentes que percebem que
próxima do atendimento clínico real, sendo cada estão mais bem preparados para a prática com pa-
vez mais utilizado no ensino da saúde mental cientes. No entanto, apesar de vários serviços reali-
(ABDOOLRAHEEM; ZEINA, 2018). zarem simulações envolvendo situações relacionadas
Além dos benefícios, é importante conhecer al- à saúde mental, feedback ou debriefing que permi-
gumas possíveis desvantagens ou dificuldades para tam uma análise reflexiva de estudantes/residentes
tentar minimizá-las no uso da simulação. Entre essas nem sempre são realizados (ABDOOL et al., 2017).
dificuldades, estão o estresse e a ansiedade promo- O feedback e debriefing demandam tempo, mas
vida pela observação, pela previsão e exigência de é essencial que façam parte do processo de apren-
performance adequada ou pela própria dificuldade dizagem que utiliza a simulação. Muitas vezes, por
dos estudantes em conseguir realizar a simulação. dificuldades quanto ao número de professores ou
A veracidade da situação quanto às possíveis re- tempo no laboratório de simulação, a própria si-
ações inesperadas e pouco previsíveis na prática clí- mulação é priorizada em detrimento do processo
nica em detrimento das respostas planejadas e es- de feedback e debriefing (VERKUYL et al., 2018)
tandardizadas na simulação também é elemento a Uma saída é o treinamento dos atores para que,
ser questionado. No entanto, uma das maiores des- logo após a simulação, realizem o feedback daquilo
vantagens ainda é o custo que envolve simuladores, que era esperado. Estimular os estudantes a fazer
ambiente próprio, treinamento de staff, entre ou- perguntas e buscar o feedback também é importante.
tros (NEALE, 2019). Apesar de a falta do feedback e debriefing diminuir o
Algumas das principais competências para o potencial do recurso da simulação, estudantes ava-
médico generalista são as habilidades de comuni- liam de forma positiva a prática em ambiente simu-
cação. Saber se comunicar é essencial para a estru- lado (WINTER-TAYLOR; RICHARDSON, 2020).
turação de uma relação médico e paciente de qua- Entretanto, o feedback e o debriefing continuam
lidade. Habilidades de comunicação envolvem a sendo essenciais para uma aprendizagem de maior
estruturação de recursos psíquicos que possibilitem qualidade. Além disso, é importante que o apren-
ao profissional valorizar aspectos culturais, econô- diz tenha oportunidade de praticar o que foi simu-
micos e sociais de modo a desenvolver a empatia e lado em ambientes reais, assim como receber estí-
a capacidade de realizar uma anamnese adequada mulo para o desenvolvimento de competências na
(SOAR FILHO, 1998). área de saúde mental.
A aquisição de habilidades em comunicação visa A telemedicina tem evoluído bastante nas
a ensinar a importância da relação do médico com últimas décadas, integrando serviços de segunda
os pacientes e familiares. A interação médico-pa- opinião (interconsulta médico-médico, por exem-
ciente é entendida como uma construção mediada plo), diagnósticos (como comunicação entre radio-
pelos contextos nos quais ocorre e pelas reações logistas e profissionais clínicos) e a própria consulta
emocionais dos agentes envolvidos. Os atributos médica. Com o distanciamento social e o risco de
pessoais do médico e as atitudes terapêuticas de- contaminação por conta da coronavirus disease 2019
sejáveis para uma boa interação médico-paciente (Covid-19), percebeu-se a urgência em desenvolver
incluem aspectos como empatia, continência e ca- estratégias de cuidado a distância. Assim, houve um
pacidades de comunicação e de conotação positiva grande desenvolvimento da telemedicina, em espe-
(DEVEUGELE, 2015). cial da telepsiquiatria. A telepsiquiatria promoveu
416 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 12.3
417
Karina Diniz Oliveira Jeferson Rodrigues
Médica Psiquiatra Enfermeiro
Docente do Departamento de Professor do departamento de enfermagem - UFSC
Psiquiatria - UNICAMP Membro da enfermagem psiquiátrica
e saúde mental da ABEn Nacional
Bianca Cristina Ciccone Giacon-Arruda
Enfermeira
Doutora em Enfermagem Psiquiátrica
Professora da Graduação e do Programa
de Pós-graduação em Enfermagem
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
INTRODUÇÃO
cação de notícias difíceis, como um diagnóstico de
algum transtorno psiquiátrico, ou o ensino de téc-
A simulação clínica como estratégia de ensino e re-
nicas de contenção, também se torna importante
curso teórico prático é uma tendência que vem se
por meio dessa técnica, pois proporciona aos alu-
consolidando nos Cursos das Ciências da Saúde,
nos se revezam entre assumir o papel de paciente
pois promove a segurança no aprendizado e desen-
ou de equipe de saúde.
volvimento de competências para prestação de as- O ensino da avaliação clínica, exame do estado
sistência, sem o risco de exposição inerente ao pa- mental, avaliação do paciente, assistência prestada
ciente real. A simulação clínica no campo da saúde entre outras competências, bem como a articula-
mental aproxima a realidade pedagógica, dos ser- ção delas, pode ser potencializado pelo uso de pa-
viços psicossociais, das questões éticas e das situa- cientes simulados. Essa estratégia possibilita uma
ções que envolvem o cuidado de enfermagem a pes- melhor preparação dos estudantes para atende-
soa e/ou família em sofrimento psíquico. rem pacientes reais em situações como: esquizo-
É possível, por exemplo, desenvolver a empa- frenia, transtorno afetivo bipolar (episódio maní-
tia nos estudantes com recursos simulados como aco), transtorno depressivo maior e transtorno de
o role play ou jogo de papéis, em que o estudante personalidade limítrofe. Ele também permite que
assume um papel de paciente, familiar ou mesmo os educadores aumentem a exposição dos alunos a
outro profissional de saúde. Tal estratégia o faz re- uma série de diagnósticos com vários graus de gra-
fletir sobre como é estar nessa posição. A comuni- vidade (DAVE, 2012).
418 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Estudo realizado com alunos de graduação de O avanço tecnológico também tem permitido
enfermagem identificou o benefício no uso dessa ampliar as possibilidades de recursos virtuais que
estratégia para promover maior confiança nos es- podem ser utilizados no ensino em saúde e em Saúde
tudantes e garantia de alguma experiência caso não Mental. A simulação virtual envolve cenários clíni-
se depararem com essas situações no período do cos interativos da vida real que se desenrolam na
estágio (OLASOJI et al., 2020). Esse recurso tam- tela do computador. Pode ser usada como uma fer-
bém pode ser utilizado para a educação continu- ramenta de aprendizagem experiencial eficaz para
ada, como em estudo realizado no Canadá com ob- fomentar as crenças e atitudes positivas dos alunos
jetivo de avaliação do treinamento de farmacêuticos em relação à doença mental. Em tempos de pande-
que participavam de um programa de saúde men- mia, como a que vivenciamos agora da Covid-19,
tal para homens que vivem com doenças mentais pode ser uma alternativa viável para propiciar um
e vícios (MURPHY; GARDNER, 2018). aprendizado interativo (LIU, 2021).
O programa denominado “Headstrong” tinha A simulação auditiva também tem sido empre-
vários enfoques como suicídio, uso de álcool, uso gada para diminuir o estigma de pacientes que so-
de tabaco, problemas de sono, depressão e ansie- frem com alucinações auditivas nos casos de esqui-
dade. Nesta atividade, um paciente simulado ia até zofrenia. Os estudantes conseguem compreender
uma das farmácias participantes do programa e so- como os pacientes se sentem de forma empática
licitava medicação para insônia a um dos farma- com este recurso (ROSLEE; GOH, 2021).
cêuticos que participou do treinamento. O profis- A maior parte dos estudos utilizando simulação
sional sabia que em algum momento atenderia um na área de saúde mental acontecem com pacientes
paciente simulado, mas não sabia quando nem qual simulados e realidade virtual. Há poucos estudos
seria a queixa. O atendimento era avaliado pelo pa- utilizando simuladores. No entanto, o uso de simu-
ciente simulado com base em critérios pré-defini- ladores tem muito a contribuir, em especial, no en-
dos. Desta forma era possível avaliar se os princípios sino de emergências psiquiátricas.
do programa estavam sendo aplicados na prática O estudo de Fuehrlein e colaboradores (2020)
(MURPHY; GARDNER, 2018). utilizou simuladores para a aprendizagem de sinais
A percepção de professores e alunos sobre a es- de abstinência ao álcool em um cenário complexo de
tratégia de simulação clínica com pacientes simula- um paciente com uso de Carbonato de Lítio (rece-
dos é considerada satisfatória por contribuir na for- bendo Ibuprofeno – que pode aumentar o risco de
mação e avaliação do processo ensino-aprendizagem. intoxicação por Lítio). Um cenário como esse pode
Atrelar a atividade simulada ao cenário da prática envolver trabalho multidisciplinar, com médico clí-
profissional no currículo por competência possibi- nico, psiquiatra, equipe de enfermagem e demais
lita ao aluno desenvolver respeito, postura, superar membros da equipe. Desse modo, tanto competên-
inibições e melhorar a comunicação no atendimento cias ligadas a raciocínio clínico, tomada de decisão,
ao paciente (MORAES; ANGELI, 2016). trabalho em equipe, quanto reconhecimento de pa-
Alguns objetivos de aprendizagem exigem o uso drões fisiológicos, diagnóstico e plano de tratamento
de simuladores de pacientes, como por exemplo podem ser trabalhados com segurança. Além disso,
a reanimação cardíaca após uma intoxicação por a fidelidade dos simuladores às intervenções é es-
benzodiazepínico. Neste caso, o foco da simulação sencial para que possam ser desenvolvidas com-
estaria muito mais em procedimentos técnicos do petências de reconhecimento e tratamento vitais
que de comunicação terapêutica. O emprego de si- para a prática clínica (FUEHRLEIN et al., 2020).
mulador que permite executar todas as manobras Através de plataformas de vídeo conferência
de forma realista é essencial para o aprendizado. tem sido possível promover a simulação de varia-
O simulador de alta fidelidade permite a progra- das habilidades em saúde mental incluindo, com-
mação e alteração em tempo real dos parâmetros petências de comunicação, história clínica, racio-
vitais, comunicação com voz humana controlada cínio diagnóstico, planejamento de tratamento e
por microfones da sala de operações, sudorese, tre- até mesmo intervenções frente situações difíceis
mores, convulsões e uma gama variada de respos- como no caso de risco elevado de suicídio. Mesmo
tas fisiológicas simuladas. A associação do simula- para avaliação, o uso do TeleOSCE (Exame Clínico
dor de paciente com um paciente simulado em um Objetivo Estrutura por Telemedicina) tem apresen-
mesmo cenário proporciona maior realismo e pode tado bons resultados como evidência por um estudo
contribuir com a imersão do participante no caso. utilizando essa ferramenta para avaliação dos es-
Tipos de simuladores
utilizados em Saúde Mental 419
tudantes quanto competências necessárias para re- de participantes (a qual já tinha assistido a simu-
conhecer e tratar insônia (CANTONE et al., 2019). lação da sala de vídeo) realizava a mesma simula-
Na Escola de Medicina da Pontifícia ção – essa dupla já tinha assistido a simulação da
Universidade Católica do Paraná (PUCPR), utili- sala de vídeo. Assim, a segunda dupla poderia usar
zamos a telepsiquiatria para o ensino de habilida- o que acabara de observar para realizar a sua abor-
des de comunicação para estudantes do 4º. ano do dagem. Cada simulação durou aproximadamente
curso. Entre os benefícios, observamos uma maior 10 minutos e foi seguida por um debriefing estru-
disponibilidade de pacientes atores (maior como- turado de 20 minutos liderado pelos investigado-
didade por não terem que se deslocar), possibili- res (VESTAL et al., 2017).
dade de gravação quando desejado (não é necessá- O caso simulado foi de agitação psicomotora de
rio recursos avançados e a qualidade da gravação um homem com mania psicótica induzida por es-
nas plataformas é excelente) e a possibilidade de timulantes com características. O paciente simu-
maior participação dos professores que poderiam lado foi instruído a ficar cada vez mais agitado, a
de casa ou consultório participar, avaliar (nesse caso ponto de eventualmente necessitar de contenção
de maneira formativa) e promover feedback ao fi- física e administração involuntária de medicação
nal. É evidente a necessidade de promover um am- intramuscular. Os participantes tiveram a opor-
biente seguro e grupos de estudantes que se sintam tunidade de praticar uma série de habilidades, in-
à vontade e confortáveis para simular nesse am- cluindo obter informações clínicas importantes
biente e serem observados. No entanto, apesar das (incluindo como a troca de informações com a en-
dificuldades a telepsiquiatria aliada a simulação é fermeira que tinha chamado os médicos), cuidar da
uma estratégia que poderá ser utilizada para além segurança (da equipe e do paciente), realizar a en-
das limitações impostas pela Covid-19. trevista e, empregar técnicas verbais para tranqui-
O uso de cenários de simulação em que o es- lizar o paciente, decidir se e quando chamar a se-
tudante possa assumir o papel de profissional de gurança do hospital, oferecer medicamentos orais
saúde, avaliar a situação baseado em seus conheci- e, por fim, solicitar uma contenção física e medi-
mentos prévios e tomar uma atitude de forma asser- camentos intramusculares.
tiva é bastante utilizado. Os cenários são seguidos Para isso os autores partiram de protocolos e
do momento do debriefing em que auxiliado pelo guias que referenciaram a conduta e o que seria es-
facilitador os participantes conseguem refletir so- perado, delimitaram as competências que gostariam
bre a situação e aprender também com seus erros. de desenvolver, elaboraram o cenário e definiram os
A agitação psicomotora e o comportamento vio- objetivos de aprendizagem. Nesse estudo a simula-
lento são situações que envolvem a necessidade de ção seguiu os passos com o briefing (descrição de
atitudes rápidas para evitar prejuízos e ferimentos como seria o processo), a simulação e o debriefing
no paciente e na equipe. O ensino do manejo des- (incluindo o feedback após as duas simulações ini-
sas situações utilizando metodologias ativas, com ciais). Os participantes foram avaliados em outra
simulação, mostrou-se bastante eficaz entre alunos situação de simulação (agitação por abstinência a
de sexto ano médico e residentes de psiquiatria da benzodiazepínicos). O resultado de quem realizou
Universidade Estadual de Campinas. Após a ati- o treinamento foi mais do que 20% maior dos que
vidade de simulação, os aprendizes se mostraram não realizaram esse treinamento. Os participantes
mais seguros em relação ao manejo e a investigação foram avaliados em outra situação de simulação
de causas do quadro. As atividades são realizadas (agitação por abstinência a benzodiazepínicos).
em grupos de 5 ou 6 alunos que sob a orientação A simulação tem tido boa aplicabilidade quando
de um preceptor realizam diversos procedimentos voltada ao atendimento a pacientes com situações
de contenção entre pares. É importante o aprendiz ligadas a transtornos mentais por uso do álcool ou
passar pela experiência de ser contido para perce- demais substâncias psicoativas. A abordagem a es-
ber a eficácia do procedimento desde que realizado ses pacientes envolve estratégias bem definidas de
de maneira coesa entre os colegas. consulta como entrevista motivacional e psicoedu-
No artigo apresentado por Heather e seus cação, por exemplo.
colaboradores (2016), os participantes iniciavam a Na Universidade Estadual de Campinas foram
simulação a partir de uma dupla. Enquanto essa realizadas, entre alunos de Medicina e Enfermagem
dupla fazia o atendimento do paciente, os demais de primeiro ao quarto ano da graduação, atividades
observavam a filmagem da simulação transmitida que envolviam simulação de atendimento a usuários
ao vivo para outra sala. Depois disso, outra dupla de substâncias psicoativas em contexto de emergên-
420 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
cia. Os tutores inicialmente realizavam a inquirição vezes valores morais é necessário que seja feito o
sobre uso de substâncias e em seguida a entrevista feedback para este estudante/trainee de forma cui-
motivacional sendo eles os próprios pacientes si- dadosa e protegida. O professor precisa ter sensi-
mulados. Após a primeira entrevista simulada en- bilidade e avaliar se esse estudante/trainee está
tre os dois tutores, os alunos assumiram a posição preparado para receber determinado retorno so-
de entrevistadores e os tutores de pacientes simu- bre suas habilidades.
lados. Depois era realizado um feedback do qual Muitas vezes, é necessária a opção pelo feedback
todos os alunos participavam. individual, com bastante cuidado, para não criar
Após as atividades, os alunos relataram ter per- maior resistência ao tema e promover uma atenção
cebido a importância da inquirição de uso de subs- adequada ao estudante. Sugere-se, também, que es-
tâncias em qualquer contexto clínico, bem como sas práticas aconteçam em grupos pequenos e, em
consideraram-se mais seguros em relação à inqui- especial, no início do curso de Medicina que estu-
rição. Medos de “ofender” o paciente ao pergun- dantes se dividam por afinidade (JAWOROWSKI;
tar sobre o tema ou de não saber a conduta a ser GROPP; MALKA, 2020).
tomada a partir de uma resposta positiva se dissi-
param após a atividade simulada.
A simulação oferece, assim, um excelente campo 2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
para aprendizagem e avaliação desses elementos da
inquirição e conduta relacionada aos transtornos por É importante se atentar para o rigor no planeja-
uso de substâncias psicoativas, bem como na iden- mento, organização, execução e avaliação para que
tificação das fases para mudança na entrevista mo- o processo ensino aprendizagem entre estudan-
tivacional e o desenvolvimento de planos de cui- tes, docentes e profissionais de serviços tenha uma
dados específicos para cada uma dessas situações. função pedagógica. Desse modo, a escolha do tipo
Através da discussão com os estudantes/trainees de simulação ou simuladores é fundamental para
sobre a simulação, quer seja através de feedback ou a coerência entre o objetivo da aprendizagem e as
debriefing, é possível se aprofundar nesses elemen- competências e habilidades a serem desenvolvidas.
tos com atenção tanto a habilidades mais específi- Conclui-se que a reflexão sobre os tipos de si-
cas, que envolvem a identificação dos transtornos e muladores no campo pedagógico para o ensino da
dos componentes psicossociais ligados a dependên- saúde mental requer clareza do lugar e função que
cia quanto elementos gerais, como empatia, lingua- essa estratégia de ensino ocupa na formação do-
gem não verbal, dificuldades pessoais, entre outros. cente, no desenvolvimento de competências e ha-
Ao abordar elementos pessoais como a dificul- bilidades que se queira alcançar para o estudante e
dade de estudantes/trainees em lidar com situ- o quanto esse recurso dispõe para uma prática clí-
ações que envolvem forte carga afetiva e muitas nica mais segura.
Tipos de simuladores
utilizados em Saúde Mental 421
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422 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
CA P Í T UL O 12.4
423
Bianca Cristina Ciccone Carmem Gress Veivenberg
Giacon-Arruda Enfermeira
Enfermeira Mestranda do Programa de Pós-
Doutora em Enfermagem Psiquiátrica graduação em Enfermagem
Professora da Graduação - UFMS Universidade Federal de
Programa de Pós-graduação Mato Grosso do Sul
em Enfermagem - UFMS
Renato Soleiman Franco
Saionara Nunes de Oliveira Médico Psiquiatra
Enfermeira do Hospital Coordenador da Residência de Psiquiatria
Universitário HU/UFSC da Prefeitura Municipal de Curitiba
Doutora em Enfermagem. Professor Adjunto na Escola de Medicina
e Programa de Pós-Graduação – PUC/PR
Jeferson Rodrigues
Enfermeiro
Professor do departamento Karina Diniz Oliveira
de enfermagem - UFSC Médica Psiquiatra
Membro da enfermagem psiquiátrica Docente do Departamento de
e saúde mental da ABEn Nacional Psiquiatria - UNICAMP
424 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
zam a subjetividade, o sofrimento psíquico e a psi- riação na maneira como são ofertadas ao longo dos
copatologia. Ademais, o cuidado em saúde mental anos nos diferentes currículos. Além disso, mais de
está cada vez mais emergente na prática de enfer- 3% dos currículos analisados não ofereciam ne-
magem, nos diferentes contextos do cuidado pro- nhuma disciplina relacionada à área durante o curso,
fissional. Estima-se que um bilhão de pessoas no a carga horária era menor quando comparada a
mundo vivenciem uma situação de necessidade de outras especialidades, além de 20% oferecerem
cuidados em saúde mental, as quais não são assisti- carga horária menor em relação a outros cursos
das da maneira adequada, e o enfermeiro deve es- de Enfermagem da América Latina (SIQUEIRA
tar atento para um cuidado em qualquer ponto ou JUNIOR; OTANI, 2011).
serviço em que esteja presente (KEYNEJAD et al., Uma discussão feita pelos autores do estudo é
2018; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2016). que tais resultados podem estar ligados à autono-
A falha de tratamento para pessoas de paí- mia, pelos cursos de graduação em Enfermagem,
ses de alta renda é de aproximadamente 50%, po- em relação à estrutura e composição de grade cur-
dendo chegar a até 90% em países de baixa renda ricular e à ausência de legislações específicas para
(KEYNEJAD et al. 2018; PATEL et al. 2010; WORLD a padronização das disciplinas de saúde mental e
HEALTH ORGANIZATION, 2018). E, de acordo psiquiátrica (SIQUEIRA JUNIOR; OTANI, 2011).
com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Tal realidade pode ser um dos fatores que fragili-
número de enfermeiros que promovem cuidados zam o cuidado em enfermagem em saúde mental
destinados à saúde mental ainda é baixo, variando não apenas no Brasil, mas também em vários paí-
de uma estimativa de 23,5 a cada 100 mil habitantes ses do mundo.
em países de alta renda a 0,3 a cada 100 mil habitan- Com o objetivo de analisar o ensino do cuidado
tes em países de baixa renda (PATEL et al., 2010). em enfermagem em saúde mental em diferentes lo-
Nesse sentido, a OMS desenvolveu o Mental calidades do Brasil, estudos têm indicado uma tran-
Health Gap Action Programme – sição do ensino pautado no paradigma biomédico
mhGAP (WORLD HEALTH ORGANIZATION, e hospitalocêntrico para o de atenção psicossocial,
2016) e o Mental Health Gap Action Programme proposta a partir da Reforma Psiquiátrica (SOUZA,
Intervention Guide – mhGAP-IG (ORGANIZAÇÃO 2016; RODRIGUES; SANTOS; SPRICCIGO, 2012;
PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2018), os quais TAVARES et al., 2016; OLMOS et al., 2020). Isso
propõem estratégias para minimizar a lacuna de se mostra uma adaptação dos currículos de enfer-
acesso aos cuidados voltados à saúde mental, prin- magem ao modelo de atenção psicossocial esta-
cipalmente nos países de média e baixa rendas. belecido pela Política Nacional de Saúde Mental.
O mhGAP-IG apresenta diretrizes e ferramentas Embora sejam contraditórios, para o ensino, esses
para o cuidado integrado em saúde mental em ser- modelos têm sido utilizados como complementares.
viços não especializados (ORGANIZAÇÃO PAN- Destarte, as referências e os conteúdos progra-
AMERICANA DA SAÚDE, 2018). máticos apontados estão centrados, em sua maio-
Ele tem sido usado principalmente no treina- ria, no paradigma biomédico e nos transtornos men-
mento de profissionais que estão inseridos nos ser- tais e nas psicopatologias descritivas (SOUZA, 2016;
viços de saúde e, em menor frequência, no processo RODRIGUES; SANTOS; SPRICCIGO, 2012; OLMOS
de formação. Sua importância na formação foi mos- et al., 2020). Entretanto, há indicação de que a transi-
trada por alguns estudos, visto que ele pode ser in- ção de paradigma tem estimulado a inclusão de con-
troduzido nos currículos e adaptado para atender a teúdos relacionados à atenção psicossocial, às políti-
diferentes realidades. Além disso, é de baixo custo e cas de saúde mental, à promoção de saúde mental, à
atualizado periodicamente pela OMS com base nas comunicação terapêutica, ao relacionamento inter-
evidências atuais. Tem o potencial de proporcionar pessoal, entre outros (SOUZA, 2016; RODRIGUES;
uma linguagem em comum entre as diferentes cate- SANTOS; SPRICCIGO, 2012; OLMOS et al., 2020).
gorias de profissionais de saúde, implicando um cui- Em relação às estratégias de ensino-aprendiza-
dado interdisciplinar e o fortalecimento dos servi- gem, há, ainda, a influência do ensino tradicional.
ços de saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, Porém, é possível identificar o uso de metodolo-
2018; CHAULAGAIN et al., 2020). gias ativas de ensino, que proporcionam a partici-
Um estudo realizado com o objetivo de anali- pação mais ativa dos alunos, o pensamento crítico
sar a inserção das disciplinas de enfermagem em e a aproximação teoria e prática (SOUZA, 2016;
saúde mental nas estruturas curriculares dos cur- RODRIGUES; SANTOS; SPRICCIGO, 2012; OLMOS
sos de Enfermagem brasileiros indicou ampla va- et al., 2020).
426 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
Fotografias, vídeos e filmes também foram cita- do aluno e fazer preceptoria (JOHNSON; LING;
dos como recursos importantes no aprendizado crí- MELINO, 2021; TYSON; BRAMMER; MCINTOSH,
tico do estudante de Enfermagem em saúde mental 2019); diário reflexivo crítico para estimular a au-
(WRIGHT; CHARNOCK, 2018; STONE; LEVETT- torreflexão dos alunos sobre as questões levantadas
JONES, 2014; CLEMENT et al., 2012; ARANDA et durante sua prática clínica (HWANGA et al., 2018);
al., 2015; MCCANN; HUNTLEY-MOORE, 2016). e sala de aula invertida (WARDA; KNOWLTONB;
Com o objetivo de construir um vídeo sobre a prá- LANEYB, 2018). Essas estratégias também promo-
tica de contenção e outras intervenções coercivas vem um melhor aprendizado e o desenvolvimento
na prática de enfermagem em saúde mental e ava- de habilidades.
liar o seu uso na percepção dos estudantes sobre A simulação como estratégia de ensino e apren-
sua prática, um estudo indicou que o uso da fer- dizagem voltada para a saúde mental em enfer-
ramenta do vídeo permitiu que os estudantes de magem pode incluir diversos elementos já apre-
Enfermagem em Saúde Mental refletissem critica- sentados em outros métodos de ensino. O uso de
mente sobre suas práticas e de outros profissionais atividades simuladas permite a recriação de situ-
no contexto de intervenções coercivas, potenciali- ações reais em ambiente controlado que possibili-
zando uma melhor prática baseada em evidência tam o desenvolvimento de habilidades técnicas e
(WRIGHT; CHARNOCK, 2018). não técnicas, de modo a aprimorar competências
Um estudo realizado com 180 alunos, que teve cognitivas e sociais necessárias para o desempe-
como objetivo comparar o uso de diferentes estí- nho da prática profissional (KOHN; CORRIGAN;
mulos para a percepção e interpretação do aluno DONALDSON, 2000). Além disso, a simulação pro-
sobre o adoecimento mental, demonstrou que o uso porciona o aumento de experiências clínicas ade-
de livro com fotos estimulou a análise mais crítica e quadas, devido à escassez de locais e/ou precepto-
criativa do discente, quando comparado a um texto res clínicos para a realização da prática profissional,
biográfico ou um texto com ilustrações. Concluiu-se promovendo o desenvolvimento do conhecimento
que o livro de figuras permitiu um maior envolvi- teórico-prático (OLIVEIRA; PRADO; KEMPFER,
mento do aluno, estimulando sua imaginação e seu 2014; COSTA et al., 2015).
pensamento crítico, bem como a empatia (STONE; O uso da simulação no desenvolvimento de ha-
LEVETT-JONES, 2014). bilidades e competências no ensino de enfermagem
“Pacientes/familiares especialistas” também com ênfase na saúde mental é relativamente recente,
têm sido utilizados para estimular a empatia e a no entanto vem conquistando espaços relevantes
diminuição do estigma (BOCKING et al., 2019; sobretudo em universidades, sobretudo por conta de
HAPPELL et al., 2020). O aprendizado é copro- sua pluralidade da prática (DAVE, 2012; OLIVEIRA
duzido entre os estudantes de Enfermagem e os et al., 2018). O ensino por meio da simulação pode
“pacientes/familiares especialistas”, ou seja, pes- ser desenvolvido de diversas formas e com o uso de
soas que vivenciam o adoecimento mental e o uso diferentes simuladores ou estratégias, a depender
dos serviços de saúde. Como resultado, essa téc- dos objetivos de aprendizagem propostos.
nica permite a diminuição da barreira entre o pro- No contexto do ensino de enfermagem em saúde
fissional enfermeiro e o usuário com transtorno mental, a simulação pode ajudar no desenvolvi-
mental, desenvolvendo a empatia e a visão do indi- mento de competências relacionadas à comuni-
víduo em sua integralidade, e a diminuição do es- cação terapêutica, ao gerenciamento de crises, à
tigma (BOCKING et al., 2019). colaboração interdisciplinar e às habilidades téc-
A literatura indica outras estratégias para o en- nicas, (GOLFARB; GORRINDO, 2013), bem como
sino de enfermagem em saúde mental: ferramentas no treinamento de habilidades pontuais, como na
informatizadas, como e-learning courses, chats, fó- contenção mecânica de um paciente, na avaliação
runs e softwares, para ajudar no desenvolvimento de do estado mental, no preparo e na administração
raciocínio clínico e na sistematização da assistên- de uma medicação específica, na elaboração de um
cia de enfermagem (ROCHA et al., 2012; ARRUEA genograma e ecomapa, entre outras (CONSELHO
et al., 2017; SILVA; FUREGATO; GODOY 2008; FEDERAL DE ENFERMAGEM, 2012).
SIMPSO et al., 2008; KONTIO et al., 2011); apren- Também é possível trabalhar situações mais
dizagem baseada em problemas (ARRUEA et al., complexas em que é preciso aplicar, além de habi-
2017; GOULD et al., 2015); aprendizagem baseada lidades técnicas, o conhecimento e a atitude profis-
em equipe (HARMON; HILLS, 2015); ferramenta sional. Nesses casos, os cenários de simulação são
da telessaúde para potencializar o aprendizado os mais indicados e utilizados. Eles permitem que
428 Simulação Clínica: ensino e avaliação nas diferentes áreas da Medicina e Enfermagem
doença mental, bem como aumentar o sucesso em É imprescindível que administradores e
práticas de enfermagem adequadas (VERKUYL et pesquisadores continuem promovendo o uso eficaz
al., 2018). A simulação virtual tem sido usada no de simulação e propostas para integração dessa
desenvolvimento de habilidades e competências metodologia nos currículos das ciências da saúde,
complexas, como a interação de pacientes simu- haja vista que essa estratégia permite que a simu-
lados (VERKUYL et al., 2018), e também no trei- lação clínica reproduza adequadamente as comple-
namento de habilidades específicas, como a reali- xidades das interações humanas e a representação
zação do exame do estado mental (MARTIN et al., dos sintomas (LEIGHTON, 2015).
2020a, 2020b).
Por sua vez, a simulação auditiva também tem
sido empregada no ensino de enfermagem em saúde 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
mental. Além de diminuir o estigma relacionado a
pacientes com alucinações auditivas e promover a É indiscutível a necessidade da definição de
empatia, oferece a possibilidade de o aluno com- competências e habilidades para a prática de en-
preender de maneira mais profunda o impacto da fermagem em saúde mental, do uso de estratégias
audição de voz, ajudando a desenvolver habilida- de ensino-aprendizagem que potencializem o seu
des de comunicação necessárias ao interagir com desenvolvimento e da formação de docentes para
os indivíduos que apresentam tal sintoma. Mesmo o desenvolvimento do ensino baseado em compe-
o paciente simulado consegue desenvolver melhor tências e no uso das diferentes metodologias ativas.
as habilidades de comunicação (BEAIRD; NYE; Embora a simulação seja uma estratégia promis-
THACKER, 2017), o que significa que a simulação sora que agrega muito ao aprendizado e possibilita
auditiva fornece um complemento de aprendizado uma experiência autêntica e segura, é preciso que
(ORRA et al., 2013). os educadores que pretendem utilizá-la em saúde
Destarte, existem muitos desafios para a amplia- mental tenham consciência de que essa temática,
ção na utilização de simuladores clínicos como es- trabalhada com tamanho realismo, pode ativar ga-
tratégia de ensino-aprendizagem em saúde mental, tilhos ou atualizar conflitos nos participantes e que
sendo o custo, os recursos humanos e a necessidade a equipe docente deve estar preparada para lidar
de treinamento os mais citados como impedimento. com a possível desestabilização ou desorganização
No entanto, os benefícios estão começando a su- de algum participante. Temas como violência, sui-
perar as barreiras econômicas e organizacionais cídio e luto estão muito presentes na sociedade e
(LEIGHTON, 2015). no cotidiano de muitos estudantes.
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