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Luan Costa da Costa

Estudo de Estrelas Ultracompactas Deformadas


na Relatividade Geral

Brasil
2022
Luan Costa da Costa

Estudo de Estrelas Ultracompactas Deformadas na


Relatividade Geral

Dissertação de Mestrado apresentada ao Insti-


tuto de Física da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul em preenchimento parcial dos
requisitos para obtenção do título de Mestre
em Física.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS


Instituto de Física
Programa de Pós-Graduação

Orientador: Prof. Dr. Dimiter Hadjimichef


Coorientador: Prof. Dr. Kepler de Souza Oliveira Filho

Brasil
2022
Luan Costa da Costa
Estudo de Estrelas Ultracompactas Deformadas na Relatividade Geral/ Luan Costa
da Costa. – Brasil, 2022-
91p. : il. (algumas color.) ; 30 cm.

Orientador: Prof. Dr. Dimiter Hadjimichef


Coorientador: Prof. Dr. Kepler de Souza Oliveira Filho

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS


Instituto de Física
Programa de Pós-Graduação, 2022.
1. Estrelas de nêutrons. 2. Relatividade geral. 3. Esfera de fótons. I. Dimiter
Hadjimichef. II. UFRGS. III. Física Teórica. IV. Estudos de Estrelas Ultracompactas
na Relatividade Geral.
Luan Costa da Costa

Estudo de Estrelas Ultracompactas Deformadas na


Relatividade Geral

Dissertação de Mestrado apresentada ao Insti-


tuto de Física da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul em preenchimento parcial dos
requisitos para obtenção do título de Mestre
em Física.

Trabalho aprovado. Brasil, 24 de Novembro de 2022:

Prof. Dr. Dimiter Hadjimichef


Orientador

Prof. Dr. Kepler de Souza Oliveira


Filho
Coorientador

Prof. Dr. Gastão Inácio Krein

Prof. Dr. Magno Valério Trindade


Machado

Prof. Dr. Sérgio Garcia Magalhães

Brasil
2022
Agradecimentos

Estou bastante contente de estar finalizando esta etapa em minha vida acadêmica.
Porém, o caminho trilhado foi longe de ser um caminho solitário.
Gostaria de começar agradecendo à minha companheira de vida Nathália que,
presenciando diariamente os momentos bons e ruins dessa caminhada, estava também
diariamente incentivando-me a prosseguir, e me dando todo suporte possível para isso.
Agradeço aos meus pais, Lúcia e Rogério, pelo apoio, contínuo e irrestrito, durante todos
esses anos de educação superior. Também agradeço ao restante da família que me encorajou
ao longo desse processo.
Aos professores, gostaria de fazer um agradecimento especial. Desde as motivadoras
aulas do Prof. Emerson Luna, passando pela iniciação científica com o Prof. Fernando
Haas, e incluindo docentes de fora da UFRGS, como o Prof. Riccardo Belvedere, tive
grandes professores que me estimularam a progredir. Por causa da influência deste último,
juntamente com a da pesquisadora Rosana de Oliveira Gomes, meu interesse por estrelas
de nêutrons floresceu enormemente. Já na graduação, tive contato com o Prof. Dimiter
Hadjimichef, o qual veio a se tornar meu orientador de mestrado, e pelo qual nutro
grande admiração, tanto por seu trabalho como professor, quanto pelo seu trabalho como
pesquisador, assim como por sua pessoa. Agradeço especialmente ao Dimiter pela paciência
e compreensão sempre demonstradas por ele, algo que foi bastante significativo para mim
durante esse processo, e que possibilitou que eu esteja agora finalizando-o. Não poderia
faltar o agradecimento ao meu coorientador, o Prof. Kepler de Souza Oliveira Filho, pelas
sugestões e críticas sempre bem-vindas que ajudaram a melhorar o trabalho.
Além disso, preciso agradecer, e muito, à minha psicóloga Marília. Juntamente com
minha psiquiatra Mariana, o auxílio dela foi fundamental para que minha saúde mental
não fosse completamente abalada durante esse difícil período de pandemia global.
Não poderia finalizar sem fazer um agradecimento especial às minhas e aos meus
camaradas da União da Juventude Comunista e do restante do complexo, pela amizade,
encorajamento, e compreensão que sempre demonstraram em relação a mim nesses últimos
anos. Gostaria também de deixar registrado o agradecimento à grande cientista e militante
Alexandra Elbakyan, que tanto me inspira, e dizer que ela e seu trabalho de luta pela
democratização da ciência foram fundamentais para que a presente dissertação pudesse ser
concluída da forma como foi. Por fim, agradeço de maneira geral às físicas e aos físicos da
história. Mesmo sendo um tanto clichê, cito aqui a famosa frase de Isaac Newton, quando
diz que, se viu “mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”. Creio valer a pena
destacar essa frase, pois Newton estava correto: não se produz ciência sozinho. Cada vez
mais é necessário coletivizar o trabalho das e dos cientistas, pois a produção científica é,
em si, um fenômeno social, assim como é histórico.
“Não existe uma estrada real para a ciência, e somente aqueles que não temem a fadiga de
galgar suas trilhas escarpadas têm chance de atingir seus cumes luminosos.” - Karl Marx
Resumo
O objetivo do presente trabalho é investigar as chamadas estrelas ultracompactas. Esse
estudo é feito levando em conta influências tanto na métrica quanto na estrutura da
matéria, através de geometrias deformadas, anisotropias no tensor de energia-momentum,
e equações de estado adequadas. Essas características são necessárias pois estrelas ul-
tracompactas quase certamente exibirão, além de uma densidade muito alta, campos
magnéticos intensos, e alta rotação. Dessa forma, as estrelas são estudadas usando mode-
los não-esféricos. Assim, através do emprego de equações TOV modificadas e equações
de estado selecionadas, resultados significativos são obtidos. Panoramas interessantes e
originais – como a comparação analítica e numérica entre a anisotropia e a deformação nas
estrelas – foram esboçados. Ademais, são amplamente conhecidos os efeitos consideráveis
da deformação em estrelas compactas, especialmente estrelas de nêutrons. Como estrelas
ultracompactas podem atingir níveis incomuns de compacidade, é possível que uma esfera
de fótons apareça fora dessas estrelas. O presente trabalho investiga a possibilidade da
manifestação de um novo fenômeno, no qual a deformação da estrela permite que a esfera
de fótons se manifeste interna e externamente, de maneira simultânea.

Palavras-chave: Estrelas de nêutrons. Relatividade geral. Estrelas ultracompactas. Es-


trelas deformadas. Esfera de fótons.
Abstract
The present work’s aim is to investigate the so-called ultracompact stars. This analysis
is performed taking into consideration influences both in the metric and in the matter
structure, through deformed geometries, anisotropies in the energy-momentum tensor, and
adequate equations of state. These characteristics are required since ultracompact stars
almost certainly will exhibit, besides the undeniable very high density, intense magnetic
fields and high rotation. To this extent, the stars are studied using nonspherical models.
Accordingly, through the employment of modified TOV equations and selected equations
of state, significant results are achieved. Interesting and original prospects — like the
analytical and numerical comparison between anisotropic and deformed stars -– have
been outlined. It is, moreover, widely known the substantial effects of deformation on
compact stars, especially neutron stars. Since ultracompact stars can reach unusual levels
of compactness, it is possible for a sphere of photons to appear outside these stars. The
present paper investigates the possibility of the manifestation of a new phenomenon, in
which the deformation of the star allows the sphere of photons to manifest itself internally
and externally, simultaneously.

Keywords: Neutron Stars. General relativity. Ultracompact stars. Deformed stars. Sphere
of photons.
Lista de ilustrações

Figura 1 – Diagrama massa-raio de estrelas de nêutrons para uma diversidade de


equações de estado. Consultar [1] para as descrições das equações de
estado, siglas e demais referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

Figura 2 – Representação esquemática do modo como se estrutura (de maneira


geral) uma estrela de nêutrons [2]. As principais partículas constituin-
tes são mostradas, assim como tamanhos e densidades aproximadas.
Aqui, ρdrip representa a densidade de gotejamento de nêutrons e ρ0 a
densidade de saturação nuclear. H simboliza hidrogênio, N núcleos em
geral, enquanto que n, p e e− simbolizam nêutrons, prótons e elétrons,
respectivamente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

Figura 3 – Amostra de EoS ’s calculadas através de diferentes suposições físicas.


Consultar [1] para as descrições das equações de estado, siglas e demais
referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

Figura 4 – Sequência de instantâneos de animação ilustrando o mecanismo que


permite a detecção de estrelas de nêutrons aqui na Terra. Animação
completa disponível em [3]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

Figura 5 – SGR 1745-2900, primeiro magnetar a ser descoberto, na órbita do buraco


negro Sagitário A*. Obtida pelo telescópio espacial Chandra, a imagem
foca na região em volta do buraco negro da Via Láctea, dando destaque,
em particular, para a área mais próxima ao buraco, em dois momentos: o
primeiro, no qual o magnetar não foi detectado (2008), pois passava por
um período quiescente; e o segundo, no qual o magnetar foi detectado
(2013) devido à explosão de raios-X que levou a sua descoberta. Imagem
de [4], baseado em resultados de F. Coti Zelati et al. [5]. . . . . . . . . 42

Figura 6 – Massas conhecidas de algumas estrelas de nêutrons; dados de até 2016 [1]. 44

Figura 7 – Representação esquemática do sinal de ondas gravitacionais emitido


por dois objetos compactos interagindo. Dentro da relatividade geral,
temos uma boa ideia das características qualitativas das fases de espiral
para dentro (inspiral) e de pós-fusão, mas a ligação entre estes dois
regimes ainda é amplamente desconhecida. É esperado que a fusão leve
à formação de um buraco negro ou um objeto da mesma natureza dos
iniciais, possivelmente em rotação. O remanescente relaxa por meio da
emissão de ondas gravitacionais. [6] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Figura 8 – Classificação de objetos compactos escuros, sendo sua compacidade
expressa através da diferença entre o raio do objeto r0 e o raio de
Schwarzschild rg (onde os objetos referidos possuem massa igual a 60
M ). O eixo de cima refere-se ao tempo que a luz demoraria para ir da
esfera de fótons à superfície do objeto. Imagem contida em [7]. O termo
photosphere aqui representa, na verdade, o que estamos considerando
como esfera de fótons (não confundir com fotosfera). . . . . . . . . . . 49
Figura 9 – Três sequências de estrelas de quarks com diferentes valores de B. . . . 58
Figura 10 – Sequência com possíveis estrelas de quarks strange e charm. mu = md =
0, ms = 150 MeV, mc = 1500 MeV. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Figura 11 – Perfis de densidade para três estrelas de quarks com massas distintas;
aqui, consideramos massa não nula (ms = 150 MeV) para os quarks
1
strange. B 4 = 154.5 MeV. mu = md = 0, ms = 150 MeV. . . . . . . . . 60
1
Figura 12 – Populações de quarks para uma estrela de massa M = 1.6M . B 4 =
154.5 MeV. mu = md = 0, ms = 150 MeV. . . . . . . . . . . . . . . . . 60
Figura 13 – Populações de quarks e elétrons para uma estrela de massa próxima
1
à limite contendo quarks charm. B 4 = 154.5 MeV. mu = md = 0,
ms = 150 MeV, mc = 1500 MeV. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
Figura 14 – Formas das estrelas prolatas (γ = 1.2), e oblatas (γ = 0.8), respectiva-
mente, possuindo a maior massa de suas sequências. EoS do modelo de
sacola. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Figura 15 – Perfis de pressão e densidade para estrelas de quarks (modelo de sacola),
variando-se γ. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Figura 16 – Sequências de estrelas de quarks com diferentes valores de γ. . . . . . . 66
Figura 17 – Relações massa-raio para sequências com γ’s distintos. . . . . . . . . . 67
Figura 18 – Diagrama massa-raio usual, variando-se o parâmetro C, para a EoS do
1
modelo de sacola p(ε) = 13 (ε − 4B). B 4 = 154.5 MeV. . . . . . . . . . . 68
Figura 19 – Diagrama massa-raio (M/R em função do raio), variando-se o parâmetro
1
C, para a EoS do modelo de sacola p(ε) = 13 (ε − 4B). B 4 = 154.5 MeV. 69
Figura 20 – Relações massa-raio para sequências de estrelas de quarks, variando-se,
separadamente, os valores de γ e de C. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Figura 21 – Advindos da fonte (source), fótons com alto parâmetro de impacto são
levemente curvados (curva preta), e chegam ao observador (observer),
enquanto aqueles com pequeno parâmetro de impacto (curva azul) são
absorvidos e atingem o objeto. A curva vermelha corresponde a fótons
que viajam uma quantidade infinita de tempo ao redor do anel de luz
antes de serem dispersos ou absorvidos. Tais fótons críticos têm um
parâmetro de impacto específico b. A área sombreada em cinza é a esfera
de fótons. A Figura se encontra em [8]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Figura 22 – Ângulo de curvatura do raio de luz ∆ϕ − π em função do parâmetro
de impacto b para três diferentes valores de γ, representando aqui a
deformação da estrela. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
Figura 23 – Diagrama Raio-Massa para uma estrela deformada com γ = 0.83. . . . 75
Figura 24 – Diagrama Raio-Massa para uma estrela deformada com γ = 0.49. . . . 76
Figura 25 – Estrela deformada com γ = 0.83, utilizando a EoS do modelo de sacola.
M = 2.39 M , Req = 11.7 km, Rp = 9.7 km e r0 = 10.0 km. . . . . . . 77
Figura 26 – Estrela deformada com γ = 0.49, utilizando a EoS do modelo de sacola.
M = 2.90 M , Req = 14.0 km, Rp = 6.9 km e r0 = 10.7 km. . . . . . . 77
Sumário

1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

2 ESTRELAS DE NÊUTRONS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2.1 Formação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.2 Estrutura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2.2.1 Constituição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2.2.2 Equações de estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
2.3 Observações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.4 Estrelas ultracompactas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

3 EQUAÇÕES TOV . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
3.1 Teoria da relatividade geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
3.2 Equilíbrio hidrostático em estrelas de nêutrons . . . . . . . . . . . . . 56
3.3 Algumas soluções numéricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

4 ANISOTROPIAS E DEFORMAÇÕES: AS EQUAÇÕES TOV MO-


DIFICADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
4.1 Objetos compactos não-esféricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
4.2 Estrelas anisotrópicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
4.3 Deformação e anisotropia: uma comparação numérica . . . . . . . . 67

5 ESTRELAS DEFORMADAS E A ESFERA DE FÓTONS . . . . . . 71


5.1 Trajetória da luz próximo a objetos compactos . . . . . . . . . . . . . 71
5.2 Esfera de fótons em estrelas deformadas . . . . . . . . . . . . . . . . 75

6 CONCLUSÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

APÊNDICES 87

APÊNDICE A – CÁLCULO DA EOS ASSOCIADA AO MODELO


DE SACOLA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

APÊNDICE B – EXPRESSÕES EXPLÍCITAS ÚTEIS PARA OB-


TENÇÃO DAS EQUAÇÕES TOV . . . . . . . . . 91
19

1 Introdução

Experimentalmente, podemos definir uma estrela de nêutrons de acordo com a


massa da estrela (de sequência principal) que a gerou, relacionando isso à maneira como
ela mantém o equilíbrio no estágio final de sua evolução. Após o fim da vida de uma
estrela, se ela é pouco massiva (massas inferiores a 8 M ), ela gera uma anã branca, a
qual é mantida, contra a gravidade, através da pressão de degenerescência dos elétrons.
Caso seja muito massiva (massas superiores a 20 ou 30 M ), ela gera um buraco negro,
que representa o colapso gravitacional completo. Casos intermediários, de massas entre 8
M e 20 ou 30 M , são os que produzem as estrelas de nêutrons.
Nesse sentido, então, estrelas de nêutrons são objetos astrofísicos que se caracterizam
por serem mantidos em equilíbrio, contra a gravidade, através principalmente da pressão
de degenerescência dos nêutrons. São formadas como resultado final de uma explosão
de supernova. Esses objetos demonstram ser extremamente importantes para o estudo
de vários campos da física, já que possuem quantidades físicas em níveis que superam
em muitas ordens de grandeza os experimentos terrestres. Para se ter uma noção, sua
densidade é da ordem de 1014 g/cm3 – sendo 1014 ordens de grandeza mais denso que
a Terra e o Sol –, seus campos magnéticos ficam por volta de 1012 G (em comparação
aos ∼ 0, 5 G da Terra e aos ∼ 1 G do Sol), enquanto que sua rotação possui um período
variando de poucos segundos até milissegundos.
Hoje em dia, geralmente considera-se em torno de 2,1 M como o limite superior
de massa de uma estrela de nêutrons [9, 10, 11]. Objetos com massas entre este valor
e 5 M podem ser buracos negros em fraca interação ou estrelas de nêutrons muito
massivas. Com essa motivação, um dos principais objetivos do presente trabalho é investigar
possíveis estrelas de nêutrons pertencentes a essa faixa de massas, as chamadas estrelas
ultracompactas.
Recentemente, por exemplo, em um sistema binário, a massa inferida do objeto
que acompanhou uma estrela gigante foi de 3,3 M [12]. Assim, considerando que cam-
pos magnéticos intensos e rotações e densidades muito altas podem ser modelados por
equações de estado anisotrópicas ou por geometrias deformadas, neste trabalho algumas
possibilidades de modelagem para estrelas ultracompactas serão estudadas.
Antes de considerar as estrelas ultracompactas propriamente ditas, é interessante
introduzir historicamente, de maneira breve, como se construiu a física das estrelas de
nêutrons. De um ponto de vista teórico, já em 1932 o físico soviético Lev Landau sugeria
a existência de estrelas desse tipo, “quando a densidade da matéria torna-se tão grande
que os núcleos atômicos entram em contato próximo, formando um núcleo gigantesco”
20 Capítulo 1. Introdução

[13]. No final do ano seguinte, os astrônomos Walter Baade e Fritz Zwicky afirmaram
a existência de tais objetos: “avançamos na visão de que uma supernova representa a
transição de uma estrela comum em uma estrela de nêutrons, consistindo principalmente
de nêutrons. Essa estrela pode ter um raio muito pequeno e uma densidade extremamente
alta” [14]. Já em 1939, estudando a estrutura de objetos simetricamente esféricos, Tolman
[15], e em seguida Oppenheimer e Volkoff [16], desenvolveram, levando em consideração a
relatividade geral, um par de equações matemáticas para descrever o equilíbrio hidrostático
nas estrelas de nêutrons. Essas equações ficaram conhecidas como equações TOV, e servem
para determinar a estrutura das estrelas, desde que acompanhadas de uma equação de
estado suplementar. Uma investigação teórica importante que se utilizou desses resultados
para obter um limite máximo de massa para estrelas de nêutrons foi apresentada em 1974
por Rhoades e Ruffini [17]. Independentemente da equação de estado, os autores chegam
em um valor de 3,2 M para esse limite (outros estudos nesse sentido também foram
efetuados nessa época [18, 19]). É importante destacar também os trabalhos de Harrison,
Wakano e Wheeler acerca da composição nuclear da estrela como sendo de nêutrons,
prótons e elétrons em equilíbrio beta [20], assim como a investigação de Cameron [21], que
enfatiza a importância de interações fortes no aumento da massa limite da estrela para
corresponder às observações.
Já observacionalmente, os primeiros resultados vieram apenas em 1968. Foi pu-
blicado, naquele ano, um artigo de Hewish, Bell, Pilkington, Scott e Collins expondo a
descoberta do primeiro pulsar [22] (pulsating radio source, ou fonte de rádio pulsante),
objeto astronômico que foi associado, em seguida, a uma estrela de nêutrons em rotação.
Jocelyn Bell Burnell foi a astrônoma responsável por identificar e catalogar pulsos de uma
fonte periódica persistente, com um período de aproximadamente 1,4 segundos. Ainda
antes dos anos 70, o Pulsar do Caranguejo (Crab Nebula Pulsar) foi descoberto por Staelin
e Reifenstein [23]. Sobre essas descobertas, na época, T. Gold afirmou: “a regularidade
de frequência nos pulsares recentemente descobertos pode ser explicada pela rotação de
uma estrela de nêutrons (...) Nenhum outro objeto astronômico possuiria periodicidades
tão curtas e precisas quanto as observadas” [24]. F. Pacini foi o primeiro a modelar o
que chamou de oblique rotator model, no qual a explicação para a observação pulsante da
estrela se evidencia na emissão de energia gerada pela incoincidência dos eixos magnético
e de rotação do objeto [25].
Agora, faremos uma análise mais extensiva acerca do conceito de estrela ultra-
compacta. De início, vale citar a importante contribuição de Buchdahl [26] que, em 1959,
estabeleceu um limite máximo para a compacidade de estrelas sem rotação (de 49 ) — limite
esse que ficou conhecido como limite de Buchdahl. Já a ideia de um objeto ultracompacto
surgiu, conceitualmente, pela primeira vez em 1985, no trabalho de Iyer, Vishveshwara e
Dhurandhar [27] (apesar de Vishveshwara, juntamente com Kembhavi, já terem estudado
aprisionamento de neutrinos em objetos com características similares anteriormente [28]).
21

Eles definem esse tipo de objeto como o que possui configurações em que sua razão
raio-massa — ou seja, o inverso de sua compacidade, às vezes definida como a tenuidade do
objeto – satisfaz a inequação 2 < MR
< 3. Nessa linha, foi demonstrada a possibilidade de
existência desse tipo de objeto, com estabilidade e satisfazendo a restrição de causalidade.
Também considerando estrelas nessa faixa de compacidade, Chandrasekhar e Ferrari
efetuam uma investigação acerca dos modos de oscilação (concentrando-se nos modos
axiais) possíveis para esses objetos [29], concluindo que, embora pensassem ser difícil
encontrar uma estrela de nêutrons tão compacta para que manifestasse espalhamentos de
ressonância, a própria existência desses modos de oscilação seria um exemplo de interesse de
dinâmicas na estrutura da relatividade geral. Um estudo mais extensivo acerca dos modos
de oscilações de objetos ultracompactos é realizado por Anderson, Kojima e Kokkotas [30],
onde são consideradas estrelas na faixa 94 < M R
< 100 e é estabelecido que ambos modos
de oscilação, tanto o axial quanto o polar, são possíveis para esses modelos estelares. Mais
pesquisas ao longo dos anos foram sendo efetuadas nesse campo [31, 32]. Rosquist, em
suas investigações, sugere inclusive uma definição alternativa para estrelas ultracompactas,
o que é incorporado por alguns autores [33]. O argumento é de que a definição usual não
capturaria “o que pode ser considerado a essência dos corpos ultracompactos, ou seja, sua
capacidade de servir como uma armadilha gravitacional para matéria relativística, como
neutrinos, ondas eletromagnéticas ou ondas gravitacionais”. Importante nesse contexto foi
também o trabalho de Abramowicz et al., no qual é mostrado que o aprisionamento de
ondas gravitacionais pode ser convenientemente visualizado através do estudo da geometria
óptica dos modelos [34], implicando a existência de um pronunciado “pescoço” (neck) na
estrela, nos casos em que o aprisionamento de ondas existe.
Já Nemiroff, Becker e Wood, no artigo “Propriedades de Estrelas Ultracompactas”
(Properties of Ultracompact Neutron Stars), analisam diversas propriedades de estrelas de
nêutrons ultracompactas [35], como, por exemplo, o lenteamento gravitacional da superfície
do objeto e também a existência de uma nuvem de neutrinos em volta dela. Eles se utilizam,
ademais, do fato de a compacidade ser grande suficiente para afirmar a existência de uma
esfera de fótons — uma esfera na qual órbitas circulares de fótons são permitidas -– ao
redor da estrela, propriedade essa que é característica dos buracos negros. Nemiroff, em
trabalho consecutivo, ainda analisa o importante efeito da distorção visual causada por
uma estrela ultracompacta e percebida por um viajante observador, e compara esse efeito
com o causado por estrelas de nêutrons usuais, assim como por buracos negros [36]. Dentre
os conceitos examinados está justamente a esfera de fótons e como ela apareceria para o
observador, e há a inclusão de ilustrações e animações dos fenômenos.
Nesse momento, investigações teóricas que permitiram estudar objetos com massas
maiores que 3 M — através da implementação de equações de estado alternativas [37] —
foram efetuadas, possibilitando um relativo crescimento do interesse e da consideração
22 Capítulo 1. Introdução

de pesquisadores em relação às estrelas ultracompactas [38, 39]. Estudos sobre a massa


máxima de uma estrela de nêutrons seguiram sendo realizados, como indicado no artigo de
Negi e Durgapal, de 1999, onde eles apresentam, além de seu próprio modelo, as pesquisas
específicas (desde a já citada análise de Rhoades e Ruffini [17]) sobre massa máxima
efetuadas até o momento [40].
O século mudou mas o interesse pelas estrelas ultracompactas não se alterou.
Ajudaram nessa continuidade os diversos trabalhos observacionais que iam surgindo
sugerindo novos objetos desse tipo. Por conseguinte, debates acerca da caracterização de
objetos compactos — se um objeto é uma estrela de nêutrons ultracompacta ou um buraco
negro -– tiveram sua relevância. Ocorria que, havendo uma massa máxima para estrelas
de nêutrons, supunha-se que objetos com massa maiores que essa seriam buracos negros
— isso como regra geral. No entanto, isso não é suficiente, considerando a existência de
estrelas ultracompactas que ultrapassam esse limite. Nesse sentido, uma das principais
características do buraco negro que se busca observar é a existência do chamado horizonte
de eventos, que poderia ser descrito como uma membrana unilateral que isola causalmente
a parte de dentro do buraco negro do restante do universo [41]. Sendo assim, a busca
pela existência do horizonte de eventos facilita (ou mesmo determina) o processo de
diferenciação entre os objetos em questão. Para evidenciar esse horizonte, poderiam ser
utilizadas algumas formas de análise, entre elas, segundo Narayan [41], observando: a
luminosidade quiescente do objeto; a presença/ausência de uma região de camada limite
(boundary layer); a existência de uma série de explosões de raios-X (X-ray bursts); e,
por fim, uma possível visualização direta — observação essa nunca realizada até 2019
[42]. Narayan descreve em detalhes esses procedimentos e os motivos pelos quais eles
seriam úteis para a discriminação dos objetos compactos observados (para uma discussão
mais recente e atualizada em relação a evidências observacionais para horizontes, ver [8],
Capítulo 5. Ver também [43]).
Nesse sentido, mais recentemente, Cardoso e Pani, em um status report debatendo a
natureza de objetos compactos escuros, atestam que, “de um ponto de vista fenomenológico,
buracos negros e estrelas de nêutrons podem ser apenas duas ‘espécies’ de uma família
maior de objetos astrofísicos compactos, que podem coexistir com BHs ao invés de substituí-
los”. Esse trabalho teve como um dos objetivos principais precisamente compreender as
propriedades e assinaturas dessas novas famílias de objetos compactos hipotéticos e de
suas assinaturas.
Portanto, alternativas para buracos negros não necessariamente associadas a estrelas
de nêutrons começaram a ser mais seriamente consideradas. Hoje, tornou-se um hábito
caracterizar esses objetos mais gerais pela sigla em inglês ECO’s, referindo-se a objetos
compactos exóticos (exotic compact objects). Costuma-se chamá-los também de “imitadores
de buracos negros” (black hole mimickers), visto que reproduzem, com precisão arbitrária,
23

várias das propriedades observacionais de um buraco negro. Um desses objetos é a chamada


gravastar, que remete à gravitational-vacuum stars. Primeiramente sugeridas por Mazur
e Mottola, através da extensão do conceito de condensado de Bose-Einstein a sistemas
gravitacionais, são propostas como um novo estado final de colapso gravitacional, que
geraria um objeto frio, escuro e compacto [44, 45]. Já em associação às pesquisas sobre
matéria escura, a existência de boson stars e oscillatons foi proposta. Isso é baseado no fato
de que qualquer teoria de campos com escalares massivos minimamente acoplados implicaria
o surgimento de objetos compactos. Outro objeto de interesse ocorre quando, ao invés de
um tratamento bosônico, é realizado um tratamento fermiônico ao fluido estelar, resultando
em uma fluid star (uma estrela de fluidos perfeitos), objeto que, apesar de aparentar não
exceder o limite de Buchdahl, possui características de estrelas que ultrapassam esse limite
[8]. Alternativamente, vêm sendo consideradas estrelas com significativas anisotropias, o
que implica a possibilidade de contornar o limite de Buchdahl, o qual tem como premissa
um fluido isotrópico [46]. Como resultado, estrelas mais compactas são viabilizadas.
A importância maior desses estudos repousa no simples fato de que anisotropias são
extremamente comuns na natureza estelar, e uma variedade de fenômenos os quais se sabe
que ocorrem em estrelas geram anisotropias: campos eletromagnéticos intensos, núcleos
sólidos e superfluidez são apenas alguns exemplos. Investigações teóricas consistentemente
covariantes acerca de estrelas anisotrópicas vêm sendo feitas nos últimos anos [47, 48, 49].
Por fim, a consideração de efeitos quânticos implica a viabilidade de alternativas adicionais.
A caracterização da chamada fuzzball, por exemplo, aproveita-se da ausência de horizontes
na descrição geométrica de microestados individuais, quando se considera quanticamente
o estudo da mecânica estatística (preocupando-se com o problema da entropia) de buracos
negros [50]. Outros objetos como AdS bubbles, dark stars, collapsed polymers, wormholes,
2-2 holes e superspinars também têm sido discutidos. Uma taxonomia desses objetos pode
ser encontrada no Capítulo 3 do mencionado status report [8].
Quanto aos resultados observacionais, foi fundamental, para o estudo das estrelas de
nêutrons em geral, e das ultracompactas em específico, o início da chamada era das ondas
gravitacionais [51, 52, 53, 54, 55]. Um dos eventos mais notáveis para nós foi a primeira
observação de emissão de ondas gravitacionais da fusão de duas estrelas de nêutrons,
evento conhecido pela sigla GW 170817 [56] – o primeiro, inclusive, acompanhado da
detecção de ondas eletromagnéticas, além das gravitacionais. Outro, talvez mais relevante
ainda em nosso contexto, é o GW 190814, no qual um dos objetos envolvidos possui uma
massa próxima a 2,6 M , implicando uma possível caracterização desse objeto como uma
estrela ultracompacta. De todo modo, a importância desse tipo de evento torna-se clara
quando se percebe que, a partir do momento em que é possível analisar o sinal emitido da
fusão de objetos compactos através de ondas gravitacionais, restrições não-triviais sobre
equações de estado de estrelas compactas podem ser impostas, o que implica um fator
essencial para o entendimento das propriedades dessas estrelas. Rezzolla e Takami, em
24 Capítulo 1. Introdução

um estudo recente -– no qual são utilizados dados de emissões de ondas gravitacionais


provenientes da fusão (antes, durante e depois do evento) de 56 binárias de estrelas de
nêutrons -–, obtêm uma série de resultados que reforçam essa ideia [57].
A detecção das ondas gravitacionais foi, portanto, um divisor de águas em nosso
campo de estudos, possibilitando que agora possamos analisar e entender em detalhes
sinais produzidos durante a fusão de objetos compactos. Nesse sentido, um importante
tema que vem sendo investigado mais a fundo recentemente é o dos chamados ecos de ondas
gravitacionais. Esse fenômeno ocorre quando ondas gravitacionais ricocheteiam, criando
sinais de ondas gravitacionais menores após o evento principal de colisão, como se fossem
repetitivos ecos. Uma diversidade de estudos vêm sendo realizados com essa perspectiva
[7, 58, 59, 60]. Um trabalho recente que associa esses ecos às estrelas ultracompactas
em específico foi publicado em 2018, por Urbano e Veermäe. O objetivo do referido
estudo, segundo os autores, seria o de “investigar sob quais condições físicas, se houver, os
ecos gravitacionais poderiam ser produzidos por objetos exóticos compactos e qual é a
microfísica que poderia suportar a alta compacidade requerida” [61]. Uma propriedade
bastante relevante para o nosso presente estudo é o da associação dos ecos gravitacionais
à presença da esfera de fótons. Seria justamente essa esfera de fótons que viabilizaria a
captura parcial das ondas gravitacionais, gerando os ecos [62, 63].
Nos últimos anos, pesquisas nesse sentido vêm se intensificando. As perspectivas
apontam para um prosseguimento do avanço tecnológico que, presume-se, permitirá a
detecção de ecos gravitacionais provenientes de estrelas ultracompactas nos próximos anos,
e cálculos sobre as propriedades físicas necessárias para isso ocorrer têm sido realizados
[64, 6]. Acredita-se que melhoras na sensibilidade dos detectores, assim como a ativação
recente do KAGRA (Kamioka Gravitational Wave Detector), que acabou de se somar aos
projetos de grandes detectores dos observatórios LIGO (Laser Interferometer Gravitational-
Wave Observatory) e Virgo, auxiliarão nesse processo [65].
Fato é que, não obstante todo o debate acerca da existência desse tipo de objeto e
sobre suas semelhanças e diferenças em relação aos objetos compactos clássicos, a impor-
tância dos estudos de estrelas ultracompactas é inegável, haja vista toda a física envolvida
nesse área. Nesse sentido, tratando-se de astrofísica estelar, tanto do ponto de vista teórico
quanto do ponto de vista observacional, seu estudo torna-se indispensável. Nossa con-
tribuição no presente trabalho se limita a analisar teoricamente algumas características
físicas — como anisotropia, deformação, esfera de fótons, e suas inter-relações — que, sem
dúvida, seriam importantes para descrever uma estrela ultracompacta, buscando-se, assim,
colaborar para o desenvolvimento desse campo de estudos.
A dissertação é dividida em 6 capítulos. Após essa introdução com revisão biblio-
gráfica, será feita, no Capítulo 2, uma exposição acerca da formação, da estrutura e das
observações das estrelas de nêutrons, assim como, mais especificamente, caracterizar-se-ão
25

as estrelas ultracompactas. O Capítulo 3 apresentará a teoria por trás do equilíbrio hidros-


tático em estrelas de nêutrons, onde as equações TOV serão obtidas, possibilitando que,
no Capítulo 4, modifiquemos essas equações levando em consideração tanto anisotropias
quanto deformações existentes no objeto. O Capítulo 5, central em nossa investigação,
utilizar-se-á dessa deformação para investigar um fenômeno interessante associado à pre-
sença da esfera de fótons. Por fim, concluiremos no Capítulo 6 com breves considerações
finais e perspectivas futuras.
27

2 Estrelas de nêutrons

Já sabemos o quão singulares são esses corpos celestes que chamamos de estrelas
de nêutrons, sendo o fato de possuírem intensos campos magnéticos, altas rotações,
grandes densidades, e agudas anisotropias, levando a física ao extremo, a maior expressão
disso. Resta agora descrever como são formados e evoluem, esclarecer minimamente suas
estruturas, e ver como as observações tiveram – e continuam tendo – papel fundamental
em conformar o que entendemos hoje como um dos objetos astrofísicos mais compactos
que existem.
Para introduzir o capítulo, vale a pena discorrer rapidamente sobre a importância
de cada um desses fatores e como se inter-relacionam no estudo das estrelas de nêutrons.
Como forma interativa de fazê-lo, a Figura 1 serve como um ótimo recurso – além, é claro,
de ser útil para situar nossa pesquisa dentro do estágio atual de desenvolvimento científico
do tema.

Figura 1 – Diagrama massa-raio de estrelas de nêutrons para uma diversidade de equações


de estado. Consultar [1] para as descrições das equações de estado, siglas e
demais referências.

A figura mostra um elemento essencial no estudo das estrelas em geral, e das


28 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons

estrelas de nêutrons em particular. O diagrama massa-raio ajuda a visualizar as possíveis


sequências de estrelas calculadas teoricamente, assim como compará-las com estrelas de
fato observadas na natureza. De pronto, vale destacar que outros tipos de objetos, como
anãs brancas ou mesmo estrelas de sequência principal, não se evidenciam no mesmo local
de um diagrama massa-raio que uma estrela de nêutrons, visto que possuem, por exemplo,
compacidades muito distintas umas das outras. Isso estabelece uma conexão direta do
diagrama com o estágio de evolução estelar – elemento que será discutido na primeira seção
do capítulo. Já a estrutura da estrela – sua composição, do que ela é formada, suas camadas,
etc. –, assunto que será abordado na segunda seção, se expressa no diagrama através de
sua influência nas equações de estado (as chamadas EoS ’s, do inglês Equation of State),
as quais são condicionadas pela composição e conformação da estrela. Adicionalmente,
as observações servem para restringir o próprio desenvolvimento teórico – não poderia
ser diferente, já que estudamos um objeto físico, que existe concretamente na natureza.
Nesse sentido, os resultados de investigações observacionais delimitam, no diagrama, certa
área no qual os dados demonstram a existência de objetos. Afinal, cada ponto no gráfico
representaria uma possível estrela; porém, só uma teoria física adequada permite relacionar
esse ponto a uma certa sequência de estrelas (representada por uma curva) desenvolvida
através justamente da descrição teórica proveniente de cálculos analíticos e computacionais.
Daí a importância da reciprocidade teoria-observação. Resultados observacionais são
apresentados na terceira seção do capítulo. Por fim, finalizaremos o capítulo falando
particularmente das estrelas ultracompactas – objetos que, no diagrama massa-raio, se
encontram acima da linha pontilhada em vermelho, e abaixo dos buracos negros. É uma
região no qual a investigação é menor (até por ter menos objetos observados com aquelas
características físicas), mas vem crescendo nos últimos anos. Resultados positivos nas
buscas por ecos de ondas gravitacionais, que exigiriam da estrela a presença de uma
esfera de fótons, implicariam uma compacidade maior da estrela; consequentemente,
investigações teóricas precisam ser realizadas para explicar esses novos fenômenos. Além
de passar rapidamente pelas recentes tentativas de explicação sobre como são formadas,
como se estruturam, e suas assinaturas experimentais, explicitaremos de maneira mais
formal qual definição de estrela ultracompacta estaremos trabalhando ao longo do texto.

2.1 Formação
É conhecido que estrelas de nêutrons são a etapa final da vida de estrelas de sequên-
cia principal. Porém, essas próprias estrelas evoluem de uma etapa anterior. Sua formação
ocorre em regiões interestelares de nuvens de gás e poeira, sendo essas nuvens difusas,
esparsas e desuniformes. Uma associação de diversos fatores envolvendo as características
físicas dessas nuvens faz com que, em certo momento, uma perturbação externa suscite
uma instabilidade na nuvem. Isso implica um colapso de determinado fragmento de gás
2.1. Formação 29

em direção ao seu centro de gravidade, momento em que o gradiente de pressão térmica no


local vai fornecendo a possibilidade de gerar um estado de equilíbrio entre essa pressão e a
própria gravidade, processo esse que poderíamos caracterizar por formação da protoestrela.
Assim que a temperatura vai aumentando devido ao avanço da contração, possibilita-se o
início de uma era em que o objeto se torna uma fonte radiante de energia por bilhões de
anos, avançando à sequência principal de estrelas. A fusão termonuclear é o processo pelo
qual essa geração de energia ocorre, e essa fusão queimará diversos elementos químicos
mais leves, começando por hidrogênio, hélio, até chegar – se sua massa permitir – ao
ferro. A partir daí, portanto, é a intensidade da gravidade da massa estelar que regulará o
resultado da evolução dessa estrela. Uma estrela pouco massiva, por exemplo, progredirá
até se tornar uma anã branca – estrela compacta, com massa similar à do Sol e com
raio similar ao da Terra. Resumidamente, esse processo ocorre da seguinte forma: após a
queima completa do hidrogênio no núcleo, iniciando-se a queima de hélio, o hidrogênio
seguirá queimando em camadas externas do objeto, possibilitando a expansão lenta de um
envelope estelar, à medida que o núcleo vai contraindo e esquentando – o que converte a
estrela em uma gigante vermelha. Em seguida, queima-se carbono, oxigênio, e todas essas
reações vão ocorrendo de maneira explosiva, até que pulsações no envelope se tornem tão
instáveis a ponto da estrela livrar-se dele para formar uma nebulosa planetária, com o
núcleo remanescente correspondendo justamente a uma anã branca [66].
Já uma estrela mais massiva (usualmente massas superiores a 8 M ) evoluirá para
objetos mais compactos que esse. Durante o processo de combustão de hidrogênio, hélio,
carbono, etc., com o aumento da temperatura, e a consequente produção e expulsão de
neutrinos do núcleo, são geradas queimas cada vez mais rápidas dos elementos químicos que
sucedem, resultando na cada vez mais intensa contração nuclear. As reações termonucleares
avançam tanto que a estrela expande, agora, em uma supergigante vermelha de raio em
torno de 106 ordens de grandeza maior que seu núcleo. Nesse sentido, o processo conhecido
como decaimento beta inverso – no qual existe uma captura de elétrons relativísticos pelos
prótons – se torna importante, tendo como resultado a neutronização do material nuclear
do objeto. Nesse ponto, uma série de processos começa a ocorrer: da rápida implosão do
material nuclear, que se aquece, aumentando a energia dos neutrinos e elétrons existentes
ali, que impedem o colapso completo através de suas pressões, inicia-se uma oposição
entre o material nuclear, que se mantém através da pressão, e o seu envolto, que busca
o colapso gravitacional completo. Formam-se ondas de choque, que param no envelope,
mas encontram novos materiais implodindo, que geram choques de acreção; uma região
rarefeita é formada entre o núcleo denso e a frente do choque de acreção. É importante
salientar o papel dos neutrinos, visto que a energia depositada pela radiação proveniente
deles pode servir para revitalizar o choque e prover de energia a explosão. Por fim, parte da
energia gravitacional nuclear é transportada para a frente de choque, fornecendo energia
cinética suficiente para causar a ejeção de todo material que não seja o núcleo do objeto,
30 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons

caracterizando-se numa explosão de supernova [66].


Substancialmente, é dessa forma que ocorre a formação da estrela de nêutrons: ela
deriva do núcleo colapsado dessa explosão de supernova, tornando-se um objeto muito
compacto, onde de 1 a 2 M se comprimem em um espaço de aproximadamente 10
quilômetros. A partir de então, do mesmo modo que em uma anã branca, a estrela de
nêutrons prossegue seu esfriamento indefinidamente, através de uma lenta difusão de fótons,
juntamente com o decaimento de seu campo magnético. No entanto, em seu processo de
formação, caso a explosão falhe, ou não consiga ejetar suficientemente o material que
colapsa ao núcleo, a implosão prossegue no colapso completo em um buraco negro – região
no espaço-tempo onde o campo gravitacional é tão intenso que nenhuma matéria ou
radiação tem a capacidade de escapar. Nesse cenário, a pressão de degenerescência dos
nêutrons não é suficiente para manter o equilíbrio no objeto, devido ao intenso colapso
gravitacional gerado pela enorme massa pré-existente, o que permite o colapso integral. Há
também outros mecanismos de formação de um buraco negro, como através do fenômeno
da hiperonização (hyperonization), do colapso induzido por acreção, ou da condensação de
um aglomerado de estrelas, para o caso de um buraco negro supermassivo em uma galáxia
ativa (AGN ) [66].
Para finalizar, vale salientar alguns progressos que vêm sendo feitos recentemente –
juntamente com alguns desafios que têm sido constatados – que buscam entender melhor a
formação do nosso objeto de interesse, a estrela de nêutrons. De fato, é inegável o notável
aprofundamento, nos últimos anos, do conhecimento sobre os processos envolvidos na
explosão de uma supernova de colapso do núcleo, tanto do ponto de vista teórico quanto do
ponto de vista observacional. Um dos fatores essenciais para isso foi o número de descobertas
de supernovas: de menos de 20 conhecidas no início do século passado, hoje são mais de 2500
podendo ser estudadas em exaustão, e com a taxa de descobertas crescendo continuamente.
Isso ajuda bastante, tendo-se em mente que obter restrições das observações sobre os
progenitores de supernovas é algo essencial. São buscadas informações indiretas, como
através da interação do material expelido na explosão com o meio interestelar, ou mesmo
diretas, em que a identificação da estrela originária é efetuada diretamente. Isso permite
obter o conhecimento, por exemplo, do limite de massa máxima para estrelas progenitoras, o
que pode ser comparado com os modelos teóricos de previsão. Já sobre a teoria da explosão
de supernova em si, é preciso deixar claro que as condições exatas de sua produção ainda
não são completamente compreendidas, pois tal modelagem requer a consideração de uma
diversidade de ingredientes, como EoS ’s adequadas, a inclusão da relatividade geral (que
gera maiores dificuldades computacionais), e uma boa descrição das interações dos neutrinos.
Nesse sentido, pensando numericamente, teríamos um problema com um conjunto grande
de equações não-lineares associadas a interações fluido-neutrinos, o qual geraria uma
dinâmica complexa que, muito possivelmente, resultaria em um comportamento caótico.
Não obstante a isso, houve muitos avanços nesse domínio, principalmente nas simulações
2.2. Estrutura 31

envolvendo o transporte de neutrinos que, como já vimos, têm papel importante no


processo. Fato é que, apesar da multiplicidade de efeitos físicos relevantes e da consequente
dificuldade numérica gerada por isso, o crescente desenvolvimento de supercomputadores e
o avanço na computação de alta performance animam as perspectivas. Panoramas positivos
também vêm sendo desenvolvidos em relação a novos tipos de supernovas, à expansão da
astrofísica multi-mensageira (que observa raios cósmicos, neutrinos e ondas gravitacionais,
tudo de um mesmo processo), e a simulações multidimensionais de evolução estelar. Pablo
Cerda-Duran e Nancy Elias-Rosa apresentam uma competente investigação nesse sentido
em sua contribuição recente (ver [2], em especial a Seção 1.3).

2.2 Estrutura
Formada a estrela de nêutrons, ela rapidamente passa pelo processo de estabilização,
encaminhando-se em direção ao estado energético mais favorável para o sistema. Diversas
reações ocorrem até que a estrela alcance o estado degenerado, no qual não são permitidas
mais reações. Após todo o calor interno ter sido liberado, resulta disso uma estrela com
matéria eletricamente neutra em seu estado fundamental. Nesse ponto, sua composição
hadrônica e fermiônica é estabilizada. Algumas leis físicas, devem, a partir de então, ser
seguidas, como a conservação do potencial químico e a conservação de carga. Quanto a
sua composição, efetivamente a imposição da conservação de carga permitiria que a estrela
fosse composta apenas de nêutrons. Porém, apesar do nome, nenhuma estrela de nêutrons
possui apenas essas partículas, já que esse estado do sistema não configuraria o estado
fundamental, de mais baixa energia. Nêutrons decaem em prótons e elétrons via decaimento
beta (em busca do equilíbrio químico entre as partículas), e outras reações se seguem,
a depender da profundidade – e quanto mais profundo, mais denso – do objeto. É fato
então que há uma diversidade de composições e disposições possíveis para a estrela – desde
átomos, passando por variadas espécies de bárions, até quarks. Como já mencionamos no
debate acerca da Figura 1, diferentes sequências de estrelas correspondem a diferentes
EoS ’s que, por sua vez, correspondem justamente a diferentes composições. Nessa seção,
buscaremos explorar de maneira breve de que e em qual disposição são constituídos
nossos objetos de estudo, assim como apresentar o debate geral sobre equações de estado,
juntamente com uma EoS de interesse particular.

2.2.1 Constituição
É esperado que uma estrela de nêutrons exiba várias fases de matéria densa e
fortemente interagente; logo, uma boa maneira de expor a constituição desse objeto (forma
também consistente com a física do objeto) é dividindo-o em camadas, que é o que faremos
aqui – vide Figura 2. Tratamos aqui do caso mais simples, onde não há nem campos
magnéticos muito intensos nem acreção de matéria de uma estrela companheira que
32 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons

possibilitem modificações notáveis na composição estelar (para uma análise desses dois
casos e uma exposição em mais detalhes, ver contribuição de David Blaschke and Nicolas
Chamel, no Capítulo 7 de [2]).

Figura 2 – Representação esquemática do modo como se estrutura (de maneira geral) uma
estrela de nêutrons [2]. As principais partículas constituintes são mostradas,
assim como tamanhos e densidades aproximadas. Aqui, ρdrip representa a
densidade de gotejamento de nêutrons e ρ0 a densidade de saturação nuclear.
H simboliza hidrogênio, N núcleos em geral, enquanto que n, p e e− simbolizam
nêutrons, prótons e elétrons, respectivamente.

Iniciando pela parte externa, temos as camadas de superfície do objeto. Logo


abaixo de uma fina atmosfera envelopada (que pode ser analisada via emissões térmicas
de raios-X), formada por um plasma composto por elétrons e íons de elementos leves,
há uma crosta sólida. É consenso que, em sua parte externa, essa crosta é composta de
ferro 56, o produto final da nucleossíntese estelar. Apenas em sua parte mais superficial
é possível comparar a situação física na estrela com experimentos terrestres, podendo a
constituição dessa porção ser completamente determinada via medidas experimentais de
massas atômicas. Propriedades do ferro são desconhecidas nas condições (de densidade,
pressão e temperatura) mais internas presentes em uma estrela de nêutrons. Logo, ao
penetrar mais profundamente na estrela, modelos teóricos devem ser utilizados. Mais
adentro, a pressão gravitacional desencadeia a ionização dos átomos. Elétrons se tornam
degenerados, e sua pressão de degenerescência serve para contrabalancear a pressão
gravitacional das camadas mais externas. A uma certa pressão, a matéria passa a consistir
de uma mistura de diversas espécies de partículas nucleares. A distribuição nuclear se torna
bastante estreita, no sentido de que há uma estratificação de diferentes camadas, cada
2.2. Estrutura 33

uma consistindo de cristais de uma única espécie. Nos modelos, cada camada é descrita
através de dois componentes: um cristal de núcleos pontuais; e um fundo uniforme de
elétrons que neutralizam o cristal. Como vimos, a parte mais exterior da crosta externa
pode ser comparada com experimentos terrestres, ao contrário de quando adentramos
mais a fundo no objeto. Além do já citado ferro, supõe-se a existência de isótopos de
níquel, criptônio, selênio e zinco. Porém, a composição exata é menos conhecida devido
à falta de dados experimentais diretos. O que se sabe por certo é que, à medida que a
profundidade aumenta, uma diversidade de processos nucleares resulta em um progressivo
enriquecimento de nêutrons nos núcleos. Essa neutronização eventualmente ocasiona a
chamada transição de gotejamento de nêutrons (neutron-drip transition), na qual nêutrons
se começam a se desvincular dos núcleos de origem. Utilizando-se de modelos microscópicos
de massa nuclear, considera-se a densidade da transição de gotejamento de nêutrons ρdrip
como estando na faixa de ∼ 4, 2 − 4, 5 × 1011 g/cm3 . Essa transição marca justamente o
limite entre a crosta externa e a crosta interna da estrela de nêutrons [2].
Já na crosta interna, com o ambiente extremo, estabelecido principalmente pelo
altíssimo campo gravitacional existente, impõe-se a exigência da implementação de modelos
teóricos. Nesse caso, devem ser levado em conta dois componentes principais, e inseparáveis:
uma rede de aglomerados nucleares ricos em nêutrons somada à presença de um líquido
neutrônico em seu envolto. Processos de emissão de nêutrons, que levariam à desintegração
dessa rede de aglomerados, são proibidos devido à natureza fermiônica dessa partícula:
o líquido neutrônico já ocupa todos os estados permitidos pelo princípio de exclusão de
Pauli. Uma característica importante desse líquido é que, logo após o esfriamento pós-
formação estelar, ele tende a se tornar superfluido, demonstrando as mesmas características
de elétrons em um supercondutor convencional (pareamento de Cooper, etc.). Apesar
da necessidade de serem desenvolvidos modelos teóricos consistentes, as dificuldades,
devido a toda a complexidade exposta acima, são substanciais. Nesse sentido, abordagens
fenomenológicas acabam sendo as mais utilizadas para a descrição do sistema (ver [2],
Subseção 7.5.1, para uma recente e detalhada exposição dessas abordagens). À medida
que a profundidade aumenta, nas regiões mais densas da crosta interna, é esperado que a
heterogeneidade da região também aumente, com os tamanhos dos aglomerados começando
a divergir muito entre si, resultando na necessidade do abandonamento de modelos nucleares
aproximativos por média. Em tal densidade, espera-se uma dissolução completa da crosta
em uma mistura de núcleos e elétrons, com o desvinculamento dos prótons de seus núcleos.
Esse processo, que se caractezaria como uma transição entre a crosta e o núcleo da estrela,
ocorre entre 13 e 12 da densidade de saturação nuclear ρ0 . Do ponto de vista termodinâmico,
não se espera qualquer descontinuidade. Com o aumento da referida heterogeneidade,
conjectura-se também a possibilidade da existência, nas camadas mais densas da crosta,
de uma diversidade de configurações exóticas conhecidas genericamente como “massas
nucleares” (nuclear pastas) – nomeado dessa forma pela diversidade de formatos que os
34 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons

núcleos tomariam, não permanecendo esféricos como nas camadas superiores. Caso existam,
essas massas comportariam-se como cristais líquidos, formando um manto líquido abaixo
da crosta. O tratamento teórico mais utilizado em relação a essas massas realiza-se através
de modelos de gota de líquido compressível (compressible liquid drop models), que também
é utilizado para partes menos densas da crosta. Outras abordagens incluem cálculos de
dinâmica molecular e pela técnica análoga nuclear do modelo de Ising [2].
Chegamos então no núcleo da estrela de nêutrons – camada que contém aproxi-
madamente 99% da massa total do objeto. Aqui, as abordagens são mais variadas ainda,
e envolvem a física nuclear, considerando as interações entre as partículas presentes no
sistema, e as propriedades observáveis de matéria nuclear – basicamente baseadas em
teorias de campos efetivas. Sem nos aprofundarmos nessas abordagens, já que fogem ao
escopo do presente trabalho, vale a pena descrever brevemente a situação física existente
nessa camada da estrela. É sabido que, numa faixa de densidades de duas a três vezes
a densidade de saturação nuclear ρ0 , é ultrapassado o que podemos chamar de limiar
de híperons (hyperon threshold), tendo como consequência o abrandamento (softening)
da EoS, resultando na diminuição da massa máxima de uma estrela de nêutrons. Uma
das soluções para esse problema (é um problema pois não consegue explicar os diversos
resultados observacionais de estrelas de nêutrons massivas) é a consideração da repulsão
entre partículas, o que implica o enrijecimento (stiffening) da EoS. Espera-se também
que isóbaros de bárion ∆ existam e procedam de forma similar aos híperons, partículas
que, assim como os recentemente estudados dibárions d*(2380), podem manifestar um
papel importante dentro dos núcleos de estrelas de nêutrons. Em relação à transição
hádron-quarks, que ocorre no núcleo estelar, um modelo poderia ser construído em cima
das relações entre pressão e potenciais químicos de ambos – assim como no tratamento
entre núcleons e léptons mencionado no início da subseção. Nesse sentido, a EoS se
estruturaria em cima da hipótese de encontrar um valor crítico de potencial químico
dada a condição de pressões iguais presente em uma transição – valor esse que definiria o
equilíbrio mecânico no sistema. Outra forma seria modificar esse modelo simples, utilizando
a pressão como uma função crescente (ou seja, não mais constante) da densidade bariônica,
o que se adequaria melhor à real situação física de interesse. Modelos até mais complexos
vêm sendo estudados, como o método da interpolação entre as fases. De todo modo, é
imperativo afirmar a influência dessa fase mista na estrutura desses objetos compactos. A
descrição física adequada é, de fato, complicada. Não obstante a isso, simplificadamente
poderíamos tratar hádrons como sacolas esféricas de quarks que, a densidades suficientes,
fundiriam-se, anulando a individualidade dos hádrons e resultando em uma grande sacola
de matéria de quarks. Tanto o efeito de troca de quarks entre hádrons quanto a simples
ideia de fundir as sacolas podem ser vistos, nesse sentido, precursores do desconfinamento
de quarks – importante característica desse estado da matéria. Essa descrição das sacolas
de quarks será utilizada na próxima subseção, onde apresentaremos a equação de estado do
2.2. Estrutura 35

modelo de sacola do MIT. Com efeito, admitimos que tal abordagem tem suas limitações.
Nesse sentido, um tratamento mais preciso poderia ser realizado utilizando-se de modelos
baseados na teoria quântica de campos efetiva em seu tratamento não perturbativo. Dessa
forma, fenômenos coletivos como a formação de estados ligados hadrônicos, a quebra de
simetria quiral dinâmica, e a supercondutividade de cor poderiam ser levados em conta. O
modelo de sacola do MIT não é, de fato, um modelo derivado da cromodinâmica quântica
(QCD); apesar disso, considera certas características importantes como a própria quebra
de simetria quiral. Ademais, o que vêm se buscando muito, ultimamente, é alcançar um
modelo de descrição que seja completo, ou seja, que explique microscopicamente tanto
estados ligados de quarks como matéria desconfinada. Esse modelo, que seria concretizado
em uma equação de estado unificada, teria como consequência proporcionar que medidas
de massa e raio de pulsares possam ser utilizados para determinar as EoS ’s de matéria
fortemente interagente, justamente em regimes os quais não podem ser alcançados em
laboratórios. Isso permitiria, por exemplo, investigar as características de uma transição
de desconfinamento de quarks, algo essencial no desenvolvimento teórico da QCD hoje [2].
Alternativamente, vale a pena considerar uma outra perspectiva. Há muito se fala
sobre a validade da hipótese da matéria estranha (strange matter hypothesis). A hipótese
sugere que, na realidade, o verdadeiro estado fundamental da matéria seria a matéria
de quarks estranhos (strange quarks). Isso se baseia principalmente na percepção de que
quarks estranhos reduziriam a energia por bárion. Há aí um longo debate. No caso das
estrelas de nêutrons, essa hipótese teria consequências interessantes. Ocorreria, nesse
contexto, uma de duas situações: a matéria nuclear desconfinaria diretamente em matéria
estranha (resultando em três sabores de quarks); ou haveria uma transição gradual que,
primeiramente, desconfinaria em dois sabores e, em seguida, haveria a transição para
matéria em três sabores. Um prognóstico que vem sendo considerado em relação a estrelas
feitas de matéria estranha é o do cenário de duas famílias. Por argumentos associados ao
modo de formação da matéria estranha, haveria a possibilidade da existência simultânea
de duas famílias: uma de estrelas hadrônicas com massa máxima de até 1,6 M ; e outra
de estrelas estranhas cumprindo a demanda das 2 M [2]. Nesse sentido, de maneira
significativa e com possíveis implicações relevantes, empregou-se o cenário de duas famílias
na interpretação do já mencionado evento de fusão de objetos compactos GW 170817,
bem como foi sugerido que a discriminação entre esse cenário e o cenário usual pode ser
realizada desde que ondas gravitacionais emitidas no momento da fusão fossem detectadas
[67, 68].

2.2.2 Equações de estado


Quando comprimida suficientemente, ultrapassando a densidade de saturação
nuclear ρ0 , a matéria na forma como conhecemos ordinariamente deixa de existir. Novas
36 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons

formas de estrutura da matéria, que precisam ser explicadas pelas teorias físicas mais
fundamentais que existem, surgem. Aqui na Terra, mesmo os mais potentes laboratórios
e aceleradores de partículas não alcançam densidade necessária para atingir esse tipo
de matéria. Isso significa que objetos físicos como as estrelas de nêutrons são únicos em
propiciar algum tipo de estudo nesse sentido. A maneira como isso acontece perpassa
diretamente a utilização e o tratamento das equações de estado, comumente chamadas de
EoS ’s. As EoS ’s, em um dado sistema, são relações específicas entre pressão e densidade de
matéria que levam em conta a microfísica detalhada das interações entre a matéria nesse
sistema. Tratando-se de uma estrela de nêutrons, o mais direto a se fazer é descrever o
modelo teórico considerando a física nuclear e os vários tipos de interações existentes entre
partículas, obter daí uma EoS e, através das equações de equilíbrio hidrostático – que,
no caso de um objeto tão denso quanto uma estrela de nêutrons, são as equações TOV,
calculadas com base na relatividade geral –, resolver o problema para uma dada densidade
central, obtendo como resultado uma previsão de massa e raio para o objeto. Ou, é claro,
calculando para uma sequência de densidades centrais, resultando em uma sequência
de estrelas de nêutrons com massas e raios especificados. Como consequência, obtém-se
justamente o diagrama massa-raio ilustrado na Figura 1 – ali para várias EoS ’s diferentes.
Em contrapartida – devido à correspondência unívoca entre EoS ’s e famílias de estrelas de
nêutrons, que fica clara com a comparação da Figura 1 com a Figura 3 –, a metodologia
inversa também é utilizada: limites sobre as teorias físicas que dão sustentação à construção
das EoS ’s são impostos através das observações de estrelas de nêutrons. Ou seja, como
observações podem ser realizadas para medir massa e raio desses objetos, esses dados
podem ser utilizados para descartar EoS ’s – e, consequentemente, a teoria que as suporta –
que não acomodam tais propriedades físicas observadas na natureza. Para ficarmos apenas
em um exemplo, basta observar como, na Figura 1, a descoberta de algumas estrelas de
nêutrons com massa maior que 2 M já serve como limitação de diversas famílias de EoS ’s
mais brandas. Fato é que, na prática, ambos os procedimentos são utilizados, na tentativa
de obter uma explicação física mais adequada para os fenômenos observados tanto a nível
microscópico quanto a nível astronômico.
Vale destacar ainda algumas importantes propriedades gerais das equações de estado.
Observa-se que, para toda EoS, existe uma densidade central máxima além da qual nenhuma
configuração estelar estável é possível. Como consequência, toda EoS será caracterizada
por uma massa máxima de estrela de nêutrons. Além disso, foi mencionado rapidamente
na subseção precedente sobre as ações de abrandamento (softening) e enrijecimento
(stiffening) de equações de estado. Ocorre que uma EoS pode ser vista como uma medida
da compressibilidade da matéria, já que descreve a pressão como função da densidade
de um objeto físico. Ora, quanto mais pressão precisa ser imprimida a um objeto para
um mesmo valor de densidade, menos o objeto é compressível. Logo, observando todos os
pontos da relação pressão-densidade, uma EoS em que a pressão permanece sempre maior
2.2. Estrutura 37

Figura 3 – Amostra de EoS ’s calculadas através de diferentes suposições físicas. Consultar


[1] para as descrições das equações de estado, siglas e demais referências.

em relação a outra EoS indica que a matéria descrita pela primeira é menos compressível. É
exatamente isso que se denota quando é dito que uma EoS possui maior rigidez (stiffness)
que outras: a matéria descrita por ela é menos compressível que as demais, que possuem, em
contrapartida, maior suavidade (softness). À vista disso, nas estrelas de nêutrons, equações
de estado mais suaves, justamente por estarem associadas a matérias mais compressíveis,
implicam estrelas de nêutrons com menores massas máximas que EoS ’s mais rígidas.
Ao longo de nosso trabalho, utilizaremos um tipo específico de equação de estado,
associado à matéria de quarks. Como uma das vantagens do seu uso, podemos afirmar
que, além de possuir uma expressão analítica e justamente por consequência disso, é
mais fácil de lidar numericamente. Outras opções, como EoS ’s associadas a estrelas
híbridas, requerem um tratamento computacional um pouco mais estendido, porém nos
possibilitariam uma abordagem mais realista. Fica como perspectiva que, em uma pesquisa
subsequente, utilize-se equações de estado mais realistas com o intuito de observar como
os fenômenos aqui descritos se aplicam em tais estrelas.
38 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons

Acerca da motivação da utilização de um modelo de matéria de quarks, é suficiente


remeter à discussão da perspectiva apresentada previamente com relação às estrelas
estranhas; além, é claro, da consideração de que em boa porção da estrutura de uma
estrela híbrida também se espera a matéria de quarks. De qualquer forma, vale adicionar
alguns trabalhos mais recentes que aludem à importância de tal tratamento. Em relação à
estrela híbrida, é de interesse a pesquisa de Annala et al. [69], na qual, combinando-se
observações astrofísicas com cálculos teóricos, os autores chegam na conclusão de que a
matéria no interior de estrelas de nêutrons exibe características da fase desconfinada dos
quarks, interpretando isso como evidência da presença de núcleos de matéria de quarks
nesses objetos. Além disso, para estrelas mais massivas (∼ 2 M ), vincula-se a presença
de matéria de quarks ao comportamento da velocidade do som na matéria fortemente
interagente, também deduzindo-se daí a previsão de existência de núcleos de matéria
de quarks em estrelas de nêutrons nesses casos. Sobre estrelas formadas unicamente por
quarks, o já mencionado artigo de Mannarelli e Tonelli [62] utiliza-se da hipótese de estrelas
de quarks para explorar a possibilidade de emissões de ecos de ondas gravitacionais de
objetos que seriam estrelas estranhas.
O modelo de sacola do MIT foi proposto com o objetivo de realizar o tratamento
hadrônico em termos de seus quarks constituintes. Porém, como bem estabelecemos na
subseção precedente, a densidades suficientemente altas, o modelo converte-se basicamente
em um tratamento para matéria de quarks. De todo modo, a suposição básica do modelo
está diretamente associada à ideia de confinamento dos quarks. Como no vácuo da QCD
não há quarks, a própria existência de quarks em um volume do espaço demanda uma
energia necessária para mantê-los ali. Essa energia (por unidade de volume) é denotada,
aqui, por B, a chamada constante da sacola. Para um hádron, é considerado que os quarks
podem se mover livremente dentro de uma cavidade esférica, não permitindo nenhuma
corrente cruzando seus limites. Para uma matéria de quarks, a energia associada à condição
de superfície perde importância em relação à energia do interior; logo, podemos assumir
que os quarks existem como um gás de Fermi. Por fim, a EoS do modelo de sacola do MIT
se apresenta da seguinte maneira (todos os cálculos envolvidos na obtenção da equação, a
partir dos princípios da mecânica estatística, são encontrados no Apêndice A):

1
p(ε) = (ε − 4B) . (2.1)
3

Vale a pena salientar que a construção de uma EoS unificada é uma tarefa bastante
desafiadora, devido ao fato de as condições físicas presentes em objetos compactos serem
tão extremas, e impossíveis de serem reproduzidas aqui na Terra. Apesar de modelos
teóricos serem exigidos, não há como, no presente momento, realizar cálculos teóricos ele-
mentares (até mesmo por uma impossibilidade computacional), sendo necessários modelos
fenomenológicos, considerando restrições tanto de observações astronômicas quanto de
2.3. Observações 39

experimentos de física nuclear. Como comentam G. Fiorella Burgio e A. F. Fantina em sua


contribuição recente em relação a EoS ’s nucleares para estrelas compactas [2], é esperado
que, além dos já consolidados detectores de ondas gravitacionais LIGO e Virgo, novas insti-
tuições e projetos experimentais/observacionais pelo mundo (as autoras citam os exemplos
de RIKEN, FAIR, HIE-ISOLDE, SPIRAL 2, FRIB, TRIUMF, ATHENA+, NICER e
SKA) promovam cada vez mais dados precisos que auxiliarão muito no aprofundamento
da estrutura interna de objetos compactos.

2.3 Observações
Tratamos diversas vezes, até o momento, sobre observações e sua importância,
mas sempre superficialmente. Com essa seção, objetivamos, mesmo que de maneira ainda
breve e concisa, apresentar os principais modos de estudar observacionalmente estrelas
de nêutrons, desde o mais comum através das pulsações de fontes de rádio pulsantes (os
pulsares) até os mais recentes avanços no campo das ondas gravitacionais.
Vimos que estrelas de nêutrons são formadas após o colapso de uma estrela de
sequência principal em uma explosão de supernova. De uma estrela de raio ∼ 106 km,
surge um objeto de raio ∼ 10 − 12 km. Nisso, para satisfazer as leis de conservação de
momentum angular e de fluxo magnético durante esse processo, a magnitude tanto da
rotação quanto do campo magnético devem crescer em grandes escalas. Considerando que o
evento de explosão de supernova é bastante imprevisível, não faz sentido esperar que o eixo
de rotação e o eixo do campo magnético coincidam após o processo. De fato, tal situação
não ocorre, e, como consequência disso, nós sabemos da existência das estrelas de nêutrons:
é justamente esse desalinhamento entre os eixos magnético e de rotação que possibilitou
as primeiras (e a maioria até hoje) observações de estrelas de nêutrons na natureza. Isso
acontece por que os pulsos observados por nós na Terra são de radiação proveniente do eixo
magnético, radiação que, por sua vez, está mudando de direção constantemente, varrendo,
em forma de cone, o espaço, como ilustrado na Figura 4. Esse processo é chamado às
vezes de efeito farol (lighthouse effect). Dessa forma, se há a casualidade de estarmos
na direção de varredura do objeto, somos “atingidos” pela luz proveniente do objeto de
maneira constante, pulsação à pulsação.
Na verdade, tal radiação é emitida porque, dado o intenso campo magnético da
estrela de nêutrons, juntamente com a alta velocidade de rotação em sua superfície, é
gerada uma força de Lorentz que implica a aceleração de partículas carregadas para a
superfície da estrela e a criação do feixe eletromagnético que flui pelos polos do campo
magnético, responsável finalmente pela emissão das pulsações observadas por nós. Além
disso, também como consequência do desalinhamento entre os eixos magnético e de rotação,
o dipolo magnético aplica um torque que causa perda de energia rotacional na estrela, o que
40 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons

Figura 4 – Sequência de instantâneos de animação ilustrando o mecanismo que permite a


detecção de estrelas de nêutrons aqui na Terra. Animação completa disponível
em [3].

gera um aumento do período de rotação do objeto. Esse aumento é pequeno mas observável
(tendo como valor típico ∼ 10−15 s/s), e é constante (a não ser que hajam os chamados
glitches – alterações repentinas e inconstantes na frequência de rotação de um pulsar).
Nesse sentido, o aumento do período pode ser utilizado também como argumento para
estabelecer que pulsares são de fato estrelas de nêutrons. Afinal, poderia-se argumentar que
a pulsação ocorre por uma vibração do objeto, não por rotação. Não obstante, caso essa
fosse a situação, apenas a amplitude de tal vibração seria alterada, mantendo-se constante
a frequência. Esse é apenas um dos vários indicativos e evidências que demonstram a
associação entre estrela de nêutrons e pulsares [66].
Já que locais mais distantes coibem a detecção da radiação do pulsar na Terra, a
maioria dos pulsares detectados são de nossa galáxia. Hoje, temos descobertos mais de
2000 pulsares, sendo a grande maioria na Via Láctea. As observações para a descoberta
estão associadas a alguns parâmetros importantes: seu período de rotação P ; sua medida
de dispersão (dispersion measure) DM – relacionada à densidade de elétrons livres ao
longo da linha de visão entre o pulsar e a Terra –; e sua posição no céu. Não é sem motivo
que pulsares (mais especificamente os pulsares de milissegundo, os millisecond pulsars,
ou MSP’s) são considerados como os “relógios cósmicos” do universo: após um longo
monitoramento, períodos dos pulsares podem ser definidos com extrema precisão, de até
15 algarismos significativos. Tamanha precisão pode ser utilizada posteriormente para
caracterizar os demais parâmetros do objeto. Técnicas associadas a esses procedimentos de
medidas temporais de alta precisão podem também ser empregadas para testar a teoria da
relatividade geral em regime de campo forte, especialmente tratando-se de binárias – seja
de anã branca com estrela de nêutron, como de duas estrelas de nêutrons. Um exemplo
é o caso do pulsar duplo PSR J0737–3039, que fornece o melhor teste da relatividade
2.3. Observações 41

geral até hoje, confirmando a teoria de Einstein com apenas 0,05% de incerteza [2]. Vale
salientar que MSP’s são objetos que, além da rotação bastante significativa, apresentam
fracos campos magnéticos e idades avançadas. Nesse sentido, de início já foi associado aos
MSP’s uma nova classe de objetos, os pulsares reciclados (recycled pulsars). Hoje já está
estabelecido que esses pulsares participam do chamado cenário de reciclagem (recycling
scenario), de acordo com o qual a rotação das estrelas de nêutrons é ampliada durante
sua fase como binários de baixa massa emissores de raios-X (low mass X-ray binary, ou
LMXB’s). Ocorre que um dos componentes desse sistema binário – velho e fracamente
magnetizado – adere matéria de seu companheiro de baixa massa, num mecanismo em
que a matéria é aderida na superfície da estrela a velocidades relativísticas, fazendo com
que sua rotação seja acelerada a períodos de milissegundos. Considera-se que, dependendo
da EoS, apenas 0,1-0,2 M já é suficiente para acelerar a rotação do objeto aos curtos
períodos de um MSP [2].
Por outro lado, há pulsares que estão no outro extremo quando se trata de inten-
sidade dos campos magnéticos. Pulsares fortemente magnetizados, também conhecidos
como magnetares (Figura 5), são um conjunto de pulsares que alteram rapidamente suas
propriedades e comportamentos radiativos – acreditando-se ser a intensidade do campo
magnético a causadora de variações na crosta e na magnetosfera, que resultariam nessas
alterações térmicas e de emissão de energia que são visíveis para nós. Historicamente, foram
associados a dois grupos: os Anomalous X-ray Pulsars (AXP’s), objetos que superam a
luminosidade esperada para pulsares de raios-X comuns e, nesse sentido, são anômalos; e os
Soft Gamma-ray Repeaters (SGR’s), objetos que apresentam momentos de variação na sua
emissão de raios-γ ou raios-X. Através de medições de diminuição da rotação, percebeu-se
o intenso campo magnético que ambos tinham (1014 − 1015 G), e detecções que se seguiram
deixaram claras as semelhanças entre as classes de SGR’s e AXP’s, unificando-as no
conceito de magnetar. As mencionadas variações radiativas que esses objetos sofrem podem
ser divididas em bursts, outbursts e giant flares. Os dois primeiros estariam associados a
rápidas mudanças na estrutura do campo magnético, enquanto que o último vincularia-se
a um evento de escala mais global no objeto. Ambos os três liberariam, por fim, grandes
quantidades de energia armazenada, podendo chegar, no caso dos giant flares, a 1046 erg de
energia em um único segundo. Modelagens detalhadas desses eventos através de simulações
numéricas de alta performance vêm sendo feitas, trabalhando com modelos analíticos e
semi-analíticos previamente desenvolvidos [2].
Como já ficou claro, há um grande número de estrelas de nêutrons com carac-
terísticas físicas observadas relativamente distintas umas das outras. Isso requereu que
classificações começassem a ser realizadas. Uma delas foi exposta por Victoria Kaspi em
seu estudo sobre a unificação dos tipos de estrelas de nêutrons [70]. Além das classes já
exploradas acima – pulsares1 , binárias, MSP’s, e magnetares – Kaspi destaca as seguintes:
1
No seu estudo, Kaspi argumenta pela suplantação do termo rádio pulsar em favor do termo Rotation-
42 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons

Figura 5 – SGR 1745-2900, primeiro magnetar a ser descoberto, na órbita do buraco


negro Sagitário A*. Obtida pelo telescópio espacial Chandra, a imagem foca na
região em volta do buraco negro da Via Láctea, dando destaque, em particular,
para a área mais próxima ao buraco, em dois momentos: o primeiro, no qual o
magnetar não foi detectado (2008), pois passava por um período quiescente;
e o segundo, no qual o magnetar foi detectado (2013) devido à explosão de
raios-X que levou a sua descoberta. Imagem de [4], baseado em resultados de
F. Coti Zelati et al. [5].

RRAT ’s (Rotating Radio Transients), breves erupções em rádio de fontes galácticas mas
sem periodicidade – imagina-se poder ser uma forma extrema de RPP’s; RPP’s com alto
campo magnético, pouco mais fracos que magnetares e que apresentam consistência na
emissão em raios-X tanto em comparação a RPP’s usuais, quanto em relação a magnetares;
estrelas de nêutrons isoladas (Isolated Neutron Stars, ou INS ’s), que são caracterizadas por
uma relativa proximidade, ausência de emissão em rádio, longos períodos e fracos campos
magnéticos; e CCO’s, objetos que se encontram no centro de remanescentes de supernova
e que possuem propriedades enigmáticas como ausência de nebulosas associadas e de
peridiocidades de emissão eletromagnética. Invariavelmente, o desafio maior, segundo a

Powered Pulsar, ou RPP. Segundo ela, esse termo é “mais prudente e preciso”, porquanto o que
alimenta esses objetos é proveniente da sua energia rotacional, independentemente da sua emissão
eletromagnética ser em rádio, raios-X ou qualquer outra faixa do espectro.
2.3. Observações 43

autora, é estabelecer uma teoria das estrelas de nêutrons que abranja toda essa diversidade
de propriedades e características, podendo explicá-la. Nesse sentido, a ligação evolutiva
anteriormente mencionada entre LMXB’s e MSP’s, assim como as outras evidentes co-
nexões apresentadas aqui, são apenas alguns exemplo do que se espera, ou seja, de que
diversas dessas diferentes classes de estrelas de nêutrons estejam correlacionadas e, ainda,
representem estágios diferentes em uma única evolução temporal/térmica/magnética.
Como vimos na seção anterior, efetuar medições bastante precisas de massa e raio
pode demarcar limites importantes na construção das EoS ’s. Observações em diversas
faixas do espectro eletromagnético ajudam nessas medições, sendo as emissões em rádio,
no entanto, as responsáveis pelas medidas mais precisas e confiáveis que temos para massas.
Além disso, binárias – tanto sistemas de estrelas de nêutrons duplas (DNS ’s) quanto
sistemas MSP-anã branca (MSP-WD) – são as grandes fontes de medidas acuradas, já que
as massas de pulsares isolados não podem ser medidas devido aos métodos de medição
estarem quase todos associados aos movimentos orbitais de sistemas [1]. Na Figura 6,
vemos as medições de massa de diversas estrelas de nêutrons divididas por categorias; fica
claro, da figura, que a principal faixa de massas desses objetos percorre de ∼ 1, 1 − 2 M .
Trantando-se de raios, as medidas são numericamente menores. São mais dependente de
modelos e mais incertas que as medidas de alta precisão das massas, apesar de, nos últimos
anos, bastante progresso ter sido realizado em obter não só medidas de raio como também
de massa através emissões térmicas de LMXB’s [2]. Salientamos, porém, que, mesmo não
sendo quantitativamente muito significativa, a combinação das medidas de massa e raio
das estrelas de nêutrons mais massivas já consegue colocar algumas limitações em EoS ’s
que se referem a matéria consideravelmente mais densas que a densidade nuclear.
Em relação à massa máxima para estrelas de nêutrons, já é sabido há um tempo
que um limite é imposto devido a algumas suposições teóricas. Por exemplo, baseado nas
análises do já citado trabalho de Rhoades e Ruffini [17]2 , Glendenning [66] encontra um
valor de massa limite de 3,14 M (juntamente ao valor menos restritivo de 4,30 M ). Mas é
claro que, como discutido na seção precedente, a massa máxima ainda depende teoricamente
das diversas propriedades da estrela, da composição à disposição da matéria. Já do ponto de
vista observacional, um limite claro sempre ficou em torno de 2,0-2,1 M . Como é possível
ver na Figura 6, a maior medida (com precisão) naquele momento era do pulsar reciclado
J0348+0432, com massa de 2, 01 ± 0, 04 M . Atualmente, a medida mais precisa fica com
a estrela PSR J0740+6620, estrela de nêutrons em um sistema binário com uma anã
branca, confirmada como pulsar de milissegundos, e que apresentou massa de 2, 14+0,20
−0,18 M
[71] (refinada posteriormente para 2, 08 ± 0, 07 M [72]). Objetos com massas superiores
2
Os autores consideram pressupostos bastante gerais: estrutura regida pelas equações da relatividade
geral; matéria localmente estável frente a contrações/expansões espontâneas quep a retirariam do
equilíbrio (dp/dε ≥ 0); limite causal, onde perturbações propagadas com velocidades ( dp/dε) maiores
ou iguais a 1 não são permitidas; e, por fim, a exigência de uma EoS contínua entre matéria de baixa e
alta densidade.
44 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons

Figura 6 – Massas conhecidas de algumas estrelas de nêutrons; dados de até 2016 [1].

costumam ser raros e mais difíceis de medir. Özel e Freire [1] exemplificam isso para um
caso particular de estrelas denominadas viúvas negras (black widows), que são consideradas
uma classe de MSP’s. Esses objetos irradiam e “amputam” (ablate) suas parceiras de
baixa massa. Há, porém, diversas complexidades (associadas a medidas de espectrocopia e
curvas ópticas) em obter medidas precisas dessas companheiras amputadas, o que resulta
em grandes incertezas nas massas inferidas. Mesmo assim, esses resultados sugerem que
objetos mais massivos que o pulsar J0348+0432 (e que o PSR J0740+6620) podem ser
2.3. Observações 45

encontrados, apesar dos mecanismos atuais de observação não permitirem investigar melhor
as características desses objetos em particular. Adicionalmente, massas maiores ainda
vêm sendo obtidas mais recentemente – através, por exemplo, das observações, via ondas
gravitacionais, de eventos de fusão de objetos compactos –, o que se encaixa na perspectiva
das investigações recentes acerca de estrelas ultracompactas; retomaremos esses casos logo
mais na seção subsequente.
Por fim, não poderíamos deixar de dedicar um espaço para expor os avanços
observacionais que foram realizados como consequência da extremamente significativa
detecção direta de ondas gravitacionais. Como já mencionado no Capítulo 1, a primeira
detecção de ondas gravitacionais associada a estrela de nêutrons veio apenas após várias
detecções alternativas. Essas primeiras foram todas relacionadas a sistemas binários de
buracos negros. Então, em 2017, detectou-se o primeiro sinal advindo de uma binária de
estrelas de nêutrons [56], ou seja, do mesmo sistema que havia, anos atrás, estabelecido
indiretamente a existência de radiação gravitacional [73]. Após a formação de um sistema
binário de estrelas de nêutrons – que pode ocorrer tanto por formação direta de um já
existente sistema binário de estrelas de sequência principal, quanto pela chamada captura
dinâmica, que se passaria em locais mais densos de estrelas de nêutrons como aglomerados
globulares –, espera-se que, sendo o sistema suficientemente compacto, aconteça a espe-
rada fusão, através da dissipação do seu momentum angular pela emissão de radiação
gravitacional. Tal fusão de sistemas binários de estrelas de nêutrons se impõe como um
processo riquíssimo na oportunidade de nos dar informações físicas preciosas, devido à
toda uma situação extrema já evidenciada em estrelas de nêutrons, agora multiplicada,
com uma microfísica ainda mais complexa, processos eletromagnéticos extremamente
diversos, campos gravitacionais ainda mais intensos. Tratando mais especificamente da
fusão observada: em Agosto de 2017, uma avançada rede de detectores (LIGO e Virgo)
constatou o sinal da espiral para dentro (inspiral) seguida de fusão do sistema binário de
estrelas de nêutrons GW 170817. Ao mesmo tempo, diversos observatórios ao redor do
mundo forneceram confirmação da associação de tal fusão com um SGRB (GRB 170817A)
através de detecções eletromagnéticas correlatas. Restringindo certos parâmetros físicos,
Abbott et al. [56] obtiveram como massa total do sistema 2, 74+0,04−0,01 M , estimando as
massas de cada estrela como estando na faixa de 1,17–1,60 M . Outro evento de detecção
de ondas gravitacionais de interesse para nós é o GW 190814; esse caso trataremos em
detalhe na seção sobre estrelas ultracompactas, justamente por se tratar de um sistema
binário tendo como um de seus componentes um objeto possivelmente ultracompacto.
Uma importante consequência das fusões é que suas dinâmicas (incluindo formas de onda,
discos de fusão, escalas de tempo, emissões eletromagnéticas) dependem sensitivamente da
massa, raio e composição dos objetos envolvidos, o que implica uma possível utilização
desses dados para restringir equações de estado e, por conseguinte, toda a física extrema
que permeia os cálculos delas. Ademais, vale destacar que se espera também, num futuro
46 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons

próximo, a observação de ondas gravitacionais emitidas por estrelas de nêutrons isoladas,


o que seria dificultado por conta dos sinais não serem tão intensos quanto os de sistema
binários, mas que, por outro lado, abriria um leque ainda maior de possibilidades de
investigações sobre estrelas compactas através da astronomia de ondas gravitacionais [2].

2.4 Estrelas ultracompactas


Como já mencionado na Introdução, de maneira geral, imagina-se que, experimen-
talmente, um buraco negro poderia ser definido como qualquer objeto compacto escuro
com massa maior que 3 M – isso por que sempre se pensou que nenhuma estrela de
nêutrons (o objeto compacto conhecido mais massivo após os buracos negros) teria massa
maior que esse valor. O grande problema dessa definição está no fato de que, cada vez
mais, vêm sendo descobertos objetos com massas maiores que esse valor, mas que não
são classificados como buracos negros. Nesse sentido, estrelas ultracompactas podem ser
vulgarmente definidas como sendo os objetos compactos com massas entre as estrelas de
nêutrons mais massivas e os buracos negros menos massivos que se têm conhecimento –
elas, assim, preencheriam a chamada mass gap (lacuna de massas) relativa aos objetos
astrofísicos compactos. Traremos logo, no entanto, uma definição mais formal para esses
objetos.
Antes de tratar melhor sobre eles, porém, vale a pena citar brevemente algumas
características importantes dos buracos negros. Buracos negros também podem ser carac-
terizados através da condição de aprisionamento da luz. Essa condição implica um raio
crítico, o qual chamamos de raio de Schwarzschild (rs ), o qual identificará o buraco negro
– e esse raio está associado à massa M desse objeto, através da relação rs = 2M . Nesse
sentido, se a massa de um objeto está toda dentro da esfera gerada por esse raio, dizemos
que esse objeto é um buraco negro. Já outras condições físicas, como a consideração
de rotação, alteram a dinâmica física do sistema, e são tratadas fora da descrição de
Schwarzschild. Como exemplos de classes de buracos negros, temos duas principais: objetos
menos massivos associados a binárias (LMXB’s); e objetos bastante massivos (∼ 108 M )
em AGN ’s [66].
Outro importante fenômeno físico envolvendo buracos negros é o da chamada esfera
de fótons. Essa esfera representa o lugar onde um raio de luz com parâmetro de impacto
igual ao raio dela ficaria em órbita circular exata. Uma órbita desse tipo só é possível se
o objeto tem a compacidade suficiente para que seu raio esteja fora dele. Como em um
buraco negro toda a massa concentra-se em uma singularidade, o fenômeno ocorre nesse
objeto. Já estrelas de nêutrons usuais apresentam massas que não satisfazem essa condição.
Espera-se que, no caso de estrelas ultracompactas, haja a possibilidade da presença da
esfera de fótons (e é com essa hipótese que trabalharemos aqui). Em adição a isso, por
2.4. Estrelas ultracompactas 47

fim, vale a pena também mencionar o papel das ondas gravitacionais em relação aos
buracos negros. Isso por que ondas gravitacionais, expressando a relatividade geral em sua
forma mais extrema, estão diretamente associadas à atividade dos objetos mais compactos
do universo, especialmente os buracos negros. Ondas gravitacionais podem ser definidas
como pequenas perturbações na curvatura do espaço-tempo que se movem através desse
mesmo espaço-tempo. Essa série de ondas forma um complexo padrão no espaço-tempo, e
pode ser gerado por uma diversidade de fenômenos: supernovas; estrelas binárias; colapsos
gravitacionais; explosões em núcleos galácticos [74]. Em especial, o que vem sendo estudado
e detectado recentemente são ondas gravitacionais obtidas da fusão de objetos compactos
(ver Figura 7) como buracos negros – foi especialmente essa série de detecções que permitiu
o avanço da física das ondas gravitacionais. Isso também possibilitou a investigação de
estrelas ultracompactas, pois detectou-se ao menos um objeto na referida lacuna de massas,
com a perspectiva de se detectar mais outros objetos desse tipo com o maior progresso da
física de ondas gravitacionais.

Figura 7 – Representação esquemática do sinal de ondas gravitacionais emitido por dois


objetos compactos interagindo. Dentro da relatividade geral, temos uma boa
ideia das características qualitativas das fases de espiral para dentro (inspiral)
e de pós-fusão, mas a ligação entre estes dois regimes ainda é amplamente
desconhecida. É esperado que a fusão leve à formação de um buraco negro
ou um objeto da mesma natureza dos iniciais, possivelmente em rotação. O
remanescente relaxa por meio da emissão de ondas gravitacionais. [6]

Do ponto de vista observacional, além dos objetos mais massivos mencionados na


48 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons

seção precedente, possíveis candidatos a estrelas ultracompactas vem sendo considerados


recentemente. Um deles pertence ao sistema GW 190814, o qual se refere a dois objetos
compactos: o maior, um buraco negro, com uma massa de 22,2–24,3 M ; e o menor, um
objeto de massa entre 2,5 e 2,7 M . Esse segundo objeto – pertencente à mass gap –
pode vir a ser identificado como uma estrela ultracompacta. O GW 190814 foi descoberto
através da astronomia de ondas gravitacionais em 2020 [75]. Relativo a outro desses objetos,
este detectado utilizando-se de uma técnica que combinou dados da velocidade radial
e variabilidade fotométrica, os autores da Ref. [12] mostraram que a estrela gigante de
rápida rotação 2MASS J05215658+4359220 encontra-se num sistema binário com uma
companheira massiva invisível. O sistema possui um período orbital de aproximadamente
83 dias e excentricidade quase zero. Restrições à massa e ao raio da gigante implicam que
a companheira invisível possua uma massa de 3,3+2,8
−0,7 M , indicando a possibilidade de ser
uma estrela de nêutrons inesperadamente massiva – ou seja, uma estrela ultracompacta.
Sabemos que uma estrela, para ser considerada ultracompacta, precisa estar na
chamada lacuna de massas. Outros indicativos, porém, são úteis para caracterizá-la como
tal. Um dos principais indicativos, algo explorado tanto em [49] quanto em [61], é o da
presença dos ecos de ondas gravitacionais. O modelo teórico para esse fenômeno vem sendo
muito debatido e a associação com a existência de uma esfera de fótons é indispensável [61].
Vale a pena também definirmos teoricamente uma estrela ultracompacta para além da
presença na lacuna de massas. Nesse sentido, trabalhemos não mais em termos da massa,
mas em termos da compacidade C ≡ M R
. Caracterizamos, assim, por estrela ultracompacta
objetos astrofísicos com compacidade tal que

1 4
≤C≤ . (2.2)
3 9
A Figura 8 é elucidativa no sentido de classificar as estrelas ultracompactas, embora
com critérios diferentes dos acima citados, mas que ainda assim podem ser associados à
compacidade, como a diferença entre o raio do objeto e o raio de Schwarzschild e o tempo
que um feixe de luz demoraria para ir da esfera de fótons à superfície do objeto. Tipos
mais específicos de estrelas ultracompactas (alguns já citados anteriormente) também
são mencionados na Figura. Não obstante a isso, o critério para classificação de estrelas
ultracompactas a ser utilizado no presente trabalho mantém-se de acordo com a equação
2.2.
2.4. Estrelas ultracompactas 49

Figura 8 – Classificação de objetos compactos escuros, sendo sua compacidade expressa


através da diferença entre o raio do objeto r0 e o raio de Schwarzschild rg (onde
os objetos referidos possuem massa igual a 60 M ). O eixo de cima refere-se ao
tempo que a luz demoraria para ir da esfera de fótons à superfície do objeto.
Imagem contida em [7]. O termo photosphere aqui representa, na verdade, o
que estamos considerando como esfera de fótons (não confundir com fotosfera).
51

3 Equações TOV

3.1 Teoria da relatividade geral


Passaram-se mais de cem anos desde a fundamentação da teoria da relatividade
geral pelo físico teórico alemão Albert Einstein. Ainda assim, nos últimos anos novas
observações e experimentos continuam a confirmar seu acerto, com altas precisões – sendo
as próprias estrelas compactas, quando em binárias, quem fornece os testes mais precisos
para tal teoria. Aqui, limitar-nos-emos a apresentar brevemente alguns dos princípios
basilares (e as fórmulas matemáticas que se associam a eles) dessa teoria, e algumas
consequências dela para o estudo de estrelas de nêutrons.
Começou a ser construída em 1905 uma teoria que representava de modo mais
próximo do real a geometria (e a cinemática/dinâmica) do que se caracterizou como espaço-
tempo: a teoria da relatividade – nome esse proveniente do princípio o qual estabelece que as
leis da física deveriam ser as mesmas em todos os referenciais inerciais. Nesse ano, Einstein
desenvolveu a base da teoria da relatividade especial, a qual se diferencia da relatividade
geral na medida em que desconsidera um espaço-tempo curvo: nela, a parametrização
de todos os pontos desse espaço-tempo (através das coordenadas retangulares t, x, y e z,
por exemplo) pode ser realizada globalmente, o que não ocorre na relatividade geral, que
permite essa parametrização apenas a nível local. As leis da física em diferentes referenciais,
na relatividade especial, são vinculadas pelas chamadas transformações de Lorentz, as
quais restringem as formas admissíveis para essas leis: todas as leis da física devem ser
invariantes (no sentido de permanecer com a mesma forma matemática, com as constantes
numéricas mantendo o mesmo valor) sob transformações de Lorentz.
No espaço-tempo da relatividade especial, um intervalo de espaço-tempo ds deve
se manter o mesmo em todos os referenciais: ds02 = ds2 , sendo que, mais precisamente:

ds2 = c2 dt2 − dx2 − dy 2 − dz 2 . (3.1)

Aqui, c representa a velocidade da luz no vácuo, de valor fixo em 299.792.458 m/s.1 . A


expressão acima fica mais clara quando definimos a métrica no espaço-tempo da relatividade
especial:  

1 0 0 0 
0 −1 0 0
 
gµν =  (3.2)

 .
0 0 −1 0 
 
 
0 0 0 −1
1
Vale notar que, ao longo do restante do texto, optaremos por um sistema de unidades naturais que
considera c = 1, assim como G = 1.
52 Capítulo 3. Equações TOV

também chamado de tensor métrico, o tensor de Minkowski. Aqui utilizaremos a linguagem


tensorial, na qual o intervalo da equação 3.1 pode ser representado via
3 X
3
ds2 = gµν dxµ dxν , (3.3)
X

µ=0 ν=0

sendo dxµ a representação simbólica da posição (µ = 1, 2, 3) e do tempo (µ = 0). Notamos


também que os somatórios acima estarão implícitos a partir de agora, devido à utilização da
convenção de soma de Einstein, segundo a qual qualquer letra grega repetida (sobrescrita
ou subscrita) que apareça em um termo de equação deve ser somado de 0 a 3. A equação
acima também poderia ser escrita como ds2 = dxµ dxµ . Observamos daí que quantidades
tensoriais com letras gregas sobrescritas são chamadas de contravariantes, e quantidades
com letras subscritas são chamadas de covariantes. Além disso, comparando com a equação
precedente, explicita-se a propriedade do tensor métrico de “subir” e “descer” os índices
tensoriais de outros objetos.
Vale a pena aqui definir melhor esses objetos matemáticos chamados tensores. Um
dos principais atributos de um tensor é a sua ordem. Tensores de ordem zero são escalares,
e se caracterizam por possuir apenas um componente, além de permanecerem inalterados
sob transformações de Lorentz. Tensores de primeira ordem Aµ são quadrivetores, objetos
de quatro componentes que se transformam via

A0µ = aµν Aν ,

onde a matriz aµν representa a transformação de Lorentz geral, e satisfaz a equação


aαµ gαβ aβν = gµν . O quadrivetor xµ é um exemplo de tensor de primeira ordem. Analoga-
mente, tensores de segunda ordem Aµν são objetos de 16 componentes, que se transformam
via
A0µν = aµα aνβ Aαβ .
Como uma definição geral, podemos dizer que um tensor Aµν...λ de ordem r é um objeto
de 4r componentes, o qual se transforma de acordo com

A0µν...λ = aµα aνβ . . . aλγ Aαβ...γ .

Antes de prosseguir, é útil definir o tensor que atua como operador gradiente para o
espaço-tempo: !
∂ ∂ ∂ ∂
∂µ = , , , ,
∂x0 ∂x1 ∂x2 ∂x3
sendo o decorrente operador laplaciano ∂µ ∂ µ um tensor de ordem zero.
Agora, redirecionando o estudo para a matéria presente no espaço-tempo, intro-
duzamos uma quantidade física de muita relevância para o tratamento relativístico: o
tensor de energia-momentum T µν . A introdução de um tensor se faz necessária quando
percebemos as diversas quantidades físicas envolvidas no tratamento da matéria. Além da
3.1. Teoria da relatividade geral 53

densidade de energia ε, incorporada no componente T 00 , temos a densidade do fluxo de


energia (ou a densidade de momentum) na direção k, abarcada pelos componentes T 0k -T k0 ,
e a densidade de fluxo do componente k do momentum, indo na direção l, integrada nos
componentes T kl -T lk do tensor. Conjuntamente, é gerado um tensor simétrico de segunda
ordem. No exemplo mais conhecido, temos um fluido ideal com velocidade de fluxo ~v ,
submetido a uma pressão p, onde o tensor de energia-momentum é dado por:

T µν = (ε + p)uµ uν − pg µν , (3.4)

dxµ
sendo uµ a quadri-velocidade dτ
, de componente espacial ~v , e que satisfaz a equação

gµν uµ uν = 1 . (3.5)

O tensor de energia-momentum satisfaz a lei de conservação expressa por

∂ν T µν = 0 . (3.6)

Para que seja possível construir a teoria da relatividade geral, precisamos antes
trabalhar certas ferramentas matemáticas. É sabido que, por exemplo, uma diferenciação
simples não fornece uma quantidade tensorial no espaço-tempo curvo. Como realizar a
derivação corretamente é um dos problemas do campo da geometria afim – a geometria que
examina o comportamento de segmentos de linha paralelos. Para a correta diferenciação,
devemos considerar a mudança sofrida por um vetor durante um deslocamento, levando
em conta quanto dessa mudança deve ser atribuída ao chamado transporte paralelo. A
teoria por trás da geometria riemmaniana necessária para a relatividade geral é exposta,
por exemplo, em [76]. Aqui somente apresentaremos alguns resultados consideravelmente
úteis.
Comecemos então pela definição de derivada covariante. Essa diferenciação considera
o transporte paralelo citado acima. A derivada covariante do vetor Aµ é dada por

Aµ;ν = Aµ,ν − Γαµν Aα , (3.7)

onde Aµ,ν representa a derivada usual e Γαµν os símbolos de Christoffel. Pode ser demons-
trado que o tensor métrico determina completamente os símbolos de Christoffel, de tal
modo que
1
Γαµν = g αβ (gβµ,ν + gνβ,µ − gµν,β ) . (3.8)
2
Nota-se que os símbolos são simétricos nos índices inferiores:

Γαµν = Γανµ . (3.9)

Já associado diretamente à curvatura do espaço-tempo, um objeto importante é o tensor


de curvatura de Riemann. Pode ser obtido através da realização do transporte paralelo
54 Capítulo 3. Equações TOV

de um vetor em um caminho fechado [76], no qual se identifica o tensor de quarta ordem


Rαβµν como uma medida quantitativa da curvatura do espaço-tempo, expressando também
a dependência de caminho no transporte paralelo. O tensor de Riemann pode ser expresso
por:
Rαβµν = −Γαβµ,ν + Γαβν,µ + Γασµ Γσβν − Γασν Γσβµ . (3.10)

Um importante aspecto desse tensor é que ele é o único tensor de ordem quatro que
pode ser construído ao se tomar combinações lineares das segundas derivadas da métrica.
Contraindo o primeiro e o último índice do tensor de Riemann, obtemos o tensor de
segunda ordem Rβµ (simétrico em β e µ), o tensor de Ricci

Rβµ = Rαβµα ,

que, em termos dos símbolos de Christoffel, pode ser expresso por

Rβµ = −Γαβµ,α + Γαβα,µ + Γασµ Γσβα − Γασα Γσβµ . (3.11)

Uma última contração leva à obtenção de um escalar, o escalar de curvatura R:

R = Rββ . (3.12)

Por fim, não poderíamos deixar de apresentar a equação da geodésica. Ela equivale, no
espaço-tempo curvo, à ideia de linha reta no espaço plano; ou seja, uma partícula livre
sempre irá mover-se ao longo de uma geodésica. Seu trajeto é obtido através da equação:

d 2 xσ α
σ dx dx
β
+ Γ αβ =0, (3.13)
dτ 2 dτ dτ

Tendo estabelecido a descrição da geometria e sua curvatura, passamos agora para


a interação da geometria com a matéria, o cerne da relatividade geral. É postulado da
relatividade geral a exigência de uma invariância geral, a qual estabelece que a forma e
o conteúdo das equações devem se manter inalterados sob quaisquer transformações de
coordenadas. Mais precisamente, podemos considerar que o princípio de invariância geral
não é um princípio de relatividade, mas sim um princípio de simetria que é imposto às leis
da física para restringir as possíveis interações entre gravitação e matéria [76]. Isto posto,
vamos ao desenvolvimento das principais equações da relatividade geral, as equações de
campo de Einstein. Há, como sempre (ou quase sempre) na física, mais de uma forma de
obtê-las. Uma demonstração, baseada nas equações de aproximação linear e no princípio
de invariância, pode ser encontrada na Seção 7.2 de [76]. Aqui, no entanto, seguiremos um
outro caminho para obtenção das equações.
Queremos buscar, como manifestamos há pouco, a interação da geometria com
a matéria. Presume-se, assim, uma equação que relacione o tensor energia-momentum
(representando a matéria), de um lado, e o tensor métrico (representando a geometria do
3.1. Teoria da relatividade geral 55

espaço-tempo) do outro. Deve-se considerar também a possibilidade do envolvimento de


operadores diferenciais agindo nesse tensor. Sendo assim, e de acordo com o princípio de
invariância geral, esperamos uma equação do tipo

Gµν = −κTµν , (3.14)

onde Tµν representa o tensor de energia-momentum, κ uma constante de proporcionalidade,


e Gµν um tensor de segunda ordem construído com base no tensor métrico e suas derivadas.
Consideramos a maneira mais geral de construir o tensor Gµν através da forma

Gµν = aRµν + bgµν R . (3.15)

Falta estabelecer uma conexão entre as constantes a e b e encontrar os seus valores. Pela lei
de conservação associada ao tensor energia-momentum e generalizada para a relatividade
geral (equação 3.6 com a derivada usual substituída pela derivada covariante), ou seja,
usando
Tµ;ν ν = 0 , (3.16)

podemos restringir o tensor Gµν . Elevando o segundo índice na equação 3.15, derivando
de forma covariante e utilizando a equação 3.16, obtemos, se consideramos também a
conhecida identidade de Bianchi [76], o seguinte sistema:

aR ν

µ; ν + bR,µ = 0
(3.17)
R ν − 12 R,µ = 0 ,

µ; ν

o que implica b = − 12 a. Por fim, levando ao limite não-relativístico, pode ser demonstrado
que a = 1 (assim como κ = 8πG), produzindo o seguinte conjunto de equações2 :

1
Rµν − gµν R = κTµν . (3.18)
2

Como expressa o físico teórico John A. Wheeler, a massa (lado direito) diz ao
espaço-tempo (lado esquerdo) como se curvar, e o espaço-tempo (lado esquerdo) diz à
massa (lado direito) como se mover: essa é a relação dialética presente nas equações de
campo de Einstein e que representa a consistente interação entre geometria e matéria que
rege o nosso universo. Vale pontuar que não existe procedimento geral para resolver essas
equações analiticamente. Na próxima seção, faremos algumas hipóteses para facilitar a
solução dessas equações em uma situação específica de interesse.
2
Nesse tratamento desconsideramos a generalização possível das equações de Einstein para aplicações
cosmológicas (que, no entanto, seria satisfeita pela simples adição de um termo proporcional à métrica,
que é evidentemente um tensor de segunda ordem, não comprometendo nossas hipóteses iniciais).
56 Capítulo 3. Equações TOV

3.2 Equilíbrio hidrostático em estrelas de nêutrons


A condição de equilíbrio hidrostático é essencial para estudar a estrutura de objetos
astrofísicos. No caso de objetos simetricamente esféricos, a equação, derivada3 diretamente
da segunda Lei de Newton (F~res = m~a, a qual deve ser zero pela garantia do equilíbrio) e
com a atuação das forças gravitacional e de pressão hidrostática interna, expressa que:

dP (r) Mr ρ
= −G 2 , (3.19)
dr r

sendo P (r) a pressão no raio r, Mr a massa interna ao raio r, e G a constante gravitacional.


A equação 3.19 demonstra que deve haver um gradiente de pressão para contrabalancear
a força da gravidade, devendo a pressão diminuir com o raio, sendo maior no interior,
tornando-se zero após a superfície. Acompanhando a equação 3.19 como par de equações
diferenciais de equilíbrio hidrostático está a equação de conservação de massa, a qual
estabelece que:
dMr
= 4πr2 ρ . (3.20)
dr

No entanto, com as altas densidades de uma estrela de nêutrons, sabemos que


a relatividade geral deve ser utilizada. Sendo assim, calculemos agora as equações de
equilíbrio hidrostático relativístico. Iniciemos com a métrica para um objeto estático e
simetricamente esférico:
 

e2ν(r) 0 0 0 
 0 −e 2λ(r)
0 0
 
= (3.21)

gαβ  .
 0 0 −r 2
0
 

 
0 0 0 −r sin θ
2 2

Queremos empregar as equações de Einstein apresentadas na seção precedente,


para que seja possível obter o par de equações diferenciais de equilíbrio hidrostático
relatívistico. Para isso, é necessário seguir os seguintes passos: efetuar o cálculo dos
símbolos de Christoffel; obter o tensor de Ricci e consequentemente o escalar de Ricci;
escolher o tipo de matéria do problema, com seu tensor de energia-momentum associado;
por fim, aplicar todas essas quantidades nas equações de Einstein.
Nesse espaço pretendemos apresentar os passos e a ideia geral do procedimento.
Os valores dos símbolos de Christoffel e das componentes dos tensores de relevância são
apresentados no Apêndice B. Aplicando então a equação 3.8 (e também se utilizando da
simetria 3.9), obtemos como não-nulos os seguintes símbolos de Christoffel:

Γ001 , Γ010 , Γ100 , Γ111 , Γ122 , Γ133 , Γ212 , Γ221 , Γ233 , Γ313 , Γ331 , Γ323 , Γ332 .
3
Uma derivação pode ser encontrada na Seção 10.1 de [77].
3.2. Equilíbrio hidrostático em estrelas de nêutrons 57

Por conseguinte, o tensor de Ricci se apresenta de tal forma que


 
R
 00
0 0 0 
 0 R 0 0
 
11
= (3.22)

Rαβ  ,
 0 0 R 0
 
22 
 
0 0 0 R22 sin θ
2

onde a equação 3.11 foi utilizada, e as componentes são – com exceção da R33 que
se mostra sem valor prático por acabar não sendo independente de R22 – funções do
tipo Rαα (r, λ, ν, λ0 , ν 0 , λ00 , ν 00 ), onde a derivada indicada diz respeito à coordenada r. O
próximo passo é calcular R via equação 3.11, seguido do cálculo do tensor de Einstein
Gαβ = Rαβ − 21 gαβ R, o que finaliza nossos cálculos relativos ao lado esquerdo das equações
de Einstein.
Levando em conta que o objeto astrofísico em questão pode ser considerado como
um fluido perfeito, estamos aptos a utilizar a expressão para o tensor de energia-momentum
3.4 que, juntamente com a equação 3.5, implica prontamente

Tαβ = diag(ε, −p, −p, −p) . (3.23)

Sendo assim, obtemos três equações, aqui numeradas de acordo com o índice associado aos
tensores em questão: α = 0, 1, 2. De α = 0 obtemos, utilizando a equação de conservação
de massa 3.20 (também válida na relatividade geral), as seguintes expressões:
2GMr
e−2λ = 1 − ,
r
∂λ 1 h i
= 1 − (1 + κr2 ε)e2λ .
∂r 2r
Já de α = 1, obtemos:
∂ν 1 h i
=− 1 − (1 − κr2 p)e2λ .
∂r 2r
Substituindo as expressões acima (e suas derivadas) na relação obtida quando α = 2, após
uma álgebra em parte laboriosa, obtemos, por fim,
dp (ε + p)(4πrp3 + Mr )
=−   , (3.24)
dr r r − 2Mr
G

expressão que, juntamente com a equação 3.20, forma o par de equações diferenciais de equi-
líbrio hidrostático na relatividade geral, as chamadas equações de Tolman-Oppenheimer-
Volkoff – equações TOV. Somado a uma equação de estado (EoS ) – equação essa obtida da
maneira descrita na Subseção 2.2.2 – adequada para a composição e a estrutura material
da estrela, e a condições de contorno apropriadas, podemos obter a pressão, a densidade
de energia e a massa como funções do raio estelar, assim como obter valores absolutos de
raio e massa total, fazer gráficos, comparar com dados astronômicos e contribuir para o
desenvolvimento da física de objetos astrofísicos em geral e de estrelas de nêutrons em
particular.
58 Capítulo 3. Equações TOV

3.3 Algumas soluções numéricas


Nessa seção, buscaremos apresentar algumas soluções numéricas das equações,
para equações de estado selecionadas, com o objetivo de fazer breves análises gráficas de
alguns resultados já conhecidos na literatura, mas que são úteis no sentido de introduzir
graficamente a física que descreveremos adiante, porém com maior complexidade.

2 B1/4=145 MeV
B1/4 =170 MeV
B1/4=200 MeV

1.5
M/MO•

0.5

0
1x1015 1x1016
3
log εc (g/cm )

Figura 9 – Três sequências de estrelas de quarks com diferentes valores de B.

Na Figura 9, é possível perceber a influência da constante da sacola B nas famílias


de estrelas de nêutrons. Vale lembrar que estamos lidando com a EoS do modelo de sacola
(ver Subseção 2.2.2 e Apêndice A). Nesse caso, a constante da sacola B, uma energia por
unidade de volume, está associada à existência de quarks no volume do espaço considerado,
visto que essa existência demanda uma energia para manter os quarks ali. Como vemos
na Figura, quanto menor o valor de B, maior o pico da curva das sequências de estrelas,
possibilitando, portanto, a obtenção teórica de estrelas mais massivas. Vale mencionar
aqui também a existência de um conhecido limite o qual define que, à direita do pico do
gráfico (ou seja, quando a derivada dM
dεc
torna-se negativa), as estrelas tornam-se instáveis
[66].
No caso da Figura 13, pode-se perceber pelo próprio tracejado, que se torna
pontilhado, o momento em que a família de estrelas passa a ser instável. Aqui vale também
um outro parêntese. Apesar de haver a possibilidade da existência de charm stars pelo
critério mencionado acima da primeira derivada, é sabido, por um estudo mais aprofundado
de estabilidade, que esses objetos não conseguem se estabilizar como objetos físicos.
3.3. Algumas soluções numéricas 59

2.5

B1/4=154.5 MeV

1.5
M/MO•

Charm Stars
1
Strange Stars

0.5

0
1x1014 1x1015 1x1016 1x1017 1x1018 1x1019 1x1020
log εc (g/cm3)

Figura 10 – Sequência com possíveis estrelas de quarks strange e charm. mu = md = 0,


ms = 150 MeV, mc = 1500 MeV.

Podemos observar, na Figura 11, como a variação da massa influencia no raio


estelar, algo já habitual para quem conhece os diagramas massa-raio.
Por fim, as Figuras 12 e 13 são úteis para notar que a disposição de quarks em
uma estrela não se dá de forma homogênea: como se pode observar, há uma clara variação
(principalmente na Figura 13) de partículas, tudo isso devido ao equilíbrio químico e de
carga que são impostos dentro do objeto estelar.
60 Capítulo 3. Equações TOV

M = 0.5 Mo
M = 1.0 Mo
M = 1.6 Mo

15
1x10
log ε (g/cm3)

1x1014
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
r (km)

Figura 11 – Perfis de densidade para três estrelas de quarks com massas distintas; aqui,
1
consideramos massa não nula (ms = 150 MeV) para os quarks strange. B 4 =
154.5 MeV. mu = md = 0, ms = 150 MeV.

Quark Down
Quark Up
Quark Strange

1
Proper number density (fm-3)

0.1
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
r (km)

1
Figura 12 – Populações de quarks para uma estrela de massa M = 1.6M . B 4 = 154.5
MeV. mu = md = 0, ms = 150 MeV.
3.3. Algumas soluções numéricas 61

Quark Up
Quark Down
Quark Strange
Quark Charm
Electron

100
Proper number density (fm-3)

10

0.1
0.1 1
r (km)

Figura 13 – Populações de quarks e elétrons para uma estrela de massa próxima à limite
1
contendo quarks charm. B 4 = 154.5 MeV. mu = md = 0, ms = 150 MeV,
mc = 1500 MeV.
63

4 Anisotropias e deformações: as equações


TOV modificadas

Como já mencionado, no estudo de estrelas tão densas como as ultracompactas,


não se pode fugir de certas características físicas. Duas delas, as que analisaremos aqui,
são a deformação e a anisotropia.

4.1 Objetos compactos não-esféricos


Nesse primeiro momento, trabalharemos com estrelas compactas deformadas, ou
seja, objetos que deixam de ser simetricamente esféricos. Logo, ao contrário do que
acontece quando são aplicadas as equações TOV usuais vistas no capítulo precedente, aqui
a forma das equações resultará em estrelas com formato prolato (eixo polar maior que
o eixo equatorial) ou oblato (eixo equatorial maior que o eixo polar). A parametrização
usada se dará de tal maneira que z = γr, onde, então, o parâmetro γ representará o
nível de deformação do objeto estelar. Sendo assim, por coerência, temos γ < 1 para
esferoides oblatos e γ > 1 para esferoides prolatos. Uma característica importante dessa
parametrização é que ela permite que se mantenha o tensor de energia-momentum com
simetria esférica, mesmo admitindo a deformação.
Agora devemos obter as equações TOV modificadas pela deformação. Utilizaremos

Figura 14 – Formas das estrelas prolatas (γ = 1.2), e oblatas (γ = 0.8), respectivamente,


possuindo a maior massa de suas sequências. EoS do modelo de sacola.
64 Capítulo 4. Anisotropias e deformações: as equações TOV modificadas

a abordagem de Zubairi e Weber [78, 79]. A métrica utilizada (que chamaremos de métrica
de Zubairi-Weber) é a seguinte:
 
e−2φ(r) 0 0 0
2M (r) −γ
   
0 − 1− 0 0
 
gµν = r
(4.1)
 
  ,
0 0 −r2 0
 
 
 
0 0 0 −r sin2 θ
2

e assumiremos um fluido perfeito tal que

Tµν = −p gµν + (p + ε)uµ uν , gµν uµ uν = 1 . (4.2)

Nesse ponto, resta aplicar as relações habituais da Relatividade Geral. De maneira


análoga ao caso simetricamente esférico, obtemos os símbolos de Christoffel, seguido do
tensor e escalar de Ricci, e da aplicação desses resultados nas equações de Einstein. Com
isso, as seguintes expressões são obtidas (para os índices 0, 1 e 2, respectivamente):
Z r
M (r) = 4πγ r02 ε(r0 )dr0 , (4.3)
0

 !−γ 
dφ 1  2M (r)
= 1 − (1 + 8πr2 p) 1 − , (4.4)
2r

dr r

  !2  !−1 ! !γ
2M (r) dM (r) M (r) dφ 1  2M (r)
!
d2 φ dφ  − γr 1 −
r 2 
2
− − − · 1− = −8πr2 p .
dr dr r dr r dr r r
(4.5)
Por fim, combinando-as, obtemos o par de equações
dM (r)
= 4πγr2 ε(r) , (4.6)
dr

2M (r) γ
h    i
dp (ε + p) 4πr3 p + 21 r 1 − 1 − r
=− 
2M (r) γ
 , (4.7)
dr r2 1 − r

as equações TOV modificadas de Zubairi-Weber. Uma comparação com as equações 3.20 e


3.24 demonstra que, para γ = 1, retoma-se o caso simetricamente esférico, como já era
esperado, visto que γ = 1 representa deformação inexistente, de acordo com a discussão
efetuada acima.
Vale a pena agora demonstrar graficamente os resultados obtidos das TOV de
Zubairi-Weber. A Figura 15, por exemplo, um gráfico clássico no estudo de estrelas
de nêutrons, demonstra a variação de densidade e de pressão em função do raio da
estrela – nesse caso, do raio equatorial, já que a estrela não é esférica. Vê-se claramente
a diferenciação, para uma mesma densidade e pressão central, que há entre estrelas com
4.2. Estrelas anisotrópicas 65

250
γ = 0.8 (2.09 MO•)
γ = 0.9 (1.80 MO•)
200 γ = 1.0 (1.56 MO•)
γ = 1.1 (1.37 MO•)
p (MeV/fm3) γ = 1.2 (1.21 MO•)
150

100

50

0
1000
900
800
700
ε (MeV/fm3)

600
500
400
300
200
100
0
0 2 4 6 8 10 12
Req (km)

Figura 15 – Perfis de pressão e densidade para estrelas de quarks (modelo de sacola),


variando-se γ.

deformações diferente, sendo as prolatas (γ > 1) as com menores raios e, consequentemente,


menores massas.
Vemos também das Figuras 16 e 17 que, quanto mais oblatas forem as estrelas,
maior é a quantidade de estrelas de grande massa na família. Da Figura 17, por exemplo,
é possível obter que uma estrela com γ = 0.8 pode chegar a ter uma massa de 2.17 M .
Logo, não é de se estranhar que as estrelas oblatas tomarão mais a nossa atenção no
presente trabalho, visto que estamos interessados em objetos mais massivos. Tal objeto se
encontra representado, por exemplo, na parte direita da Figura 14, em contraposição à
estrela representada na parte esquerda da mesma figura.

4.2 Estrelas anisotrópicas


Configurações físicas que impõem uma anisotropia ao fluido estelar são diversas:
altas densidades, campos magnéticos intensos, superfluidez, interiores sólidos, etc. Raposo
et al. [49] apresentam um modelo covariante consistente para a descrição e compreensão
de objetos compactos anisotrópicos, modelo esse o qual nós nos baseamos aqui. Nesse
modelo, os objetos compactos são chamados de C-stars.
Assumimos então uma estrela estática simetricamente esférica, de tal forma que a
66 Capítulo 4. Anisotropias e deformações: as equações TOV modificadas

2.5
γ = 0.8
γ = 0.9
γ = 1.0
γ = 1.1
γ = 1.2
2

1.5
M/MO•

0.5

0
1x1015 1x1016 1x1017
εc (g/cm3)

Figura 16 – Sequências de estrelas de quarks com diferentes valores de γ.

métrica seja dada por


 
e2ν(r) 0 0 0
2M (r) −1
   
0 − 1− 0 0
 
gµν = r (4.8)
 
  .
0 0 −r2 0
 
 
 
0 0 0 −r2 sin2 θ
Porém, aqui, altera-se o tensor de energia-momentum, para incluir nele a anisotropia
desejada:
Tµν = Pr gµν + (Pr + ε)uµ uν − C f (ε)k α ∇α Pr Πµν , (4.9)
Πµν ≡ gµν + uµ uν − kµ kν .
Aqui, Pr (r) representa a pressão radial no raio r da estrela. O fator C irá determinar o
grau de compacidade do objeto estelar, enquanto que f (ε) representa uma função genérica
da densidade, sendo que, seguindo [49], utilizaremos f (ε) = ε.
A partir daí, o processo é bastante análogo ao das equações TOV usuais, apenas
com a seguinte alteração, quando a equação de Einstein for aquela com índice µ = ν = 2:
s
2M (r) dPr
Pr → Pr − C f (ε) 1 − · . (4.10)
r dr
Com isso, obtemos o par de equações TOV para as C-stars:
dPr (ε + Pr ) (4πr3 Pr + M (r))
=−    , (4.11)
dr
q
r2 1 − 2Mr(r) 2r C f (ε) 1 − 2Mr(r) + 1
4.3. Deformação e anisotropia: uma comparação numérica 67

2.5
γ = 0.8 (2.17 MO•)
γ = 0.9 (1.88 MO•)
γ = 1.0 (1.64 MO•)
γ = 1.1 (1.44 MO•)
γ = 1.2 (1.27 MO•)
2

1.5
M/MO•

0.5

0
3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Req (km)

Figura 17 – Relações massa-raio para sequências com γ’s distintos.

dM (r)
= 4πr2 ε(r) . (4.12)
dr
Os diagramas das Figuras 18 e 19 são resultados numéricos obtidos diretamente
das equações TOV para as C-stars, no caso da equação de estado do modelo de sacola. É
notável que, para C → 0, os pontos de inflexão das curvas são mais acentuados. Algumas
características são interessantes de ser notadas, como o fato de as C-stars existirem por
uma vasta variedade de massas e serem, no geral, mais massivas e compactas que as estrelas
isotrópicas usuais. No mais, vemos que, apesar de Raposo et al. [49] utilizarem outra
equação de estado para resolver o problema das C-stars (utilizam uma EoS politrópica
de índice adiabático 2), qualitativamente o resultado gráfico obtido por eles é bastante
similar ao obtido por nós no presente trabalho.

4.3 Deformação e anisotropia: uma comparação numérica


Essa seção surge com o objetivo de relacionar ambos os formalismos. Imaginemos
que cada um dos formalismos, que possui seu próprio par de equações TOV, resulte em
um certo grupo de famílias de estrelas no diagrama massa-raio. A percepção aqui foi
conceber que, caso curvas específicas de famílias de estrelas se cruzem, significa que elas se
relacionam de certa forma. Tudo fica mais claro quando olhamos para a Figura 20. Por
óbvio, a família de estrelas com γ = 1 condiz com a família de C = 0. Porém, colocando
68 Capítulo 4. Anisotropias e deformações: as equações TOV modificadas

10
BN
C=0
C = 1013
C = 104
C = 106
C = 108
C = 10

1
M/MO•

0.1

1 10
R/MO•

Figura 18 – Diagrama massa-raio usual, variando-se o parâmetro C, para a EoS do modelo


1
de sacola p(ε) = 13 (ε − 4B). B 4 = 154.5 MeV.

certa deformação e anisotropia, permanece a coincidência de famílias, como é possível


perceber nas curvas azul, laranja e amarela da figura. Nesse sentido, é como se a estrela
deformada de acordo com o parâmetro γ = 0.83 coincidisse com a estrela anisotrópica
com índice de anisotropia indicado por C = 1000. Como não sabemos qual a causa da
deformação estelar, já que colocamos a deformação diretamente na métrica, podemos supor
que ela é causada, por exemplo, por uma anisotropia que conhecemos inclusive o valor.
Porém, é claro, sabemos que existem diversos outros fenômenos que podem causar a
deformação. Não obstante a isso, o êxito do procedimento permanece, já que se pode fazer
o mesmo cálculo e comparação para outros processos físicos possivelmente causadores de
deformação. Um exemplo claro: digamos que se modele a estrela com rotação. O parâmetro
físico utilizado para modelar a rotação pode ser então associado ao nível de deformação da
estrela através dessa mesma técnica. O mesmo vale para o campo magnético, para citar
outro caso análogo. Basta que se compare numericamente os parâmetros; sendo assim, fica
clara a utilidade da metodologia aqui elaborada.
4.3. Deformação e anisotropia: uma comparação numérica 69

0.5

0.4

0.3
M/R

0.2

0.1

0
1 10
R/MO•

Figura 19 – Diagrama massa-raio (M/R em função do raio), variando-se o parâmetro C,


1
para a EoS do modelo de sacola p(ε) = 31 (ε − 4B). B 4 = 154.5 MeV.

7
BN
γ = 1.00
γ = 0.83
6
γ = 0.49
γ = 0.22
C=0
3
5 C = 104
C = 105
C = 10
4
M/MO•

0
2 4 6 8 10 12 14 16 18
R (km)

Figura 20 – Relações massa-raio para sequências de estrelas de quarks, variando-se, sepa-


radamente, os valores de γ e de C.
71

5 Estrelas deformadas e a esfera de fótons

5.1 Trajetória da luz próximo a objetos compactos


Como já mencionado anteriormente, uma característica importante de objetos
astrofísicos muito compactos é a existência de uma esfera que define o lugar no espaço no
qual o seguinte fenômeno ocorre: um raio de luz se aproxima do objeto com parâmetro
de impacto b; tal raio então se curva, graças aos fenômenos relativísticos, e inicia uma
trajetória circular de raio bem definido; dizemos, portanto, que a esfera de fótons para
esse objeto é limitada por esse raio.

Figura 21 – Advindos da fonte (source), fótons com alto parâmetro de impacto são leve-
mente curvados (curva preta), e chegam ao observador (observer), enquanto
aqueles com pequeno parâmetro de impacto (curva azul) são absorvidos e
atingem o objeto. A curva vermelha corresponde a fótons que viajam uma
quantidade infinita de tempo ao redor do anel de luz antes de serem dispersos
ou absorvidos. Tais fótons críticos têm um parâmetro de impacto específico b.
A área sombreada em cinza é a esfera de fótons. A Figura se encontra em [8].

A Figura 21 demonstra bem essa característica. Todo raio de luz com parâmetro
de impacto menor ou igual ao dos fótons críticos acaba sendo “capturado” pelo objeto
compacto. Vê-se, portanto, que uma órbita assim é possível apenas nos casos em que o
objeto é compacto o suficiente para que o raio da esfera de fótons esteja no lado de fora
72 Capítulo 5. Estrelas deformadas e a esfera de fótons

dele; ou seja, objetos como buracos negros (onde a massa é concentrada em um ponto),
e estrelas ultracompactas, com compacidade suficiente para deslocar o raio da esfera de
fótons para fora do objeto.
Vamos agora calcular analiticamente a trajetória desses raios de luz, perspectivando
relacionar o raio da esfera de fótons com o parâmetro de impacto crítico associado ao
objeto. Lembrando que na relatividade geral partículas livres (como os fótons aqui) sempre
se movem ao longo de uma geodésica, começamos com a equação da geodésica, equação
3.13, a qual replicamos aqui:

d 2 xσ α
σ dx dx
β
+ Γ αβ =0. (5.1)
dτ 2 dτ dτ

Sendo assim, para α = 0, 1, 2 e 3, respectivamente, obtemos as seguintes expressões


(utilizando a métrica de Zubairi-Weber e denotando a derivada em relação ao tempo
próprio de uma função f como f˙):

∂φ
ẗ − 2 ṫṙ = 0 , (5.2)
∂r

2m 2m 2m 2m γ 2
γ −1 ! γ
∂φ −2φ 2 γ ∂m m
    
r̈−ṫ2
1− e +ṙ 1− − −θ̇2 r 1 − −ϕ̇2 r 1 − sin θ = 0 ,
r ∂r r r ∂r r r r
(5.3)

2
θ̈ + ṙθ̇ − ϕ̇2 sin θ cos θ = 0 , (5.4)
r

2
ϕ̈ + ṙϕ̇ + 2θ̇ϕ̇ cot θ = 0 . (5.5)
r

Estabelecendo θ = π2 (plano equatorial), temos que θ̇ = 0, e isso implica θ̇ = 0 pela


equação 5.4. Das equações 5.2 e 5.5, obtemos, respectivamente,

L
ṫ = Ee2φ , ϕ̇ = ,
r2
que estão associadas, nessa ordem, às conservações de momentum angular e de energia.
Enquanto isso, da equação 5.3, obtemos, após algumas manipulações, e depois de introduzir
a variável u ≡ 1r :

2m 2m
−γ −γ
L2
 
E 2
1− − 1− ṙ2 − =1 ⇒
r r r2

!2
du
2
E −L 2
− L2 u2 (1 − 2mu)γ = (1 − 2mu)γ . (5.6)

5.1. Trajetória da luz próximo a objetos compactos 73

É necessário pausar o andamento do raciocínio para explicar brevemente por que


 γ
de início já fizemos a substituição e−2φ = 1 − 2m
r
. Ocorre que, fora da estrela, temos
Rµν = 0. Calculando R00 e R11 e somando-os, obtemos:

2m
−1 !
∂φ γ ∂m m

− 1− − =0.
∂r r r ∂r r

Considerando que, fora da estrela, m = M e ∂m∂r


= 0, sendo rs ≡ 2M , obtemos, após
integração:
rs rs γ
   
−2φ = γ ln 1 − ⇒ e−2φ = 1 − .
r r
Retomando o raciocínio, é preciso fazer algumas considerações. Levando em conta
que, em uma trajetória de sinal de luz, m → 0 e dτ → 0, temos que E → ∞ e L → ∞,
porém mantendo-se LE constante e finito. Chamaremos o quadrado do inverso dessa
expressão de b, que fará a função do parâmetro de impacto do sinal de luz. Desenvolvendo
a equação 5.6, obtemos:
!2
1 du
2
− − u2 (1 − rs u)γ = 0 . (5.7)
b dϕ

Especialmente na maior aproximação, temos que dϕ du


= 0. Daí, obtemos duas relações que
resolvem nosso problema:
1
= u20 (1 − rs u0 )γ , (5.8)
b2
Z u0
du
∆ϕ = 2 q . (5.9)
0 1
b2
− u2 (1 − rs u)γ

A interpretação da equação 5.9 se dá da seguinte forma: à medida que ∆ϕ se


aproxima de π, significa que o parâmetro de impacto vai à infinito, já que, nesse caso,
o raio de luz não muda de direção (variação de direção de 180 graus) – isso pode ser
percebido ao conferir novamente a Figura 21; por outro lado, levar ∆ϕ à infinito significa
dizer que a direção muda infinitamente, ou seja, o raio de luz dá infinitas voltas em torno
do objeto. Ora, essa segunda conformação nada mais é do que o caso em que o parâmetro
de impacto se torna crítico, determinando assim a esfera de fótons do objeto, bem como
explanado no início da seção. Logo, a Figura 22, que resolve numericamente a integral
5.9, estabelece os parâmetros de impacto críticos para três estrelas com três deformações
distintas, em função do raio de Schwarzschild rs (ou seja, da massa, já que rs = 2M )
desses objetos.
Portanto, se b → bcrit (o parâmetro de impacto crítico explicado anteriormente),
r(bcrit ) definirá a fotosfera do objeto. Pela Figura 22, temos, para três estrelas possíveis
(com deformação nula, pequena deformação, e grande deformação, respectivamente), os
seguintes resultados:
74 Capítulo 5. Estrelas deformadas e a esfera de fótons

9
γ = 1.00
γ = 0.83
8 γ = 0.49

6
∆ϕ - π (radianos)

0
1.5 2 2.5 3 3.5 4 4.5 5 5.5
b/rs

Figura 22 – Ângulo de curvatura do raio de luz ∆ϕ − π em função do parâmetro de


impacto b para três diferentes valores de γ, representando aqui a deformação
da estrela.


bcrit
γ=1→ ≈ 2.598, (5.10)
rs
o que nos dá, de acordo com a equação 5.8 (lembrando que u0 = 1
r0
), r0 = 1.5 rs
como raio da fotosfera.


bcrit
γ = 0.83 → ≈ 2.354, (5.11)
rs
o que nos dá r0 = 1.415 rs como raio da fotosfera.


bcrit
γ = 0.49 → ≈ 1.854, (5.12)
rs
o que nos dá r0 = 1.245 rs como raio da fotosfera.

Até agora, efetuamos o que havíamos proposto: encontrar uma relação entre o
parâmetro de impacto crítico bcrit e o raio r0 da esfera de fótons. Na próxima seção, veremos
como esse resultado irá nos ajudar a identificar um interessante fenômeno associado a
estrelas deformadas e suas esferas de fótons.
5.2. Esfera de fótons em estrelas deformadas 75

Figura 23 – Diagrama Raio-Massa para uma estrela deformada com γ = 0.83.

5.2 Esfera de fótons em estrelas deformadas


Introduzindo a seção, vale a pena reorganizar as unidades. É conhecido que rs =
2.953242 M̄ km, onde M̄ representa a massa do objeto em unidades de massas solares.
Das equações 5.11 e 5.12, obtemos:

r0 = 4.179 M̄ , (5.13)

r0 = 3.677 M̄ . (5.14)

Logo, devemos buscar analisar as intersecções entre os diagramas Massa-Raio de cada uma
das estrelas deformadas (ou Raio-Massa, para melhor visualização) e as suas respectivas
retas: 5.13 e 5.14.
Mais precisamente, o procedimento é o seguinte: como a estrela que estamos
estudando é deformada, ela possui não apenas um, mas dois raios – o equatorial Req e o
polar Rp . Já a esfera de fótons possui apenas um raio, r0 . Sendo assim, há a possibilidade
de que, em parte da estrela, o raio da esfera de fótons seja maior que o “raio” do objeto
(que varia de Req até Rp ou vice versa), levando a esfera de fótons a ser externa nesse
seguimento angular, enquanto que em outra parte da estrela r0 pode ser menor que o raio
estelar a partir de um determinado ângulo zenital, fazendo com que a esfera de fótons
internalize a partir dali. Isso tudo fica muito claro tanto nos gráficos das Figuras 23 e 24
76 Capítulo 5. Estrelas deformadas e a esfera de fótons

Figura 24 – Diagrama Raio-Massa para uma estrela deformada com γ = 0.49.

quanto nas representações dos objetos estelares deformados e suas esferas de fótons nas
Figuras 25 e 26. Fica evidente nas figuras como o aumento da deformação possibilita o
aumento da percepção visual do fenômeno.
Vale destacar que esse é um fenômeno que não foi ainda detectado ou mesmo
proposto teoricamente. Um possível argumento que poderia ser trazido em oposição à
existência desse fenômeno é a de que a esfera de fótons poderia também ser deformada,
conjuntamente com o objeto estelar. No entanto, a hipótese que seguimos no presente
trabalho é a de que apenas o objeto se deforma, mantendo-se a esfera de fótons sem
alteração. Essa hipótese baseia-se no estudo já mencionado de Zubairi e Weber [79]. Nesse
capítulo, mais especificamente na Seção 5, “Fully Self-Consistent Models of Non-Spherical
Compact Objects”, os autores argumentam que se pode dividir o gradiente de pressão
interna da estrela em duas direções: uma perpendicular e uma paralela ao raio. Isso significa,
na prática, e com utilidade para nosso trabalho, que é possível considerar a deformação
apenas como resultado de uma anisotropia, mantendo-se sem alteração, por exemplo, a
esfera de fótons. Essa é a possibilidade que consideramos e a hipótese a qual decidimos
explorar, não sendo, de fato, a única viável. No mais, destacamos que esse importante
fenômeno pode vir a ser descoberto observacionalmente em um futuro próximo, dada a
rápida evolução tecnológica no campo da astronomia observacional, como já exposto no
Capítulo 2.
5.2. Esfera de fótons em estrelas deformadas 77

Figura 25 – Estrela deformada com γ = 0.83, utilizando a EoS do modelo de sacola. M =


2.39 M , Req = 11.7 km, Rp = 9.7 km e r0 = 10.0 km.

Figura 26 – Estrela deformada com γ = 0.49, utilizando a EoS do modelo de sacola. M =


2.90 M , Req = 14.0 km, Rp = 6.9 km e r0 = 10.7 km.
79

6 Conclusões

Usualmente 2.16 M é considerado o limite superior para a massa de estrelas de


nêutrons, sendo que objetos com massas entre esse valor e 5 M poderiam ser estrelas
de nêutrons bastante massivas ou buracos negros pouco interagentes. Nesse trabalho,
buscou-se efetuar uma investigação dessas possíveis estrelas de nêutrons, as chamadas
estrelas ultracompactas.
É fato que estrelas de nêutrons geralmente apresentam campos magnéticos bastante
intensos e rotações bem altas. Algumas giram tão rápido que podem atingir períodos de
milissegundos. Outras atingem bilhões de Teslas em seus campos magnéticos, como SGR’s
AXP’s. Logo, foi necessário analisar como seria possível modelar estrelas de nêutrons
com campos magnéticos muito intensos ou densidade muito elevada, e constatou-se três
possibilidades principais: através de geometrias deformadas, anisotropias no tensor energia-
momentum, ou EoS ’s em condições extremas.
Empregando as equações de Tolman-Oppenheimer-Volkoff modificadas, a defor-
mação das estrelas pôde ser investigada. Além disso, levar em conta anisotropia foi um
passo importante, dada a quantidade de efeitos físicos presentes nas estrelas de nêutrons
que contribuem para torná-las anisotrópicas. Nesse sentido, além de termos conseguido
obter resultados analíticos e numéricos já conhecidos, foi possível alcançar resultados
interessantes e originais, como quando, no Capítulo 4, pôde-se comparar numericamente
efeitos de deformação com efeitos da anisotropia, mesmo estes tendo sido alcançados por
caminhos completamente diferentes.
Ademais, como vimos acima, surge um fenômeno físico bastante peculiar, também
original e bastante promissor, ao analisar estrelas de nêutrons deformadas e a consequência
dessa deformação em suas esferas de fótons. Sendo estrelas de compacidade intermediá-
ria entre buracos negros e estrelas da sequência principal, estrelas ultracompactas são
candidatas importantes para exibir tal fenômeno. Elas podem atingir níveis incomuns de
compacidade, possibilitando que uma esfera de fótons apareça do lado de fora da estrela.
O presente trabalho investigou analítica e numericamente a possibilidade da manifestação
desse novo fenômeno, em que a deformação da estrela permite que a fotosfera se manifeste
interna e externamente, de maneira simultânea.
Isto posto, fica claro que muito mais poderia e pode ainda ser desenvolvido nesse
campo em específico. Exemplos são vários: adicionar o campo magnético, tanto diretamente
na métrica, quanto nas equações de estado; considerar a contribuição da rotação da estrela,
que nunca é desprezível; investigar a fundo outras características que distinguem as
estrelas ultracompactas de buracos negros; etc. Como anteriormente mencionado, a própria
80 Capítulo 6. Conclusões

utilização de uma EoS realista poderia servir como o próximo passo de investigação.
Esperamos, contudo, que o presente trabalho tenha sido capaz de contribuir, mesmo que
minimamente, para que pesquisadoras e pesquisadores futuros da área possam avançar no
estudo de estrelas ultracompactas, tanto observacionalmente quanto no plano teórico e em
ambos conjuntamente.
81

Referências

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Apêndices
89

APÊNDICE A – Cálculo da EoS associada


ao modelo de sacola

Partimos da definição do Grande Potencial:


1 X∞
" #
Φ(T, V, µ) = −T ln (Ξ) , com Ξ = exp − nk (k − µ)
X

{nk }
T k=1

TV Z ∞ h 1
i
⇒ Φ(T, V, µ) = − 2 ln 1 + e− T (E(k)−µ) k 2 dk .
2π 0
Consideramos resultados conhecidos da Termodinâmica, com o objetivo de calcular
a pressão p, a densidade de matéria ρ e a densidade de energia ε:
! !
∂Φ ∂Φ
dΦ = −pdV − SdT − N dµ → p = − , N =− .
∂V µ,T
∂µ V,T

 
Aqui, n(k, µf ) = 1
1 (E(k)−µ )
f
representa a distribuição de Fermi-Dirac:
eT +1

1 γf Z ∞ ∂E
 
p = −B + [n(k, µf ) + n(k, −µf )] k 2 dk .
X
k
f 3 2π 2 0 ∂k
 
Sendo ρ = N
V
, U = Φ + ST + µN e ε = ∂U
∂V
, obtemos:
µ,T

X γf Z ∞

ρ= [n(k, µf ) − n(k, −µf )] k 2 dk ,
f 2π 2 0
X γf Z ∞

ε=B+ E(k) [n(k, µf ) + n(k, −µf )] k 2 dk .
f 2π 2 0

Por fim, calculando o limT →0 e resolvendo as integrais acima, temos:

X kf3
ρ= ,
f π2
1 3 3 µf + kf
X "   !#
p = −B + µf kf µ2f − m2f + m4f ln ,
f 4π 2 2 2 mf
3 1 1 µf + kf
X "   !#
ε=B+ µf kf µ2f + m2f − m4f ln .
f 4π 2 2 2 mf

Considerando mf → 0, obtemos, consequentemente:


1
p(ε) = (ε − 4B) ,
3
que é a equação de estado associada ao modelo de sacola, como desejávamos.
91

APÊNDICE B – Expressões explícitas úteis


para obtenção das equações TOV

Símbolos de Christoffel não-nulos:


∂ν
Γ001 = Γ010 = ,
∂r
∂ν 2(ν−λ)
Γ100 = e ,
∂r
∂λ
Γ111 = ,
∂r
Γ122 = −re−2λ ,

Γ133 − re−2λ sin2 θ ,


1
Γ212 = Γ221 = Γ313 = Γ331 = ,
r
Γ233 = − sin θ cos θ ,

Γ323 = Γ332 = cot θ .

Componentes não-nulas do tensor de Ricci:


 !2 
∂ν ∂λ ∂ 2 ν ∂ν 2 ∂ν  2(ν−λ)
R00 = − 2 − − e ,
∂r ∂r ∂r ∂r r ∂r
!2
∂ν ∂ 2 ν ∂ν ∂λ 2 ∂λ
R11 = + − − ,
∂r ∂r2 ∂r ∂r r ∂r
!
  ∂ν ∂λ
R22 = e −2λ
− 1 + re −2λ
− ,
∂r ∂r
R33 = R22 sin2 θ .

Escalar de Ricci:
 !2 !
2 ∂ 2 ν ∂ν ∂λ ∂ν 1 2 ∂ν ∂λ  −2λ
R = 2 − 2 2 − + + 2+ − e .
r ∂r ∂r ∂r ∂r r r ∂r ∂r

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