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Estudo de Estrelas Ultracompactas Deformadas Na Relatividade Geral
Estudo de Estrelas Ultracompactas Deformadas Na Relatividade Geral
Brasil
2022
Luan Costa da Costa
Brasil
2022
Luan Costa da Costa
Estudo de Estrelas Ultracompactas Deformadas na Relatividade Geral/ Luan Costa
da Costa. – Brasil, 2022-
91p. : il. (algumas color.) ; 30 cm.
Brasil
2022
Agradecimentos
Estou bastante contente de estar finalizando esta etapa em minha vida acadêmica.
Porém, o caminho trilhado foi longe de ser um caminho solitário.
Gostaria de começar agradecendo à minha companheira de vida Nathália que,
presenciando diariamente os momentos bons e ruins dessa caminhada, estava também
diariamente incentivando-me a prosseguir, e me dando todo suporte possível para isso.
Agradeço aos meus pais, Lúcia e Rogério, pelo apoio, contínuo e irrestrito, durante todos
esses anos de educação superior. Também agradeço ao restante da família que me encorajou
ao longo desse processo.
Aos professores, gostaria de fazer um agradecimento especial. Desde as motivadoras
aulas do Prof. Emerson Luna, passando pela iniciação científica com o Prof. Fernando
Haas, e incluindo docentes de fora da UFRGS, como o Prof. Riccardo Belvedere, tive
grandes professores que me estimularam a progredir. Por causa da influência deste último,
juntamente com a da pesquisadora Rosana de Oliveira Gomes, meu interesse por estrelas
de nêutrons floresceu enormemente. Já na graduação, tive contato com o Prof. Dimiter
Hadjimichef, o qual veio a se tornar meu orientador de mestrado, e pelo qual nutro
grande admiração, tanto por seu trabalho como professor, quanto pelo seu trabalho como
pesquisador, assim como por sua pessoa. Agradeço especialmente ao Dimiter pela paciência
e compreensão sempre demonstradas por ele, algo que foi bastante significativo para mim
durante esse processo, e que possibilitou que eu esteja agora finalizando-o. Não poderia
faltar o agradecimento ao meu coorientador, o Prof. Kepler de Souza Oliveira Filho, pelas
sugestões e críticas sempre bem-vindas que ajudaram a melhorar o trabalho.
Além disso, preciso agradecer, e muito, à minha psicóloga Marília. Juntamente com
minha psiquiatra Mariana, o auxílio dela foi fundamental para que minha saúde mental
não fosse completamente abalada durante esse difícil período de pandemia global.
Não poderia finalizar sem fazer um agradecimento especial às minhas e aos meus
camaradas da União da Juventude Comunista e do restante do complexo, pela amizade,
encorajamento, e compreensão que sempre demonstraram em relação a mim nesses últimos
anos. Gostaria também de deixar registrado o agradecimento à grande cientista e militante
Alexandra Elbakyan, que tanto me inspira, e dizer que ela e seu trabalho de luta pela
democratização da ciência foram fundamentais para que a presente dissertação pudesse ser
concluída da forma como foi. Por fim, agradeço de maneira geral às físicas e aos físicos da
história. Mesmo sendo um tanto clichê, cito aqui a famosa frase de Isaac Newton, quando
diz que, se viu “mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”. Creio valer a pena
destacar essa frase, pois Newton estava correto: não se produz ciência sozinho. Cada vez
mais é necessário coletivizar o trabalho das e dos cientistas, pois a produção científica é,
em si, um fenômeno social, assim como é histórico.
“Não existe uma estrada real para a ciência, e somente aqueles que não temem a fadiga de
galgar suas trilhas escarpadas têm chance de atingir seus cumes luminosos.” - Karl Marx
Resumo
O objetivo do presente trabalho é investigar as chamadas estrelas ultracompactas. Esse
estudo é feito levando em conta influências tanto na métrica quanto na estrutura da
matéria, através de geometrias deformadas, anisotropias no tensor de energia-momentum,
e equações de estado adequadas. Essas características são necessárias pois estrelas ul-
tracompactas quase certamente exibirão, além de uma densidade muito alta, campos
magnéticos intensos, e alta rotação. Dessa forma, as estrelas são estudadas usando mode-
los não-esféricos. Assim, através do emprego de equações TOV modificadas e equações
de estado selecionadas, resultados significativos são obtidos. Panoramas interessantes e
originais – como a comparação analítica e numérica entre a anisotropia e a deformação nas
estrelas – foram esboçados. Ademais, são amplamente conhecidos os efeitos consideráveis
da deformação em estrelas compactas, especialmente estrelas de nêutrons. Como estrelas
ultracompactas podem atingir níveis incomuns de compacidade, é possível que uma esfera
de fótons apareça fora dessas estrelas. O presente trabalho investiga a possibilidade da
manifestação de um novo fenômeno, no qual a deformação da estrela permite que a esfera
de fótons se manifeste interna e externamente, de maneira simultânea.
Keywords: Neutron Stars. General relativity. Ultracompact stars. Deformed stars. Sphere
of photons.
Lista de ilustrações
Figura 6 – Massas conhecidas de algumas estrelas de nêutrons; dados de até 2016 [1]. 44
1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2 ESTRELAS DE NÊUTRONS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2.1 Formação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.2 Estrutura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2.2.1 Constituição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2.2.2 Equações de estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
2.3 Observações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.4 Estrelas ultracompactas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
3 EQUAÇÕES TOV . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
3.1 Teoria da relatividade geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
3.2 Equilíbrio hidrostático em estrelas de nêutrons . . . . . . . . . . . . . 56
3.3 Algumas soluções numéricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
6 CONCLUSÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
APÊNDICES 87
1 Introdução
[13]. No final do ano seguinte, os astrônomos Walter Baade e Fritz Zwicky afirmaram
a existência de tais objetos: “avançamos na visão de que uma supernova representa a
transição de uma estrela comum em uma estrela de nêutrons, consistindo principalmente
de nêutrons. Essa estrela pode ter um raio muito pequeno e uma densidade extremamente
alta” [14]. Já em 1939, estudando a estrutura de objetos simetricamente esféricos, Tolman
[15], e em seguida Oppenheimer e Volkoff [16], desenvolveram, levando em consideração a
relatividade geral, um par de equações matemáticas para descrever o equilíbrio hidrostático
nas estrelas de nêutrons. Essas equações ficaram conhecidas como equações TOV, e servem
para determinar a estrutura das estrelas, desde que acompanhadas de uma equação de
estado suplementar. Uma investigação teórica importante que se utilizou desses resultados
para obter um limite máximo de massa para estrelas de nêutrons foi apresentada em 1974
por Rhoades e Ruffini [17]. Independentemente da equação de estado, os autores chegam
em um valor de 3,2 M para esse limite (outros estudos nesse sentido também foram
efetuados nessa época [18, 19]). É importante destacar também os trabalhos de Harrison,
Wakano e Wheeler acerca da composição nuclear da estrela como sendo de nêutrons,
prótons e elétrons em equilíbrio beta [20], assim como a investigação de Cameron [21], que
enfatiza a importância de interações fortes no aumento da massa limite da estrela para
corresponder às observações.
Já observacionalmente, os primeiros resultados vieram apenas em 1968. Foi pu-
blicado, naquele ano, um artigo de Hewish, Bell, Pilkington, Scott e Collins expondo a
descoberta do primeiro pulsar [22] (pulsating radio source, ou fonte de rádio pulsante),
objeto astronômico que foi associado, em seguida, a uma estrela de nêutrons em rotação.
Jocelyn Bell Burnell foi a astrônoma responsável por identificar e catalogar pulsos de uma
fonte periódica persistente, com um período de aproximadamente 1,4 segundos. Ainda
antes dos anos 70, o Pulsar do Caranguejo (Crab Nebula Pulsar) foi descoberto por Staelin
e Reifenstein [23]. Sobre essas descobertas, na época, T. Gold afirmou: “a regularidade
de frequência nos pulsares recentemente descobertos pode ser explicada pela rotação de
uma estrela de nêutrons (...) Nenhum outro objeto astronômico possuiria periodicidades
tão curtas e precisas quanto as observadas” [24]. F. Pacini foi o primeiro a modelar o
que chamou de oblique rotator model, no qual a explicação para a observação pulsante da
estrela se evidencia na emissão de energia gerada pela incoincidência dos eixos magnético
e de rotação do objeto [25].
Agora, faremos uma análise mais extensiva acerca do conceito de estrela ultra-
compacta. De início, vale citar a importante contribuição de Buchdahl [26] que, em 1959,
estabeleceu um limite máximo para a compacidade de estrelas sem rotação (de 49 ) — limite
esse que ficou conhecido como limite de Buchdahl. Já a ideia de um objeto ultracompacto
surgiu, conceitualmente, pela primeira vez em 1985, no trabalho de Iyer, Vishveshwara e
Dhurandhar [27] (apesar de Vishveshwara, juntamente com Kembhavi, já terem estudado
aprisionamento de neutrinos em objetos com características similares anteriormente [28]).
21
Eles definem esse tipo de objeto como o que possui configurações em que sua razão
raio-massa — ou seja, o inverso de sua compacidade, às vezes definida como a tenuidade do
objeto – satisfaz a inequação 2 < MR
< 3. Nessa linha, foi demonstrada a possibilidade de
existência desse tipo de objeto, com estabilidade e satisfazendo a restrição de causalidade.
Também considerando estrelas nessa faixa de compacidade, Chandrasekhar e Ferrari
efetuam uma investigação acerca dos modos de oscilação (concentrando-se nos modos
axiais) possíveis para esses objetos [29], concluindo que, embora pensassem ser difícil
encontrar uma estrela de nêutrons tão compacta para que manifestasse espalhamentos de
ressonância, a própria existência desses modos de oscilação seria um exemplo de interesse de
dinâmicas na estrutura da relatividade geral. Um estudo mais extensivo acerca dos modos
de oscilações de objetos ultracompactos é realizado por Anderson, Kojima e Kokkotas [30],
onde são consideradas estrelas na faixa 94 < M R
< 100 e é estabelecido que ambos modos
de oscilação, tanto o axial quanto o polar, são possíveis para esses modelos estelares. Mais
pesquisas ao longo dos anos foram sendo efetuadas nesse campo [31, 32]. Rosquist, em
suas investigações, sugere inclusive uma definição alternativa para estrelas ultracompactas,
o que é incorporado por alguns autores [33]. O argumento é de que a definição usual não
capturaria “o que pode ser considerado a essência dos corpos ultracompactos, ou seja, sua
capacidade de servir como uma armadilha gravitacional para matéria relativística, como
neutrinos, ondas eletromagnéticas ou ondas gravitacionais”. Importante nesse contexto foi
também o trabalho de Abramowicz et al., no qual é mostrado que o aprisionamento de
ondas gravitacionais pode ser convenientemente visualizado através do estudo da geometria
óptica dos modelos [34], implicando a existência de um pronunciado “pescoço” (neck) na
estrela, nos casos em que o aprisionamento de ondas existe.
Já Nemiroff, Becker e Wood, no artigo “Propriedades de Estrelas Ultracompactas”
(Properties of Ultracompact Neutron Stars), analisam diversas propriedades de estrelas de
nêutrons ultracompactas [35], como, por exemplo, o lenteamento gravitacional da superfície
do objeto e também a existência de uma nuvem de neutrinos em volta dela. Eles se utilizam,
ademais, do fato de a compacidade ser grande suficiente para afirmar a existência de uma
esfera de fótons — uma esfera na qual órbitas circulares de fótons são permitidas -– ao
redor da estrela, propriedade essa que é característica dos buracos negros. Nemiroff, em
trabalho consecutivo, ainda analisa o importante efeito da distorção visual causada por
uma estrela ultracompacta e percebida por um viajante observador, e compara esse efeito
com o causado por estrelas de nêutrons usuais, assim como por buracos negros [36]. Dentre
os conceitos examinados está justamente a esfera de fótons e como ela apareceria para o
observador, e há a inclusão de ilustrações e animações dos fenômenos.
Nesse momento, investigações teóricas que permitiram estudar objetos com massas
maiores que 3 M — através da implementação de equações de estado alternativas [37] —
foram efetuadas, possibilitando um relativo crescimento do interesse e da consideração
22 Capítulo 1. Introdução
2 Estrelas de nêutrons
Já sabemos o quão singulares são esses corpos celestes que chamamos de estrelas
de nêutrons, sendo o fato de possuírem intensos campos magnéticos, altas rotações,
grandes densidades, e agudas anisotropias, levando a física ao extremo, a maior expressão
disso. Resta agora descrever como são formados e evoluem, esclarecer minimamente suas
estruturas, e ver como as observações tiveram – e continuam tendo – papel fundamental
em conformar o que entendemos hoje como um dos objetos astrofísicos mais compactos
que existem.
Para introduzir o capítulo, vale a pena discorrer rapidamente sobre a importância
de cada um desses fatores e como se inter-relacionam no estudo das estrelas de nêutrons.
Como forma interativa de fazê-lo, a Figura 1 serve como um ótimo recurso – além, é claro,
de ser útil para situar nossa pesquisa dentro do estágio atual de desenvolvimento científico
do tema.
2.1 Formação
É conhecido que estrelas de nêutrons são a etapa final da vida de estrelas de sequên-
cia principal. Porém, essas próprias estrelas evoluem de uma etapa anterior. Sua formação
ocorre em regiões interestelares de nuvens de gás e poeira, sendo essas nuvens difusas,
esparsas e desuniformes. Uma associação de diversos fatores envolvendo as características
físicas dessas nuvens faz com que, em certo momento, uma perturbação externa suscite
uma instabilidade na nuvem. Isso implica um colapso de determinado fragmento de gás
2.1. Formação 29
2.2 Estrutura
Formada a estrela de nêutrons, ela rapidamente passa pelo processo de estabilização,
encaminhando-se em direção ao estado energético mais favorável para o sistema. Diversas
reações ocorrem até que a estrela alcance o estado degenerado, no qual não são permitidas
mais reações. Após todo o calor interno ter sido liberado, resulta disso uma estrela com
matéria eletricamente neutra em seu estado fundamental. Nesse ponto, sua composição
hadrônica e fermiônica é estabilizada. Algumas leis físicas, devem, a partir de então, ser
seguidas, como a conservação do potencial químico e a conservação de carga. Quanto a
sua composição, efetivamente a imposição da conservação de carga permitiria que a estrela
fosse composta apenas de nêutrons. Porém, apesar do nome, nenhuma estrela de nêutrons
possui apenas essas partículas, já que esse estado do sistema não configuraria o estado
fundamental, de mais baixa energia. Nêutrons decaem em prótons e elétrons via decaimento
beta (em busca do equilíbrio químico entre as partículas), e outras reações se seguem,
a depender da profundidade – e quanto mais profundo, mais denso – do objeto. É fato
então que há uma diversidade de composições e disposições possíveis para a estrela – desde
átomos, passando por variadas espécies de bárions, até quarks. Como já mencionamos no
debate acerca da Figura 1, diferentes sequências de estrelas correspondem a diferentes
EoS ’s que, por sua vez, correspondem justamente a diferentes composições. Nessa seção,
buscaremos explorar de maneira breve de que e em qual disposição são constituídos
nossos objetos de estudo, assim como apresentar o debate geral sobre equações de estado,
juntamente com uma EoS de interesse particular.
2.2.1 Constituição
É esperado que uma estrela de nêutrons exiba várias fases de matéria densa e
fortemente interagente; logo, uma boa maneira de expor a constituição desse objeto (forma
também consistente com a física do objeto) é dividindo-o em camadas, que é o que faremos
aqui – vide Figura 2. Tratamos aqui do caso mais simples, onde não há nem campos
magnéticos muito intensos nem acreção de matéria de uma estrela companheira que
32 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons
possibilitem modificações notáveis na composição estelar (para uma análise desses dois
casos e uma exposição em mais detalhes, ver contribuição de David Blaschke and Nicolas
Chamel, no Capítulo 7 de [2]).
Figura 2 – Representação esquemática do modo como se estrutura (de maneira geral) uma
estrela de nêutrons [2]. As principais partículas constituintes são mostradas,
assim como tamanhos e densidades aproximadas. Aqui, ρdrip representa a
densidade de gotejamento de nêutrons e ρ0 a densidade de saturação nuclear.
H simboliza hidrogênio, N núcleos em geral, enquanto que n, p e e− simbolizam
nêutrons, prótons e elétrons, respectivamente.
uma consistindo de cristais de uma única espécie. Nos modelos, cada camada é descrita
através de dois componentes: um cristal de núcleos pontuais; e um fundo uniforme de
elétrons que neutralizam o cristal. Como vimos, a parte mais exterior da crosta externa
pode ser comparada com experimentos terrestres, ao contrário de quando adentramos
mais a fundo no objeto. Além do já citado ferro, supõe-se a existência de isótopos de
níquel, criptônio, selênio e zinco. Porém, a composição exata é menos conhecida devido
à falta de dados experimentais diretos. O que se sabe por certo é que, à medida que a
profundidade aumenta, uma diversidade de processos nucleares resulta em um progressivo
enriquecimento de nêutrons nos núcleos. Essa neutronização eventualmente ocasiona a
chamada transição de gotejamento de nêutrons (neutron-drip transition), na qual nêutrons
se começam a se desvincular dos núcleos de origem. Utilizando-se de modelos microscópicos
de massa nuclear, considera-se a densidade da transição de gotejamento de nêutrons ρdrip
como estando na faixa de ∼ 4, 2 − 4, 5 × 1011 g/cm3 . Essa transição marca justamente o
limite entre a crosta externa e a crosta interna da estrela de nêutrons [2].
Já na crosta interna, com o ambiente extremo, estabelecido principalmente pelo
altíssimo campo gravitacional existente, impõe-se a exigência da implementação de modelos
teóricos. Nesse caso, devem ser levado em conta dois componentes principais, e inseparáveis:
uma rede de aglomerados nucleares ricos em nêutrons somada à presença de um líquido
neutrônico em seu envolto. Processos de emissão de nêutrons, que levariam à desintegração
dessa rede de aglomerados, são proibidos devido à natureza fermiônica dessa partícula:
o líquido neutrônico já ocupa todos os estados permitidos pelo princípio de exclusão de
Pauli. Uma característica importante desse líquido é que, logo após o esfriamento pós-
formação estelar, ele tende a se tornar superfluido, demonstrando as mesmas características
de elétrons em um supercondutor convencional (pareamento de Cooper, etc.). Apesar
da necessidade de serem desenvolvidos modelos teóricos consistentes, as dificuldades,
devido a toda a complexidade exposta acima, são substanciais. Nesse sentido, abordagens
fenomenológicas acabam sendo as mais utilizadas para a descrição do sistema (ver [2],
Subseção 7.5.1, para uma recente e detalhada exposição dessas abordagens). À medida
que a profundidade aumenta, nas regiões mais densas da crosta interna, é esperado que a
heterogeneidade da região também aumente, com os tamanhos dos aglomerados começando
a divergir muito entre si, resultando na necessidade do abandonamento de modelos nucleares
aproximativos por média. Em tal densidade, espera-se uma dissolução completa da crosta
em uma mistura de núcleos e elétrons, com o desvinculamento dos prótons de seus núcleos.
Esse processo, que se caractezaria como uma transição entre a crosta e o núcleo da estrela,
ocorre entre 13 e 12 da densidade de saturação nuclear ρ0 . Do ponto de vista termodinâmico,
não se espera qualquer descontinuidade. Com o aumento da referida heterogeneidade,
conjectura-se também a possibilidade da existência, nas camadas mais densas da crosta,
de uma diversidade de configurações exóticas conhecidas genericamente como “massas
nucleares” (nuclear pastas) – nomeado dessa forma pela diversidade de formatos que os
34 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons
núcleos tomariam, não permanecendo esféricos como nas camadas superiores. Caso existam,
essas massas comportariam-se como cristais líquidos, formando um manto líquido abaixo
da crosta. O tratamento teórico mais utilizado em relação a essas massas realiza-se através
de modelos de gota de líquido compressível (compressible liquid drop models), que também
é utilizado para partes menos densas da crosta. Outras abordagens incluem cálculos de
dinâmica molecular e pela técnica análoga nuclear do modelo de Ising [2].
Chegamos então no núcleo da estrela de nêutrons – camada que contém aproxi-
madamente 99% da massa total do objeto. Aqui, as abordagens são mais variadas ainda,
e envolvem a física nuclear, considerando as interações entre as partículas presentes no
sistema, e as propriedades observáveis de matéria nuclear – basicamente baseadas em
teorias de campos efetivas. Sem nos aprofundarmos nessas abordagens, já que fogem ao
escopo do presente trabalho, vale a pena descrever brevemente a situação física existente
nessa camada da estrela. É sabido que, numa faixa de densidades de duas a três vezes
a densidade de saturação nuclear ρ0 , é ultrapassado o que podemos chamar de limiar
de híperons (hyperon threshold), tendo como consequência o abrandamento (softening)
da EoS, resultando na diminuição da massa máxima de uma estrela de nêutrons. Uma
das soluções para esse problema (é um problema pois não consegue explicar os diversos
resultados observacionais de estrelas de nêutrons massivas) é a consideração da repulsão
entre partículas, o que implica o enrijecimento (stiffening) da EoS. Espera-se também
que isóbaros de bárion ∆ existam e procedam de forma similar aos híperons, partículas
que, assim como os recentemente estudados dibárions d*(2380), podem manifestar um
papel importante dentro dos núcleos de estrelas de nêutrons. Em relação à transição
hádron-quarks, que ocorre no núcleo estelar, um modelo poderia ser construído em cima
das relações entre pressão e potenciais químicos de ambos – assim como no tratamento
entre núcleons e léptons mencionado no início da subseção. Nesse sentido, a EoS se
estruturaria em cima da hipótese de encontrar um valor crítico de potencial químico
dada a condição de pressões iguais presente em uma transição – valor esse que definiria o
equilíbrio mecânico no sistema. Outra forma seria modificar esse modelo simples, utilizando
a pressão como uma função crescente (ou seja, não mais constante) da densidade bariônica,
o que se adequaria melhor à real situação física de interesse. Modelos até mais complexos
vêm sendo estudados, como o método da interpolação entre as fases. De todo modo, é
imperativo afirmar a influência dessa fase mista na estrutura desses objetos compactos. A
descrição física adequada é, de fato, complicada. Não obstante a isso, simplificadamente
poderíamos tratar hádrons como sacolas esféricas de quarks que, a densidades suficientes,
fundiriam-se, anulando a individualidade dos hádrons e resultando em uma grande sacola
de matéria de quarks. Tanto o efeito de troca de quarks entre hádrons quanto a simples
ideia de fundir as sacolas podem ser vistos, nesse sentido, precursores do desconfinamento
de quarks – importante característica desse estado da matéria. Essa descrição das sacolas
de quarks será utilizada na próxima subseção, onde apresentaremos a equação de estado do
2.2. Estrutura 35
modelo de sacola do MIT. Com efeito, admitimos que tal abordagem tem suas limitações.
Nesse sentido, um tratamento mais preciso poderia ser realizado utilizando-se de modelos
baseados na teoria quântica de campos efetiva em seu tratamento não perturbativo. Dessa
forma, fenômenos coletivos como a formação de estados ligados hadrônicos, a quebra de
simetria quiral dinâmica, e a supercondutividade de cor poderiam ser levados em conta. O
modelo de sacola do MIT não é, de fato, um modelo derivado da cromodinâmica quântica
(QCD); apesar disso, considera certas características importantes como a própria quebra
de simetria quiral. Ademais, o que vêm se buscando muito, ultimamente, é alcançar um
modelo de descrição que seja completo, ou seja, que explique microscopicamente tanto
estados ligados de quarks como matéria desconfinada. Esse modelo, que seria concretizado
em uma equação de estado unificada, teria como consequência proporcionar que medidas
de massa e raio de pulsares possam ser utilizados para determinar as EoS ’s de matéria
fortemente interagente, justamente em regimes os quais não podem ser alcançados em
laboratórios. Isso permitiria, por exemplo, investigar as características de uma transição
de desconfinamento de quarks, algo essencial no desenvolvimento teórico da QCD hoje [2].
Alternativamente, vale a pena considerar uma outra perspectiva. Há muito se fala
sobre a validade da hipótese da matéria estranha (strange matter hypothesis). A hipótese
sugere que, na realidade, o verdadeiro estado fundamental da matéria seria a matéria
de quarks estranhos (strange quarks). Isso se baseia principalmente na percepção de que
quarks estranhos reduziriam a energia por bárion. Há aí um longo debate. No caso das
estrelas de nêutrons, essa hipótese teria consequências interessantes. Ocorreria, nesse
contexto, uma de duas situações: a matéria nuclear desconfinaria diretamente em matéria
estranha (resultando em três sabores de quarks); ou haveria uma transição gradual que,
primeiramente, desconfinaria em dois sabores e, em seguida, haveria a transição para
matéria em três sabores. Um prognóstico que vem sendo considerado em relação a estrelas
feitas de matéria estranha é o do cenário de duas famílias. Por argumentos associados ao
modo de formação da matéria estranha, haveria a possibilidade da existência simultânea
de duas famílias: uma de estrelas hadrônicas com massa máxima de até 1,6 M ; e outra
de estrelas estranhas cumprindo a demanda das 2 M [2]. Nesse sentido, de maneira
significativa e com possíveis implicações relevantes, empregou-se o cenário de duas famílias
na interpretação do já mencionado evento de fusão de objetos compactos GW 170817,
bem como foi sugerido que a discriminação entre esse cenário e o cenário usual pode ser
realizada desde que ondas gravitacionais emitidas no momento da fusão fossem detectadas
[67, 68].
formas de estrutura da matéria, que precisam ser explicadas pelas teorias físicas mais
fundamentais que existem, surgem. Aqui na Terra, mesmo os mais potentes laboratórios
e aceleradores de partículas não alcançam densidade necessária para atingir esse tipo
de matéria. Isso significa que objetos físicos como as estrelas de nêutrons são únicos em
propiciar algum tipo de estudo nesse sentido. A maneira como isso acontece perpassa
diretamente a utilização e o tratamento das equações de estado, comumente chamadas de
EoS ’s. As EoS ’s, em um dado sistema, são relações específicas entre pressão e densidade de
matéria que levam em conta a microfísica detalhada das interações entre a matéria nesse
sistema. Tratando-se de uma estrela de nêutrons, o mais direto a se fazer é descrever o
modelo teórico considerando a física nuclear e os vários tipos de interações existentes entre
partículas, obter daí uma EoS e, através das equações de equilíbrio hidrostático – que,
no caso de um objeto tão denso quanto uma estrela de nêutrons, são as equações TOV,
calculadas com base na relatividade geral –, resolver o problema para uma dada densidade
central, obtendo como resultado uma previsão de massa e raio para o objeto. Ou, é claro,
calculando para uma sequência de densidades centrais, resultando em uma sequência
de estrelas de nêutrons com massas e raios especificados. Como consequência, obtém-se
justamente o diagrama massa-raio ilustrado na Figura 1 – ali para várias EoS ’s diferentes.
Em contrapartida – devido à correspondência unívoca entre EoS ’s e famílias de estrelas de
nêutrons, que fica clara com a comparação da Figura 1 com a Figura 3 –, a metodologia
inversa também é utilizada: limites sobre as teorias físicas que dão sustentação à construção
das EoS ’s são impostos através das observações de estrelas de nêutrons. Ou seja, como
observações podem ser realizadas para medir massa e raio desses objetos, esses dados
podem ser utilizados para descartar EoS ’s – e, consequentemente, a teoria que as suporta –
que não acomodam tais propriedades físicas observadas na natureza. Para ficarmos apenas
em um exemplo, basta observar como, na Figura 1, a descoberta de algumas estrelas de
nêutrons com massa maior que 2 M já serve como limitação de diversas famílias de EoS ’s
mais brandas. Fato é que, na prática, ambos os procedimentos são utilizados, na tentativa
de obter uma explicação física mais adequada para os fenômenos observados tanto a nível
microscópico quanto a nível astronômico.
Vale destacar ainda algumas importantes propriedades gerais das equações de estado.
Observa-se que, para toda EoS, existe uma densidade central máxima além da qual nenhuma
configuração estelar estável é possível. Como consequência, toda EoS será caracterizada
por uma massa máxima de estrela de nêutrons. Além disso, foi mencionado rapidamente
na subseção precedente sobre as ações de abrandamento (softening) e enrijecimento
(stiffening) de equações de estado. Ocorre que uma EoS pode ser vista como uma medida
da compressibilidade da matéria, já que descreve a pressão como função da densidade
de um objeto físico. Ora, quanto mais pressão precisa ser imprimida a um objeto para
um mesmo valor de densidade, menos o objeto é compressível. Logo, observando todos os
pontos da relação pressão-densidade, uma EoS em que a pressão permanece sempre maior
2.2. Estrutura 37
em relação a outra EoS indica que a matéria descrita pela primeira é menos compressível. É
exatamente isso que se denota quando é dito que uma EoS possui maior rigidez (stiffness)
que outras: a matéria descrita por ela é menos compressível que as demais, que possuem, em
contrapartida, maior suavidade (softness). À vista disso, nas estrelas de nêutrons, equações
de estado mais suaves, justamente por estarem associadas a matérias mais compressíveis,
implicam estrelas de nêutrons com menores massas máximas que EoS ’s mais rígidas.
Ao longo de nosso trabalho, utilizaremos um tipo específico de equação de estado,
associado à matéria de quarks. Como uma das vantagens do seu uso, podemos afirmar
que, além de possuir uma expressão analítica e justamente por consequência disso, é
mais fácil de lidar numericamente. Outras opções, como EoS ’s associadas a estrelas
híbridas, requerem um tratamento computacional um pouco mais estendido, porém nos
possibilitariam uma abordagem mais realista. Fica como perspectiva que, em uma pesquisa
subsequente, utilize-se equações de estado mais realistas com o intuito de observar como
os fenômenos aqui descritos se aplicam em tais estrelas.
38 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons
1
p(ε) = (ε − 4B) . (2.1)
3
Vale a pena salientar que a construção de uma EoS unificada é uma tarefa bastante
desafiadora, devido ao fato de as condições físicas presentes em objetos compactos serem
tão extremas, e impossíveis de serem reproduzidas aqui na Terra. Apesar de modelos
teóricos serem exigidos, não há como, no presente momento, realizar cálculos teóricos ele-
mentares (até mesmo por uma impossibilidade computacional), sendo necessários modelos
fenomenológicos, considerando restrições tanto de observações astronômicas quanto de
2.3. Observações 39
2.3 Observações
Tratamos diversas vezes, até o momento, sobre observações e sua importância,
mas sempre superficialmente. Com essa seção, objetivamos, mesmo que de maneira ainda
breve e concisa, apresentar os principais modos de estudar observacionalmente estrelas
de nêutrons, desde o mais comum através das pulsações de fontes de rádio pulsantes (os
pulsares) até os mais recentes avanços no campo das ondas gravitacionais.
Vimos que estrelas de nêutrons são formadas após o colapso de uma estrela de
sequência principal em uma explosão de supernova. De uma estrela de raio ∼ 106 km,
surge um objeto de raio ∼ 10 − 12 km. Nisso, para satisfazer as leis de conservação de
momentum angular e de fluxo magnético durante esse processo, a magnitude tanto da
rotação quanto do campo magnético devem crescer em grandes escalas. Considerando que o
evento de explosão de supernova é bastante imprevisível, não faz sentido esperar que o eixo
de rotação e o eixo do campo magnético coincidam após o processo. De fato, tal situação
não ocorre, e, como consequência disso, nós sabemos da existência das estrelas de nêutrons:
é justamente esse desalinhamento entre os eixos magnético e de rotação que possibilitou
as primeiras (e a maioria até hoje) observações de estrelas de nêutrons na natureza. Isso
acontece por que os pulsos observados por nós na Terra são de radiação proveniente do eixo
magnético, radiação que, por sua vez, está mudando de direção constantemente, varrendo,
em forma de cone, o espaço, como ilustrado na Figura 4. Esse processo é chamado às
vezes de efeito farol (lighthouse effect). Dessa forma, se há a casualidade de estarmos
na direção de varredura do objeto, somos “atingidos” pela luz proveniente do objeto de
maneira constante, pulsação à pulsação.
Na verdade, tal radiação é emitida porque, dado o intenso campo magnético da
estrela de nêutrons, juntamente com a alta velocidade de rotação em sua superfície, é
gerada uma força de Lorentz que implica a aceleração de partículas carregadas para a
superfície da estrela e a criação do feixe eletromagnético que flui pelos polos do campo
magnético, responsável finalmente pela emissão das pulsações observadas por nós. Além
disso, também como consequência do desalinhamento entre os eixos magnético e de rotação,
o dipolo magnético aplica um torque que causa perda de energia rotacional na estrela, o que
40 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons
gera um aumento do período de rotação do objeto. Esse aumento é pequeno mas observável
(tendo como valor típico ∼ 10−15 s/s), e é constante (a não ser que hajam os chamados
glitches – alterações repentinas e inconstantes na frequência de rotação de um pulsar).
Nesse sentido, o aumento do período pode ser utilizado também como argumento para
estabelecer que pulsares são de fato estrelas de nêutrons. Afinal, poderia-se argumentar que
a pulsação ocorre por uma vibração do objeto, não por rotação. Não obstante, caso essa
fosse a situação, apenas a amplitude de tal vibração seria alterada, mantendo-se constante
a frequência. Esse é apenas um dos vários indicativos e evidências que demonstram a
associação entre estrela de nêutrons e pulsares [66].
Já que locais mais distantes coibem a detecção da radiação do pulsar na Terra, a
maioria dos pulsares detectados são de nossa galáxia. Hoje, temos descobertos mais de
2000 pulsares, sendo a grande maioria na Via Láctea. As observações para a descoberta
estão associadas a alguns parâmetros importantes: seu período de rotação P ; sua medida
de dispersão (dispersion measure) DM – relacionada à densidade de elétrons livres ao
longo da linha de visão entre o pulsar e a Terra –; e sua posição no céu. Não é sem motivo
que pulsares (mais especificamente os pulsares de milissegundo, os millisecond pulsars,
ou MSP’s) são considerados como os “relógios cósmicos” do universo: após um longo
monitoramento, períodos dos pulsares podem ser definidos com extrema precisão, de até
15 algarismos significativos. Tamanha precisão pode ser utilizada posteriormente para
caracterizar os demais parâmetros do objeto. Técnicas associadas a esses procedimentos de
medidas temporais de alta precisão podem também ser empregadas para testar a teoria da
relatividade geral em regime de campo forte, especialmente tratando-se de binárias – seja
de anã branca com estrela de nêutron, como de duas estrelas de nêutrons. Um exemplo
é o caso do pulsar duplo PSR J0737–3039, que fornece o melhor teste da relatividade
2.3. Observações 41
geral até hoje, confirmando a teoria de Einstein com apenas 0,05% de incerteza [2]. Vale
salientar que MSP’s são objetos que, além da rotação bastante significativa, apresentam
fracos campos magnéticos e idades avançadas. Nesse sentido, de início já foi associado aos
MSP’s uma nova classe de objetos, os pulsares reciclados (recycled pulsars). Hoje já está
estabelecido que esses pulsares participam do chamado cenário de reciclagem (recycling
scenario), de acordo com o qual a rotação das estrelas de nêutrons é ampliada durante
sua fase como binários de baixa massa emissores de raios-X (low mass X-ray binary, ou
LMXB’s). Ocorre que um dos componentes desse sistema binário – velho e fracamente
magnetizado – adere matéria de seu companheiro de baixa massa, num mecanismo em
que a matéria é aderida na superfície da estrela a velocidades relativísticas, fazendo com
que sua rotação seja acelerada a períodos de milissegundos. Considera-se que, dependendo
da EoS, apenas 0,1-0,2 M já é suficiente para acelerar a rotação do objeto aos curtos
períodos de um MSP [2].
Por outro lado, há pulsares que estão no outro extremo quando se trata de inten-
sidade dos campos magnéticos. Pulsares fortemente magnetizados, também conhecidos
como magnetares (Figura 5), são um conjunto de pulsares que alteram rapidamente suas
propriedades e comportamentos radiativos – acreditando-se ser a intensidade do campo
magnético a causadora de variações na crosta e na magnetosfera, que resultariam nessas
alterações térmicas e de emissão de energia que são visíveis para nós. Historicamente, foram
associados a dois grupos: os Anomalous X-ray Pulsars (AXP’s), objetos que superam a
luminosidade esperada para pulsares de raios-X comuns e, nesse sentido, são anômalos; e os
Soft Gamma-ray Repeaters (SGR’s), objetos que apresentam momentos de variação na sua
emissão de raios-γ ou raios-X. Através de medições de diminuição da rotação, percebeu-se
o intenso campo magnético que ambos tinham (1014 − 1015 G), e detecções que se seguiram
deixaram claras as semelhanças entre as classes de SGR’s e AXP’s, unificando-as no
conceito de magnetar. As mencionadas variações radiativas que esses objetos sofrem podem
ser divididas em bursts, outbursts e giant flares. Os dois primeiros estariam associados a
rápidas mudanças na estrutura do campo magnético, enquanto que o último vincularia-se
a um evento de escala mais global no objeto. Ambos os três liberariam, por fim, grandes
quantidades de energia armazenada, podendo chegar, no caso dos giant flares, a 1046 erg de
energia em um único segundo. Modelagens detalhadas desses eventos através de simulações
numéricas de alta performance vêm sendo feitas, trabalhando com modelos analíticos e
semi-analíticos previamente desenvolvidos [2].
Como já ficou claro, há um grande número de estrelas de nêutrons com carac-
terísticas físicas observadas relativamente distintas umas das outras. Isso requereu que
classificações começassem a ser realizadas. Uma delas foi exposta por Victoria Kaspi em
seu estudo sobre a unificação dos tipos de estrelas de nêutrons [70]. Além das classes já
exploradas acima – pulsares1 , binárias, MSP’s, e magnetares – Kaspi destaca as seguintes:
1
No seu estudo, Kaspi argumenta pela suplantação do termo rádio pulsar em favor do termo Rotation-
42 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons
RRAT ’s (Rotating Radio Transients), breves erupções em rádio de fontes galácticas mas
sem periodicidade – imagina-se poder ser uma forma extrema de RPP’s; RPP’s com alto
campo magnético, pouco mais fracos que magnetares e que apresentam consistência na
emissão em raios-X tanto em comparação a RPP’s usuais, quanto em relação a magnetares;
estrelas de nêutrons isoladas (Isolated Neutron Stars, ou INS ’s), que são caracterizadas por
uma relativa proximidade, ausência de emissão em rádio, longos períodos e fracos campos
magnéticos; e CCO’s, objetos que se encontram no centro de remanescentes de supernova
e que possuem propriedades enigmáticas como ausência de nebulosas associadas e de
peridiocidades de emissão eletromagnética. Invariavelmente, o desafio maior, segundo a
Powered Pulsar, ou RPP. Segundo ela, esse termo é “mais prudente e preciso”, porquanto o que
alimenta esses objetos é proveniente da sua energia rotacional, independentemente da sua emissão
eletromagnética ser em rádio, raios-X ou qualquer outra faixa do espectro.
2.3. Observações 43
autora, é estabelecer uma teoria das estrelas de nêutrons que abranja toda essa diversidade
de propriedades e características, podendo explicá-la. Nesse sentido, a ligação evolutiva
anteriormente mencionada entre LMXB’s e MSP’s, assim como as outras evidentes co-
nexões apresentadas aqui, são apenas alguns exemplo do que se espera, ou seja, de que
diversas dessas diferentes classes de estrelas de nêutrons estejam correlacionadas e, ainda,
representem estágios diferentes em uma única evolução temporal/térmica/magnética.
Como vimos na seção anterior, efetuar medições bastante precisas de massa e raio
pode demarcar limites importantes na construção das EoS ’s. Observações em diversas
faixas do espectro eletromagnético ajudam nessas medições, sendo as emissões em rádio,
no entanto, as responsáveis pelas medidas mais precisas e confiáveis que temos para massas.
Além disso, binárias – tanto sistemas de estrelas de nêutrons duplas (DNS ’s) quanto
sistemas MSP-anã branca (MSP-WD) – são as grandes fontes de medidas acuradas, já que
as massas de pulsares isolados não podem ser medidas devido aos métodos de medição
estarem quase todos associados aos movimentos orbitais de sistemas [1]. Na Figura 6,
vemos as medições de massa de diversas estrelas de nêutrons divididas por categorias; fica
claro, da figura, que a principal faixa de massas desses objetos percorre de ∼ 1, 1 − 2 M .
Trantando-se de raios, as medidas são numericamente menores. São mais dependente de
modelos e mais incertas que as medidas de alta precisão das massas, apesar de, nos últimos
anos, bastante progresso ter sido realizado em obter não só medidas de raio como também
de massa através emissões térmicas de LMXB’s [2]. Salientamos, porém, que, mesmo não
sendo quantitativamente muito significativa, a combinação das medidas de massa e raio
das estrelas de nêutrons mais massivas já consegue colocar algumas limitações em EoS ’s
que se referem a matéria consideravelmente mais densas que a densidade nuclear.
Em relação à massa máxima para estrelas de nêutrons, já é sabido há um tempo
que um limite é imposto devido a algumas suposições teóricas. Por exemplo, baseado nas
análises do já citado trabalho de Rhoades e Ruffini [17]2 , Glendenning [66] encontra um
valor de massa limite de 3,14 M (juntamente ao valor menos restritivo de 4,30 M ). Mas é
claro que, como discutido na seção precedente, a massa máxima ainda depende teoricamente
das diversas propriedades da estrela, da composição à disposição da matéria. Já do ponto de
vista observacional, um limite claro sempre ficou em torno de 2,0-2,1 M . Como é possível
ver na Figura 6, a maior medida (com precisão) naquele momento era do pulsar reciclado
J0348+0432, com massa de 2, 01 ± 0, 04 M . Atualmente, a medida mais precisa fica com
a estrela PSR J0740+6620, estrela de nêutrons em um sistema binário com uma anã
branca, confirmada como pulsar de milissegundos, e que apresentou massa de 2, 14+0,20
−0,18 M
[71] (refinada posteriormente para 2, 08 ± 0, 07 M [72]). Objetos com massas superiores
2
Os autores consideram pressupostos bastante gerais: estrutura regida pelas equações da relatividade
geral; matéria localmente estável frente a contrações/expansões espontâneas quep a retirariam do
equilíbrio (dp/dε ≥ 0); limite causal, onde perturbações propagadas com velocidades ( dp/dε) maiores
ou iguais a 1 não são permitidas; e, por fim, a exigência de uma EoS contínua entre matéria de baixa e
alta densidade.
44 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons
Figura 6 – Massas conhecidas de algumas estrelas de nêutrons; dados de até 2016 [1].
costumam ser raros e mais difíceis de medir. Özel e Freire [1] exemplificam isso para um
caso particular de estrelas denominadas viúvas negras (black widows), que são consideradas
uma classe de MSP’s. Esses objetos irradiam e “amputam” (ablate) suas parceiras de
baixa massa. Há, porém, diversas complexidades (associadas a medidas de espectrocopia e
curvas ópticas) em obter medidas precisas dessas companheiras amputadas, o que resulta
em grandes incertezas nas massas inferidas. Mesmo assim, esses resultados sugerem que
objetos mais massivos que o pulsar J0348+0432 (e que o PSR J0740+6620) podem ser
2.3. Observações 45
encontrados, apesar dos mecanismos atuais de observação não permitirem investigar melhor
as características desses objetos em particular. Adicionalmente, massas maiores ainda
vêm sendo obtidas mais recentemente – através, por exemplo, das observações, via ondas
gravitacionais, de eventos de fusão de objetos compactos –, o que se encaixa na perspectiva
das investigações recentes acerca de estrelas ultracompactas; retomaremos esses casos logo
mais na seção subsequente.
Por fim, não poderíamos deixar de dedicar um espaço para expor os avanços
observacionais que foram realizados como consequência da extremamente significativa
detecção direta de ondas gravitacionais. Como já mencionado no Capítulo 1, a primeira
detecção de ondas gravitacionais associada a estrela de nêutrons veio apenas após várias
detecções alternativas. Essas primeiras foram todas relacionadas a sistemas binários de
buracos negros. Então, em 2017, detectou-se o primeiro sinal advindo de uma binária de
estrelas de nêutrons [56], ou seja, do mesmo sistema que havia, anos atrás, estabelecido
indiretamente a existência de radiação gravitacional [73]. Após a formação de um sistema
binário de estrelas de nêutrons – que pode ocorrer tanto por formação direta de um já
existente sistema binário de estrelas de sequência principal, quanto pela chamada captura
dinâmica, que se passaria em locais mais densos de estrelas de nêutrons como aglomerados
globulares –, espera-se que, sendo o sistema suficientemente compacto, aconteça a espe-
rada fusão, através da dissipação do seu momentum angular pela emissão de radiação
gravitacional. Tal fusão de sistemas binários de estrelas de nêutrons se impõe como um
processo riquíssimo na oportunidade de nos dar informações físicas preciosas, devido à
toda uma situação extrema já evidenciada em estrelas de nêutrons, agora multiplicada,
com uma microfísica ainda mais complexa, processos eletromagnéticos extremamente
diversos, campos gravitacionais ainda mais intensos. Tratando mais especificamente da
fusão observada: em Agosto de 2017, uma avançada rede de detectores (LIGO e Virgo)
constatou o sinal da espiral para dentro (inspiral) seguida de fusão do sistema binário de
estrelas de nêutrons GW 170817. Ao mesmo tempo, diversos observatórios ao redor do
mundo forneceram confirmação da associação de tal fusão com um SGRB (GRB 170817A)
através de detecções eletromagnéticas correlatas. Restringindo certos parâmetros físicos,
Abbott et al. [56] obtiveram como massa total do sistema 2, 74+0,04−0,01 M , estimando as
massas de cada estrela como estando na faixa de 1,17–1,60 M . Outro evento de detecção
de ondas gravitacionais de interesse para nós é o GW 190814; esse caso trataremos em
detalhe na seção sobre estrelas ultracompactas, justamente por se tratar de um sistema
binário tendo como um de seus componentes um objeto possivelmente ultracompacto.
Uma importante consequência das fusões é que suas dinâmicas (incluindo formas de onda,
discos de fusão, escalas de tempo, emissões eletromagnéticas) dependem sensitivamente da
massa, raio e composição dos objetos envolvidos, o que implica uma possível utilização
desses dados para restringir equações de estado e, por conseguinte, toda a física extrema
que permeia os cálculos delas. Ademais, vale destacar que se espera também, num futuro
46 Capítulo 2. Estrelas de nêutrons
fim, vale a pena também mencionar o papel das ondas gravitacionais em relação aos
buracos negros. Isso por que ondas gravitacionais, expressando a relatividade geral em sua
forma mais extrema, estão diretamente associadas à atividade dos objetos mais compactos
do universo, especialmente os buracos negros. Ondas gravitacionais podem ser definidas
como pequenas perturbações na curvatura do espaço-tempo que se movem através desse
mesmo espaço-tempo. Essa série de ondas forma um complexo padrão no espaço-tempo, e
pode ser gerado por uma diversidade de fenômenos: supernovas; estrelas binárias; colapsos
gravitacionais; explosões em núcleos galácticos [74]. Em especial, o que vem sendo estudado
e detectado recentemente são ondas gravitacionais obtidas da fusão de objetos compactos
(ver Figura 7) como buracos negros – foi especialmente essa série de detecções que permitiu
o avanço da física das ondas gravitacionais. Isso também possibilitou a investigação de
estrelas ultracompactas, pois detectou-se ao menos um objeto na referida lacuna de massas,
com a perspectiva de se detectar mais outros objetos desse tipo com o maior progresso da
física de ondas gravitacionais.
1 4
≤C≤ . (2.2)
3 9
A Figura 8 é elucidativa no sentido de classificar as estrelas ultracompactas, embora
com critérios diferentes dos acima citados, mas que ainda assim podem ser associados à
compacidade, como a diferença entre o raio do objeto e o raio de Schwarzschild e o tempo
que um feixe de luz demoraria para ir da esfera de fótons à superfície do objeto. Tipos
mais específicos de estrelas ultracompactas (alguns já citados anteriormente) também
são mencionados na Figura. Não obstante a isso, o critério para classificação de estrelas
ultracompactas a ser utilizado no presente trabalho mantém-se de acordo com a equação
2.2.
2.4. Estrelas ultracompactas 49
3 Equações TOV
µ=0 ν=0
A0µ = aµν Aν ,
Antes de prosseguir, é útil definir o tensor que atua como operador gradiente para o
espaço-tempo: !
∂ ∂ ∂ ∂
∂µ = , , , ,
∂x0 ∂x1 ∂x2 ∂x3
sendo o decorrente operador laplaciano ∂µ ∂ µ um tensor de ordem zero.
Agora, redirecionando o estudo para a matéria presente no espaço-tempo, intro-
duzamos uma quantidade física de muita relevância para o tratamento relativístico: o
tensor de energia-momentum T µν . A introdução de um tensor se faz necessária quando
percebemos as diversas quantidades físicas envolvidas no tratamento da matéria. Além da
3.1. Teoria da relatividade geral 53
T µν = (ε + p)uµ uν − pg µν , (3.4)
dxµ
sendo uµ a quadri-velocidade dτ
, de componente espacial ~v , e que satisfaz a equação
gµν uµ uν = 1 . (3.5)
∂ν T µν = 0 . (3.6)
Para que seja possível construir a teoria da relatividade geral, precisamos antes
trabalhar certas ferramentas matemáticas. É sabido que, por exemplo, uma diferenciação
simples não fornece uma quantidade tensorial no espaço-tempo curvo. Como realizar a
derivação corretamente é um dos problemas do campo da geometria afim – a geometria que
examina o comportamento de segmentos de linha paralelos. Para a correta diferenciação,
devemos considerar a mudança sofrida por um vetor durante um deslocamento, levando
em conta quanto dessa mudança deve ser atribuída ao chamado transporte paralelo. A
teoria por trás da geometria riemmaniana necessária para a relatividade geral é exposta,
por exemplo, em [76]. Aqui somente apresentaremos alguns resultados consideravelmente
úteis.
Comecemos então pela definição de derivada covariante. Essa diferenciação considera
o transporte paralelo citado acima. A derivada covariante do vetor Aµ é dada por
onde Aµ,ν representa a derivada usual e Γαµν os símbolos de Christoffel. Pode ser demons-
trado que o tensor métrico determina completamente os símbolos de Christoffel, de tal
modo que
1
Γαµν = g αβ (gβµ,ν + gνβ,µ − gµν,β ) . (3.8)
2
Nota-se que os símbolos são simétricos nos índices inferiores:
Um importante aspecto desse tensor é que ele é o único tensor de ordem quatro que
pode ser construído ao se tomar combinações lineares das segundas derivadas da métrica.
Contraindo o primeiro e o último índice do tensor de Riemann, obtemos o tensor de
segunda ordem Rβµ (simétrico em β e µ), o tensor de Ricci
Rβµ = Rαβµα ,
R = Rββ . (3.12)
Por fim, não poderíamos deixar de apresentar a equação da geodésica. Ela equivale, no
espaço-tempo curvo, à ideia de linha reta no espaço plano; ou seja, uma partícula livre
sempre irá mover-se ao longo de uma geodésica. Seu trajeto é obtido através da equação:
d 2 xσ α
σ dx dx
β
+ Γ αβ =0, (3.13)
dτ 2 dτ dτ
Falta estabelecer uma conexão entre as constantes a e b e encontrar os seus valores. Pela lei
de conservação associada ao tensor energia-momentum e generalizada para a relatividade
geral (equação 3.6 com a derivada usual substituída pela derivada covariante), ou seja,
usando
Tµ;ν ν = 0 , (3.16)
podemos restringir o tensor Gµν . Elevando o segundo índice na equação 3.15, derivando
de forma covariante e utilizando a equação 3.16, obtemos, se consideramos também a
conhecida identidade de Bianchi [76], o seguinte sistema:
aR ν
µ; ν + bR,µ = 0
(3.17)
R ν − 12 R,µ = 0 ,
µ; ν
o que implica b = − 12 a. Por fim, levando ao limite não-relativístico, pode ser demonstrado
que a = 1 (assim como κ = 8πG), produzindo o seguinte conjunto de equações2 :
1
Rµν − gµν R = κTµν . (3.18)
2
Como expressa o físico teórico John A. Wheeler, a massa (lado direito) diz ao
espaço-tempo (lado esquerdo) como se curvar, e o espaço-tempo (lado esquerdo) diz à
massa (lado direito) como se mover: essa é a relação dialética presente nas equações de
campo de Einstein e que representa a consistente interação entre geometria e matéria que
rege o nosso universo. Vale pontuar que não existe procedimento geral para resolver essas
equações analiticamente. Na próxima seção, faremos algumas hipóteses para facilitar a
solução dessas equações em uma situação específica de interesse.
2
Nesse tratamento desconsideramos a generalização possível das equações de Einstein para aplicações
cosmológicas (que, no entanto, seria satisfeita pela simples adição de um termo proporcional à métrica,
que é evidentemente um tensor de segunda ordem, não comprometendo nossas hipóteses iniciais).
56 Capítulo 3. Equações TOV
dP (r) Mr ρ
= −G 2 , (3.19)
dr r
Γ001 , Γ010 , Γ100 , Γ111 , Γ122 , Γ133 , Γ212 , Γ221 , Γ233 , Γ313 , Γ331 , Γ323 , Γ332 .
3
Uma derivação pode ser encontrada na Seção 10.1 de [77].
3.2. Equilíbrio hidrostático em estrelas de nêutrons 57
onde a equação 3.11 foi utilizada, e as componentes são – com exceção da R33 que
se mostra sem valor prático por acabar não sendo independente de R22 – funções do
tipo Rαα (r, λ, ν, λ0 , ν 0 , λ00 , ν 00 ), onde a derivada indicada diz respeito à coordenada r. O
próximo passo é calcular R via equação 3.11, seguido do cálculo do tensor de Einstein
Gαβ = Rαβ − 21 gαβ R, o que finaliza nossos cálculos relativos ao lado esquerdo das equações
de Einstein.
Levando em conta que o objeto astrofísico em questão pode ser considerado como
um fluido perfeito, estamos aptos a utilizar a expressão para o tensor de energia-momentum
3.4 que, juntamente com a equação 3.5, implica prontamente
Sendo assim, obtemos três equações, aqui numeradas de acordo com o índice associado aos
tensores em questão: α = 0, 1, 2. De α = 0 obtemos, utilizando a equação de conservação
de massa 3.20 (também válida na relatividade geral), as seguintes expressões:
2GMr
e−2λ = 1 − ,
r
∂λ 1 h i
= 1 − (1 + κr2 ε)e2λ .
∂r 2r
Já de α = 1, obtemos:
∂ν 1 h i
=− 1 − (1 − κr2 p)e2λ .
∂r 2r
Substituindo as expressões acima (e suas derivadas) na relação obtida quando α = 2, após
uma álgebra em parte laboriosa, obtemos, por fim,
dp (ε + p)(4πrp3 + Mr )
=− , (3.24)
dr r r − 2Mr
G
expressão que, juntamente com a equação 3.20, forma o par de equações diferenciais de equi-
líbrio hidrostático na relatividade geral, as chamadas equações de Tolman-Oppenheimer-
Volkoff – equações TOV. Somado a uma equação de estado (EoS ) – equação essa obtida da
maneira descrita na Subseção 2.2.2 – adequada para a composição e a estrutura material
da estrela, e a condições de contorno apropriadas, podemos obter a pressão, a densidade
de energia e a massa como funções do raio estelar, assim como obter valores absolutos de
raio e massa total, fazer gráficos, comparar com dados astronômicos e contribuir para o
desenvolvimento da física de objetos astrofísicos em geral e de estrelas de nêutrons em
particular.
58 Capítulo 3. Equações TOV
2 B1/4=145 MeV
B1/4 =170 MeV
B1/4=200 MeV
1.5
M/MO•
0.5
0
1x1015 1x1016
3
log εc (g/cm )
2.5
B1/4=154.5 MeV
1.5
M/MO•
Charm Stars
1
Strange Stars
0.5
0
1x1014 1x1015 1x1016 1x1017 1x1018 1x1019 1x1020
log εc (g/cm3)
M = 0.5 Mo
M = 1.0 Mo
M = 1.6 Mo
15
1x10
log ε (g/cm3)
1x1014
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
r (km)
Figura 11 – Perfis de densidade para três estrelas de quarks com massas distintas; aqui,
1
consideramos massa não nula (ms = 150 MeV) para os quarks strange. B 4 =
154.5 MeV. mu = md = 0, ms = 150 MeV.
Quark Down
Quark Up
Quark Strange
1
Proper number density (fm-3)
0.1
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
r (km)
1
Figura 12 – Populações de quarks para uma estrela de massa M = 1.6M . B 4 = 154.5
MeV. mu = md = 0, ms = 150 MeV.
3.3. Algumas soluções numéricas 61
Quark Up
Quark Down
Quark Strange
Quark Charm
Electron
100
Proper number density (fm-3)
10
0.1
0.1 1
r (km)
Figura 13 – Populações de quarks e elétrons para uma estrela de massa próxima à limite
1
contendo quarks charm. B 4 = 154.5 MeV. mu = md = 0, ms = 150 MeV,
mc = 1500 MeV.
63
a abordagem de Zubairi e Weber [78, 79]. A métrica utilizada (que chamaremos de métrica
de Zubairi-Weber) é a seguinte:
e−2φ(r) 0 0 0
2M (r) −γ
0 − 1− 0 0
gµν = r
(4.1)
,
0 0 −r2 0
0 0 0 −r sin2 θ
2
!−γ
dφ 1 2M (r)
= 1 − (1 + 8πr2 p) 1 − , (4.4)
2r
dr r
!2 !−1 ! !γ
2M (r) dM (r) M (r) dφ 1 2M (r)
!
d2 φ dφ − γr 1 −
r 2
2
− − − · 1− = −8πr2 p .
dr dr r dr r dr r r
(4.5)
Por fim, combinando-as, obtemos o par de equações
dM (r)
= 4πγr2 ε(r) , (4.6)
dr
2M (r) γ
h i
dp (ε + p) 4πr3 p + 21 r 1 − 1 − r
=−
2M (r) γ
, (4.7)
dr r2 1 − r
250
γ = 0.8 (2.09 MO•)
γ = 0.9 (1.80 MO•)
200 γ = 1.0 (1.56 MO•)
γ = 1.1 (1.37 MO•)
p (MeV/fm3) γ = 1.2 (1.21 MO•)
150
100
50
0
1000
900
800
700
ε (MeV/fm3)
600
500
400
300
200
100
0
0 2 4 6 8 10 12
Req (km)
2.5
γ = 0.8
γ = 0.9
γ = 1.0
γ = 1.1
γ = 1.2
2
1.5
M/MO•
0.5
0
1x1015 1x1016 1x1017
εc (g/cm3)
2.5
γ = 0.8 (2.17 MO•)
γ = 0.9 (1.88 MO•)
γ = 1.0 (1.64 MO•)
γ = 1.1 (1.44 MO•)
γ = 1.2 (1.27 MO•)
2
1.5
M/MO•
0.5
0
3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Req (km)
dM (r)
= 4πr2 ε(r) . (4.12)
dr
Os diagramas das Figuras 18 e 19 são resultados numéricos obtidos diretamente
das equações TOV para as C-stars, no caso da equação de estado do modelo de sacola. É
notável que, para C → 0, os pontos de inflexão das curvas são mais acentuados. Algumas
características são interessantes de ser notadas, como o fato de as C-stars existirem por
uma vasta variedade de massas e serem, no geral, mais massivas e compactas que as estrelas
isotrópicas usuais. No mais, vemos que, apesar de Raposo et al. [49] utilizarem outra
equação de estado para resolver o problema das C-stars (utilizam uma EoS politrópica
de índice adiabático 2), qualitativamente o resultado gráfico obtido por eles é bastante
similar ao obtido por nós no presente trabalho.
10
BN
C=0
C = 1013
C = 104
C = 106
C = 108
C = 10
1
M/MO•
0.1
1 10
R/MO•
0.5
0.4
0.3
M/R
0.2
0.1
0
1 10
R/MO•
7
BN
γ = 1.00
γ = 0.83
6
γ = 0.49
γ = 0.22
C=0
3
5 C = 104
C = 105
C = 10
4
M/MO•
0
2 4 6 8 10 12 14 16 18
R (km)
Figura 21 – Advindos da fonte (source), fótons com alto parâmetro de impacto são leve-
mente curvados (curva preta), e chegam ao observador (observer), enquanto
aqueles com pequeno parâmetro de impacto (curva azul) são absorvidos e
atingem o objeto. A curva vermelha corresponde a fótons que viajam uma
quantidade infinita de tempo ao redor do anel de luz antes de serem dispersos
ou absorvidos. Tais fótons críticos têm um parâmetro de impacto específico b.
A área sombreada em cinza é a esfera de fótons. A Figura se encontra em [8].
A Figura 21 demonstra bem essa característica. Todo raio de luz com parâmetro
de impacto menor ou igual ao dos fótons críticos acaba sendo “capturado” pelo objeto
compacto. Vê-se, portanto, que uma órbita assim é possível apenas nos casos em que o
objeto é compacto o suficiente para que o raio da esfera de fótons esteja no lado de fora
72 Capítulo 5. Estrelas deformadas e a esfera de fótons
dele; ou seja, objetos como buracos negros (onde a massa é concentrada em um ponto),
e estrelas ultracompactas, com compacidade suficiente para deslocar o raio da esfera de
fótons para fora do objeto.
Vamos agora calcular analiticamente a trajetória desses raios de luz, perspectivando
relacionar o raio da esfera de fótons com o parâmetro de impacto crítico associado ao
objeto. Lembrando que na relatividade geral partículas livres (como os fótons aqui) sempre
se movem ao longo de uma geodésica, começamos com a equação da geodésica, equação
3.13, a qual replicamos aqui:
d 2 xσ α
σ dx dx
β
+ Γ αβ =0. (5.1)
dτ 2 dτ dτ
∂φ
ẗ − 2 ṫṙ = 0 , (5.2)
∂r
2m 2m 2m 2m γ 2
γ −1 ! γ
∂φ −2φ 2 γ ∂m m
r̈−ṫ2
1− e +ṙ 1− − −θ̇2 r 1 − −ϕ̇2 r 1 − sin θ = 0 ,
r ∂r r r ∂r r r r
(5.3)
2
θ̈ + ṙθ̇ − ϕ̇2 sin θ cos θ = 0 , (5.4)
r
2
ϕ̈ + ṙϕ̇ + 2θ̇ϕ̇ cot θ = 0 . (5.5)
r
L
ṫ = Ee2φ , ϕ̇ = ,
r2
que estão associadas, nessa ordem, às conservações de momentum angular e de energia.
Enquanto isso, da equação 5.3, obtemos, após algumas manipulações, e depois de introduzir
a variável u ≡ 1r :
2m 2m
−γ −γ
L2
E 2
1− − 1− ṙ2 − =1 ⇒
r r r2
!2
du
2
E −L 2
− L2 u2 (1 − 2mu)γ = (1 − 2mu)γ . (5.6)
dϕ
5.1. Trajetória da luz próximo a objetos compactos 73
2m
−1 !
∂φ γ ∂m m
− 1− − =0.
∂r r r ∂r r
9
γ = 1.00
γ = 0.83
8 γ = 0.49
6
∆ϕ - π (radianos)
0
1.5 2 2.5 3 3.5 4 4.5 5 5.5
b/rs
•
bcrit
γ=1→ ≈ 2.598, (5.10)
rs
o que nos dá, de acordo com a equação 5.8 (lembrando que u0 = 1
r0
), r0 = 1.5 rs
como raio da fotosfera.
•
bcrit
γ = 0.83 → ≈ 2.354, (5.11)
rs
o que nos dá r0 = 1.415 rs como raio da fotosfera.
•
bcrit
γ = 0.49 → ≈ 1.854, (5.12)
rs
o que nos dá r0 = 1.245 rs como raio da fotosfera.
Até agora, efetuamos o que havíamos proposto: encontrar uma relação entre o
parâmetro de impacto crítico bcrit e o raio r0 da esfera de fótons. Na próxima seção, veremos
como esse resultado irá nos ajudar a identificar um interessante fenômeno associado a
estrelas deformadas e suas esferas de fótons.
5.2. Esfera de fótons em estrelas deformadas 75
r0 = 4.179 M̄ , (5.13)
r0 = 3.677 M̄ . (5.14)
Logo, devemos buscar analisar as intersecções entre os diagramas Massa-Raio de cada uma
das estrelas deformadas (ou Raio-Massa, para melhor visualização) e as suas respectivas
retas: 5.13 e 5.14.
Mais precisamente, o procedimento é o seguinte: como a estrela que estamos
estudando é deformada, ela possui não apenas um, mas dois raios – o equatorial Req e o
polar Rp . Já a esfera de fótons possui apenas um raio, r0 . Sendo assim, há a possibilidade
de que, em parte da estrela, o raio da esfera de fótons seja maior que o “raio” do objeto
(que varia de Req até Rp ou vice versa), levando a esfera de fótons a ser externa nesse
seguimento angular, enquanto que em outra parte da estrela r0 pode ser menor que o raio
estelar a partir de um determinado ângulo zenital, fazendo com que a esfera de fótons
internalize a partir dali. Isso tudo fica muito claro tanto nos gráficos das Figuras 23 e 24
76 Capítulo 5. Estrelas deformadas e a esfera de fótons
quanto nas representações dos objetos estelares deformados e suas esferas de fótons nas
Figuras 25 e 26. Fica evidente nas figuras como o aumento da deformação possibilita o
aumento da percepção visual do fenômeno.
Vale destacar que esse é um fenômeno que não foi ainda detectado ou mesmo
proposto teoricamente. Um possível argumento que poderia ser trazido em oposição à
existência desse fenômeno é a de que a esfera de fótons poderia também ser deformada,
conjuntamente com o objeto estelar. No entanto, a hipótese que seguimos no presente
trabalho é a de que apenas o objeto se deforma, mantendo-se a esfera de fótons sem
alteração. Essa hipótese baseia-se no estudo já mencionado de Zubairi e Weber [79]. Nesse
capítulo, mais especificamente na Seção 5, “Fully Self-Consistent Models of Non-Spherical
Compact Objects”, os autores argumentam que se pode dividir o gradiente de pressão
interna da estrela em duas direções: uma perpendicular e uma paralela ao raio. Isso significa,
na prática, e com utilidade para nosso trabalho, que é possível considerar a deformação
apenas como resultado de uma anisotropia, mantendo-se sem alteração, por exemplo, a
esfera de fótons. Essa é a possibilidade que consideramos e a hipótese a qual decidimos
explorar, não sendo, de fato, a única viável. No mais, destacamos que esse importante
fenômeno pode vir a ser descoberto observacionalmente em um futuro próximo, dada a
rápida evolução tecnológica no campo da astronomia observacional, como já exposto no
Capítulo 2.
5.2. Esfera de fótons em estrelas deformadas 77
6 Conclusões
utilização de uma EoS realista poderia servir como o próximo passo de investigação.
Esperamos, contudo, que o presente trabalho tenha sido capaz de contribuir, mesmo que
minimamente, para que pesquisadoras e pesquisadores futuros da área possam avançar no
estudo de estrelas ultracompactas, tanto observacionalmente quanto no plano teórico e em
ambos conjuntamente.
81
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Apêndices
89
{nk }
T k=1
TV Z ∞ h 1
i
⇒ Φ(T, V, µ) = − 2 ln 1 + e− T (E(k)−µ) k 2 dk .
2π 0
Consideramos resultados conhecidos da Termodinâmica, com o objetivo de calcular
a pressão p, a densidade de matéria ρ e a densidade de energia ε:
! !
∂Φ ∂Φ
dΦ = −pdV − SdT − N dµ → p = − , N =− .
∂V µ,T
∂µ V,T
Aqui, n(k, µf ) = 1
1 (E(k)−µ )
f
representa a distribuição de Fermi-Dirac:
eT +1
1 γf Z ∞ ∂E
p = −B + [n(k, µf ) + n(k, −µf )] k 2 dk .
X
k
f 3 2π 2 0 ∂k
Sendo ρ = N
V
, U = Φ + ST + µN e ε = ∂U
∂V
, obtemos:
µ,T
X γf Z ∞
ρ= [n(k, µf ) − n(k, −µf )] k 2 dk ,
f 2π 2 0
X γf Z ∞
ε=B+ E(k) [n(k, µf ) + n(k, −µf )] k 2 dk .
f 2π 2 0
X kf3
ρ= ,
f π2
1 3 3 µf + kf
X " !#
p = −B + µf kf µ2f − m2f + m4f ln ,
f 4π 2 2 2 mf
3 1 1 µf + kf
X " !#
ε=B+ µf kf µ2f + m2f − m4f ln .
f 4π 2 2 2 mf
Escalar de Ricci:
!2 !
2 ∂ 2 ν ∂ν ∂λ ∂ν 1 2 ∂ν ∂λ −2λ
R = 2 − 2 2 − + + 2+ − e .
r ∂r ∂r ∂r ∂r r r ∂r ∂r